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MÉTODO PSICANALÍTICO 
AULA 5 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Profª Juliana Santos
 
 
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CONVERSA INICIAL 
O campo da psicanálise é o campo da economia de gozo, desde Freud 
em Estudos sobre a histeria, que estabeleceu a associação livre como método, 
até a Interpretação do sonho, quando introduz a linha do trabalho do inconsciente 
que se realiza cifrando o gozo, o analista denuncia: goza-se! 
O pai do gozo absoluto é morto, e o sujeito goza do próprio corpo 
tomando-o como objeto. Depois, ao lançar luz sobre os paradoxos do gozo que 
se apresentam entre prazer e desprazer, insere uma nova dimensão no discurso 
do analista, o qual entra em jogo o impossível. Com a afirmação de um 
masoquismo originário, Lacan, por sua vez, extrai dos textos freudiano o campo 
do real e implica o trabalho analítico no campo do gozo. 
Dessa forma, a formação do analista, tal qual pensou Lacan, não pode 
excluir a dimensão do gozo, aplicando no coletivo um efetivo retorno a Freud, 
que toma a formação do analista pelas formações do inconsciente. Portanto, 
para seguirmos na proposta de estudos, cabe-nos também abordar, nesse 
momento, a formação do analista, que inclui, em sua dimensão: a Escola de 
formação do psicanalista, o cartel, o passe, o final de análise e o ato analítico. 
TEMA 1 – A ESCOLA DE FORMAÇÃO DO PSICANALISTA 
Não há formação do analista; há formação do inconsciente, destaca 
Antonio Quinet em seu livro A estranheza da psicanálise (2009), no qual aponta 
para a impossibilidade de generalizar a formação do analista, visto que ela deve 
ser pautada na análise do inconsciente, ou seja, de sujeito a sujeito. 
A pergunta que surge é: então, o que quis Lacan ao fundar a Escola de 
psicanálise? A resposta é dada por ele nos textos fundadores do capítulo V, em 
os Outros Escritos. Nesses textos, Lacan (1964) destaca seu posicionamento 
sobre a análise e o analista, as precisões organizacionais e os manifestos dos 
quais ele participou. E é sobre esses textos que nos debruçaremos agora. 
O uso do termo “Escola” foi utilizado pretensiosamente para enfatizar o 
lugar de ensino e do estudo, distinguindo das “associações e sociedades” das 
quais já se presume um centro cientifico ou um lugar de corporativismo. A Escola 
de psicanálise consiste em um lugar para o psicanalista e também o não analista, 
desde que a causa seja a psicanálise. Assim, o principio da Escola se liga à 
 
 
3 
permutação e a duas estruturas inovadoras instituídas por Lacan: o cartel e o 
dispositivo do passe. 
Colette Soler, em seu livro A psicanálise na civilização (1998), defronta-
nos com esses princípios da Escola e nos indica que espera-se que a 
permutação quebre a consistência da hierarquia que configurou na IPA, visto 
que contraria a própria transmissão analítica. O cartel deve servir ao trabalho 
para todos, ou seja, tanto para os galonados quanto para os novatos, pois se 
não há grupo sem traço unário, mais vale a identificação ao trabalhador 
analisante que a identificação ao colégio dos mestres, complementa Soler (1998, 
p. 144). 
Quanto ao passe, é a estrutura da Escola que se destina a fazer da Escola 
uma verdadeira escola de psicanálise, ao dar evidências ao fim de uma análise. 
Soler declara que “ele visa, mais-além do título que ele outorga, uma nova 
compilação de testemunhos verídicos sobre análise que torna possível o 
analista” (1998, p. 144). 
No entanto, conforme nos expõe Soler, a Escola proposta por Lacan não 
alcançou o seu objetivo, uma vez que a permutação foi ali uma palavra em vã, 
esquecida no Ato de fundação, erigindo rapidamente uma oligarquia. Os cartéis 
permanecem adormecidos e, mesmo que tenha incitado alguma euforia, houve 
mais causadores do que trabalhadores. E quanto ao passe, ele tampouco 
alcançou o seu objetivo. 
Desse modo, segundo Soler, a Escola serviu mais aos seus membros do 
que propriamente à psicanálise, visto que foi útil para publicidade e para autorizar 
quem a consumiu. “Enfim, para dar a última palavra a Lacan, ela tornou seu 
ensino ‘água de esgoto’” (Soler, 1998, p. 144-45). 
A crítica às sociedades de psicanálise, que foram se propagando mundo 
a fora com objetivo aparente de identificar os psicanalistas na sociedade, é 
grande. Pois, para Soler, os psicanalistas adoram se reunir para falar de 
psicanálise, mas, isso torna-se uma irresponsabilidade de dimensão coletiva, já 
que, a propósito da psicanálise se constituir por hiâncias irredutíveis, com as 
quais Lacan não se cansou de compor experiências, no entanto, vê-se uma 
tentativa de tamponar suas fendas com suas “tagarelices”. 
 
 
 
4 
1.1 As Escolas de psicanálise: o conceito lacaniano 
A Escola inventada por Lacan tem a mesma estrutura do sujeito, cuja 
organização se dá a partir do furo. É pela ausência de conceitos pré-
estabelecidos sobre o analista e sua formação que ela se organiza e faz 
progredir a psicanálise. Quinet (2009, p. 91) diz: “A formação do analista é 
necessária e estranhamente desregulamentada e está, em sua essência, 
referida e pautada pela psicanálise pura – a análise que produz um psicanalista”. 
Sendo assim, ao fundar a Escola, Lacan cria um novo conceito que tira do 
centro das atenções o saber do mestre e coloca o ensino em seu lugar, incluído, 
desse modo, o discurso como o agente da causa. A Escola, portanto, é um lugar 
que abriga o objeto a. E se o objeto a, como objeto pulsional e causa de desejo, 
diz Quinet, é aquilo que é rejeitado pela civilização, a Escola é a instituição que, 
apesar de ser da civilização, deve abrigá-lo, sabendo que, por sua estrutura e 
por ser próprio a cada um, o objeto a, diferente do significante, não é 
coletivizador (Quinet, 2009, p. 93). 
A Escola é um organismo de trabalho, situou Lacan em seus artigos 
fundador de 1964. O aspecto skolé não é o de lazer, o seu sentido é de trabalho, 
um trabalho para a psicanálise, em que analistas se empenham a produzir saber, 
através de estudos e escritas. Segundo Quinet, tal atitude mudou 
completamente a história da psicanálise, a partir da qual os psicanalistas passam 
a responder a uma exigência ética e epistêmica para que deem conta dos seus 
atos a partir da elaboração de seu saber (2009, p. 94). 
A Escola tem, em seu âmbito, a “transferência de trabalho”, visto que a 
transmissão da psicanálise só é efetiva em transferência. Sendo assim, a 
transmissão se realiza no um a um, fazendo objeção à normatização, pois o que 
está em jogo é o estilo, que é tributário, daquilo que ele tem de mais particular – 
o objeto a. Desse modo, o ensinante transmite a psicanalise como sujeito 
dividido, interrogando outro sujeito com o seu estilo, transferindo assim o 
trabalho que a psicanalise o leva a realizar. “A transmissão implica, portanto, 
transferir o trabalho provocado pela psicanálise” (Quinet, 2009, p. 94). 
O “trabalhador decidido”, ou seja, a decisão do sujeito de trabalhar pela 
psicanálise é o critério para se entrar na Escola, e não necessariamente os 
analistas, ou mesmo quem querer ser analista, pois, na Escola, são os 
trabalhadores que serão aceitos. 
 
 
5 
Assim, no Ato de fundação, testifica o trabalhador como referência da 
Escola, não impondo distinção entre os membros, mas sim categorias de 
membros, nas quais os mais experientes e os mais novos, os didatas e os 
candidatos, os analistas e os não analistas encontram-se no mesmo nível 
trabalhando juntos em cartéis (Quinet, 2009, p. 76). 
1.2 A proposição de 9 de outubro 1967 
Nesse texto, Lacan introduz a desigualdade dos membros em relação à 
psicanálise, visto que nem todos se mantêm iguais perante a formação analítica 
e o reconhecimento como analista pela Escola. A diferença surge na designação 
do analista, em que uns fazem ali a sua formação, e outros são os analistas da 
Escola. 
Lacan ainda traz a hierarquia que compõe os órgãos de gestão da Escola 
– presidente, conselho, diretor, diretoria, comissãode publicação, biblioteca e 
carteis. Tais hierarquias, situa-nos Quinet, deve estar desarticulada das 
comissões responsáveis pelas designações dos analistas da Escola. 
Totalmente desligada da hierarquia de mando da instituição, Lacan institui 
um grau para o analista que fez sua formação na Escola e deu provas de sua 
prática, são eles: AME, analista membro da Escola, cujo título é dado pela 
Escola; AE, analistas da Escola, cujo título é conferido àqueles que fizeram o 
passe e é pedido à Escola. Ambos os títulos são conferidos por um júri, de 
recepção e de confirmação, respectivamente. 
Os juris são compostos por seis membros escolhidos entre AME e AE, e 
o diretor faz parte de ambos. Quinet nos explica que, para o júri de confirmação, 
são escolhidos os candidatos que se apresentarem por votação em assembleia 
geral. Eles são nomeados por três anos, sendo um terço renovado todo ano por 
sorteio dos que saem nos dois primeiros anos e, em seguida, por antiguidade e 
por eleição a novos membros. No júri de recepção, são escolhidos nove 
candidatos pelo diretor os quais a assembleia geral optará por seis em votação, 
sendo a permuta idêntica a do júri de confirmação (Quinet, 2009, p. 79). 
Os títulos de garantias na Escola obedecem, portanto, a duas 
necessidades de ordem diferentes, as quais Quinet dispõe da seguinte forma: 
 
 
6 
1. Para o interior da Escola, o titulo de AE qualifica aquele que se 
compromete a participar na elaboração da doutrina a partir de sua 
experiência pessoal como analisante; 
2. Para fora, a Escola garante para o corpo social a qualidade profissional 
daqueles entre seus membros que receberam o título de AME. 
Sendo assim, Quinet conclui que, “a autorização do analista, que Lacan 
reconhece como uma situação de fato e que sempre existiu, só tem sentido 
dentro da Escola da qual a garantia da formação do analista é parte integrante.” 
(2009, p. 80-81). 
TEMA 2 – O CARTEL 
Como apresentado, a Escola é um organismo de trabalho, cujo objetivo é 
manter a verdade do campo aberto por Freud e fazer cumprir o dever da 
psicanálise na sociedade. Para isso, o órgão base da escola, proposto por 
Lacan, é o trabalho do cartel. O cartel é um dos pilares da Escola, que induz a 
produção de saber em psicanálise e favorece o vínculo pelo trabalho ao invés de 
uma pseudofraternidade. 
Os cartéis são pequenos grupos de estudo, formados por quatro a cinco 
pessoas, que se escolhem e se juntam em torno do seu não saber que se fez 
questão, e a escolha pelo Mais-um (a função do mais um será abordada mais 
adiante) segue o mesmo princípio. Na lógica do cartel, inclui-se a sua dissolução, 
que está presente desde o início, pois o tempo de concluir já esta em seu 
horizonte, influindo sobre o tempo de compreender. 
O cartel se opõe aos efeitos da lógica dos grupos, os quais Freud 
concebeu em ser texto Psicologia das massas (1921), já que nele busca esvaziar 
as identificações aos lideres e aos seus pares. No cartel, cada um entra com um 
projeto pessoal de trabalho. Sendo assim, o que enlaça o sujeito ao cartel é a 
transferência ao tema de estudo. 
Engajar-se num cartel não é confortável, afirma Fingermann (2016). 
“Fazer” cartel é jogo duro, assim como todos os tempos da formação do 
psicanalista, porque o não sabido, o Unbewüsst, o saber que falta, constitui o 
ponto de partida (Fingermann, 2016, p. 156). Segundo o autor: 
O cartel começa com um incômodo, um não saber que atormenta, um 
sintoma, que pela graça da aposta se transforma em questão. O não 
sabido não é inefável, ele pode se formular, e fazer questão. A questão 
 
 
7 
formulada por cada um no grupo chamado cartel tem consequência: 
ela expõe e compromete quem a formulou e assina o seu engajamento 
de uma produção, de uma elaboração de saber digna da psicanálise 
perante a comunidade analítica. Melhor ela “faz”, ela produz essa 
comunidade na base da aposta, do risco e da “transferência de 
trabalho” 
As referências à montagem do cartel estão discriminadas por Lacan no 
texto chamado D’Écolage, no qual é proposta uma “fórmula refinada do cartel”. 
Tal momento dá início à Causa Freudiana, em 1980, quando culminou a 
dissolução da EFP, e, não sem propósito, deixa de chamar Escola e passa a ser 
nomeada de campo. O cartel, por Lacan, confere então: 
• Primeiro – quatro se escolhem para empreender um trabalho que deve ter 
seu produto. Esclareço: produto próprio a cada um e não coletivo. 
• Segundo – o conjunto dos quatro se faz em torno do mais-um, que, se ele 
é qualquer um, deve ser alguém. Cabe a ele a tarefa de velar pelos efeitos 
internos à empreitada e de provocar nela a elaboração. 
• Terceiro – para prevenir o efeito de cola, a permutação deve se feita ao 
final pré-fixado de um ano, no máximo dois. 
• Quarto – não se espera nenhum progresso além daquele de uma 
exposição periódica, tanto dos resultados quanto das crises de trabalho. 
• Quinto – o sorteio assegurará a renovação regular dos limites demarcados 
com a finalidade de vetorizar o conjunto. 
A inspiração do cartel veio através da experiência clínica de pequenos 
grupos realizada por Bion, um médico inglês que se interessou pela psicanálise 
e que, durante a Segunda Grande Guerra, instalou a primeira comunidade 
terapêutica, na qual desenvolveu um trabalho com homens atrasados na 
instrução, devastados pelo sentimento de inferioridade, desajustados e 
facilmente delinquentes. Para esse grupo, foi utilizado o principio do “grupo sem 
líder”, status que despertou o interesse de Lacan para pensar o cartel e designar 
a função do Mais-um. 
2.1 A função do Mais-um 
 A posição do Mais-um no cartel é problemático, já que, em sua própria 
estrutura, força-se a designação de um líder, mas sua tarefa é justamente não 
ocupar o lugar de liderança. A função do Mais-um é simplesmente um a mais 
que balizará o princípio do cartel, não com o seu saber, pois o Mais-um pouco 
 
 
8 
sustenta o discurso do mestre, sendo, pelo contrário, um lembrete da estrutura, 
isto é, um significante a mais que marca e presentifica a falta do significante. 
Nesse modelo, ele é menos-um – S(A), encarnação da falta. 
Para Quinet, o Mais-um é aquele que aponta para o furo da função do 
líder, que barra esse lugar de suposição de saber para fazê-lo circular, fazendo 
de cada um, um mestre (2009, p. 86). Sendo assim, o Mais-um fica a serviço do 
saber dos outros membros, isto é, ele evidencia o destino de produção de cada 
um, fazendo funcionar o cartel ao apontar para sua dissolução. 
TEMA 3 – O PASSE 
O passe, em primeiro lugar, não tem nenhuma relação conceitual ou de 
definição termológica com rituais espirituais. Na verdade, a palavra passe vem 
da língua francesa – la passe, que significa passagem – e é utilizada em dois 
sentidos: para passar de um lugar para outro, como também evocando um local, 
logradouro ou passadouro. 
O termo em português o passe, portanto, não é uma tradução, é antes um 
neologismo, já que recebe um novo sentido. É a passagem, uma mudança 
subjetiva de analisante para analista, é a isto que o dispositivo do passe da 
Escola se destina, sendo um convite ao analisante para oferecer a sua 
experiência de análise a outros. 
Lacan formulou esse dispositivo quando a Escola passava por uma grave 
crise, na qual o saber e as novas práticas cediam aos velhos hábitos, portanto 
era necessário estabelecer uma reforma que indicasse os analistas da Escola. 
O passe se distingue em três funções que foram destacados por Simone 
Perelson (2009) em seu artigo O passe: da articulação entre a autonomia e a 
dependência. A primeira vem dar lugar à produção de um trabalho teórico sobre 
a enigmática passagem do sujeito da posição de analisando para a de analista, 
passagem esta que será também chamada por Lacan de passe. Na segunda, 
ele deve funcionar como um mecanismo de nomeação do analista da Escola 
(AE), a partir da autenticação da passagemem questão. E a terceira diz respeito 
à viabilização um novo tipo de laço social para a comunidade de sua Escola, o 
qual seria marcado pela transmissão do real em jogo nesta passagem do 
analisando ao analista. 
O dispositivo do passe estabelece, então, um continuum, usando as 
palavras de Quinet, que inclui a experiência psicanalítica (individual, privada e 
 
 
9 
particular) e a transmissão da psicanálise e sua doutrina (pública e 
transindividual), o que leva Lacan a propor a topologia moebiana para a Escola, 
situando, no plano projetivo, a vinculação da psicanálise em intensão e extensão. 
(Quinet, 2009, p. 81). Portanto, verificamos que a proposta do passe se articula 
como mais uma tarefa da Escola, a de fazer avançar a psicanálise para além da 
clínica propriamente transferencial. Quinet conclui assim: “O passe tem como 
direção elaborar um saber (fora da transferência) sobre esse final, a partir da 
lógica da construção de caso e de um trabalho de doutrina sobre a própria 
análise e a passagem de psicanalisante a psicanalista” (2009, p. 82). 
A esse respeito, Farias questiona em seu artigo “O que nos dizem os 
analistas no passe?”. Ali ele vai dizer que conduzir a análise até o seu fim implica 
tornar-se analista de sua própria experiência, isto é, tomar uma distância 
diferente diante de sua própria análise. Isso permite ver a sua própria neurose, 
a teoria e seus problemas em relação à psicanálise, como também que o que 
essa análise lhe ensinou não é guardado para si, mas transmitido a outros pelo 
dispositivo do passe. 
O testemunho vem situar o núcleo da verdade particular, do qual surge a 
elaboração do saber, que se torna transmissível, possibilitando essa inédita 
articulação entre o mais singular do sujeito e o generalizável de um saber 
exposto. Trata-se, pois, de um testemunho que mostra a possibilidade de fazer 
série com a diferença, sendo esse o ponto indicado por Lacan com clareza. 
3.1 O passe na prática 
Para nos situarmos a respeito da prática do passe, buscaremos fazer um 
breve apanhado, a fim de expor os processos que conduzem a sua prática. 
1. O candidato ao passe deve endereçar o seu pedido a uma comissão, que 
designará um membro para entrevistá-lo; 
2. Quando aceito, é feito um sorteio sem que o candidato veja, para que 
sejam eleitos dois passadores escritos; 
3. Se o candidato ao passe aceitar o nome dos passadores, ele deve entrar 
em contato com eles de modo individual e agendar um encontro para 
contar-lhes o seu passe; 
4. Após terminar o relato do passe, o passante comunica à comissão, e esta 
avisa ao júri ou ao cartel do passe; 
 
 
10 
5. A comissão/cartel do passe convoca os dois passadores, que, por sua 
vez, relatam o que ouviram. 
Assim, declara Quinet, o passador recolhe o testemunho do passante e 
passa-o ao cartel do passe. Ele passa a fala; os enunciados; a enunciação, de 
uma margem a outra; passa a fala e a carrega de um lado para o outro. Desse 
modo, ele passa a palavra. Eis que o passador, segundo Lacan, é o passe 
(Quinet, 2009, p. 110). 
3.2 O cartel do passe 
O cartel do passe é formado para ouvir o relato dos passantes narrado 
pelos passadores e é quem concede a nomeação de AE. Em sua composição 
termológica, está composto por dois elementos que constituem o pilar da Escola: 
cartel e passe. 
O passe, segundo Fingermann, é a aprovação da Escola que nunca é 
constituída, pois ela ex-siste no “fazer” escola. Assim, o cartel do passe configura 
o nó que conecta a psicanálise em intensão (verificação da análise) à psicanálise 
em extensão (transferência de trabalho pelo cartel). 
O cartel do passe responde a três níveis de atuação: a experiência do 
encontro com os passadores, a elaboração dessa experiência e a comunicação 
dos resultados. O seu trabalho termina depois de dois anos, mas o seu 
compromisso com a Escola não tem fim, pois a responsabilidade do seu trabalho 
ecoará por muito tempo. 
TEMA 4 – O FINAL DE ANÁLISE 
Colette Soler (1998, p. 309) traduz o final de análise como um final de 
amor. O par analista e analisante corresponde a um amor verdadeiro, visto que, 
ao final, seus desdobramentos uma ideia sobre o amor, um amor lúcido do qual 
só o ódio se aproxima. 
Há um final de análise, mas Freud, em seu texto Análise terminável e 
análise interminável (1937), depreende a experiência psicanalítica no 
desembocar do “rochedo da castração”, ou seja, na falta que desvela a 
negatividade do falo, para ambos os sexos, sendo intransponível. 
 
 
11 
A castração, como o impasse para um final de análise, foi tomada, então, 
por Lacan, como algo a ser transponível, isto é, ele propõe a sua ultrapassagem 
ou, dito de outro modo, a sua travessia, a partir do conceito da fantasia. 
A fantasia sustenta o desejo para o sujeito, constituindo uma ficção, na 
qual o sujeito fica “fixado” em um gozo ao qual estará submetido. Através do 
trabalho da associação livre, o inconsciente, estruturado como linguagem, leva 
o analisante, sustentado pela transferência como o analista, a decifrar o saber 
inconsciente. 
Nesse exercício, o sujeito se experimentará como faltante sob dois 
aspectos, apontados por Quinet (1991). De um lado, falta o significante que diria 
o que ele é, visto que os significantes identificatórios do sujeito perdem sua 
função em análise (ou, no mínimo, ficam abalados), revelando-se tal como são 
– significantes que não definem o sujeito, mas aos quais ele está assujeitado. 
Por outro lado, um significante que defina o sujeito não é o que lhe falta apenas, 
mas falta o próprio ser: o sujeito é falta-a-ser. 
Tal experiência, levada a cabo, assemelha-se ao que Freud designou 
como “rochedo da castração” – ponto incurável do sujeito. Para Lacan, trata-se 
de um ponto de chegada, visto que o sujeito se cura da sua divisão. E Quinet 
(1991, p. 97) sublinha que: “’Fazer da castração sujeito’ é o dever do analista. 
Este ser que lhe falta é o que sua fantasia ($◊a) lhe indica como sendo o objeto 
com o qual ele, como sujeito, se encontra em conjunção (^) e disjunção (v) – o 
objeto condensador de gozo: objeto (a)”. 
O final de analise implica, então, a decifração do enigma do sujeito (x), 
em que esse (x) equivale ao ser, que pode ser apresentado com dois valores 
distintos: (-φ) e (a). O -φ corresponde à castração, ao seja, a falta no Outro, 
indicada pela falta do significante que designa o ser do sujeito e, portanto, o 
Outro como faltoso aponta para a falta de garantias, que retorna para o sujeito 
como complexo de castração. O objeto a, causa de desejo, surge como solução 
do ser, obturando a falta e dividindo o sujeito pela sua alternância: 
presença/ausência. É, pois, pela impossibilidade de ser alcançado como 
significante, conjugada à indestrutibilidade do desejo do sujeito, que o objeto a 
se articula como objeto mais-de-gozar. 
Assim, pela lógica traçada por Lacan, o trabalho de análise deve levar o 
sujeito ao atravessamento de sua fantasia ($◊a), sendo os dois termos disjuntos, 
e o sujeito deve adquirir uma espécie de saber que colocará o seu mais-de-gozar 
 
 
12 
a seu serviço, fazendo-se ser. O sentido de “se fazer ser” é evocado por Soler 
(1998, p. 316) quando diz: “Qual é o benefício do final pelo “se fazer ser”? 
Evidentemente, ele toma seu sentido e seu peso da falta-a-ser. O sujeito que se 
experimentou como falta-a-ser e como divisão na experiência, chega a, ou então 
encontra uma posição de ser que cuida a sua falta-a-ser”. 
Mas, a questão sobre o fim de análise não se esgota aí, pois ainda é 
preciso saber se o analisante, ao receber a chave de sua divisão, a chave que o 
coloca frente à causa do seu desejo, diante do impossível e sobre sua 
singularidade que, por consequência, descerra-o de toda impotência neurótica, 
há ainda um desejo de saber. O que Soler vai responder lançará luz sobre o 
passe, pois, para ela, o seu sentido está justamente em fazer evocarum novo 
saber. 
4.1 Elaboração do saber 
Na elaboração do saber, admite-se, logo de início, uma aquisição de saber 
na análise, que faz o analisando verificar a causa do seu desejo. Essa 
experiência o leva ao reconhecimento de uma falha estrutural que proporciona a 
dimensão do impossível, pois, sobre o recalque originário, existe os significantes 
que lhe escapam, sendo cobertos pelo objeto a, que responde pelos significantes 
que ficaram de fora da simbolização. 
Na passagem de analisando para analista, Lacan, segundo Soler, faz uma 
exortação ao evocar no analista o desejo de saber, para, então, fazer-se ser, “ser 
nomeado” AE. Mas, é necessária a elaboração do saber, e eis a astúcia do 
dispositivo. Produzir saber, na falta de uma causa, é a tese de Soler: “Um 
testemunho preciso constitui o primeiro passo de uma elaboração de saber e há 
seguramente testemunho mais ou menos precisos” (1998, p. 322). 
TEMA 5 – O ATO PSICANALÍTICO 
O ato psicanalítico por excelência é aquele em que o analisante passa 
para analista, assim o dispositivo do passe é o momento de leitura do ato. Quinet 
(2009) nomeia de “textoato”, no qual o ato é transmitido pela fala e, nesse 
momento, recebe o nome de passe. 
Todo ato é sem o Outro, dispensando a presença de plateia, pois o ato só 
pode ser de um, um sozinho, uma vez que, segundo Quinet, não há ato coletivo. 
 
 
13 
Entretanto, o autor adverte sobre o que o próprio Lacan evidenciou, que, apesar 
de ser um, ele não é solitário, pois a Escola é o suporte dessa solidão – não 
como cola, pois cada um se vira sozinho (Quinet, 2009, p. 134). Assim, a Escola 
não partilha da relação com a causa analítica, mas somente oferece o lugar para 
dispor do seu ato. 
A relação com o ato analítico não é, no entanto, uma coisa evidente ou 
automática, visto que ele se impõe no interior de uma análise, no momento de 
passagem de analisante para analista. Dessa relação, o analista se depreenderá 
para conduzir as análises operadas por ele. 
Desse modo, o termo “ato analítico” se refere ao que Lacan nomeou tanto 
como passe, quanto ao que ocorre no interior de uma prática clínica entre 
analista e analisante. 
Dispor da relação com o ato analítico significa estabelecer, falar, 
escrever, restituir, transmitir o ato analítico para que dele o analista 
possa dispor. Esse dispor se conjuga com expor. Assim como o ato da 
“Proposição...” necessitou de um escrito para ser lido, da mesma 
forma, o ato analítico precisa passar pelo relato para ser escutado. 
(Quinet, 2009, p. 135) 
Lacan ainda implica o ato analítico ao manejo da transferência, pois, como 
Freud ressaltou, a transferência é a única dificuldade com a qual o analista 
realmente se depara em sua prática. O ato está no inicio de uma análise, visto 
que, para aceitar uma demanda de análise, é necessário o ato de decisão do 
analista. O ato, pelas palavras de Lacan no seminário Ato psicanalítico (1967-
68), "consiste em autorizar a tarefa psicanalisante, com o que isso comporta de 
profissão de fé no sujeito suposto saber" (p. 140). 
A fé no sujeito suposto saber é simplesmente poder apostar que haja 
analista para sustentar a análise. Isso significa que a presença do analisante 
apenas não é suficiente, sendo necessário o ato do psicanalista, isto é, um ato 
que, por um lado, implique o analisante em sua tarefa, e, por outro lado, possa 
garantir a manutenção do sujeito suposto saber, visto que, para isso, há de 
dispor do de-ser desse sujeito. 
Fingermann (2016) declara que o ato do analista é a-normal, pois ele se 
apresenta (a-presenta) em descontinuidade em relação à neurose, e não em 
continuidade, sendo a sua manifestação em corte, discordância, desconcerto em 
relação à previsão neurótica. Diz ainda: 
O ato do analista é a-anormal pois sua “norma” é o objeto a, isto é, 
essa função lógica que, ao mesmo tempo, marca limite da linguagem 
 
 
14 
e funda a sua lógica de encadeamento infinito. Por isso podemos dizer 
que o ato de psicanalista se apresenta, ou seja, que o analista se 
dispõe a intrometer nas cadeias significantes da associação livre, uma 
presença do objeto a, objeto do qual não se sabe nada, mas 
fundamentalmente descompleta o sujeito, indica sua incompletude. 
(Fingermann, 2016, p. 46) 
O ato adquire a sua propensão na dedução da própria análise do analista, 
quando ele é levado até esse ponto de consequência lógica em sua experiência. 
NA PRÁTICA 
Para pensarmos o “Na prática” dessa etapa, quero evidenciar como se 
forma um cartel, pois é o órgão base das Escolas de psicanálise e se tornou 
imprescindível na formação do psicanalista, visto que nele ecoa toda a estrutura 
do sujeito. 
Nas Escolas de orientação lacaniana, qualquer pessoa interessada em 
psicanálise pode fazer cartel. Para isso, basta inscrever o tema que se deseja 
estudar ou se inscrever em algum tema que já esteja aberto no mural destinado 
ao cartel na Escola, pois em toda Escola tem um mural destinado ao cartel. 
Quando o cartel estiver formado, ou seja, quando estiver inscrito 3+1 ou 
no máximo 5+1, o Mais-um, escolhido pelos integrantes do cartel, deverá 
declarar o cartel na Escola. Para isso, o tema é retirado do mural, e todos os 
integrantes do cartel devem preencher um formulário com nome, tema da 
produção individual e telefone. Depois de declarado, a contagem do tempo é 
iniciada. 
O modo como cada cartel se organizará vai variar de acordo com o desejo 
do grupo, pois não há uma regra especifica para esses encontros, podendo 
acontecer semanalmente, quinzenalmente ou até mensalmente. Podem ser 
presenciais ou virtuais. 
A implicação do sujeito com o seu desejo é exposta no grupo, pois, após 
iniciar o cartel, se um dos integrantes por algum motivo desistir, todo esforço do 
grupo para sustentar o espaço de circulação de saber é perdido e o cartel tem 
que dissolver. 
Quanto às produções de cartel, a Escola oferece um espaço destinado à 
divulgação, que pode variar de acordo com cada instituição. Assim, vale lembrar 
que, do mesmo modo que o cartel parece ser muito atrativo para ingressar no 
trabalho da Escola, ele apresenta todos os impasses criados por um grupo, de 
modo que, para concluir um trabalho de cartel, é certo que os que mais têm 
 
 
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sucesso são aqueles que aprenderam, em sua análise, a suportar a falta no 
Outro. 
FINALIZANDO 
• Escola de psicanálise – lugar para abrigar o ensino psicanalítico; o 
psicanalista faz Escola, e não o contrário. 
• Cartel – sua estrutura remete ao funcionamento de trabalho da Escola, na 
qual a falta é que coloca em movimento o saber. 
• Passe – é a possibilidade de transmitir o que descobriu em sua análise a 
uma experiência coletiva. 
• Final de análise – é ali que o sujeito se encontra, no lugar onde não se 
procurava, pois trata-se de uma verdade perdida que foi recuperada, em 
um puro fala-ser. 
• O ato psicanalítico – causa sem saber, pois é essa relação de sujeito 
suposto saber que o psicanalista deve suportar em seu ato. 
 
 
16 
REFERÊNCIAS 
FARIAS, F. F. O que nos dizem os analistas no passe?. Stylus, Rio de 
Janeiro, n. 36, p. 63-73, jun. 2018. 
FINGERMANN, D. A (de)formação do Psicanalista: as Condições do ato 
Psicanalítico. São Paulo: Escuta, 2016. 
Lacan, J. D'Écolage. Revista da Letra Freudiana: Escola, Psicanálise e 
Transmissão, Documentos para uma Escola, Rio de Janeiro, v. 1, 1980a. 
_____. O seminário: o ato psicanalítico – Livro 15. Versão anônima: 1967-1968. 
_____. Outros Escritos – Capítulo V. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. 
PERELSON, S. O passe: da articulação entre a autonomia e a dependência. 
Psicologia Clínica, v. 21, n. 2, 2009. 
QUINET, A. As 4+1 condições de análise. Rio de Janeiro: Zahar, 1991. 
_____. A estranheza da psicanálise. A escola de Lacan e seus analistas. Rio 
de Janeiro: Zahar, 2009. 
SOLER, C. A psicanalise na civilização. Rio de Janeiro: Contra Capo, 1998.

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