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AULA 4 PSICOPATOLOGIA Prof. Alisson Siqueira 2 TEMA 1 – ALTERAÇÕES DA CONSCIÊNCIA E A ATENÇÃO Nesta aula focaremos as alterações mais comuns nas funções psíquicas. Essas alterações estão agrupadas para uma melhor distribuição do material a ser exposto. 1.1 Consciência Como já sabemos, a consciência é a condição básica de o sujeito estar em contato com a realidade. Os pesquisadores que trabalham com a temática tendem a classificar as alterações da consciência pela sua condição qualitativa e quantitativa. 1.1.1 Alterações quantitativas Cheniaux (2015) classifica essas alterações como fisiológicas e patológicas. Dalgalarrondo (2000) denomina as fisiológicas como normais. a. Alterações fisiológicas 1. O sono O sono normal é entendido como uma alteração fisiológica da consciência. O sono é um estado especial da consciência, que ocorre de forma recorrente e cíclica nos organismos superiores. Esse sono pode ser classificado em dois grupos: o sincronizado não-REM e o REM. No sono sincronizado não-REM, a atividade elétrica é sincronizada. Há uma redução de atividade do sistema nervoso mantendo um mínimo de funcionamento do organismo. Podem ocorrer nesse sono 4 estágios. Estágio 1 – Mais leve e superficial, com 2 a 5% do tempo total de sono; Estágio 2 – Um pouco menos superficial, com 45 a 55% do tempo total de sono; Estágio 3 – Sono mais profundo, com 3 a 8% do tempo total de sono; Estágio 4 – Estágio de sono mais profundo. É mais difícil de despertar alguém nos estágios 3 e 4. Pode ocorrer do indivíduo apresentar-se confuso ao ser despertado. Dura cerca de 10 a 15% do tempo total de sono. O sono REM é diferente dos estágios anteriores. Sua duração é cerca de 20 a 25% do tempo total de sono. É considerado um sono qualitativo. Caracteriza- se por instabilidade no sistema nervoso autônomo simpático, com variações das 3 frequências cardíaca e respiratória, da pressão arterial, do débito cardíaco e do fluxo sanguíneo cerebral. Ocorre um padrão de movimentos oculares rápidos e conjugados e um relaxamento profundo e generalizado. 2. O sonho Essa é outra alteração considerada normal. O sonho é inerente ao sono. Isso significa que uma pessoa pode sonhar várias vezes durante o sono. Os sonhos são considerados predominantemente visuais. O conteúdo do sonho ainda é causa de grandes controvérsias. b. Alterações patológicas As alterações patológicas da consciência estão relacionadas diretamente ao seu rebaixamento: 1. Obnubilação ou turvação da consciência – No primeiro contato verifica- se que o paciente pode já estar claramente sonolento ou parecer desperto. O paciente tem dificuldade para integrar as informações sensoriais oriundas do ambiente. 2. Sopor – Diferencia-se da obnubilação pela condição mais profunda. Nesta, o paciente pode ser despertado apenas por estímulo enérgico, sobretudo de natureza dolorosa. Sua condição é sonolenta. O sujeito não apresenta espontaneidade, mas pode apresentar ações de defesa. Sua condição motora está inibida. 3. Coma – É um estado de abolição e caracteriza-se como o grau mais profundo de rebaixamento do nível de consciência. Nesse estado não é possível qualquer atividade voluntária consciente e o sujeito não pode ser despertado nem por estímulos dolorosos muito intensos. 4. Delirium – O delirium diz respeito aos vários quadros com rebaixamento leve a moderado do nível de consciência, acompanhados de desorientação temporoespacial, dificuldade de concentração, perplexidade, ansiedade em graus variáveis, agitação ou lentificação psicomotora, discurso ilógico e confuso e ilusões e/ou alucinações, quase sempre visuais. São parte desse conceito os quadros de amência (Meynert, 1890) que era citados como obnubilação oniroide (Cheniaux, 2005). 5. Estado onírico – Alteração da consciência em que, paralelamente à turvação da consciência, o indivíduo entra em estado semelhante a um sonho muito vívido (Peters, 1984). Predomina a atividade alucinatória visual intensa com caráter cênico e fantástico. O paciente manifesta esse estado onírico angustioso 4 gritando, movimentando-se, debatendo-se na cama e apresentando, às vezes, sudorese profusa. 1.1.2 Alterações qualitativas a. Alterações fisiológicas 1. O sonho Essa é outra alteração considerada normal. O sonho é inerente ao sono. Isso significa que uma pessoa pode sonhar várias vezes durante o sono. Os sonhos são considerados predominantemente visuais. O conteúdo do sonho ainda é causa de grandes controvérsias. b. Alterações patológicas As alterações patológicas da consciência estão relacionadas a algum grau de rebaixamento do nível de consciência: 1. Estado crepuscular – É um estado patológico transitório no qual uma obnubilação da consciência é acompanhada de relativa conservação da atividade motora coordenada. O estado crepuscular caracteriza-se por surgir e desaparecer de forma abrupta e ter duração variável, de poucos minutos ou horas a algumas semanas (Sims, 1995). 2. Estado segundo – Semelhante ao estado crepuscular, caracterizado por uma atividade psicomotora coordenada, a qual, entretanto, permanece estranha à personalidade do sujeito acometido e não se integra a ela. Tende a atribuir a fatores emocionais e se aproxima muito da dissociação de consciência. 3. Dissociação da consciência – Compreende-se como a fragmentação ou a divisão do campo da consciência, ocorrendo perda da unidade psíquica comum do ser humano. É comum nos quadros histéricos. 4. Transe – Estado de dissociação da consciência que se assemelha a sonhar acordado, mas mantém a presença de atividade motora automática e estereotipada acompanhada de suspensão parcial dos movimentos voluntários. O estado de transe possui seus principais espaços os contextos religiosos e culturais. 5. Estado hipnótico – É um estado de consciência reduzida e estreitada e de atenção concentrada, que pode ser induzido por outra pessoa (hipnotizador). Trata-se de um estado de consciência semelhante ao transe, no qual a sugestionabilidade do indivíduo está aumentada, e a sua atenção, concentrada no hipnotizador. 5 6. Experiência de quase-morte, EQM – Um estado especial de consciência é verificado em situações críticas de ameaça grave à vida, como parada cardíaca, hipoxia grave, isquemias, acidente automobilístico grave, entre outros, quando alguns sobreviventes afirmam ter vivenciado as chamadas experiências de quase- morte (EQM). São experiências muito rápidas (de segundos a minutos) em que um estado de consciência particular é vivenciado e registrado por essas pessoas. 1.2 Atenção Já verificamos que a atenção é compreendida como a direção da consciência. Desta é importante tomarmos conhecimento de que alterações podem ocorrer na atenção e quais são suas consequências. 1.2.1 Alterações quantitativas 1. Hipoprosexia – É a diminuição global da atenção. É a alteração mais comum e menos específica da atenção. Nela se verifica uma perda básica da capacidade de concentração, com fatigabilidade aumentada; as lembranças tornam-se mais difíceis e imprecisas, há dificuldade crescente em todas as atividades psíquicas complexas, como o pensar, o raciocinar, a integração de informações etc. 2. Aprosexia – É a total abolição da capacidade de atenção, por mais fortes e variados que sejam os estímulos utilizados 3. Hiperprosexia – É um estado da atenção exacerbada, no qual há uma tendência incoercível a obstinar-se, a deter-se indefinidamente sobre certos objetos com surpreendente infatigabilidade. 1.2.2 Alterações qualitativas 1. Rigidez da atenção (distração) – É uma superconcentração ativa da atenção sobre determinados conteúdo ou objetos, com a inibição de tudo o mais (Nobre de Melo, 1979). A rigidez da atenção constituium estado de hipertenacidade com hipomobilidade da atenção. Durante um longo tempo, o indivíduo está concentrado em um único objeto e não é capaz de desviar sua atenção. 2. Labilidade da atenção (distraibilidade) – É um estado patológico que se exprime por instabilidade marcante e mobilidade acentuada da atenção voluntária, 6 com dificuldade ou incapacidade para fixar-se ou deter-se em qualquer coisa que implique esforço produtivo. A atenção do indivíduo é muito facilmente desviada de um objeto para outro. TEMA 2 – ALTERAÇÕES DA ORIENTAÇÃO E AS VIVÊNCIAS TEMPO E ESPAÇO 2.1 Orientação 1. Desorientação por redução do nível de consciência – É aquela na qual o indivíduo está desorientado por turvação da consciência. Nesse caso, há um empecilho para que o indivíduo apreenda a realidade de forma clara e precisa e integre, assim, a cronologia dos fatos. 2. Desorientação por déficit de memória imediata e recente – Nessa, o indivíduo não consegue reter as informações ambientais básicas em sua memória. 3. Desorientação apática ou abúlica – Aqui o indivíduo torna-se desorientado devido a uma marcante alteração do humor e da volição, comumente em quadro depressivo, produzido por uma apatia ou desinteresse profundos. 4. Desorientação delirante – Ocorre em sujeitos que se encontram imersos em profundo estado delirante, vivenciando ideias delirantes muito intensas, crendo com convicção plena que estão “habitando” o lugar (e/ou o tempo) de seus delírios. 5. Desorientação por déficit intelectual – Ocorre em indivíduos com deficiência ou retardo mental grave ou moderado. 6. Desorientação por dissociação – Ocorre em geral em quadros histéricos graves, normalmente acompanhada de alterações da identidade pessoal e de alterações da consciência secundárias à dissociação histérica. 7. Desorientação por desagregação – Ocorre em pacientes psicóticos, geralmente esquizofrênicos em estado crônico e avançado da doença, quando o indivíduo, por desagregação profunda do pensamento, apresenta toda a sua atividade mental gravemente desorganizada, o que o impede de se orientar de forma adequada quanto ao ambiente e quanto a si mesmo. 8. Desorientação quanto à própria idade – É definida como uma discrepância de cinco anos ou mais entre a idade real e aquela que o paciente diz ter. 7 2.2 Vivências tempo e espaço 2.2.1 Anormalidades da vivência do tempo 1. Velocidade – a passagem do tempo é percebida como lenta e vagarosa quando ocorre um bradipsiquismo, com lentificação de todas as atividades mentais, comum nos estados depressivos. Já nos quadros de mania, ocorre um taquipsiquismo geral, com aceleração de todas as funções psíquicas, e nesta a passagem do tempo é percebida como rápida e acelerada. 2. Conteúdo a. Ilusão sobre a duração do tempo – Trata-se da deformação acentuada da percepção da duração temporal. O tempo pode parecer transcorrer de modo extremamente veloz ou comprimido, ou de forma muito lenta e dilatada. b. Atomização do tempo – O indivíduo não consegue inserir-se naturalmente na continuidade do devir, adere a momentos quase descontínuos. O tempo parece uma colagem de recortes sem lógica. c. Inibição da sensação de fluir do tempo – A anormalidade da sensação do fluir do tempo corresponde à falta da sensação do avançar subjetivo do tempo, na qual o sujeito perde o sincronismo entre o passar do tempo objetivo, cronológico, e o fluir de seu tempo interno. 2.2.2 Anormalidades da vivência do espaço As anormalidades em relação ao espaço são verificadas conforme os quadros psicopatológicos. a. No estado de êxtase – Há perda das fronteiras entre o eu e o mundo exterior. b. No estado maníaco – O espaço é extremamente dilatado e amplo, que invade o das outras pessoas. c. Nos quadros depressivos – O espaço exterior pode ser vivenciado como muito encolhido, contraído, escuro e pouco penetrável pelo indivíduo e pelos outros. d. No quadro paranoide – O espaço interior é invadido por aspectos ameaçadores, perigosos e hostis do mundo. e. No quadro agorafobia – O espaço exterior é percebido como sufocante, pesado, perigoso e potencialmente aniquilador. 8 TEMA 3 – ALTERAÇÕES DA SENSOPERCEPÇÃO E MEMÓRIA 3.1 Sensopercepção 3.1.1 Alterações quantitativas 1. Agnosia – É um distúrbio do reconhecimento de estímulos visuais, auditivos ou táteis, na ausência de déficits sensoriais. As sensações continuam a ocorrer normalmente, porém não são associadas às representações e, assim, não se tornam significativas. 2. Hiperestesia – Consiste num aumento global da intensidade perceptiva: as impressões sensoriais tornam-se mais intensas, mais vívidas ou mais nítidas e podem ser desagradáveis. Na modalidade visual, as cores ficam mais brilhantes. 3. Hiperpatia – No sentido neurológico, ocorre quando uma sensação desagradável (geralmente de queimação dolorosa) é produzida por um leve estímulo da pele. A hiperpatia ocorre tipicamente nas síndromes talâmicas. 4. Hipoestesia – Consiste numa diminuição global da intensidade perceptiva. O mundo parece mais escuro e sem brilho, a comida é insossa, os sons são abafados etc. 5. Anestesias táteis – A anestesia consiste numa abolição da sensibilidade. Pode-se usar também o termo analgesia. 6. Alterações visuais – São aquelas em que os objetos parecem ser maiores do que são (macropsia) ou podem parecer menores do que são (micropsia). E os objetos podem parecer deformados, maiores ou menores do que são (dismegalopsia). 7. Parestesias – São sensações táteis desagradáveis (embora não sentidas propriamente como dor), em geral espontâneas, descritas pelos pacientes como “formigamentos, adormecimentos, picadas, agulhadas ou queimação” mais ou menos intensas. 8. Disestesias – São sensações anômalas, em geral dolorosas, desencadeadas por estímulos externos; assim, ao estimular a pele do paciente com calor, este refere sensação de frio; e, após um leve roçar sobre a pele, refere dor. 9 3.1.2 Alterações qualitativas 1. Ilusão – É uma percepção falseada, deformada, de um objeto real e presente. A deturpação da imagem perceptiva se dá em função da mescla desta com uma imagem representativa. A ilusão pode ocorrer em uma condição: a. Por desatenção – Nesta, elementos representativos são introduzidos para completar ou corrigir estímulos externos escassos ou incorretos, respectivamente. b. Catatímica – A deformação do objeto tem origem em um afeto intenso, relacionado a desejo ou a temor. c. Onírica – Está relacionada a um quadro de rebaixamento do nível de consciência 2. Pareidolia – Esse fenômeno consiste numa imagem criada intencionalmente com base em percepções reais de elementos sensoriais incompletos ou imprecisos. Exemplificando: ver figuras humanas, cenas, animais, objetos, etc. em nuvens, em manchas ou relevos de paredes, no fogo, na Lua, etc.; ou “ouvir” sons musicais com base em ruídos monótonos. 3. Alucinações – A alucinação é classicamente definida como “percepção sem objeto”, ou como uma percepção na ausência dos estímulos externos correspondentes. Pode-se entender também alucinação como “interpretar-se como estando no campo perceptual um objeto que de fato não está” (Del Nero, 1997). As alucinações apresentam todas as características de uma imagem perceptiva real, incluindo a corporeidade e a localização no espaço objetivo externo. Possuem uma irresistível força de convencimento, ou seja, são aceitas pelo juízo de realidade, por mais que pareçam para o próprio paciente estranhas ou especiais. As alucinações podem ser auditivas, musicais, visuais, táteis, olfativas e gustativas, cenestésicas e cinestésicas, funcionais e alucinações combinadas. 4. Alucinoses – Para essas, o objeto percebido encontra-se no espaço objetivo externo. Diferenciam-se das alucinações verdadeiras por serem adequada e imediatamente criticadaspelo indivíduo, que reconhece o fenômeno como algo patológico. O paciente percebe essa alucinação como estranha à sua pessoa. As alucinoses ocorrem sob lucidez de consciência. Falta ao sujeito a crença que comumente o alucinado tem em sua alucinação. 10 3.2 Memória 3.2.1 Alterações quantitativas 1. Hipermnésias – As representações (elementos mnêmicos) afluem rapidamente, em tropel, ganhando em número, perdendo, porém, em clareza e precisão (Nobre de Melo, 1979). 2. Amnésias (ou hipomnésias) – É a perda da memória, seja a da capacidade de fixar ou a da capacidade de manter e evocar antigos conteúdos mnêmicos. Podem ser: amnésia psicogênica e amnésia orgânica. 3. Amnésia anterógrada – O indivíduo não consegue mais fixar elementos mnêmicos a partir do evento que lhe causou o dano cerebral. A amnésia anterógrada é um distúrbio-chave e bastante frequente na maior parte dos distúrbios neurocognitivos. 4. Amnésia retrógrada – O indivíduo perde a memória para fatos ocorridos antes do início da doença (ou trauma). 3.2.2 Alterações qualitativas 1. Paramnésias – As alterações qualitativas da memória envolvem sobretudo a deformação do processo de evocação de conteúdos mnêmicos previamente fixados. O indivíduo apresenta lembrança deformada que não corresponde à sensopercepção original. Podem ocorrer como: a. Ilusões mnêmicas – Há o acréscimo de elementos falsos a um núcleo verdadeiro de memória. b. Alucinações mnêmicas – São verdadeiras criações imaginativas com a aparência de lembranças ou reminiscências que não correspondem a qualquer elemento mnêmico, a qualquer lembrança verdadeira. 2. Fabulações – As fabulações (ou confabulações) são invenções, produtos da imaginação do paciente, que preenchem um vazio da memória. Os elementos da imaginação do doente ou mesmo lembranças isoladas completam artificialmente as lacunas de memória, produzidas, em geral, por déficit da memória de fixação. 3. Criptomnésias – É um falseamento da memória, em que as lembranças aparecem como fatos novos ao paciente, que não as reconhece como lembranças, vivendo-as como uma descoberta. 11 4. Ecmnésia – É uma recapitulação e revivescência intensa, abreviada e panorâmica, da existência, uma recordação condensada de muitos eventos passados, que ocorre em breve período. O indivíduo tem a vivência de uma alucinação, a visão de cenas passadas como forma de presentificação do passado. 5. Lembrança obsessiva – Recebe o nome também de ideia fixa ou representação prevalente. Manifesta-se como o surgimento espontâneo de imagens mnêmicas ou conteúdos ideativos do passado que, uma vez instalados na consciência, não podem ser repelidos voluntariamente pelo indivíduo. A imagem mnêmica, embora reconhecida como absurda e indesejável, reaparece de forma constante e permanece, como um incômodo, na consciência do paciente. 6) Agnosias – São definidas como déficits do reconhecimento de estímulos sensoriais, objetos e fenômenos, que não podem ser explicados por um déficit sensorial, por distúrbios da linguagem ou por perdas cognitivas globais. São classificadas como agnosias visuais, táteis e auditivas e as agnosias para percepções complexas. TEMA 4 – ALTERAÇÕES DA AFETIVIDADE, VONTADE E PSICOMOTRICIDADE 4.1 Afetividade 4.1.1 Alterações do humor 1. A ansiedade – É definida como estado de humor desconfortável, apreensão negativa em relação ao futuro, inquietação interna desagradável. 2. Angústia – Relaciona-se diretamente à sensação de aperto no peito e na garganta, de compressão, sufocamento. 3. Medo – É caracterizado por referir-se a um objeto mais ou menos preciso e diferencia-se da ansiedade e da angústia, que não se referem a objetos precisos. 4. Distimia – É o termo que designa a alteração básica do humor, tanto no sentido da inibição como no sentido da exaltação. 5. Disforia – É a distimia acompanhada de uma tonalidade afetiva desagradável, mal-humorada. 12 6. Euforia – Define o humor morbidamente exagerado, no qual predomina um estado de alegria intensa e desproporcional às circunstâncias. 7. Puerilidade – É uma alteração do humor que se caracteriza pelo aspecto infantil, simplório, regredido. 8. Irritabilidade patológica – Ocorre uma hiper-reatividade desagradável, hostil e, eventualmente, agressiva a estímulos (mesmo leves) do meio exterior. Qualquer estímulo é sentido como perturbador, e o indivíduo reage prontamente de forma disfórica. 4.1.2 Alterações das emoções e dos sentimentos 1. Apatia – É a diminuição da excitabilidade emotiva e afetiva. 2. Hipomodulação do afeto – Incapacidade do paciente de modular a resposta afetiva de acordo com a situação existencial, indicando rigidez na sua relação com o mundo. 3. Paratimia – Reação completamente incongruente a situações existenciais ou a determinados conteúdos ideativos, revelando desarmonia profunda da vida psíquica. 4. Pobreza de sentimentos e distanciamento afetivo – Há o empobrecimento relativo à possibilidade de vivenciar alternâncias e variações sutis na esfera afetiva. 5. Embotamento afetivo e devastação afetiva – Perda profunda de todo tipo de vivência afetiva. 6. Sentimento de falta de sentimento – É a vivência de incapacidade para sentir emoções, experimentada de forma muito penosa pelo paciente. 7. Anedonia – É a incapacidade total ou parcial de obter e sentir prazer com determinadas atividades e experiências da vida. 8. Indiferença afetiva – Trata-se de certa frieza afetiva incompreensível diante dos sintomas que o paciente apresenta, uma frieza e uma indiferença que parecem indicar que, no fundo, o paciente sabe que seus sintomas são psicogênicos e potencialmente reversíveis, denotando até certo exibicionismo por trás da indiferença (Ramadan, 1985). 9. Labilidade afetiva e incontinência afetiva – São os estados nos quais ocorrem mudanças súbitas e imotivadas de humor, sentimentos ou emoções. O indivíduo oscila de forma abrupta, rápida e inesperada de um estado afetivo para outro. 13 10. Ambivalência afetiva – sentimentos opostos em relação a um mesmo estímulo ou objeto, sentimentos que ocorrem de modo absolutamente simultâneo. 11. Neotimia – É a designação para sentimentos e experiências afetivas inteiramente novos vivenciados por pacientes em estado psicótico. 12. Fobias – São medos determinados psicopatologicamente, desproporcionais e incompatíveis com as possibilidades de perigo real oferecidas pelos desencadeantes, chamados de objetos ou situações fobígenas. 13. Pânico – É uma reação de medo intenso, de pavor, relacionada geralmente ao perigo imaginário de morte iminente, descontrole ou desintegração. 14. Ciúme – É um fenômeno emocional complexo no qual o indivíduo sente receio, medo, tristeza ou raiva diante da ideia, sensação ou certeza de que a pessoa amada gosta mais de outra pessoa (ou objeto) e pode abandoná-lo ou preteri-lo. 15. Inveja – É a sensação de desconforto, raiva e angústia diante da constatação de que outra pessoa possui objetos, qualidades, relações que o indivíduo gostaria de ter, mas não tem. 4.2 Vontade 1. Hipobulia/abulia – É a diminuição ou até abolição da atividade volitiva. Nela o sujeito descreve que não tem vontade para nada, sente-se muito desanimado, sem forças, sem “pique”. 2. Ato impulsivo – É uma espécie de curto circuito do ato voluntário, da fase de intenção à fase de execução. O ato impulsivo abole abruptamente as fases de intenção, deliberação e decisão, em função tanto da intensidade dos desejos ou temores inconscientes como da fragilidade das instâncias psíquicas implicadas na reflexão, na análise, na ponderação e na contenção dos impulsos e dos desejos. 3. Ato compulsivo – É reconhecido pelo indivíduo como indesejável e inadequado. A compulsão é geralmente uma ação motora complexa que pode envolver desde atos compulsivos relativamente simplesaté rituais compulsivos complexos. 4.3 Psicomotricidade 1. Agitação psicomotora – Implica a aceleração e a exaltação de toda a atividade motora do indivíduo, em geral secundária a taquipsiquismo acentuado. A agitação psicomotora é um sinal psicopatológico muito frequente e 14 relativamente inespecífico, sendo vista todos os dias nos serviços de emergência e internação. 2. Lentificação psicomotora – É a lentificação de toda a atividade psíquica. Toda a movimentação voluntária torna-se lenta, difícil, “pesada”, podendo haver período de latência entre uma solicitação ambiental e a resposta motora do paciente. 3. Inibição psicomotora – É um estado acentuado e profundo de lentificação psicomotora, com ausência de respostas motoras adequadas, sem que haja paralisias ou déficit motor primário. 4. Estupor – É a perda de toda a atividade espontânea, que atinge o indivíduo globalmente, na vigência de um nível de consciência aparentemente preservado e de capacidade sensório-motora para reagir ao ambiente. 5. Catalepsia – É um acentuado exagero do tônus postural, com grande redução da mobilidade passiva dos vários segmentos corporais e com hipertonia muscular global de tipo plástico. 6. Flexibilidade cerácea – Nessa, o indivíduo ou uma parte de seu corpo é colocado pelo examinador em determinada posição e assim permanece, como se fosse um homem de cera, moldável por uma outra pessoa. 7. Estereotipias motoras – São repetições automáticas e uniformes de determinado ato motor complexo, indicando geralmente marcante perda do controle voluntário sobre a esfera motora. 8. Maneirismo – É um tipo de estereotipia motora caracterizada por movimentos bizarros e repetitivos, geralmente complexos, que buscam certo objetivo, mesmo que esdrúxulo. 9. Tiques – São atos coordenados, repetitivos, resultantes de contrações súbitas, breves e intermitentes, envolvendo geralmente um grupo de músculos que atua em suas relações sinérgicas normais. 10. Conversão – É o surgimento abrupto de sintomas físicos de origem psicogênica. A conversão motora ocorre geralmente em situação estressante, de ameaça ou conflito intrapsíquico ou interpessoal significativos para o indivíduo. 11. Alteração da marcha – São observadas quando o sujeito faz a caminhada na forma não convencional, ereto e com a direção para o horizonte. As alterações na marcha são verificadas nos quadros específicos. 12. Apraxia – É a impossibilidade ou a dificuldade de realizar atos intencionais, gestos complexos, voluntários, conscientes, sem que haja paralisias, 15 paresias ou ataxias, e sem que faltem também o entendimento da ordem para fazê-lo ou a decisão de fazê-lo. TEMA 5 – Alterações da pensamento, Juízo de realidade e linguagem 5.1 Pensamento 1. Alterações dos conceitos a. Desintegração dos conceitos – Ocorre quando os conceitos sofrem um processo de perda de seu significado original. b. Condensação dos conceitos – Ocorre quando dois ou mais conceitos são fundidos, o paciente involuntariamente condensa duas ou mais ideias em um único conceito, que se expressa por uma nova palavra. 2. Alterações dos juízos a. Juízo deficiente ou prejudicado – É um tipo de juízo falso que se estabelece porque a elaboração dos juízos é prejudicada por deficiência intelectual e pobreza cognitiva do indivíduo. b. Juízo de realidade ou delírio – São alterações mais importantes para a psicopatologia. 3. Alterações do raciocínio e do estilo de pensar a. Pensamento mágico – É o tipo de pensamento que fere frontalmente os princípios da lógica formal, bem como os indicativos e imperativos da realidade. b. Pensamento dereístico – É um tipo de pensamento que se opõe marcadamente ao pensamento realista, o qual se submete à lógica e à realidade. c. Pensamento concreto – É um pensamento no qual não ocorre a distinção entre dimensão abstrata e simbólica e dimensão concreta e imediata dos fatos. d. Pensamento inibido – Nesse pensamento ocorre a inibição do raciocínio, com diminuição da velocidade e do número de conceitos, juízos e representações utilizados no processo de pensar, tornando-se o pensamento lento, rarefeito, pouco produtivo à medida que o tempo flui. e. Pensamento vago – As relações conceituais, a formação dos juízos e a concatenação destes em raciocínios são caracterizadas pela imprecisão. f. Pensamento prolixo – Nesse o paciente não consegue chegar a qualquer conclusão sobre o tema de que está tratando, senão após muito tempo e esforço. 16 g. Pensamento deficitário (ou oligofrênico) – É um pensamento de estrutura pobre e rudimentar. O indivíduo tende ao raciocínio concreto; os conceitos são escassos e utilizados em sentido mais literal que abstrato ou metafórico. h. Pensamento demencial – Trata-se também de pensamento pobre, porém tal empobrecimento é desigual, ao contrário do que ocorre no pensamento deficitário, no qual o empobrecimento é mais homogêneo. i. Pensamento confusional – Verifica-se, devido à turvação da consciência, um pensamento incoerente, de curso tortuoso, que impede que o indivíduo apreenda de forma clara e precisa os estímulos ambientais e possa, assim, processar seu raciocínio adequadamente. j. Pensamento desagregado – Trata-se de pensamento radicalmente incoerente, no qual os conceitos e os juízos não se articulam minimamente de forma lógica. l. Pensamento obsessivo – Nesse pensamento, predominam ideias ou representações que, apesar de terem conteúdo absurdo ou repulsivo para o indivíduo se impõem à consciência de modo persistente e incontrolável. 4. Alterações do processo de pensar a. Curso do pensamento – As principais alterações do curso do pensamento são a aceleração, a lentificação, o bloqueio e o roubo do pensamento. b. Forma do pensamento – As principais alterações da forma ou estrutura do pensamento são: fuga de ideias, dissociação e incoerência do pensamento, afrouxamento das associações, descarrilhamento e desagregação do pensamento. c. Conteúdo do pensamento – O conteúdo do pensamento é aquilo que preenche a estrutura do processo de pensar. Nesse sentido, o conteúdo corresponde à temática do pensamento. Assim, não se pode falar propriamente em alterações patológicas do conteúdo do pensamento. Há tantos conteúdos quanto são os temas de interesse ao ser humano. Os principais conteúdos que preenchem os sintomas psicopatológicos são os seguintes: persecutórios, depreciativo, religiosos, sexuais, de poder, de riqueza, de prestígio ou de grandeza, de ruína ou culpa e de conteúdos hipocondríacos. 17 5.2 Juízo de realidade 5.2.1 Ideias prevalentes ou sobrevaloradas São ideias que, por conta da importância afetiva que têm para o indivíduo, adquirem predominância enorme sobre os demais pensamentos, conservando-se obstinadamente em sua mente. Segundo Dalgalarrondo (2000), as ideias sobrevaloradas possuem algumas características: 1. A ideia é sustentada com forte convicção (mas menos que em um delírio). 2. A ideia prevalente ou sobrevalorizada é egossintônica (comparável a muitas ideias obsessivas). 3. É associada a um alto grau de emoção ou afeto (ansiedade ou raiva, quando há a ameaça de perda de uma pessoa ou do objetivo expresso na ideia). 4. Geralmente se desenvolve em personalidade alterada. 5. Em geral, é compreensível a partir das experiências passadas do indivíduo e de sua personalidade. 6. Causa sofrimento ou disfunção no sujeito ou naqueles que com ele convivem. 7. Geralmente induz o indivíduo a agir. 8. Pode, eventualmente, progredir para delírio verdadeiro. 9. O paciente não busca ajuda por conta dessas ideias. 10. Assemelha-se a convicções religiosas ou políticas apaixonadas. 5.2.2 Delírio Segundo Jaspers (2006), as ideias delirantes, ou delírio, são juízos patologicamente falsos. Dessa forma, o delírio é um erro do ajuizar que tem origemna doença mental. Sua base é mórbida, pois é motivado por fatores patológicos. São características dos delírios: 1. Convicção extraordinária – Uma certeza subjetiva praticamente absoluta. A sua crença é total; o sujeito não se pode colocar em dúvida a veracidade de seu delírio. 18 2. Impossível modificação do delírio – Ou seja, nem a experiência objetiva, por provas explícitas da realidade, por argumentos lógicos, plausíveis e aparentemente convincentes. Assim, diz-se que o delírio é irremovível e, mesmo pela prova de realidade mais cabal, ele não é passível de ser influenciado externamente por pessoas que queiram demover o delirante de suas crenças. 3. É, quase sempre, um juízo falso – O seu conteúdo é impossível. 4. É uma produção associal, idiossincrática em relação ao grupo cultural do sujeito – Geralmente se trata de uma convicção de um só homem. 5.3 Linguagem 5.3.1 Alterações da linguagem secundárias a lesão neuronal identificável 1. Afasia – É a perda da linguagem, falada e escrita, por incapacidade de compreender e utilizar os símbolos verbais. 2. Parafasias – São formas mais discretas de déficit de linguagem, nas quais o indivíduo deforma determinadas palavras, como designar de “cameila” a cadeira, de “ibro” o livro, e assim por diante. 3. Agrafia – É a perda, por lesão orgânica, da linguagem escrita, sem que haja qualquer déficit motor ou perda cognitiva global. 4. Alexia – É a perda, de origem neurológica, da capacidade previamente adquirida para a leitura. 5. Disartria – É a incapacidade de articular corretamente as palavras devido a alterações neuronais referentes ao aparelho fonador, alterações estas que produzem paresias, paralisias ou ataxias da musculatura da fonação. 6. Disfonia – É a alteração da fala produzida pela mudança na sonoridade das palavras. 7. Disfemia – Ou afemia, está comumente associada a estados emocionais intensos, a quadros histéricos conversivos e a conflitos inconscientes intensos. 8. Dislalia – É a alteração da linguagem falada que resulta da deformação, da omissão ou da substituição dos fonemas, não havendo alterações identificáveis nos movimentos dos músculos que participam da articulação e da emissão das palavras. 19 5.3.2 Alterações da linguagem associadas a transtornos psiquiátricos primários 1. Logorreia – É o aumento da fala e pode ser: a. Taquifasia – É o aumento da fluência verbal, frequentemente associado ao taquipsiquismo geral, podendo haver perda da lógica do discurso. b. Loquacidade – É o aumento da fluência verbal sem qualquer prejuízo da lógico do discurso. 2. Bradifasia – Nesse, o sujeito fala muito vagarosamente, as palavras seguem-se umas às outras de forma lenta e difícil. 3. Mutismo – De forma simples, é a ausência de resposta verbal oral por parte do doente. 4. Perseveração e estereotipia verbal – Há repetição automática de palavras ou trechos de frases, de modo estereotipado, mecânico e sem sentido e podem ser: a. Ecolalia – É a repetição da última ou das últimas palavras que o entrevistador falou ou dirigiu ao paciente. b. Palilalia – É a repetição automática e estereotipada pelo paciente da última ou das últimas palavras que ele próprio emitiu em seu discurso. c. Logoclonia – É um fenômeno semelhante à palilalia, sendo que aqui a repetição automática e involuntária é a das últimas sílabas que o paciente pronunciou. d. Glossolalia – É a produção de uma fala gutural, pouco compreensível, um verdadeiro conglomerado ininteligível de sons. 20 REFERÊNCIAS APA - DSM-5 - Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Rio de Janeiro: Artes Médicas, 2000. BERCHERIE, P. Os fundamentos da clínica: história e estrutura do saber psiquiátrico. Rio de Janeiro: Zahar, 1989. CHENIAUX Jr., E. Manual de psicopatologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. DEL NERO, H. S. Pensamento, emoção e vontade no cérebro humano. São Paulo: Collegium Cognitio, 1997. FOUCAULT, M. Doença mental e psicologia. 6. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2000. JASPERS, K. Psicopatologia geral – volumes 1 e 2. 8. ed. São Paulo: Atheneu, 2006. MELO, A. L. N. Psiquiatria. São Paulo: Atheneu, 1979. SIMS, A. Symptoms in the mind: an introduction to descriptive psychopathology. London: Sounders, 1995. MEYNERT, T. L'Amentia, ou confusion. Paris: Presses Universitaires de France, 1890. RAMADAN, Z. B. A. A histeria. São Paulo: Ática, 1985.