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a) BUFULIN, Augusto Passamani; SOUSA, D C Tutela dos direitos patrimoniais mediante tutela de evidência

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FICHAMENTOS – ALUNO REGULAR – MESTRADO UFES 
Fabiane Sena Freitas 
a) BUFULIN, Augusto Passamani; SOUSA, D. C. . Tutela dos direitos patrimoniais mediante tutela de 
evidência. REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL (IMPRESSO), v. 26, p. 117-152, 
2018: 
TUTELA DOS DIREITOS PATRIMONIAIS MEDIANTE TUTELA DE EVIDÊNCIA 
1 Introdução 
Duração razoável do processo: ao cidadão é garantida a duração razoável do processo, desde 
1992, com a absorção do Pacto de São José da Costa Rica, e fortalecido em 2004, com a aprovação da Emenda 
Constitucional nº 45 (art. 5º, LXXVIII, CRFB). 
Função do Direito neste contexto: equacionar o embate entre o tempo e as garantias, entre a 
efetividade e a segurança. 
Urgência: quando o bem da vida é perecível, isto é, quando sua proteção não possa aguardar 
até o fim do processo, seja por fatores endógenos, seja por fatores exógenos. Aqui, antecipa-se a tutela para 
que o fator tempo per se ou a ação nociva da parte não lesem o bem jurídico. 
Evidência: quando o direito da parte é de tal modo robusto que permite concluir ser muito 
provável o seu acolhimento ao final. Aqui, antecipa-se a tutela para que o tempo necessário ao adequado 
exercício das garantias processuais seja suportado por aquele que provavelmente não tem razão. 
2 Tutela provisória: considerações gerais 
Deferimento de medida liminar – requisitos: (i) fumus boni iuris (probabilidade do direito); (ii) 
periculum in mora (situação de perigo). 
Tutela provisória abrangendo as tutelas de urgência cautelar, de urgência satisfativa e de 
evidência – crítica: (i) nem tudo o que é regrado no Livro V da Parte Geral do CPC/15 é tutela provisória; (ii) 
não há unidade ontológica entre os pressupostos necessários à concessão de medidas cautelares e satisfativas; 
(iii) o Livro V da Parte Geral do CPC/15 não exaure o fenômeno das medidas liminares (ou tutelas provisórias, 
se se quiser seguir a designação do legislador). 
2.1 Tutela provisória e tutela temporária 
Tutela antecipada: é provisória, pois precipita os efeitos que, a rigor, só viriam com a decisão 
final. 
Tutela cautelar: é temporária, pois esta, ao invés de ser substituída pelo definitivo, dura 
enquanto for útil. Obs.: Pode-se até dizer que as liminares concedidas em ação cautelar autônoma são decisões 
provisórias, pois serão substituídas pela decisão cautelar definitiva (ou melhor, a sentença). Mas aí a referência 
é meramente interinal, não se estabelecendo pelo conteúdo da medida. 
2.2 Fumus boni iuris e periculum in mora. Ausência de unidade ontológica 
Tutela cautelar e o perigo da demora: ameaça à futura e provável satisfação de um direito. 
Tutela satisfativa e o perigo da demora: consiste na lesão do próprio bem jurídico. 
Conclusão – tipo de risco: (i) ameaça à satisfação futura de um direito – no caso da cautelar; 
(ii) ameaça de lesão imediata do próprio direito – no caso da satisfativa. 
Unidade funcional de ambas segundo Humberto Theodoro Jr.: pois ambas se fundam na 
aparência do direito e têm como objetivo combater o perigo de dano que a duração do processo possa criar 
para o respectivo titular. Discordância dos autores: pois a tutela cautelar pretende evitar o dano, enquanto a 
tutela de urgência pretende evitar o ilícito. 
2.3 Fumus boni iuris e periculum in mora. Ausência de cumulação rígida 
Só é possível a concessão de tutelas provisórias se estiverem igual e simultaneamente presentes 
os requisitos do periculum in mora e fumus boni iuris? É possível que a presença “forte” de um pressuposto 
compense a presença “fraca” do outro, cabendo ao juiz a valoração dessa “suficiência compensatória”. 
Rol de liminares possíveis: (i) tutela pura de fumus extremado (que é a “tutela de evidência” a 
que alude o CPC/15); (ii) tutela pura de periculum extremado; (iii) tutela de fumus extremado e periculum não 
extremado; (iv) tutela de periculum extremado e fumus não extremado; (v) tutela de fumus e periculum 
extremados; (vi) tutela de fumus e periculum não extremados; (vii) tutela pura de fumus de extremidade 
presumida; (viii) tutela pura de periculum de extremidade presumida. 
Concessão de liminares – estrutura tipológica: opera-se com figuras híbridas, num esquema a 
que os objetos se encaixam por comparações. Como se, nos processos concretos de concessão de tutelas 
provisórias, o fumus e o periculum fossem “elementos” ou “forças” que se articulam de forma variável, sem 
absolutismo e fixidez dimensional. 
2.4 Tutela preventiva contra o ilícito, contra o dano real e contra o dano presumido (tutela preventiva 
pura) 
Tutela preventiva: pode ser funcionalizada para impedir o ilícito ou dano: (i) a tutela preventiva 
contra o ilícito é satisfativa e mais conhecida como tutela inibitória; (ii) a tutela preventiva contra o dano pode 
ser (ii.a) cautelar ou (ii.b) preventiva pura (ou em stricto sensu). 
Ponto comum: ambas pressupõem fumus real. 
Pontos diferentes: em (ii.a) o periculum tem de ser realmente demonstrado pela parte e 
reconhecido, fundamentadamente, pelo juiz, ao passo em que, em (ii.b), há presunção legal de periculum, de 
modo que não precisa ser arguido pela parte nem enfrentado pelo juiz em sua decisão; basta a parte arguir, e 
o juiz reconhecer, o fumus real. 
Divisão da tutela preventiva: (i) tutela inibitória (satisfativa e contra o ilícito), (ii) tutela cautelar 
(contra o dano mediante fumus e periculum reais) e (iii) tutela preventiva pura (contra o dano mediante fumus 
real e periculum legalmente presumido). 
Obs.: a tutela de evidência dispensa qualquer demonstração de periculum, real ou presumido, 
razão por que não tem constitui tutela preventiva. 
2.5 Liminar, tutela antecipada e tutela provisória 
Liminar: é qualquer provimento ou medida tomada antes da abertura do contraditório, ainda 
que posterior à citação. 
Tutela antecipada: é decisão precipitada, concedida ante tempus. Decisões antecipatórias 
podem ser cautelares ou satisfativas (de urgência e de evidência; preventiva ou ressarcitória). Pode ser liminar 
ou não, conforme concedida antes ou depois da abertura do contraditório. 
Tutela provisória: é conceito relacionado ao grau de estabilidade do título. É aquela precária, 
passível de revogação ou modificação no mesmo processo e pelo decisor que a prolatou. Obs.: é mais comum 
que a tutela provisória seja concedida com base em cognição sumária, mas nada impede que seja concedida 
com base em cognição exauriente. 
3 Considerações gerais sobre a tutela de evidência 
3.1 Conceito 
Evidência: um pressuposto fático de uma técnica processual para obtenção da tutela. Somente 
há sentido em falar da “tutela de evidência” como técnica processual. 
3.2 Natureza 
Natureza: é sempre satisfativa. 
3.3 Finalidade 
Finalidade: técnica de (re)distribuição adequada do ônus do tempo do processo; promover a 
redistribuição do ônus do tempo do processo para permitir que o autor frua, desde já, do bem da vida cujo 
direito lhe parece evidente. 
3.4 Cabimento 
Cabimento: (i) amplamente cabível no procedimento comum; (ii) nos procedimentos especiais; 
(iii) nos Juizados Especiais. 
3.5 Legitimidade 
Legitimidade: autor, réu e terceiros intervenientes que, desde a intervenção, adquirem a 
condição de parte. 
Legitimidade restrita ao autor: nos casos dos incisos III e IV do art. 311 do CPC/15. 
Legitimidade do autor e do réu: nos casos dos incisos I e II. 
Legitimidade do Ministério Público: pode requerer tanto quando atua como parte como quando 
atua como custos legis. 
3.6 Concessão de ofício 
Imparcialidade – aspecto positivo: assegura que o juiz será terceiro psíquico e funcionalmente 
alheio ao conflito. 
Alheamento psíquico: diz com a indiferença do juiz quanto resultado do julgamento. É 
precisamente neste sentido que mais se emprega o vocábulo imparcialidade (ou imparcialidade subjetiva). 
Alheamento funcional: consiste na impossibilidade de o juiz exercer as mesmas funções dos 
sujeitos do conflito, ou melhor,da proibição dele exercer funções processuais próprias das partes. Aqui, fala-
se em imparcialidade (ou imparcialidade objetiva). Deixa claro que cabe exclusivamente à parte requerer a 
concessão da tutela antecipada. Afinal, trata-se de função que visa obter diretamente determinado provimento, 
inequivocamente atrelado a um interesse (parcialidade). 
Regra da congruência: o juiz não pode decidir além, aquém ou fora do que foi pedido, 
encontrando fundamento na imparcialidade. 
Lei que autoriza tutela antecipada de ofício: nem mesmo a lei pode autorizar o juiz a conceder 
tutela antecipada de ofício. Dispositivo nesse sentido padece de inconstitucionalidade. Obs.: O art. 4º da Lei 
de Alimentos não foi recepcionado pela CRFB. 
Resumo: em hipótese alguma o juiz não pode conceder tutela provisória ex officio, pouco 
importa o grau de evidência do direito ou da gravidade da lesão aparentemente em vias de concretizar-se. 
Atenção – tutela cautelar de ofício: o juiz não pode conceder cautelar de ofício. 
Existência de dever de consulta: quando (i) o juiz tem o dever de decidir determinada questão 
(porque provocado ou porque identificou questão cognoscível de ofício) e (ii) ainda não houve prévia 
manifestação da(s) parte(s) a seu respeito. 
Dever de consulta: obriga o juiz a alertar a(s) parte(s) sobre questão que ele é obrigado a decidir, 
mas sobre a qual ela(s) não se manifestou(aram), oportunizando a sua manifestação para que possa(m) influir 
no seu convencimento e não ser(em) surpreendida(s). É situação jurídica processual passiva derivada do 
contraditório. Pelo dever de consulta o juiz adverte/avisa a(s) parte(s) de que, inexoravelmente, por dever 
funcional, decidirá sobre determinada questão, com isso permite que as partes possam influir em tal decisão. 
3.7 Momento e regime de estabilização 
Momento: (i) antecedente; (ii) simultâneo; (iii) incidental. Conforme seja formulada antes, ao 
mesmo tempo ou posteriormente à apresentação do pedido de tutela definitiva, respectivamente. 
Obs.: apenas a tutela provisória de urgência (cautelar ou satisfativa) pode ser apresentada em 
caráter antecedente. A tutela de evidência só pode ser apresentada em caráter simultâneo ou incidental, ou 
seja, já na petição inicial da demanda em que se pede a tutela definitiva ou em posterior petição avulsa, no 
curso do processo. 
Estabilização: o legislador limitou à tutela provisória satisfativa de urgência requerida em 
caráter antecedente, não se aplicando à tutela cautelar, a qualquer tutela requerida em caráter incidente 
(cautelar, satisfativa de urgência e satisfativa de evidência). Não há estabilidade da tutela cautelar nem da 
tutela de evidência (quanto a esta, porque não pode ser requerida em caráter antecedente). 
3.8 Concessão inaudita altera parte (art. 9º, II e III, e art. 311, parágrafo único, CPC/15) 
Hipóteses de decisões provisórias contra uma das partes sem que seja ela previamente ouvida: 
(i) tutela de urgência (art. 300 e ss.); (ii) tutela de evidência fundada em alegações de fato documentalmente 
comprováveis e tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante (art. 311, II); (iii) 
tutela de evidência em pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito 
(art. 311, III); e (iv) tutela de evidência atinente ao procedimento monitório (art. 9º, III c/c art. 701). Obs.: 
contraditório diferido: não suprime seu exercício, mas o posterga para momento imediatamente posterior ao 
deferimento liminar. 
Art. 311, II – pressupostos da concessão de tutela de evidência inaudita altera parte: (i) 
comprovadas documentalmente e (ii) respaldadas em provimento vinculante. Quanto a (i), descurou o 
legislador que mesmo aí as alegações de fato podem comportar múltiplas interpretações. Com frequência, o 
conteúdo documental atiça exegeses diversas. Comumente documentos são impugnados por contraprovas que 
eliminam por completo sua força probante. Quanto a (ii), tem-se aí, salvo melhor juízo, uma aposta fundada 
em rasa compreensão dos precedentes, como se portassem sentidos prontos e acabados. Decididamente, 
precedentes não dispensam interpretação. Eles sempre impelem o intérprete a apurar: (i) a sua efetiva 
aplicação, dadas as semelhanças fático-jurídicas entre o caso anterior e o caso atual; e (ii) se a norma a ele 
atribuída (ratio decidendi) está em conformidade com a legalidade constitucional. E não é trivial argumentar 
sobre distinção, superação ou inconstitucionalidade (ou ilegalidade) de precedentes, como vem 
dramaticamente revelando a prática judiciária brasileira, a reforçar a necessidade de franquear a manifestação 
do réu antes da decisão. 
Disposição inconstitucional: quando o CPC protege deficientemente o contraditório no 
momento em que o afasta em estrita homenagem à evidência. A inconstitucionalidade não tem relação com o 
fundamento da decisão (= entendimento firmado em provimento vinculante), mas com o momento da sua 
concessão (= inaudita altera parte). 
Inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 311 do CPC: Em (i) e (ii), não há qualquer 
motivo justificável para a súbita superação a-processual da pressuposição civil de não culpabilidade. Aliás, 
apesar de ter sobre si o risco in initio litis de uma tutela de efeitos irreversíveis, o réu pode aniquilar o pedido 
de concessão de tutela, evidência mediante contraprova documental ou demonstrando, por exemplo, falsidade 
documental, decadência, prescrição, incompetência, superação tácita do precedente, erro de interpretação do 
precedente. Decididamente, evidência não se confunde com “impossibilidade de contestação séria”. 
Arts. 9º, II e 311, parágrafo único: encerram proteção deficiente da garantia do contraditório e 
da pressuposição de inocência (no caso, aplicável em âmbito cível) e não se mostram necessários à proteção 
adequada de qualquer outro direito ou garantia fundamental, razão por que são eivados de 
inconstitucionalidade material, devendo deixar de ser aplicados, na via difusa, e declarados inconstitucionais, 
na via concentrada, eis que violado o princípio da proibição de proteção deficiente. 
3.9 Manifestação do requerido 
Manifestação do requerido: em se tratando de tutela de evidência, aquele em face de quem se 
pede a medida sempre deve ser ouvido antes da decisão. É inconstitucional a concessão de tutela de evidência 
inaudita altera parte. 
3.10 Responsabilidade objetiva do autor (art. 302, CPC/15) 
Responsabilidade objetiva: sujeita o beneficiário da medida a ressarcir, independentemente de 
culpa, as perdas e danos daquele contra quem a ordem foi pedida e expedida. 
Danos decorrentes da execução provisória indevida (assim considerada porque não confirmada 
ao final): devem ser reparados pelo beneficiário da medida independentemente de dolo ou culpa. 
Danos decorrentes da fruição indevida do bem da vida durante o processo (assim considerada 
porque o pedido foi acolhido ao final, tendo sido indeferido o pedido de tutela antecipada): devem ser 
reparados pelo usufrutuário mediante prova do dolo ou culpa. 
Crítica: ou há responsabilidade objetiva em ambos os casos, ou há responsabilidade subjetiva 
em ambos os casos. Inadmissível é a diferença de regimes sem qualquer discrímen idôneo que o justifique. 
Tanto mais no caso da tutela provisória de evidência, em que era absolutamente legítimo que o bem da vida 
fosse fruído pelo autor, dada a probabilidade latente de ser titular do direito afirmado. 
4 Hipóteses de tutela de evidência no CPC 
Tutela de evidência: é técnica outorgada pelo sistema para permitir a fruição imediata do direito 
que se mostra evidente, independentemente da presença de periculum in mora. A concessão da tutela de 
evidência prescinde da demonstração de periculum in mora. Sempre pressupõe a probabilidade real do direito 
do autor. Sua finalidade é redistribuir adequadamente o ônus do tempo do processo. 
4.1 Tutela de evidência por abuso do direitode defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte 
(art. 311, I, CPC/15) 
Art. 311, I: conceder-se-á tutela de evidência quando “ficar caracterizado o abuso do direito de 
defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte”. Pressupõe-se a probabilidade do direito do autor. 
Tutela antecipada sancionatória? Não se alegue, pois, que o inciso I contempla hipótese de 
tutela liminar ‘sancionatória’. Decididamente, não se cuida de sanção. Se de sanção se tratasse, a medida não 
poderia ser revogada por eventual sentença de improcedência (repise-se: nada impede que a razão esteja com 
quem litiga de má-fé). É inadmissível que a sentença de improcedência possua o condão de anistiar o improbus 
litigator. Se, no curso do processo, for imposta ao réu sanção punitiva ou reparatória, especificamente 
direcionada à prática de litigância de má-fé, a condenação permanecerá incólume com a sentença de 
improcedência. 
Abuso e protelação: por si sós, justificam a punição por ato atentatório à dignidade da justiça e 
litigância de má-fé, presentes seus pressupostos e aplicáveis suas sanções típicas. Não bastam para a concessão 
de tutela provisória de evidência (= não há tutela sancionatória pura), nem faz sentido falar em tutela de 
evidência punitiva ou sancionatória quando não se abre mão do pressuposto do fumus – porque aí 
simplesmente não é sancionatória. 
Requisitos do art. 311, I: pressupõe (i) requerimento da parte, (ii) probabilidade do direito e 
(iii) abuso ou protelação da parte contrária. 
Pressupostos alternativos diversos: (i) abuso do direito de defesa e (ii) prática de ato 
manifestamente protelatório. O primeiro só pode ser praticado no interior e no curso do processo, já o segundo 
consiste em condutas extraprocessuais e podem remontar a temo pré-processual. 
Condutas que podem autorizar a incidência do art. 311, I, CPC/15, dentre outras: (i) a reiterada 
retenção dos autos por tempo delongado; (ii) o fornecimento de endereços inexatos para dificultar intimações; 
(iii) prestar informações erradas; (iv) embaraçar atos de produção de provas; (v) alienar bens necessários à 
satisfação do demandante etc. 
Crítica ao exemplo (v): se há alienação de bens necessários à satisfação do demandante então 
o caso é de urgência, ante o perigo de infrutuosidade. É caso de tutela cautelar (de arresto ou sequestro, 
conforme o caso). 
Obs.: quando houver abuso ou protelação e o processo estiver pronto para julgamento, ou seja, 
não for necessária a produção de qualquer prova, o caso é de julgamento antecipado do mérito, e não de 
concessão da tutela de evidência do art. 311, I, CPC/15. 
A conduta ímproba de um litisconsorte pode prejudicar o outro, mediante concessão da tutela 
de evidência? No litisconsórcio simples há mais de uma relação de direito material em jogo ou uma relação 
de direito material divisível e os litisconsortes são tratados em sua individualidade (= cada um terá o resultado 
que merecer), razão por que o abuso ou protelação de um, somada à evidência do direito, não impede a 
concessão da tutela de evidência em liça, pois, nesse caso, apenas ele será afetado pela decisão. No 
litisconsórcio unitário a relação de direito material é indivisível e os litisconsortes são tratados em seu conjunto 
(= todos terão o mesmo resultado), razão por que, em tal caso, o abuso ou protelação de um ou alguns dos 
litisconsortes não autoriza a concessão da medida contra todos; somente o ilícito praticado por todos os 
litisconsortes autorizaria a medida. 
4.2 Tutela de evidência por suficiência probatória documental e jurídica precedental (art. 311, II, 
CPC/15) 
Art. 311, II: o juiz concederá tutela de evidência quando “as alegações de fato puderem ser 
comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em 
súmula vinculante”. Trata-se de hipótese em que a pretensão do autor se revela robusta tanto em relação ao 
aspecto fático (há prova documental contundente) quanto ao aspecto jurídico (ele está fundado em precedente). 
As provas devem ser documentais ou documentadas, desde que preconstituídas. 
4.3 Tutela de evidência da tutela reipersecutória fundada em prova documental do contrato de depósito 
(art. 311, III, CPC/15) 
Art. 311, III: o juiz concederá tutela de evidência quando “se tratar de pedido reipersecutório 
fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de 
entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa”. A prova documental adequada de (i) e (ii) é a prova 
escrita, enquanto de (iii) é qualquer documento (= representação escrita ou gravada – foto, vídeo etc. – de um 
ato ou fato). 
4.4 Tutela de evidência por fragilidade concreta da tese defensiva (art. 311, IV, CPC/15) 
Art. 311, IV: o juiz concederá a tutela de evidência quando “a petição inicial for instruída com 
prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz 
de gerar dúvida razoável”. 
Pressupostos para a concessão dessa medida: (i) que o direito do autor, tanto quanto aspecto 
fático quanto jurídico, se evidencie mediante prova documental; (ii) que o direito do autor, em toda a sua 
extensão fático-jurídica, não seja posto em dúvida razoável por prova documental apresentada pelo réu. 
Prova documental – abrangência: (i) fatos notórios, (ii) presunções absolutas, (iii) provas 
emprestadas, (iv) questões incidentais decididas em outro processo com força de coisa julgada, (v) provas 
produzidas antecipadamente, (vi) prescrição e decadência etc. 
Tutela de evidência x julgamento antecipado do mérito: (i) se réu contrapõe prova documental 
capaz de lançar dúvida razoável sobre o direito do autor, não se concede a tutela de evidência; (ii) se, ao invés, 
o réu necessita produzir prova idônea (v.g., perícia, depoimento pessoal ou testemunhal etc.), a tutela 
provisória deve ser concedida; (iii) mas se o réu não apresenta contraprova documental robusta nem possui 
provas a produzir no curso do processo, então o caso de julgamento antecipado (art. 355, I, CPC/15). 
5 Considerações finais 
Impossibilidade da concessão de tutela de evidência de ofício. 
Inconstitucionalidade do art. 311, parágrafo único do CPC. 
b) CAMPOS, Adriana; SLEMIAN, Andréa; MOTTA, Kátia Sausen. Juízes de paz: um projeto de 
justiça cidadã nos primórdios do Brasil Império. Curitiba-PR/Porto-Portugal: Juruá, 2017. p. 23-88: 
O FAROL DA BOA PRÁTICA JUDICIÁRIA 
1 INTRODUÇÃO 
Atual papel conferido ao judiciário: guardião da constitucionalidade das leis e dos direitos em 
geral. 
Constitucionalismo democrático – consequência: conduziria a uma crescente intervenção do 
poder judiciário sobre as decisões dos demais poderes. 
Objetivo do presente texto: demonstrar como a publicação dos manuais de juiz de paz, em 1829, 
colaborou para o delineamento da reforma do judiciário por meio da instituição da magistratura eletiva, 
apresentando o debate da lei que tematiza essas obras, o caráter do veículo usado para a exposição das 
concepções dos autos e os principais elementos de conteúdo jurídico dos manuais em relação à instituição. 
2 O DEBATE DA LEI DOS JUÍZOS DE PAZ 
Criação da magistratura eletiva no Brasil - caráter: ganhou o caráter de luta contra o antigo 
judiciário colonial. Por ocasião da independência política, aboliram-se os juízos privilegiados que 
preservavam ainda as regras corporativas do Antigo Regime lusitano, que reservavam ao rei a mediação na 
luta entre o povo e os senhores locais. Como isso ocorreu? Iniciou-se com a Constituição de 1824 e com a 
reforma judiciária empreendidas nas décadas de 1820 e 1830, que culminou na aprovação do Código de 
Processo Criminal de 1832. 
Hierarquia dos Tribunais até 1808: Desembargo do Paço (tribunal superior do reino ao qual 
competia submeter o despacho do monarca, devidamente estudados os negócios relativos à concessão da 
revista) > Casa da Suplicação (onde as apelaçõese agravos das sentenças proferidas pelos ouvidores podiam 
ser apreciadas) > Relação da Bahia e Relação do Rio de Janeiro. 
Assuntos da justiça em nível local – encargo: dos juízes ordinários, juízes do povo, juízes de 
vintena, procuradores e almotacés. 
Deputado Diogo Antônio Feijó – projeto: apresentou o projeto de regimento dos presentes de 
províncias e das câmaras municipais, em que indicava a prática da eleição dos juízes da paz da mesma forma 
que os vereadores e com igual duração desses. Os senadores consideraram os juízes de paz eventuais 
substitutos dos antigos Almotacés. 
Recursos das decisões criminais de competência dos juízes de paz: seriam avaliados pelo juiz 
criminal e dos juízes de paz mais vizinhos. Essa junta ficava, então, responsável por confirmar ou revogar a 
dita sentença sem mais recurso. 
Juiz de paz brasileiro: seria um magistrado sem treinamento e sem vencimentos, eleito para 
exercer, em nível de paróquia, funções de pouca importância e conciliação de litigantes. 
Conciliação: constitui-se na fase preliminar dos processos, consistindo, devido ao preceito 
constitucional, em responsabilidade exclusiva dos juízes de paz. O Imperador considerava a conciliação um 
benefício da Constituição, pois a própria lei maior vinculara a conciliação aos juízes de paz. 
Debate parlamentar de definição da eleição direta para o cargo de juiz de paz e o esboço de sua 
autonomia: traduzia a tendência entre os parlamentares de escolha de projetos que tornassem o poder central 
menos concentrado, parcelando-o entre as províncias e as autoridades locais. A escolha de juízes, do ponto de 
vista legal, se transformara, assim, num direito político que abrangia quase todos os homens adultos do país. 
3 A PEDAGOGIA DOS MANUAIS 
Artigos publicados em periódicos – função: ampliar a audiência dos debates e a circulação das 
opiniões. 
Manuais – função: difundir e popularizar o conhecimento. O estilo adotado era pedagógico e 
voltado a dar luzes à empreitada dos titulares da nova magistratura. Outra diferença em relação aos periódicos 
tratava-se da pacificação do conteúdo polêmico, informando as possíveis soluções para as lacunas apontadas 
na legislação vigente. 
Livros de Diogo Feijó e Bernardo Pereira: seus manuais possuíam caráter instrutivo no sentido 
de organizar a nova prática em torno da renovação da justiça no país. Talvez os autores procurassem instruir 
os legais no desempenho das funções jurisdicionais e combater as críticas dirigidas à falta de formação jurídica 
de grande parte dessas autoridades. 
4 A AUTONOMIA DOS JUÍZES DE PAZ NOS MANUAIS 
Conteúdo dos dois manuais: expõe as principais assertivas legais do juízo e tenta orientar os 
casos mais complexos de hermenêutica. Sabia-se que a legislação possuía lacunas, cuja solução deveria ser 
dirimida imediatamente. 
Autonomia hermenêutica: a intepretação proposta inclinava-se para a casuística. 
Vantagens – juízo de paz: celeridade dos processos sob sua alçada e a economia processual de 
seus procedimentos. 
Autonomia segundo Bernardo Pereira de Vasconcellos: restringia-se à conformação da 
autoridade como eletiva, mas com funções jurisdicionais que colocavam o juiz de paz na hierarquia piramidal 
e estatizada da magistratura ordinária. A ampliação de suas funções não se relacionava diretamente à 
independência de produzir os procedimentos jurídicos, o que evidencia afinidade com o ideário liberal da 
época. 
Autonomia segundo Feijó: formatou as funções jurisdicionais de maneira mais ampla, 
conferindo não apenas ao juiz de paz autonomia, mas também ao próprio processo gestado nesses juízos a 
capacidade de forjas novos ritos processuais. A estatização do Direito fora de certo modo obliterado na 
hermenêutica proposta por Feijó, embora se destinasse seu manual a divulgar uma lei. 
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 
Manuais de Bernardo Pereira de Vasconcellos e de Diogo Antônio Feijó: caráter pedagógico a 
respeito das funções da nova magistratura eleita implantada no Brasil do Oitocentos. Apresentavam-se como 
veículos para estabilização da instituição, especialmente em relação aos procedimentos judiciais. Além disso, 
forneciam instrumentos técnicos por meio de dezenas de formulários propostos para o cotidiano dos 
julgadores. 
Criação do juízo de paz – função: a reformulação do judiciário brasileiro, com vistas a superar 
o modelo recebido da antiga ordem colonial. 
Justiça de paz: conciliar as partes enquanto fase preliminar dos processos. 
DOIS PROJETOS DE JUSTIÇA, UMA MESMA AUTORIDADE: OS JUÍZES DE PAZ SEGUNDO 
DIOGO ANTÔNIO FEIJÓ E BERNARDO PEREIRA DE VASCONCELLOS (1829) 
Feijó e Vasconcellos – coincidência: coincidiam no marco da importância de autoridades que, 
como essas leigas e eletivas, foram valorizadas no contexto do pós-Independência, também em função das 
experiências revolucionárias e construção de novos Estados constitucionais em voga. 
Necessidade de criação da autoridade: a falta de juízes era seguramente um dos motivos, assim 
como a representação de direitos dos cidadãos que eles passariam a evocar, da aposta em autoridades eletivas 
locais. 
Projeto sobre a “administração e economia das Províncias” – de Feijó: em que estabeleciam o 
regimento para as autoridades já existentes, a implementação dos Conselhos Gerais provinciais e o 
funcionamento das câmaras municipais e dos juizados de paz. Com isso, Feijó respondia aos anseios daqueles 
que falavam contra o “despotismo” representado pela instituição dos cargos de presidentes das províncias 
escolhidos pelo Imperador. 
Juiz de paz sob o ponto de vista de Feijó: era visto como um conciliador local que não deveria 
fazer o papel dos juízes ordinários. 
Juiz de paz sob o ponto de vista de Vasconcellos: argumentava que os juízes de paz deveriam 
ter “ampla jurisdição”, sem a qual eles não teriam “consideração”. Como possuíam a função constitucional de 
reconciliação, eram incluídos na hierarquia da justiça ordinária. Defendia claramente a atribuição dos juízes 
de paz sobre as “pequenas contendas”, assim como funções, como a formação de culpa, que não deveriam 
caber aos juízes de direito, ainda que a estes acabassem subordinados de toda maneira. 
Bernardo Pereira de Vasconcellos: representante tipicamente inserido em uma “elite coimbrã”, 
que apoiaria o projeto de Império do Brasil e uma ideia de centralização política. Além de seguir o padrão de 
apresentação de leis comentadas e associadas às doutrinas, possuía postura muito mais formalista, entendendo 
o juízo de paz como parte do conjunto da justiça ordinária e submetido aos mesmo critérios de controle e 
garantias existentes, além de integrado à hierarquia das funções jurisdicionais. 
Diogo Antônio Feijó: mais vinculado a grupos locais, mais críticos ao desenho que se 
desenharia para o novo Estado. Optava por uma autoridade muito mais conciliadora, isolada do universo dos 
juízes de formação, nos quais vislumbrava certa ameaça na linha das radicas perspectivas revolucionárias 
modernas. 
Manual de Feijó – características gerais: 25 páginas, em linguagem bastante acessível, sem 
notas de rodapé, afirmando ter sido sua intenção servir-se de um “manual prático”, em que os mesmos juízes 
pudessem encontrar facilmente o meio de desempenhar suas atribuições. 
Juiz de paz de Feijó: era concebido como uma autoridade de reconciliação baseada em uma 
legitimidade moral reconhecida localmente. 
Árbitro: aquele ao qual as partes confiavam a decisão de seus conflitos, fazendo papel de juiz. 
Arbitrador: aquele escolhido para realizar a mediação entre as partes, evitando o pleito. 
Conciliador – origem: tudo indica que sua origem esteve muito mais vinculada a uma 
autoridade jurisdicional (própria do direito processual que escolhia um terceiro “imparcial”) do que ao direito 
privado, derivado de uma base contratual. 
Feijó – juízes de paz – recursos contra suas decisões: não cabia apelação de suas decisões. 
Apenas se previa recursosdas sentenças quando elas se referissem às posturas das Câmaras. No entanto, 
haveria direito de apelar contra o juiz do crime na eventualidade da anulação de uma sentença do juiz de paz. 
Feijó – árbitros: valorizava o papel do árbitro no encaminhamento da decisão final, conferindo 
mais ênfase a estes julgadores do que ao próprio juiz de paz (ao menos nos casos cíveis). 
Manual de Vasconcellos – características gerais: seguia formato jurídico mais acadêmico, com 
a publicação da lei no corpo do texto e a explicação e/ou interpretação do autor nas notas de rodapé. A adoção 
desse modelo para a concepção do manual prova que a norma (lei) não era autoexplicativa e apenas os 
especialistas na matéria poderiam complementá-la com a doutrina e informações que lhe diziam respeito. 
Juiz de paz de Vasconcellos: enquadrava o juiz de paz como autoridade de caráter ordinária 
como também seu extremo formalismo na explanação de suas funções. O detalhamento proposto por 
Vasconcellos pode ser explicado pelo fato de tratar-se de uma autoridade leiga, o que revela a evidente 
importância das formalidades atinentes ao processo no juízo de paz. Somente a estes juízes caberia o emprego 
de força armada para evitar motins e conflitos. 
Vasconcellos – árbitro: apresenta-os apenas nos formulários sob o nome de “reconciliação 
terminada por compromisso por árbitros”. Obs.: a possibilidade de recurso à decisão arbitral deveria estar 
assegurada pelas partes. 
Vasconcellos – juízes de paz – recursos contra suas decisões: aqueles conduzidos ao juiz 
criminal “poderão perante estes interpor agravo de injusta pronúncia para o Ouvidor ou Relação”. Com isso, 
colocava a possibilidade de garantia de que mesmo as ações de nossos juízes conciliadores pudessem ser 
contestadas por injustiça. As sentenças teriam direito a recurso de revista ao Supremo Tribunal. 
Vasconcellos – juízes de paz – restrições: os juízes leigos não têm outras atribuições além das 
marcadas no seu “regimento” e na lei das Câmaras e que eles são proibidos de prender os que não tivessem 
condições de pagar suas dívidas. 
Feijó x Vasconcellos – a questão da lei: enquanto Feijó parece crer em uma autoridade isolada 
da “contaminação” das práticas correntes dos juízes, num paradigma menos estatista por meio da 
revivescência de formas tradicionais de reconciliação, Vasconcellos claramente aposta na eficácia do 
cumprimento das normas, inclusive das já existentes para seu sucesso. 
Obs.: em se tratando dos projetos de juízes de paz, nem um nem outro poderia prever as várias 
adaptações que o cargo passaria a ter na sua longa vida pelo século XIX. 
MEMÓRIAS DE UMA JUSTIÇA: MANUAIS E JUÍZES DE PAZ NA INGLATERRA, ESTADOS 
UNIDOS E FRANÇA 
Dois manuais sobre a justiça de paz no Brasil: Commentario a Lei dos Juizes de Paz (Bernardo 
Pereira de Vasconcellos) e o Guia do juis de pas do Brazil no dezempenho de seus deveres (Diogo Antônio 
Feijó) – trazem à luz a legislação responsável por regular o ofício da magistratura de paz no Brasil. 
Experiências dos juízes de paz na Inglaterra, Estados Unidos e França; ao informar sobre a 
experiência do juiz de paz em outros países, as publicações jurídicas estrangeiras forneciam material para se 
pensar o funcionamento dessa magistratura no Brasil. 
1 OS MANUAIS E JUIZADOS DE PAZ NA INGLATERRA 
Juiz de paz na Inglaterra – origem: originou-se da política de centralização e consolidação do 
poder real sobre a administração do território. 
Crescimento das competências do magistrado da paz: não foi favorecido apenas pela 
decadência do velho sistema administrativo, do qual herdaram diversas funções, mas também pelo controle 
que passaram a exercer sobre as autoridades locais. 
Função do novo juiz: cabia a fiscalização dos oficiais judicias, jurados e sheriffs, e o sistema 
punitivo consistia na aplicação de multas aos negligentes em suas funções. 
Juízes de paz sob os governos dos Tudors e Stuarts: a carga administrativa do juizado da paz 
aumentou consideravelmente. A gerência paroquial constituía-se, agora, em responsabilidade dos magistrados 
da paz e sob a qual deveriam exercer inúmeras atividades de fiscalização. 
Juízes de paz no final do Seiscentos: enquanto acumulavam poderes administrativos e policiais, 
os juízes de paz gradualmente adquiriram o monopólio da justiça local. 
Juízes de paz no século XVIII: a supervisão sobre os juízes locais declinou. 
Obs.: apesar das alterações verificadas nas atribuições do juizado, o princípio da escolha do 
cargo não sofreu alteração durante os séculos. Permaneceu com o monarca o poder de nomeação dos juízes. 
Novas exigências para o desempenho do referido ofício no início do século XV: possuir terras 
cuja renda ultrapassasse 20 libras por ano e residir na localidade. Obs.: as alterações legislativas não cessaram 
e a restrição censitária variou ao longo do Oitocentos entre 100 e 300 libras. 
Exigências para ser juiz de paz: não havia exigências de conhecimentos jurídicos, mas era 
primordial entender um pouco das leis e ter fluência no latim, haja vista a utilização dessa língua em diversos 
documentos oficiais. A propriedade de terras ou algum tipo de riqueza tornava-se indispensável para 
desempenhar o ofício, pois nenhum soldo era concedido àqueles agraciados com a “virtude real” da nomeação. 
2 THE JUSTICES OF THE PEACE: A DIVERSIDADE INSTITUCIONAL NOS ESTADOS UNIDOS 
Juiz de paz americano x modelo europeu: Tocqueville não observou nenhuma semelhança com 
o modelo europeu. Em sua visão tratava-se algo novo, distante dos princípios monárquico-aristocráticos e 
próximo das ideias democráticas da república recém-formada. 
Juiz de paz americano – características: ocupação do cargo por cidadãos esclarecidos, e o 
conhecimento das leis não constituía obrigação para o desempenho da função, pois a principal tarefa de 
policiar a localidade não requeria ciência, mas sim o bom senso e a retidão. O juiz de paz também executava 
atribuições administrativas e, com outros funcionários, fiscalizava e definia questões relativas à saúde pública, 
à boa ordem e à moralidade dos condados. 
Descrição por Tocqueville – inovação: relacionava-se à autonomia dos estados de conduzir a 
organização dessa magistratura e, assim, determinar o formato de escolha da autoridade judiciária local. 
Anos iniciais do Dezenove – escolha dos juízes: a indicação realizada pelo governador ou pela 
Corte Inferior do condado e a eleição pela legislatura estadual. A explicação para a influência do Legislativo 
encontra-se no fortalecimento desse Poder nas Constituições estaduais confeccionadas no final da década de 
1770. 
Nomeação dos magistrados da paz no Oitocentos: tendência de definição do método eleitoral 
na maioria dos estados americanos. A ampliação de processos eleitorais constituía certa orientação americana 
no sentido de tornar os cargos eleitos pelo voto popular, na medida em que retirava do governo o poder de 
nomear as respectivas autoridades. 
Função dos juízes de paz: gerência local e atribuições policiais. 
3 MANUAIS PARA O EXERCÍCIO DA JUSTICE DE PROXIMITÉ NA FRANÇA 
Origem do juizado de paz: vincula-se à legislação responsável por reformar o sistema judiciário 
do país. 
Figura do novo magistrado: constitui figura emblemática de uma justiça revolucionária que 
forneceu o exercício do poder de julgar ao povo, e a sua criação estabeleceu nova concepção de justiça no 
território francês, uma justiça de proximité. 
Vantagens do surgimento do novo juiz: solução para justiça rápida, gratuita, simples e acessível 
a todos os distritos franceses. 
Opinião dos parlamentares sobre o juiz de paz: a figura dele significou a possibilidade de 
estabelecer forma inovadora de regulação social dos conflitos – a conciliação – que se adequava às aspirações 
modernas da França. 
Competências: civil, conciliatória e gracieuse. 
Mudanças – 1791: o magistrado adquiriu o direito de solicitar o auxílio da tropa do distritono 
controle das sedições e tumultos, transformando-se, com efeito, numa autoridade policial. 
Obs.: com o desenvolvimento das atribuições, verificou-se ao longo do século XIX e início do 
XX um processo de profissionalização da magistratura da paz. 
Legislação e manuais jurídicos publicados ao longo do Dezenove: tornam evidente o 
distanciamento do juiz de paz da justice de proximité elaborada nos anos iniciais do momento revolucionário 
francês. 
4 A PRÁXIS DE UMA JUSTIÇA: ALGUMAS APROXIMAÇÕES ENTRE OS MANUAIS 
Importância dos manuais: passaram a desempenhar papel importante na formação de juízes e 
advogados ao agregar o ensino da prática e do estilo forense ao conhecimento conceitual das doutrinas. 
Manuais no século XVIII: a partir das reformas ilustradas no ensino, os manuais viriam a se 
tornar o eixo da instrução jurídica nos cursos superiores e passariam a proliferar de forma mais intensa. A 
alteração foi uma das respostas às críticas ao ensino decadente das universidades e à má administração da 
justiça; acreditava-se que o problema residia, principalmente, na preparação inadequada de juízes e 
advogados. 
Obs.: há proximidade entre esses manuais com os primeiros livros sobre a matéria editados no 
Brasil. 
Conteúdo dos manuais estrangeiros: critério temático, optando por abordar as tarefas do juiz de 
paz a partir da sua matéria principal. Dessa forma, verificou-se certa tendência na adoção da divisão dos 
manuais em partes ou capítulos dedicados a assuntos específicos, como origem, jurisdição cível, penal, 
criminal, assuntos extrajudiciais. 
Outro elemento investigado nas obras: foi a presença/ausência de formulários ou modelos de 
atas e despachos. 
Observações sobre os manuais brasileiros: (i) eram menores e, por isso, poderiam ser 
facilmente carregados pelos oficiais do juizado na execução de seus deveres; (ii) as obras de Feijó e 
Vasconcellos tinham preços mais acessíveis, ainda que díspares entre si, ao se considerar as obras de direito 
vendidas no Brasil. 
Escritos de Diogo Feijó e Bernardo de Vasconcellos: Apesar das suas obras se deterem às 
funções dos juízes de paz, por diversas vezes foram fornecidas orientações sobre as atividades executadas 
pelos escrivães e inspetores de quarteirão. Constituíram uma proposta pedagógica jurídica ou de direito para 
leigos. 
Manuais (resumo): tornaram-se acervo do pensamento dos próprios magistrados sobre seu 
ofício, como compreendiam a tarefa de julgar e como acompanhavam as mudanças do juizado. Para além de 
registro jurídico, os manuais de juízes de paz constituem testemunho da memória de uma justiça e, por essa 
razão, serviam de guia também aos políticos no Brasil no alvorecer do Império. 
c) CHEIM JORGE, Flávio. Teoria Geral dos Recursos Cíveis. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 
2017. Item 9.4 do Capítulo 9, pp. 219-248: 
9.4 A sanabilidade dos vícios atinentes aos requisitos de admissibilidade 
Sanação de vícios existentes nos requisitos de admissibilidade: possibilita-se a apreciação do 
mérito do recurso, evidenciando-se o princípio da instrumentalidade das formas. X Jurisprudência defensiva: 
que consiste na imposição de restrições mais rigorosas ao exame do mérito recursal, fazendo com que o 
processo tenha mais importância do que o direito material. 
CPC/2015 e sua contribuição na modificação dessa questão: uma vez que optou por incluir 
como cláusula geral a possibilidade de sanabilidade desses vícios. 
9.4.1 O sistema do CPC/73 e os casos específicos de sanabilidade 
Consequência da não admissibilidade dos recursos: impede que as partes manifestem 
novamente (ou renovem) seu direito de ação e de defesa. 
Interpretação das regras processuais de admissibilidade recursal - objetivo: facilitar o acesso ao 
duplo exame, obtendo-se a adequada tutela jurisdicional. 
Crítica à preclusão: pode fulminar a existência de um direito material mal representado, 
prestando o serviço de tornar o processo um mecanismo de produção ilegítima de situações subjetivas. 
Requisitos de admissibilidade dos recursos – “destaque”: regularidade formal e preparo. 
O que se defende? É a possibilidade da regularização da peça recursal. 
Emenda ao recurso: de acordo com Bruno Silveira de Oliveira é possível, tendo em vista que 
não há um artigo de lei que comine o não conhecimento imediato e irremediável de um recurso irregular. 
CPC/73 e a preclusão temporal: não se permitindo que a parte interpusesse o recurso após o 
prazo assinalado pelo código. 
CPC/73 e a preclusão lógica: impedindo que a parte que concordasse com a decisão, 
renunciasse ao direito de recorrer ou sobre o qual se funda a ação, desistisse do recurso ou da ação, 
reconhecesse juridicamente o pedido e celebrasse transação, tivesse o mérito de seu recurso julgado em tais 
situações. 
CPC/73 e a preclusão consumativa: fazendo com que, uma vez exercido o direito de recorrer, 
não pudesse mais a parte praticá-lo novamente ou mesmo complementar a peça recursal. A parte não poderia 
complementar ou aditar as razões recursais (regularidade formal), nem efetuar o preparo ou juntar a guia de 
seu recolhimento aos autos após a interposição do recurso (preparo). 
Relação da ausência de um requisito de admissibilidade com o “não conhecimento” (geral): o 
CPC/73 apenas fazia a previsão dos requisitos, mas não dizia literalmente que a ausência deles deveria gerar 
um “não conhecimento”, sendo este uma decorrência natural, inevitável e imediata da ausência dos requisitos, 
não havendo necessidade de que a lei processual assim dispusesse. 
Preclusão: relaciona-se com a conduta comissiva ou omissiva na prática do ato, não podendo 
ser sanada ou corrigida, de modo que simplesmente existe ou não. 
O defeito de um ato praticado pelo juiz não pode ser visto e tratado de forma idêntica ao defeito 
de um ato praticado pelas partes – motivo: enquanto as partes agem necessariamente voltadas à defesa de 
interesse próprio e pessoal, o juiz atua conforme o poder-dever de prestar a adequada e justa tutela 
jurisdicional. Logo, não é possível pretender aplicar irrestritamente ao recurso todos os princípios que regem 
o sistema das nulidades processuais. 
Juízo de admissibilidade X nulidades – Calmon de Passos: apenas o processo que atenda aos 
requisitos necessários é apto a legitimar a produção válida da norma jurídica. O que é inadmissível não é nulo. 
Na inadmissibilidade o que se questiona é o problema do direito da parte à prestação da tutela jurisdicional. 
Análise dos requisitos de admissibilidade dos recursos – ótica utilizada: da preclusão. 
Preclusão – pontos positivos: é fato de eficiência, ordem, garantia e isonomia entre as partes. 
Falta de razões recursais e ausência do preparo como defeitos de forma – Heitor Sica: de modo 
que a interposição de recurso eivado de tais vícios importa ineficácia, inexistindo assim a preclusão 
consumativa e permitindo-se dentro do prazo recursal, a juntada do preparo e das razões recursais. 
Cheim – ausência do preparo X ausência de sua comprovação: o que pode ser tido como defeito 
formal é a não comprovação do seu recolhimento, mas não a sua existência. 
Cheim – ato perfeito X preclusão consumativa: mesmo o recurso que não preencha os requisitos 
de admissibilidade é capaz de ensejar a preclusão consumativa. 
Abrandamento do CPC/73 – Justa causa (art. 183): contempla situação em que o prazo chega a 
seu término e se esgota, possibilitando-se que, dada a gravidade do evento, o recorrente tenha uma 
oportunidade para interpor o recurso, mesmo após o seu completo escoamento. Essa previsão legal previa que 
fosse afastada a incidência da preclusão temporal, permitindo-se a prática do ato mesmo que a destempo. 
Abrandamento do CPC/73 – Preparo (arts. 511, § 2º e 519): (i) previa a possibilidade de 
complementação do valor recolhido, afastando a preclusão consumativa; (ii) a parte poderia efetuar o 
recolhimento do preparo, mesmo após a interposição do recurso,caso ocorresse justo impedimento, de modo 
que se impedia a incidência da preclusão consumativa. 
Abrandamento do CPC/73 – Regularidade Formal (art. 13): permitia que eventual 
irregularidade na representação do recorrente pudesse ser corrigida mesmo após a interposição do recurso. 
Abrandamento do CPC/73 – Princípio da Fungibilidade Recursal: admite-se a interposição de 
um recurso pelo outro, seria o correto contra aquela decisão. 
9.4.2. A jurisprudência defensiva (restrições ilegítimas) 
Jurisprudência defensiva: consiste na interpretação inadequada dos requisitos de 
admissibilidade, por intermédio da imposição de restrições ilegítimas, indevidas e ilegais ao conhecimento 
dos recursos. 
Causa exclusiva da jurisprudência defensiva segundo Fernanda Mercier: o escopo de reduzir o 
número de processos julgados pelas Cortes Superiores, deixando de entregar uma prestação jurisprudencial 
plena. 
Tempestividade recursal – interpretações inaceitáveis: (i) é prematura a interposição do recurso 
antes da intimação da decisão recorrida – isto não se coaduna com a interpretação do Código de Processo Civil 
e provoca consequências inconciliáveis no sistema recursal, que tem como premissa para a fluência do prazo 
recursal a ciência da parte, que não corre apenas quando a intimação se dá por um daqueles meios 
expressamente previstos; (ii) obrigação de o recorrente ratificar o recurso interposto após o julgamento dos 
embargos de declaração da parte contrária – esse entendimento não prevalece porque (ii.i) a interrupção do 
prazo recursal, com a interposição dos embargos de declaração existe para facilitar a atuação do recorrente, 
nunca para prejudicá-lo; (ii.ii) a parte, como regra, interpõe o recurso típico antes de saber da existência ou 
não de embargos opostos pela parte contrária; (ii.iii) o recurso típico interposto é ato processual existente, 
válido e eficaz; (ii.iv) os embargos de declaração podem não ser conhecidos e nesse caso o prazo não será 
interrompido; (ii.v) é estranha ao processo civil norma legal que preveja a reiteração dos embargos de 
declaração, ao contrário do agravo retido e dos recursos especial e extraordinários retiros; (ii.vi) a fluência do 
prazo recursal pode dar-se de forma diferente para as partes, de modo que o prazo para uma delas pode ter se 
esgotado e para outra nem se iniciado; (ii.vii) inexiste preclusão lógica, perda de interesse ou renúncia tácita 
pela não modificação da decisão embargada; (iii) veda-se ao recorrente, posteriormente, mesmo em sede de 
agravo, juntar aos autos a comprovação do evento que fez com que o prazo se prorrogasse e o recurso fosse 
inequivocamente tempestivo – o que foi mudado pelo STF. 
Regularidade formal – interpretações inadequadas: (i) formação do recurso de Agravo de 
Instrumento (peças que devem instruí-lo); (i.i) o STJ, reiteradamente, decidiu que a não juntada de cópia de 
peças imprescindíveis para a compreensão da controvérsia (mesmo que não obrigatórias) ensejava o não 
conhecimento do recurso; (i.ii) os tribunais superiores produziram várias exigências para a sua admissibilidade 
que não constavam da norma legal. Solução: criação do agravo nos próprios autos. 
Cabimento recursal – situações X críticas: (i) Súmula 320 do STJ (“a questão federal comente 
ventilada no voto vencido não atende ao requisito do prequestionamento”) e Súmula 735 do STF (“não cabe 
recurso extraordinário contra acórdão que defere medida liminar”); (ii) restrição imposta ao princípio da 
fungibilidade, ao se exigir que o recorrente interponha o recurso no prazo estabelecido para aquele recurso 
tido como o correto X (a) a lei processual já contempla de forma exaustiva as hipóteses de não admissibilidade 
dos recursos; (b) os tribunais superiores precisam proporcionar às partes segurança jurídica, impedindo que 
suas interpretações causem incertezas e até mesmo desconfianças. 
Jurisprudência banana boat – Ticiano Alves e Silva: “derrubar” os jurisdicionados. Ex.: o STJ 
alterou sua jurisprudência para, em conformidade com o STF, considerar possível a comprovação da 
tempestividade do recurso posteriormente à sua interposição. Uma semana depois voltou atrás. Tem-se, aí, a 
jurisprudência banana boat. 
9.4.3 A cláusula geral de sanabilidade e os seus limites (art. 932, parágrafo único) no CPC/2015 
Art. 932, parágrafo único do CPC/15: “Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator 
concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a decisão 
exigível”. (Cláusula geral que permite a sanabilidade dos requisitos de admissibilidade). 
CPC/73 X CPC/15: o CPC/15 estabelece um novo paradigma para a admissibilidade dos 
recursos cíveis. Inverte-se, por completo, a lógica que se tem no sistema do CPC/73, para que, sendo sanável 
o vício, e não havendo norma excepcionando a incidência do art. 932, parágrafo único, a parte tenha a 
oportunidade de corrigir a causa de inadmissibilidade do recurso já interposto. 
Premissas: (i) princípio da primazia da decisão de mérito, decorrência do princípio da 
instrumentalidade das formas; (ii) combater a jurisprudência defensiva. 
Exemplos de dispositivos que se encontram nesse contexto: (i) art. 218, § 4º (“será considerado 
tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo”); (ii) art. 1.024, § 5º (não há necessidade de 
ratificação do recurso, em caso de não alteração da decisão pelos embargos da parte contrária); (iii) art. 1.017, 
§ 3º (determina a possibilidade de correção do agravo de instrumento quando se constatar a ausência de peças 
que comprometam sua admissibilidade; (iv) art. 1.007, § 4º (estipula que a ausência de recolhimento do 
preparo não gera a deserção, devendo o recorrente ser intimado para o recolhimento em dobro); (v) art. 1.032 
(permite a conversão do recurso especial em recurso extraordinário). 
Obs.: há vícios que podem ser sanáveis e vícios que não podem ser sanáveis. 
Requisitos de admissibilidade: (i) intrínsecos (existência do poder/direito de recorrer) – 
cabimento, legitimidade, interesse, inexistência de fatos extintivos ou impeditivos do poder de recorrer; (ii) 
extrínsecos (modo e forma como esse poder é exercido) – tempestividade, regularidade formal, preparo. 
Requisitos intrínsecos e a questão da sanabilidade: não são passíveis de sanabilidade. 
Demonstração em concreto do interesse: se o tribunal entende que o recorrente não conseguiu 
demonstrá-lo, então poderá intimá-lo para que explique em que medida configura em concreto esse requisito 
de admissibilidade. Não se sana o interesse, mas apenas demonstra o que já existe. Liga-se à regularidade 
formal. 
Cabimento e a questão da sanabilidade: (i) interposição de recurso contra decisão irrecorrível 
– não há espaço para aplicação do art. 932, parágrafo único do CPC/15, porque se trata de vício que 
compromete de modo insanável a admissibilidade; (ii) espécie recursal inadequada – pode haver a conversão 
de um recurso em outro por parte do órgão julgador, por aplicação do princípio da fungibilidade, devendo 
estar presentes os requisitos específicos, sobretudo o da dúvida objetiva acerca da espécie recursal adequada. 
Ampliação do princípio da fungibilidade no CPC/15: (i) possibilidade de conversão de 
embargos de declaração em agravo interno (art. 1.024, § 3º); (ii) recebimento de recurso especial como recurso 
extraordinário e vice-versa (arts. 1.032 e 1.033). 
Atipicidade das ações: uma vez existente uma crise no direito material, a parte terá a 
possibilidade de tutelar o seu direito, sem que, salvo raras exceções, exista uma demanda típica e específica a 
sua disposição para tanto. 
Acesso à justiça X âmbito recursal: a parte somente tem direito de recorrer se existe um recurso 
(típico) destinado a impugnar aquela decisão contra a qual se pretende insurgir. 
Interposição do recurso inadequado não é vício que pode ser a qualquer tempo sanado: o 
sistema recursal fornece a solução paraos casos em que o cabimento pode comprometer ao cesso a uma 
decisão de mérito justa e cuida de resolvê-los através da incidência do princípio da fungibilidade. Fora dessas 
hipóteses, NÃO HÁ COMO SANAR O VÍCIO DO CABIMENTO. 
Requisitos extrínsecos e a questão da sanabilidade: ambiente propício para a sanabilidade dos 
vícios atinentes aos requisitos de admissibilidade. 
Tempestividade: constatada a intempestividade, nada pode ser feito, pois não existe mais o 
direito de recorrer, não havendo como se pensar na correção do vício que comprometa a admissibilidade. O 
máximo que se poderia cogitar seria a intimação da parte para comprovar alguma causa que justificasse a 
interposição do recurso fora do prazo inicialmente previsto. 
Exemplos da possibilidade de sanabilidade no caso da tempestividade: (i) quando o recorrente 
alega, em suas razões, que deixou de atender ao prazo legal em virtude de alguma justa causa, sem juntar 
qualquer comprovante de tal fato; (ii) quando o recorrente afirma a ocorrência de feriado local, sem, contudo, 
comprovar sua existência. – PODE SER APLICADO O ART. 932, PARÁGRAFO ÚNICO, como forma de 
possibilitar a comprovação posterior da circunstância que justifique a interposição do recurso após o prazo 
inicial, sem a óbice da preclusão consumativa. 
Há correção do vício da intempestividade? NÃO, porque isto impossível; o que ocorre é a 
demonstração que o recurso era tempestivo. Isso está ligado à correção da regularidade formal do recurso. 
Preparo: (i) não gera mais automaticamente a deserção. A parte tem direito de ser intimada para 
efetuar o recolhimento do preparo posteriormente, contudo deverá fazê-lo em dobro; (ii) quando o 
recolhimento foi feito em valor inferior àquele que seria devido, dá-se ao recorrente o prazo de cinco dias para 
complementar o pagamento. 
Preparo X art. 932, parágrafo único: o requisito do preparo foi disciplinado por regras próprias 
que cuidam de estabelecer de forma particular a sanabilidade dos vícios que podem acometer esse requisito 
de admissibilidade. 
Regularidade formal – pressupostos – sanabilidade: (i) petição escrita; (ii) assinada por 
advogado; (iii) poderes para representar a parte recorrente; – em qualquer dessas situações há de ser a parte 
intimada para suprir a falha –; (iv) pedido de reforma, anulação, integração ou esclarecimento da decisão; (v) 
adequada fundamentação a respeito da existência de errores in procedendo e/ou errores in judicando (motivos 
que poderiam levar ao acolhimento da pretensão recursal. 
CPC/73 X CPC/15 – sanabilidade: (i) CPC/73 – a preclusão consumativa impedia que as razões 
recursais fossem complementadas após a interposição do recurso. Interposto o recurso, a parte não poderia 
corrigi-lo ou complementá-lo, ou seja, não poderia sanar qualquer defeito porventura existente; (ii) CPC/15 – 
espera-se a correção de vícios de forma para que o mérito do recurso seja julgado. 
O vício ou defeito na fundamentação do recurso sempre ensejará a possibilidade de correção? 
Não. É necessária a distinção entre “ausência de fundamentação” e “deficiência de fundamentação. 
Deficiência de fundamentação: quando não permite compreender adequadamente aquilo que 
se pretende. Ela não consegue transmitir ao julgador a exata compreensão da insurgência do recorrente e 
porque não deve prevalecer a decisão recorrida. Em tais situações, deve o relator intimar o recorrente para que 
sane esse vício de seu recurso, isto é, que explicite adequadamente as razões recursais e o conteúdo da decisão 
recorrida, deve o recurso não ser conhecido por falta de regularidade formal. 
Ausência de fundamentação: quanto ao capítulo ou motivos autônomos da decisão recorrida, 
não deve se dar oportunidade ao recorrente para corrigir esse vício, pois isso implicará diretamente na 
“complementação do recurso”, na “ampliação da sua impugnação” – tudo isso após escoado o prazo para 
recorrer. A permissão de complementação fere diretamente os princípios da isonomia entre as partes e da 
segurança jurídica. 
Complementação do recurso no CPC/15: parte de premissas completamente distintas, em 
especial com a necessidade de proteção ao direito do recorrente diante de situações processuais inexatas e 
inseguras, bem como de uma nova situação surgida após a interposição de outro recurso. Exs.: (i) embargos 
de declaração – (i.i) quando se admite a complementação do recurso já interposto pela outra parte, quando os 
embargos modificarem a decisão embargada; (i.ii) quando o relator prefere conhecer dos embargos como 
agravo interno, hipótese em que deve oportunizar a complementação das razões recursais; (ii) quando o STJ 
entende que o recurso especial versa sobre questão constitucional. 
Formalidades específicas às modalidades recursais: (i) agravo de instrumento – deve o relator 
oportunizar ao agravante a juntada posterior da peça faltante; (ii) recurso especial fundado em dissídio 
jurisprudencial – o relator ou o órgão colegiado responsável pelo REsp pode intimar o recorrente para que 
realize a comprovação material; (iii) recurso extraordinário – a concessão à parte para que demonstre a 
existência da repercussão geral; (iv) embargos de divergência – possibilidade de corrigir a comprovação da 
exigência legal quanto à instrução daquele. 
9.4.4. A sanabilidade e os recursos extraordinário e especial (art. 1.029, § 3º) 
Art. 1.029, § 3º do CPC/15: “o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça 
poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute 
grave”. 
Dificuldade apresentada pelo dispositivo supramencionado: saber quando um vício formal há 
de ser considerado grave ou não, já que apenas neste último caso se poderia aplicar a regra. 
Vício formal – natureza da gravidade: não é de natureza grave. 
Crítica ao presente dispositivo: a aplicação prática do art. 1.029, § 3º tem o potencial de gerar 
dificuldades e vacilações desnecessárias. 
Soluções apontadas à crítica supracitada: (i) melhor seria se simplesmente houvesse sido 
retirado o dispositivo do projeto do CPC/15, aplicando o art. 932, parágrafo único, em todas as situações nas 
quais haja a possibilidade de correção do vício; (ii) poderia ter sido acrescentada, no capítulo que trata dos 
recursos especial e extraordinário, regra que deixasse claro que tais espécies estão sujeitas ao art. 932, 
parágrafo único, à semelhança do que o art. 1.017, § 3º do CPC/15, faz em relação ao agravo de instrumento. 
Art. 1.029, § 3º X art. 932, parágrafo único – forma de harmonizá-los: a premissa fundamental 
a ser utilizada é a de que o art. 1.029, § 3º é um dispositivo que visa favorecer o conhecimento do recurso 
especial ou extraordinário. A ideia que animou a criação deste não foi a de afastar dos recursos extraordinário 
ou especial a norma geral constante do art. 932, parágrafo único, impedindo a correção de vícios graves neles 
contidos, até mesmo porque, à época, essa última regra ainda não havia sido inserida no projeto. O que ocorreu 
foi que, ao longo da tramitação legislativa, foi inserida a norma geral que consta do art. 932, parágrafo único, 
sem que houvesse sido alterada a que consta do art. 1.029, § 3º. Tal fato não pode levar a uma interpretação 
que resulte em prejuízo à admissibilidade dos recursos extraordinário e especial, porque a intenção do 
dispositivo era, inicialmente, a de dar a estes um regime jurídico ainda mais benéfico que o dos recursos 
ordinários, levando-se em consideração o interesse público que seu julgamento traria, sobretudo em virtude 
da possibilidade da formação de precedente vinculante. 
Resumo: diante de um recurso extraordinário ou especial tempestivo, que contenha defeito de 
forma, deve o STF ou o STJ, inicialmente, verificar se a hipótese é de vício (i) não grave, caso em que poderá, 
nos termos do art. 1.029, § 3º, (i.1) desconsiderar o vício, ou (i.2), determinar sua correção. Caso contrário,isto é, (ii) reputando grave o vício, deve ser aplicado o art. 932, parágrafo único, sendo oportunizada a correção 
do defeito no prazo de cinco dias. 
f) LIMA NETO. Francisco Vieira. Ensaio Sobre o Direito à Segurança e a Medida de Não-Aproximação. 
Revista Novos Estudos Jurídicos, vol. 14, n. 3, p. 84-98, 2009: 
ENSAIO SOBRE O DIREITO À SEGURANÇA E A MEDIDA DE NÃO-APROXIMAÇÃO 
Introdução 
1 A primeira tese 
Direito à segurança: previsto no caput do art. 5º da CF, é o direito de um indivíduo de impedir 
que um eventual agressor dele se aproxime e seu titular é todo ser humano, independentemente de gênero, 
sendo um direito fundamental de homem, mulher, criança, idoso, índio, travestis, lésbicas, gays, etc. 
Segurança pessoal: é não apenas um valor fundamental do qual se originam regras jurídicas, 
como também constitui um direito subjetivo constitucional existencial justicializável, vale dizer, pode ser 
invocado perante qualquer juízo ou tribunal competente com vistas à obtenção de uma decisão jurídica que 
contenha um comando concreto dirigido a alguém. 
Obs.: inúmeros são os casos decididos exclusivamente com base no princípio da dignidade da 
pessoa humana. 
Direito à segurança como direito individual: é um direito individual do cidadão e, por ter essa 
natureza, garante ao titular a sua satisfação por meio de ação judicial (é justicializável). 
2 A segunda tese 
Natureza do direito fundamental à segurança: embora o direito à segurança esteja situado no 
capítulo dos direitos fundamentais individuais e estes, conforme sua origem histórica e razão de ser, sejam 
faculdades que o indivíduo possui para se proteger contra o Estado, não há impedimento para que seja exercido 
contra outro particular. 
Significado do direito à segurança: direito de se sentir seguro; direito de não ter medo, de não 
temer os outros membros da comunidade na qual me insiro. 
Aspecto psicológico desse sentimento x sistema jurídico: existe muito de psicológico nesse 
sentimento, de modo que o ordenamento jurídico, em razão de suas naturais limitações, tem sérias dificuldades 
em garantir que um indivíduo não sinta medo, pois a coragem é virtude que varia de pessoa para pessoa, sendo 
alguns indivíduos mais destemidos que outros. Contudo, o sistema jurídico e o aparelho estatal estão dotados 
de mecanismos para reduzir o risco à vida e à integridade física das pessoas, sendo as leis penais um exemplo 
evidente disso. 
Direito à segurança no direito civil: verdadeira obrigação de não-fazer por parte da comunidade 
onde se encontra o titular desse direito. 
Art. 12 do CC: menciona que o titular do direito da personalidade tem o poder de exigir que 
seja cessada a lesão ou ameaça a tais direitos, sendo correto concluir que este dispositivo legal impõe a todos 
o dever de não ingressar injustamente na esfera jurídica desse titular, o que, portanto, configura um inegável 
dever de não se comportar, de não lesar a dignidade de outrem. 
Art. 461 do CPC: compreende-se como dever de não-fazer, no qual se inclui o dever negativo 
de comportar-se de maneira a não lesar os direitos existenciais (não-patrimoniais) da pessoa humana. A partir 
de uma interpretação contemporânea do Direito calcada no respeito aos direitos da personalidade, obrigação 
e prestação passam a assumir uma conotação de dever legal amplo e não se reduzem a um conteúdo 
econômico; tal interpretação garante o uso das medidas previstas no art. 461 do código de processo civil para 
impor ao agressor o dever de não se aproximar da vítima, seja ela do sexo masculino ou feminino. 
3 A terceira tese 
Forma de defesa do direito à segurança: pode ser defendido por ação judicial inibitória 
inominada, cujo amparo está no art. 12 do código civil e pelo caput do art. 5º da Constituição, adotando-se o 
rito ordinário, mas admitindo-se a concessão de tutela de urgência conforme previsão do art. 273 e do art. 461 
do código de processo civil. 
Tutela inibitória – definição, influência e função: é um instrumento processual cuja função é 
obstar a prática de um ato antijurídico ou, não tendo sido possível impedir a sua prática, permitir que sejam 
cessados seus efeitos ilícitos. Seu objetivo é impedir, de forma direta e principal, a violação do próprio direito 
material da parte. É providência judicial que veda, de forma definitiva, a prática de ato contrário aos deveres 
estabelecidos pela ordem jurídica, ou ainda sua continuação ou repetição. Foi introduzida por influência do 
direito processual italiano na nossa doutrina e tem amparo. 
Amplo acesso ao Poder Judiciário: direito consubstanciado de forma inquestionável no preceito 
de que nenhuma ameaça de lesão será afastada da apreciação do Poder Judiciário. 
Tutela ressarcitória x tutela inibitória: a tutela ressarcitória, na maioria das vezes, substitui o 
direito originário por um direito de crédito equivalente ao valor do dano verificado e, nesse sentido, tem por 
escopo apenas garantir a integridade patrimonial dos direitos; já a inibitória, que não tem qualquer caráter sub-
rogatório, destina-se a garantir a integridade do direito em si. 
Discussão sobre a possibilidade ou não de aplicação da Lei Maria da Penha a pessoas do sexo 
masculino: é equivocada, pois a proteção processual do direito à segurança se dá por meio de ação judicial 
atípica na qual é cabível inclusive a antecipação de tutela. 
Ação para proteção do direito nesta hipótese: seria sincrética, ou seja, a sentença contém força 
tal que não depende de processo de execução, definindo-se como uma ação executiva lato sensu por coerção 
indireta, dado que o Estado-Juiz não se substitui ao condenado, e sim o força a cumprir ele próprio o dever, 
que neste caso é um comportamento negativo de não assediar o autor da ação. 
Considerações Finais 
Primeira conclusão: direito à segurança está previsto no caput do art. 5º da Constituição Federal 
e engloba o direito de ter potencial agressor longe de si, bem como o de não ser por ele assediado. 
Segunda conclusão: no âmbito das relações privadas, esse direito constitui direito da 
personalidade e sua proteção tem amparo também no art. 12 do código civil, assim como no fundamento 
constitucional da Dignidade da Pessoa Humana previsto art. 1º, III, da Constituição Federal. 
Terceira conclusão: se for uma mulher que mantém ou mantinha com outra mulher ou com 
homem uma relação íntima de afeto, aplica-se a medida de não-aproximação prevista na Lei Maria da Penha, 
a qual tem natureza cível, cautelar autônoma e satisfativa. 
Quarta conclusão: quando a vítima não estiver amparada pela Lei Maria da Penha, ainda assim 
pode propor uma ação inibitória inominada com fundamento no art. 12 do código civil e no art. 1º, III e caput 
do art. 5º da Constituição. Será adotado o rito ordinário e o pedido de não-aproximação e de cessação do 
assédio constará da inicial, não havendo que se falar em natureza cautelar e autônoma da ação; contudo, 
admite-se a antecipação de tutela. 
Quinta conclusão: o descumprimento da ordem judicial implica em prisão civil do réu, com 
fundamento no art. 461, §5º do código de processo civil, uma vez que nesta situação não incide a proibição 
constitucional porque o dever de não-aproximação não se situa no conceito de dívida, uma vez que este 
vocábulo possui um sentido exclusivamente econômico.

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