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fichamento Jeveaux e Zaneti

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CONTROLE DIFUSO NO NOVO CPC (HERMES ZANETI E GEOVANY JEVEAUX)
Introdução
Os códigos têm como característica a longevidade, pois têm a pretensão de retratar pro futuro o modo como a sociedade é regulada, de forma que as revogações de códigos são eventos incomuns e ocorrem apenas quando há um descompasso entre os institutos regulados e a sociedade.
O CPC/73 era um código voltado para lides individuais e estava defasado em relação às lides coletivas, mas também defasado no campo do direito constitucional, diante de alguns institutos surgidos na Constituição Federal, em reformas constitucionais posteriores, nas decisões tomadas pelo STF e sede de controle concentrado e difuso com forte carga discricionária, em um movimento chamado (imprecisamente) de ativismo judicial. 
O CPC/15 veio como m meio de atualizar o direito processual brasileiro a uma nova realidade, mas perdeu a oportunidade de utilizar o debate prévio amadurecido em torno dos pontos de contato com o direito constitucional e com a teoria do direito. Isso porque, ao mencionar os valores presentes no art. 1ª da Constituição, não mencionou em qual quadro teórico eles se enquadrariam.
O art. 8º mencionou a proporcionalidade como um dos critérios de colisão entre normas, citado no art. 489, § 2º, o que poderia sugerir a adesão a uma teoria dos valores para orientar tal solução, oposta assim uma teoria deontológica.
Trata-se de um problema teórico sério, de grande profundidade e com severas implicações práticas, porque, em matéria de colisão entre direitos fundamentais, cada uma das teorias parte de premissas diferentes que levam a resultados distintos.
No caso da primeira teoria, teria de haver um parâmetro valorativo prévio capaz de medir os interesses em jogo, o que resultaria em uma escala hierárquica a partir da qual o resultado do embate sempre estaria predeterminado.
Já em uma teoria deontológica dogmática, na tradição da jurisprudência dos conceitos como a de Robert Alexy, a ponderação entre direitos fundamentais com caráter de princípio não aceita uma definição prévia antes do cotejo concreto entre os direitos.
Conforme leciona Alexy, em caso de colisão de princípios, a solução do embate exige que se faça uma ponderação entre eles, conforme a dimensão do peso. Não havendo hierarquia, solução de tempo pregresso ou exceção entre princípios, a escolha entre eles não se faz por uma prioridade incondicionada. Por isso a necessidade de uma lei de colisão.
A lei de colisão diz que a precedência depende das consequências jurídicas dos princípios. A dimensão do peso é apenas uma metáfora, já que não é possível quantificar os interesses em colisão de forma abstrata e absoluta, mas apenas de forma concreta e relativa. 
Enquanto a lei de colisão diz que não é possível encontrar uma decisão previamente dada para o embate entre princípios e que a decisão será encontrada em regas que definem certas condições fáticas, a primeira lei de ponderação procura explicar racionalmente o grau de importância das consequências jurídicas de ambos os princípios em colisão.
A lei de ponderação, na eventualidade da colisão não ter sido solucionada pelas máximas de adequação e necessidade, coloca as consequências jurídicas dos princípios ainda em colisão numa balança, a fim de precisar qual delas é racionalmente mais importante naquele caso concreto.
As referências a valores e à proporcionalidade são pertinentes no controle de constitucionalidade. Isso porque o parâmetro valorativo constitucional apenas orienta a aplicação das regras processuais como valores, em relação às demais regras processuais infraconstitucionais, mas, ao contrário, quando considerado o seu aspecto deontológico, constrange como norma, uma vez que o caráter deontológico e supraordenado que a Constituição assume em relação a todo ordenamento jurídico faz com que as normas processuais infraconstitucionais somente se considerem válidas se de acordo com as normas constitucionais, tanto no aspecto formal, como no substancial.
Quanto à proporcionalidade, porque se põem em confronto dois ou mais direitos fundamentais, fora, portanto, dos critérios de conflito de regras ou da relação de regularidade.
Razoabilidade v. Proporcionalidade
De acordo com o art. 8º do NCPC, ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz deverá observar a proporcionalidade e a razoabilidade, além de outros axiomas chamados de princípios (legalidade, publicidade e eficiência).
No direito constitucional, proporcionalidade e razoabilidade possuem duas abordagens temáticas diferentes: 1) a europeia, em que razoabilidade e proporcionalidade foram reunidas em três etapas da máxima da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito); 2) a americana, na qual se faz o exame separado da means-end relationship e do test of balancing.
A proporcionalidade é um axioma, não um princípio, porque é usada para resolver a colisão entre direitos fundamentais com caráter de princípio, e por isso ela mesma nunca entra em colisão com um direito fundamental com caráter de princípio.
A europeia tem em Robert Alexy o principal expoente, para quem os direitos fundamentais têm caráter de princípio, que provém do mandado típico dos enunciados das normas de direitos fundamentais.
Como os princípios podem entrar em colisão, esse caráter de princípio implica na máxima da proporcionalidade, com as suas três máximas parciais: a) adequação; b) necessidade ou idoneidade do meio (meio mais benigno); c) proporcionalidade em sentido estrito (ponderação). 
Logo, do mandado contido nos enunciados/disposições das normas de direitos fundamentais se deduz o caráter de princípio dos direitos fundamentais, e desse caráter de deduz a máxima da proporcionalidade, como critério de solução de eventual colisão entre princípios de direitos fundamentais. As máximas parciais definem o que deve se entender por otimização, de acordo com a teoria dos princípios.
As possibilidades fáticas que condicionam a precedência entre os princípios em colisão são encontradas nas máximas da adequação e da necessidade, enquanto que as possibilidades jurídicas são encontradas na máxima da proporcionalidade em sentido estrito.
Analisadas em conjunto, essas possibilidades são determinantes para a solução da colisão no caso concreto. A solução representada pela lei de colisão formará uma regra que, para ser racional, deverá ser universalizável.
A primeira máxima parcial da máxima da proporcionalidade exige que o meio usado para atingir o fim de um princípio de direito fundamental seja adequado, ou seja, não deve haver um desvio de finalidade de um princípio pelo uso incorreto do meio empregado em sua prática.
Assim, se um decreto de desapropriação é utilizado para punir um adversário político, a pretexto de atender o interesse público, o meio utilizado para atingir o fim daquele princípio enunciado não foi adequado. Se, na colisão, o meio empregado para a realização de um deles é inadequado, o outro princípio prevalece. Caso contrário, ou seja, se os meios de realização de ambos forem adequados, continua-se a pesquisa com a máxima seguinte.
A segunda máxima parcial é a da necessidade, que indaga previamente se havia mais de um meio adequado de realização do fim de cada princípio em colisão. Se os meios de realização dos princípios opostos eram únicos, ambos foram necessários. Caso contrário, deve-se investigar se o meio eleito entre os meios possíveis era o mais benéfico ou o menos maléfico. 
Se o meio eleito era o necessário para ambos os princípios, ou seja, o menos gravoso, a colisão continua. Caso contrário, a colisão se resolve em favor do princípio de meio mais necessário.
Permanecendo a colisão, quando ambos os meios são adequados e necessários, surge a terceira máxima parcial da proporcionalidade, ou seja, a proporcionalidade em sentido estrito, em que se aplica a lei de ponderação.
A lei de ponderação é assim definida: 1) quanto maior é o grau da não satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior tem que ser a importância da satisfação do outro; 2) quantomais intensa se revelar a intervenção, em um dado direito fundamental, maiores hão de se revelar os fundamentos justificadores dessa intervenção. 
O que é o importante nas ponderações, quer dizer, o grau ou a intensidade da não satisfação de um princípio, por um lado, e o grau de importância da satisfação do outro princípio, por outro, diz o que é que tem de ser fundamentado racionalmente. A lei da ponderação enquanto tal não formula nenhuma pauta com cuja ajuda possam ser decididos definitivamente os casos. Daí a sua relação com a lei de colisão.
A lei de colisão diz que não é possível encontrar uma decisão previamente dada para o embate entre princípios e que a decisão será encontrada em regras que definem certas condições fáticas e jurídicas, que, uma vez concorrentes, indicam as consequências jurídicas de precedência de um princípio sobre outro.
A lei de ponderação explica racionalmente o grau de importância das consequências jurídicas de ambos os princípios em colisão. Na eventualidade de o embate não ter sido solucionado pelas máximas parciais anteriores, coloca as consequências jurídicas dos princípios em colisão em uma balança, a fim de precisar qual delas é racionalmente mais importante no caso concreto.
A lei de ponderação aponta primeiro para a importância da satisfação do princípio oposto e formula uma regra como resultado da própria decisão, que transforma o direito prima facie do princípio precedente em direito definitivo, mantendo o direito contido no princípio precedido em sue estado prima facie ou relativo.
A operação deve ser realizada em três etapas: 1) define-se a intensidade da intervenção, ou seja, o grau de insatisfação ou afetação de um dos princípios; 2) define-se a importância dos fundamentos justificadores da intervenção, ou seja, a importância da satisfação do princípio oposto; 3) realiza-se a ponderação em sentido estrito, ou seja, responde-se sobre se a importância da satisfação de um princípio justifica a não satisfação do outro princípio. Essas etapas são resultado de uma relação entre prós e contras.
A segunda abordagem é encontrada no direito constitucional norte-americano, nos casos em que a lei confere tratamento desigual entre as partes, quando então se exige que a classificação diferencial seja razoável e racional. 
A norma classificatória não deve ser arbitrária, devendo operar como meio idôneo, hábil e necessário ao atingimento de finalidades constitucionalmente válidas. Há de existir uma relação de congruência entre a classificação em si e o fim a que ela se destina. A relação entre meios e fins é “means-end-relationship”.
Se a relação entre meios e fins não se fizer presente, de modo que a distinção jurídica resulte leviana e injustificada, padecerá do vício de arbitrariedade, consistente na falta de razoabilidade e de racionalidade. 
Se o meio empregado não atingir o fim desejado pelo dispositivo constitucional, a autoridade que o editou terá exorbitado sua competência praticando abuso de poder e tal meio será inconstitucional.
O propósito do princípio da razoabilidade e da racionalidade no direito americano é fornecer um critério para o controle de constitucionalidade, diferentemente da máxima da proporcionalidade para os europeus, que serve principalmente para solucionar colisões entre direitos fundamentais com caráter de princípio e, de forma secundária, revelar falsas colisões entre direitos fundamentais. 
Os americanos resolvem o problema da colisão entre direitos fundamentais por intermédio do “test of balancing”, que é sistema de pesagem entre dois lados de uma mesma questão. É exame de prós encontras para encontrar equidade ou imparcialidade.
O art. 8º do CPC/15 em nada auxilia o intérprete sobre qual vertente seguir. Ao separar as expressões proporcionalidade e razoabilidade, estaria seguindo a abordagem americana. Quanto à teoria, a redação do § 2º do art. 489 seguiu a vertente de Alexy. 
O grande problema da vertente americana é que ela pressupõe um alto grau de certeza sobre qual tipo de embate está em disputa, demonstrando a experiência que um caso inicialmente tratado como colisão entre direitos fundamentais pode se revelar em controle de constitucionalidade ou de legalidade e vice-versa.
Por isso, conclui-se que:
· A separação nominal da proporcionalidade e da razoabilidade no art. 8º do CPC/15 indica que, em linha de princípio, o direito brasileiro seguiu a vertente americana, mas tal separação não pode ser tomada de forma absoluta, pois a experiência mostra que um caso inicialmente tratado como colisão entre direitos fundamentais pode se revelar um controle de constitucionalidade ou de legalidade, e vice-versa. Apenas quando há grau de certeza sobre o tipo de embate que estará em disputa é que se deve partir de uma ou outra abordagem.
· Constatando-se que um caso inicialmente tratado como de colisão entre direitos fundamentais reclama controle de constitucionalidade ou vice-versa, a vertente inicial (proporcionalidade v. razoabilidade) deve ser convertida na outra para a solução coerente da questão discutida, assegurando-se previamente o contraditório de ambas as partes (art. 10), mediante conversão do julgamento em diligência.
· Sendo o caso de incidência da proporcionalidade, deve-se aplicar a teoria de Alexy, já que o § 2º do art. 489 citou expressamente os conceitos ligados às leis de colisão e de ponderação, seguindo a rotina da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito.
Controle de convencionalidade
Nos termos do art. 13 do CPC, “a jurisdição civil será regida pelas normas processuais brasileiras, ressalvadas as disposições específicas previstas em tratados, convenções ou acordos internacionais de que o Brasil seja parte”.
Tal redação informa que as disposições processuais contidas em documentos internacionais excepcionarão o CPC, caso tenham previsões divergentes. 
Basta saber se a exceção ocorrerá no contexto do critério de generalidade/especialidade ou no do critério hierárquico do conflito entre regras.
A rigor, a exceção sugere o critério de generalidade/especialidade, pois nesse tipo de conflito de regras uma não elimina a outra, limitando-se a excepciona-la, o pressuposto de que uma regra especial derroga a geral apenas nos casos especialmente tratados.
Por outro lado, a Súmula Vinculante 25 do STF tratou incidentalmente do segundo critério (hierarquia): 1) tratados/convenções internacionais que versem sobre direitos humanos terão hierarquia constitucional, quando aprovados pelo mesmo procedimento das emendas constitucionais, sendo que aqueles de mesmo conteúdo não aprovados daquela forma têm status supralegal; 2) tratados/convenções internacionais que não versem sobre direitos humanos continuam tendo status legal, revogando e sendo revogados por leis ordinárias e complementares, de acordo com o critério temporal de resolução de conflitos de regras.
Na hipótese do status supralegal, não têm hierarquia formalmente constitucional e por isso não são parâmetros de controle de constitucionalidade, mas de controle de convencionalidade. Essa nova categoria normativa pode também afetar a aplicação do CPC, embora por outro critério de solução do conflito entre regras.
(1) Uma coisa é deixar-se de aplicar o CPC diante de algum tratado/convenção internacional com ele conflitante no pressuposto de que se põe em confronto uma regra geral e uma regra especial, (2) outra bem diferente é deixar de aplica-lo no pressuposto de que seja hierarquicamente inferior a algum tratado/convenção internacional, quer por ser constitucional, quer por ser supralegal ou (3) de que sejam da mesma hierarquia, mas tempo de edição distintos.
No critério de deixar de aplicar o CPC diante de algum tratado/convenção internacional em conflito de regra geral e especial, qualquer tratado/convenção internacional que verse sobre regras processuais será aplicado no lugar do CPC, seja qual for seu conteúdo ou o tempo de aprovação, afirmando-se a especialidade.
No segundo critério, tudo depende do conteúdo versado, se for de direitos humanos,e do procedimento de aprovação, afirmando-se o critério de hierarquia.
Já no último, o que importa é o tempo de edição e que a mesma matéria processual não abrigue direitos humanos, caso em que apenas os tratados/convenções internacionais posteriores ao CPC teriam incidência, anterioridade.
O art. 13 do CPC adotou o critério da generalidade/especialidade para resolução do conflito de suas regras com as regras processuais de tratados/convenções internacionais, mas isso não exclui o critério hierárquico contido no julgamento da Súmula Vinculante 25.
A regra do art. 13 diz respeito aos tratados/convenções internacionais que versem sobre direitos processuais comuns, seja qual for o tempo de sua aprovação pelo Brasil, mas quando tais documentos internacionais dispuserem sobre direitos processuais de índole fundamental, seus enunciados e suas normas servirão de parâmetro para controle das regras conflitantes no CPC nos casos concretos em exame, seja porque o documento internacional goza de status constitucional (controle de constitucionalidade), seja porque goza de status supralegal (controle de convencionalidade).
O CPC repetiu em diversos artigos normas constitucionais. Nestes casos apenas os tratados aprovados com status de emenda constitucional deverão prevalecer sobre as normas do CPC, preservando-se o critério hierárquico. Enquanto não alterado o texto constitucional, por força do principio do art. 1º do CPC e da superioridade hierárquica, a norma clonada no CPC prevalece sobre o tratado. O que prevalece é a norma constitucional, o extrato constitucional do texto clonado.
Abstrativização do controle difuso v. inexigibilidade de título judicial
O § 12 do art. 525 e o § 5º do art. 535 do CPC dispõem que a sentença condenatória de cumprimento de obrigação de pagar quantia certa, proferida em face dos devedores em geral e da Fazenda Pública, pode ser objeto de impugnação quando o fundamento jurídico do título houver sido proclamado inconstitucional pelo STF em sede de controle concentrado (inconstitucionalidade da coisa julgada) e controle difuso (abstrativização do controle difuso).
O grande problema é que, nos casos em que o STF se ocupou da abstrativização do controle difuso, não estabeleceu um quadro teórico coerente para trata-lo.
Em algumas decisões, o STF passou a admitir o emprego do controle difuso da modulação de efeitos para o modelo concentrado e também uma eficácia transcendente (ao interesse das partes do litígio concreto e à própria decisão), soluções que excepcionaram a regra geral da eficácia limitada às partes e que merecem exame dos fundamentos respectivos.
Primeiro desses casos: RE 197.917-8: objeto sob controle era o art. 6º da Lei Orgânica do Município paulista de Mira Estrela, acusado de ferir o art. 29, IV, “a” da CF, que exige uma relação de proporcionalidade entre o número de vereadores e o número de habitantes por município. Além da declaração de inconstitucionalidade, na conclusão do voto foi determinado à Câmara Legislativa que adotasse as medidas cabíveis para adequar sua composição aos parâmetros da CF.
A tese da inconstitucionalidade foi vencedora, mas os argumentos do Ministro Gilmar Mendes sobre a matéria são interessantes, pois se manifestou sobre a eficácia do julgado: 
1) Em caso de alegada inconstitucionalidade da lei eleitoral, aconselha-se que o Tribunal não proclame tal status quando o reconhecimento da nulidade não for capaz de resolver o problema e em lugar da pronúncia seja capaz de encontrar uma norma apta a preencher eventual lacuna no ordenamento;
2) Exige-se a necessidade de um outro princípio que justifique a não aplicação do princípio da nulidade, axioma que que tem aplicação indistinta tanto ao controle concentrado quanto ao controle difuso, como no caso americano. Na experiência americana o controle é exclusivamente difuso e concreto, mas admite a restrição dos efeitos retroativos da pronúncia da inconstitucionalidade, com base em critérios de política legislativa;
3) No modelo alemão, em que o controle é concentrado, a restrição dos efeitos retroativos da pronúncia de inconstitucionalidade é admitida, com base em critério constitucional;
4) No direito brasileiro prevalece o princípio da nulidade da lei ou ato normativo inconstitucional, mas ele deve ser excepcionado nos casos em que se revelar absolutamente inidôneo para a finalidade perseguida, bem como nas hipóteses em que sua aplicação pudesse trazer danos para o próprio sistema jurídico constitucional;
5) Configurado eventual conflito entre o princípio da nulidade e o da segurança jurídica que, entre nós, tem status constitucional, a solução da questão deve ser feita por processo de ponderação;
6) No Brasil deve-se supor que a pronúncia de inconstitucionalidade não afeta todos os atos singulares praticados com base na lei proclamada em nome do princípio da segurança jurídica, cabendo a distinção entre o efeito da decisão no plano normativo e no plano do ato singular;
7) A regra do art. 27 da lei 9868/99 que confere ao STF discricionariedade na fixação dos limites temporais da declaração de inconstitucionalidade permite que se pondere se a supressão da norma poderá ser mais danosa ao sistema do que a sua preservação;
8) Os modelos mais próximos do direito nacional são o português e o alemão, porque aqui a não aplicação do princípio da nulidade não vai se basear em consideração de política judiciária, mas em fundamento constitucional próprio;
9) Eventual decisão retroativa no caso em análise atingiria os atos da Câmara Municipal praticados tanto antes quanto depois do pleito (validade das deliberações). Assim, um rigoroso juízo de proporcionalidade recomenda a preservação do modelo legal existente, cabendo ao legislativo municipal estabelecer nova disciplina sobre a matéria, em tempo hábil que regule o próprio pleito eleitoral (declaração de inconstitucionalidade pro futuro).
O ministro Gilmar Mendes chamou de efeito transcendente, pois o Ministro Nelson Jobim advertiu que o entendimento vencedor devia ser submetido ao TSE.
O STF não conferiu uma eficácia erga omnes autônoma à decisão no controle difuso, recomendando, porém: a) a modulação de efeitos pro futuro, mediante ponderação entre a preservação da segurança jurídica dos atos praticados com base no dispositivo questionado em sua constitucionalidade e a sua retirada do ordenamento com base no principio da “nulidade”; b) a possível extensão do resultado a terceiros, inclusive para os fins de atingir competência normativa alheia (TSE), que deveria observar o entendimento do Tribunal.
O MPE apresentou representação no TSE para que garantisse a unidade do direito a partir da decisão do Supremo. O TSE editou a resolução 21.702/2004, que foi objeto das ADIs 3346 e 3365, que foram julgadas improcedentes no pressuposto de constitucionalidade não apenas do poder normativo primário do TSE, como também pelo fato de haver replicado a interpretação do STF, na qualidade de intérprete máximo da CF, dando concreção ao princípio da força normativa da constituição.
Em outro caso, o Ministro Celso de Melo chamou o efeito transcende de irradiante. Foi proposta a ADI 1662 contra Instrução Normativa 11/97 do TST, o qual uniformizava procedimentos para expedição de precatórios referentes às condenações transitadas em julgado, que, após o deferimento da liminar em ADI, foi substituída pelo Provimento n. 03/98, adequando aos termos da liminar. Na ADI foi decidido que o sequestro previsto no art. 100 da CF somente é admitido em caso de violação da ordem de pagamento e não quando há falta de inclusão do débito no orçamento ou pagamento inidôneo (a menor ou fora do prazo).
Ocorre que foi feita a reclamação n. 1987, que tinha por objeto alegado descumprimento pelo TRT-10 do entendimento contido na ADI 1662.
A polêmica passou a ser o cabimento de Reclamação quando o seu objeto devia ser supostamente outro (um ato normativo do TST, e não uma decisão do TRT-10). O efeito transcendente teria então conotação não apenas objetiva, focada na interpretação do dispositivocontrolado, como também subjetiva, já que a decisão poderia alcançar entes diversos daquele que editou o ato sob controle.
Apesar da polêmica sobre o cabimento da Reclamação naquela hipótese, o tema da eficácia transcendente somente foi tratado em pormenor no voto de Gilmar Mendes, que assim disciplinou: 
1) O efeito vinculante das ações de controle concentrado alcança não apenas a parte dispositiva do acórdão, como também suas razões ou seus fundamentos determinantes;
2) No modelo alemão, oscilou-se entre o extremo que abrange inclusive os obter dica e aquele que nega tal extensão para além da coisa julgada tradicional para por fim se aceitar orientações mediadoras;
3) O próprio STF já estaria a aplicar tal eficácia no controle difuso de leis municipais, ao estender a um RE as razões de decidir tomadas anteriormente em outro RE;
4) Tal procedimento evidencia, ainda que de forma tímida, o efeito vinculante dos fundamentos determinantes da decisão exarada pela Corte Constitucional.
A ementa do Acórdão de referida Reclamação incluiu a solução apresentada pelo Ministro Gilmar Mendes, mas algumas observações devem ser feitas:
a) Entre os extremos teóricos acima citados, o conceito de “norma decisória concreta” parece parar nos limites da ratio decidendi, portanto, sem incluir os obter dicta;
b) Há um sério problema conceitual envolvido nas expressões efeito vinculante e efeito transcendente, porque elas não expressam a mesma coisa: efeito vinculante significa a vedação de decisões em sentido contrário, enquanto efeito transcendente significa o transporte das razões de decidir de uma decisão para outra ação, outro recurso ou outro ato normativo;
c) Quando se trata de sujeitar outros sujeitos passivos diversos daqueles que editaram o ato sob controle a uma determinada decisão, está-se falando em eficácia vinculante; e quando se trata de estender uma decisão a outro processo com pano de fundo semelhante, está-se falando em eficácia transcendente;
d) O exemplo do controle difuso de leis municipais se enquadra no segundo conceito (efeito transcendente), enquanto que a extensão subjetiva da ADI 1662 se insere no primeiro (efeito vinculante);
e) Não é propriamente a natureza do controle que é determinada da distinção entre os conceitos, e sim a sua ontologia.
Depois de voltar aos exemplos de eficácia transcendente (que também chamou de vinculante) em sede de controle difuso de leis municipais, inclusive para dispensar a intervenção do Senado pela via do art. 52, X da CF, Gilmar Mendes citou os fundamentos para seu entendimento: 
1) A eficácia transcendente teria como fundamento o art. 557 do CPC (art. 932, III do NCPC), já que as Turmas têm considerado dispensável, no caso de modelos legais idênticos, a submissão da questão ao Plenário;
2) No controle por via de ações coletivas (ação civil pública e mandado de segurança coletivo) a eficácia erga omnes da decisão que se acha nelas possibilitada também dispensa a intervenção do Senado e inclusive pode prejudicar ADI posterior;
3) A parte final do § único do art. 949, I e II do CPC dispensa os tribunais inferiores de submeter a questão constitucional ao pleno ou ao órgão especial (art. 97 da CF) quando a matéria já houver sido examinada pelo STF em sede de controle difuso;
4) Os modelos de controle têm a mesma natureza, o que explica os efeitos gerais ou transcendentes também no controle difuso;
5) A modulação de efeitos do art. 27 da Le 9868/99 é uma técnica de harmonização do modelo misto brasileiro, especialmente nos casos de mudança de jurisprudência.
As hipóteses do § único do art. 949 e do art. 932, III do CPC são precedentes, não há mais necessidade de se falar em eficácia transcendente ou irradiante por força do art. 927, pois as decisões de controle de constitucionalidade difuso quando afirmam a inconstitucionalidade são sempre pelo pleno do Tribunal.
Assim, por força do stare decisis (art. 926, caput e 927, §§ 2º, 3º e 4º) e da eficácia vinculante as decisões anteriores do STF em sede de controle difuso deve ser transportadas para decisões de órgãos fracionários dos tribunais inferiores e para as turmas do próprio STF, respectivamente, sem a necessidade de decisão do órgão especial ou do pleno que as confirme.
Por força do CPC, essa eficácia é propriamente vinculante, mas o órgão especial ou o pleno pode examinar a matéria, seja para confirmar a decisão anterior, seja para excepciona-la em caso de distinguishing, quando a distinção for suscitada pela parte.
· No caso das ações coletivas em que há controle de constitucionalidade incidental existem duas facetas: a) a dispensa de intervenção posterior do Senado não implica em transporte das razões de decidir, precisamente porque a intervenção é considerada redundante, não havendo qualquer decisão posterior para a qual o resultado seja conduzido; b) a prejudicialidade potencial de futura ADI depende não apenas do status do órgão julgados na estrutura judiciária, como também do resultado da demanda, mas de alguma forma há também o transporta das razões de decidir sobre a decisão extintiva da ADI, já que se pode antever o seu resultado coincidente ou prejudicial, uma vez que a força do precedente firmado pelo próprio tribunal também o vincula no caso, stare decisis;
· A identidade ontológica entre os modelos de controle difuso e concentrado explica não apenas a distinção entre efeitos transcendentes (agora, a força dos precedentes para os casos futuros) e efeitos vinculantes (para a retirada do ordenamento jurídico da norma impugnada), como também justifica a modulação de efeitos.
O segundo paradigma foi o julgamento do HC 82.959-7, que depois serviu de leading case para a Súmula Vinculante 26:
Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.
A tese de inconstitucionalidade foi vencedora por maioria, tendo o Ministro Gilmar Mendes repetido a parte do voto do paradigma acerca da modulação de efeitos no controle difuso e devia conferir eficácia ex nunc à pronúncia de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8072/90, pois aplicável às condenações que envolvam situações ainda suscetíveis de serem submetidas ao regime de progressão.
No voto da Ministra Ellen Gracie, houve uma crítica à modulação de efeitos, em especial acerca do caráter pro futuro, pois a solução sequer seria aplicável ao paciente do habeas corpus em julgamento, deixando de ter utilidade para o caso concreto.
A Corte estaria se avocando um arbítrio excessivo ao selecionar quais réus seriam beneficiados retroativamente pelo novo entendimento. Gilmar Mendes revelou preocupação que o levou a propor a eficácia retroativa para o caso concreto e a eficácia prospectiva dos casos semelhantes e, inclusive, a questão da responsabilidade civil do Estado.
Em resumo, também no modelo brasileiro essa modulação de efeitos no controle difuso, em específico quanto à matéria penal, leva em conta razões de ordem política, e não estritamente ordem constitucional. Conforme entendeu Sepúlveda Pertence, a declaração equivaleria à introdução de uma lei penal mais benéfica e, por imperativo constitucional, deveria ser aplicada.
O que mais preocupa, em termos argumentativos, não é a justificativa de efeitos no controle concreto, que em tese é possível, na linha da exposição de Gilmar Mendes, mas sim a opção por um modelo supostamente imunizado de razões políticas de decidir, quando as ações estritamente constitucionais de decidir não são tão imunes a questões de política judiciária ou econômica.
No voto do Ministro Gilmar Mendes, a decisão em si mesma teria eficácia erga omnes para condenações que envolvessem situações ainda suscetíveis de serem submetidas ao regime de progressão, mas para Sepúlveda Pertence tal generalizaçãodependia da suspensão do dispositivo inconstitucional pelo Senado.
A edição da Súmula Vinculante deu eficácia erga omnes e vinculante à matéria, já que nenhum juízo criminal pode decidir em contrário após a sua publicação.
Tanto no Caso do RE 197.917-8 e no HC 82.959-7, as decisões reclamaram um complemento decisório para se generalizar, o que permite concluir que a eficácia transcendente acabou se reduzindo à eficácia erga omnes, ou ainda, que a primeira não possui autonomia para produzir simultaneamente a segunda. Este problema reduz, mas não se elimina, com o CPC, por força da vinculatividade das decisões do Pleno do STF em matéria constitucional (art. 927, V).
O último caso é o julgamento do Agravo de Instrumento de decisão terminativa do Ministro Menezes Direito tomada na ADI 4071-5, em que o processo foi extinto sumariamente sem resolução de mérito, pois o objeto impugnado (art. 56 da Lei 9430/96) havia sido proclamado constitucional em outros dois recursos extraordinários.
O art. 4º da lei 9868/99 diz que a petição inicial de ADI pode ser indeferida quando “manifestamente improcedente”, de modo que a questão devia ter sido resolvida era a possibilidade de dois julgamentos anteriores tomados em sede de controle difuso, em sentido contrário à tese da AID, serem capazes de indicar a sua manifesta improcedência.
Em sentido contrário, pode-se também deduzir que o contrário pode acontecer com ADCs cuja tese tenha sido refutada em sede de Res julgados anteriormente, com base no art. 15 da lei 9868/99, com idêntica previsão do art. 4º. 
O caso foi de atribuição de eficácia vinculante por carona do efeito dúplice da improcedência da ADI e também transcendente aos julgados dos REs, mas não sobre relações jurídicas materiais idênticas àquelas da ratio decidenti, mas sobre ADIs e ADC futuras, em uma espécie de simbiose entre os modelos difuso e concentrado.
As circunstâncias fáticas dos recursos extraordinários foram abstraídas para se considerar como circunstância fática relevante o texto legal impugnado, a lei como fato, sendo a partir da sua análise em confronto com a Constituição identificada a inconstitucionalidade, que representa a solução jurídica: daí segue-se a aplicação do fundamento determinante do recurso julgado ao juízo de admissibilidade da ADI.
Conclui-se que:
1) A eficácia vinculante significa a proibição de decisões em sentido contrário àquele da ratio decidendi estabelecida em sede de controle concentrado ou difuso, devendo ser atualizados os precedentes do STF a partir do advento do CPC/15;
2) A tendência anterior do STF era de não tratar ambos como similares, tanto que nos dois paradigmas acerca da matéria houve a necessidade de um ou mais complementos decisórios para gerar efeitos vinculantes: a) no RE 197.917-8, o julgamento das ADIs ns. 3345 e 3365 no sentido da constitucionalidade da Res do TSE 21702/2004, que produziu o resultado de uma ADC procedente (efeito dúplice), proibitivo de decisões em contrário; b) no HC n, 82.959-7, a súmula Vinculante 26, contudo, não há mais esta necessidade em face da nova forma infraconstitucional que atribui aos juízes e tribunais a obrigatoriedade de seguir as decisões do plenário;
3) A eficácia transcendente ou irradiante expressa o transporte das razões de decidir de uma decisão para outra decisão, outro recurso ou outro ato normativo. É estender uma decisão a outro processo com pano de fundo semelhante, e não de sujeitar outros sujeitos passivos diversos daqueles que editaram o ato sob controle a uma determinada decisão (eficácia vinculante) é agora substituída pela força vinculante dos precedentes do STF;
4) A modulação de efeitos prevista no art. 27 da lei 9868/99 para o controle concentrado tem perfeito cabimento no controle difuso, tanto pela identidade ontológica entre tais modelos, como também porque em vários casos concretos se exige um cálculo de proporcionalidade entre a preservação da segurança jurídica dos atos praticados com base no dispositivo questionado em sua constitucionalidade e a sua retirada do ordenamento com base no princípio da “nulidade”.
O modelo brasileiro carecia da regra do stare decisis, cada juiz possuía a sua própria constituição. A estrutura anterior permitia que apenas os juízes do tribunal de apelação fossem vinculados às decisões do STF em controle difuso, enquanto juízes de primeiro grau e o próprio STF não deviam obediência aos precedentes firmados em matéria constitucional pelo Pleno.

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