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CIÊNCIA E CIDADANIA R ep ro d uç ão p ro ib id a. A rt .1 84 d o C ód ig o P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 60 U n id a d e B • Ví ru s, m o n e ra s, p ro to ct is ta s e f u n g o s A epidemia mundial de aids O anúncio da descoberta e da identificação do HIV (sigla de Human Immunodeficience Virus — vírus da imunodeficiência humana) como agente causador da aids (sigla da expressão inglesa Acquired Immunode- ficience Syndrome — síndrome de imunodeficiência adquirida) ocorreu em abril de 1984, pouco menos de três anos após a constatação dos primeiros casos da doença. Na época, acreditava-se que a aids fosse restrita a homossexuais, haitianos, hemofílicos e usuários de drogas injetáveis, pois as 4 mil pessoas que haviam sido infectadas (metade das quais já havia morrido) pertenciam a pelo menos um desses grupos. No final de 2004, a Organização Mundial de Saúde estimou o número de pessoas infectadas pelo HIV no mundo em cerca de 40 milhões, das quais 2,5 milhões com idade inferior a 15 anos, e 11,8 milhões, entre 15 e 24 anos. Em 2007, dados da ONU apontaram uma que- da de aproximadamente 17,5% no número de pessoas infectadas pelo HIV, que seriam então 33 milhões; isso aconteceu porque o número de novos infectados foi inferior ao de portadores mortos no período. Há dois tipos de HIV, denominados HIV-1 e HIV-2. O HIV-1 foi identificado em 1983 e o HIV-2, em 1985. Os estudos mostraram que o genoma desses tipos virais é idêntico em cerca de 50% dos genes e muito seme- lhante no restante. Recentemente, foram identificados diversos subtipos genéticos tanto do HIV-1 como do HIV-2, mas ainda não se sabe exatamente como essas diferenças genéticas influem nas características de cada tipo viral, no que diz respeito à sua capacidade de transmissão ou patogenicidade. Como o vírus da aids se multiplica O vírion do HIV tem, no envelope lipoproteico, glico- proteínas capazes de se ligar a receptores de determi- nadas células humanas, principalmente certas células do sistema imunitário. O nucleocapsídio contém duas moléculas idênticas de RNA de cadeia simples, asso- ciadas a moléculas de duas enzimas: a transcriptase reversa, capaz de “retrotranscrever” DNA a partir de RNA, e a integrase, responsável pela integração do DNA viral ao cromossomo da célula hospedeira. Depois de se ligar aos receptores da célula hospe- deira, o envelope do HIV funde-se à membrana celular; o nucleocapsídio penetra no citoplasma e se desfaz, liberando o RNA, a transcriptase reversa e a integrase virais no citosol. A transcriptase reversa entra imedia- tamente em ação e transcreve uma cadeia de DNA a partir do RNA viral (transcrição reversa). À medida que transcreve o DNA, a transcriptase re- versa degrada o RNA molde e, em seguida, produz uma cadeia de DNA complementar à recém-sintetizada, originando, dessa forma, um DNA de cadeia dupla. Este penetra no núcleo da célula hospedeira e, por ação da integrase viral, incorpora-se a um dos cromossomos. Uma vez integrado a um cromossomo da célula, o DNA viral começa a produzir moléculas de RNA. Algumas delas irão constituir o material genético dos novos vírus; outras serão traduzidas pelos ribossomos da célula, produzindo longas cadeias polipeptídicas. Essas cadeias são posteriormente cortadas em lu- gares exatos por enzimas virais, originando todas as proteínas constituintes do vírus: transcriptase reversa, integrase, proteínas do capsídio e glicoproteínas. Estas últimas, que fazem parte do envelope viral, migram para a membrana da célula hospedeira, onde se agre- gam. Por sua vez, RNA, enzimas e proteínas unem-se e formam novos nucleocapsídios. Os novos nucleocapsídios formados aderem a re- giões da membrana plasmática onde há glicoproteí nas virais, originando os envelopes lipoproteicos. Vírions completos do HIV são expelidos da célula hospedeira e podem infectar células sadias. A célula infectada continua a ter o material ge- nético do vírus integrado ao seu e segue produzindo partículas virais. Em certas células, o vírus integrado ao cromossomo mantém-se em estado de provírus, sem produzir RNA. Isso impede que o sistema imunitário e drogas antivirais eliminem completamente os vírus do corpo humano. (Fig. 2.11) Todos os infectados pelo HIV têm aids? O HIV é transmitido por meio de fluidos eliminados durante as relações sexuais e também pelo sangue. A transmissão ocorre, também, de mãe para filho durante a gravidez ou no parto. A menos que sejam tratadas com drogas antivirais durante a gravidez, mães portadoras do HIV têm cerca de 30% de chance de transmitir o vírus aos bebês. Acredita-se que o vírus também possa ser transmitido da mãe para o filho na amamentação. Algumas pessoas não manifestam sintomas (isto é, são assintomáticas) ao serem infectadas pelo HIV; outras apresentam sintomas semelhantes aos de gripe: febre, dor de cabeça, cansaço e inflamação dos linfonodos. Os sintomas desaparecem entre uma semana e um mês após a infecção e geralmente são confundidos com os de uma virose de pouca gravi- dade. Durante a fase que sucede a infecção, os vírus multiplicam-se ativamente e os fluidos corporais e o sangue são altamente infectantes. Desde o início da contaminação, o sistema imu- nitário é ativado pela multiplicação viral e passa a combater os vírus, que diminuem em quantidade. CIÊNCIA E CIDADANIA Liberação de novos vírionsGenoma viral Capsídio Transcriptase reversaVÍRION Fusão do envelope viral à membrana celular Glicoproteína Integrase Envelope Integração de proteínas virais na membrana celular Desintegração do capsídio e liberação do RNA e enzimas virais Adesão do vírus à proteína CD4 Receptor celular (proteína CD4) Entrada do DNA viral no núcleo Integrase Síntese de polipeptídios virais a partir do RNA viral Montagem dos capsídiosIntegrase penetrando no núcleo Síntese de DNA viral por transcrição reversa Cromossomo da célula hospedeira Quebra da cadeia polipeptídica viral pela protease, originando as proteínas virais Formação do envelope ao redor do capsídio DNA viral integrando-se ao cromossomo Transcrição de RNA viral a partir do DNA integrado ao cromossomo NÚCLEOCITOPLASMA 12 1 2 3 4a 5 4b 6 7 8 9 10 11 12 61 C a p ít u lo 2 • Ví ru s Figura 2.11 Etapas da reprodução de um HIV em uma célula humana. Analise a figura seguindo as explicações do texto. (Imagens sem escala, cores-fantasia.) Nesse momento, a infecção torna-se completamente assintomática. Novos sintomas só voltam a aparecer muito tempo depois, em geral após alguns anos. No entanto, a infecção pelo HIV pode ser detectada desde o início por exames de laboratório que testam a presença de anticorpos anti-HIV no sangue, ou do próprio RNA viral. Pessoas infectadas pelo HIV que ainda não manifestam sintomas da aids são chamadas de soropositivas, por apresentarem anticorpos antivirais no sangue, ou HIV positivas. Durante o período assintomático, trava-se uma batalha entre o HIV e o sistema imunitário. A prin- cipal célula atacada pelo HIV é um leucócito san- guíneo, o linfócito T auxiliador, também chamado célula CD4, que coordena as respostas do sistema imunitário. Ao destruir as células CD4, o HIV en- Conteúdo digital Moderna PLUS http://www.modernaplus.com.br Animação: Ciclo de reprodução viral, veja aba Reprodução do vírus HIV fraquece a capacidade do organismo de combater não apenas a infecção pelo retrovírus, mas também outras infecções comuns, que normalmente não afetariam pessoas sadias. Conforme o número de células CD4 diminui no organismo, começam a aparecer os sintomas da aids: inchaço dos linfonodos, perda do vigor corporal, ema- grecimento, febre e sudorese, infecções por fungos parasitas, erupções na pele, perda de memória momen- tânea e, em muitos casos, infecções por herpes na boca, órgãos genitais e ânus. A aids refere-se aos estágios mais avançados dainfecção pelo HIV, com a presença desses sintomas. Isso ocorre, em geral, quando o nú- mero de células CD4 cai abaixo de 200 por milímetro cúbico de sangue; pessoas saudáveis apresentam essas células em quantidade cinco vezes maior. Fase aguda (assintomática) Fase de aids (sintomática) Fase crônica (assintomática) Quantidade de linfócitos CD4 N o de vírus/m m 3 de sangue N o d e lin fó ci to s C D 4/ m m 3 d e sa ng ue 900 Tempo em anos 800 700 600 500 400 300 200 100 0 107 106 105 104 103 102 10 2 3 4 5 6 7 8 9 Quantidade de vírus HIV 10 R ep ro d uç ão p ro ib id a. A rt .1 84 d o C ód ig o P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 62 U n id a d e B • Ví ru s, m o n e ra s, p ro to ct is ta s e f u n g o s A depressão do sistema imunitário permite que se instalem infecções banais, denomi- nadas “oportunistas”, que normalmente não acometem pessoas sadias. Nos portadores de aids, essas infecções oportunistas são severas e muitas vezes fatais, pois o sistema imunitá- rio, praticamente inativado pelo HIV, não consegue combater a maioria dos vírus, bactérias, fungos e outros microrganismos com os quais temos contato diariamente. (Fig. 2.12) Figura 2.12 Gráfico que mostra a variação da quantidade de linfócitos T auxiliadores (células CD4) e de partículas virais no sangue de uma pessoa infectada por HIV, ao longo de 10 anos. A aids aparece apenas no período final da infecção, quando a taxa de células CD4 se torna muito baixa. (Segundo Bartlett, J. e Moore, R., 1998.) Figura 2.13 Cartaz de campanha de prevenção da aids (cortesia do Ministério da Saúde). Sintomas de infecções oportunistas comuns em portadores de aids são: tosse e respiração ofegante; dificuldade de engolir; diarreia severa e persistente; febre; perda de visão; náusea, cólicas abdominais e vômitos; confusão mental e esquecimento; perda de massa corporal e fadiga extrema; dores de cabeça fortes; coma. Além disso, as pessoas com aids são propensas a desenvolver vários tipos de câncer, em particular os causados por vírus, como o sarcoma de Kaposi e o câncer cervical, além de cânceres do sistema imunitário, como linfomas. Um aspecto intrigante da aids é o fato de o ataque do HIV ser tão devastador e mortal, ao contrário da maioria dos retrovírus humanos, que geralmente não causam doenças graves. Segundo alguns cientistas, essa agressividade deve-se ao fato de o HIV ser um parasita recente da espécie humana. Por isso, ainda não teria havido tempo suficiente para uma adaptação evolutiva do vírus ao hospedeiro humano e vice-versa. Prevenção e tratamento da aids As principais medidas para prevenir a infecção pelo HIV são: a) praticar apenas sexo seguro, com a proteção de preservativos (camisinhas); b) ao fazer transfusões, usar sempre sangue devidamente testado; c) durante a gravidez, tratar mulheres portadoras do vírus com dro- gas antivirais. Além disso, essas mulheres não devem amamentar o recém-nascido. (Fig. 2.13)