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CIÊNCIA E CIDADANIA R ep ro d uç ão p ro ib id a. A rt .1 84 d o C ód ig o P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 122 U n id a d e B • Ví ru s, m o n e ra s, p ro to ct is ta s e f u n g o s Os protozoários parasitas causam diversas doenças em seres humanos: disenteria, lesões na pele e em órgãos internos, malária etc. As infecções por protozoários parasitas são gene- ricamente denominadas protozooses. Conhecer a dinâmica de transmissão das principais protozooses, além de útil na prevenção pessoal dessas doenças, é também um exercício de cidadania, uma vez que pessoas bem informadas podem ajudar a diminuir a incidência dessas e de outras parasitoses. Amebíase ou disenteria amebiana A amebíase ou disenteria amebiana é causada pelo rizópode parasita Enta- moeba histolytica (entameba). Adquire-se essa parasitose ao ingerir cistos de en- tameba presentes na água ou em alimentos contaminados com fezes de pessoas doentes. O cisto é uma bolsa de parede rígida repleta de amebas jovens, capazes de infectar um novo hospedeiro. No intestino, a parede do cisto se rompe, libertando as amebas, que invadem glândulas da parede intestinal, onde passam a se alimentar de sangue e de células do hospedeiro. Esses locais podem inflamar-se e romper-se, liberando sangue, muco e milhares de amebas, muitas já na forma de cistos. Ao serem eliminados com as fezes, os cistos podem contaminar água e alimentos (como verduras, por exemplo) e ser transmitidos a outras pessoas. Apenas uma em cada dez pessoas infectada por E. histolytica apresenta sintomas da doença. Estes são geralmente brandos, como diarreias e dor de estômago; em casos mais graves, ocorrem diarreias com sangue e a pessoa pode tornar-se anêmica. Atualmente há medicamentos eficazes contra amebíase, que devem ser ministrados após o diagnóstico da parasitose por meio de exame microscópico das fezes do doente. (Fig. 4.29) Para prevenir a disseminação da amebíase são necessárias atitudes por parte do poder público e das próprias pessoas. Entre as formas de prevenção destaca-se a construção de instalações sanitárias adequadas, tais como privadas, esgotos e fossas sépticas, que impe- çam a contaminação da água e de alimentos por fezes com cistos de ameba. A água, caso não seja tratada, deve ser fervida antes de ser usada para beber ou para lavar alimentos consumidos crus. Esses e outros cuidados básicos, associados a uma maior higiene pessoal, previnem não só a amebíase como inúmeras outras doenças infecciosas. Leishmaniose Leishmaniose é a denominação genérica da infecção causada por protozoários fla- gelados denominados leishmânias. No Brasil, estima-se que cerca de 40 mil pessoas por ano adquiram um dos tipos de leishmaniose, visceral ou tegumentar. A leishmaniose visceral (ou calazar) é causada pela Leishmania chagasi, que ataca o baço e o fígado. Febre contínua, perda de apetite, inchaço do fígado e do baço, lesões na pele e anemia são alguns dos sintomas da doença que, em alguns casos, pode levar à morte. Os cães também são atacados por esse protozoário. A parasitose é transmitida pela picada do mos- quito Lutzomyia longipalpis, conhecido popularmente como mosquito-palha ou maruim. A leishmaniose tegumentar (ou úlcera de bauru) é uma doença parasitária de pele e mucosas causada pela Leishmania brasiliensis. Na pele, a doença manifesta-se pela forma- ção de feridas ulcerosas, com bordas elevadas e fundo granuloso. Nas mucosas (cavidade nasal, faringe ou laringe), a leishmaniose destrói tecidos e, em casos graves, pode perfurar o septo nasal e produzir lesões deformantes. A transmissão da leishmaniose tegumentar ocorre pela picada de mosquitos do gênero Lutzomyia (mosquito-palha). As principais medidas de prevenção da leishmaniose são evitar a proliferação do mosquito transmissor e impedir sua picada. O combate ao mosquito pode ser feito pelo aterro de lagoas e poças d’água que servem de criadouro para as larvas e também pela aplicação de inseticidas sobre as áreas atingidas pela doença. Esta última providência tem a consequência indesejável de matar indiscriminadamente outras espécies de inseto, muitas delas de importância econômica ou ecológica. Para impedir a picada do mosquito, pode-se proteger as portas e as janelas das casas com telas, e cobrir as camas com cortinados de filó. (Fig. 4.30) Protozoários que causam doenças CIÊNCIA E CIDADANIA LaVaR BEm oS aLimENtoS R ep ro d uç ão p ro ib id a. A rt .1 84 d o C ód ig o P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 123 C a p ít u lo 4 • P ro to ct is ta s: a lg a s e p ro to zo á ri o s Figura 4.29 Representação esquemática do ciclo de Entamoeba histolytica, protozoário parasita do intestino humano e causador da disenteria amebiana (amebíase). O cisto dessa ameba é o que os biólogos denominam “forma de resistência”, pois é capaz de sobreviver por longos períodos fora de organismos hospedeiros. As amebas não estão representadas na mesma escala que o intestino (estão em escala muito maior, cores-fantasia; lembre-se de que elas são microscópicas). Nos quadros, estão citadas as principais maneiras de prevenção da amebíase. LaVaR aS mÃoS com FREQUÊNcia Liberação da ameba no intestino Hemácias ingeridas pela ameba Formas vegetativas multiplicam-se e lesam vasos sanguíneos intestinais ingestão de cistos de ameba Parede do cisto Eliminação de cistos com as fezescontaminação de alimentos e água potável FERVER a áGUa a SER BEBida NÃo dEFEcaR ao aR LiVRE EVitaR coNtamiNaÇÃo da áGUa doS PoÇoS Núcleos cisto INTESTINO Figura 4.30 A. Mosquito-palha Lutzomyia longipalpis picando uma pessoa; esse inseto tem menos de 2 milímetros e é o principal transmissor da leishmaniose tegumentar. B. Micrografia colorizada artificialmente do protozoário flagelado Leishmania tropica, outra espécie do gênero que ataca órgãos internos, ao microscópio eletrônico de varredura, colorizada artificialmente (aumento . 7.0003). C. Ferida causada pela leishmaniose tegumentar. A B C membrana ondulante Núcleo Flagelo R ep ro d uç ão p ro ib id a. A rt .1 84 d o C ód ig o P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 124 U n id a d e B • Ví ru s, m o n e ra s, p ro to ct is ta s e f u n g o s Doença de Chagas A doença de Chagas, também chamada tripanos- somíase americana, é causada pelo flagelado Trypano- soma cruzi, o tripanossomo. Foi o médico sanitarista brasileiro Carlos Chagas (1878-1934) quem descobriu o parasita causador e descreveu seu ciclo de vida e o modo de transmissão. Estima-se que 50 mil pessoas morram anualmente no mundo em consequência da doença. No Brasil, o controle governamental da transmissão da doença de Chagas vem obtendo amplo sucesso e a maioria dos estados brasileiros já pode ser declarada livre da doença; apesar disso, continua sendo uma das parasitoses mais letais, com cerca de 5 mil óbitos anuais e milhões de portadores crônicos, para os quais ainda não existe tratamento. O tripanossomo é transmitido por insetos popu- larmente chamados de “barbeiros” ou “chupanças”, sendo a espécie transmissora mais comum o Triatoma infestans. A doença geralmente é adquirida pelo contato das mucosas (dos olhos, do nariz e da boca) ou de feridas na pele com fezes do inseto portador do parasita. Uma forma aguda da doença pode ocorrer pela ingestão de alimentos contaminados com fezes de barbeiros infes- tados pelo parasita. Mulheres portadoras da doença po- dem transmitir o parasita aos filhos durante a gravidez ou na amamentação. Transplantes de órgãos e transfu- sões de sangue de doadores infectados são outras vias de transmissão da doença de Chagas. (Fig. 4.31) O barbeiro adquire tripanossomos ao sugar san- gue de pessoas com doença de Chagas ou de animais contaminados pelo parasita, entre eles cães, gatos, roedorese diversos animais silvestres, que servem de reservatórios naturais do protozoário. Os barbeiros têm hábitos noturnos, escondendo-se durante o dia em frestas, de onde saem, à noite, para se alimentar de sangue. Depois de picar uma pessoa, geralmente no rosto (daí o nome “barbeiro”), o inseto defeca; se esti- ver contaminado, os tripanossomos contidos em suas fezes podem penetrar através do ferimento da picada, quando a pessoa coça o local, atingindo a circulação sanguínea, via de acesso aos órgãos do corpo. Nos primeiros estágios da doença, os principais sintomas são cansaço, febre, aumento do fígado ou do baço e inchaço dos linfonodos. Depois de 2 a 4 meses esses sintomas desaparecem. Somente 10 a 20 anos após a infecção é que começam a aparecer os sintomas mais graves da doença; os protozoários instalam-se preferencialmente no músculo cardíaco e causam lesões que prejudicam o funcionamento do coração, o que leva à insuficiência cardíaca crônica. Até a década de 1960, não havia medicamentos eficientes contra o tripanossomo. A partir de então têm sido desenvolvidas drogas terapêuticas capazes de matar e destruir o Trypanosoma cruzi, principal- mente no período inicial da doença. Entretanto, as lesões do coração e de outros órgãos, como o esôfago e o intestino, são irreversíveis e até o momento não há tratamento eficaz para os estágios avançados da doença de Chagas. A principal maneira de combater a parasitose é a adoção de medidas preventivas, que impeçam a entrada dos protozoários no organismo humano. A primeira providência, evidentemente, é evitar a pi- cada do barbeiro, o agente transmissor (ou vetor) da doença. Como esses insetos se escondem nas frestas das casas de barro ou de pau a pique, a construção de casas de alvenaria, sem esconderijos para o barbeiro, ajuda a combater a doença de Chagas. Outra medida preventiva importante é a instalação de cortinados de filó sobre as camas e de telas de proteção em portas e janelas. (Fig. 4.32) Malária Entre os protozoários apicomplexos, o gênero Plasmodium (plasmódio) é um dos mais conhecidos por causar malária, doença que já afligia os antigos egípcios há cerca de 5 mil anos e que ainda hoje produz cerca de 250 milhões de novos casos por ano em todo o mundo. Calcula-se que 900 mil morram anualmente A B C Figura 4.31 A. O barbeiro, ou chupança (Triatoma viticipes), inseto transmissor da doença de Chagas (comprimento . 3 cm). B. Representação esquemática do protozoário Trypanosoma cruzi, agente causador da doença de Chagas. (Imagem sem escala, cores-fantasia.) C. Micrografia de um corte de coração humano ao microscópio óptico, mostrando um “ninho” do protozoário Trypanosoma cruzi (área ovoide no centro da foto). Os protozoários são os pontos escuros; nessa fase de seu ciclo de vida, não apresentam flagelos (aumento . 1.0003).