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PeterPan-e-o-PuerAeternus


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ASTROLETIVA – CURSO DE FORMAÇÃO EM ASTROLOGIA 
Terra do Juremá Comunicação Ltda. 
 
Nível: Especialização – Curso: O uso da mitologia na consulta astrológica 
Texto: Fernando Fernandse 
 
Peter Pan: A Terra do Nunca e Woodstock 
Poucos personagens, no século XX, foram tão populares quanto Peter Pan. Criado por Sir James 
Matthew Barrie, em 1904, e retomado por Walt Disney no desenho animado de longa-metragem 
de 1953, Peter Pan jamais deixou de fazer parte do imaginário infantil. Neste artigo, analisam-
se as muitas coincidências entre as cartas astrológicas da peça de 1904, de seu autor e do filme 
de Disney. 
 
Um baronete que gostava de meninos 
 
Nascido e criado em Kirriemuir, uma pequena cidade escocesa, James Matthew Barrie formou-
se na universidade de Edimburgo e mudou-se depois para Nottingham, na Inglaterra, onde 
passou a exercer a profissão de jornalista. Aos poucos, suas obras literárias e peças teatrais 
começaram a cair no gosto do público, a ponto de permitir a Barrie viver exclusivamente como 
um escritor profissional. Quando a peça Peter Pan, o menino que não queria crescer foi levada 
à cena pela primeira vez, em 27 de dezembro de 1904, Barrie já era um autor conhecido e de 
reputação firmada. Em 1913, foi elevado à categoria de baronete, o que lhe permitiu utilizar o 
título de Sir. Em 1930, foi nomeado chanceler da Universidade de Edimburgo. Faleceu em 
1937, aos setenta e sete anos. 
Barrie foi casado, mas divorciou-se e jamais teve filhos. Contudo, tornou-se tutor de quatro 
crianças, após o falecimento de um casal amigo. Vários biógrafos apontam em Sir James Barrie 
um componente de pedofilia (uma fixação erótica em crianças). Como Lewis Carrol, autor de 
Alice no país das maravilhas – e sobre quem pesam as mesmas suspeitas – Barrie era também 
fotógrafo e deixou uma grande quantidade de fotos em tom sépia de meninos ingleses entretidos 
com seus folguedos. No livro The little white bird, de 1902, Barrie descreve detalhadamente a 
atração de um solteirão de meia idade por um garotinho. Alguns trechos causaram escândalo 
junto aos leitores da época: 
Eu sabia, intuitivamente, que ele esperava que eu tirasse suas botinas. Fi-lo 
com toda a frieza de uma velha mão experiente, e depois coloquei-o sobre 
meus joelhos e tirei sua blusa. Foi uma experiência deliciosa (...) “Por que, 
David,” disse eu, sentando-me, “você quer vir para minha cama?” “Mamãe 
disse que eu não devia querer a menos que você também quisesse,” ele 
choramingou. “Mas é o que eu venho querendo o tempo todo,” disse eu, e sem 
mais delongas a pequena figura levantou-se e pulou em cima de mim. Pelo 
resto da noite (...) às vezes seus pés estavam junto aos pés da cama e às vezes 
sobre o travesseiro, mas em nenhum momento ele largou meu dedo... Fico 
pensando nesse menininho, que, em meio às suas brincadeiras, de repente 
enterrou a cabeça em meus joelhos, enquanto eu o desnudava... (...) e como 
tentei agarrá-lo durante o banho, e ele escorregava de meus braços feito uma 
truta. E como fiquei junto à porta aberta, ouvindo sua doce respiração (...) 
Astroletiva – O uso da mitologia na consulta astrológica – Peter Pan – Fernando Fernandse – 2 
 
É exatamente nesta obra cheia de insinuações libidinosas que o personagem Peter Pan é citado 
pela primeira vez. Mas o personagem só ganha contornos definitivos dois anos depois, quando 
do lançamento da peça teatral. 
Para compreender astrologicamente o personagem, consideraremos três mapas: 
• o da estreia da peça em Londres, já que é o mapa do nascimento do personagem para o 
mundo; 
• o de Sir James Matthews Barrie, seu autor, calculado para 9 de maio de 1860, às 6h30 
(horário local), em Kirriemuir, Escócia; 
• o do lançamento do desenho animado de Walt Disney, que marca a releitura moderna 
do personagem, em 5 de fevereiro de 1953. 
 
Peter Pan, estreia – 27.12.1904, 14h LMT, Londres. 
 
 
Astroletiva – O uso da mitologia na consulta astrológica – Peter Pan – Fernando Fernandse – 3 
 
 
Para a estreia da peça, utilizamos o horário das 14h, citado textualmente no programa do 
espetáculo, encenado pela primeira vez em 27 de dezembro de 1904, no Duke of York Theatre, 
Londres. 
No caso da estreia do filme, os dados, obtidos na biografia de Disney são totalmente vagos, 
sequer informando a cidade. O que levantamos é uma carta solar, para Los Angeles (sede dos 
estúdios Disney). Mesmo com tais imprecisões, as cartas já fornecem informações suficientes 
para uma primeira análise. 
 
Wendy, o anjo do destino 
 
Uma surpresa inicial é descobrir que o lançamento de Peter Pan é marcado por um forte Saturno, 
dispositor final do mapa. Isto significa que, considerando o esquema de regências tradicional, 
Saturno é o único planeta em domicílio, e todos os outros caem, direta ou indiretamente, sob 
seu controle. 
Saturno é o senhor do tempo, o significador da maturidade e do processo de envelhecimento. 
Exatamente aquilo que Peter Pan rejeita. Saturno faz conjunção com Vênus, uma indicação de 
seriedade e contenção afetiva. Sol e Mercúrio estão no estruturado signo de Capricórnio 
enquanto a Lua, fator de imaginação, ocupa o crítico e recatado signo de Virgem. À primeira 
vista, nem sinal da exuberante vitalidade da mais famosa história infantil produzida no século 
XX. Contudo, ela está lá, na oposição Júpiter-Marte (aspecto de coragem, temeridade, 
transbordamento de ação e entusiasmo) e na conjunção Sol-Urano (a excitação e a vontade 
dirigida para a liberdade). O Sol também se opõe a Netuno no emocional signo de Câncer, e 
temos aí um aspecto realmente elucidativo: Netuno é escape, fantasia, recusa da realidade e de 
seus cinzentos compromissos. Netuno é o voo de imaginação. E ei-lo em Câncer, signo da 
nutrição, da infância, dos valores noturnos e lunares. 
Peter Pan foge de casa no primeiro dia de vida, ao ouvir o pai e a mãe discutindo sobre o que 
ele seria quando crescesse. Assusta-se com a ideia de escravizar-se aos compromissos e à 
estreiteza de perspectivas da vida adulta, razão que o leva a viver numa realidade paralela, um 
ilha protegida pelo oceano (elemento Água, Lua e Netuno) e permanentemente imersa na bruma 
(as névoas – Netuno, outra vez), à qual só é possível chegar usando o pó das fadas (fairy dust, 
traduzido em português como pó de pirlimpimpim). 
Pó... uma droga? Estaríamos diante do voo como estado de alteração de consciência? Eis que 
surge outra vez um sentido netuniano. E se lembrarmos que o nome da ilha de fantasia em que 
vive Peter Pan chama-se Terra do Nunca (Neverland) – um lugar fora da realidade cronológica, 
portanto – fica clara também a compreensão deste personagem como um símbolo da negação 
dos conteúdos de Saturno, que são o dever, a responsabilidade e a assunção de papéis no mundo 
adulto. 
Aí começamos a compreender por que Saturno é o planeta mais destacado do mapa da estreia 
da peça: na verdade, Peter Pan não é uma história para crianças, mas uma sofisticada e deliciosa 
história sobre o mundo infantil contada a partir de uma perspectiva adulta. Pouco tempo depois 
da estreia da peça, Sir Barrie colocou-a em livro, em forma de romance. O texto é pleno de 
referências sobre os mecanismos da imaginação e da fantasia – e de como são progressivamente 
embotados frente às exigências da realidade objetiva. 
Não sei se você já viu alguma vez o mapa da mente de alguém. Os médicos 
às vezes desenham mapas de outras partes de você (...) mas observe-os 
Astroletiva – O uso da mitologia na consulta astrológica – Peter Pan – Fernando Fernandse – 4 
 
tentando desenhar o mapa da mente de uma criança, que não apenas é 
confusa, mas onde nada permanece no lugar. Há ziguezagues (...) e 
provavelmente estradas numa ilha, porque a Terra do Nunca sempre é uma 
espécie de ilha, com surpreendentes variações de cores aqui e ali, e recifes de 
coral (...), e gnomos que geralmente são alfaiates, e cavernas por onde correm 
rios, e príncipescom seis irmãos mais velhos (...) e uma velhinha muito 
pequena com um grande nariz adunco. 
E completa o autor, com um toque de desencanto: 
Seria um mapa simples se isso fosse tudo, mas há o primeiro dia de aula, a 
religião, os pais, (...) assassinos, enforcamentos, verbos de conjugação 
complicada (...) 
O que Barrie descreve é a progressiva perda da inocência, a destruição do Jardim do Éden da 
imaginação infantil, que se inicia no primeiro dia de aula e atinge o clímax na descoberta das 
verdades da vida: o crime, a religião (a moral e o pecado), o rigor da sociedade na punição dos 
comportamentos desviantes. A Terra do Nunca surge, assim, como um paraíso perdido, um 
paraíso que nunca existiu no mundo real, mas apenas na geografia interior de cada mente: 
É claro que as Terras do Nunca variam um bocado. A de John, por exemplo, 
tinha uma lagoa sobre a qual voavam flamingos que John podia caçar, 
enquanto a de Michael, que era menorzinho, tinha um flamingo com lagoas 
voando em cima dele. 
As referências cultas estão presentes o tempo todo. O nome completo da menina Wendy, por 
exemplo, é Wendy Moira Angela Darling. As Moiras, na mitologia grega, eram três fiandeiras 
que personificavam o destino de cada indivíduo: uma fiava, outra enrolava e a terceira cortava 
o fio, marcando o momento da morte. Darling é querida, e Angela é anjo. Portanto, o 
sobrenome da menina é um jogo de palavras que poderia ser livremente traduzido por algo 
como “querido anjo do destino”, como a dizer que Wendy é um símbolo de todas as crianças 
que, depois de experimentar a fantasia e a irresponsabilidade da fase lunar, são inexoravelmente 
expulsas do paraíso e condenadas a amadurecer (Saturno). Neste sentido, a história de Peter 
Pan é a versão britânica e vitoriana do mito de Adão e Eva. 
 
Sir Barrie e o fardo saturnino 
 
Uma olhada no mapa de Barrie confirma estas suposições. Seu Ascendente é Câncer, signo da 
vinculação ao passado e do alimento emocional, da imaginação fecunda e da identificação com 
os conteúdos da infância. Um Ascendente em ressonância, aliás, com o mapa de Walt Disney, 
que transportaria Peter Pan para o cinema cinquenta anos depois.1 
A Lua, regente de Câncer, está na casa 7, exilada em Capricórnio, formando oposição com 
Vênus na 12, bem junto ao eixo Ascendente-Descendente. Barrie tem o Sol em Touro, a apenas 
três graus da cúspide da casa 12, e em quadratura quase exata com Saturno na 3. Portanto, o 
autor de Peter Pan apresenta tanto o Sol como a Lua sob o efeito restritivo de Saturno, o que 
reitera o tom capricorniano do mapa da estreia da peça. 
Uma possibilidade bastante forte é de que Barrie tenha sido obrigado a assumir precocemente 
o papel de um pequeno adulto, suprimindo, assim, muito da espontaneidade e leveza do 
comportamento infantil. Quando Barrie contava seis anos de idade, seu irmão mais velho, que 
era o favorito da mãe, faleceu repentinamente. O jovem Barrie sentiu-se na obrigação de 
 
1 Disney tinha o Ascendente no final de Virgem e a Lua, regente de Câncer, no início de Libra, na casa 1. 
Astroletiva – O uso da mitologia na consulta astrológica – Peter Pan – Fernando Fernandse – 5 
 
proteger e consolar a mãe (um típico papel canceriano), atribuindo a este fato, mais tarde, o 
início de sua vocação literária. Veja-se que a casa 3, que tanto significa os irmãos quanto a 
escrita, tem como ocupante Saturno em exílio em quadratura com o Sol, regente da 3 e da 4 
(bases familiares) na 12. Tal aspecto pode indicar perdas, restrições, supressão, identificação 
com um papel responsável e amadurecimento antes do tempo. A Lua exilada e oposta a Vênus 
pode apontar também para carência de nutrição afetiva e dificuldades no relacionamento com 
a mãe e outras mulheres. 
 
James Matthews Barrie – 9.5.1860, 6h30 LMT - Kirriemuir, Escócia. 
 
A secretária de Barrie, Lady Cynthia Asquith, escreveu sobre ele uma biografia que o descreve 
como um homem cordial, bem relacionado (um de seus melhores amigos foi Conan Doyle, 
criador de Sherlock Holmes), uma brilhante celebridade com traços maníaco-depressivos. Sua 
extensa obra de romancista e dramaturgo revela humor sofisticado e uma forte veia satírica. 
Quem viu o filme Em algum lugar do passado deve lembrar-se que o personagem vivido por 
Christopher Reeve viaja no tempo para encontrar uma atriz do início do século XX, por quem 
Astroletiva – O uso da mitologia na consulta astrológica – Peter Pan – Fernando Fernandse – 6 
 
se apaixona. E quem é o autor da peça em que ela trabalha? Exatamente Sir James Matthew 
Barrie. 
Sol-Saturno vinculados à casa 3, da produção literária, mostram Barrie como um autor 
cuidadoso, preciso, bem informado, que realmente leva a sério seu ofício. É alguém que se sente 
na obrigação de provar que é competente naquilo que faz. Peter Pan não é uma obra espontânea 
e descuidada, mas sim uma construção intelectual em que o brilho solar é obtido através do 
duro trabalho de lapidação de Saturno. Este planeta também faz trígono a Mercúrio em Áries, 
mostrando um escritor que não desperdiça palavras, utilizando-as com comedida 
intencionalidade. 
A maior parte da obra de Barrie tem como cenário sua própria cidade natal, numa permanente 
e nostálgica revisitação dos anos de infância. A propalada pedofilia do autor parece-nos um 
tanto forçada, se bem que a hipótese não seja de todo descartável. O que ocorre é uma erotização 
do mundo infantil, talvez porque Barrie identificasse na criança uma possibilidade do livre fluir 
de sentimentos e desejos cuja expressão adulta estaria refreada pela culpa e pela repressão. 
Enfim: o autor de Peter Pan seria um reprimido que transferia para os personagens as vivências 
que a si mesmo proibia. 
O toque adolescente do mapa de Barrie é Júpiter na casa 1, em Câncer, oposto a Marte e em 
sextil com o Sol. Temos aí o gosto pela aventura, a jovialidade, o entusiasmo pela ação, num 
aspecto, aliás, reiterado no mapa da estreia de Peter Pan, onde a oposição Júpiter-Marte aparece 
no eixo Áries-Libra, em quadratura com a oposição do mapa de Barrie. Eis aí a descarga de 
adrenalina que permeia toda a história do menino turbulento e suas peripécias com piratas, 
índios e sereias. 
Outra ativação a considerar é a da conjunção Sol-Urano da estreia de Peter Pan sobre o eixo 
Ascendente-Descendente e a oposição Vênus-Lua do autor. Reúnem-se aí os significados de 
imaginação, prazer, pregação libertária e aguda consciência dos limites sociais. 
De 1904 em diante, Peter Pan não parou de fazer sucesso em livro e em diversas remontagens 
teatrais, incluindo um grande musical na Broadway. Os direitos autorais da peça mantêm até 
hoje um hospital para crianças doentes, em Londres. Mas nada contribuiu tanto para a 
permanência do personagem quanto o desenho animado dos estúdios Disney, em 1953. 
 
O pirata perseguido pelo tempo 
 
O desenho animado de Disney em parte reitera e em parte reinterpreta as diretrizes básicas da 
obra de Barrie. A história perde muito de seu caráter de confronto entre as cosmovisões adulta 
e infantil para tornar-se fundamentalmente uma aventura de ação. Um sintoma disso é a 
inexistência de qualquer planeta em Capricórnio e a presença de Saturno em conjunção com 
Netuno em Libra, como a indicar a tentativa de conciliar as tensões presentes nas cartas 
anteriores. Os elementos de fantasia continuam em destaque e fluem agora sem qualquer 
obstáculo (Netuno em trígono com Mercúrio e Sol). Ao contrário da peça, que foi escrita de um 
ponto de vista adulto, o filme é decididamente infanto-juvenil. 
Peter Pan está bem representado pela conjunção Sol-Mercúrio em Aquário, signo do libertário 
Urano, com quem o Sol faz um fechado quincúncio. A quadratura do Sol com Júpiter em Touro 
fala de entusiasmo e diversão: é um desenho animado alegre, extrovertido e cheio de 
movimento. 
Astroletiva – O uso da mitologia na consulta astrológica – Peter Pan – FernandoFernandse – 7 
 
Se Peter Pan é Sol em Aquário, o único planeta que lhe faz oposição – Plutão em Leão – está 
aqui para representar seu maior rival, o Capitão Gancho. Tentemos entender melhor este 
personagem. 
O Capitão Gancho tem tripla conotação lunar: em primeiro lugar, por tratar-se de um lobo do 
mar, domínio tradicional da Lua e de Netuno; e ainda pela dupla repetição da forma do quarto 
crescente magro (ou do quarto minguante) em sua aparência física, seja no formato do rosto, 
seja no gancho que ostenta em um dos braços. 
O Capitão Gancho foi o primeiro personagem retratado pelos estúdios Disney como um 
portador de deficiências físicas. Na verdade, é um mutilado, tanto pela perda da mão, substituída 
por um gancho de metal, como pelo olho vazado e permanentemente coberto por um pano preto. 
A Lua em queda no sombrio signo de Escorpião está de acordo com algumas características 
deste pirata que, apesar de mutilado, é ardiloso e perspicaz o suficiente para criar toda sorte de 
problemas ao menino que não queria crescer. 
Mas o Capitão Gancho não se conforma facilmente aos padrões do elemento Água. À sua moda, 
é um amante da liberdade. É também um predador, como são todos os piratas. Violento, traz 
uma arma – o gancho metálico – agregada ao nome e ao próprio corpo. Lidera com despotismo 
sua pequena comunidade de piratas e é um dos personagens mais vaidosos da galeria Disney. 
Apesar das mutilações, não se pode dizer que faça má figura, com os longos cabelos negros 
sempre bem penteados, o bigode aparado e a roupa de capitão caindo-lhe impecavelmente pelo 
corpo atlético. A despeito da opção pela pirataria, não deixa de ter um quê de aristocrata e de 
galanteador. É um exibicionista, que faz excelente imagem de si próprio e apruma-se no 
tombadilho do veleiro como se estivesse no palco, sob a luz dos refletores. 
Por tudo isso, Capitão Gancho é um leonino. Não lhe falta sequer a cabeleira em forma de juba, 
o andar altivo e fanfarrão e o perfil de felino, com as abas da casaca a sugerir a cauda do animal. 
Mas é um leonino que brilha como um sol a se pôr no horizonte líquido do oceano, a indicar a 
combinação entre Leão e os signos do elemento Água. 
Capitão Gancho é uma versão para crianças do gângster despótico e ciumento de seu poder 
(Plutão em Leão). Mantém com Peter Pan uma surda disputa pelo controle da Terra do Nunca 
(oposição Sol-Plutão), onde os fins justificam os meios: Gancho ameaça, sequestra e manipula, 
reunindo simultaneamente traços do leão predador e do escorpião traiçoeiro. 
No fundo, porém, Peter Pan e Capitão Gancho são facetas diferentes do mesmo processo, já 
que, em ambos, a problemática do tempo assume dimensão dominante. No menino Peter, temos 
a ilusão feliz da possibilidade de deter o tempo; em Gancho, o que vemos é o efeito devastador 
da passagem dos anos criando um personagem patético, o adulto que brinca de pirata e cuja 
bela cabeleira negra não passa de uma peruca a esconder a calvície. O grande terror de Gancho 
é o crocodilo que deseja devorá-lo e cuja aproximação é marcada pelo tique-taque do relógio 
que o réptil engolira algum tempo antes. Relógios?... Outra vez Saturno, o marcador inexorável 
do fluxo cronológico. A imagem é clara: o crocodilo está ali para lembrar a Gancho sua 
condição de adulto, para estragar a brincadeira pueril e chamá-lo à realidade. Literalmente, ele 
devora a fantasia, e Gancho, que já perdeu um braço (comido pelo crocodilo), um olho e os 
cabelos, apresenta no corpo as evidências do colapso físico. 
A presença na Terra do Nunca de um pirata decrépito e de um crocodilo-despertador deixa 
evidente a fragilidade do sonho lunar-netuniano. Recusar um papel no mundo adulto é possível, 
mas não para sempre, já que o chamado do crescimento é inexorável e irrecusável. O destino 
de todos é amadurecer, razão pela qual a menina Wendy, que também é Moira, acaba voltando 
para casa, como já acontecera com sua mãe e, muitos anos depois, aconteceria também com sua 
filha. 
Astroletiva – O uso da mitologia na consulta astrológica – Peter Pan – Fernando Fernandse – 8 
 
A “família” de Peter Pan é a comunidade dos meninos abandonados que ele leva para a Terra 
do Nunca e de cuja segurança se encarrega, assumindo o título de “capitão”. Essa ideia de 
comunidade ideal faz pensar em Aquário e na casa 11. Peter Pan é um rebelde, um 
inconformado, um insatisfeito com as condições sociais que vê em volta de si. Antecipa em 
algumas décadas o comportamento do movimento hippie, a celebração dos valores da juventude 
em contraposição à violência e à esterilidade do mundo adulto. Não é difícil imaginar Peter Pan 
puxando o coro de uma canção de protesto em Woodstock e convidando os jovens a rasgar seus 
documentos de alistamento militar, enquanto a plateia vai ao delírio envolta numa nuvem de pó 
de pirlimpimpim. A retórica de Peter Pan tem algo a ver com as letras das canções de Bob 
Dylan. 
 
 
Estreia do desenho Peter Pan – 5.2.1953, carta solar calculada para Los Angeles. 
 
No desenho de Disney, os recursos com que Peter enfrenta os riscos – especialmente a eterna 
perseguição movida pelo Capitão Gancho – são todos oriundos dos signos de Ar: é a palavra 
Astroletiva – O uso da mitologia na consulta astrológica – Peter Pan – Fernando Fernandse – 9 
 
(Peter é fértil em ideias e bom de papo), é a incrível agilidade, a leveza, a facilidade de 
movimentos, a capacidade estratégica. O corpo magro, esguio, faz pensar em Gêmeos. A 
inventividade e a intransigência com que se apega aos valores de seu projeto pessoal apontam 
para Aquário. Poderíamos pensar em Libra, mas Peter Pan não é dado a compromissos: sente-
se melhor lidando com o coletivo do que enfrentando o desafio da relação num nível mais 
pessoal. É um articulador de grupos e um perturbador da ordem, se bem que este 
comportamento não implique qualquer intenção destrutiva. Contudo, Peter Pan não 
compreende com clareza as consequências dos desenraizamentos afetivos que estimula. Para 
ele, soa um tanto estranha a saudade que a menina Wendy tem de casa, assim como a 
preocupação dela com os pais. Peter Pan funciona num nível mental, longe da sutileza dos 
afetos. 
No desenho dos estúdios Disney, o conflito Peter Pan versus Capitão Gancho expressa bem a 
tensão entre o ego leonino em sua forma menos desenvolvida – inflado, autocrático e despótico 
– e o impulso libertário-coletivista de Aquário. Contudo, na obra original de Barrie tanto Peter 
Pan quanto Capitão Gancho são manifestações do mesmo comportamento, o da recusa 
intransigente da passagem do tempo. Ambos simbolizam a tentativa lunar e netuniana de fugir 
para um mundo idealizado e driblar Saturno. Para Peter Pan, o Puer Aeternus em estado puro, 
acreditar na fantasia ainda é possível. Já para Gancho não há saída: ele é apenas o Puer Aeternus 
envelhecido, que vive a fantasia como desespero e fuga 
 
A geração-saúde e os roqueiros jurássicos 
 
Artistas e escritores são considerados as antenas da sociedade. São eles que captam primeiro 
algumas questões cruciais, transformando-as em matéria-prima para a imaginação criadora. As 
modernas obras de ficção, sejam histórias em quadrinhos, filmes ou novelas de TV, cumprem a 
mesma função dos antigos mitos, expressando, em forma simbólica, alguns conteúdos que 
permeiam o imaginário de toda a comunidade. Mesmo em personagens criados sob medida para 
o sucesso de bilheteria, às vezes a dimensão “mítica” impõe-se acima das contingências do 
marketing, e a criação ganha uma perenidade jamais sonhada por seus autores. É o caso de 
Super-Homem, de Pinóquio, de Sherlock Holmes e também de Peter Pan. 
Por que o menino que não queria crescer e sua Terra do Nunca transformaram-se em ícones 
instantâneos para todas as gerações de crianças do século XX? Porque expressam um drama 
comum a todas as sociedades modernas: o peso cada vez maior colocado nos ombros de crianças 
e adolescentes,submetidos desde muito cedo a um processo de socialização que objetiva 
transformá-los não em seres humanos integrais, mas em elos da cadeia produtiva, onde deverão 
participar simultaneamente como profissionais qualificados (daí as exigências cada vez maiores 
do sistema educacional) e como consumidores cujo impulso aquisitivo irá alimentar mais 
aumentos de produção. Neste sentido, é sintomático que Peter Pan tenha sido lançado 
exatamente em Londres, a capital do mundo industrial e civilizado do início do século. 
Na esteira desses processos de inserção social, recai sobre a criança a enorme responsabilidade 
de transformar-se num adulto bem sucedido. Preparada para “vencer na vida”, ela é treinada 
desde cedo para competir por boas notas com colegas de escola, para fazer boa figura junto aos 
amigos da família e para bater recordes em competições esportivas (pensemos, por exemplo, 
na rotina massacrante das meninas que se dedicam à ginástica olímpica). Algumas se rebelam. 
Peter Pan expressa uma das formas que pode assumir esta rebeldia, que é o escape para um 
mundo paralelo onde a realidade cronológica é recusada. 
Astroletiva – O uso da mitologia na consulta astrológica – Peter Pan – Fernando Fernandse – 10 
 
No mapas de Barrie e da estreia de Peter Pan em 1904, o tema dominante é a sujeição do 
indivíduo às duras exigências da vida em sociedade. Crescer significa internalizar valores 
restritivos e sufocar o desejo. É uma construção ficcional que reflete criticamente a Inglaterra 
moralista e repressiva das décadas em que a rainha Vitória esteve no poder. Astrologicamente, 
corresponde ao conflito simbolizado por Saturno e Capricórnio em contraponto aos significados 
de Netuno, Lua e Câncer. Na obra de Disney, tal sentido se perde em parte, fazendo com que o 
significado universal de Peter Pan como representação da inteireza primordial de todo ser 
humano ceda lugar a mais uma aventura de ação onde o Bem (Peter Pan, o Sol) enfrenta e vence 
o Mal (Capitão Gancho, Plutão, o “mafioso”). É um desenho animado para crianças americanas, 
que valoriza os predicados do elemento Ar, em concordância com as cararacterísticas dessa 
sociedade obcecada com a racionalidade e a tecnologia. 
O que há de comum em todas as cartas é a ênfase jupiteriana: em Barrie e no mapa de 1904, 
Júpiter opõe-se a Marte; na carta de 1953, Júpiter faz quadratura com o Sol e Marte está em 
Peixes, signo jupiteriano. O outro destaque é para Urano, conjunto ao Sol no mapa da peça e 
dispositor do Sol na estreia do filme. Júpiter e Urano são planetas expansivos e mais voltados 
para as novas experiências do que para o passado. O desenho de Disney antecipa em poucos 
anos a explosão da cultura adolescente nos Estados Unidos, primeiro com o rock visceral do 
final dos anos cinquenta, depois com os movimentos hippie e pacifista, as canções de protesto 
e os grandes festivais dos anos sessenta, como Woodstock. A fixação no “forever young” 
atravessou os últimos quarenta anos e é visível ainda hoje no delírio dos concertos de rock em 
que respeitáveis executivos saracoteiam ao som de bandas “jurássicas” como os Roling Stones. 
Neste sentido, Mick Jagger e outros monstros sagrados são versões atualizadas do Capitão 
Gancho, o adulto que jamais desistiu de brincar de pirata.

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