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FUNDAMENTOS HISTÓRICO E TEÓRICO METODOLÓGICOS DO SERVIÇO SOCIAL Andréia Saraiva Lima Influência das correntes filosóficas e sociológicas no Serviço Social: estrutural-funcionalismo e fenomenologia Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever o contexto no qual houve a influência das correntes filo- sóficas e sociológicas no Serviço Social. Identificar os principais autores e pensadores das correntes estru- tural-funcionalista, fenomenológica e marxista, bem como suas principais teorias. Analisar o posicionamento fenomenológico no Serviço Social. As correntes filosóficas e sociológicas no Serviço Social e suas influências na categoria profissional Ao pensarmos nas correntes fi losófi cas e sociológicas que iluminaram o Ser- viço Social em sua atuação profi ssional ao longo de sua existência, temos que voltar aos contextos históricos nos quais essas correntes teóricas embasaram a profi ssão, já que eles infl uenciaram, também, o pensamento da sociedade de sua época. Além disso, conhecer o pensamento e a teoria dos principais autores de cada corrente teórica é essencial para este estudo. Para iniciarmos essa caminhada sobre tais influências para o Serviço Social, devemos questionar, inicialmente: em que época surge a perspectiva estrutural funcionalista no Serviço Social? O que estava acontecendo no país naquele momento? C08_FundamentosIII_Influencia_correntes_filosoficas.indd 1 12/04/2018 17:10:09 Primeiramente, precisamos ter claro que o Serviço Social, tal qual o conhecemos hoje, não surgiu do nada. Inicialmente, o Serviço Social estava servindo aos interesses da Igreja Católica e, posteriormente, também ao governo vigente na época. Estamos falando dos anos 1930, pois foi em 1932 que começaram a ser esboçados os contornos da profissão de forma mais organizada e, mais especificamente, em 1932 que se formou um grupo de estudos sobre o tema: o Centro de Estudos e Ação Social, com o objetivo de se colocar como “[...] instrumento a serviço do apostolado social e como meio de ação efetiva na busca de realização da democracia cristã” (BATTINI; SILVA, 2008, p. 112). As primeiras Escolas de Serviço Social (1936 e 1937) visavam atender às estratégias populistas e desenvolvimentistas do governo de Getúlio Vargas. Um fato importante a ser observado é que a primeira escola de Serviço Social, fundada (1936) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, oferecia o Curso Intensivo de Formação Social para Moças. Nesse momento, tomismo e o neotomismo se destacam como fundamentos filosóficos no Serviço Social, baseados no pensamento de São Tomás de Aquino. Dessa forma, faziam parte da doutrina social da Igreja Católica, apresentando princípios conservadores, moralistas, religiosos e humanistas. A principal preocupação deste postulado filosófico baseado no pensamento de São Tomás de Aquino era: noção de dignidade da pessoa humana; sua perfectibilidade; sua capacidade de desenvolver suas potencialidades; a natural sociabilidade do homem ser social e político; a compreensão da sociedade como união dos homens para realizar o bem comum (LIMA; COSTA, 2016, p. 4). Chama a atenção que o Curso Intensivo de Formação, com tais princípios, tenha surgido no mesmo ano em que o Brasil entrou em um processo de industrialização e urbanização – período em que a desigualdade social foi aprofundada pela exploração da classe trabalhadora. Paralelamente, o Governo Vargas, nos anos 1930, adotou uma estratégia na qual atendia, por um lado, às necessidades dos trabalhadores e, por outro, os interesses dos detentores do capital. Para consegui-lo, “concedia” direitos trabalhistas como forma de controlar as greves e os movimentos da classe trabalhadora – dessa forma, também amenizava os prejuízos dos empregadores. Com a ampliação da intervenção estatal nas expressões da questão social da época, foram adotadas medidas populistas, assistencialistas e clientelistas. Nesse sentido, a profissão foi de extrema valia. Mas não nos enganemos, o 3Influência das correntes filosóficas e sociológicas no Serviço Social...Influência das correntes filosóficas e sociológicas no Serviço Social...2 C08_FundamentosIII_Influencia_correntes_filosoficas.indd 2 12/04/2018 17:10:09 Estado ainda não se responsabilizava pela Questão Social, deixando-a mas- sivamente a cargo da Igreja Católica. O Serviço Social, já existindo na França e nos Estados Unidos da América (EUA), por exemplo, com outros nomes ainda, já tinha uma linha teórica e metodológica de atuação, que acabou sendo importada para o Brasil – nos EUA, seu caráter era funcionalista e positivista. Nessa perspectiva, entendia-se que os sujeitos da ação profissional precisavam ser ajustados à sociedade, e não o contrário. Na lógica, portanto, da caridade, do assistencialismo e do clientelismo, o Serviço Social assume a matriz funcionalista, apoiada no positivismo. Essa corrente teórica tem como um de seus principais autores o francês Émile Durkheim (1858 a 1917), que foi fundador da Sociologia enquanto disciplina acadêmica. Em 1895, Durkheim publicou a obra “Regras do Método Sociológico”, na qual argumentou contra o senso comum e em favor da ciência como forma de descobrir e desconcertar as opiniões formadas. Entretanto, a forma que o autor propõe para chegar à descoberta se constitui por um “[...] conjunto de regras intelectivas que constituem o seu método com forte inspiração na tradição empirista de Bacon e no positivismo de Comte” (BOSCHETTI; BEHRING, 2006, p. 27). A perspectiva funcionalista de Durkheim reflete seu tempo histórico; para ele, a sociedade é formada por partes que têm funções específicas, tal como um organismo social. Quando uma parte falha, o sistema fica defasado de modo que o mau funcionamento de alguma instituição que compõe a sociedade poderia causar a sua degeneração. Para abordar esse problema, o autor entendia ser necessária a realização do estudo dos acontecimentos por meio dos fatos sociais. Fatos sociais são compreendidos com base em três principais características: a coerção, a exteriorização e a generalidade. A característica da exteriorização define o fato social como independente do indivíduo, estando além de suas escolhas. Trata-se de costumes e leis que existem anteriormente à existência do indivíduo, sendo impostos a ele. Nesse sentido, o pesquisador deve se colocar diante do seu objeto em uma posição de exterioridade, da mesma forma que os físicos, os biólogos e os químicos, deixando suspensas todas as pré-noções. Assim, os fatos sociais apresentam natureza exterior e coletiva, ou seja, sua sede é na sociedade, e não nos indivíduos (BOSCHETTI; BEHRING, 2006). O estudo da sociedade não pode ser pautado em ações individuais, mesmo que as ações sejam de consequências sociais. O fato social é ex- 3Influência das correntes filosóficas e sociológicas no Serviço Social...Influência das correntes filosóficas e sociológicas no Serviço Social...2 C08_FundamentosIII_Influencia_correntes_filosoficas.indd 3 12/04/2018 17:10:09 terno ao indivíduo e só pode ser entendido quando relacionado com outro fato social. Para Durkheim (1972) “[...] o fato social deve ser estudado desprendido de toda a contaminação a fim de observá-lo em estado de pureza”. Cabe à pesquisa social estudar a gênese e o funcionamento das instituições sociais, apropriando-se da sua realidade objetiva a partir da observação, da descrição, da comparação, fugindo a um movimento que vai das ideias para as coisas – em que o fato aparece apenas para legitimar uma hipótese, pré-noções ideológicas que, segundo o autor, desfiguram o verdadeiro aspecto das coisas. “Os fatos podem ser reconhecidos por possuírem a particularidade de exercer a influ- ência coercitiva sobre as consciências individuais e por sua rigidez quanto a processos de transformação” (BOSCHETTI; BEHRING, 2006, p. 27). A característica coercitivaestabelece que os fatos sociais exercem, portanto, força sobre o indivíduo, impondo regras criadas pela sociedade. Uma vez que o indivíduo se opõe às regras, sofre sansões morais ou legais: “[...] quando a natureza coercitiva dos fatos sociais deixa de ser sentida, o fato tornou-se um hábito” (BOSCHETTI; BEHRING, 2006, p. 27). A generalidade se refere à abrangência de todo um grupo social, como marginalidade, costumes, desigualdade, moral, linguagem. É na própria na- tureza da sociedade que se deve buscar as explicações da vida social, partindo do suposto de que, na sociedade, o todo não é igual à soma das partes, mas constitui um sistema com características próprias, cujo movimento ultrapassa os estados de consciência dos indivíduos e se explica em função das condições do “corpo social” no seu conjunto. Não são os indivíduos, mas os fatos sociais, que influenciam o comportamento individual. Durkheim aponta para uma distinção entre fenômenos/fatos sociais nor- mais e patológicos: os que são como deveriam ser e os que deveriam ser diferentes. Assim, apresenta-se uma importante contradição, pois existe aí embutida uma pré-noção. Além disso, se não há pré-noção e o pesquisador deve resolver o problema pesquisado com objetividade, sem julgamentos, como é realizada a distinção proposta? (BOSCHETTI; BEHRING, 2006). Além disto, Durkheim utilizou critérios da biologia para classificar as espé- cies e definir o que é “normal”, no caso aquele indivíduo que segue as regras generalizadas, e “mórbido” ou “patológico” sendo aqueles sujeitos que são exceção à regra; desvios acarretam desequilíbrios e indivíduos disfuncionais devem ser “retirados do sistema”. 5Influência das correntes filosóficas e sociológicas no Serviço Social...Influência das correntes filosóficas e sociológicas no Serviço Social...4 C08_FundamentosIII_Influencia_correntes_filosoficas.indd 4 12/04/2018 17:10:09 Positivismo Estruturado por Augusto Comte, “O positivismo é a corrente de pensamento que entende que o conhecimento verdadeiro só é possível por meio da observação e da aferição empírica do mundo. A construção do conhecimento positivo só seria possível, então, por meio da observação dos fenômenos em seu contexto físico, palpável, ao alcance dos nossos sentidos e submetidos à experiência. Este seria o papel da ciência, a compreensão dos fenômenos passíveis de observação sensorial direta, com o intuito de entender, por meio da experiência, as relações entre esses fenômenos, de forma a abstrair as leis que regem as interações para que, assim, seja possível predizer como os acontecimentos envolvidos em determinado fenômeno se darão. A ciência e o método científico são a síntese das ideias positivistas” (RODRIGUES, 2018, documento on-line). O posicionamento estrutural-funcionalista no Serviço Social O estrutural-funcionalismo se consolidou enquanto corrente teórica da An- tropologia e da Sociologia, no início do século XX, durante o período da II Guerra Mundial e da Guerra do Vietnã. Da mesma forma que o funcionalismo, compreende a sociedade particionada em áreas e funções específi cas, que devem funcionar em seu conjunto para gerar o equilíbrio social. Essa teoria, cujo principal autor foi Alfred R. Radcliffe-Brown, foi for- mulada devido à discordância ao evolucionismo e seus modelos teóricos e analíticos. Segundo Oliveira, Santana e Alves (2014), o estrutural-funcionalismo se difere do funcionalismo em relação à sua abordagem teórica e ao seu modo de compreender as sociedades. O estrutural-funcionalismo apresenta um modelo teórico e analítico a partir da análise da estrutura social, compreendendo: [...] a estrutura como sendo as relações sociais estabelecidas na sociedade, onde cada unidade funcional serve como uma espécie de sustentáculo social: a sociedade concebida como um todo orgânico no qual as partes se interligam para manutenção do sistema e da estrutura, esta se relacionando diretamente com aquela (OLIVEIRA; SANTANA; ALVES, 2014, p. 236). Portanto, o estrutural-funcionalismo abarca as partes de forma interligada, com o objetivo de manter estrutura e sistema. Contudo, apesar dessa diferença, 5Influência das correntes filosóficas e sociológicas no Serviço Social...Influência das correntes filosóficas e sociológicas no Serviço Social...4 C08_FundamentosIII_Influencia_correntes_filosoficas.indd 5 12/04/2018 17:10:09 mantém a concepção orgânica de sociedade, valoriza a pesquisa de campo empirista e, da mesma forma que o funcionalismo, considera os conceitos da adaptação, da integração e da organização social. Diante disso, podemos atestar que o estrutural-funcionalismo e o funciona- lismo estudam a organização social interna de cada sociedade, e explicam a realidade social das sociedades como esse todo orgânico onde as partes do sistema social se interligam para sustentar e garantir a sobrevivência ou continuidade do sistema (OLIVEIRA; SANTANA; ALVES, 2014, p. 238). O posicionamento fenomenológico no Serviço Social No que se refere à fenomenologia, destaca-se o pensador alemão Edmund Husserl, cujos principais conceitos e princípios exercem, ainda, grande in- fl uência no meio acadêmico. A vertente fenomenológica surge no Serviço Social como uma importante parte da história da profissão em um momento em que se instalava uma crise global e a profissão se via fragilizada. No momento do Movimento de Ruptura com o Serviço Social tradicional, a fenomenologia foi proposta como uma corrente teórico-metodológica que embasaria a construção do arcabouço teórico da profissão. Para contextualizar o aparecimento da vertente fenomenológica no Ser- viço Social, é necessário entender o que estava acontecendo com a categoria profissional, que se encontrava em um período histórico, em 1965, com a realização do I Seminário Regional Latino-Americano de Serviço Social, e que foi até 1985, produzindo profundas transformações na sociedade brasileira e, consequentemente, no Serviço Social, pois não há descolamentos. O Movimento de Reconceituação surge com a intenção de ruptura com o Serviço Social tradicional. O país estava em plena ditadura militar, que tinha força máxima após o golpe de 1964. O Serviço Social, com movimentos sociais e sindicais, além das forças conjuntas com as universidades e os movimentos estudantis, promoveu e participou de importantes eventos e mobilizações pela redemocratização e, também, pela ruptura da profissão com o conservadorismo. Os seminários e debates da categoria profissional tiveram como produto os documentos de Araxá, em 1967, de Teresópolis, em 1970, e Sumaré, no ano de 1980. Em cada um deles se vivia um momento histórico diferente, com suas particularidades. Em alguns desses momentos, a ditadura militar amorteceu 7Influência das correntes filosóficas e sociológicas no Serviço Social...Influência das correntes filosóficas e sociológicas no Serviço Social...6 C08_FundamentosIII_Influencia_correntes_filosoficas.indd 6 12/04/2018 17:10:09 as transformações sociais e profissionais e, em outros, foi possível a realização dos debates necessários à reconceituação. Com a efetivação do Movimento de Reconceituação, foi alcançada a articulação de uma nova concepção da unidade latino-americana; a expli- cação da dimensão política da ação profissional; a interlocução crítica com as ciências sociais; e a inauguração do pluralismo profissional (PAULO NETTO, 2005). Houve três vertentes principais que perpassaram o Movimento de Re- conceituação: a modernizadora, a fenomenológica e a marxista. Essas correntes teóricas foram identificadas em 1970 e apresentavam caracte- rísticas bem distintas. Após o Golpe de 1964, houve grande repressão, especialmente a partir do Ato Ins- titucional Nº 5, no ano de 1968, dificultando o avanço dos debates do Movimento de Reconceituação. Os Atos Institucionais foram instrumentos legislativos criados pelos militares com o objetivo de legalizar as suas ações políticas mesmo que fossemcontrárias à Constituição. Foram decretados, de 1964 a 1978, 16 Atos Institucionais e complementares que desfiguraram Constituição de 1946 de 1964 a 1978. Para você ter uma ideia, o AI-1, de abril de 1964, transferia o poder político e administrativo do país aos militares e suspendia, por dez anos, os direitos civis e políticos dos brasileiros. Mesmo assim, no bojo do Movimento, ocorre o rompimento da neutralidade, o rompimento com o Serviço Social positivista, neotomista e funcionalista. Além disso, pretendia-se efetivar a revisão ética, teórica, metodológica, prática e política do Serviço Social, com o comprometimento de um novo projeto profissional e político. A primeira vertente, a conservação modernizadora, tinha matriz positivista, características tecnicistas, funcionalistas, estruturalistas e sistêmicas – essa vertente é sintetizada nos documentos de Araxá e Teresópolis. A segunda vertente, a fenomenologia, surge para o Serviço Social como uma metodologia dialógica, desenvolvimentista e reformista. Por fim, a vertente de renovação da profissão ou marxista compreende a sociedade de classes. Edmond Husserl (1853 -1938) foi um importante matemático e filósofo alemão do século XIX. Não foi o único autor que utilizou a fenomenologia, mas produziu conhecimento de forma diferente dos demais autores dessa corrente teórica. Husserl escreveu sua teoria de forma rigorosa e radical ao pensar como as coisas no mudo se apresentam na mente humana, exercendo 7Influência das correntes filosóficas e sociológicas no Serviço Social...Influência das correntes filosóficas e sociológicas no Serviço Social...6 C08_FundamentosIII_Influencia_correntes_filosoficas.indd 7 12/04/2018 17:10:10 grande influência no meio acadêmico. Por isso, a sua fenomenologia foi uma das principais correntes teóricas do século XX. Fenomenologia vem da palavra fenômeno, que significa aquilo que mostra pelos sentidos, e da palavra logia, que significa explicação, estudo ou reflexão. Portanto, a fenomenologia é um conjunto de fenômenos que se manifestam por meio do tempo ou do espaço; é também compreendida como um movimento filosófico e método que estuda a essência das coisas e a forma como elas são percebidas no mundo. Husserl criticava a psicologia experimental, pois não aceitava o empirismo; afirmava que a empiria não produzia o rigor necessário à sua pesquisa filosó- fica. A proposta de Husserl era a análise compreensiva da consciência, pois defendia a ideia de que todas as vivências se dão pela mente. É daí que nasce a frase ligada ao conceito de intencionalidade: “Toda consciência é consciência de algo”. A partir disso, foi desenvolvido por Husserl o Método de Redução Fenomenológica, cujo objetivo era o de “vasculhar” o fenômeno da mente. Dessa forma, utiliza-se da expressão grega Epoché para designar a redução fenomenológica, colocando entre parênteses ou suspendendo o fenômeno para a sua compreensão (MEDEIROS, 2018). É a suspensão momentânea da atitude natural com a qual nos relacionamos com as coisas no mundo, deixando de lado os preconceitos, teorias e definições utilizadas para dar sentido às coisas. Assim, os objetos da fenomenologia são dados absolutos entendidos por intuição pura, com o propósito de descobrir as estruturas essenciais dos atos chamados de noesis (aspecto subjetivo da vivência – perceber, lembrar, ima- ginar) e as entidades objetivas que correspondem a essas estruturas, chamado de noema (aspecto objetivo da vivência) (MEDEIROS, 2018). Portanto, para o Serviço Social, trata-se de uma corrente de pensamento a-histórica, pois não se interessa em colocar a historicidade dos fenômenos; conservadora, por não introduzir transformações na realidade, estudando a realidade, somente com o objetivo de descrevê-la ou apresentá-la tal como é; e, ainda, não aborda os conflitos de classes, as mudanças estruturais e conjunturais (LIMA; COSTA, 2016). Durante o Movimento de Reconceituação do serviço Social, em meados dos anos 1970, houve a aproximação de parte dos assistentes sociais da época com a fenomenologia, que passou a influenciar “sobremaneira no Serviço Social Brasileiro por meio da Pontífica Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, que trazia, com Ana Augusta Almeida, uma postura fenomenológica”. “No documento de Sumaré, resultado do III Seminário de Teorização do Serviço Social Brasileiro, é explicitada pela primeira vez a presença da fenomenologia no Serviço Social brasileiro” (LIMA; COSTA, 2016, p. 6). 9Influência das correntes filosóficas e sociológicas no Serviço Social...Influência das correntes filosóficas e sociológicas no Serviço Social...8 C08_FundamentosIII_Influencia_correntes_filosoficas.indd 8 12/04/2018 17:10:10 Os autores ainda afirmam que a crítica do Serviço Social em relação à feno- menologia é a tendência dessa corrente teórica à psicologização da intervenção social, pois aborda “a visão existencial no trabalho social” e a teoria psicossocial. Empregar a fenomenologia no Serviço Social por meio da intervenção profis- sional ou do “tratamento social” é resgatar o processo de ajuda psicossocial. Portanto, a categoria profissional compreende que a fenomenologia tem um viés conservador e psicologizante da profissão não sendo o objetivo do Movimento de Reconceituação. Buscava-se, na época, romper com a visão tradicional, positivista e conservadora do Serviço Social, e a fenomenologia não proporcionava essa ruptura. O posicionamento marxista no Serviço Social A teoria dialético crítica de Karl Marx surge no Serviço Social nos anos 1960 e 1970 com uma pequena parcela da categoria profi ssional que estava envolvida ativamente na militância política e participando das manifestações contra a ordem burguesa naquele período histórico. Sob a infl uência do Movimento de Reconceituação e da militância cívico-política, o Serviço Social se aproxima do marxismo e inicia as experiências práticas voltadas ao compromisso com as classes populares (BARROCO, 2005, p. 141). Karl Marx (1818-1893) foi um revolucionário idealista de uma sociedade de seres humanos realmente livres obtida por meio da superação da sociedade capitalista. Estudava profundamente a sociedade burguesa e a lógica de explo- ração do capitalismo e defendia o enfrentamento, por meio da solidariedade, da miséria e das desigualdades sociais produzidas pelo sistema capitalista. A crítica marxista ao capitalismo se referia, também, à sua impossibilidade de produzir ou proporcionar aos indivíduos sociais a própria emancipação. Marx analisou e apresentou as características basilares do capitalismo, cri- ticando sua natureza de exploração, de alienação e de transitoriedade histórica. Nesse sentido, compreendeu a sociedade dividida em classes, de modo que só haveria progresso a partir da luta de classes, pois o conflito entre a classe trabalhadora e a classe dominante é inerente ao capitalismo. A investigação sob o enfoque do método da crítica da economia política proposto por Marx consiste, portanto, em situar e analisar os fenômenos sociais em seu complexo e contraditório processo de produção e reprodução, determinando as múltiplas causas na perspectiva de totalidade como recurso heurístico, e inseridos na totalidade concreta: a sociedade burguesa (BOS- CHETTI; BEHRING, 2006, p. 38). 9Influência das correntes filosóficas e sociológicas no Serviço Social...Influência das correntes filosóficas e sociológicas no Serviço Social...8 C08_FundamentosIII_Influencia_correntes_filosoficas.indd 9 12/04/2018 17:10:10 O método utilizado por Marx é o materialismo dialético, que parte da análise da realidade, com a qual tudo se desenvolve e se transforma: “É contemplado por três leis básicas: lei da unidade e dos contrários; a lei da transição do quantitativo para o qualitativo e a lei da negação da negação” (LIMA; COSTA, 2016, p. 7). Assim, essa corrente filosófica contribuiu imensamente para o entendimento de que a sociedade tem um movimento históricoe para que o Serviço Social desenvolvesse sua “[...] dimensão crítica e política, não mais considerando a sociedade como um todo harmônico” (LIMA; COSTA, 2016, p. 7). Essa corrente teórica foi fundamental para que os profissionais come- çassem a atingir seu objetivo de ruptura com o Serviço Social tradicional, pois foi o princípio de muitos questionamentos sobre a atuação profissional e sobre a quem estavam realmente servindo com a sua prática. Tratou-se então, da primeira aproximação do Serviço Social com a classe trabalhadora, da participação de profissionais nas lutas da classe trabalhadora e, também, nas lutas da classe burguesa, desencadeando a compreensão de que a sociedade não é harmônica, “[...] tal como se preconizava no neotomismo, positivismo e mesmo na fenomenologia” (LIMA; COSTA, 2016, p. 7). Nesse contexto, o Serviço Social compreende a Questão Social como seu objeto de intervenção, e que é produzido e reproduzido pela relação capital/ trabalho. Passa-se a ter claro, no interior da categoria profissional, que as expressões da Questão Social são produtos, portanto, multifatores enraizados na relação de exploração e alienação da classe trabalhadora. A corrente teórica marxista não foi a decisão imediata e homogênea da categoria profissional: foram necessários amplos debates, associados às transformações societárias, ao consequente processo de redemocratização do país e ao estudo aprofundado sobre a teoria crítica de Marx para que o Serviço Social seguisse hegemonicamente essa linha teórica e rompesse com o conservadorismo. No final da década de 1970, durante o governo do presidente Ernerto Geisel, já eram sinalizadas possibilidades de mudanças no rumo da política e da economia brasileiras. Contudo, é importante lembrarmos que, mesmo com algumas mudanças, ainda nos anos 1980 o Brasil vivia em um regime político e uma ditadura militar. Tivemos o movimento “Diretas Já”, que lutava por eleições diretas para a Presidência da República, gerando grande pressão para a efetivação das transformações societárias que se seguiriam. A luta pela redemocratização estava fortalecida e a ditadura militar tinha seus dias contados. 11Influência das correntes filosóficas e sociológicas no Serviço Social...Influência das correntes filosóficas e sociológicas no Serviço Social...10 C08_FundamentosIII_Influencia_correntes_filosoficas.indd 10 12/04/2018 17:10:10 BARROCO, M. L. S. Ética e Serviço Social: fundamentos ontológicos. 3. ed. São Paulo: Cotez, 2005. BATTINI, O.; SILVA, L. M. M. R. Notas para a reconstrução da história do Serviço Social na Região Sul I. Serviço Social e Sociedade, n. 95, p.109-198, 2008. BEHRING, E. R.; BOSCHETTI, I. Política Social: fundamentos e história. São Paulo: Cortez, 2006. (Coleção Biblioteca Básica de Serviço Social). DURKHEIM, Émile. Educação e sociologia. 8. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1972. LIMA, N. G. H.; COSTA, H. A. C. Serviço social e a teor serviço social e a teoria da com- plexidade: uma relação possível? In: SIMPÓSIO MINEIRO DE ASSISTENTES SOCIAIS: 80 ANOS DE SERVIÇO SOCIAL TENDÊNCIAS E DESAFIOS. 4., Belo Horizonte, maio 2016. Artigos... Belo Horizonte: CRESS, 2016. Disponível em: <http://cress-mg.org. br/hotsites/Upload/Pics/9f/9f1e3707-d5e6-4321-b6ce-b8f991383a19.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2018. MEDEIROS, F. Husserl e a Fenomenologia. YouTube, 3 jun. 2016. Disponível em: <https:// www.youtube.com/watch?v=G-Nmf5nCDVo>. Acesso em: 18 mar. 2018. OLIVEIRA, E. M. A.; SANTANA, I. C.; ALVES, A. Radcliffe-Brown e o Estrutural-funcio- nalismo: a questão da mudança na estrutura e no sistema social. Revista Diálogos, n. 11, p. 234-254, abr./maio 2014. 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