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MICROBIOLOGIA AULA 6 Profª Stephanie Von Stein Cubas Warnavin 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, abordaremos os meios de controle microbiano em laboratório e até mesmo para usos comuns e comerciais. Visto que muitos microrganismos são patogênicos, é necessário o correto manejo e controle para que não haja uma contaminação laboratorial ou até mesmo em alimentos. Agentes químicos e físicos, fármacos e as possíveis resistências dos microrganismos serão objetos de estudo desse módulo. O objetivo principal desta aula é compreender os principais fatores e processos que influenciam no controle microbiano. Os temas que serão trabalhados são: • Tema 1 – Fundamentos; • Tema 2 – Controle por agentes físicos; • Tema 3 – Controle por agentes químicos; • Tema 4 – Antibióticos; • Tema 5 – Mecanismos de resistência microbiana. TEMA 1 – FUNDAMENTOS Antes de iniciarmos a discussão sobre os meios de controle e resistência microbiano, é necessária uma revisão de alguns termos técnicos importantes para o bom entendimento desses processos, visto que muitos desses termos podem cair em conceituações errôneas ou equivocadas. Na Tabela 1, é apresentado um resumo com as principais terminologias que dizem respeito ao controle microbiano. Alguns sufixos são utilizados para denominar certos tipos de tratamento, tais como: -cida, que representa a morte de microrganismos (fungicida, virucida, germicida); -stático ou -stase para tratamentos que inibem ou interrompem momentaneamente a multiplicação bacteriana (bacteriostase). O termo sepse remete a algo podre ou estragado por contaminação bacteriana; asséptico remete-se a um ambiente ou material livre de patógenos; e assepsia é conceituada como ausência de contaminação significativa. 3 Tabela 1 – Termos técnicos básicos para controle microbiano Temas Descrição Observações Esterilização Destruição ou remoção de todas as formas de vida microbiana, incluindo os endósporos, possivelmente com exceção dos príons. Normalmente realizada com vapor sob pressão ou um gás esterilizante, como o óxido de etileno. Esterilização comercial . Tratamento de calor suficiente para destruir os endósporos de Clostridium botulinum em alimentos enlatados. Os endósporos mais resistentes de bactérias termófilas podem sobreviver, mas inativa a possibilidade de germinação e crescimento. Desinfecção Destruição de patógenos na forma vegetativa em objetos inanimados. Pode fazer uso de métodos físicos ou químicos. Antissepsia Destruição de patógenos na forma vegetativa em tecidos vivos. O tratamento é quase sempre por antimicrobianos químicos. Degerminação Remoção de microrganismos de uma área limitada, como a pele ao redor do local da aplicação de uma injeção. Basicamente uma remoção mecânica feita com algodão embebido em álcool. Sanitização Tratamento destinado a reduzir as contagens microbianas nos utensílios Pode ser feita por meio de lavagem em altas temperaturas ou imersão 4 alimentares a níveis seguros de saúde pública. em um desinfetante químico. Fonte: Tortora; Funke; Case, 2017. O sucesso dos tratamentos antimicrobianos dependerá de vários fatores que influenciarão na ação dos agentes. A taxa populacional dos microrganismos influenciará no tempo do tratamento; as influências ambientais; a presença de matéria orgânica pode alterar os tratamentos químicos e, com calor, o tempo de exposição dos agentes químicos e, não menos importante, as próprias características dos microrganismos. Esses tratamentos e agentes antimicrobianos poderão agir diretamente nas proteínas e lipídeos da membrana plasmática, rompendo-a e alterando os mecanismos de transporte intermembranoso; também podem provocar a desnaturação de enzimas e a destruição de ácidos nucleicos por calor, radiação ou substâncias químicas. TEMA 2 – CONTROLE POR AGENTES FÍSICOS O uso de agentes físicos para controle dos microrganismos deve ser muito bem pensado, já que pode interferir em outros materiais ou seres. Na Tabela 2, é apresentado um resumo dos principais métodos de controle por agentes físicos. Tabela 2 – Métodos de controle microbiano por agentes físicos Método Ação e Usos Calor Fervura ou passagem de vapor. Desnaturação de proteínas. Destrói células bacterianas e fúngicas patogênicas na forma vegetativa e quase todos os vírus em 10 minutos; menos efetivo para endósporos. Pratos, bacias, jarros, equipamentos e utensílios variados. Autoclave (Figura) Desnaturação de proteínas. Método muito efetivo de esterilização; em aproximadamente 15 psi de pressão (121°C), todas as células vegetativas e seus 5 endósporos são destruídos em cerca de 15 minutos. Meios microbiológicos, soluções, roupas de cama, utensílios, curativos, equipamentos e outros itens que possam suportar temperatura e pressão. Pausterização Desnaturação de proteínas. Tratamento com calor para o leite (72°C por cerca de 15 segundos) que destrói todos os patógenos e a maioria dos microrganismos não patogênicos. Leite, creme e certas bebidas alcoólicas (cerveja e vinho). Calor seco Chama direta Queima dos contaminantes até se tornarem cinzas. Método muito eficaz de esterilização. Alças de inoculação. Incineração Queima até se tornarem cinzas. Método muito eficaz de esterilização. Copos de papel, curativos contaminados, carcaças de animais, sacos e panos de limpeza. Esterilização com calor quente Oxidação. Método muito eficaz de esterilização, mas requer temperatura de 170°C por cerca de 2 horas. Vidros vazios, instrumentos, agulhas e seringas de vidro. Filtração Separação das bactérias do líquido de suspensão. Remove os microrganismos através da passagem de um líquido ou gás através de um material semelhante a uma tela; a maioria dos filtros em uso consiste em acetato de celulose ou nitrocelulose. Útil na esterilização de líquidos (p. ex., enzimas, vacinas) que são destruídas pelo calor. Frio Refrigeração Diminuição das reações químicas e possíveis alterações nas proteínas. Possui efeito 6 bacteriostático. Conservação dos alimentos, fármacos e culturas. Ultracongelamento Diminuição das reações químicas e possíveis alterações nas proteínas. Método eficaz para a conservação de culturas microbianas, no qual as culturas são rapidamente congeladas em temperaturas entre − 50 e − 95°C. Conservação dos alimentos, fármacos e culturas. Liofilização Diminuição das reações químicas e possíveis alterações nas proteínas. Método mais eficaz para a conservação prolongada de culturas microbianas; a água é removida por alto vácuo em baixa temperatura. Conservação dos alimentos, fármacos e culturas. Alta pressão Alteração da estrutura molecular de proteínas e carboidratos. Conservação de cores, sabores e valores nutricionais. Sucos de fruta. Dessecação Interrupção do metabolismo. Envolve a remoção de água dos microrganismos; principalmente bacteriostático. Conservação dos alimentos. Pressão osmótica Plasmólise. Resulta na perda de água das células microbianas. Conservação dos alimentos. Radiação Ionizante Destruição do DNA. Não disseminado na esterilização de rotina. Método usado para esterilizar produtos farmacêuticos e suprimentos médicos e dentários. Não ionizante Danos ao DNA. Radiação não muito penetrante. Controle de ambientes fechados com lâmpada UV (germicida). Fonte: Adaptado de Tortora; Funke; Case, 2017. 7 TEMA 3 – CONTROLE POR AGENTES QUÍMICOS Os agentes químicos são mais utilizados para controle do crescimento em matéria viva e superfícies, porém não garantem a esterilidade e por vezes não diminuem, significativamente, o número de microrganismos.Para seu uso, são importantes os princípios básicos de desinfecção como ler o rótulo, considerar a natureza do que será desinfectado e como o agente químico entrará em contato com os microrganismos. Há também testes para avaliar a qualidade e efetividade de um desinfetante: no teste de diluição de uso, culturas secas de bactérias são colocadas em solução de desinfetantes e, posteriormente, colocadas em meio onde possíveis sobreviventes possam se desenvolver. Nesse momento, será testada a efetividade do desinfetante, determinada pelo número de culturas que crescem. No método de discodifusão, um disco de papel com o agente químico é colocado numa cultura já inoculada com algum microrganismo. A eficácia será visualizada caso aparece uma região clara representando uma região onde o crescimento foi inibido. Na Tabela 3, são descritos os principais tipos de desinfetantes e suas ações. Tabela 3 – Tipos de agentes químicos para controle microbiano Tipo de desinfetante Ação e usos Composto fenólicos Danificam as membranas plasmáticas. Usado em superfícies ambientais, instrumentos e membranas mucosas. Bisfenóis Usados em produtos domésticos. Usado em sabonetes antissépticos. Biguanidas Danificam as membranas plasmáticas das células na forma vegetativa. Usadas para assepsia da pele. Halogênicos O iodo pode ser utilizado em combinação com aminoácidos para inativar enzimas celulares. O cloro, quando misturado a água, tem ação germicida sob a forma de ácido hipocloroso. 8 Álcoois Agem diretamente sob as proteínas, desnaturando-as, além de dissolver lipídeos. Certos álcoois como o etanol (60% - 95%) e o isopropanol podem ser usados como desinfetantes. Limpeza de termômetros e instrumentos. Metais pesados Possuem ação oligodinâmica, desnaturando proteínas. Podem ser usados para na prevenção da oftalmia neonatal (nitrato de prata), como algicida (sulfato de cobre). Agentes de superfícies (surfactantes) Mesmo limitados, ainda são germicidas auxiliando na retirada de microrganismos. Sã o usados para degerminação da pele (sabões e detergentes), sanitizantes nas indústrias de alimentos (sanitizantes ácido-aniônico) e como antisséptico para pele e objetos de borracha (compostos quaternários de amônio). Conservantes químicos de alimentos Podem inibir o desenvolvimento de fungos e de endósporos de Clostridium botulinum. Antibióticos São usados na conservação de alimentos. Aldeídos Um dos desinfetantes químicos mais potentes, agem na inativação de proteínas. Desinfecção de instrumentos médicos. Esterilização química Sendo o óxido de etileno o mais usado, promove a destruição total dos organismos e a desnaturação de proteínas. Usado em objetos que poderiam ser danificados pelo calor. Plasmas A presença de radicais livres no plasma é responsável pela rápida destruição até de endósporos. Uso na esterilização de instrumentos cirúrgicos. 9 Fluidos supercríticos Sob a condição de estado “supercrítico”, organismos expostos a esses fluidos são inativados a temperaturas relativamente baixas. Peroxigênios Agem por meio da oxidação das moléculas das células. Uso em superfícies contaminadas e alguns ferimentos profundos. TEMA 4 – ANTIBIÓTICOS O primeiro antibiótico a ser descoberto e descrito foi a penicilina em uma observação do cientista Alexander Fleming em uma cultura bacteriana de Staphylococcus aureus: em uma dada região contaminada com o bolor Penicillium notatum, as bactérias foram inibidas de crescer, fato que chamou a atenção de Fleming, que logo isolou o tal composto ativo. A partir daí, temos o início do uso do antibiótico para a saúde animal. Por definição, antibiótico é toda substância que é produzida por microrganismos em pequenas quantidades e que inibem o crescimento de outros microrganismos. Alguns exemplos de microrganismos e antibióticos que produzem são, respecitvamente: Bacillus subtilis/Bacitracina, Paenibacillus polymyxa/Polimixina (bactérias gram-positivas); Streptomyces aureofaciens/Clorotetraciclina e tetraciclina, Saccharopolyspora erythraea/Eritromicina, Streptomyces fradiae/Neomicina, Streptomyces griseus/Estreptomicina (actinomicetos); Cephalosporium spp./Cefalotina, Penicillium griseofulvum/Griseofulvina, Penicillium chrysogenum/Penicilina (fungos). Quanto à sua ação, um antibiótico, como outro fármaco, pode ter um espectro restrito de atividade microbiano, quando atinge um grupo pequeno de bactérias, ou ser um antibiótico de amplo espectro quando atinge uma gama ampla de bactérias gram-positivas e gram-negativas. A ação dos antibióticos será, em geral, como todos os outros fármacos (Figura 1). Ou seja, agirão como inibidores da síntese de parede celular (Penicilina G, Penicilina V), inibidores da síntese protéica (Cloranfenicol, tetracilinas), da síntese de ácidos nucleicos (rifamicinas, quinolonas, fluoroquinolonas), de metabólitos essenciais (sulfanilamida, trimetoprima) e provocam danos à membrana plasmática (daptomicina, polimixina B). 10 Figura 1 – Mecanismos de ação de um antibiótico Crédito: Designua/Shutterstock. Importante sempre frisar que um dos graves problemas que estamos sofrendo é o da super-resistência a antibióticos dado o uso indiscriminado desses fármacos. O uso desses medicamentos sempre deve ser seguido à risca de acordo com a receita médica, já que a dosagem ou manipulação desenfreada influenciará na própria adaptação das bactérias, pode afetar a ação de outros medicamentos, além de também trazer efeitos colaterais para a pessoa. TEMA 5 – MECANISMOS DE RESISTÊNCIA MICROBIANA Como qualquer ser vivo, os microrganismos, durante seu processo evolutivo, também desenvolveram mecanismos próprios de resistência e defesa contra situações de estresse ambiental ou a fármacos. No caso de bactérias, o fato de seu ciclo reprodutivo ser rápido e muitas gerações serem criadas num período curto de tempo, aliado às mutações aleatórias, converge em um poder de adaptação e resistência, principalmente a antibióticos. Numa população bacteriana, um indivíduo que possua uma mutação no DNA que confere resistência a determinado medicamento pode se reproduzir e gerar células-filhas com essa mesma mutação, e consequentemente, também resistentes ao agente químico. As superbactérias 11 são chamadas assim, justamente, por serem resistentes a vários antibióticos. Visto que essas características estão no DNA, ou também no plasmídeo, é necessário lembrar os processos de multiplicação desses organismos, principalmente a conjugação, transdução e transformação. Em síntese, processos que onde ocorre troca de material genético entram bactérias aumentando a variabilidade desses seres, além de também poderem trocar esses genes resistentes. Os mecanismos específicos de resistência (Figura 2) dos microrganismos não são muitos, sendo que poucas espécies conseguem ter todos eles. Alguns podem destruir ou inativar o fármaco de maneira enzimática, principalmente os antibióticos naturais. As gram-negativas possuem uma maior defesa logo em sua parede celular, já que são mais estruturadas, não permitindo a entrada de substâncias para dentro da célula, função essa estritamente ligada às porinas. Elas ainda possuem certas proteínas em suas membranas plasmáticas que conseguem ejetar qualquer tipo de substância tóxica para a célula, inclusive os antibióticos. Determinados microrganismos conseguem converter ou mudar sutilmente o sítio ativo dos antibióticos e, por isso, o efeito do medicamento não é visto. Figura 2 – Mecanismos de ação de um antibiótico Crédito: Designua/Shutterstock. 12 Mesmo que indiretamente, o uso descontrolado de antibióticos como medicamente comum ou na indústria da pecuária auxilia no desenvolvimento de resistência contraos fármacos. Nesse sentido, vale ressaltar que a resistência bacteriana não se trata no processo de que os microrganismos fiquem mais “fortes” ou resistentes por mutações com o uso dessa droga, mas sim que, com o uso inadequado dos antibióticos, as bactérias menos resistentes são eliminadas, mas a ação não abrange por completo as bactérias mais virulentas. Esse fato é explicado pela seleção natural. Os endósporos são também formas de defesa e resistência de muitas bactérias, sendo que muitos possuem uma resistência fora do comum para biocidas químicos da mesma forma que cistos e oocistos de protozoários. NA PRÁTICA Em um contexto de agravamento das questões ecológicas que envolvem a destruição de grandes áreas de floresta e, com isso, o maior contato com microrganismos patógenos, é de suma importância ter em mãos e de fácil acesso metodologias e tecnologias que deem conta de conseguirmos controlar o crescimento desses seres sejam no dia a dia. Laboratórios, hospitais, instituições de pesquisa são grandes usuários e dependentes do que é produzido acerca dos agentes químicos e físicos para inibição do crescimento de microrganismos, já que nesses ambientes a incidência de patógenos microbianos pode ser grande. Um ponto muito relevante é o desenvolvimento de novos antibióticos e seu potencial econômico. Segundo Tortora, Funke e Case (2017), um dos entraves para a criação de novos antibacterianos é a resistência das grandes indústrias farmacêuticas, dado que os antibióticos não gerariam lucro, pois são utilizados apenas em situações específicas, e não para doenças crônicas. Somado a um uso indiscriminado desses fármacos, estamos chegando num ponto onde as antibióticos existentes podem perder cada vez mais sua eficiência ao ponto de simples ferimentos tornarem-se grande dores de cabeça. 13 FINALIZANDO Nesta aula, vimos os principais meios de controlar e impedir o crescimento descontrolado de microrganismos e como eles podem ser usados de maneira correta. Os agentes físicos se mostram como bons meios de combate e controle populacional dos patógenos, mas sempre com a devida atenção para os efeitos para outros seres ou materiais envolvidos. Calor, calor seco, radiação, pressão osmótica, frio, filtração e dessecação são os principais agentes físicos. Os agentes químicos são mais utilizados para controle do crescimento em matéria viva e superfícies, porém não garantem a esterilidade e por vezes não diminuem, significativamente, o número de microrganismos. Os agentes químicos mais comuns são compostos fenólicos, bisfenóis, biguanidas, halogênicos, álcoois, metais pesados, agentes de superfícies, conservantes químicos de alimentos, antibióticos, aldeídos, esterilização química, plasmas, fluidos supercríticos e peroxigênios. Antibiótico é toda substância que é produzida por microrganismos em pequenas quantidades e que inibem o crescimento de outros microrganismos. Agirão como inibidores da síntese de parede celular, inibidores da síntese proteica, da síntese de ácidos nucleicos, de metabólitos essenciais e provocam danos à membrana plasmática Além da reprodução rápida, das mutações e dos processos de transdução, conjugação e transformação, os mecanismos específicos de resistência são destruição ou inativação do fármaco, não permitem a entrada de substâncias tóxicas e ainda conseguem ejetá-las ou mudam o sítio ativo do fármaco para que ele não tenha nenhuma ação. 14 REFERÊNCIAS LEVINSON, W. Microbiologia Médica e Imunologia, 10. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. REECE, J. B. et al. Biologia de Campbell. 10. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015. ROCHA, A. Fundamentos da Microbiologia. São Paulo: Rideel, 2016. BVP TORTORA, G. J.; FUNKE, B. R.; CASE, C. L. Microbiologia. 12. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.