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Desenvolvimento Prof.ª Fernanda de Paula Carvalho Prof.ª Maria Clara Alves de Barcellos Fernandes Psicologia geral e Do Indaial – 2022 1a Edição Impresso por: Elaboração: Prof.ª Fernanda de Paula Carvalho Prof.ª Maria Clara Alves de Barcellos Fernandes Copyright © UNIASSELVI 2022 Revisão, Diagramação e Produção: Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI C331p Carvalho, Fernanda de Paula Psicologia geral e do desenvolvimento. / Fernanda de Paula Carvalho; Maria Clara Alves de Barcellos Fernandes. – Indaial: UNIASSELVI, 2022. 134 p.; il. ISBN 978-85-515-0491-8 1. Psiquismo. – Brasil. I. Fernandes, Maria Clara Alves de Barcellos. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 158 Olá, acadêmico! Seja bem-vindo ao Livro Didático Psicologia Geral e do Desenvolvimento. A Psicologia é a ciência que se dedica a estudar o comportamento e os processos mentais humanos (psiquismo). Dessa forma, ao afirmar que se trata de uma ciência, pressupõe-se entender que a Psicologia é orientada pelas mesmas leis do método científico, que pautam outras ciências, no sentido de buscar um conhecimento objetivo, sustentado em fatos empíricos. No entanto, o conhecimento psicológico precisou percorrer todo um processo para se constituir como ciência. O recorte histórico dessa evolução será acompanhado ao longo da Unidade 1, que apresentará a formação das principais escolas da Psicologia, bem como as possibilidades de atuação profissional nos tempos atuais. Assim, veremos a evolução histórica do conhecimento psicológico até a sua constituição como ciência, passando pelas ideias psicológicas vinculadas à Filosofia até a constituição do primeiro laboratório de experimentos psicológicos e das principais escolas da Psicologia. Na Unidade 2, trataremos da Psicologia do desenvolvimento e das fases da infância e da adolescência, com objetivo de oferecer um amplo debate sobre os diferentes aspectos que compõem a constituição da criança e do adolescente. Por fim, na Unidade 3, discutiremos os temas emergentes em Psicologia, abordando os assuntos mais urgentes da sociedade e como a Psicologia desdobra determinadas temáticas, como família, violência, sexualidade, meios de comunicação de massa e suas tecnologias. Bons estudos! Prof.ª Fernanda de Paula Carvalho Prof.ª Maria Clara Alves de Barcellos Fernandes APRESENTAÇÃO Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você – e dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, nós disponibilizamos uma diversidade de QR Codes completamente gratuitos e que nunca expiram. O QR Code é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar essa facilidade para aprimorar os seus estudos. GIO Olá, eu sou a Gio! No livro didático, você encontrará blocos com informações adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender melhor o que são essas informações adicionais e por que você poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto estudado em questão. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina. A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um novo visual – com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada também digital, em que você pode acompanhar os recursos adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Preocupados com o impacto de ações sobre o meio ambiente, apresentamos também este livro no formato digital. Portanto, acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Preparamos também um novo layout. Diante disso, você verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os seus estudos com um material atualizado e de qualidade. QR CODE Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira, acessando o QR Code a seguir. Boa leitura! ENADE LEMBRETE Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conheci- mento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa- res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! SUMÁRIO UNIDADE 1 — PSICOLOGIA: AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO .................................... 1 TÓPICO 1 — A CONSTITUIÇÃO DA PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA PSICOLÓGICA ................3 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................3 2 PERSPECTIVAS HISTÓRICAS ............................................................................................3 2.1 A PSICOLOGIA FUNCIONALISTA ..........................................................................................................7 2.2 A ESCOLA DO ESTRUTURALISMO .................................................................................................... 9 2.3 ASSOCIACIONISMO .............................................................................................................................. 9 3 FUNDAÇÃO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA ......................................................................10 3.1 O ADVENTO DO CAPITALISMO EMERGENTE ................................................................................ 10 3.2 NOVAS DESCOBERTAS DO SÉCULO XIX E A SUA IMPORTÂNCIA PARA A EVOLUÇÃO DA PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA ....................................................................................................... 11 RESUMO DO TÓPICO 1 ......................................................................................................... 13 AUTOATIVIDADE ..................................................................................................................14 TÓPICO 2 — PSICOLOGIA DO SÉCULO XX: PERSPECTIVAS ATUAIS ................................ 17 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 17 2 BEHAVIORISMO ................................................................................................................18 2.1 CARL ROGERS E A VISÃO HUMANISTA ......................................................................................... 19 2.2 A GESTALT: A PSICOLOGIA DA FORMA ...........................................................................................21 3 SIGMUND FREUD E A PSICANÁLISE ...............................................................................24 3.1 A PSICANÁLISE ...................................................................................................................................25 3.2 A ORIGEM DA PSICANÁLISE ............................................................................................................25 3.3 A DESCOBERTA DO INCONSCIENTE .............................................................................................. 27 RESUMO DO TÓPICO 2 ........................................................................................................ 29 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 30 TÓPICO 3 — ATUAÇÃO PROFISSIONAL EM PSICOLOGIA ................................................. 33 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 33 2 AS ÁREAS DE ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO ...................................................................... 33 2.1 O OBJETIVO DE TRABALHO DO PSICÓLOGO ..............................................................................34 2.2 ÁREAS DE ATUAÇÃO .........................................................................................................................35 2.3 A ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO ...................................................................................... 37 3 O PSICÓLOGO E A EQUIPE MULTIPROFISSIONAL.......................................................... 38 3.1 A IMPORTÂNCIA DO PSICÓLOGO EM UMA EQUIPE MULTIPROFISSIONAL ...........................38 LEITURA COMPLEMENTAR ................................................................................................ 40 RESUMO DO TÓPICO 3 ........................................................................................................ 42 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 43 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 45 UNIDADE 2 — A PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO .....................................47 TÓPICO 1 — UM OLHAR SOBRE O DESENVOLVIMENTO HUMANO .................................... 49 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 49 2 A CRIANÇA EM DESENVOLVIMENTO: ASPECTOS HISTÓRICOS E BIOPSICOSSOCIAIS ......................................................................................................... 50 3 A PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO: CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS ............... 51 4 DIMENSÕES E PROCESSOS SUBJACENTES AO DESENVOLVIMENTO HUMANO ........ 53 5 INFÂNCIA E SUAS CARACTERÍSTICAS DESENVOLVIMENTISTAS ............................... 54 6 ADOLESCÊNCIA: AS INFLUÊNCIAS SOBRE OS PROCESSOS BÁSICOS ....................... 55 7 ADULTO E O ENVELHECIMENTO: OS ASPECTOS PSICOLÓGICOS ................................ 56 RESUMO DO TÓPICO 1 ........................................................................................................ 58 AUTOATIVIDADE ..................................................................................................................59 TÓPICO 2 — CONHECENDO AS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO ................... 61 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 61 2 URIE BRONFENBRENNER: A TEORIA BIOECOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO ........................................................................................................................... 62 3 HENRI WALLON: A AFETIVIDADE COMO ELEMENTO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO ........................................................................................................................... 63 4 SIGMUND FREUD: OS PROCESSOS PSICODINÂMICOS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO ........................................................................................................................... 65 5 ERIK ERIKSON: TEORIA DO DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL ............................... 68 RESUMO DO TÓPICO 2 .........................................................................................................72 AUTOATIVIDADE ..................................................................................................................73 TÓPICO 3 — O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO: JEAN PIAGET E LEV VYGOTSKY .........75 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................75 2 PIAGET: A CONCEPÇÃO COGNITIVA ...............................................................................75 2.1 ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO ................................................................................................ 76 2.2 PROCESSO DE EQUILIBRAÇÃO, ACOMODAÇÃO E ASSIMILAÇÃO .......................................... 77 3 LEV VYGOTSKY: A TEORIA SOCIOCULTURAL – DESENVOLVIMENTO COGNITIVO ......79 3.1 ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL .................................................................................. 80 3.2 A FALA NO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO .............................................................................. 81 LEITURA COMPLEMENTAR ................................................................................................ 83 RESUMO DO TÓPICO 3 ........................................................................................................ 89 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 90 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 92 UNIDADE 3 — TEMAS EMERGENTES EM PSICOLOGIA ......................................................95 TÓPICO 1 — FAMÍLIA: A BASE PARA O DESENVOLVIMENTO .............................................97 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................97 2 A HISTÓRIA DA FAMÍLIA: SUA CONTEXTUALIZAÇÃO ....................................................97 3 TIPOS DE FAMÍLIA E MODELOS PARENTAIS .................................................................. 98 4 A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA NO PROCESSO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO: ETAPAS DE CICLO VITAL ..................................................................................................99 5 TEORIA GERAL DOS SISTEMAS .....................................................................................103 RESUMO DO TÓPICO 1 .......................................................................................................106 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................107 TÓPICO 2 — VIOLÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE ......................................................109 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................109 2 CONCEITOS E CONTEXTUALIZAÇÃO ............................................................................109 3 SEXUALIDADE .................................................................................................................111 4 VIOLÊNCIA CONTRA A CRIANÇA: O BULLYING ............................................................. 113 5 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER..................................................................................... 114 5.1 BREVE HISTÓRICO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ..........................................................115 5.2 TIPOS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ..................................................................................116 RESUMO DO TÓPICO 2 .......................................................................................................118 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................ 119 TÓPICO 3 — MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA.......................................................... 121 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 121 2 A TELEVISÃO E O CINEMA .............................................................................................. 121 3 RÁDIO ..............................................................................................................................123 4 PROPAGANDA ................................................................................................................123 5 AS NOVAS TECNOLOGIAS: A INTERNET E OS GAMES ..................................................125 5.1 REDES SOCIAIS E PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADE ............................................................... 125 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................128 RESUMO DO TÓPICO 3 .......................................................................................................130 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................ 131 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................133 1 UNIDADE 1 — PSICOLOGIA: AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • identificar os aspectos históricos que contribuíram para a constituição da Psicologia como ciência psicológica; • apresentar a Psicologia como ciência com suas áreas de estudo; • apresentar a Psicologia como profissão com as áreas de atuação dos psicólogos; • atuação do profissional psicólogo na equipe multiprofissional. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – A CONSTITUIÇÃO DA PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA PSICOLÓGICA TÓPICO 2 – PSICOLOGIA DO SÉCULO XX: PERSPECTIVAS ATUAIS TÓPICO 3 – ATUAÇÃO PROFISSIONAL EM PSICOLOGIA Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 1! Acesse o QR Code abaixo: 3 A CONSTITUIÇÃO DA PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA PSICOLÓGICA TÓPICO 1 — UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Neste tópico, abordaremos a evolução da Psicologia como ciência. Para tanto, será feito um resgate histórico do conhecimento psicológico, desde a Filosofia até o que entendemos como saber próprio da Psicologia. Quando falamos de conhecimento psicológico, tratamos de ideias psicológicas que surgiram a partir do momento em que o homem passou a produzir respostas sobre os fenômenos que faziam parte do seu cotidiano. Essas respostas eram explicadas através de mitos; posteriormente, elas se tornaram orientadas pela razão. A Filosofia deu a sustentação necessária a essas respostas. Quando falamos de saber próprio da Psicologia, estamos nos referindo ao conhecimento produzido a partir de métodos e técnicas específicos e independentes da Filosofia, atingindo, assim, o status de ciência. É, portanto, esse caminho – da história das ideias psicológicas à ciência psicológica – que iremos acompanhar neste tópico. 2 PERSPECTIVAS HISTÓRICAS Seja qual for a criação humana – um lápis, um dogma, um notebook, uma pintura ou uma elaboração científica –, vem no rastro de uma composição de diferentes homens, que, no passado, se questionaram, se intrigaram, fizeram experimentações, produziram descobertas, criaram técnicas para lidar com essas descobertas e construíram suas teorias. Logo, na retaguarda de toda a criação material ou espiritual, pressupõe-se uma história. Para que possamos entender fenômenos de hoje, precisamos nos deter com dedicação ao estudo dos acontecimentos que os precederam e entender as razões pelas quais alguns processos se dão da maneira que são hoje. Dessa forma, entender algo que faz parte do nosso universo corresponde a trazer de volta a sua história. 4 Passado e futuro sempre estão contidos no presente, seja como estrutura, seja como referência. Quando o psicólogo atende um paciente em sofrimento, é preciso entrar em contato com a história de vida do atendido, recorrer a alguns elementos do passado para acessar a sua constituição como sujeito e a forma como ele foi ensinado a responder aos processos de sua vida. IMPORTANTE A extensão da história de um determinado objeto pode ser mais ou menos longa para as diversas dimensões da produção humana. No que diz respeito à Psicologia, sua história tem aproximadamente dois milênios, período que abrange a Psicologia no Ocidente, com início entre os gregos, na época anterior à era cristã. Para compreender a riqueza e a pluralidade da Psicologia hoje, é imprescindível recuperar a sua história. A história de sua constituição está conectada, em cada período histórico, às demandas de saber da humanidade, às diferentes outras áreas do saber humano, às condições políticas e econômicas de cada tempo e sociedade e à incontornável exigência do homem de entender a si mesmo e a realidade que o cerca. A história do pensamento humano data seu momento grandioso na Antiguidade, entre os gregos, especialmente no intervalo de tempo de 700 a.C. até a dominação romana, nas proximidades da era cristã (DAVIDOFF, 2001). Os gregos se constituíram na sociedade mais desenvolvida do período. Com um sistema de produção profundamente estruturado e exitoso, foi possível a edificação das primeiras cidades-estados (pólis). A vigência dessas cidades exigia a produção de mais riquezas, as quais sustentavam também a autoridade dos cidadãos (integrantes da classe dominante na Grécia Antiga) (DAVIDOFF, 2001). Esse avanço no desenvolvimento permitiu a exploração do conhecimento na Física, na Geometria e na teoria política (incluindo a elaboração do conceito de democracia), possibilitando também que o cidadão explorasse as questões do espírito, como a Filosofia e a Arte. Alguns filósofos, ainda hoje, muito lidos e conhecidos, como Platão e Aristóteles, na época, se esforçaram para entender o espírito explorador do conquistador grego, isto é, a Filosofia passou a se ocupar acerca do homem e da sua interioridade. É, portanto, através dos filósofos gregos, que emerge o primeiro empreendimento em estruturar uma Psicologia (DAVIDOFF, 2001). Etimologicamente, a denominação psicologia advém do grego psyché, que corresponde à alma, e de logos, definido como razão. Dessa forma, psicologia significa “estudo da alma”. A alma ou espírito era entendido como o elemento imaterial do ser 5 humano e compreenderia o pensamento, os sentimentos de amor e ódio, a irracionalidade, o desejo, a sensação e a percepção. Os filósofos pré-socráticos (assim denominados por precederam Sócrates, importante filósofo grego) ocupavam-se em estabelecer a relação do homem com o mundo por meio da percepção. Interrogavam-se entre si se o mundo existe, porque o homem o percebe ou se o homem percebe um mundo que já existe. Nesse tempo, existia um embate de concepções entre os idealistas (a ideia forma o mundo) e os materialistas (a matéria que forma o mundo já é oferecida para a percepção) (DAVIDOFF, 2001). No entanto, é com o filósofo Sócrates (469-399 a.C.) que a Psicologia na Antiguidade adquire densidade. A sua atenção estava voltada em definir o limite que distingue o homem dos animais. Assim, afirmava que o fundamental aspecto humano era a razão, a qual concedia ao homem ir além dosinstintos, elemento que comporia a irracionalidade. Ao estruturar a razão como particularidade do homem, ou como essência humana, Sócrates apontou para um conhecimento que seria muito trabalhado mais adiante pela Psicologia (CAMPOS, 2008). A Figura 1 representa a marcante frase do filósofo: “Só sei que nada sei”, que traz as bases da formação do pensamento psicológico, a partir de um ponto de dúvida para um ponto em que podemos ampliar o conhecimento sobre nós mesmos. FIGURA 1 – FRASE “SÓ SEI QUE NADA SEI” DO FILÓSOFO SÓCRATES, GRAVADA EM UMA PEDRA DE MÁRMORE FONTE: <https://s5.static.brasilescola.uol.com.br/img/2018/06/frase_socrates.jpg>. Acesso em: 1 dez. 2021. As teorias da consciência são, de algum modo, efeitos dessa primeira investigação na Filosofia. O caminho posterior é fornecido por Platão (427-347 a.C.), discípulo de Sócrates, que buscou estabelecer uma “localidade” para a razão no nosso próprio corpo. Ele estabeleceu que essa localidade era a nossa cabeça, lugar em que está a alma do homem. A medula seria, assim, o componente de junção da alma com o corpo. Esse componente de junção era importante, pois Platão entendia a alma separada do corpo. Assim, ao falecer, a matéria (o corpo) desapareceria, mas a alma permaneceria livre para ocupar outro corpo (FIGUEIREDO, 2014). 6 Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão, foi um dos mais renomados pensadores da História da Filosofia. Sua colaboração possibilitou novas formas de pensar que alma e corpo não podem ser separados. Para Aristóteles, a psyché se constituiria como o princípio ativo da vida. Tudo aquilo que cresce, se reproduz e se alimenta tem a sua psyché ou alma (FIGUEIREDO, 2014). Aristóteles também investigou as divergências entre a razão, a percepção e as sensações. Essa investigação está organizada no Da anima, que pode ser definido como o primeiro tratado em Psicologia. Assim, 2.300 anos antes do surgimento da Psicologia científica, os gregos já tinham composto duas “teorias”: a platônica, que tratava da imortalidade da alma e a entendia como separada do corpo; e a aristotélica, que postulava a mortalidade da alma e a sua relação de pertencimento ao corpo (FIGUEIREDO, 2014). Próximo ao advento da era cristã, emerge um novo império que iria governar a Grécia, parte da Europa e do Oriente Médio: o Império Romano. Um dos fundamentais elementos dessa etapa histórica é o surgimento e crescimento do Cristianismo – uma religião que, paulatinamente, se constituiu como a política preponderante (FIGUEIREDO, 2014). Ainda que, com as invasões bárbaras, em meados de 400 d.C., o Cristianismo permaneceu e ganhou mais força, emergindo como a religião dominante da Idade Média, etapa que, então, se iniciou com o fim do Império Romano. Quando pensamos acerca da Psicologia, nesse momento, é possível associá-la ao saber religioso, visto que, em paralelo ao poderio econômico e político, a Igreja Católica também centralizava o saber e, assim, a investigação sobre o psiquismo (FIGUEIREDO, 2014). Nessa direção, dois notórios filósofos simbolizam esse período: Santo Agostinho (354-430) e São Tomás de Aquino (1225-1274). Santo Agostinho, seguindo Platão, também trabalhava com a ideia da separação entre alma e corpo. No entanto, para ele, a alma não era apenas o lugar da razão, mas a materialização de uma demonstração divina no homem. A alma era considerada imortal, por ser o elo que liga o homem a Deus. Considerando a alma também como a morada do pensamento, a Igreja começou a se ocupar também de sua compreensão (FIGUEIREDO, 2014). São Tomás de Aquino teve como base os pensamentos de Aristóteles, para compor a diferenciação entre essência e existência. Como o filósofo grego, São Tomás de Aquino entendeu que o homem, em sua essência, procura a perfeição por meio de sua existência. No entanto, diferentemente de Aristóteles, apresentou a sua perspectiva pela via religiosa, postulando que apenas a Deus seria concedida a capacidade de agregar a essência e a existência, em se tratando de igualdade. Assim, a procura pela perfeição pelo homem seria a busca por Deus. São Tomás de Aquino fundamentou suas ideias em argumentos racionais, para explicar os dogmas da Igreja e sustentar para ela a exclusividade da investigação do psiquismo (FIGUEIREDO, 2014). 7 Passados pouco mais de 200 anos da morte de São Tomás de Aquino, emergiu um período de mudanças radicais no mundo europeu, compreendido como Renascimento ou Renascença. O mercantilismo levou à conquista de novos territórios (a América, o caminho para as Índias, a rota do Pacífico), movimento que permitiu o armazenamento de riquezas pelas nações em formação, como França, Itália, Espanha e Inglaterra (FIGUEIREDO, 2014). Na passagem para o Capitalismo, surgiu um novo modo de organização econômico e social, assim como um movimento de valorização do homem. As ciências também fazem parte desse desenvolvimento. Em 1543, Copérnico produziu uma transformação no conhecimento humano ao observar que o nosso planeta não era o centro do universo. Em 1610, Galileu investigou a queda dos corpos, colocando em prática as primeiras experiências da Física moderna. Esses acontecimentos proporcionaram o início da organização do conhecimento científico, quando foram estruturados métodos e regras fundamentais para a edificação do conhecimento científico (FIGUEIREDO, 2014). Nesse momento, René Descartes (1596-1659), um filósofo muito importante para a constituição da ciência, afirmou a separação entre mente (alma, espírito) e corpo, assegurando que o homem possui uma coisa material (res extensa) e uma coisa pensante (res cogito), e que o corpo, destituído do espírito, é somente uma máquina. Tal entendimento é explicado com a célebre frase de Descartes: “penso, logo existo”, em que o autor coloca a existência (corpo) definida apenas pela possibilidade do pensamento, da razão (FIGUEIREDO, 2014). Esses dois componentes antagônicos (mente-corpo) permitiram as pesquisas da anatomia e da fisiologia, matérias que, no início, deram subsídio para o desenvolvimento da Psicologia. 2.1 A PSICOLOGIA FUNCIONALISTA A partir da história do desenvolvimento da Psicologia, podemos dizer que a Psicologia moderna nasceu na Alemanha, no final do século XIX. Wilhelm Wundt, Weber e Fechner, importantes nomes no desenvolvimento da Psicologia como ciência, trabalharam juntos na Universidade de Leipzig. Ainda nesse país, também se reuniram outros importantes investigadores dessa nova ciência, que era a Psicologia, como o inglês Edward B. Titchener e o norte-americano William James (DAVIDOFF, 2001). 8 Para obter o status de ciência, a Psicologia precisou se desvincular da Filosofia e começar a seguir as novas metodologias de produção de conhecimento do século XIX, que corresponderam a: • estruturar seu objeto de estudo (o comportamento, a consciência); • demarcar seu campo de estudo, distinguindo-se de outras áreas de conhecimento, como a Filosofia e a Fisiologia; • compor métodos próprios de estudo desse objeto; • elaborar teorias, com objetivo de estruturar uma materialidade consistente dos conhecimentos na área (DAVIDOFF, 2001). ATENÇÃO Essas teorias precisavam seguir aos padrões básicos da metodologia científica, ou seja, faz-se necessário trabalhar a partir de um viés neutro, os dados precisam ser replicáveis, quando testados, sujeitos à comprovação, e constituir-se como referência para outros experimentos e investigações na área. Os autores iniciais da Psicologia buscaram, dentro da margem oportunidades e com os recursos disponíveis, alcançar tais padrões e elaborar teorias. Entretanto, os conhecimentos fabricados, a princípio, definiram-se muito mais como atitudes metodológicas, que orientavam a pesquisa e a elaboração teórica (DAVIDOFF,2001). Ainda que a Psicologia científica tenha emergido na Alemanha, é nos Estados Unidos que ela ganha consistência para um acelerado desenvolvimento – efeito do grande progresso econômico do país nesse momento –, emergindo as pioneiras abordagens ou escolas em Psicologia, as quais ofereceram estofo às inúmeras teorias que conhecemos atualmente. Essas abordagens são (DAVIDOFF, 2001): • o Funcionalismo, de William James (1842-1910); • o Estruturalismo, de Edward Titchener (1867-1927); • o Associacionismo, de Edward L. Thorndike (1874-1949). O Funcionalismo é entendido como a primeira escola fundamentalmente norte- americana de conhecimentos em Psicologia, que defendia ter como norte de pesquisa as perguntas “o que fazem os homens” e “por que o fazem” (DAVIDOFF, 2001). Para responder a esses questionamentos, W. James escolheu a consciência como o ponto central de suas investigações. A pesquisa se orientou para o entendimento de seu funcionamento, no ponto em que o homem utiliza a consciência para se adaptar ao meio (DAVIDOFF, 2001). 9 2.2 A ESCOLA DO ESTRUTURALISMO O Estruturalismo está orientado para investigar o mesmo fenômeno que o Funcionalismo: a consciência. No entanto, distintamente de W. James, Edward Titchener trabalhou em suas características estruturais, ou seja, os estados elementares da consciência como estruturas do sistema nervoso central (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018). Essa escola foi implementada por Wundt, mas foi seu discípulo, Titchener, que utilizou a nomenclatura estruturalismo pela primeira vez, com o sentido de distingui- la do Funcionalismo. O método de observação de Titchener, bem como o de Wundt, é o introspeccionismo, e os conhecimentos psicológicos fabricados são essencialmente experimentais, ou seja, constituídos a partir do laboratório (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018). O estruturalismo entende a Psicologia como uma ciência da consciência e da mente, designação advinda de Wundt. Entende-se que a mente consistiria em uma soma de processos estruturais e que a consciência e a mente eram efeitos dessa estruturação (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018). Titchener postulava que consciência e mente eram entes dissociados, com funções divergentes na experiência de vida do indivíduo. Um dos principais objetivos da Psicologia estruturalista é entender as características estruturais da mente, o modo pelo qual se estrutura e os elementos da consciência (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018). 2.3 ASSOCIACIONISMO No Associacionismo, a relevância de Edward L. Thorndike foi ter se configurado no autor de uma primeira teoria de aprendizagem na Psicologia. Seus estudos se concentravam mais em uma perspectiva da utilidade desse conhecimento que nas pretensões filosóficas que atravessam a Psicologia (DAVIDOFF, 2001). A denominação Associacionismo pressupõe que a aprendizagem se dá por um processo de associação das ideias – das mais simples às mais complexas. Dessa forma, para aprender um conteúdo complexo, a pessoa necessitaria, antes de tudo, entender as ideias mais simples, vinculadas àquele conteúdo (DAVIDOFF, 2001). Thorndike postulou a Lei do Efeito, muito importante para a Psicologia Comportamentalista, a qual defendia que todo comportamento de um organismo vivo (um homem, um pombo, um rato etc.) inclina-se a se repetir forem ofertadas recompensas (efeito) para o organismo, assim que este expressar o comportamento. No entanto, o comportamento não é propício a acontecer se o organismo for castigado (efeito) após a sua manifestação (DAVIDOFF, 2001). 10 Dessa maneira, o organismo irá relacionar essas situações com outras parecidas. Por exemplo, se, ao pressionarmos um dos botões da televisão, formos “premiados” com a nossa programação de televisão favorita, em outras situações, pressionaremos o mesmo botão, assim como generalizaremos essa aprendizagem para outros aparelhos, como aparelhos de som, gravadores, entre outros. 3 FUNDAÇÃO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA Para falarmos da fundação da Psicologia científica, precisamos também analisar os acontecimentos do século XIX, no que se refere ao papel da ciência e seu progresso nesse momento. O desenvolvimento da nova ordem econômica – o Capitalismo – ocorreu em paralelo ao advento da industrialização, para o qual a ciência precisaria oferecer respaldo e explicações práticas na área da técnica. Existia, assim, um investimento importante no progresso da ciência, enquanto um apoio para a nova ordem econômica e social, e das questões trazidas por ela (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019). 3.1 O ADVENTO DO CAPITALISMO EMERGENTE O advento do Capitalismo trouxe uma mobilidade diferente para o mundo, com a urgência de prover mercados e de produzir cada vez mais: era necessário obter novas matérias-primas da natureza; surgiram novas necessidades; foi preciso o trabalho de muitos, que, por sua vez, se tornaram consumidores das mercadorias fabricadas; foram interrogadas as hierarquias, no sentido de tirar do poder a nobreza e o clero há tantos séculos assentados (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019). O universo também foi colocado em movimento. A partir de novas descobertas, descobriu-se que o Sol era o centro do universo, que passou a ser percebido sem hierarquizações. O homem, por sua vez, não era mais visto como o centro do universo (antropocentrismo), sendo percebido como um ser livre, com capacidade de edificar seu futuro. O servo (do feudalismo), liberto de seu laço com a terra, teve a chance de escolher o seu trabalho e o seu lugar no estrato social (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019). Dessa forma, o Capitalismo mudou a relação do homem consigo mesmo e com a possibilidade de consumo das mercadorias produzidas. O conhecimento foi separado da fé e os dogmas da Igreja foram colocados em questão. O mundo se moveu. A razão e a capacidade de pensamento do homem surgiu, assim, como a significativa aposta de construção do conhecimento (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019). 11 Nesse novo cenário, estavam estipuladas as circunstâncias materiais necessárias para o progresso da ciência moderna. As propostas dominantes deram base à essa construção: o conhecimento como efeito da razão e a oportunidade de descobrir a natureza e suas leis pela observação rigorosa e objetiva. A procura de um método rigoroso, que oferecesse a observação para a evidenciação dessas leis, direcionava para a urgência de que os homens edificassem novos modos de produzir conhecimento – que não era mais fornecido pelos dogmas religiosos e/ou pela autoridade eclesial. Surgiu a necessidade da ciência (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019). A partir de então, a concepção de verdade se torna, imperiosamente, depende do carimbo da ciência. A própria Filosofia ajusta-se às transformações dos novos tempos, com a emergência do Positivismo de Augusto Comte, que afirmava a importância de maior rigor científico na constituição dos saberes nas ciências humanas. Desse modo, estabelecia-se o método da Ciência Natural, a Física, como referência de produção de conhecimento (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019). 3.2 NOVAS DESCOBERTAS DO SÉCULO XIX E A SUA IMPORTÂNCIA PARA A EVOLUÇÃO DA PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA Em meio a todas essas transformações ocorridas no século XIX, é importante localizar a marca de construção da Psicologia como ciência. Foi em meados desse século que as problemáticas e as temáticas da Psicologia, até então investigadas especificamente pelos filósofos, também passaram a ser pesquisadas pela Fisiologia e, em particular, pela Neurofisiologia (DAVIDOFF, 2001). O progresso da ciência também se refletiu nessas áreas, culminando na elaboração de teorias sobre o sistema nervoso central, que mostraram que o pensamento, as percepções e os sentimentos humanos eram frutos dessesistema. É importante relembrar que o capitalismo trouxe consigo a máquina, cuja participação primordial passou a definir o modo de se ver o mundo (DAVIDOFF, 2001). O mundo visto à semelhança de uma máquina; o mundo como um relógio. Todo o universo começou a ser visto como uma máquina, ou seja, podemos entender o seu modo de funcionar, a sua constância, o que nos coloca diante da oportunidade de conhecimento de suas leis. Esse modo de conceber foi refletido também nas ciências do homem. Para entender o psiquismo humano, mostrou-se urgente entender os mecanismos e o modo de funcionamento da máquina de pensar do homem – o cérebro (DAVIDOFF, 2001). Desse modo, a Psicologia passa a se enredar pelos caminhos da Fisiologia, Neuroanatomia e Neurofisiologia. 12 Os fisiologistas, daquela época, estudavam a Psicofísica, ou seja, entendiam os fenômenos psicológicos a partir de uma aliança entre a física, a biologia e a psicologia. Pesquisavam, por exemplo, a fisiologia do olho e a percepção das cores. As cores eram explicadas pela Física, e a percepção pela Psicologia (DAVIDOFF, 2001). Em torno dos anos de 1860, emerge a elaboração de uma lei fundamental na área da Psicofísica: a Lei de Weber-Fechner, que estipula a relação entre estímulo e sensação, concebendo a sua mensuração. Essa lei se mostrou muito relevante para a História da Psicologia, pois estabeleceu a oportunidade de medida do fenômeno psicológico, até então, tido como inviável. Dessa forma, os fenômenos psicológicos ganharam a categoria de científicos, pois, para o entendimento de ciência da época, o que não era mensurável não era sujeito a estudo científico (CAMPOS, 2008). Uma grande colaboração para o desenvolvimento da Psicologia partiu de Wilhelm Wundt (1832-1920), que fundou, na Universidade de Leipzig, Alemanha, o primeiro laboratório para efetuar experimentos na área de Psicofisiologia. Por esse feito e por sua profícua produção teórica no campo, ele é denominado como o pai da Psicologia moderna ou científica (CAMPOS, 2008). NOTA No início da estruturação da Psicologia como ciência, existia a necessidade de convergir os eventos biológicos com a Psicologia para explicá-los. Assim, Wundt criou a concepção do paralelismo psicofísico, que afirma que os fenômenos mentais correspondem a fenômenos orgânicos. Para investigar a mente ou a consciência do indivíduo, Wundt elabora um método a que dá o nome de introspecção. Nessa proposta metodológica, a pessoa que realiza a experiência questiona ao sujeito, especificamente instruído para a auto-observação, os lugares trilhados no seu interior por uma estimulação sensorial (por exemplo, a picada de uma agulha) (CAMPOS, 2008). 13 Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como: • A diferenciação entre as ideias psicológicas e a Psicologia como ciência. As ideias psicológicas relacionadas ao campo da Filosofia e a Psicologia como ciência, quando ela se desvincula da Filosofia em rumo a um saber próprio, seguindo os padrões científicos. • A importância dos aspectos históricos para a constituição da Psicologia como ciência. O acesso à história da Psicologia permite compreender quais elementos formaram esse saber como o conhecemos hoje. • As ideias psicológicas advindas com as interrogações da Filosofia ao homem em movimento até que a Psicologia se distanciasse da Filosofia, para a formação de um saber próprio. • A apresentação da Psicologia como ciência e a formação de suas escolas no século XIX: o estruturalismo, o funcionalismo e o associacionismo. RESUMO DO TÓPICO 1 14 AUTOATIVIDADE 1 Há cerca de 140 anos, a Psicologia teve seu objeto de estudo definido e seus fundamentos estabelecidos, tornando-se disciplina independente em relação à Filosofia. Ao final do século XIX, o método científico foi adotado como recurso para tentar resolver problemas da Psicologia e, em 1879, foi implantado, na Alemanha, o primeiro laboratório de Psicologia do mundo. A respeito do autor desse laboratório, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Wilhelm Wundt. b) ( ) Edward Bradford Titchener. c) ( ) William James. d) ( ) B. F. Skinner. 2 Para que possamos entender fenômenos da atualidade, precisamos nos deter com dedicação ao estudo dos acontecimentos que nos precederam e entender as razões pelas quais alguns processos se dão da maneira que são hoje. Dessa forma, entender algo que faz parte do nosso universo corresponde a trazer de volta a sua história. Com base na evolução histórica da Psicologia, analise as afirmativas a seguir: I- A história da produção de conhecimento psicológico tem seu início no Império Romano. II- Ao entender a razão como característica própria do homem ou como essência humana, Sócrates abriu uma passagem que seria muito trabalhada pela Psicologia. As teorias da consciência são, de algum modo, efeitos dessa primeira organização na Filosofia. III- O termo Psicologia vem do latim psyché, que significa consciência, e logos, que significa estudo. Portanto, originalmente, Psicologia significa “estudo da consciência”. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As afirmativas I e II estão corretas. b) ( ) Somente a afirmativa II está correta. c) ( ) As afirmativas I e III estão corretas. d) ( ) Somente a afirmativa III está correta. 3 Próximo ao advento da era cristã, emergiu um novo império, que iria governar a Grécia, parte da Europa e do Oriente Médio: o Império Romano. Um dos principais aspectos dessa época foi o surgimento e o desenvolvimento do Cristianismo. Nesse contexto, emergem alguns importantes pensadores que lançariam sementes para a formação da Psicologia como conhecimento próprio. Considerando as contribuições desses pensadores da Idade Média e do Renascimento, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: 15 ( ) Santo Agostinho, inspirado em Platão, também fazia uma separação entre alma e corpo. Entretanto, para ele, a alma não era apenas o lugar da razão, mas a confirmação de uma existência divina no homem. ( ) São Tomás de Aquino, inspirado em Aristóteles, afirmava a separação entre essência e existência. Como Aristóteles, ele acreditava que o homem, em sua essência, procura a perfeição através de sua existência. ( ) René Descartes (1596-1659), um filósofo muito importante para a constituição da ciência, propunha o entendimento da inseparabilidade entre mente (alma, espírito) e corpo, assegurando que o homem possui uma coisa material (res extensa) e uma coisa pensante (res cogito). Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) V – F – F. b) ( ) V – V – F. c) ( ) F – V – F. d) ( ) F – F – V. 4 A partir da História da Psicologia, foi possível perceber que o seu status de ciência é conquistado no momento que se “desprende”, pouco a pouco, da Filosofia, que teve forte contribuição na sua estruturação, convocando novos estudiosos e pesquisadores, que, sob os novos enquadres de produção de conhecimento, se autorizam a produzir ciência psicológica. Disserte sobre quais critérios os novos pesquisadores precisaram assumir para compor pesquisas científicas. 5 Ainda que a Psicologia científica tenha se manifestado, primeiramente, na Alemanha, foi nos Estados Unidos que ela ganhou espaço para um acelerado desenvolvimento, efeito do grande desenvolvimento econômico que pôs o país na primazia do sistema capitalista. É nesse território que emergem as primeiras abordagens ou escolas em Psicologia, que fecundaram as diferentes teorias que vigoram atualmente. Disserte sobre o Estruturalismo, uma dessas escolas em Psicologia criadas naquela época. 16 17 PSICOLOGIA DO SÉCULO XX: PERSPECTIVAS ATUAIS UNIDADE 1 TÓPICO2 — 1 INTRODUÇÃO A Psicologia como uma vertente da Filosofia investigava a alma. A Psicologia científica emergiu a partir do momento em que, seguindo com as normas da ciência do século XIX, Wundt priorizou a Psicologia sem alma, isto é, sem estar mais vinculada à Filosofia (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019). O saber, entendido como científico, precisava ser aquele construído em laboratórios, com a utilização de mecanismos de observação e medição. Se antes a Psicologia estava submetida à Filosofia, no século XIX, ela começou a coligar-se ao ramo da Medicina, que adotava o método de investigação das ciências naturais como padrão rígido de edificação do conhecimento. A Psicologia científica, que consistiu em três escolas – Associacionismo, Estruturalismo e Funcionalismo –, sendo substituída no século XX por diferentes teorias. As três mais relevantes propostas teóricas da Psicologia nesse período são reconhecidas por diversos pesquisadores como o Behaviorismo ou a Teoria S-R (do inglês stimuli-respond – estímulo-resposta), a Gestalt e a Psicanálise (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019). IMPORTANTE O Behaviorismo, pensado primeiramente por Watson e que ganhou uma grande repercussão nos Estados Unidos, em razão de suas aplicabilidades práticas, consagrou- se como importante por ter estipulado o fato psicológico, de forma consistente, a partir da concepção de comportamento (behavior) (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019). A Gestalt, que nasceu na Europa, afirmava que não existe a possibilidade de se fragmentar processos psicológicos, por exemplo, o entendimento do funcionamento mente e corpo, como vinham aparecendo nas abordagens da Psicologia científica do século XIX, defendendo a importância de se entender o homem como uma totalidade (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019). A Psicanálise, criada por Freud, na Áustria, foi resultante da prática médica, resgatando, para a Psicologia, a relevância da afetividade e trazendo a proposta do inconsciente como objeto de estudo, desconstruindo a herança da Psicologia como ciência da consciência e da razão (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019). 18 Neste tópico, abordaremos cada uma dessas importantes escolas teóricas, a partir da introdução de alguns de seus conceitos básicos. 2 BEHAVIORISMO A denominação Behaviorismo foi desenvolvida pelo norte-americano John B. Watson. O termo inglês behavior significa “comportamento” e, por isso, para se referir a essa vertente teórica, utilizamos Behaviorismo – e também Comportamentalismo, Teoria Comportamental, Análise Experimental do Comportamento, Análise do Comportamento (BAUM, 2006). Watson, tomando o comportamento como objeto de estudo da Psicologia, emprestava a essa ciência a solidez que os psicólogos do período precisavam – um objeto que fosse observável, mensurável, cujos experimentos fossem passíveis de ser reproduzidos em diversas circunstâncias e sujeitos (BAUM, 2006). Esses aspectos foram importantes para que a Psicologia ganhasse o status de ciência, promovendo uma ruptura definitiva com a sua vertente filosófica. Watson também apostava em uma visão funcionalista para a Psicologia, ou seja, o comportamento precisaria ser investigado como função de determinadas variáveis do meio. Quando realizado dado estímulo, o organismo reage a partir de certas respostas e isso acontece, pois os organismos se adaptam aos seus ambientes através de mecanismos hereditários e pela construção de hábitos (BAUM, 2006). Watson, em seu trabalho, procurava a constituição de uma Psicologia sem alma e sem mente, sem se utilizar de termos mentalistas e de métodos subjetivos, e que oferecesse a possibilidade de prever e controlar. Ainda que estabelecesse o “comportamento” como objeto de estudo da Psicologia, o Behaviorismo foi, desde Watson, transformando o modo de se entender essa palavra (BAUM, 2006). Nos dias atuais, não se concebe comportamento como uma ação destacada de um indivíduo, mas, sim, como uma inter-relação entre o que o indivíduo faz e o meio onde o seu “fazer” acontece. Desse modo, o Behaviorismo se debruça na pesquisa das inter-relações entre o indivíduo e o seu meio, entre as atividades do indivíduo (suas respostas) e o seu meio (as estimulações) (BAUM, 2006). Os psicólogos que trabalhavam com essa vertente cunharam os nomes “resposta” e “estímulo” para indicar àquilo que o organismo faz e às diferentes inconstâncias ambientais que se relacionam com o indivíduo (BAUM, 2006). O objeto de estudo comportamento, concebido como a inter-relação indivíduo- ambiente, compõe o início para uma ciência do comportamento. O homem passa a ser investigado a partir de sua relação com o meio, sendo olhado, ao mesmo tempo, como autor e fruto dessas relações. 19 Na História da Psicologia, localizando os estudiosos do comportamento, podemos falar sobre a importância de B. F. Skinner (1904-1990) como sucessor de Watson. O Behaviorismo de Skinner tem uma grande repercussão no trabalho de muitos psicólogos norte-americanos e de diferentes países, onde a Psicologia norte-americana tem importante inserção, como o Brasil (BAUM, 2006). Essa vertente de pesquisa ficou designada como Behaviorismo radical, nomenclatura adotada pelo próprio Skinner, em 1945, para se referir a uma teoria da Ciência do Comportamento (que ele se colocou a resguardar), por meio da análise experimental do comportamento. A estrutura da vertente skinneriana se encontra na elaboração do comportamento operante (BAUM, 2006). Para entender o Behaviorismo, sugerimos o filme Laranja Mecânica, de 1971, uma produção britânico-americana, adaptada, produzida e dirigida por Stanley Kubrick, que teve como referência o romance de mesmo título, escrito por Anthony Burgess, em 1962. DICA O comportamento operante abarca um grande conjunto das ações humanas –comportamentos como correr, andar, pular, ou seja, comportamentos voluntários. Partindo da referência do estudo do comportamento respondente, advindo dos acontecimentos do meio anteriores à resposta do organismo, o comportamento operante é gerenciado, primordialmente, pelos acontecimentos ambientais que ocorrem depois da resposta de um indivíduo. São exemplos de comportamento operante ler, digitar uma mensagem, fazer uma prova, tocar um instrumento etc. (BAUM, 2006). 2.1 CARL ROGERS E A VISÃO HUMANISTA O norte-americano Carl Rogers (1902-1987) foi um pesquisador muito importante tanto para a Psicologia quanto para a educação. Nas duas áreas, a colaboração de seus estudos se tornou extremamente singular, indo ao encontro de ideias e práticas hegemônicas nos consultórios e nas escolas (FIGUEIREDO, 2014). A teoria de Carl Rogers – que apresenta uma grande coletânea de conceitos próprios – surgiu como uma terceira via entre os dois campos hegemônicos da Psicologia por volta do século XX. A linha de Rogers foi intitulada como humanista, posto que, em oposição a corrente freudiana, se apoia em uma concepção otimista do homem (FIGUEIREDO, 2014). 20 A terapia rogeriana se afirmou como aposta não diretiva e centrada no cliente (termo que Rogers elegia como sendo melhor ao termo paciente), pois é de responsabilidade do cliente a direção e o progresso do tratamento. Na concepção de Rogers, o terapeuta somente auxilia o processo terapêutico. Já em sua construção de entendimento na educação, a função do professor é parecida com a do terapeuta e a do aluno, com a do cliente, ou seja, o papel do professor é intermediar o processo de ensino-aprendizagem, fornecer o aprendizado que o aluno administrará a sua maneira (FIGUEIREDO, 2014). Para Rogers (2009), a saúde mental e o avanço integral das potencialidades subjetivas de cada sujeito são aspectos que fazem parte da evolução humana. Retiradas circunstanciais situações difíceis nesseprocesso, os sujeitos recuperam a progressão construtiva. Rogers focou a sua dedicação para a formação do sujeito, a urgência de investir em uma existência que procure estar em harmonia consigo mesma e com o seu meio. Rogers apostava que o organismo humano – bem como todos os outros, incluindo o das plantas – contém uma predisposição a recriar-se, tendo como finalidade a autonomia. Na teoria rogeriana, a predisposição a se recriar é a exclusiva força condutora dos seres vivos. Em se tratando dos seres humanos, de acordo com Rogers, o desenvolvimento contínuo produziu a sociedade e a cultura, que se constituem como forças independentes dos sujeitos e podem operar em oposição ao progresso de suas potencialidades (ROGERS, 2009). Outro elemento importante da concepção teórica de Rogers é que o organismo humano entende o que é melhor para si e, nessa operação, se favorece dos sentidos aperfeiçoados no decorrer da evolução da espécie. Tato, olfato e paladar identificam coisas como prazerosas (por exemplo, sabor e cheiro aprazíveis), o que é salutar. Assim como nossos instintos estão preparados para engrandecer a “consideração positiva”, o conceito rogeriano que aponta para ações como cuidado, carinho, atenção etc. (ROGERS, 2009) Para entrar em contato com a obra de Carl Rogers (2009) e entender a sua teoria, leia o livro Tornar-se Pessoa, a partir do qual é possível compreender como ele entendia o processo de tornar-se pessoa, a psicoterapia como uma construção do cliente, os modos de conceber a ciência e as reflexões sobre o processo de ensino-aprendizagem. Acesse: https://psicologadrumond.files. wordpress.com/2013/08/tornar-se-pessoa-carl-rogers.pdf. DICA 21 Rogers acreditava, então, que as pessoas reconhecem o que é interessante para elas e conseguem achar aquilo de que precisam na natureza e na família. No entanto, de acordo com o autor humanista, a sociedade e a cultura estruturam instrumentos que vão ao encontro dessas relações potencialmente saudáveis. Entre os instrumentos que se entendem como mais perigosos estão a “valorização condicional”, o costume e a tradição familiar, escolar e de outras instituições sociais, que podem responder às necessidades do sujeito se ele se garantir merecedor. Essa ação tem como consequência o que Rogers nomeou como a “consideração positiva condicional” – em que a manifestação característica é o reconhecimento dos pais ofertado como recompensa por bom comportamento – e a “autoconsideração positiva condicional” – produzida pela predisposição que os sujeitos possuem a reter os atributos culturais e usá-los como medida para o reconhecimento de si mesmos (FIGUEIREDO, 2014). Da dimensão conflitante entre o sujeito (“sou”) e o que se demanda dele (“devo ser”), cresce o que Rogers nomeia como incongruência, que produz sofrimento. Esse é o caminho que, para ele, se estrutura a neurose. Ao se ver constrangido a atender às expectativas sociais, o sujeito se percebe em uma situação ameaçadora, o que o induz a erguer defesas psicológicas. Perante a essa situação, o trabalho do psicólogo e do professor é possibilitar que seus clientes e alunos se transformem em sujeitos “plenamente funcionais”, isto é, saudáveis (FIGUEIREDO, 2014). Entre as formas de visualização do efeito dessa intervenção do profissional que segue essa corrente teórica, estão a pessoa conseguir se abrir para as novas experiências, a aptidão de viver o aqui e o agora, a segurança nos próprios desejos e intuições, a liberdade e a responsabilidade de agir, e a vontade para criar. Na teoria humanista, é entendido que, para se constituir em uma pessoa saudável, o sujeito precisa escutar a si mesmo e colocar seus desejos em ato. Assim, o que um bom terapeuta ou professor de abordagem humanista pode fazer é auxiliar nesse processo e intervir o menos possível. É nesse caminho que corresponde o conceito de ser um terapeuta “não diretivo”, a referência básica do rogerianismo (FIGUEIREDO, 2014). 2.2 A GESTALT: A PSICOLOGIA DA FORMA A Psicologia da Gestalt é reconhecida como uma das vertentes teóricas mais consistentes e coerentes da história da Psicologia. Seus autores tinham por objetivo constituir não só uma teoria sólida, mas uma estrutura metodológica robusta, que desse substância para uma teoria forte (DAVIDOFF, 2001). Gestalt é um nome alemão que se refere à forma ou configuração. No fim do século XIX, muitos pesquisadores buscavam entender o fenômeno psicológico em suas dimensões naturais (primordialmente no que tange à mensurabilidade) (DAVIDOFF, 2001). 22 Nessa época, a Psicofísica estava em evidência. O físico Ernst Mach (1838-1916) e o filósofo e psicólogo Christian von Ehrenfels (1859-1932) elaboravam uma Psicofísica com pesquisas sobre as sensações (o dado psicológico) de espaço-forma e tempo- forma (o dado físico) e tiveram seu reconhecimento como os mais diretos precursores da Psicologia da Gestalt (DAVIDOFF, 2001). Max Wertheimer (1880-1943), Wolfgang Köhler (1887-1967) e Kurt Koffka (1886- 1941), instrumentalizados pelas pesquisas da Psicofísica, que correlacionavam a forma e sua percepção, edificaram a estrutura de uma elaboração teórica, acima de tudo, psicológica. Eles, então, começaram suas investigações pela percepção e sensação do movimento (DAVIDOFF, 2001). Os gestaltistas buscavam entender quais os processos psicológicos atrelados à ilusão de ótica, quando o estímulo físico é visto pelo indivíduo como um modo distinto do que ele possui na realidade. É o exemplo do cinema: ao olhar uma fita cinematográfica, entende-se que ela é feita de fotogramas estáticos, mas a dinâmica que percebemos na tela é uma ilusão de ótica, produzida pela pós-imagem retiniana (a imagem fica um pouco mais morosa para “desaparecer” em nossa retina). A partir dos movimentos das imagens se superpondo em nossa retina, ficamos com a sensação de movimento. Entretanto, o que está contido na tela é uma fotografia estática (DAVIDOFF, 2001). A percepção é onde começam os estudos da Gestalt e um dos carros-chefes dessa teoria. Os trabalhos com a percepção conduziram os pesquisadores da Gestalt à problematização de um entendimento contido na corrente behaviorista – que existe vinculação de causa e efeito entre o estímulo e a resposta –, pois, para os teóricos da Gestalt, entre o estímulo que o ambiente emite e a resposta do sujeito, está o processo de percepção. Logo, o que o sujeito percebe e como percebe são elementos cruciais para o entendimento do comportamento humano (DAVIDOFF, 2001). O conflito entre a Gestalt e o Behaviorismo está na concepção que cada uma das vertentes defende perante o objeto da Psicologia – o comportamento –, porque tanto um quanto outro entendem a Psicologia como a ciência que investiga o comportamento (DAVIDOFF, 2001). O Behaviorismo, assumindo uma posição de objetividade, investiga o comportamento utilizando-se da relação estímulo-resposta, buscando afastar o estímulo que se refere à resposta esperada e descartando os conteúdos de “consciência”, pela inviabilidade de regular cientificamente essas variáveis (DAVIDOFF, 2001). A Gestalt questiona a teoria behaviorista, por acreditar que o comportamento, quando investigado de modo distanciado de uma conjuntura mais ampla, acaba desapossado de seu significado (a sua compreensão) para o psicólogo (DAVIDOFF, 2001). 23 Na perspectiva dos pesquisadores da Gestalt, o comportamento precisaria ser investigado nos seus conteúdos mais globais, incluindo as condições que modificam a percepção do estímulo. Para sustentar essa hipótese, eles se instrumentalizavam na ideia do isomorfismo, que pressupunha uma unidade no universo, cuja parte está sempre associada ao todo (DAVIDOFF, 2001). Quando percebemos uma parte de um objeto,acontece uma operação de recuperação do equilíbrio da forma, mantendo a compreensão do que percebemos. Esse evento da percepção é orientado pela nossa procura por fechamento, simetria e regularidade dos pontos que compõem uma figura (objeto). A Gestalt, trabalhando com os fenômenos da percepção, consegue capturar as condições para o entendimento do comportamento humano. O modo como percebemos um certo estímulo irá influenciar a manifestação do nosso comportamento. Em muitos momentos, os nossos comportamentos estão estritamente ligados aos estímulos físicos, enquanto, em outros, eles são totalmente diversos do esperado, pois “compreendemos” o meio que nos cerca de um modo diverso da sua realidade. Um exemplo são as ocasiões em que acenamos para uma pessoa familiar a distância, mas que, ao nos aproximarmos, percebemos não a conhecer. Um “equívoco” de percepção nos conduziu ao comportamento de acenar para o desconhecido. Nesse caso, quando confundimos a pessoa, estávamos mesmo acreditando acenar para um conhecido. Esse equívoco mostra que a nossa percepção do estímulo (a pessoa desconhecida) naquele contexto, naquelas condições que estão dadas, é intermediada pelo modo como damos sentido ao conteúdo percebido (DAVIDOFF, 2001). NOTA Se, nos componentes percebidos, não existe harmonia, simetria, invariabilidade e simplicidade, não teremos a boa forma. O componente que queremos entender precisa ser exposto em características básicas, que possibilitem a sua decodificação, isto é, a percepção da boa forma. Nesse sentido, o todo é sempre mais que a simples soma das partes. A propensão da nossa percepção em procurar a boa forma possibilitará a relação figura-fundo. Quanto mais nítida for a forma (boa forma), melhor será a distinção entre a figura e o fundo. Quando esse mecanismo não acontece, torna-se complicado separar o que é figura e o que é fundo, como é no exemplo da Figura 2. A ambiguidade entre fundo e figura superpõe-se, submetendo-se à percepção de quem os percebe, não sendo possível distinguir a taça e os perfis ao mesmo tempo. 24 FIGURA 2 – FIGURA IDENTIFICADORA DE FUNDO, SEGUNDO A ESCOLA DE GESTALT FONTE: <https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/three-times-figureground-perception-face- vase-1138779650>. Acesso em: 1 mar. 2022. É claro que nem todas as vezes os acontecimentos vividos irão se colocar de forma tão nítida que nos possibilitem a sua percepção instantânea. Esses acontecimentos podem se definir como obstáculo no processo de aprendizagem, posto que não emitem uma nítida distinção da figura-fundo, impossibilitando a relação parte/todo. Pode ocorrer de, em um primeiro momento, uma figura não ter qualquer sentido, mas, momentos depois, sem nenhum empenho maior para isso, a relação figura-fundo se esclarecer. A esse fenômeno a Gestalt chama de insight. O conceito se refere a um entendimento instantâneo, enquanto uma forma de “entendimento interno” (DAVIDOFF, 2001). 3 SIGMUND FREUD E A PSICANÁLISE As teorias científicas emergem sempre atravessadas pelo contexto histórico, nos seus mais diversos fatores sociais, econômicos, políticos, culturais etc. São, portanto, efeitos históricos produzidos por homens concretos, que vivenciam a sua época e colaboram ou transformam, de modo visceral, o progresso do conhecimento. Sigmund Freud (1856-1939) foi um médico vienense que mudou, drasticamente, a forma de ver a vida psíquica. Freud foi um pensador de vanguarda ao entender as “dinâmicas misteriosas” do psiquismo, suas “regiões obscuras”, ou seja, as fantasias, os sonhos, os esquecimentos, a interioridade do homem, como questões científicas. A pesquisa sistemática dessas questões intrigantes para o homem daquele tempo conduziu Freud à inauguração da Psicanálise (DAVIDOFF, 2001). 25 3.1 A PSICANÁLISE O nome Psicanálise é utilizado para designar uma teoria, um método de investigação e uma prática profissional. Como teoria, ela se afirma por uma coletânea de saberes organizados sobre o funcionamento da vida psíquica, pois Freud, a partir de uma vasta obra, documentava suas descobertas e elaborava leis gerais sobre a estrutura e o funcionamento da psique humana. Como método de investigação, a Psicanálise se utiliza do método interpretativo, que, através da palavra do analisando, tenta escutar seu sintoma e, com ele, investiga as formações do trauma. Na escuta do analisando, o psicanalista tenta escutar as formas de manifestação do seu inconsciente, que se manifestam através dos sonhos, dos sintomas, dos chistes, das associações livres e dos atos falhos. A prática profissional traz o modo como a Psicanálise efetua o tratamento (denominado de análise), que se orienta para a escuta do inconsciente ou a cura, que acontece pela via do autoconhecimento (DAVIDOFF, 2001). Nos dias de hoje, a prática da Psicanálise acontece de muitos outros modos, isto é, pode servir como estrutura para psicoterapias e orientação ou ser utilizada no trabalho com grupos, em instituições. A Psicanálise também se mostra como um mecanismo fundamental para a análise e entendimento de eventos sociais expressivos: as novas modalidades de sofrimento psíquico, o crescimento do individualismo como expressão social e individual na contemporaneidade, o crescimento da violência, entre outros eventos do nosso tempo (DAVIDOFF, 2001). Trabalhar com a Psicanálise se refere, sobretudo, a seguir os passos de Freud, acompanhando com ele a edificação do seu conhecimento ao longo dos seus anos de atendimentos e pesquisas. A vinculação entre autor e obra se transforma em mais relevante quando sabemos que ampla parte de sua pesquisa foi estruturada em experiências pessoais, reproduzidas com rigor em diferentes partes de suas obras, como em A interpretação dos sonhos (1900) e A psicopatologia da vida cotidiana (1901), entre tantas outras (DAVIDOFF, 2001). 3.2 A ORIGEM DA PSICANÁLISE A formação de Freud foi em Medicina na Universidade de Viena, em 1881, onde ele se especializou em Psiquiatria. Fez algumas pesquisas em um laboratório de Fisiologia e lecionou a disciplina de Neuropatologia no instituto em que trabalhava. Por razões financeiras, ficou impossibilitado de se dedicar mais à atividade acadêmica e de pesquisador. Iniciou, assim, a sua prática clínica, atendendo pessoas que possuíam “problemas nervosos” (DAVIDOFF, 2001). 26 Ganhou uma bolsa de estudo para Paris, onde conheceu Jean Charcot e passou a trabalhar com ele. Charcot era um psiquiatra francês que cuidava das chamadas histerias, com o método da hipnose. Em 1886, Freud regressou a Viena e tornou a clinicar, e sua metodologia de trabalho primordial na extinção dos sintomas dos distúrbios nervosos foi, naquele primeiro momento, a sugestão hipnótica (DAVIDOFF, 2001). Em Viena, Freud começou a trabalhar com Josef Breuer, um médico e cientista, que contribuiu bastante as suas pesquisas. Nessa direção, o caso clínico de uma paciente de Breuer foi de fundamental importância. Ana O. (nome fictício) demonstrava um grupo de sintomas que a colocavam em sofrimento: paralisia com contratura muscular, inibições e dificuldades de pensamento. Esses sintomas passaram a aparecer quando ela cuidara do pai doente. Na época em que executava essa responsabilidade, ela havia tido pensamentos e afetos que se relacionavam a um desejo de que o pai morresse. Esses pensamentos e sentimentos foram recalcados/reprimidos e trocados pelos sintomas (DAVIDOFF, 2001). Conscientemente, Ana O. não conseguia dizer o motivo pelo qual apresentava todos aqueles sintomas, porém, quando estava sob a sugestão da hipnose, falava sobre a origem de cada um deles, que estavam conectados a experiências anteriores, vinculadas ao evento da doença do pai.Com a retomada dessas cenas e vivências através do efeito da hipnose, os sintomas sumiam (DAVIDOFF, 2001). Tal sumiço não acontecia de modo mágico, mas, sim, pela razão da liberação das reações emotivas vinculadas a situação traumática – a doença e o desejo inconsciente da morte do pai doente. Breuer intitulou de método catártico o tratamento que torna possível a liberação de afetos e emoções conectadas a eventos traumáticos, que não conseguiram ser manifestos no momento da experiência repugnante ou dolorosa (o desejo de que o pai doente morresse) (DAVIDOFF, 2001). Para entender melhor o percurso do pai da psicanálise Sigmund Freud e a sua teoria, assista ao filme Freud além da alma, de 1962, que traz os anos iniciais da montagem da psicanálise de Freud, a sua teorização inicial sobre o complexo de édipo e os estudos sobre a histeria. Acesse: https://vimeo.com/142402784. DICA Essa liberação de afetos conduz à extinção dos sintomas. No começo de sua atividade médica, Freud utilizava a hipnose não somente com a finalidade de sugestão, mas também para coletar a história da raiz dos sintomas. Logo após, passou a usar o método catártico e, ao longo de seus atendimentos com seus pacientes, adaptou a 27 técnica de Breuer, deixando de usar a hipnose como prática, pois nem todos os pacientes conseguiam se submeter a hipnose. Freud elaborou a técnica de concentração, na qual a lembrança sucessiva dos fatos era realizada através da conversação normal e, por fim, após a sugestão de uma jovem paciente, passou a não fazer tantas perguntas e adotou a técnica da associação livre, em que o paciente se põe a falar de acordo com as ideias que lhe vêm à mente, com o objetivo de que, nessa associação, adviesse algo do inconsciente (DAVIDOFF, 2001). 3.3 A DESCOBERTA DO INCONSCIENTE Um questionamento acompanhava a prática inicial de Freud em sua clínica: qual poderia ser a razão pela qual os pacientes não se lembravam de tantos acontecimentos de sua vida interior e exterior? Esse conteúdo esquecido era sempre algo muito difícil para a pessoa – e era precisamente por ser difícil para a pessoa que era esquecido. Além disso, o difícil não expressava, obrigatoriamente, sempre algo ruim, mas tinha a possibilidade de estar atrelado a algo bom, mas que se perdera ou que fora vivamente desejado. Quando Freud decidiu renunciar às perguntas em sua prática clínica com os pacientes e os permitiu falar livremente, percebendo que, em muitos momentos, eles se viam constrangidos, envergonhados com alguns pensamentos ou imagens que lhes acometiam. Freud chamou de resistência esse mecanismo psíquico que se insurgia a um conteúdo ser tornado consciente. Além disso, denominou como repressão/ recalque o mecanismo psíquico que objetiva esconder, ocultar da consciência, uma ideia ou representação insuportável e penosa, que está na raiz do sintoma do sujeito (DAVIDOFF, 2001). O inconsciente representa o agrupamento dos conteúdos não identificados no momento presente na consciência. É formado por conteúdos reprimidos, que não possuem entrada aos sistemas pré-consciente/consciente, pela atividade de censuras internas, que impedem o seu acesso. Esses conteúdos inconscientes podem ter sido conscientes, em algum momento, mas foram recalcados, ou seja, “migraram” para o inconsciente, ou ainda podem ser verdadeiramente inconscientes. O inconsciente é um sistema do aparelho psíquico, mantido por leis próprias de funcionamento. Ele é atemporal, ou seja, não possui as noções de passado e presente (DAVIDOFF, 2001). NOTA 28 Com o efeito do recalque que atua para proteger o indivíduo de se haver com uma lembrança ou pensamento dolorosos, esses conteúdos psíquicos vão para o inconsciente. Freud concebia, assim, o aparelho psíquico estruturado em três instâncias, conhecidos como primeira tópica: pré-consciente, consciente e inconsciente. Além disso, ele as localizava com as suas devidas funções em nosso psiquismo (DAVIDOFF, 2001). A descoberta do inconsciente e o mecanismo de funcionamento do aparelho psíquico freudiano resultaram na estrutura primordial do entendimento das neuroses e promoveram grandes transformações na atividade clínica. O objeto da Psicanálise passou a ser desvendar os recalques e tentar entender a razão pela qual eles se erigiam, para que o analisando pudesse dar um outro destino ao seu sofrimento (DAVIDOFF, 2001). 29 Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como: • A Psicologia científica emergiu a partir do momento em que, seguindo com as normas da ciência do século XIX, Wundt priorizou a Psicologia “sem alma”. • As três mais relevantes propostas teóricas da Psicologia do século XX são reconhecidas por diversos pesquisadores como sendo o Behaviorismo ou Teoria (S-R), a Gestalt e a Psicanálise. • O Behaviorismo, tomando o comportamento como objeto de estudo da Psicologia, emprestava à ciência psicológica a solidez que os psicólogos do período precisavam – um objeto que fosse observável, mensurável, cujos experimentos fossem passíveis de ser reproduzidos em diversas circunstâncias e sujeitos. • A Gestalt, trabalhando com os fenômenos da percepção, conseguiu capturar as condições para o entendimento do comportamento humano. • A teoria de Carl Rogers – que apresentou uma grande coletânea de conceitos próprios – nasceu como uma terceira via entre os dois campos hegemônicos da psicologia por volta do século XX. • Freud foi um pensador de vanguarda ao entender as “dinâmicas misteriosas” do psiquismo, suas “regiões obscuras”, ou seja, as fantasias, os sonhos, os esquecimentos e a interioridade do homem como questões científicas. RESUMO DO TÓPICO 2 30 AUTOATIVIDADE 1 A Psicologia, quando vinculada à Filosofia, investigava a alma. A Psicologia científica emergiu justamente quando, seguindo as normativas para se constituir enquanto ciência do século XIX, Wundt preconizou a Psicologia sem alma. O saber, lido como científico, é aquele produzido em laboratórios, com a utilização de ferramentas de observação e medição. Essa Psicologia Científica, que consistia antes de três escolas – Associacionismo, Estruturalismo e Funcionalismo –, foi trocada, no século XX, por novas abordagens. As três correntes teóricas da Psicologia mais relevantes, nesse século, são encaradas por diversos pesquisadores a partir de uma nomenclatura específica. A respeito do tema, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Gestalt, Humanista e Psicanálise. b) ( ) Behaviorismo ou Teoria S-R (de estímulo-resposta), Gestalt e Psicanálise. c) ( ) Psicanálise, Centrada na Pessoa e Jungiana. d) ( ) Behaviorismo, ou Teoria S-R (de estímulo-resposta), Gestalt e Psicologia Analítica. 2 No artigo O que é a psicologia? (1956), o pensador Georges Canguilhem realizou uma das críticas mais vorazes às tentativas de se buscar um objeto de estudo que unificasse toda a Psicologia. Assim, propôs tratar a Psicologia no plural (Psicologias), para abarcar toda a sua multiplicidade de objeto de estudo e teorias. Nessa direção, é necessário que cada profissional de Psicologia entenda que a sua formação deve englobar o domínio mínimo das diferentes correntes teóricas. Com base, nas correntes teóricas da Psicologia, analise as afirmativas a seguir: I- O estruturalismo de Titchener trabalhou a diferença, em outro momento, realizada por William James, entre estruturalismo e funcionalismo. Na concepção do estruturalismo, o foco se destina sobre aquilo que “é”, enquanto, para o funcionalismo, a problemática gira entorno do “para que”. II- A Psicologia da Gestalt emergiu como uma proposta questionadora à concepção elementarista em Psicologia. Na concepção da Gestalt, o todo é sempre mais que a simples soma das partes. III- Para o Behaviorismo de Watson, a Psicologia
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