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TAVARES, Juarez Fundamentos de Teoria do Delito-61-83

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CAPÍTULO	I		-		INTRODUÇÃO		-		III.	A	NORMA	CRIMINALIZADORA:	A	QUESTÃO	DA	LEGITIMIDADE	 61
5. RACIONALIDADE E COMUNICAÇÃO
O procedimento válido da criação da norma penal, em função dos 
dados racionais, tem como pressuposto, inicialmente, que ela encerre um 
ato de comunicação que envolve toda a sociedade. Como ato de comu-
nicação, portanto, a norma penal deve indicar, com clareza, não apenas 
o que ela proíbe ou determina, mas também os seus efeitos. 
Essa exigência se estrutura pelo atendimento do princípio da lega-
lidade. Mas a simples observância desse princípio também não satisfaz as 
exigências de que a norma tenha sido produzida de modo racional. Para 
que a norma incriminadora seja produzida de modo racional, além de 
indicar o fato incriminado e seus efeitos, deve demonstrar que seu con-
teúdo, tomado objetivamente, corresponde a um enunciado que possa 
ter validade para todos, em todas as hipóteses, como consequência de 
um procedimento isento de emoções, de ideologia, de filiação religiosa, 
de concepção filosófica ou política. 
Essas condições negativas do procedimento se orientam pela pers-
pectiva de fazer com que a incriminação se comunique aos destinatários 
de modo tal que todos se possam tomar como participantes de sua ela-
boração. A democracia moderna não se resume, como se disse, a debates 
parlamentares. Essa é sua face mais saliente. Tampouco é suficiente que 
se complemente com as discussões fora do Parlamento, como nos semi-
nários, congressos e até em manifestações. Essa é outra face importante 
da democracia, mas não esgota seu verdadeiro conteúdo. A democracia, 
diante da complexidade da vida moderna, só pode ser executada quando 
possibilita que as normas que edita possam ser incorporadas por todos, 
como se fossem de sua própria produção. 
Aqui não se trata de obter um consenso por meio da imposição do 
melhor argumento esgrimido na esfera pública, mas de produzir a norma 
penal de forma que ela, racionalmente, já como discurso, possa ser co-
nhecida por todos e, de certa forma, acatada como se fosse obra de cada 
um. A observância de uma norma confeccionada dessa maneira e com 
esse formato não implica revitalizar o velho princípio da universalidade 
de origem kantiana, que dependeria da vontade do próprio sujeito. A 
vontade só interessa como instrumento de oposição a essa norma, como 
expressão, portanto, do dissenso, ao qual o discurso deve atenção.
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O primeiro passo dessa forma de racionalização, até em função 
da preponderância das forças sociais ativas nos parlamentos, deverá ser 
o de desvincular a norma incriminadora a um determinado programa 
partidário, que limite seu enunciado apenas a repetir slogans. 
Como ato de comunicação, a norma penal deve estar capacitada 
a se dirigir a todos os integrantes da sociedade, indistintamente, ainda 
que pertençam a programas partidários, sigam-nos ou contrariem-nos. 
A observância da proibição ou o cumprimento de deveres não pode 
implicar e nem gerar uma atitude de simpatia ou de antipatia, nem para 
com o programa do partido nem para com seus opositores. 
Se a norma induz que sua observância favorece o programa 
partidário ou lhe proporciona vantagens eleitorais, em face do grau 
de intimidade com as ideias de seus membros ou com as palavras 
de ordem de suas campanhas políticas, significa que essa norma está 
demasiadamente comprometida, carece de legitimidade. No campo 
penal, inclusive, o que mais se observa, à medida que a norma de-
penda dos interesses partidários, é a ampliação da repressão, em cujos 
objetivos, por uma questão de pura mercadologia política, todos os 
partidos estão interessados, a fim de demonstrar sua eficiência como 
representação parlamentar. Ainda que todos os partidos optem pelo sis-
tema repressivo, sua produção legislativa será ilegítima se não puder ser 
acatada por todos, sem distinção. Igualmente, será ilegítima, quando 
violar preceitos essenciais da Constituição ou seu próprio sistema de 
garantias. Nesse ponto, será uma norma ilegítima aquela que, inde-
pendentemente da filiação partidária, se identifique com uma política 
geral de repressão ou corresponda a uma campanha discriminatória 
contra segmentos sociais marginalizados, contra minorias ou grupos 
divergentes, ou que incorpore preceitos que violem direitos funda-
mentais. Será, por exemplo, uma norma ilegítima a que imponha a 
todos o dever de denúncia, ou a que institua um dever de proteção à 
propriedade, sem levar em conta sua função social, ou a que convoque 
os sujeitos a colaborar, ativamente, na repressão ou em programas do 
próprio Estado, sem lhes dar a chance de escolher projetos alterna-
tivos. Uma norma de tal ordem é própria do Estado despótico, mas 
não do Estado democrático. Ninguém pode ser obrigado a denunciar 
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a conduta irregular de qualquer outro, como não pode ser obrigado a 
cumprir tarefas repressivas, salvo se tiver a elas aderido.
Como a norma deve se dirigir, indistintamente, a todos, será preci-
so conferir a todos o poder de participar em sua elaboração, de discutir 
seu enunciado, de se conformar com ele ou dele divergir. Está claro que 
isto não implica que todos devam participar, ativa e concretamente, de 
sua votação. Isso, ademais, só limitadamente será possível na complexa 
sociedade em que se vive, nos casos, inclusive, tipificados nas respec-
tivas cartas constitucionais, por exemplo, por meio de referendos ou 
plebiscitos. 
Nos Estados que seguem o regime representativo, normalmente a 
formação de um Parlamento livremente escolhido tem como finalidade 
expressar essa participação. No entanto, uma vez que a configuração 
de uma norma penal deve ter como característica a sua imparcialidade, 
a simples constituição do Parlamento, por si, não é capaz de assegurar 
que o conteúdo da norma corresponda aos interesses de todos aqueles 
que, teoricamente, poderiam ter participado de sua discussão. A marca 
decisiva da possibilidade dessa discussão decorre da exigência de que, 
em seu conteúdo, a norma trate seus destinatários da mesma forma que 
trataria seus próprios elaboradores, superando sua inserção de classe ou 
sua condição como força social ativa. Essa é uma fórmula racional que 
tem por finalidade, precisamente, tornar executável aquelas condições 
negativas de sua validade, relativas à emoção, à filiação religiosa, ideoló-
gica, filosófica ou política dos parlamentares.
Por outro lado, até em face de uma realidade que não pode ser 
ignorada, o discurso ideal não pode se basear apenas no consenso. A 
isenção da norma, sua imparcialidade e sua suposta universalidade não 
pressupõem que todos devam se submeter ao seu enunciado, mas apenas 
que o possam, racionalmente, acolher como obra de cada um, na medida 
em que esse enunciado não foi gerado sob a influência das condições 
negativas do discurso ideal. 
Em geral, quando se trata de norma incriminadora, é muito prová-
vel até que se dê o contrário, isto é, que, concretamente, os afetados não 
estejam de acordo com essa incriminação. Diante dessa probabilidade, a 
validade da incriminação, então, deve abrir a possibilidade para que essa 
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divergência seja também levada em consideração, tratando o dissenso 
da mesma forma que trataria o consenso. Com isso, poder-se-á obter 
um certo grau de imparcialidade em seu enunciado, porquanto, com 
o equilíbrio entre consenso e dissenso, eliminar-se-iam os privilégios 
em sua elaboração e poder-se-ia assegurar que os princípios essenciais 
de preservação da pessoa humana fossem observados e erros coletivos 
fossem corrigidos. 
Imagine-se uma norma que proíba as manifestações públicas de 
qualquer ordem, com o fim de preservar o normal desenvolvimento do 
trânsito das cidades ou a preservação estética de seus logradouros, que 
poderiam ficar danificados diante da presença de tantaspessoas. Ainda 
que perseguindo objetivos de gestão administrativa, essa norma seria 
inválida, desde logo, em sua elaboração, embora correspondesse a um 
suposto consenso geral, porque violaria direitos fundamentais da pessoa 
humana relativos à sua autonomia e ao exercício de sua liberdade, ou 
seja, essa norma violaria os próprios fundamentos do discurso demo-
crático. Haveria uma norma ilegítima, porque encerraria um programa 
de proteção a bens públicos, sem levar em conta a própria expressão das 
pessoas que deles usufruam. Nesse caso, ainda que todos os logradouros 
sirvam a todos e que, portanto, sua preservação seja do interesse geral, 
um suposto consenso daí resultante não pode validar a norma, porque 
o próprio consenso carece de validação, quer dizer, a sua obtenção é de 
tal forma suspeita, sob o enfoque da preservação da liberdade, que o 
dissenso deverá ser tomado como a regra a ser seguida. Portanto, a ele-
vação do dissenso, também como elemento de discussão racional conduz 
a criar condições para que a norma penal possa ser, ainda, confrontada 
com outros preceitos da ordem jurídica, que estariam acima, inclusive, 
dos elementos lógicos que normalmente constituiriam os pressupostos 
de sua validade.
Há, por outro lado, um ponto significativo do enunciado de 
KLAUS GÜNTHER, que deve merecer uma atenção especial. Trata-se 
da questão da veracidade do discurso e da verdade de suas proposições 
em face dos dados concretos sobre os quais deverá incidir. 
Ao traçar as características do discurso teórico, HABERMAS assina-
la que a legitimidade não está associada aos elementos de sua correção, 
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mas aos de seu entendimento, aos atributos de verdade e veracidade. A 
matéria da correção estaria afeta ao discurso prático.33 Isso implica, assim, 
que o enunciado da norma incriminadora, por exemplo, deva ser apre-
ciado, inicialmente, em função de que seja apreensível por todos, de que 
exprima uma verdade e de que seja capaz de proporcionar sua distinção 
diante de outros enunciados não verdadeiros, quer dizer, que contenha 
o atributo de veracidade. Não interessaria, pois, ao discurso ideal e nem, 
por isso mesmo, à questão da legitimidade inicial da norma penal a refe-
rência à sua correção ou adequação, que seriam condições de validade do 
discurso prático ou de aplicação. Mas a validade da norma, já em face de 
seu confronto com os dados empíricos, dever estar, depois, subordinada 
a juízos de correção e adequação, os quais não podem ficar apenas limi-
tados ao contexto normativo. O próprio HABERMAS admite, como 
terceiro estágio, um confronto dos discursos teóricos (de entendimento) 
e práticos (de correção) com os dados empíricos.34 
Diversamente de HABERMAS, considera KLAUS GÜNTHER 
que o atributo de sua compreensão não constitui condição do discurso 
teórico, mas um pressuposto de toda e qualquer forma de manifestação 
de pensamento, que constituiria, assim, uma base empírica sobre a qual 
se poderiam edificar os critérios de verdade e veracidade.35 
O problema principal que apresenta uma tal proposta reside, em 
primeiro lugar, na identificação do que se possa compreender por ver-
dade e por veracidade. Se a questão da verdade é matéria apenas de 
entendimento ou compreensão, o tema estará afeto à racionalidade do 
enunciado normativo. Se, ao contrário, a verdade envolve também dados 
empíricos ou, pelo menos, uma relação de dados capaz de ser empirica-
mente apreciável, então, o tema se desloca do discurso racional para seu 
confronto prático com a realidade.
6. A APLICAÇÃO DA NORMA
Uma vez descortinados os elementos racionais que devem estar 
reunidos em torno da elaboração da norma e de seu enunciado, será 
33. HABERMAS, Jürgen. Vorstudien und Ergänzungen zum kommunikativen Handeln, Frankfurt am 
Main: Suhrkamp, 1995, p. 598. 
34. HABERMAS, Jürgen. (Nota 33), p. 601.
35. GÜNTHER, Klaus. (Nota 32), p. 39 e ss.
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preciso fazer seu confronto com os dados empíricos da realidade social, 
na qual aquele discurso será aplicado. 
Nesse aspecto, pode-se ver que a realidade social nem sempre 
corresponde ao discurso racional. Na maioria das vezes, em face das 
contradições antagônicas que se manifestam nas relações de produção, 
a norma incriminadora está dirigida no sentido de sedimentar aquelas 
relações, até mesmo com o sacrifício de seus sujeitos. O confronto em-
pírico, nesse caso, deve descaracterizar a norma, quando os dados do 
conflito social indicarem que sua execução fortalecerá as discriminações 
e as possibilidades de sua superação, ou que produzirá a intensificação 
do processo de marginalização social e exclusão. 
Sempre que se cogita da limitação do normativo por meio do 
empírico, são trazidos à colação dois elementos essenciais a esse proce-
dimento: o conteúdo da avaliação empírica e o significado do conceito 
de verdade. 
A discussão em torno do conceito de verdade é por demais proble-
mática e intensa. Desde a velha fórmula aristotélica da correspondência 
entre pensamento e objeto até as modernas formulações da coerência ou 
do consenso, parece que não se obteve ainda um conceito preciso de ver-
dade. Poder-se-ia talvez pensar que o conceito de verdade decorreria, em 
princípio, das condições que o próprio objeto poderia proporcionar à sua 
compreensão. Assim, o conceito de verdade está sempre atrelado ao con-
teúdo dos elementos empíricos ao quais quer se referir. Essa é a fórmula 
de BERTRAND RUSSEL, seguida por FERRAJOLI.36 Partido dessa 
consideração, pode-se dizer que o conceito de verdade como correspon-
dência, no sentido original dessa proposição, só será válido quando se 
referir a objetos simples. Se tenho um copo com água na minha frente, 
posso verificar, sem dificuldade, que se trata mesmo de um copo com 
água. Se o copo for transparente, posso ver a água em seu interior e, 
depois, posso mesmo comprovar que se trata de água, quando provo 
de seu conteúdo. A verdade como correspondência poderá funcionar 
nesses casos. Quando, porém, o objeto a ser pesquisado for a conduta 
humana, a verdade como correspondência não pode seguir um caminho 
tão simples. Inicialmente, tem-se que considerar que a conduta humana 
36. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, São Paulo: RT, 2014, p. 52.
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é muito complexa, porque envolve não apenas uma causalidade física 
ou elementos materiais visíveis, mas também a influência do contexto e 
das condições psicológicas do sujeito. A conduta humana, portanto, não 
pode apreendida pelos métodos tradicionais de investigação. Depois, a 
conduta humana guarda em si mesma, conforme a influência desses fa-
tores contextuais e psicológicos, alto grau de contingência que não pode 
ser simplesmente estabilizada pela norma. Daí se dizer que, na aplicação 
da norma, não se deve buscar uma verdade real, mas verificar até que 
ponto essa aplicação e sua posterior execução não destruirão a autonomia 
dos sujeitos que sofrem sua incidência concreta. Quando a aplicação da 
norma implicar uma dessocialização do sujeito será ela inválida, porque 
transforma a conduta humana, que quer regular, em objeto estático e, 
assim, impróprio para sedimentar o que se exige para a manutenção de 
um Estado democrático.
De outra parte, quando se fala de dados empíricos ou de pesquisa 
empírica, tem-se a primeira impressão de que se trata de uma investigação 
de campo, baseada essencialmente naqueles indicadores tradicionais do 
empirismo inglês: a observação, a experiência, a demonstração e a regu-
laridade.37 DIEKMANN destaca, no entanto, que os métodos empíricos 
não podem ficar atrelados aos objetos exclusivos das ciências naturais, 
como a física, a química, a biologia e outras. Ao contrário, conforme 
variem os objetos, devem se alterados os métodos de investigação.38 
Assim, em função do objeto jurídicoconsiderado, os métodos 
empíricos de verificação deverão incorporar dados que lhes sejam com-
patíveis. Até porque ninguém se atreveria a dizer que a norma, antes de 
sua entrada em vigência, deveria estar submetida ao método experimen-
tal, o que implicaria não apenas uma desordem jurídica como também 
poderia dar lugar a regimes autoritários que se perpetuassem por meio 
de leis provisórias. 
Apesar de o direito exigir uma norma definitiva, por razões de se-
gurança, igualmente não pode vedar sua crítica e as manifestações contra 
sua aprovação. Deve ajustar-se a uma outra exigência: que a norma possa 
suportar um processo de sua refutação tanto por juízos racionais quanto 
37. BACON, Francis. Novum Organum, livro 1; HUME, David. Tratado da natureza humana, 2001, 
Livro 1. 
38. DIEKMANN, Andreas. Empirische Sozialforschung, Hamburg: Rowohlts, 2009, p. 18.
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empíricos. O próprio DIEKMANN, um empirista, admite-o, mas adver-
te que os estudos empíricos não podem ficar adstritos apenas a critérios 
de custo/benefício.39 Os dados empíricos, portanto, não podem servir 
de parâmetros de legitimação, mas apenas de deslegitimação, porque a 
liberdade humana não pode ficar na dependência de juízos estatísticos. 
Uma vez admitida a verificação ou contraprova empírica de uma 
norma incriminadora, cabe, agora, definir a análise de sua aplicação. 
Atendendo ao objeto específico do direito, os dados empíricos devem 
dizer respeito aos elementos ou pressupostos essenciais, que devem estar 
presentes nessa espécie de norma, relativamente à lesão de bem jurídico 
e aos procedimentos de imputação. A exigência de uma confrontação 
entre o empírico e o normativo, então, é decorrência da própria na-
tureza complexa e contingente do objeto que quer regular: a conduta 
humana. Nesse confronto é fundamental verificar como a norma traba-
lha a afetação do bem jurídico. A norma não pode, desde logo, afirmar 
que quer proteger o bem jurídico, porque esse objetivo é, praticamente, 
inalcançável. Tal enunciado só pode ser apreciado como direito penal 
simbólico, e não como norma de conduta. De qualquer modo, a norma 
deve instituir como pressuposto da incriminação que a conduta proibida 
afete um bem jurídico ou um direito subjetivo. Sem esse pressuposto, 
não pode haver incriminação.
Pela complexidade resultante dos diversos enfoques que buscam 
legitimar a norma incriminadora, já se pode ver que tais procedimentos 
carecem de uma formulação perfeita, porque dependem de muitas vari-
áveis, principalmente aquelas derivadas do contexto do mundo da vida. 
A tarefa correta, nesse caso, não será no sentido de indicar os elementos 
legitimantes da norma, mas sim de exigir a presença de elementos míni-
mos que possam tornar menos irracional sua aplicação. Esses elementos 
correspondem em certa medida aos princípios de limitação interna de 
que fala FERRAJOLI: 40 a) a demonstração inequívoca de que a conduta 
incriminada lese um bem jurídico, satisfazendo, assim, à exigência de 
ofensividade ou lesividade; b) a sedimentação do processo de impu-
tação em uma relação de causalidade entre a conduta do sujeito e o 
39. DIEKMANN, Andreas. (Nota 38), p. 25.
40. FERRAJOLI, Luigi. (Nota 36), p. 421 e ss.
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dano causado; c) a correção da amplitude da causalidade por condições 
que possam identificar o dano dentro do âmbito da conduta do sujeito 
sob parâmetros de uma orientação empírica previamente determinada 
pela definição normativa; d) a subordinação do juízo de ilicitude aos 
fundamentos da ordem jurídica nacional e internacional em face das 
permissões e autorizações de conduta; e) a delimitação de um juízo de 
culpabilidade que possa assegurar a satisfação de todas as condições de 
autonomia do sujeito; f ) a inserção na culpabilidade de um critério que 
possa excluí-la em face da possibilidade real de se solucionar o conflito 
de outro modo, levando em conta também a intensidade do risco e sua 
relevância para a lesão de bem jurídico a partir da preservação e pers-
pectiva do sujeito.
Essas são as condições mínimas que a realidade empírica pode for-
necer para delimitar os enunciados normativos. Geralmente, a doutrina 
penal tem atendido a essas condições. Mas há um problema. No fundo 
não se trata de coletar elementos empíricos para justificar a norma. Im-
portante é verificar aquilo que se disse no início: uma norma não pode 
valer sem levar em conta os elementos do contexto. 
Ao levar-se em conta o contexto atual, é possível verificar que o 
confronto da realidade empírica com a norma não pode ser produzido, 
assim, por meio da análise de elementos pontuais, mas sim dentro do 
âmbito global, daquilo que HEGEL chamava de vontade universal.
Quando se confronta a realidade empírica com as exigências dis-
cursivas para a legitimação da norma incriminadora o que se extrai não é 
a formação de uma base harmoniosa e reluzente. Enquanto as condições 
discursivas teóricas e práticas exigem a participação conjunta de todos 
os afetados pela incriminação, segundo regras que possam preservar, em 
cada um desses afetados, sua autonomia, a realidade empírica demonstra 
uma desordem social motivada pela divisão da sociedade em classes anta-
gônicas, que destrói as supostas bases democráticas para sua elaboração. 
Se as bases democráticas não podem ser sedimentadas em face 
da realidade empírica – que se configura como uma realidade intrin-
secamente contraditória e destruidora da autonomia do sujeito, o qual 
deixa de ser tomado como pessoa, no sentido universal e dinâmico, e se 
torna, assim, um simples objeto estático de programas estatais – estará 
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seriamente comprometida a legitimidade da norma incriminadora, aqui 
gerada e aplicada. Assim, sem que a produção e aplicação da norma 
correspondam integralmente a uma sociedade democrática, igualitária 
e livre de toda a sorte de autoritarismo, de submissão de classe e de dis-
criminações, ou seja, sem uma sociedade autenticamente democrática 
não se pode proibir nem mandar.
IV. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS BÁSICOS
A definição de uma conduta na lei constitui uma imposição consti-
tucional (art. 5º, II e XXXIX, da CR), em vigor nas legislações modernas, 
desde a Constituição americana de 1787 e a Declaração Universal dos 
Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa de 1789, e 
nelas se insere como princípio básico, denominado de princípio da lega-
lidade ou princípio da reserva legal, ou, conforme outra terminologia, 
postulado da legalidade . Da mesma forma, constitui princípio básico o 
da proteção da dignidade da pessoa humana, inserido nas constituições 
europeias de pós-guerra como fundamento da democracia.
1. O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
No Brasil, o princípio da legalidade estava disposto na Constituição 
Imperial de 1824 (art. 179, XI), bem como na Constituição Republicana 
de 1891 (art. 72, § 15), na Constituição de 1934 (art. 113, inc. 26), na 
Constituição de 1937 (art. 122, inc. 13), na Constituição de 1946 (art. 
141, § 27) e na Constituição de 1967 (art. 150, § 16). Constava também 
em todos os nossos códigos: Código Criminal do Império de 1830 (art. 
1º), Código Penal de 1890 (art. 1º) e Código Penal de 1940 (art. 1º). 
O princípio da legalidade é tão importante que o legislador deci-
diu transformá-lo também em uma norma do próprio Código Penal. 
Note-se que a norma constitucional atual tem redação idêntica àquela 
do vigente Código Penal (art. 1º): “Não há crime sem lei anterior que o 
defina, nem pena, sem prévia cominação legal”. Como o princípio da lega-
lidade, além de estar na Constituição, também está disposto no Código 
Penal, pode-se dizer que se trata de uma regra, ou de postulado norma-
tivo, que não pode ser flexibilizado. Se uma conduta não estiver prevista 
na lei penal como criminosa, nada poderá transformá-la em criminosa, 
nem a vontadedos governantes, nem as decisões judiciais, ainda que seus 
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possíveis efeitos possam ser considerados socialmente relevantes. Coro-
lários diretos do princípio da legalidade são o postulado da taxatividade, 
a proibição do uso de analogia para configurar conduta criminosa ou 
agravar suas consequências, a proibição de retroatividade de lei incrimi-
nadora ou mais rigorosa e a exigência de uma lei criminalizadora escrita. 
O postulado da taxatividade estabelece que a norma criminalizado-
ra, ao definir a conduta criminosa, indique, com precisão, os elementos 
que a compõem. Não basta, assim, uma definição genérica, como “violar 
a ordem pública” ou “obstruir a justiça” ou “impedir ou embaraçar a 
investigação”; é preciso que se esclareça o que constitui ordem pública, 
o que é obstrução da justiça, ou o que é impedir ou embaraçar a investi-
gação, assim como disciplinar as formas e os modos de sua violação ou 
obstrução. Muitas vezes, o enunciado da lei corresponde a expressões da 
linguagem comum, as quais podem ser compreendidas por todos sem 
qualquer esforço. Outras vezes, porém, a lei emprega, na definição da 
conduta criminosa, expressões incertas. Com isso, viola o postulado da 
taxatividade. A lei tem que ser escrita de forma escorreita, mas em uma 
linguagem compreensível por todos.
Hoje, mais do que nunca, exige-se que o legislador esgote, em 
todos seus elementos, a definição da conduta criminosa, sem deixar para 
que outras normas secundárias o façam. Isso, porém, na prática, não 
ocorre. O legislador tem abusado de enunciados incertos e da vincula-
ção da definição da conduta criminosa a elementos contidos em outras 
normas. Mas essa forma de atuar do legislador é incompatível com o 
regime de garantias constitucionais, porque viola o princípio da reserva 
de lei formal para definir os elementos dos respectivos delitos. 
É uma consequência do postulado da taxatividade, que sejam eli-
minadas do direito penal as chamadas normas penais em branco, nas 
quais a proibição ou a determinação são complementadas por normas 
secundárias, geralmente resoluções administrativas editadas segundo a 
conveniência do governante, sem a possibilidade, no mínimo, de sua 
discussão no Parlamento.41 Da mesma forma ocorre com as chama-
41. KARPEN, Hans-Ulrich. Die Verweisung als Mittel der Gesetzgebungstechnik, Berlin; De Gruy-
ter, 1970, p. 215; MENDONÇA, Tarcísio Maciel Chaves de. Lei penal em branco, Rio de Janeiro: 
Lumen Juris, 2016, p. 215; crítico também, PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasilei-
ro, parte geral, volume 1, São Paulo: RT, 2005, p. 182.
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das técnicas de reenvio, que subordinam o preceito criminalizador a 
uma decisão puramente administrativa, como acontece com os tipos 
penais que contêm elementos que se referem ou à permissão da conduta 
ou à exclusão de sua ilicitude (art. 313-B, do CP). Ademais, em uma 
interpretação estrita do art. 22, I, da Constituição, somente a União 
pode legislar sobre matéria penal. Essas normas criam nos cidadãos um 
estado de perplexidade, deixando-os sem uma orientação precisa, uma 
vez que esses textos fogem da elaboração legislativa, da qual todos os 
cidadãos deveriam poder participar. Por seu turno, os regimes totalitá-
rios na América Latina sempre se valeram de normas penais em branco, 
com as quais puderam burlar o princípio da legalidade, sob a aparência 
de sua observância.42 Justamente por força dessa técnica de elaboração 
legislativa, foi possível a criação de delitos de perigo abstrato, entres 
os quais se situam aqueles vinculados ao tráfico e ao uso de drogas. A 
edição de normas penais em branco abre aos governantes autoritários a 
oportunidade de, mediante resoluções internas de órgãos administrati-
vos, manipular as normas criminalizadoras, de conformidade com seus 
interesses momentâneos. Justamente com o escopo de limitar o poder 
regulamentador autoritário, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos 
tem sedimentado uma lição que constitui o cerne do discurso jurídico 
democrático: o de que uma norma só pode ser considerada uma lei 
quando traça com precisão a conduta que quer disciplinar, a fim de que 
o cidadão possa por ela se orientar.43 
Em face de que a conduta criminosa tenha que vir definida es-
tritamente na lei, são inadmissíveis no direito penal todas as formas 
de analogia, salvo quando possam beneficiar o sujeito. Isso vale para a 
analogia legis e para a analogia juris, respectivamente, que decorra da 
transposição à norma penal de preceito legal específico ou de princípios 
ou pensamentos jurídicos de outros ramos do direito. Isso se aplica não 
apenas à tipicidade da conduta, mas também a todos os preceitos penais. 
42. DUHALDE, Eduardo Luís. El estado terrorista argentino: quince años despues, una mirada crí-
tica, Buenos Aires: Eudeba, 1999, p. 40.
43. TEDH. Decisão de 26 abril de 1979 (caso Sunday Times contra Reino Unido); decisão de 24 abril 
de 1990 (caso Kruslin contra França); decisão de 25 maio de 1996 (caso Kokkinakis contra Gré-
cia); sobre o tema da taxatividade, PALAZZO, Francesco. “O princípio de determinação taxativa 
da lei penal”, in Luís Greco/Antonio Martins (org.), Direito Penal como crítica da pena, Livro-
-Homenagem a Juarez Tavares, Madrid-Barcelona-Buenos Aires-São Paulo: Marcial Pons, 2012, 
p. 485 e ss.; SOUSA FILHO, Ademar Borges. O controle de constitucionalidade de leis penais no 
Brasil, Belo Horizonte: Forum, 2019, p. 364 e ss.
CAPÍTULO	I		-		INTRODUÇÃO		-		IV.	PRINCÍPIOS	CONSTITUCIONAIS	BÁSICOS 73
Atendendo a essas considerações, o Tribunal Constitucional da Espanha 
tem afirmado que as regras relativas à prescrição, por serem de direito 
material, devem atender estritamente ao princípio da legalidade e qual-
quer decisão que exceda seu significado gramatical deverá ser considerada 
inconstitucional. Portanto, um tribunal não pode ampliar analogica-
mente os casos de interrupção ou suspensão do prazo prescricional em 
desacordo com os estritos limites impostos pela lei penal que os regule.44
Tendo em vista que a norma jurídica, em geral, nos termos do 
Tribunal Europeu de Direitos Humanos, tem como finalidade servir de 
elemento orientador de conduta e não simplesmente de forma de imposi-
ção de sanção, a norma criminalizadora deve ser anterior ao fato praticado, 
porque só desse modo poderá cumprir aquela finalidade. Dessa forma, 
impõe-se a proibição de retroatividade de lei que criminalize a conduta, 
bem como que imponha ou agrave a pena ou prejudique o sujeito. 
Deve-se levar em conta, inclusive, que o princípio da legalida-
de e seus corolários correspondem aos termos de uma ordem jurídica 
propriamente racional. Ainda que o significado de racionalidade seja 
polissêmico, será possível impor condições mínimas que possam im-
pedir a constituição de uma ordem jurídica irracional. Nesse sentido, 
seguindo a metodologia proposta por HÜBNER,45 pode-se entender 
que uma ordem jurídica racional exige a presença, pelo menos, dos 
seguintes requisitos: a) a edificação de conceitos que, por sua clareza, 
possam ser identificados por qualquer pessoa; b) a disciplina de fatos 
de modo a possibilitar a compreensão de seus elementos constitutivos; 
c) a sistematização de normas que obedeçam a uma sequência lógica; 
d) a fundamentação da criminalização apenas sobre condutas e seus 
desdobramentos causais sensíveis; e) a subordinação das normas às ca-
racterísticas empíricas da conduta e às condições de seu autor, segundo 
suas possibilidades e participação no processo de elaboração legislativa. 
44. STC 97/2010; CARDENAL MONTRAVETA, Sergio. “Constitución y prescripción de la pena”, 
in Constitución y sistema penal, Madrid-Barcelona-Buenos Aires-São Paulo: Marcial Pons, 2012, 
p. 310; considerando a prescrição um elemento de direito penal e não simplesmente processual: 
ASHOLT, Martin. Verjährung im Strafrecht, Tübingen: Mohr, 2016, p. 295 e ss.45. HÜBNER, Kurt. Die Wahrheit des Mythos, München: Beck, 1985, p. 239 e ss.; para evitar um 
desvio de irracionalidade, com a proposta de que todas as normas penais, nelas incluindo a de-
finição do crime, suas consequências, acessórios e também as respectivas alterações, devam ser 
aprovadas com os votos de dois terços dos membros do Parlamento: VORMBAUM, Thomas. 
“Strafgesetze als Verfassungsgesetze”, in JZ, 73, 2018, p. 53/63; também, como programa de 
direito penal mínimo, FERRAJOLI, Luigi. “Crisi della legalità e diritto penale mínimo”, in Curi/
Palombarini (Org.), Diritto penale mínimo, Roma: Donzelli, 2002, p. 9 e ss. 
74	 FUNDAMENTOS	DE	TEORIA	DO	DELITO		-		JUAREZ	TAVARES
O princípio da legalidade disciplina não apenas a definição de 
uma conduta criminosa, mas também a espécie, a quantidade e a forma 
de execução da pena e de qualquer outra medida penal que imponha 
privação ou restrição de liberdade. A extensão do princípio da legali-
dade à execução da pena ou da medida de segurança é decorrência do 
próprio Estado de Direito que não pode autorizar o julgador a dispor 
da privação ou restrição da liberdade dos sujeitos, senão nos estritos 
caminhos ditados pelas normas criminalizadoras. Fere o princípio da 
legalidade a retroatividade de lei que altere a criminalização, tornan-
do-a mais rigorosa no que toca à definição da conduta criminosa, 
bem como no que refere aos regimes e tempos de execução da pena, 
incluindo nesses regimes todos os benefícios anteriormente vigentes. 
Igualmente, as normas penais em branco, para aqueles que as considerem 
constitucionais, editadas depois da realização do faro, submetem-se ao 
princípio da irretroatividade, como regra, e da retroatividade, quando 
eliminem ou reduzam a criminalização, ou quando, de qualquer forma 
beneficiem o agente. Há uma discussão na doutrina acerca dos efeitos 
dessa irretroatividade ou da retroatividade benéfica quando a alteração 
da norma complementar implicar uma modificação no conteúdo do 
injusto ou apenas em seus elementos circunstanciais. LUIZ REGIS 
PRADO segue a regra geral, admitindo a retroatividade quando se 
trate de norma, de qualquer forma, mais benéfica, independentemente 
se a alteração se refere ao conteúdo ou a elementos circunstanciais do 
injusto. Por sua vez, CEZAR BITENCOURT adota a tese de SOLER 
de que a retroatividade benéfica só é aplicável quando a alteração disser 
respeito à própria criminalização e não a elementos não essenciais do 
tipo.46 Na doutrina alemã essa discussão é praticamente inexistente, 
porquanto qualquer alteração da norma penal, seja em sentido estrito, 
seja norma penal em branco, se submete ao princípio geral previsto 
na Constituição relativamente à irretroatividade da lei mais rigorosa. 
Quanto a isso, o Tribunal Constitucional alemão declarou também, 
diversas vezes, inconstitucionais as alterações temporais de normas 
penais por normas complementares.47
46. PRADO, Luiz Regis. (Nota 41), p. 203; BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 
volume 1, São Paulo: Saraiva, 2016, p. 216 e ss.
47. HASSEMER/KARGL. Strafgesetzbuch, Nomos Kommentar, Baden-Baden: Nomos, 2005, p. 204.
CAPÍTULO	I		-		INTRODUÇÃO		-		IV.	PRINCÍPIOS	CONSTITUCIONAIS	BÁSICOS 75
A proibição de retroatividade se estende também à variação da 
jurisprudência, já consolidada pelos Tribunais em súmulas ou decisões 
repetidas, quando essa implique não apenas uma alteração de concepção 
jurídica, senão uma forma de integração legislativa. Haverá integração 
legal e não apenas diversidade de interpretação todas as vezes em que a 
decisão judicial acrescentar ao enunciado legal outro elemento nele não 
previsto e nem autorizado pela própria lei mediante o recurso da inter-
pretação analógica. Com a inserção dessa jurisprudência em súmulas, 
principalmente vinculantes, concretiza-se nos sujeitos a convicção acerca 
do que seja lícito ou ilícito. Quando ocorre uma variação jurispruden-
cial, de tal sorte que se modifique o próprio sentido da proibição ou 
determinação, opera-se nesses sujeitos também uma alteração quanto à 
orientação que devam seguir na vida social. A retroatividade dessa nova 
interpretação integradora implica uma verdadeira quebra de confiança 
na ordem jurídica, o que afeta diretamente sua liberdade de escolha e 
orientação.48 Está claro, então, que essa alteração não pode retroagir. 
A decisão judicial, por exemplo, que acrescente ao crime continua-
do (art. 71, CP) o dolo de continuidade, condição essa não prevista em 
sua definição e nem por ela autorizada, constitui verdadeira integração 
legal e não pode retroagir. Acolhendo essa tese, o Tribunal Europeu de 
Direitos Humanos acentuou que o princípio da legalidade compreen-
de tanto a necessidade da definição da conduta criminosa quanto da 
execução da pena. Com isso, também assinala que a jurisprudência con-
solidada pelos Tribunais integra o conceito de direito e de lei penal para 
os efeitos da proibição de retroatividade. O fundamento dessa assertiva 
resulta de que, sem a jurisprudência, a lei se torna inaplicável, porque 
será por meio dessa jurisprudência que os cidadãos poderão tomar 
melhor conhecimento da ordem jurídica. Com isso, também assinala 
que a alteração de interpretação acerca dos limites temporais da execução 
da pena para os efeitos de obtenção de benefícios representa uma criação 
de nova lei e, portanto, estará submetida à proibição de retroatividade, 
assim como ocorre com a lei escrita.49
48. TAVARES, Juarez. “Interpretación, principio de legalidad y jurisprudencia”, in Anuario de De-
recho Penal y Ciencias Penales, Volume 40, nº 3, Madrid: Ministerio de Justicia, 1987, p. 768; 
BUSATO, Paulo César. Direito penal, parte geral, 2ª edição, São Paulo: Atlas, 2015, p. 142 e ss.
49. TEDH, Sentença de 21/10/2013, Demanda 42750/09.
76	 FUNDAMENTOS	DE	TEORIA	DO	DELITO		-		JUAREZ	TAVARES
Por sua vez, o postulado da lei escrita, como forma de manifestação 
da incriminação, impede que delitos possam ser configurados a partir de 
regras morais ou de fontes consuetudinárias. O direito consuetudinário 
só pode ser levado em conta quando implicar o reconhecimento de um 
benefício ao sujeito ou de exclusão material da incriminação por força 
da perda de sua eficácia. A exclusão material do conteúdo de uma norma 
penal por perda de eficácia, em face de seu não uso prolongado, tem sido 
acolhida pela doutrina internacional, como forma de reconhecimento 
do direito consuetudinário. 
Na União Europeia, o direito consuetudinário é reconhecido como 
direito primário, ao lado das normas escritas,50 mas isso não o transfor-
ma em fonte primária de lei penal, uma vez que esta está subordinada 
aos preceitos de garantia do Tratado de Lisboa e outros documentos 
especificados pelo Tribunal Europeu.51 Apesar disso, o costume poderá 
desempenhar uma função disciplinadora de eficácia da norma escrita. 
Há que se fazer, nesse ponto, uma diferenciação entre perda consuetu-
dinária de eficácia e revogação formal da lei. De acordo com o disposto 
no art. 12 da Lei Complementar nº 95/1998, a alteração da lei será feita: 
a) pela reprodução integral em novo texto, quando se trate de alteração 
considerável; b) mediante revogação parcial; c) por meio de substituição, 
no próprio texto, do dispositivo alterado ou acréscimo de dispositivo 
novo. Por sua vez o Decreto-Lei nº 4657/1942, hoje alterado pela Lei 
nº 12.376/2010, que dispõe sobre a aplicação das normas, estabelece a 
“lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando 
seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de 
que tratava a lei anterior”.
Essa modalidade de alteração irá implicar uma modificação formal 
da lei. Isso não impede que, antes de se proceder a essa alteração por 
ato do Parlamento, possa-se verificar a perda de eficácia do conteúdo da 
norma disciplinada pelo respectivo dispositivo legal. Há uma diferença 
entre considerar uma norma revogada e tratá-la como juridicamente 
ineficaz. A ineficácia tem, então,o sentido de desconstruir, pela im-
posição do costume, a matéria da proibição. Equiparam-se ao direito 
50. ARNDT/FISCHER/FETZER. Europarecht, Heidelberg: CF Müller, 2015, p. 43.
51. SATZGER, Helmut. Sieber/Satzger/Heintschel-Heinegg (org.), Europäisches Strafrecht, Baden-
-Baden: Nomos, 2014, p. 123.
CAPÍTULO	I		-		INTRODUÇÃO		-		IV.	PRINCÍPIOS	CONSTITUCIONAIS	BÁSICOS 77
consuetudinário e se submetem a idênticas limitações as normas de di-
reito internacional, acolhidas em tratados ou convenções de que o Brasil 
fora subscritor. Essas normas não valem para obrigar a criminalização 
de condutas, mas são aptas a funcionarem como normas limitadoras. 
Depois da reforma constitucional procedida pela Emenda 45/2004, 
os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, uma 
vez aprovados em cada Casa do Congresso por três quintos dos votos 
de seus membros, serão equivalentes a emendas constitucionais. Nesse 
passo, deixam de constituir puro direito consuetudinário para serem 
tratados como direito positivo. Assim, a integração dos preceitos de 
convenção no âmbito da Constituição só vale para direitos humanos. 
Isso significa que as normas criminalizadoras contidas em tratado ou 
convenção internacional, com aplicação no Brasil, não preenchem a 
exigência constitucional de lei penal escrita e não valem, internamente, 
como normas penais.
2. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA
Por seu turno, a imposição de que a definição da conduta crimi-
nosa se revista de elementos empíricos que a façam compreensível é 
decorrência de um Estado Democrático de Direito, que tem sua estrutu-
ra alicerçada na proteção da pessoa humana, à qual se atribui o predicado 
de dignidade. Esse predicado delimita os poderes interventivos do pró-
prio Estado (princípio da dignidade da pessoa humana). Se a pessoa 
não pode compreender o que lhe é proibido ou o que lhe é imposto, nem 
estiver em condições de atender à proibição ou determinação, por não 
se situar no mesmo contexto levado em conta pelas normas do Estado, 
não pode ser objeto da atuação de seus órgãos. Se o Estado ainda assim 
atuar contra a pessoa, deixará de ser um Estado Democrático de Direito 
e se transformará, então, em Estado autoritário. 
O princípio de proteção da dignidade da pessoa humana é reco-
nhecido, atualmente, em várias constituições, entre outras, a alemã (art. 
1), a brasileira (art. 1º, III), a chilena (art. 1), a colombiana (art. 1), a 
espanhola (art. 10), a italiana (art. 3º) e a portuguesa (art. 1º).
Costuma-se indicar como origem desse princípio a fórmula do 
imperativo categórico contido na Fundamentação da Metafísica dos 
78	 FUNDAMENTOS	DE	TEORIA	DO	DELITO		-		JUAREZ	TAVARES
Costumes, de KANT: “Atua de forma tal que uses a humanidade, tanto 
em tua pessoa como na de qualquer outro, sempre e simultaneamen-
te, como fim e nunca simplesmente como meio”. A dignidade surge, 
assim, como um valor intrínseco de todo ser humano que não pode ser 
substituído por seu equivalente, como, por exemplo, o preço ou valor 
de uma mercadoria, ou a utilidade de uma coisa. Pode-se dizer, assim, 
que a pessoa humana não pode ser tomada, funcionalmente, como uma 
engrenagem de um aparelho ou membro de um organismo, nem como 
mera e simples força de trabalho. Antes de seu acolhimento pelo Ilu-
minismo, que a encara no significado de uma entidade racional, mais 
no sentido formal do que material, a dignidade da pessoa humana já 
havia sido tratada no Renascimento como a condição de se viver li-
vremente. Assim, PICO DELLA MIRANDOLA, em 1486, em seu 
famoso opúsculo “Discurso sobre a Dignidade do Homem”, anunciava 
que a condição da liberdade, acometida à pessoa, implicaria o reco-
nhecimento de duas máximas essenciais: “viver como se deseja” e “ser 
aquilo que se queira ser”. Como ponderam MENKE e POLLMANN, 
o novo conceito de dignidade, como essência da liberdade e, inclusive, 
como um direito humano fundamental, tem início com essas reflexões 
renascentistas, que edificam uma autodeificação do ser humano. Com 
isso, a dignidade humana deixa de ser um elemento da moral prática 
para constituir um direito intangível da pessoa humana.52 De acordo 
com a Constituição, a dignidade é condição de existência da própria 
ordem jurídica. Uma vez que se reconheça o atributo de dignidade à 
pessoa humana, essa deve ser vista como indivíduo dotado de liberdade 
e consciência de si mesmo, o qual cria seu meio e influi sobre ele como 
personalidade social e responsável. 
O reconhecimento ao ser humano de uma condição especial em 
todas as estruturas de poder que fundamentam o Estado, devido a esse 
valor intrínseco de dignidade que lhe corresponde, não resulta exclu-
sivamente da circunstância de se lhe atribuir a qualidade de direitos 
positivados, senão de que constitui ele o fundamento de existência e 
validade da ordem jurídica. Essa condição está assentada em um dado 
normativo de conteúdo antropológico, qual seja, de extrair o preceito de 
52. MENKE, Christoph/POLLMANN, Arnd. Filosofia de los derechos humanos, Barcelona: Herder, 
2010, p. 174.
CAPÍTULO	I		-		INTRODUÇÃO		-		IV.	PRINCÍPIOS	CONSTITUCIONAIS	BÁSICOS 79
proteção da dignidade da pessoa humana de um processo de atribuição 
em que o ser humano se veja qualificado como indivíduo dotado de 
liberdade e consciência crítica de si mesmo e de seus atos. Ao se afirmar 
que a dignidade integra a própria pessoa desde sua projeção antropoló-
gica e não simplesmente jurídica, pode-se concluir que a proteção dessa 
dignidade é pressuposto da participação da pessoa nos destinos do pró-
prio Estado e, por isso, elemento essencial da cidadania. 
Sob outro ângulo, a dignidade da pessoa humana não deve ser vista, 
ademais, apenas segundo a fórmula genérica do objeto, como do impe-
rativo categórico kantiano, segundo a qual a pessoa não pode ser tratada 
como meio, mas sim como fim da ordem jurídica. Essa formulação, 
embora formalmente correta e, inclusive, adotada desde 1818 pela Jus-
tiça Renana,53 é insuficiente para empreender uma limitação adequada 
do poder de punir. Veja-se que já no Renascimento começa a se esboçar 
uma compreensão dessa dignidade em torno da liberdade e, pois, do 
destino que cada um quer traçar para si mesmo, sem estar submetido aos 
comandos do poder. A vinculação da dignidade à liberdade transforma a 
primeira em direito intangível e oponível a todos. Pode-se, então, com-
preender a dignidade humana como “direito subjetivo ao respeito”, 
como pessoa.54 
À medida que o Estado mais se democratiza, o direito ao respeito, 
como pessoa, amplia-se e faz incluir na proteção da dignidade humana 
os seguintes direitos subjetivos: o direito à vida e à liberdade, o direito ao 
mínimo de existência material, o direito ao autônomo desenvolvimento da 
personalidade, o direito à incolumidade do sofrimento, o direito à intimi-
dade, o direito à integridade física e mental, o direito à igualdade material, 
o direito à atenção e o direito à diferença.55 
53. FLEVERT, Ute. Die Politik der Demütigung, Frankfurt am Main; Fischer, 2017, p. 36.
54. TEIFKE, Nils. Das Prinzip Menschenwürde, Tübingen: Mohr, 2011, p. 68; BARANZKE, Heike. 
“Menschenwürde zwischen Pflicht und Recht”, in Philosophie der Menschenwürde, Schwalbach: 
Wochenschau, 2010, p. 23.; LEHNIG, Kirsten. Der verfassungsrechtliche Schutz der Würde des 
Menschen in Deutschland und in den USA, Münster: Lit Verlag, 2003, p. 15.
55. HILGENDORF, Eric. “Die missbrauche Menschenwürde, Probleme des Menschenwürdetopos 
am Beispiel der bioethischen Diskussion”, in Jahrbuch für Recht und Ethik, Tomo 7, 1999, p. 
148; SEIFERT, Karl-Heinz/HONIG, Dieter. Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland, 
Baden-Baden: Nomos, p. 37 e ss.; vinculando o preceito a fator de integração e solidariedade: 
FRANKENBERG, Günter, Die Verfassung der Republik, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1997, p. 
200 e ss.; GÜNTHER, Klaus. „Welchen Personenbegriff braucht die Diskurstheorie des Rechts“, 
in Das Recht der Republik, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1999, p.83 e ss. 
80	 FUNDAMENTOS	DE	TEORIA	DO	DELITO		-		JUAREZ	TAVARES
Seguindo o raciocínio de MENKE e POLLMANN,56 pode-se 
dizer que o direito ao respeito não é decorrência de uma abstração, mas 
de, pelo menos, cinco fatores: a) do fato de que a dignidade é um bem 
universal, extensível a todos os indivíduos; b) da forma de reconheci-
mento social mútuo entre as pessoas, que conduz ao seu tratamento 
como pessoas iguais e não como máquinas ou mercadorias; c) da própria 
autoestima, como decorrência do seu reconhecimento pelos demais, o 
que proporciona relações de solidariedade, atenção e segurança mútuas, 
com a eliminação do desprezo, das discriminações e das humilhações; 
d) da projeção externa da autoestima e, assim, de sua capacitação de 
exercer atividades sociais, à medida que a pessoa se veja integrada na co-
munidade e possa, inclusive, reclamar seus direitos; e) das circunstâncias 
do mundo da vida, que proporcionam aos sujeitos se orientarem por 
normas e tornar possível a convivência.
Um dos significados mais importantes de considerar a dignida-
de como direito ao respeito é o de estender sua proteção a qualquer 
pessoa, independentemente de etnia, raça, sexo, origem, cor da pele, 
idioma, nacionalidade, idade, condição física ou social, capacidade de 
com preensão, autodeterminação ou status jurídico. De igual modo, 
integram-se na proteção tanto aquele que vai nascer quanto os fale-
cidos, inclusive grupos minoritários homogêneos, nacionais, sociais, 
políticos ou culturais. A inclusão dos incapazes no âmbito de todas as 
pessoas, como igualmente portadores de dignidade, não depende de 
que possam ser compreendidos como entidades inapreensíveis. Sua 
condição de portadores de dignidade é estendida pelas demais pessoas, 
à medida que, tornando-se responsáveis e, assim, submetidas a um 
procedimento de atribuição por seus atos, se vejam obrigadas a dar-
-lhes proteção e a torná-los sujeitos de todos os direitos fundamentais 
que possam exercer e dos quais se possam beneficiar. O sentido de 
solidariedade que se pode extrair dessa consideração é, justamente, o 
de eliminar os fundamentos jurídicos do processo social de exclusão 
e marginalização social, obrigando o Estado a delimitar as zonas de 
intervenção e a incrementar uma política de preservação de direitos 
individuais. 
56. MENKE, Christoph/POLLMANN, Arnd. (Nota 52), p. 154.
CAPÍTULO	I		-		INTRODUÇÃO		-		IV.	PRINCÍPIOS	CONSTITUCIONAIS	BÁSICOS 81
Relativamente ao direito penal, o princípio de proteção da dig-
nidade humana deve servir de limitação do poder de punir e ainda de 
parâmetro para a criação de normas jurídicas, sua aplicação e execução, 
afetando todos os poderes da República. Com isso ficam vedadas as 
penas de morte ou cruéis, a tortura, as intervenções físicas ou psicoló-
gicas não consentidas, a privação ou restrição de liberdade para simples 
defesa da segurança, a esterilização forçada, a indevida especulação sobre 
o núcleo duro da vida privada, o cerceamento da livre expressão do pen-
samento e de manifestação, o uso do processo como puro instrumento 
de coação, o tratamento desumano e a desonra ou execração pública. 
Igualmente, o Estado não pode restringir ou privar a liberdade, nem o 
exercício de profissão ou atividade, nem a decisão individual acerca de 
seu próprio destino ou forma de vida, salvo nos casos de motivo justifica-
do e de extrema necessidade para a proteção de direitos de outra pessoa. 
Concebida, agora, não mais como preceito puramente abstrato, 
senão como valor concreto de ser humano, a invocação da proteção da 
dignidade da pessoa humana impede também a elaboração de normas 
discriminatórias, que tratem desigualmente os autores primários e rein-
cidentes ou que tratem do mesmo modo adultos, crianças e adolescentes, 
ou pessoas mentalmente sadias e aquelas portadoras de distúrbios men-
tais, indígenas e outros povos. 
Somente no caso de haver a necessidade de proteção da dignidade 
de outrem é que se pode admitir a intervenção do Estado na liberdade 
individual. Por constituir um princípio ético universal, a proteção da 
dignidade da pessoa humana, tomada como direito subjetivo ao respeito, 
deve servir de princípio básico da ordem jurídica, pelo qual se possa proi-
bir o uso da tortura, fundamentar a interpretação das normas, resguardar 
a autonomia da pessoa humana, vincular a responsabilidade penal ao 
pressuposto de culpabilidade, limitar a execução da pena e impedir o 
exercício arbitrário de poder.57
57. BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang. “Bleibt die Menschenwürde unantastbar?”, in Blätter für 
deutsche und internationale Politik, 10, 2004, p. 1217 e ss.; COSTA, Helena Regina Lobo da. A 
dignidade humana, São Paulo: RT, 2008, p. 62 e ss.; sobre dignidade humana e soberania do Júri: 
NICOLITT, André Luiz. “Habeas Corpus 118.770 do STF: Direitos fundamentais contra direitos 
fundamentais. Mais uma violência à presunção de inocência”, in Revista dos Tribunais, 106, vol. 
983, 2017, p. 155 e ss. 
82	 FUNDAMENTOS	DE	TEORIA	DO	DELITO		-		JUAREZ	TAVARES
V. OUTROS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
O Estado, ademais, só poderá criminalizar uma conduta se atender 
a outros princípios fundamentais, que foram sendo, gradativamente, 
incorporados à ordem jurídica, como produtos de reivindicações e 
lutas sociais incessantes: ao princípio da lesividade, ao princípio da 
necessidade, ao princípio da intervenção mínima, ao princípio da 
idoneidade, ao princípio da proporcionalidade, ao princípio da 
proibição de dupla incriminação e ao princípio da presunção de 
inocência. Todos esses princípios, a começar pelos princípios da legali-
dade e da dignidade da pessoa humana são normas superiores da ordem 
jurídica, orientadas a traduzir, em termos enunciativos, o que deva cons-
tituir elemento essencial ao Estado Democrático de Direito. 
A enumeração desses princípios não esgota, porém, o elenco de li-
mitações que a ordem constitucional impõe às normas criminalizadoras. 
Outros princípios estampados na Constituição, que integram o elenco 
de direitos fundamentais da pessoa humana, valem, igualmente, como 
normas restritivas ao poder de punir. Nesse sentido, a criminalização 
de condutas não pode afrontar os direitos fundamentais do cidadão, os 
quais, pelo efeito da reciprocidade, só podem ser limitados no Estado 
democrático por meio de outros direitos fundamentais. 
Relativamente à liberdade de expressão, que se desenvolve nos 
regimes democráticos como consequência do direito da pessoa ao res-
peito, algumas correntes também a caracterizam ora como fundamento 
da manifestação da verdade, ora como realização da democracia, ora 
como exercício de direitos civis e políticos.58 Sob essas perspectivas, a 
doutrina adverte que só poderão ser traçados limites à liberdade de ex-
pressão por força de uma lei formal que atenda também a outros valores 
constitucionais e, pois, seja dotada de legitimidade, bem como que ob-
serve, estritamente, o princípio da proporcionalidade, incluindo-se nesse 
último os critérios de adequação e necessidade.59 
Entre outras consequências, a crítica, ainda que áspera, mane-
jada por palavras, símbolos ou gestos, a órgãos coletivos do Estado 
58. OSORIO, Aline. Direito eleitoral e liberdade de expressão, Belo Horizonte: Forum, 2007, p. 53 
e ss.; SOUSA, Antonio Francisco. Reuniões e manifestações no Estado de Direito, São Paulo: 
Saraiva, 2011, p. 26.
59. OSORIO, Aline. (Nota 58), p. 117 e ss.
CAPÍTULO	I		-		INTRODUÇÃO		-		V.	OUTROS	PRINCÍPIOS	CONSTITUCIONAIS 83
corresponde ao pleno exercício da democracia e não preenche o tipo 
dos delitos contra a honra.60 Da mesma forma, é absolutamente legítima 
a pugna, mediante discursos e demonstrações públicas, por alterações 
legislativas, ou mesmo pela restrição da atuação de órgãos estatais, sem 
que isso possa implicar incitação ao crime ou apologia de criminoso ou 
obstrução da justiça. Assim, não se enquadra no delito de incitação ao 
crime (art. 287, CP) a legítima manifestação pública pela descriminali-
zação das drogasou de qualquer outra conduta.61 
Como esses princípios integram a ordem jurídica democrática, a 
partir dos princípios básicos da legalidade e da dignidade humana, inter-
ferem também na configuração da teoria do delito. Aqui, vamos tratá-los 
em seus traços essenciais, o que não esgota sua funcionalidade em cada 
elemento da estrutura do delito. À medida que se processa a análise dos 
argumentos que dão base e contorno à explicação dos elementos que 
buscam caracterizar a conduta criminosa, esses princípios são novamen-
te acionados, então, em sua especificidade prática. Metodologicamente 
não terá sentido estender, antecipadamente, seus enunciados e, depois, 
abandoná-los no exame dos elementos da tipicidade, antijuridicidade e 
culpabilidade.
1. O PRINCÍPIO DA LESIVIDADE
O princípio da lesividade, ou ofensividade, que está consignado 
no art. 5º, XXXV, da Constituição, dispõe que só poderá ser levado a 
julgamento perante o Poder Judiciário o ato que constitua uma lesão 
ou ameaça a um direito subjetivo. A lesão de direito subjetivo sempre 
foi inserida como o fundamento do direito de punir, desde a formu-
lação de FEUERBACH, em 1801. No entanto, em face do próprio 
desenvolvimento social, a lesão de direito subjetivo foi sendo substi-
tuída, na formulação jurídica, pela lesão de bem jurídico, cuja origem 
é atribuída a BIRNBAUM, que o enuncia em um alentado artigo 
publicado em 1834.62 O bem jurídico, agora, fundamenta e delimita 
60. BVerfG 1 BvR 1036/14 (3ª Câmara do Primeiro Senado) – Decisão de 26/02/2015 (OLG Celle / 
AG Bückeburg).
61. STF, Plenário, ADPF 187/DF, Acórdão de 15/06/2011.
62. BIRNBAUM. Johann Michael Franz. “Ueber das Erforderniß einer Rechtsverletzung zum Begriff 
des Verbrechens, mit besonderer Rücksicht auf den Begriff der Ehrenkränkung”, in Abegg/Birn-
baum/Heffter/Mittermaier (org.), Archiv des Criminalrechts, 1834, p. 149-194.

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