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A CONSTITUIÇÃO DA NACIONALIDADE

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SIMON SCHNgARTZMAN
HELENA MARIA BOUSQUET BOMENY
VANDA MARIA RIBEIRO COSTA
TEMPOS DE CAPANEN4A
0
FnZ E TERRA EDITORA FGV
5
A r''n'NqTTTI JI(''IIO
.L X X.J\./I ILr .I X .L \./ J.X]JI Jh\./
DANACIONALIDADE
A constituigao da nacionalidade deveria ser a culminagao de todd a agro
pedag6gica do minist6rio, em seu sentido mais amp]o.]; possivel distinguir pelo
menos tr&s aspectos neste esforgo de nacionalizagao. Primeiro, haveria que dar
um conteddo nacional a educagao transmitida nas escolas e por outros instru-
mentos formativos. A natureza mais precise dcste "conteddo nacional" jamais
Rcou totalmente dcfinida, mas 6 claro que ela nio incorporaria aquela busch is
ra£zes mais profundas da cultura brasileira quc faziam parte da vertente andra-
diana do projeto modernista; ao contrfrio, tiveram pre£er6ncia os aspectos do
modernismo relacionados com o ufanismo verde c amarelo, a hist6ria mitifica-
da dos her6is e das instituig6es nacionais e o culto is autoridades. Nio fdtava a
esta nogao de brasilidade, transmitida nas publicag6cs oGlciais e nos curios de
educagao moral e civica, a 6nfase no catolicismo do brasileiro, em detrimento de
outras formas menos legitimas de religiosidade. Finalmente, a nacionalidade
deveria firmer-se pelo uso adequado da lingua portuguesa de forma uniforme e
estfvel em dodo o territ6rio nacional.
O segundo aspecto era, precisamente, a padronizagao. A exist6ncia de uma
"universidade-padrao", de escolas-modelo secundfrias e t6cnicas, de curriculos
minimos obrigat6rios para todos os cursos, de livros didfticos padronizados, de
sistemas federais de controle e fiscalizagao, judo into correspondia a um ideal de
homogeneidade e centralizagao de lipo napole6nico, que permitiria ao minis-
tro, de seu escrit6rio no Rio de Janeiro, saber o que cada aluno estava estudan-
do em coda escola do pars em um momento dado. O terceiro aspecto, finalmen-
te, era o da erradicagao das minorias 6tnicas, lingUrsticas e culturais que se
haviam constituido no Brasil nas Ultimas d6cadas, cuba assimilagiio se transfor-
158 Tempos de Capanema A constituigio da nacionalidade 15q
maria em uma questao de seguranga nacional. Fi este terceiro aspecto da politi-
co de nacionalizagao que examinaremos a seguir com mais detalhe.
dade na repartigao dos reservistas no plano de mobilizagao; o problema racial; a
educagao como base de formagao da nacionalidade; a lgreja como colaborado-
ra dos elementos estrangeiros e, finalmente, as atividades naziftas no Brasil. O
comando da 5' Regiao indict a colonizagao demi como a mais perniciosa "por-
que tem atras de si, com a politica da Alemanha de hoje, uma organizagao capaz
nio s6 de encorajf-la como mesmo de protege-la, quer pda fora:a, quer pdas
injung6es diplom4ticas".'
Para o Ex6rcito, o fortalecimento da consci6ncia patri6tica demi 6 fruto
de uma politica deliberada e organizada da Alemanha para a ampliagao de seu
dominio no mundo. O relat6rio militar fundamenta essa afirmagao enumeran-
do as linhas bfsicas de orientagao germanica aos alemies no estrangeiro: todo
alemio no estrangeiro deve conservar-se alemio; todos os alemies fora da Ale-
manha pertencem ao Reich; os alemiies devem estar unificados no mundo; os
a[emies nio devem comprometer a po]ftica racial, precisam conservar a raga
pura; "A Alemanha acima de tudor A Alemanha sobre todos no mundol" As
escolas e os professores sio os elementos indispensfveis a obra de germanizagao;
os professores sio sentinelas avangadas que devem dar todd a sua personalidade
ipftria, de modo que a Alemanha possa conGiar neles de modo absoluto; a Liga
dos Professores Nacionais-Socialistas, junto com o partido e de acordo com os
minist6rios dos Estrangeiros e da Educagao, deve regular todas as relax:6cs com
os professores alemies no exterior, orientando-os sobre todas as quest6es educa-
tivas. A conclusio, para o comando da regiao militar, era que as escolas se cons-
tituiam nos cocos de oriental:ao da doutrina nazista no Brasil.
Opinava G6is Monteiro que o projeto germanico obtinha sucesso nas
zonas de colonizagao demi. Usava como evid6ncia a exist&ncia, em todos os
estados de colonizagao demi, de associag6es esportivas, culturais, recreativas e
de classy, a16m de escolas (jardim de inf ancia, ensino primfrio e secundfrio) e de
uma vida nitidamente germanica, frutos da propaganda alemiexpansionista e
da busch de perpetuagao da cultura atrav6s do ensino da lingua materna. Trata-
va-se, segundo G6is Monteiro, de uma pftria demi em territ6rio brasileiro.
Como a construgao de uma p4tria engloba mdltiplos aspectos da vida coletiva,
G6is Monteiro vai enumerar uma s6rie de provid6ncias sugeridas peso coman-
do da 5 Regiao Militar, envolvendo a agro e atuagao dos Minist6rios da Guer-
ra, da Educagao, da Justiga e do Trabalho. O Minist6rio da Guerra deveria
desenvolver niicleos de escoteiros, trans6ormando os existentes e criando novos
A polftica de nacionalizagio
Em janeiro de 1 938, o fema da nacionalizagao era materia de ofYcio reser-
vado do chefs do Estado-maior do Ex6rcito, general Pedro Aur61io de G6is
Monteiro, ao ministro da Guerra, Eurico Gaspar[)utra.' A t6nica do documen-
to 6 toda ela posts nos perigos que a present:a de ndcleos estrangeiros organiza-
dos trazem a scguranga nacional. G6is Monteiro comunica ao ministro da
Guerra o conte6do do relat6rio da 5' Regiao Militar, "manifestando sua preocu-
pagao com as conseqti6ncias funestas de uma colonizagao cstrangeira no Brasil
(...) mal-orientada, sem a necessfria diretriz do governo e controle indispensa-
vel, para anular os inconvenientes da exist6ncia de ndcleos, que nio se diluem
no nosso meio mas, ao contririo, procuram se fortalecer, conservando as carac-
teristicas dos parses originfrios". Nio escapou ao cheGe do EM a refer6ncia espe-
cial ao grupo alemio de resto, presente no oficio da 5: Regiao Militar:
O comando da 5: RM ressalta os estados mats atingidos pelts perigos da colonizagao estrangeira, tan-
to demi como italiana, japonesa e polonesa, achando que de todos os elemenEos radicados no nos-
so pals, os maid bem-organizados sio os alemies, devido ao isolamento em que piocuram viver, trans-
mitindo aos seus descendentes lingua, costumes, crenga, mentalidade, cultura e patriotismo.:
A dificuldade de assimilagao demi 6 atribufda ifecunda consci6ncia
patri6tica quc o grupo preserva. Esse processo de consci&ncia 6 transmitido is
gerag6es seguintes, constituindo-se em uma forte ameaga a formagao da cons-
ci&ncia patri6tica brasileira. Pelo tips de ocorr6ncias que a 5' Regiao Militar sele-
ciona para conhecimento do Estado-maior do Ex6rcito, nio 6 dificil compreen-
der as raz6es de ter o Ex6rcito se imiscuido na questao da nacionalizagao,
transformando-a em questao de seguranga nacional. O comando regional
chama a atengio do Ex6rcito para datos como: a nio compenetragao dos deveres
militares para com a p4tria por parte dos conscritos de origem teuta; a dificul-
1 . Camp #z df zf/a z/fmf,2o. OfTcio reservado n ' 4, 24 de janeiro de 1938, do chafe do Esrado-
maior do Ex6rcito ao ministry da Guerra(assinado por Gals Monteiro). Arquivo Gustavo Capanema, GC
34.11.30-A, pasta 11-1, s6rie g.
2. Idem, ibidem, p. I I 3. Idem, ibidem, p. I
160 Tempos de Capanema
A constituigao da nacionalidade 161
q
com a assist6ncia de oficiais e sargentos capazes de imprimir um cunho verda-
deiramente nacion alista a essas organizag6es. [)everia ainda crier uma estrat6gia
para "penetrar" nas associag6es esportivas, dandy-lhes instrutores e Gorgando a
abertura dos quadros sociais a todos os brasileiros, impedindo, dessa forma, a
exist6ncia de entidades privativas estrangeiras. Sugere ainda a transfer&ncia ou
criagao de unidades do Ex6rcito nas zones de maior influ&ncia estrangeira e,
ninalmente, uma investida para forger a aprendizagem da nossa lingua nos quar-
t6is, s6 fazendo a desincorporagao para aqueles que fdassem e escrevessem o por-
tugu6s com relativa facilidade.
O Minist6rio da Educagao deveria criar e executar um programs de desa-
propriagaoprogressive das escolas estrangeiras, nomeando diretores brasileiros
at6 a substituigao completa dos proGessores estrangeiros por nacionais seleciona-
dos. Essa foi, sem d6vida, uma sugestao cumprida a risca polo interventor
Cordeiro de Farias no Rio Grande do Sul, conforme seu pr6prio depoimento:
Provid6ncias legais para a execugao dense plano ficariam a cargo do Mi-
nist6rio da Justiga. Deveria ele forger o cumprimento da lei que extinguira os
partidos estrangeiros e fazer a legislaq:ao complementar no que dissesse respeito
a exist&ncia de partidos ou sociedades avis, limitando a influ&ncia estrangeira
.m todos os seus aspectos e proibindo o uso de outros idiomas que nio o nacio-
nal em todos os amos.
Tanto no projeto governamental de nacionalizagao, quando nas reag6es
dos grupos diretamente afetados por ele, preconceitos e estere6tipos consti-
tuiam-se numa presenga marcante. Quer se tratando da inferioridadc dos asif-
ticos, ou da superioridade dos germanicos, quer na re£er6ncia a incompet6ncia
dos brasileiros na criagao de um ensino escolar aceitfvel e at6 mesmo na forma
de manifestarem seu patriotismo argumento freqiientemente utilizado
pecos alemies os esrere6tipos perpassam indiferentemcnte os documentos
que tratam do temp da nacionalizaq:io. Alguns delis t6m ressonfncia dupla: for-
talecem a &oesio do grupo, ao mesmo tempo que se transformam em alerta para
agro do outro. fi o caso especifico do exacerbado nacionalismo alemio, que a16m
de alimentar o proprio grupo, aparece como projeto a ser imitado. O naciona-
lismo excludente da politica autoritfria do Estado Novo teve coma parceiro de
luca o nacionalismo tamb6m excludente do grupo alemio que, sob o argumen-
to de que nio se poderia violar a liberdade dos alemies em manterem sua nacio-
nalidade, seleciona seu convivio rejeitando assimilar a culture de grupos que
considera inferiores. E sem d6vida, os alemies rcpresentavam para a elite diri-
gente brasileira uma syria ameaga politica pelo navel articulado de organizagao
social, cultural e mesmo ideo16gica.
A atuagao direta de agentes alemies no Brasil, vinculados ao Departamen-
to do Exterior do .Alto Comando das Forgas Armadas da Alemanha (.4&mefr),
este extensamente documentada, entre outros, por Stanley Hilton, de 1939 a
1 944,s e suas raizes sao, evidentemente, anteriorcs. Ao mesmo tempo, a presen-
ga do nazismo serviu de argumento para a polrtica rcpressiva dirigida ao grupo
alemio, atrav6s da criagio de um estigma que a legitimava aos olhos de quase
todos. Desagregar o grupo alemio era garantir a un idade nacional e combater as
influ6ncias nazistas no territ6rio brasileiro. Com esse novo ingrediente, o gover-
no poderia eximir-se das acusag6es de propulsor de uma politico nacionalista
xen6foba de resto, atribuida ao fascismo e ao nazismo , legitimando-se
Tendo em vista o problema da infiltragao nazista, decidimos utilizar as escolas coma memo de neu-
tralizar as influ6ncias do memo social. Resolvemos entio criar incentives especiais para as professo-
ras que concordassem em se deslocar para locals mais distantes, sob maier influ&ncia demi. Ofe-
recemos a e]as resid&ncia, servi$o de sa6de e protegao po]icia], a]6m de salirio normal a que tinham
direito (.. .); nas areas mats carences fizemos conv6nios com enlidades particulares para intensificar
a formagao de quadros. Enfim, foram cercadas de coda cuidado e tratadas como verdadeiras prin-
cesinhas (...).'
Ainda ao Minist6rio da Educagao caberia a tarefa de atuar junto ilgreja,
transformando-a em 6rgao que colaborassc com o governo e nio com o grupo
estrangeiro. Era preciso auxiliar a organizagao de sociedades recreativas e cultu-
rais, procurando modi6icar as que existiam e modelando-as dentro de um "espi '
rito de brasilidade
O Minist6rio do Trabalho contribuiria para a n acionalizagao, fazendo com
quc a organizagao sindical penetrasse nas zonal "comprometidas pda m4 colo-
nizagao", transformando as atuais agremiag6es operarias em sindicatos nacio-
nais. Afore elsa sugestao, esse minist6rio poderia encaminhar de imediato o tra-
balhador nacional para cssas regimes, a fim de contrabalangar a influ6ncia
desnacionalizadora e forgar a mescla de brasileiros e estrangeiros, principalmen-
te na organizagao da famrlia.
4. Asp5sia Camargo e Wilder de G6es, Ade;o sgfzf/a Ze famaa/e. Zz#/aKa com Co/z/ezra Ze Eanai. Rio
de Janeiro, Nova Fronteira, 198 1 , p. 273.
5. Stanley Hilton. Slid [fca ia#re o Beni/Z ,4 bh]dna zZz ella agfm .z/e m.i #a Bxmfz! Rio de Janeiro
Civilizagao Brasileira, 1977
H
T'
162 Tempos de Capanema A constituigao da nacionalidade 163
como protetor de uma identidade nacional contriria a doutrina nazi-fascista.
judo se passa como se a nacionalidade brasileira, jf constituida, estivesse sofren-
do a ameaga de ser destruida pda agro de grupos estrangeiros afinados com o
nazismo, e nio o contririo, ou seja, que sua construgao estivesse condicionada
i eliminagao dos grupos e culturas diferenciadas.
A refer6ncia iinfiltragao nazista no Sul do pals fazia excegao, freqiiente-
mente, is antigas famflias alemis, consideradas brasileiras e desligadas da ideo-
logia nazista. O perigo estava entre os maid novos, que com maid facilidade
cediam aos encantos e fascinios de Hitler. Segundo Cordeiro de Farias, "era uma
politica voltada para reorientar a nova geraq:ao de alemies e descendentes de ale-
mies no Rio Grande do Sul. Mas, ( ...) nio foia geragao demi mais antiga que
se deixou influenciar pele nazismo. E claro que o nazismo, freqtientemente,
brotava no seio dessas familial. O que sinto, por6m, 6 que as id6ias nazistas tive-
ram mats forma junto aos pouco aculturados, exatamente os mais sensiveis aos
est£mulos que, desde a ascensio de Hitler ao poder, eram emitidos da .Alemanha
para fortalecer os sentimentos nazistas no mundo inteiro".' Nio obstante esse
reconhecimento, a polftica de nacionalizagao seguiu indiscriminada, dirigida
em bloco a dodo o grupo estrangeiro. E especialmente com relax:ao ao grupo ale-
mao, as medidas repressivas e as perseguig6es com acusaq:6es de pertencerem ao
nazismo foram absolutamente arbitrfrias e indiferenciadas. Na opiniao de
Giralda Seyferth, o nazismo foi mais um bator de desagregagao do que de uniio
dentro do grupo teuto-brasileiro em Brusque, provocando uma cisco entre ale-
mies novos e teuto-brasileiros. Para a aurora, se Goi verdade que muitos teuto-
brasileiros se deixaram influenciar e empolgar pelts ensinamentos nazistas, a
maior parte dessa populagao mostrava-se avessa a aceitagao da tutela de um par-
tido politico estrangeiro o partido nazista era encarado como tal.'
As refer&ncias que encontramos nos arquivos de Gustavo Capanema e
Lourengo Filho sobre o envolvimento dos alemies com o nazismo dizem res-
peito iparticipagao da juventude demi, dos setores mais jovens desse grupo-
Fala-se da Juventude Teuto-Brasileira, dirigida por Hans Neubert, seu organi-
zador, e que tinha como objetivo prepare-los para futuros ./Le#rerT de grupos,
em curses especiais. Esses curios eram feitos na AJemanha, razio pda qual via-
Javam seguidamente caravanas de 1 5 a 20 jovens, com despesas pagas pelo
governo alemio. Para as meninas existia a .Bzz/zz/Z)ez/isr#ei.,4zzjZa/zZj ..I/aZe/, com
regulamento interns semelhante ao da Juventude Brasileira. "Ocasi6es houve
em que os acampamentos eram mistos. Participavam tanto rapazes como
meninas. Tamb6m estas tra)avam um fardamento pr6prio, que, pdas fotogra-
6ias, mostra ser o mesmo que usam as mogas da Alemanha. A Xae#7'er/n (chefa)
desta ala feminina era a Srta. Nobel.(...) O governo alemio, a fim de desenvol-
ver e incremental a realizagao desses acampamentos, fornecia gratuitamente o
material necessfrio. Desse modo, por interm6dio do consulado, remeteu bar-
racas modelares, avaliadas em dois e tr6s contos de r6is cada uma. Estes, por6m,
foram apreendidas pda alHndega e postas em leilio. Tendo sido arrematadas
por um senhor, foram adquiridas posteriormente pelo consul local, em cujo
poder continuum. "'
fi possivel argumentarque o nazismo nio tenha tido a penetragao nem
mesmo influ6ncia tio profunda quanto a propalada entry os grupos alemies nas
zonas de colonizagao. Aspectos dessa ideologia, entretanto, incorporavam o
nacionalismo que os pr6prios alemies cultivavam como forma de sua sobrevi-
v6ncia como grupo 6tnico especifico, razio pda qual Gicou f3cil a identiGicagao
de qualquer prop6sito de afirmagao de nacionalidade com o nazismo. O cato 6
que a dendncia de inGiltragao nazista nas zonas de colonizagio diva legitimida-
de ipolftica de repressao institucionalizada que seria implementada peso gover-
no brasileiro a partir de 1 938.
A hostilidade aos alemies preocupava setores da elite politico no governo
interessados em manger, no navel internacional, o que Gerson Moura qualifi-
cou de "eqiiidistancia pragmftica", ou sega, uma politica de indeGinig6es entre
os centros hegem6nicos emergentes.' Em 1 938 e 1939, o Brasil havia amplia-
do o com6rcio com a Alemanha a ponto de causar enorme preocupagao ao
governo americano, uma preocupagao que se entendia polo fate de que esse
estreitamento de relag6es entre Brasil e .Nemanha estava tendo como resulta-
do o estabelecimento de relag6es entre as Forgas Armadas brasileiras e alemis.
As implicag6es politicos dessa alianga nio escaparam aos dois governos, brasi-
leiro e alemio:
6. Aspfsia Camargo e calder de G6es, op. cit., p. 270.
7. G\ta\da Se$etth. NacionaLismo e identiciade dtnica. A ideologia germanista e o grupo 4tnico
fezilo-brmf&fro z/m.z ram ufcZzZr Za ua/e do /naga/. Florian6polis, Funda$o Catarinense da Cultura,
1981
8. "A juventude hitlerista no Rio Grande do Sul". S.d., sem assinatura, p. 2. GC 34. 1 1 .30-A, pasta
11-1 s6rie g.
). Gerson }Aouta. Autonomic na depend ncaa apoLitica externa brasiLeira de 1935 a 1942. Rlo de
Janeiro, Nova Fronteira, 1 979, p. 63
L
164 Tempos de Capanema A constituigao da nacionalidade 165
(...) A presenga demi no Brasil centrava-se no intercimbio comercial, embora nio se restringisse a
ipso. Havia entre o governo brasileiro e o alemio um acordo ticito de que as dificuldades polfticas
nio deveriam prejudicar os acertos econ6micos. Os problemas politicos daquele moments eram os
seguintes: do lado brasileiro havia a reclamagao de que o nazismo procurava influenciar a popula-
gao de origem demi no Sul do Brasil, a16m da pretensio do governo alemio de proteger "minorias
alemis" e organizar o partido nazista em nosso pals. Do lada alemio, havia queixas contra as leis de
assimilagio dos estrangeiros em territ6rio brasileiro promulgadas polo governo em 1938, bem
coma a proibigio de propaganda de partidos politicos estrangeiros."
Esse tipo de depoimento 6 maid ou menos recorrente na documentagao
oficial que diz respeito a questao da nacionalizagao do ensino. A vinculagao fre-
qiiente entre a resolugao do que era considerado um "problema nacional ' e uma
estrutura de poder fortemente centralizado no Estado Nacional funcionava
como argumento de justinicagao da politica do Estado Novo. E, sem ddvida, foi
nesse periodo, entre 1938 e 1940, que medidas forum tomadas em proj da cons-
trugao do que se chamava uma "politica de nacionalizagao
O ano de 1 938 no Brasil 6 especialmente fertil em medidas legais e probe '
tos identificados com a construgio do nacionalismo brasileiro. .Nguns desses
projetos e medidas revelam o contetido doutrinirio e politico do projeto nacio-
nalista que se criava. Falar dessas medidas e projetos 6 relembrar o contexto da
6poca. Foi nesse ano quc a investida integralista chegou ao seu apogeu e, simul-
taneamente, ao inicio de sua queda, por agro repressiva do Estado. Foinesse ano
que se formulou o projeto de Organizagao Nacional da Juventude, em moldes
fascistas e mobilizantes na sua concepgao, evoluindo para uma experi6ncia civi-
ca sem maiores express6es, por intervengao de setores do Ex6rcito. Foi tamb6m
em 1 938 que a campanha de nacionalizagao do ensino chegou ao seu climax,
com a formulagao e promulgagao de um ndmero substancial de decretos-leis
destinados essencialmente a deter a experi6ncia educaciona] dos ndcleos estran-
geiros nas zonas de colonizagao.
Portanto, o ano de 1938 aparece na hist6ria politica brasileira com um
duplo significado: faz renascer e revitalizar experi6ncias consideradas de "cunho
fascista", com maior ou manor assentimento do Estado, mas 6 tamb6m o
momento que com maid rigidez se det6m esse avango. E como se o golpe de 1 937
fosse um aval e um estimulo a prfticas de mobilizagao politica contririas aos
movimentos de esquerda, incentivando a criagao de projetos de organizagao
politico e mesmo partidaria reconhecidamente de direita como futuros parcei-
ros da nova ordem politica, e 1 93 8 fosse o momento de debi nigao dos limitcs que
o autoritarismo dcsmobilizador brasileiro imporia a essas iniciativas. A doutri-
na integralista poderia ser convenience ao projeto autoritirio do governo; a
organizagao do integralismo em partido atuante e mobilizado, uma ameaga a ser
detida. A ideologia de formagao de uma juventude alinhada aos principios esta-
donovistas era, sem dtivida, uma contribuigao ben6fica ao projeto de constru-
gao do Estado Nacional; a organizagao da juventude em molded mobilizantes e
mesmo milicianos, outra ameaga que afrontava a hierarquia e a estrutura de
poder que o Ex6rcito reservava a si, como parceiro e s6cio politico do governo
na construgao do Estado Nacional.
No ambiente internacional havia if a certeza de que as graves crises politi-
co-militares na Europa em 1938 levariam a um confronto dristico. Essa era a
forte razio que levava o governo americano a ampliar sua area de influ6ncia no
continente, e o estreitamento de relag6es Brasil-Alemanha era interpretado
como um perigo de alianga do Brasil com o Eixo. O objetivo do governo brasi-
leiro era manter uma situagao que Ihe fosse favorivel sem que Ihe custasse a rup-
tura de relag6es com qualquer dos dois parses. E dentro dessa conjuntura de
opgao estrat6gica pda indefinigao" que se compreende a argumentagao, sem-
pre recorrente, da necessidade de aplicar uma polftica "severa, mas cautelosa '
com relagao a nacionalizagio do ensino, quando em confronto com os grupos
alemies. Defendia-se, oficialmente, a separagao entre o projeto de nacionaliza-
gao e a posigao de neutralidade do Brasil no contexto dos conflitos externos. A
formula proposta combinava energia e suavidade na definiq:io da agro polftica
nacionalizadora. Houve at6 momentos em que se chamava a atengao para a
necessidade de nio imprimir inacionalizagao "alardes de xenofobia". A polfti-
ca deveria assumir uma feigao ta] que nio criasse embaragos, colocando o Brasil
numa situagio constrangedora frente a estados estrangeiros pda aplicagao de
medidas violentas que, eventualmente, pudessem provocar qualquer choque de
soberanias. Era um equilibrio dificil de manter, sob o Estado Novo.
A institucionalizagio da vio16ncia
Pda primeira vez, na hist6ria do pats, o poder p6blico vem tomando a peito o problema da nacio-
naliza$o dos imigrantes e deus descendentes. Antes de 1 937 isso nio teria sido possivel nalguns
estados, porque as instituig6es vigenres erigiam em forgas eleitorais os n6cleos de origem estrangei-
ra, dandy-lhes influ&ncia bastante para contrariar os intentos do governs cen trac. ''
lO. Idem, ibidem, p. I I I.
11. Re&fdrfa & ComlssZo Ze Mzrfona#mfZo 'zo m;B; Ira da fJ raf.2a. 5 de outubro de 1940.
Arquivo Lourengo Filho/INEZ FGV/CPDOC.
66 Tempos de Capanema A constituigao da nacionalidade 167
A questao dos ndcleos estrangeiros, que emergia como problema e obstf-
culo para aqueles que se atribulam a responsabilidade de pensar o nacionalismo
brasileiro desde o inicio do s6culo, sera redimensionada de forma radical no con-
texto do Estado Novo. Parecia impossivel construir uma nacionalidade com a
simultfnea conviv&ncia de diferengas culturais. Construir o nacionalismo era,
ao mesmo tempo, destruir as diferengas e proceder a uma selegao na formagao
da cidadania brasileira. No caso dos japoneses, por exemplo, as refer6nciasencontradas nos documentos sio freqiientemente negatives:
Solicitando a assessoria do INEZ o ministro da Educagao df prossegui-
mento is medidas cabiveis ao caso. Reccbendo o memorando assinado por
Lourengo Filho, foi constatado que com a legislagao vigente nio se poderia
impedir a entrada de livros estrangeiros, pelo artigo 1 9 do Decreto-lei n ' 1 .006
de 1938, que regularizava a produgao e distribuigao do livro didftico no Brasil.
Por esse artigo, "6 livre a importagao de livros didfticos". Lourengo Filho chama
a atengao para esse "embarago legal" apontando como solugao a alteraq:ao da
legislagao prevendo-se a liberdade de importagao de livros didfticos, "desde que
impressos em lingua portuguese".'' Elsa sugestao foi imediatamente acatada e
incorporada ao conjunto de novos regulamentos que essa materia recebeu no
periodo do Estado Novo.:s
O mesmo oficio que acusa a entrada de 60 caixas de livros didfticos capo '
neses, fm refer6ncia ao embarque de criangas brasileiras para o Japao. A bordo
do paquete Brasil-Maru, em Santos, embarcaram 135 menores de 14 anos,
6ilhos de japoneses, sendo que 106 nascidos no Brasil e 29 no Japao. Esse cato
isolado pode nio ter muita importancia. Mas, se o associarmos ao movimento
de retorno dos alemies ao seu pals por estarem scndo atingidos com a naciona-
lizagao, poderemos imprimir ao epis6dio um significado maior. Na verdade, a
maioria dos decretos que reprimiam drasticamen te as atividades estrangeiras no
Brasil foipromulgada entre 1 938 e 1 939. O fechamento de escolas, a proibigao
do ensino em lingua estrangeira, os decretos relativos a importaq:ao do livro
didftico em lingua estrangeira, a proibigao de circulagao de jornais em lingua
estrangeira, enfim, as medidas de nacionalizagio representavam para eases gru-
pos a interrupgao de um processo cultural que vinha sendo mantido ha quash
um s6culo.i6 Todos os argumentos utilizados pdas autoridades brasileiras para
justiGicar uma politica repressiva :l manutengao dos dos culturais estrangeiros
no Brasil sio utilizados pelo grupo alemio para JustiGicar a importancia da ma-
ngo se deve aplicar o mesmo crit6rio assimilador a asifticos e europeus- Por major que deja a nossa
boa vonrade, por maid profundo que sega o nosso instinto de cordialidade internacional, cumpre-
nos defender os ca racteres mor£o16gicos do povo brasileiro, preservar as suas possibilidades de apro-
ximagao com os tipos europeus iniciadores, mantendo a parte os grupos asifticos e impedindo o seu
desenvolvimento. Destarce, o problema japon&s Rica desde logo deGinido como um problerna de
polftica imigrat6ria. A nacionalizagio, neste caso, nio dove significar assimilagao 6rnica.'
A estereotipia da superioridade demi 6 comparfvel, em &nfase, ao seu con-
traponto com relagao ao grupo nip6nico. Na questao da nacionalizagio, ao que
tudo indica, Goram os japoneses e os alemics os que mais mobilizaram as auto-
ridades brasileiras. A agro antigermanista foi mais intensa talvez polo consi-
der4vel grau de organizagao comunitiria dos grupos alemies nas zonas de colo-
nizagao. Mas os japoneses nio ficaram imunes.
Em julho de 1940, Joio Carlos Muniz, presidents do Conselho de Imi-
gragao e Colonizagao, adverts Vargas da entrada de 60 caixas contendo livros
pedag6gicos impressos em lingua japonesa, destinados is escolas japonesas no
Brasil. Salienta que estes livros nio puderam ser apreendidos por nio se destina-
rem a venda. Esse oficio, de ndmero 523/370, provocou a reagao do secret4rio-
geral do Conselho de Seguranga Nacional, general-de-divisao Francisco Jose
Pinto, em um com unicado reservado ao ministro da Educagao alertando para a
necessidade de se tomar provid&ncias legais que legitimassem uma atitudc
repreensiva do Conselho de Imigragao e Colonizagao. Diz ele textualmente:
Sabido como sio fHrteis os japoneses em deus processos de sutileza e em sua pertinacia racial, con-
tamos que V. Excia. em seu alto patriotismo se dignar4 mandir estudar o assunto pda segao de segu-
ranga desse minist6rio, no sentido de ser encontrada uma forma para neutralizar essa manobra de
buda a nossa politica nacionalizadora."
] 4. De Lourengo Filho para Gustavo Capanema, 5 de agosto de 1940. CC 38.01.06. pasha 111-8,
1 5. O acompanhamenro da definigao de uma politica para o livro didftico do periods do Estado
Novo na d6cada de 1980 pods ser vista em: Helena Maria Bomeny. "0 livro diditico no contexts da
politica educacional". Em: Jiao Batista Araujo e Oliveira et ani. .4 Pa//rfra Zo #z,ra ZZ2/ffo. Sio Paulo,
Summus e Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1 984.
16. Dados sobre o fechamento de escolas Japonesas e alemis podem ser enconErados na pesqui-
sa de Richard Dalbey, Zbe germ.z/z /rfz,.z/e Jrboa6 of azlfber/z Bxuz// Z ring fbe Uargm .7esrT. Indiana
University, manuscrito, 1 970.
s6rie
12. Idern, ibidem, p. 5.
13. Do secretfrio-gerd do Conselho de Seguranga Nacional para o minisrro Capanema. 29 de
julio de 1940. GC 38.01.06, pasta 111-8, s6rie g.
68 Tempos de Capanema A constituigao da nacionalidade 169
nutenq:ao de suns atividades. Em uma correspond6ncia particular interceptada
pda censura encontramos este declaragio :
CIC; a outra pressupunha a intervengio do Minist6rio da Educagao nas tarefas
de natureza educativa. Neste setor, o major Sarmento salienta a atuagio desta-
cada do Ex6rcito, "fundando escolas, nacionalizando os descendentes de estran-
geiros que entram cm suns fileiras, exigindo qualidade de reservista para os
empregados pUblicos, fixando e deslocando tropas para Cazer conhecida e res-
peitada a nossa bandeira". ''
A associagao entre as secretarias estaduais de Educagao e as forgas policiais
na hngao repressiva foi salientada por Cordeiro de Farias: "Todos os documen-
tos que tenho hoje (...) 6oram apanhados pda policia, a quem cabiam as agnes
mats violentas de prisao e apreensio de documentos. Eram ag6es complementa-
res a poll tice de nacionalizagao e de mudanga de mentalidade realizada pda secre-
taria de Educagao."'9 Nio s6 refer&ncias oficiais confirmam a agro violenta mui-
tas vezes empreendida no processo de nacionalizagao do ensino. Documentos e
depoimentos dos pr6prios grupos estrangeiros aludem freqiientemente iprisao
de alemies s6 pelo fate de serem alemies, por identifici-los automaticamente
com o nazismo.
Em 1938, o Estado-maior do Ex6rcito alertava sobre a necessidade de
ampliar as medidas de nacionalizagao do ensino, at6 entio restritas is escolas da
zona rural. Era uma decisio que implicava novos recursos, uma vez que o fecha-
mento de escolas particulares deveria ser compensado com a abertura de escolas
oficiais. Em 1940, o INEP faz um relat6rio apresentando os resultados da
implementagao dessas medidas conforme as cifras seguintes:
At6 hf cerca de um ano podia o alernio, ou de descend6ncia, viver aqui sem ser molestado, desde
que se portasse direito. Podiam, outrossim, as criangas dos alemies aqua nascidas, e que de acordo
com as leis sio brasileiras, freqtientar as escolas alemis e ter assim ensino suficiente. Comegaram as
medidas de nacionalizagao do governs brasileiro, que destruiram sem razio e destroem dezenas de
anos de uma cuidadosa conservagao de costumes (...) De importancia, 6 que com elsa situagao nio
pode haver uma educagao direita dos filhos aqua. De nenhuma forma pretendo dar aos meus Gilhos
um ensino escolar de apenas (quatro) anos, que 6 feith por professoras com 1 8 ands. Pols ipso nio 6
ensino. A16m disso nio estou disposto a mandar meus filhos sentarem num mesmo banco escolar
com negros."
O major Euclides Sarmento, em 1939, escreve ao ministro da Educagio
destacando os quatro mais importantes decretos promulgados em 1 938 a rcspei-
to dos estrangeiros no Brasil. O Decreto-lei n ' 383, de 1 8 de abril de 1938, que
vedava aos estrangeiros o exercicio de atividades politicos no Brasil; o Decreto-lei
n' 406, de 4 de mano dense mesmo ano, regulamentando o ingresso e a perman6n-
cia de estrangeiros, determinando provid6ncias para a assimilagao dos mesmos e
criandoo Conselho de Imigragao e Colonizagao como 6rgao executivo das suas
disposig6es; o Decrcto n ' 868, de 1 8 de novembro de 1 938, criando a Comissio
Nacional de Ensino Primfrio, estabelecendo entry as suas atribuig6es a de nacio-
nalizar o ensino nos ndcleos estrangeiros; e, Ginalmente, o de n ' 948, de 13 de
dezembro de 1 938, que, considerando serem complexas e exigirem a cooperagao
de vfrios 6rgaos da administragio publica as medidas capazes de promover a assi-
milagao dos colonos de origem estrangeira e a completa nacionalizagio dos filhos
de estrangeiros, determinava que as medidas com esse fim "lossem dirigidas e
centralizadas pelo Consclho de Imigragao e Colonizagao".
A razio da comunicagao ao ministro da Educagao esb na observagao que
Sarmento faz a aus6ncia, no Conselho de Imigragao e Colonizagao (CIC), de
um representante do Minist6rio da Educagao. A estrat6gia de agro pressupunha
duas frentes: uma, que previa a proibigao da concentraq:ao de estrangeiros de
uma s6 nacionalidade em quantidade superior a 25% nos n6cleos de coloniza-
gao, assegurada sempre a proporgio de 30% aos brasileiros natos o que
implicava proibir a concessao, transfer6ncia ou arrendamento de lotes a estran-
geiros cuba quota-parte no n6cleo ja estivesse completa, careen que caberia ao
Nio foram poupados m6todos repressivos violentos. Intimeras foram as
queixas e perseguig6es aos alemies, de interceptagao de correspond6ncia parti-
cular, de jornais, revistas, programas de radio e, kinda, perseguigao e molesta-
mento is pessoas que tinham por hfbito o uso da lingua demi. Uma das cartas
] 7. "0 engenheiro alemio Hans Heinrich, desejando regressar ao Reich
ensino brasileiro". 1939, pp. 3 e 4. GC 34.11.30-A, pasta 11-11, s6rie g.
emile concertos sabre
1 8. ]yarlo/z.z/fz.zf,io Za eni/no. Do major Euclides Sarmento ao ministry Capanema. 1 5 de maid de
1939. GC 34.11.30, pasta 1-10, s6rie g.
19. Aspfsia Camargo e Wilder de Gees, op. cit., p. 274.
ESTADO ESCOLAS FECHADAS ESCOLASABER:lAS
R.G. SUL 103 238
S. CA:FARINA 298 472
PARANA7870
sAo PAULO 284 5 1
ESPiKITO SANTO 1 1 45
TOTAL774876
170 Tempos de Capanema A constituigao da ilaciondidade 171
encontradas no arquivo Capanema grata dos reflexos dessa politica sobre a vida
econ8mica da comunidade, pelo faso de muitos alemies desejarem se desfazer
de suas propriedades para retornar a pftria. O autor da carta interceptada jf
mencionada anteriormente condiciona seu regresso definitivo a Alemanha i
possibilidade de troca de sua propriedade no Brasil por uma outra na .Alemanha,
o que reconhece ser dificil na ocasiio "em virtude de terem sido correspondidas
as medidas de nacionalizagao com o retorno a .AJemanha de grande parte da
populagio, e o restante tamb6m quer vender, pelo que hf demasiadas ofertas de
imoveis ."
(...) Existem dual formal, ou melhor, tr&s, de se estabelecer a nacionalidade de uma pessoa: pda
heranga de sangue, fundamentada no J#f ia/zg Ings, que exclui crit6rios geogr4ficos; polo local de
nascimento de uma pessoa, baseado nooKS ia/i; ou pda combinagio dessas duas coisas. Esta tiltima
alternativa levou a uma dualidade de nacionalidades, principalmenre entry grupos de imigrantes,
estabelecidos fora de seu pals de origem, gerada pda confusio em porno dos conceitos de pftria,
cidadania e nacionalidade. Por exemplo, na ideologia pangermanista divulgada no Sul do Brasil,
qualquer pessoa descendents de alem5es teria direieo a nacionalidade demi(expressada pele terms
Uo/&sMm), enquanto que a cidadania estava restrita aos nascidos na Alemanha.:'
A conseqii6ncia bfsica dessa concepgao era a distingao entre os conceitos
de cidadania e nacionalidade. Cidadania tinha que ver com vinculagao ao Esta-
do; nacionalidade, com direito de sangue (e nio com a eventualidade de se ter
ou nio nascido naAlemanha). "Por isso, na concepgao pangermanica, todos os
alemies e dcscendentes de alemaes, em todo o mundo, poderiam formar uma
unidade nacional sem se constitufrem, neccssariamente, em traidores dos esta-
dos dos quaid sio cidadios."" Este-entendimento, considerado extremamente
ameaq:ador is autoridades brasileiras, era para o grupo teuto-brasileiro absolu-
tamente natural, um a vez que se co nsideravam brasileiros por cidadania e, como
tal, cumpridores de todos os deveres civicos e politicos a que o cidadio comum
este sujeito. Mas sua nacionalidade demi era mantida por subs instituig6es pr6-
prias: a imprensa teuto-brasileira, a escola demi, a sociedade de cage e bro, a
lgreja Luterana. Junto a das, prossegue Giralda Seyferth, a Escola Evang61ica
Alemi, as igrejas Luterana e Cat61ica, as sociedades recreativas e mats o uso
quotidiano da lingua demi. Para um alemao, era poss£vel construir uma .rZe/mzzzr
para si no estrangeiro. Este termo se aplicava essencialmente ao local onde o
individuo tinha seu lar. A /Ze;m.zf de um teuto-brasileiro nascido em Blumenau,
por exemplo, 6 esta cidade e seri uma /Ze;m r demi se ior mantida viva a cul-
tura especiGicamente germanica pe]a uti]izagao da lingua demi e at6 pda evoca-
gao da paisagem brasileira atrav6s de uma cangao, a fled Dessa forma, a lingua
acabou por se cornar a principal caracteristica do nacionalismo alemio fora de
suas fronteiras, como o meio mais concreto de identificagio 6tnica.:'
As autoridades brasileiras sabiam disso e das conseqii&ncias dessa prftica
para o desenvolvimento do projeto nacionalista ideaiizado para o Brasil. Se ao
longo do periodo de formagao das zonas de colonizaq:ao foi c6modo para o
governo brasileiro deixar os n6cleos estrangeiros por sua pr6pria costa e risco,
Cidadania e nacionalidade
Por mais verdadeira que fosse a presenga e a ameaga do nazismo no Brasil,
serif ing6nuo acreditar que ela esgotasse todo o sentido da repressao nacionali-
zadora que se abateu sobre as co16nias estrangeiras no Brasil naqueles anos. Por
trig delta questao pr6pria da conjuntura internacional da 6poca havia uma ou-
tra mais gen6rica, que era a da confrontagao entry os esforgos de autopreserva-
gao da identidade de um grupo 6tnico emigrado e as press6es homogeneizado-
ras do governs central. Esta questao foi objeto de um estudo aprofundado, que
vale a pena sumariar em seus pontos principais.
O trabalho de Giralda Seyferth, citado anteriormente, 6 o resultado de pes-
quisas realizadas nos municipios de Brusque e Gabiruba, Santa Catarina, uma
regiao povoada com imigrantes de origem demi desde a segunda mctade do
s6culo XIX. Seu objetivo era examinar como se desenvolvia, nestas comunida-
des, um sentido de identidade 6tnica teuto-brasileira que nio renunciasse ao seu
componente cultural gcrmanico, sintetizado pda expressio Z)ez/zsr#fzzm. A
manutengio deste componente era constantemente defendida pda imprensa
brasileira de lingua demi desde 1 852 at6 sua proibigao em 1 941 , e foi particu-
larmente intensa nos perfodos de maior atividade da .4&Zez/zsr e Uefa nZ(Liga
Pangermanica), de 1 890 a 1918, e posteriormente pda propaganda nacional-
socialista durante a d6cada de 1 930 . Na concepgao corrente na 6poca, havia uma
distingao extremamen te marcada entry a nogio de cidadania e a de nacionalida-
de. Como diz a autora:
20. Carta do engenheiro Hans Heinrich ao engenheiro W. Hellmich, 27 de janeiro de 1 939. GC
34.11.30-A, pasta 11-11, s6rie g.
21 . Giralda Se)berth, op. cit., pp. 8 e 9
22. Idem, ibidem, p. 43.
23. Idem, ibidem.
172 Tempos de Capanema A constituigao da nacionalidade 173
essa "displic6ncia" estava agora sendo lembrada como responsfvel pelos proble-
mas e obsticulos ao projeto de criagao da nacionalidade brasileira.
lil do proprio chefe da nagio a acusagio aos governos anteriores de deslei
xo e mcsmo neglig6ncia em relagao aos grupos estrangeiros, deixados isua pr6
pna sorte:
De iniciativa exclusivamente particular, foram surgindo as instituig6es necessfrias ivida coletiva
comunidades religiosas, sociedades recreativas e benenlcentes, hospitais e uma vasta cede escolar(...)
Criadas e mantidas pda dilig6ncia particular e s6 mais tarde subvencionadas pele governs alemio,
estasescolas representam um alto e quash comovente esforgo de elevagio, partido de criaturas aban-
donadas, desejosas de nio regressar is condig6es primfrias dos aglomerados nio civilizados.:'
(...) HinovenEa ands passados chegava no vale do Itajaf a primeira co16nia dos povoadores alemies
Decerto, no meio de imensas florestas, foram deixados ao abandons. Abateram a mata, lavraram a
terra, langaram a semente, construfranl suas casas, formaram as lavouras e ergueram o edificio de
sua prosperidade. Dir-se-4 que custaram muito a assimilar-se a sociedade nacional, a friar a nossa
lingua. Mas a culpa nio foi delis, a culpa foi dos governos que os deixaram isolados na mata, em
Brandes n ticleos, sem comunicag6es. Aquilo que os colonos de entio pediam era o bin6mio de cuja
resultante deveria stir a sua prosperidade. S6 pediam duas coisas: escolas e estradas, estradas e esco-
las. No entanto, a populagao que prosperava isolada, devido somente ao seu pr6prio esforgo, s6 ti-
nha u ma impressao de exist&ncia do governs. Era quando este se aproximava dela coma algoz para
cobrar-lines impostor, ou homo mendigo, para solicitar-lhes o vote. O governs que se aproximava
somente quando precisava dos votos perdia a respeitabilidade, porque vivia de transig6ncias. E i
troca disses votos, nio vacilava em desprezar os pr6prios interesses da nacionalidade (...)."
A alusio ao descaso dos governos passados, da metade do s6culo XIX at6 a
d6cada de 1 930, vem tanto de fontes oficiais, como dos pr6prios grupos estran-
geiros quando defendem a manutengao do que construiram sem auxilio e sem
apoio do govcrno. Na investida final do processo de nacionalizagao, esse tipo de
argumento era utilizado com certa freqii6ncia pelos pr6prios grupos estrangei-
ros, principalmen te o alemio. Nas diversas avaliag6es de 6rgaos diretam ente res-
ponsfveis pele assunto, como 6 o caso do INEZ aparece igualmente na argu-
mentagao o faso de nunca ter havido uma politica definida sobre a imigragao
que prevenisse impasses futuros como os que estavam vivendo naquele perfodo.
Em um extenso relat6rio datado de 1940 sobre a nacionalizagao do ensi-
no, o INEP acompanha historicamente o trajeto dos imigrantes e sua fixagao no
solo brasileiro. Nessa recuperagio, seleciona depoimentos de historiadores,
escritores e pensadores politicos desde o s6culo XIX jialertando para o cato de
estarem os estrangeiros, especialmente os alemies, ocupando um espago deixa-
do pe[as autoridades brasi]eiras. A precariedade da instrugao oficia] nos estados
do Sul, principalmente no Rio Grande do Sul, levava a que os colonos dessem
pre£er6ncia ao ensino dos co16gios particulates alemies. Na avaliagao, a assesso-
ria do INEP julgava esse cato como "perfeitamente 16gico e natural. A escola nio
6 um 6rgao abstrato, mas um centro de coordenagao da pr6pria agro educativa
da comunidade. Tendo-se cometido o erro de permitir o nucleamento de estran-
geiros, sem major vinculagao ou disciplina aos centros nacionais de cultura, as
instituig6es educativas que a{ deveriam surgir seriam as que ensinassem em lin-
gua estrangeira. ""
Ora, exatamente porque foram obrigados a vencer esse "descaso", os ale-
mies reivindicavam agora o reconhecimento de sua exist6ncia como grupo cul-
tural aut6nomo e at6 a participagao efetiva do governs na sustentagao desse
patrim6nio jf conquistado. Na perspectiva do grupo, o governo maria justiga se
auxiliasse e apoiasse o empreendimento jf construido, e nesse sentido 6 freqiien-
te a solicitaq:ao dos alemies ao governo da mesma atenq:ao que recebem os que
chamam "luso-brasileiros;
(...) A primeira grande ofensiva do Esrado nesse sentido constituiu a perseguigao aos alemies em
1 9 1 9, e a segunda comega a se esbogar agora (.. .). Segundo nosso conceito de brasilidade, por6m, a
nossa esco]a teuto-brasi]eira 6 tio brasi]eira quando a esco]a oficia] de lingua portuguesa; n6s a con-
sideramos equivalentes e equipa radas. A nossa exig&ncia vaia ponte de reclamar do Esrado que ele
auxilie nio s6 financeiramente mas em todos os sentidos a escola teuto-brasileira, coma sends a
escola de milhares de seus filhos.:7
Na avaliagao do grupo germanico, os luso-brasileiros detinham um poder
exacerbado e achavam injusto que, "pele acaso de terem descoberto o pals e vivi-
do ali sozinhos durante 500 anos, em companhia de negros e {ndios, hajam coh-
quistado o direito de impingir a sua norma de exist&ncia a todos os habitantes
24. "Exposigao do secretfrio da Educagio e Sa6de Publica do Estado do Rio Grande do Sul", J. P
Coelho de Sousa, a Comissio Nacional do Ensino Primfrio. 29 de april de 1939. GC 34. 1 1 .30-A, pasta
1-8,s6rie g.
25. Minist6rio da Educagao e Sadde/INEZ "Nacionalizagao do ensino". Arquivo Lourengo
Filho. FGV/CPDOC, P. 8
26. Getdlio Vargas, margo de 1940, Blumenau. Em: Rffzrdr/o 2 Comfss,2o Ze Akf/ansZfzaffo aa
m;n/fD'p CLzpzmema. Outubro, 1940. Arquivo Lourengo Filho, FGV/CPDOC, p. 6.
27. "Os trabalhos do ensino reuto-brasileiro e a questio de sua exist&ncia". Fritz Sudhaus. GC
34.11.30-A, pasta 11-11, s6rie g.
174 Tempos de Capanema A constituigao da nacionalidade 175
do Brasil"." Nio atribuem aos portugueses nada de especialmente distinto que
os credencie a um titulo de proprietfrio politico, ideo16gico ou mesmo cultural
dominante sobre os demais grupos cstrangeiros que vieram construir a socieda-
de brasileira. Colocam em p6 de igualdade e de direito a formagao de uma vida
teuto-brasi]eira, ita]o-brasi]eira, ]uso-brasileira. Coda grupo se nacionalizaria
com uma marca especffica de etnia e isso em nada transtornaria a formagao de
uma sociedade, desde que os deveres iossem rigorosamcnte cumpridos frente ao
estabelecido em lei na sociedade brasileira. Na verdade, o que sc sentem enfrcn-
tando 6 uma conquista que os luso-brasileiros tiveram na constituigao de 34 que
oficializou a "brasilidade concebida no sentido lusitano".
A derrota ofendia maid ainda pda visio preconceituosa que alimentavam
dos luso-brasileiros. Sempre que os alemies recorriam a comparag6es, reprodu-
ziam a crenga da inferioridade dos luso-brasileiros frente aos germanicos. Esse
crenga servia {amb6m de j ustificativa para a expl icagao dos casamentos fechados
nopropnogrupo:
da contribuigao que ofereciam a formagao da pftria brasileira. Consideravam-
se patriotas e, em muitos casos, at6 mais comprometidos com o Brasil do que os
luso -brasileiros .
A definigao de cidadio 6, assim, essencialmente econ6mica: se os teuto-
brasileiros trabalham e produzem para o bem-ester econ6mico do Estado brasi-
leiro, entio por que nio podem permanecer alemies? Lealdade politico e pros-
peridade econ8mica sio consideradas condig6es essenciais para identiGicar o
bom cidad5o. Esta concepgao nio Gicou restrita a compreensao do grupo ale-
miio. O secretirio de Educagao e Sadde Publica do Rio Grande do Sul, J. P Coe-
lho de Sousa, em exposigao de motivos iComissio Nacional do Ensino
Primfrio, em 1939, mesmo referindo-se ao grupo alemio como "problems gra-
vissimo", afirmava ser "uma injustiga, decerto, negar o amor da genre de origcm
germanica a terra brasileira. Poucos anos depois de sua entrada no pals, jf os
colonos alemies ofereciam contingentes itropa brasileira, quer nas guerras
externas, quer nas guerras intestinas, mantendo, sem solugao de continuidade,
essa colaboragao: na Guerra da Cisplatina, na guerra co n tra Rosas, na Guerra do
Paraguai, na revolugao Farroupilha, na Revolugao Federalista, na Revolugao
Nacional de 30 etc.".;'
Este conceito de cidadania ligado ao trabalho nio cra, certamente, muito
distinto do de "cidadania regulada", proposto por Wanderley Guilherme dos
Santos para caracterizar a prftica do regime varguista e baseado, segundo ele,
nio em um c6digo de valores politicos, mas em um sistema de estratiflcagao
ocupacional", segundo o qual tornavam-se cidadios "todos aqueles membros da
comunidade que sc encontram localizados em qualquer uma das ocupag6es
reconhecidas e definidas por lei".': Se isto era assam, no cano dos grupos estran-
geiros operava-seuma curiosa inversio, na qual os alemies se faziam porta-vozes
desta concepgao. limitada de cidadania, ao passo que o governo invocaVa um
sentido muito mais amplo de cidadania pda incorporagio de valores politicos e
culturaisnacionais.
Enquanto a questao ficassc restrita ao tema da cidadania, a resposta ime-
diata do grupo estrangeiro ajemio consistia em argumentar que cram cidadios
brasileiros. Mas, se a questio fosse recolocada nos termos mais precisos da for-
magao de uma nacionalidade brasileira, entio o impasse surgia. Esta era uma
questao que extrapolava o dado territorial, entrando na esiera da formagao da
c(
O colono dem:io foiforgado, desde o comego, a realizar trabalho Hsiao, no qual, vista serem peque
nos os estabelecimentos agr£colas, todos os membros da famflia inclusive mulheres e criangas
tinham que participar. Como os Gilhos de colonos dem:ies cede descobriram a re/uiZ/zfzz Za
mz ZBfr &xns/Zeien em se Zfpor o nnbzzZBo#sica, forum forgados a procurar esposas tio dispostas ao
Erabalho quando des. Data maior parte dos casamentos se fmerem quase que exclusivamente entre
alemies ou pessoas de origem demi ou, maid raramente, com colonos poloneses e italianos, os quais
Eamb6m nio tinham relutfncia ao trabalho.29
Logo adiante, contudo, outra razio 6 oferecida para esse escolha dentro do
grupo: "Se um grupo c! separado de sua pftria e, ao mesmo tempo, seu sangue 6
dilurdo por casamentos mistos, os tragos tfpicos e as habilidades do grupo sio
destrurdos.
A fidelidade e a participagao na construgao do pats eram garantidas, segun-
do os alemaes, polo seu empenho no trabalho, pelo cumprimento dc deveres e
pda obedi6ncia is leis brasileiras. lsso levou a que os teuto-brasileiros no
prop6sito de se defenderem de politicas agressivas contra a manutengio de sua
identidade cultural acusassem os luso-brasileiros de um "patriotismo dc
palavras", ao contrfrio do deles, definido coma "patriotismo de agro". Nio
tinham a menor dUvida com relagio a sua fidelidade patri6tica e muito menos
28. Idem, ibidem, p. 4.
29. Reinhard Maack. "Os alemies no Sul do Brasil: o ponto de vista alemio." Arquivo Lourengo
Fi[ho, ju]ho, ]939, FGV/CPDOC, pp. 7 e 8.
30. "Exposigao do secretfrio de Educagao e Salide Publica do Estado do Rio Grande do Sul", op. cit
31. Wanderley Guilherme dos Santos. C7ZaZa/z/ eJ sara. Rio de Janeiro, Campus, 1979, p. 75
176 Tempos de Capanema A constituigao da nacionalidade 177
ideologia, culture, hibitos e crengas nacionais, de construgio e valorizagao de
sfmbolos nacionais, tudo o que se constituia na materia-prima da manutengao
do que o grupo alemio denominava sua /Zeilm.z£. O confronto seria drfstico.
Nenhuma das panes cederia espontaneamente ao seu prop6sito essencial. Vo-
luntariamente, o grupo alemio nio abriria mio de sua razio de ser como iden-
tidade 6tnica. E dificilmente o caminho da negociagao pacifica pareceria resol-
ver, para a elite dirigente brasileira, o impasse historicamente consolidado. O
que a hist6ria nos mostra 6 que a via de resoluq:ao foiviolen ta e muitas vezes cru-
el. A nacionalizagio do ensino acabou scndo a expressao mais purr da tentative
de destruigao de uma cultura lentamente edificada, mas que nio tinha mais
espago na nova ordem politica do pals.
A importancia do paper da lgrej a bem como a impossibil idade de n egligen-
ciar sua influ&ncia eram percebidas com clareza pda comissio de nacionaliza-
gao, criada polo Dccreto no 2.265, de 25 dejaneiro de 1938. Em relat6rio minu-
cioso sobre a questao da nacionalizagao, reserva uma parte a lgreja, jf
comegando a anflise com a afirmagio de que "nunca poderf ser diminuida a
fungao social da lgreja". A interfer6ncia da religiosidade pouca importancia
teria se houvesse uma relagao direta de coda pessoa com o seu Deus. "Como,
por6m, qualquer culto constitui uma organizagio, a exist6ncia de intermedif-
rios se imp6e e demos entio as igrejas de vfrias denominag6ds, reciproca-
mente exclusivas, constiturdas pelos respectivos sacerdotes de coda hierarquia.
O sacerdote vai, entao, exercer a fungao de professor das verdades religiosas e
pods, assim, ser equiparado aos mestres que, na escola, ministram a educagao.":'
Ainda segundo o relat6rio, sob a 6rbita de sua exclusiva compet6ncia, tem
a lgreja a.missao de desenvolver a educagao religiosa promovendo cultos e assis-
t6ncia a populagio com o objetivo precfpuo de ampliar o ndmero de seus adep-
tos pda difusio de sua atuagao. Em certo sentido, o sucesso da missio religiosa
escapa a estrita religiosidade, penetrando na 16gica da atuagao organizacional.
O sucesso da missio eclesifstica 6 medido tamb6m e em grande parte
por sua capacidade e habilidade de ocupar espagos de outras organizag6es reli-
giosas. E, sem ddvida alguma, o resultado de um exercicio de poder com todos
os ingredientes de competigao, de hierarquizagao, de disciplina, de barganha.
S6 que o poder emana de outra ordem que n:io aquela que define o poder esta-
ta] e, nessa qualidade, acaba exigindo do poder pdblico uma maleabilidade espe-
cifica no trato de sua exist6ncia. Parece residir nisso o sentido da afirmagao:
A nacionalizagao e a lgreja
A religiosidade semprc foi um componente importance das tradig6cs cul-
turais alemis, e into tornou inevitfvel que, no projeto de nacionalizagao, o
governo terminasse se confrontando com a lgreja, com a qual tratava de se
engender no navel federal.
Segundo informag6es colhidas na 6poca por Reinhard Maack, "circa de
300 mil pessoas, ou seja, 30% da populagao demi dos tr6s estados do Sul do
Brasil, sio cat61icas e cerca de 70% (621 mil) pertencem a v4rias seitas protes-
tantes, tais como a lgreja Evang61ica Alemi, a chamada Missouri Synod e um
certo nUmero de congregag6es livres". Neste mesmo documento, o tutor aGir-
ma terem os teuto-brasileiros devotado suas energies ilgreja, iimprensa e ivida
social ativa. O zelo religioso dos colonos alemies impressionava os jesuitas ale-
mies, tendo um deles escrito, kinda em 1 845, ter-se surpreendido "tanto mais
quando a populagao vive sem ter quem se ocupe de suas almas, num ambience
de indiferenq:a religiosa".':
A presenga da lgreja Cat61ica era explicada pelo comentarista com a decla-
ragao de que, em contraste com as condig6es existentes no Brasi] setentriona],
que nio tinha recebido outra imigragao europ6ia a]6m da de Portugal e onde o
clero s6 6 renovado com grande dificuldade, a lgreja Cat61ica prove a zona de
colonizagao alemicom o clero necessfrio, da mesma forma que os membros da
lgreja Evang61ica prov6em a sucessio constants dos seus ministros.
O Estado controla soberanamente a escola, mas a lgreja escapa isua fiscalizagao, porque, enquan-
to aquela promana do poder politico, etta se considera divinamente inspirada, e conseq&entemen-
ce subtraida, gragas ao axioma da liberdade de consci6ncia, isoberania do temporal. Cada cults
reconhece, apenas, a autoridade de sua pr6pria hierarquia em materia espiritual; e coma todos t6m
em mira, como objetivo primacial, a propagagao de sua fg particular, procuram atrair para seu seio
o maier ndmero possivel de fi6is, utilizando-se para esse fim de todos os meios adequados, seguin-
do, como 6 natural, o principio de conservagao dos esforgos, a linha de menor resist6nciaH
O conflito entre Estado e igreja estaria definitivamente aberto, cano nio se
tentasse e efetivamente nio se realizasse um pacts entre ambos. Frente imesma
33. M. J. N. Polfcia Civil do Disrrito Federal, outubro de 1940. Arquivo Lourengo Filho
FGV/CPDOC,p.12.
34. Idem, ibidem, p. 1332. Reinhard Maack, op. cic.
178 Tempos de Capanema A constituigao da nacionalidade 179
questio ada conviv6ncia com n6cleos estrangeiros no Brasil duas estra-
t6gias opostas de agro se cruzavam. O Estado nio atria mio do projeto de nacio-
nalizagao que implicava a uniformizagao cultural, mesmo que para isso tivesse
que utilizar m6todos coercitivos e violentos; a lgrela, por sua parte, nio se opo-
ria ao contrfrio, at6 estimularia a preservagao da cultura estrangeira se
por esse caminho visse portasse abrirem a missio de multiplicar seus fi6is:
o de angariar apoio da estrutura eclesiistica brasileira, mas tamb6m ai alguns
problemas jf se anunciavam:
Entretanto, como para dificullar mais ainda a solugio do problems da nacionalizagio, a pr6pria
lgreja Cat61ica, no caso dos poloneses, por brave de S.S. Pio XI, concedeu ao carded Augusto
H[ond, primaz da Po]6nia, atua]mente refugiado no Vaticano, a diregao de coda a atividade re]igio-
sa cat61ica relative aos polacos no exterior. Dat resulta a obedi6ncia do clero cat61ico polon6s no
Brasil a orientagio, profundamente contrfria aos nossos interesses, do carded Hlond, sem possibi-
lidade de intervengao, sequer, das autoridades eclesiisticas brasileiras."Enquanto o poder p6blico, com o intuito de nacionalizar, procura disseminar a lingua nacional, a
lgreja prefere conservar a lingua familiar dos n6cleos estrangeiros, para facilitar sua tarefa. A a$o
do Estado, muitas vezes, 6 coatora, opondo-se aos desejos ou sentimen [os dos ndcleos desnaciona-
lizados; a lgreja, para server sells pr6prios fins, judo faz para captar-lhes a simpatia. Nasce daf o che-
que de interesses a ntag6nicos, suscitando conflito praticamente inso16vel.'s
Era preciso uma polftica de extrema habilidade que, atendendo aos prop6-
sitos do governo, nio ferisse a lgreja Cat61ica. A posit:io do governo era particu-
[armente difici[ na area educaciona], dado que o sistema privado, predominan-
temente confessional, era muito maid desenvolvido do que o oficial, e o governo
nio teria meios ou condig6es de substituir o primeiro pelo segundo. A16m dis-
co, era exatamen tc com a lgreja Cat61ica que o Minist6rio da Educagao contava
para a tarefa de incutir nos alunos os valores 6ticos e morais que fariam parte de
uma cultura nacional revigorada. Nas areas de colonizagiio alema, contudo, o
efeito era o oposto O secretfrio de Educagao do Rio Grande do Sul, por exem-
plo, considerava que o clerk nests regiao era, em tlltima anflise, um aliado do
nacional-socialismo:
Padres, pastores estrangeiros c mesmo bispos brasileiros reagiram de inicio
is mcdidas de nacionalizagao. At6 1 940, o governo nio tinha conseguido impor
a obrigatoriedade das pr6dicas e serm6es em lingua nacional pda forte reagao
por parte do clero. O governo temia complicar ainda mais o problema, acirran-
do uma questao religiosa pelo conflito aberto com a lgreja. Chegou-se at6 a
mencionar a necessidade de nacionalizar o clero, mas, de imediato, percebeu-se
o fracasso inevitfvel de tal projeto, devido ao insuficiente ndmero de padres bra-
sileiros para atender aos fi6is. E, "entre o interesse da religiao e o do Estado, os
sacerdotes de qualquer denominagao pendem por aquele"." E a{ reside um
aspecto de sumo importancia para essa reflexio. Ao nacionalismo extremado do
projeto do governo brasileiro contrapunha-se o internacionalismo religioso. A
barreira e a fronteira a religiao nio se definem por territ6rio, mas por principios
ideo16gicos e religiosos. O que abria portas ao avango da lgreja parecia ao gover-
no um obstfculo perigoso ao seu projeto nacionalista. A politica menos eficaz
seria aquela que se pautasse pda intransig&ncia. O parceiro maid propicio a
intransig6ncia, nesse caso, era a pr6pria lgreja, jf que em nada Ihe atrapalhava o
cato de serem os grupos estrangeiros afinados isua pr6pria cultura. Ao contri-
rio, uma posigao rfgida com relagao a esse grupo Ihe era dc todo prej udicial . Uma
politica ofensiva e agressiva do Estado contra a lgreja teria como conseqii6ncia
a rcagao da populagio na defesa de seu sentimento religioso e da liberdade de
preservagao da prftica religiosa tio familiar. Um recurso do governs poderia ser
Na verdade, elsa parte do clero combate a ideologia nazista, mas cultua a [radigao alema, com o fun-
damento de que na tradigao reside o espfrito de disciplina da gente de origem demi base de sua
religiosidade."
Ele acrescenta que, no entanto, o sentimento religioso poderia ceder pas-
so a um ideal racists. A seqh6ncia do relat6rio 6 mais reveladora. Os dados apre-
sentados indicam que a co16nia demi mantinha perto de dubs mil escolas nas
zonal de colonizagao as escolas da rede das igrejas e as escolas independen-
tes. Essay primeiras estavam divididas entre a lgreja Cat61ica, a lgreja Evang61i-
ca Alemi (Sinodo Riograndense), a lgreja Evang61ica Luterana Missourie a
lgreja Adventists. Segundo esta conte oficial, as lgrejas Adventista e Missouri
mantinham praticamente o ensino em portugu&s. O contrfrio se diva na rede
escolar cat61ica e evang61ica: a lingua escolar oficial era o alemio. Algumas ensi-
35. Idem, ibidem, p. 14.
36. Idem, ibidem.
37. Idem, ibidem
38. "Exposig5o do secretfrio de Educagao e Satide Publica do Estado do Rio Grande do Sul
OP. cit., P. 5.
Y
80 Tempos de Capanema
A constituig5.o da nacionalidade 181
navam o portugu6s, mas como discip]ina de intercsse acess6rio. A]6m disco, pos-
suiam suas escolas de formagao de professores (em Sio Leopoldo e Novo Ham-
burgo), centenas de escolas prim4rias e grande ndmero de estabelecimentos de
ensino secundfrio.
O secretfrio de Educagao faz re£er6ncia a ineficfcia das medidas de repres-
sio substituigao de diretores escolares e fechamento de escolas particula-
res que nio puderam alterar o ambiente de resist&ncia do grupo alemio. Jf
se sabia que ao lado desse tipo de investida teria que caminhar o que chamavam
"a contra-ofensiva pda criaq:ao do scntimento de brasilidade", com a difusio de
simbolos, saudaq:6es politicas etc. Nio se poderia contar apenas com a policia;
era necessfrio um investimento pesado na educagao, e para isto era indispensf-
vel estar em bons termos com a lgreja.
A lgreja tampouco interessava um conflito aberto com o regime, quando
nio fosse pda posigao privilegiada que havia adquirido em relagao ao Minist6rio
da Educagio e Sadde. Assim, as tens6es no sul evoluiriam pouco a pouco para
soluq:6es de compromisso. Antes, a exig&ncia governamental de reconhecimen-
to oficial das escolas deixava de iona grande parte das escolas privadas e confes-
siQnais. A lgreja, por sua vez, nio reconhecia o cnsino religioso ministrado em
escolas nio cat61icas, o que fazia com que as familias religiosas dessem sempre
pre£er6ncia is escolas confessionais. Jf em julho de 1940, no entanto, a Ctiria
Metropolitana de Porto Alegre envia uma circular aos vigfrios ordenando que a
religiao fosse ministrada indiferentemente nas escolas paroquiais ou p6blicas.
Nesta circular, afirmava-se que a co munhio deveria ser sempre solene "e obriga-
t6ria para today as (iriangas devidamente preparadas, ficando severamente proi-
bida, neste particular, qualquer distingao entre os alunos dos co16gios e os das
escolas pdblicas"." IJm conv&nio formal assinado entre a Arquidiocese e o
governo do Rio Grande do Sul df os termos do acordo conseguido:
3. A proporgao que se fundarem novas escolas cat61icas, as mesmas serif registradas na Secretaria
de Educagio, por interm6dio da Cdna Metropolitana, a qual, igualmente, dad baixa das que dei-
xarem de existir.
4. A Carla Metropolitana se compromete, sem prejufzo da conlpleta autonomia administrativa e
confessional das referidas escolas, a manter nas mesmas um ensino rigorosamente nacional, de acor-
do com a legislagao federal e estadual atinente imat6ria."
lsto nio garantia, evidentemente, que nio continuasse a haver resist&ncias
por parte do clero de origem europ6ia ipolitica de nacionalizagao. Mas seriam
resist&ncias meramente individuais, ja que a harmoniainstitucional entre a lgre-
ja e o Estado estava preservada.
Conclusio
O epis6dio da nacionalizagao do ensino mostra bem o conte6do do proje-
to nacionalista brasileiro do periodo p6s- 1 937. De feigao conservadora e auto-
ritfria, foiele marcado polo carfter excludente, avesso a conviv&ncia pluralista e
diversiGicada. Seu ponto de partida era o diagn6stico de uma absolute aus6ncia
de integragao nacional, em fungao da "prftica degeneradora do liberalismo"
predominante na hist6ria politico do periodo anteriora Revolugao de 1 930. A
critica ao modelo liberal la trazia embutido seu conte6do autoritfrio e centrali:
zador. Nacionalizar o pals era unificar o que estava decomposto, o que se desa-
gregara por uma politica regionalista com acentuados vicios oriundos da dispu-
ta por interesses privatistas. Esta parecia ser a 6nica forma de edificar a sociedade
nacional e conGerir a politica um carfter ptiblico, acima de interesses particula-
res de grupos privilegiados da sociedade civil.
Na perspectiva estadonovista, a persist&ncia dos "quistos estrangeiros" no
Brasil aparecia como mais uma resultante do periodo liberal desagregador,
quando os politicos se importavam mais com a manutengao de se.us currais elei-
torais do que com o verdadeiro sentimento de nacionalidade. E evidente que
muito mats foi incluido nessa mesma crltica: a representagao politica liberal, a
vida partidfria, a organizagao sindical aut6noma, a liberdade de manifestagao e
expressao etc. O projeto nacionalista do Estado Novo valorizava, em outras
palavras, a uniformizagao, a padronizagao cultural e a eliminagao de quaisquer
1. A Arquidiocese de Porto Alegre tem ampla liberdade e autonomia de fundar e de manter escolas
cal61icas, based ndo que as mesmas se sujeitem is clfusulas do presente conv6nio, para terem o ampa-
ro da lei e a protegao do Estado.
2. A C6ria fornecer4 a secretaria de Educagao alista complera das escolas cat61icas da Arquidiocese.
declinando qualquer responsabilidade pda conduta de today aquelas que, embora de orientagio
cat61ica, nio se incluam na referida lista.
39. b4onsenhor Leopo]do Neil, vigario-gera] de Porto Alegre
A, pasta 1 1-7, s6rie g
12 de julho dc 1940. GC 34.11.30- 40. Conv6nio entry o governo do Rio Grande do Sul e a arquidiocese. 1 940. GC 34. 1 1 .30-A, pas
ta 1 1-7, s6rie g.
182 Tempos de Capanema
A constituigao da nacionalidade 183
iormas de organizagao aut6noma da sociedade, que nio fosse na forma de cor-
porag6es rigorosamente perfiladas com o Estado. Da{ seu canter excludente e
portanto, repressor.
A formagao do Estado Nacional passaria necessiria e principalmente pda
homogeneizagao da cultura, dos costumes, da lingua e da ideologia. Nio fdta-
ram propostas de criagao de pianos de "unificagao ideo16gica do pals" que trata-
vam basicamente da eliminagao dos "cocos de contaminagao," identificados ora
com os comunistas, ora com os nazistas. A uniformizagao cultural implicava a
exclusio dos "estrangeiros", entendidos aqui como grupos estranhos ao projeto
de nacionalizagao. A amplitude do que era considerado "estrangeiro" poderia
hgir a simpler e direta vinculagao ipftria de origem. Sendo uma estigmatiza-
gao politico-ideo16gica, cidadios brasileiros poderiam ser considerados como
tal se discordassem da doutrina oficial. Nio era preciso ter nascido em outro pris
para ser identificado com o comunismo ou com o nazismo. A pretensao inter-
nacionalista do primeiro e expansionista do segundo acabaram por reuni-los no
rol dos que eram acusados de desagregar, contaminar e desfazer o que deveria
estar agregado, puro e ordenado.' '
No caso especrfico da nacionalizagao, quase toda a preocupagao foi con-
centrada nos ndcleos de colonizagao estrangeira, e era o grupo alemio o que
mais se prestava iessa estigmatizagio, pda proximidade, sempre a ele associada,
com o nazismo. Mas a agressividade contra os alemies parece ter sido mais refor-
gada com o argumento da inGiltragao nazista do que propriamente inspirada e
fundamentada nessa infiltragao; de faso, a naturcza uniformizadora do projeto
do governo era anterior ipenetragao da ideologia nazista no Sul do Brasil.
Curiosa a argumentagao utilizada por um alemio para criticar o projeto
nacionalista brasileiro. Em de6esa dos alemies, Reinhard Maack acaba por recu-
perar elementos do pr6prio nacionalismo brasileiro, organizando-os, por6m,
contra cssa mesma ideologia:
Na verdade, o modelo de nacionalismo brasileiro ao contrfrio do libe-
ral, que en tendia a nagao como uma coles:ao de individuos buscava transfor-
mar a nagao em um dodo organico, uma entidade moral, polrtica e econ6mica
cujos fins se realizariam no Estado. O reforgo do sentimento de nacionalidade
parecia conferir a nagao uma supremacia sobre o Estado, que se transformaria
no mais forte instrumento de realizagao do idefrio da nacionalidade. Nagio e
Estado construiriam a um s6 tempo a nacionalidade. Ora, 6 exatamente em
ama de sua ie2.zxnf#a, e nio de sua./wmfZa, que os alemies reivindicavam a liber-
dade para manutengao de uma dupla lealdade: inagao demi e ao Estado brasi-
leiro. A preservagao simultfnea da cidadania brasileira e da nacionalidade
tllEiiia.
Mas este ideal de um Estado multinacional, que pudesse abrigar em seu
imbito as diversas etnias que participaram de sua formagao, sem tentar fundi-
las e descaracterizf-las em um molde anico, nio encontraria obstfculos somen-
te do dado brasileiro. A exacerbagao do sentiments nacionalista alemio que o
nazismo vinha promovendo nio supunha uma simples coexist6ncia de Estado e
nagao, mas a subordinagao efetiva do primeiro a segunda, algo que na realidade
tinha raizes bastante mais profundas, como observa Hanna Arendt:
Os pangermanistas politicamente mais articulados sempre insistiam na prioridade do interesse
nacional sobre o interesse do Estado e geralmente argumentavam que "a politica mundial transcen-
de a estrutura do Estado", que o 6nico bator permanente no decorrer da hist6ria era o povo e nio o
Estado e que, portanto, as necessidades nacionais, mudando com as circunstancias, deviam sempre
determinar os atos politicos do Estado."
Se o sentimcnto de nacionalidade ganha prioridade sobre o interesse de
Estado, ele pode se desprender de barreiras territoriais, uniGlcando em torno
dense ideirio as populag6es dispersas em outras regimes que nio pertencem ao pals
de origem. Esse movimento de unificaq:ao funciona ao mesmo tempo como elo
de ligagao e expansao do sentimento nacionalista nas dais distances regimes do
globo. Ampliar o sentimento de nacionalidade demi era manger viva a lealdade
iA[emanha e, ainda, estender ao mundo sua inf]u6ncia. ]; como se o naciona]is-
mo, "substituto emocional da religiao"," fortaleccsse os movimentos de uniGica-
Embora o nacionalismo brasileiro difira em muitos pontos do bolchevismo, combatendo-o como
ideologia estrangeira", na sua destruigao dos valores criadores da individualidade nacional, usam
amboy os mesmos m6todos universalistas e mecfnicos. O bolchevismo deseja o abandono das
caracterfsticas peculiares is nag6es do globo, e o nacionalismo brasileiro extremado tem o mesmo
Rita dentro das fronteiras.42
41. Para uma discussio da categoria de acusa$o no discurso politico integralisca e mats especialmenre
a estigmatiza$o so6rida polos judeus na doutrina de Gustavo Barroso, ver: Ricardo Benzaquen deAradjo, "Os
mercadores do mal. Os judeus na obra de Gustavo Barroso". Rio deJaneiro, FGV/CPDOC, 1979, mimeo.
42. Reinhard Maack, op. cit., p. 1 5.
43. Hanna Arendc. 4i arzge i Za fa/ #f.zr/rma. imper/a#f mo, a ex? z/zio ZopoZrr. Rio de Janeiro
Documentfrio, 1976, p. 151.
44. Idem, ibidem
184 Tempos de Capanema
A constituigao da nacionalidade 185
gao, conferindo a seus adeptos uma origem como que sagrada, o que permitia a
perman6ncia da nacionalidade quaJqucr que fosse a conting6ncia hist6rica.
Desta forma, manger uma tradigao comunitfria e cultural germanica fora
da .Alemanha era thais do que simplesmente conservar hfbitos e valores cultu-
rais; era a forma de tornar alemio o espago ocupado por esses grupos. No con-
texts politico do conflito mundial, esse faso se reveste de uma gravidade espe-
cialmente maior. Em um artigo publicado em 1 939, na revista americana Kezz,
o jornalista Ernesto Hanloch champ a atengao para "os perigos das ambig6cs ger-
mintcas" com o segumte comentino:
aquilo que os brasileiros gostariam de ter e serviam de conte de inspiragao para
o que aqui se pretendia construir. Sua presenga no Brasil, no entanto, nio os
transformava em aliados, mas cm umaameaga terrivel ao projeto nacionalista
brasileiro, com o qual competiam, aparentemente, com vantagem. Havia, por
conseguinte, uma contradigio bastante profunda entre o projeto de construgao
de um Estado Nacional forte no Brasil e uma politico de major aproximagio
com a .Alemanha nazista, defendida por tantos homens ptiblicos na d6cada de
1930. Uma posigao de neutralidadc na arena internacional ainda poderia ser
possivel, mas um alinhamento maior com o Eixo e conseqiiente liberdade de
agro dos colonos alemies em territ6rio nacional parecia estar a16m do limite do
que os homens que construiram o Estado Novo poderiam aceitar. Aqui, como
em outras quest6es, a linha divis6ria entre o autoritarismo e o totalitarismo nio
chegaria a ser ultrapassada.
(...) O que ela(aAlemanha) cobiga 6 a imensa riqueza naturalbrasileira. A sua posse resolveria com-
pletamente todos os problemas que a sua polftica de militarismo econ6mico origina. A conquista
por assalto nio syria uma pali tica prftica, mas o dominio efetivo dos recursos brasileiros poderia ser
obtido infiltrando-se no Brasil coma "um alinhado ideo16gico", para, por elsa forma, converter o
Brasil num vassalo econ6mico e politico daAlemanha. As possibilidades econ6micas brasileiras sio
tio ilimitadas que o domfnio delay pda Alemanha significaria uma realizagao ripida do objetivo
expansionista da hegemonia germanica atrav6s do mundi. Em resumo, 6 este o escopo das ambi-
g6es germanicas no Brasil."
A ampla divulgag:io internacional das ambig6es e inteng6es do Terceiro
Reich de aumentar seu dominic no mundo facilitou muito a associagao imedia-
ta entry a exist6ncia de comunidades alemis no exterior e a germinagao de cocos
de representagao do Terceiro Reich nesses parses. E a insist6ncia dos grupos ale-
mies em defenderem a manutengao de sua lealdade a nagao de origem fortale-
cia a crenga em um a politico deliberada da-Alemanha de ampliagao de saas fron-
teiras no mundo. O sentimento de nacionalidade transformava-se na pr6pria
razio de ser do Estado alemio, maior beneficiirio de todo esse processo. Ser
capaz de estar presente e viva, nio obstante distfncias as mais longinquas, fazia
da .Alemanha um pals distinto dos demais, provocando reag6es mais ou menos
violentas, sobretudo daqueles parses que igualmente disputavam maior contro-
le e influ6ncia no cenfrio da politica internacional.
Por sodas essas raz6es a natureza do projeto politico brasileiro, a resis-
t6ncia dos germanicos ao "abrasileiramento", a ascensio do nazismo e o agrava-
mento do conflito internacional , tornava-se insuportivel e mesmo sem solu-
q:ao a perman6ncia, dentro do Brasil, de lealdades nacionais mdltiplas.
Em certo sentido, pois, o nacionalismo brasileiro encontrou no naciona-
lismo alemio seu modelo, seu fantasma e seu limite. Os alemies possuiam tudo
45. Arquivo Gustavo Capanema, IS de maid de 1 939, pp. 6 e 7. OC 34. 1 1 .30-A, pasta 1- 1 1 , s6rie g

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