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TÉCNICAS ANESTÉSICAS E TRATAMENTO DA DOR MECANISMO DE AÇÃO DOS PRINCIPAIS FÁRMACOS UTILIZADOS PARA O CONTROLE DA DOR EM MEDICINA VETERINÁRIA Como avaliar a dor dos pacientes? A forma como os animais demonstram a dor vai variar muito entre as espécies e até mesmo entre as raças. Variações completamente diferentes e individuais de demonstração da dor. A avaliação depende principalmente das informações vindas do tutor. Quais fármacos utilizar para determinada dor? Existem uma gama de opióides utilizados no mercado veterinário, com diferenciais de função e potência em determinadas espécies. O cloridrato de tramadol p. ex. necessita ser metabolizado para se ligar em receptores e agir como analgésico. Em cães a ação de tramadol é baixa devido à pouca existência de receptores, diferentemente dos gatos, onde há grande quantidade. DOR - conceitos NOCICEPÇÃO: estimulo nocivo excessivo dando origem a uma sensação intensa desagradável. Toda percepção de um estimulo doloroso. HIPERALGESIA: maios intensidade de dor associada a um estimulo nocivo leve. Uma dor leve que teve exacerbação da dor. Sabe-se que os pacientes que entram para procedimento cirúrgico, necessitam ter a dor bloqueada no pré-operatório para não sofrerem hiperalgesia no pós-operatório. DOR NEUROPÁTICA: dor não associada a estimulo ou lesão tecidual. Simplesmente, há ponto de dor no corpo, sem lesão. É uma dor oriunda da inervação, ocorre em cães com compressão e lesão nervosa. Dor do membro fantasma; pacientes atingidos por herpes vírus zoster (nervo contaminado por virêmia). Os estímulos de dor são diferentes, necessitando de fármacos diferentes para cada situação. DOR: associada a estimulo emocional. Existem pessoas que sentem dor, alterando parâmetros fisiológicos, quando se lembram de momentos de frustração emocional. Em animais não há compreensão total deste tipo de dor, diz-se que eles possuem uma memória de dor, onde a dor que já existiu leva a um quadro de dor crônica, na qual o animal, mesmo após ser tratado, ainda possui “receio” de usar o membro que estava acometido. Para retirar a memória de dor, indica-se a fisioterapia. Alivio da dor: é de obrigação profissional. Funciona como a peça chave para ter êxito na clínica, melhorando o relacionamento entre clientes e veterinários. O veterinário é comprometido com o controle da dor, tendo comprometimento com o animal e provendo sua melhora na qualidade de vida. Pacientes oncológicos em estado terminal de vida, é obrigação do médico veterinário promover uma boa qualidade de vida até o momento de sua morte, através do controle da dor. Tipos de dor A resposta a dor sempre será individual, variando entre espécies e raças. Envolve dois componentes: 1. Componente sensorial: processamento neural do estimulo de dor (há inúmeras ramificações nervosas pelo corpo que conduzem a dor até o estimulo ascendente do SNC). 2. Componente emocional: sensação desagradável (experiência emocional – memória). Por este motivo utiliza- se fármacos hipnóticos. Os diferentes tipos de dores são controlados de diferentes tipos, e a dor aguda, se não tratada pode perdurar e virar uma dor crônica. Dor aguda: esperada durante o período de inflamação e cura da lesão (dura no máximo três meses); Dor crônica: existe além do período esperado associado a dor aguda (dor que convive com o paciente a meses ou até mesmo anos, geralmente é o tipo de dor mais encontrado na clínica veterinária). A terapia vai ser sempre focar na causa. Identificar o tipo de dor, como nociceptiva, inflamatória p. ex. e utilizar os fármacos adequados. a. Dor nociceptiva: receptores periféricos são ativados por um estimulo doloroso (incisões cirúrgicas, traumas, calor e frio p. ex.), é a transdução e sensibilização. b. Dor inflamatória: resultado da ativação do sistema imune em resposta a uma lesão ou infecção. Todo tecido que sofre lesão libera mediadores para dor, que se não for tratada, provem um ambiente favorável para iniciar uma infecção; c. Dor patológica: dor amplificada e sustentada por um período além do tempo esperado para inflamação e cura desta. É aquela em que o organismo não se recupera sozinho, devendo entrar com tratamento e terapias para dar suporte ao animal. A dor patológica é acompanhada de hiperalgesia (aumento da sensação de dor); alodinia (dor provocada por um estimulo que provavelmente não estimularia dor – tocar na pele p. ex.); expansão do campo doloroso (há sensibilidade em uma margem além da inicial). A dor não se trata somente de fármacos, pode-se utilizar modalidades não farmacológicas, como a utilização de gelo, fisioterapia (principalmente após procedimentos ortopédicos) e acupuntura. Reconhecimento e avaliação da dor A chave é olhar o comportamento do animal e saber reconhecer as alterações fisiológicas. Rotina em todo exame físico, realizar escore de dor, trata-se de um “quinto sinal vital” devido as alterações fisiológicas que a dor é capaz de causar, como o aumento da liberação de cortisol e alterações cardiopulmonares, hipertermia, além das alterações metabólicas. Escore de dor: a escala vai de 0 a 10. Questiona-se o tutor e posteriormente o médico veterinário também realiza a avaliação da escala através da avaliação física. A avaliação deve ser feita pela mesma pessoa para ter um parâmetro mais fidedigno. Educar o proprietário para que o animal adeque o manejo em casa. Comportamento O animal com dor não consegue realizar a manutenção dos seus comportamentos normais. O gato p. ex. deixa de realizar sua higiene quando há estímulos dolorosos, o animal que deixa de subir onde comumente estava acostumado a subir, o fato de deitar por cima dos membros. A dor leva ao desenvolvimento de novos comportamentos para adaptar-se à dor, podendo levar a dor crônica Ferramentas de score de dor Não possui escala especifica (somente numérica). Deve-se associar uma escala para dor aguda e crônica e para cães e gatos. Dor aguda – componentes nociceptivos e inflamatórios. As causas das principais dores agudas são, trauma, cirurgia e doenças associadas a dor aguda (pancreatite p. ex.) A avaliação consiste na observação do paciente sem interação alguma, avaliando a orientação na gaiola, postura, movimentação, expressão facial, nível de atividade e atitudes. Observar o que ocorre quando a gaiola é aberta ou se o animal é forçado a se mover. Observar também a reação do animal à palpação da ferida cirúrgica (se há alodinia e expansão do campo doloroso). E assim, atribuir uma escala numérica. A reavaliação vai depender de escores prévios, onde o tutor auxilia nas avaliações. Entrar com fármacos analgésicos e esperar que o escore seja diminuído para ter tratamento efetivo. Conhecer o temperamento do animal antes da presença de dor e posteriormente. Dor crônica – dor que persiste por um tempo além do normal esperado para cura ou dor que persiste Os proprietários não percebem que a alteração está relacionada a dor crônica. A dor crônica sempre será mais difícil de tratar, requerendo mais tempo e gastos para tratamento. Há mobilidade diminuída, redução da tolerância ao exercício e atividades em geral, dificuldades em permanecer em estação, caminhar, subir escadas, pular ou se levantar, redução da higiene, alteração nos hábitos de urinar ou defecar. Dor crônica não reconhecida ou não manejada corretamente leva a eutanásia precoce (quando o animal não possui qualidade de vida adequada, de difícil manejo, e onde o tutor não possui condições financeiras de manter o tratamento). Um exemplo é a situação de displasia coxofemoral não trada, onde já há dor de memória e perda da função, exigindo um suporte de fisioterapia, além dos procedimentos cirúrgicos e medicamentosos. Reconhecimento e tratamento adequado da dor crônica é tão importante na preservação da vida como qualquer outro tratamento medicamentoso. Intervenção farmacológica Manejo adequadoda dor. Fala-se muito sobre anestesia multimodal (várias modalidades analgésicas para controle da dor – opióides na MPA, bloqueio local, analgesia pós-operatória), sendo esta, uma anestesia balanceada. Atingir múltiplos locais - vias de dor diferenciadas. Toda vez que se tiver uma analgesia preemptiva e multimodal, há redução de doses no pós-operatório, redução de reações adversas. A escolha da medicação deve ser adequada para cada situação. OPIÓIDES Compostos naturais ou sintéticos derivados do ópio Analgésicos que mimetizam a ação de opióides endógenos (endorfina). Ocorrência natural: morfina e codeína Semissintético: hidromorfona, buprenorfina e etorfina; Sintéticos: fentanil, meperidina e metadona Causam intensa analgesia, com duração variável, possuem propriedades sedativas e hipnóticas. São utilizados para controle da dor aguda e crônica através da utilização por VO. Importantes na veterinária para anestesia balanceada, pós- operatório e patologias acompanhadas de dor. Morfina dura de 6-8hrs, ter cuidado pela liberação de histamina, assim evita-se utilização por via IV, aplicando somente por via IM ou SC. O fentanil ou remifentanil chega a ser 250x mais potente que a morfina. O fentanil tem ação de 30min e remifentanil com ação de 5min. O remifentanil é um fármaco muito utilizado em infusão continua devido ao curto período de ação e boa analgesia. A absorção por VO é baixa devido ao amplo efeito de primeira passagem. O tramadol, quando aplicado por via IV ou SC possui biodisponibilidade maior do que quando feito por VO. Na administração do tramadol por VO, a dose deve ser elevada, sem ter o risco de intoxicação. Por via IV pode ser feito na dose de 4mg/kg em cães e 2mg/kg em gatos. Morfina e meperidina são dois opióides que liberam histaminas quando aplicadas por via IV, podendo ser imediata ou tardia (20minutos ou até 72hrs após), sendo assim são aplicadas por via IM. A distribuição é variada, são altamente lipossolúveis, agem rapidamente nos tecidos bem perfundidos. Mecanismo de ação Mimetizam a ação dos opióides endógenos Ligação do opióide aos receptores específicos resulta na inibição da transmissão sináptica do SNC e nervos periféricos. Causam fechamento dos canais de cálcio na terminação nervosa pré-sináptica Diminuição da liberação de neurotransmissor de dor na fenda sináptica; Hiperpolarização da célula por meio de canais de potássio, inibindo via nociceptiva ascendente; Analgesia periférica de fibras nervosas nociceptivas (articulações). Três classes principais de receptores: a. Mi (μ): Analgesia supra espinhal (cortéx), depressão respiratória, euforia e dependência química, sedação Fentanil, remifentanil, morfina, meperidina, fentanil b. Kappa (κ): Sedação, analgesia espinhal (bloqueia a dor visceral), miose e disforia. Fármacos que atuam nestes receptores possuem boa ação em aves. Butorfanol, buprenorfina. c. Delta (δ): provável analgesia periférica, seletividade para opióides endógenos, disforia, excitação. Relação fármaco-receptor Agonistas puros: alta afinidade por mi e atividades aos seus receptores, induzem resposta máxima Ex: morfina, metadona, meperidina, fentanil, pept endógenos Agonista parcial: age em mi como agonista, na ausência de um agente puro, caso contrário atua como antagonista Ex: nalorfina, buprenorfina Agonista-antagonista: agonista de kappa e ação antagonista de mi Ex: butorfanol, nalbufina Antagonista: reverte ações dos agonistas opióides. Liga-se a receptor sem produzir efeito farmacológico Ex: naloxona Efeitos adversos Sistema respiratório: diminuição de amplitude e frequência respiratória; Centro da tosse: alguns opióides fazem boqueio do centro da tosse. Sistema geniturinário: faz inibição do ADH, diminuindo a produção de urina. Sistema cardiovascular: diminuição da frequência e força de contração. Pode haver vasodilatação e queda na pressão arterial. Diâmetro da pupila: pacientes que não causam excitação = miose; pacientes que excitam = midríase. SNC: depressão. Centro termorregulador: perda do controle de termorregulação. Centro emético: alguns fármacos, como a morfina, fazem estimulo gatilho do vomito na aplicação pós-imediata. Sistema gastrointestinal: todos os opióides provocam diminuição de peristaltismo. Atentar quanto a ruminantes e equinos (timpanismo e íleo paralitico, respectivamente). Optar por meperidina em equinos. ANTIINFLAMATÓRIOS NÃO ESTEROIDAIS (AINE’s) Classificados de acordo com a estrutura química. Possuem atividade inibitória para a enzima associada a produção de eicosanoides (substâncias geradas nos processos inflamatórios), utilizados para dor e inflamação, com ação antipirética e analgésica, mas nem sempre haverá todas as ações associadas. Deve-se avaliar o paciente e o fármaco a ser utilizado em decorrência das reações adversas. Metabolização hepática (em felinos há deficiência na conjugação). A dipirona em felinos, recomenda-se a cada 48hrs, diferentemente do cão que é feito a cada 6 ou 8hrs. A excreção é basicamente renal. Mecanismo de ação CASCATA DA INFLAMAÇÃO Toda vez que houver lesão tecidual, haverá resposta inflamatória. A lesão tecidual pode ser química, rompendo a pele, ou ainda térmica, por calor ou frio, e ainda mecânica, envolvendo os traumas e rupturas e incisões cirúrgicas. Membranas celulares fosfolipídicas se rompem, liberando ácido araquidônico (AA). Este AA serve de substrato para 4 enzimas: COX 1,2,3 (prostaglandinas sintetase), 5,12 E 15 (lipo-oxigenase) Eicosanoides são formados pelo AA pela ação da COX e LOX Prostaglandinas São as principais substâncias liberadas no processo inflamatório, tendo as principais manifestações de um processo inflamatório local, como eritema, calor, edema e liberação de histamina e bradicinina, que intensificam o estimulo nociceptivo. Ex.: hiperalgesia e alodinia. COX 1 – constitutiva – processos fisiológicos Encontrada em várias enzimas, necessária para os processos fisiológicos, responsável pela regulação da homeostase por produzir prostaglandinas na mucosa gastrointestinal, agregação plaquetária (a aspirina inibe COX 1 e 2), manutenção do fluxo renal. COX 2 – indutiva – processos patológicos Induzida por dano ou lesão tecidual, ativa a cascata de inflamação produzindo eicosanoides, transmissão de impulsos nociceptivos pelo cordão espinhal. O objetivo principal dos AINES é a inibição das atividades das enzimas COX 1 e 2, evitando a síntese de prostaglandinas. Classificação quanto a capacidade de inibição a. Inibidores não seletivos: Piroxicam, AAS, ibuprofeno, paracetamol, fenilbutazona, cetoprofeno b. Inibidores preferenciais de COX 2: Meloxicam, carprofeno, nimesulida c. Inibidores seletivos COX 2: Celecoxibe, deracoxibe, firocoxibe, mavacoxib Contraindicações e efeitos adversos Nefrotoxicidade: redução do fluxo renal, cuidar hipovolemia, desidratação e insuficiência renal crônica; Sistema gastrointestinal: ulceras por diminuição de muco protetor, vômitos, diarreia e dor abdominal; Sistema hematológico e hemostasia: diminuição da agregação plaquetária, cuidar pacientes com risco de sangramentos.; Principais usos dos AINES Edema, inflamação, pós-operatório, distúrbios musculo esquelético, bem utilizados em bovinos e equinos para tratamento de afecções respiratórias, lesões musculo esqueléticas, cólicas e laminites, osteoartrite, dor crônica. ANALGÉSICOS ADJUVANTES 1. Dipirona: analgésico e antipirético (25mg/kg) Indicada para dor leve e moderada, associada a tecidos moles, espasmos da musculatura lisa (trato urinário, gastrointestinal ou biliar). A administração IV deve ser feita de forma lenta e diluída devido ao veículo oleoso. Em gatos, há deficiência na conjugação, sendo necessário aumentar o intervalo de aplicação. 2. Tramadol: opióide fraco A meia vida em cães é de 1,7hrs, não tendo ação opióidePor via oral deve-se aumentar a dose. Quando por via IV deve-se utilizar doses menores (em cães). Nos gatos o opióide possui bom efeito opióide. 3. Gabapentina: anticonvulsivante Controle da epilepsia e dor de origem neuropática. Onde o opióide e anti-inflamatório não possuem ação efetiva, pode- se associar este fármaco. A amantadina possui particularidades semelhantes a gabapentina. Reação adversa primária em cães é a sonolência, durante um período de adaptação, posteriormente não é notado., Mecanismo de ação ainda não e elucidado, pode promover aumento da liberação ou ação do GABA. Amitroptilina: antidepressivos Bastante utilizada em gatos, pois são adjuvantes na mudança de comportamento. Os gatos podem desenvolver cistite por estresse e este fármaco pode ser utilizado para tratamento da dor por cistite intersticial, osteoartrose e câncer, dor neuropática. Mecanismo de ação: inibição da monoamina oxidase - MAO (enzima que recapta a serotonina na fenda sináptica). Iniba a captação da serotonina e norepinefrina na fenda sináptica. 4. Cetamina: anestésico dissociativo Atua antagonizando os receptores NMDA no SNC. Toda vez que o NMDA for excitado, ele passa a informação de dor, e a Cetamina inibe a ação. O glutamato (principal neurotransmissor excitatório) interage com os receptores NMDA e causam a informação de dor. A Cetamina em baixas doses atua inibindo este mecanismo. A anestesia total ou parcial intravenosa TIVA: manutenção com anestésico injetável e analgésicos (Cetamina, opióide e lidocaína) PIVA: manutenção com anestésico inalatório e analgésicos (Cetamina, opióide e lidocaína) 5. Maropitant (Cerenia) Antiemético de ação central. Mecanismo de ação: bloqueia a ligação da substância P com o receptor de neurocinina (NK1). A substância P está relacionada com a liberação de histamina e bradicinina. Em estudos, é indicada para dores viscerais. 6. Anestésicos locais: lidocaína e bupivacaína Analgesia completa Lidocaína e bupivacaína bloqueia os canais de sódio, impedindo o potencial de ação. Reduz a ocorrência de dor crônica e são seguros, devendo utilizar sempre que possível. Escolha do melhor analgésico DORES FRACAS: analgésico periférico DORES MODERADAS: opióides fracos e AINES DORES FORTES: opióides fortes, AINES e co-analgésicos e se necessário, associar anticonvulsivante (gabapentina, amantadina).