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grava folha de papel com pequenos pontos em relevo para um cego ler em braile. Neste último caso, um conjunto de informações basicamente oral- auditivo foi transferido para um meio gráfico-visual e retransferido para um meio táctil. Retomando o que dizíamos, o sinal fonológico, que é oral (pela produção) e auditivo (pela recepção), pode ser recodificado, com perdas maiores ou menores, para o meio gráfico (produção) e visual (recepção). Em todas as línguas, os sons e a linguagem falada são básicos, necessários à existência das grafias e da linguagem escrita. Nas línguas cuja grafia tem motivação principal fonológica, faz uso de silabários ou alfabetos. É indiscutível a ligação entre a fonologia e a (orto)grafia. Entretanto, há na linguagem falada características sem correspondência na escrita e, na linguagem escrita, há elementos próprios, sem correspondência na fonologia, inclusive ideográficos. Por isso, na vida real, na maior parte dos gêneros de discurso, não fica bem apenas a transcrição de um meio para outro, devendo haver, de fato, tradução. Comumente, não só há mistura entre as duas modalidades falada e escrita da linguagem verbal, mas também mistura entre diversos tipos de linguagem. No cinema, por exemplo, pode haver expressões de fala e escrita, em um ou mais idiomas, enquanto outros tipos de código são utilizados. Em sala de aula, alternam- se a fala e a leitura, principalmente. Quando você conversa, normalmente, usa a linguagem verbal, cantarola melodia, indica objetos do ambiente, gesticula, “fala” com expressões visuais ou contato manual. TEM MAIS EM NOSSA EXPRESSÃO DO QUE O QUE SE DIZ POR AÍ Quando se estuda fonologia de forma conservadora, e vem sendo assim, porque nessa área têm demorado a chegar o frescor trazido à linguística pelo funcionalismo e a pelas análises do discurso, trabalha-se com uma linguagem verbal mínima, circunscrita a gêneros discursivos como o noticiário padrão, as comunicações oficiais em linguagem culta. Nessa linguagem, há correspondência praticamente perfeita entre os códigos falado e escrito. Se você quiser pensar a respeito, compare os discursos do teatro, da literatura de vanguarda, das histórias em quadrinhos, com a maior parte dos ensaios, dos artigos técnicos, dos documentos civis, oficiais, do trabalho, do Direito. Mesmo assim, não pense que tudo se restringe, na fala, a fonemas segmentais e prosódicos, ou, na escrita, a letras e sinais de pontuação stricto sensu: vírgula, ponto e vírgula, dois pontos, pontos final, interrogativo, exclamativo, reticências. Parte da escrita que você aprendeu não é alfabética, mas ideográfica. Brasileiros e alemães compreendem a frase “2 x 32 = 64”, porque aí há 5 ideogramas, ou seja, signos nos quais o sinal gráfico, significante, liga-se diretamente ao significado (quantidades, operações), sem a intermediação de sons. Escrevendo, brasileiros teriam “Duas vezes trinta e dois é igual a sessenta e quatro”, alemães escrevem “Zweimal zweiundreissig, gleich vierundsechzig”, pronunciado mais ou menos 'tsváimal tsvái-unt-dráissiç glaiç fiia-unt-tsvántsiç' (em tradução literal, “doisvezes doisetrinta, igual quatroesessenta”). 4