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AULA 3 ESTRATÉGIA DE NEGOCIAÇÃO E VENDAS Prof. Sérgio Czajkowski Júnior 2 INTRODUÇÃO Olá, aluno(a)! Seja muito bem-vindo(a) a esta aula, na qual teremos a oportunidade de conhecer mais detalhes sobre as Estratégias de Negociação que se processam entre dois ou mais indivíduos, duas ou mais organizações, bem como entre estas e os seus mais diversos stakeholders. Aproveite ao máximo os conhecimentos que obterá nesta unidade de aprendizagem, porque eles, com os devidos ajustes e adaptações, poderão ser aplicados nas mais diversas áreas da sua vida pessoal, profissional e corporativa, justamente pelo fato de a negociação, como prática (técnica), ser algo inerente à nossa própria vida em sociedade, de tal sorte que saber negociar é uma qualidade que poderá não só ampliar o seu networking, bem como facilitar o seu dia a dia; ao mesmo tempo que poderá, em paralelo, alavancar a sua carreira profissional, algo que é cada vez mais desejado por todos aqueles que pretendem se destacar no mercado de trabalho. Portanto, lembre-se sempre de que a negociação não é uma habilidade exigida apenas para aqueles que desejam atuar na área comercial e/ou com vendas, pois todas as profissões, em maior ou menor grau, demandam práticas que se baseiam em técnicas de negociação. Ao fazermos uma análise mais minuciosa da nossa vida pessoal, não é difícil perceber que, mesmo quando não nos damos conta, de forma plenamente consciente, estamos o tempo todo estabelecendo relações de negociação com os nossos pares, sejam eles nossos amigos, nossos familiares, nossos colegas de trabalho (incluindo os nossos superiores e subordinados); a nossa maior ou menor capacidade de convencer as pessoas a fazerem aquilo que desejamos é um elemento determinante para que possamos lograr êxito em nossos objetivos (situação que poderá culminar, em paralelo e a título de ilustração, com a nossa ascensão, ou não, no ambiente de trabalho). Situação análoga acontece quando voltamos o nosso olhar para o universo corporativo, de tal sorte que, ao pensarmos em estratégias de negociação que se dão entre duas ou mais organizações, a primeira pergunta que você deve estar se fazendo é a seguinte: Por que eu, como gestor, devo me preocupar em estabelecer políticas de cooperação com empresas que, em muitos casos, são minhas (potenciais) rivais? Não seria muito mais racional, prudente e efetivo focar todos os meus esforços e demais recursos na busca por estratégias capazes de subjugar os meus adversários? Pois, dessa forma, ao invés de ter de “dividir” os 3 lucros auferidos, com base na atuação em dado mercado com os demais concorrentes, tal montante de dinheiro não poderia ficar única e exclusivamente com a minha empresa? O erro estratégico, neste caso, é considerarmos, primeiramente, todas as demais corporações que atuam em um mesmo mercado (e/ou que, de algum modo, abarcam os mesmos targets) como automaticamente adversárias/rivais, ao mesmo tempo que menosprezamos todos, senão boa parte, dos benefícios que podem advir do somatório de esforços entre duas ou mais organizações, a exemplo do que observamos com as alianças estratégias, que se dão nos mais diversos mercados, e que permitem que os empresários, por exemplo, promovam a otimização, mesmo que parcial, dos recursos disponíveis. Em paralelo, em muitos dos casos a adoção de uma política de beligerância (pautada apenas pelo conflito) gera uma série de custos extras. Mesmo que, em um primeiro momento, eles não sejam plenamente mensuráveis, podem redundar em um dispêndio futuro muito maior, caso, por ventura, venham a impactar negativamente a reputação e/ou o posicionamento (imagem) organizacional. Assim sendo, fazendo eco às proposições de autores consagrados, como Michael Porter e Henry Mintzberg, cujas ideias serão abordadas nesta aula, as práticas de negociação tendem a prosperar com mais viço apenas em ambientes nos quais já se faz presente um mind setting favorável às estratégias colaborativas1. Por fim, e seguindo os ensinamentos de Herb Cohen (1980), por mais que se estude diversas teorias voltadas à compreensão dos processos de negociação, a tensão nervosa inerente à interação com aqueles que se fazem presentes em um dado conflito de interesses e/ou a sensação gelada no estômago que sentimos quando algo não está caminhando como o previsto são superadas apenas com base na experiência. Um negociador de sucesso não surge da noite para o dia, visto que as skills (habilidades) que é preciso construir dependem de uma maior maturação (experiência). 1 Se desejar conhecer mais detalhes sobre as práticas de negociação em solo nacional, sugerimos a leitura de Luiz Augusto Costacurta Junqueira (1997). O autor defende que apenas a partir dos anos 1970 é que a expressão negociação começou a se fazer mais presente no dia a dia das organizações nacionais. A título de comparação, lembramos que o termo negociação, em países como a França, a Inglaterra e os Estados Unidos da América, já estava bastante difundido desde os anos quarenta-cinquenta. Em parte, a popularização da terminologia naqueles países se deu por conta dos acontecimentos vinculados à Segunda Guerra Mundial, de tal sorte que muitos conhecimentos outrora restritos ao meio militar passaram, aos poucos, a serem incorporadas pelas organizações civis. 4 Com base no exposto nesta breve introdução, esta aula encontra-se subdividida em cinco temas. Vamos começar? Bons estudos! Crédito: Fizkes / Shutterstock. TEMA 1 – O QUE É NEGOCIAÇÃO? Quando nos deparamos com a expressão negociação, devemos sempre ter em mente que temos à nossa disposição uma enormidade de definições, oriundas de diferentes autores, filiados às mais diversas escolas de pensamento, cada qual dotada de uma gama específica de peculiaridades. Tais conceituações, na maior parte dos casos, apresentam certa similitude em torno dos principais objetivos e/ou características mais relevantes de um processo de negociação, muito embora cada qual procure dar uma importância mais acentuada a uma dada leitura dos fatos. Portanto, ao ler as diversas definições listadas a seguir, procure verificar a forma (bem como os demais detalhes) por meio da qual diferentes escritores analisam o mesmo fenômeno. Além disso, se atente para o fato de que muitas leituras, com o passar do tempo, foram sendo lapidadas, até mesmo porque as técnicas de negociação são oriundas de um saber mutável e dinâmico. Herb Cohen (1980), tido como um dos maiores cânones dos estudos de negociação, nos brinda com duas definições igualmente relevantes, de tal sorte que, aos seus olhos, a “negociação é um campo de conhecimento e empenho que visa à conquista de pessoas de quem se deseja alguma coisa” (Cohen, 1980, citado por Martinelli; Ventura; Machado, 2004, p. 27). Ou: “negociação é o uso da informação e do poder, com o fim de influenciar o comportamento dentro de uma rede de tensão” (Cohen, 1980, citado por Martinelli; Ventura; Machado, 2004, p. 28). 5 Segundo Fisher, Ury e Patton (2014, p. 50), a “negociação é um processo de comunicação bilateral, com o objetivo de se chegar a uma decisão conjunta”. Para Frank L. Acuff (1997, p. 21), a “negociação é o processo de comunicação com o propósito de atingir um acordo agradável sobre diferentes ideias e necessidades”. Já para Alan Fowler (2000, p. 10), a “negociação é uma forma de reunião em que você e/ou as pessoas com quem está em contato usam argumentos e recorrem à persuasão para chegar a uma decisão ou a ação de comum acordo”. Para Marcos Wanderley (1998, p. 21), a “negociação é um processo, uma sequência de etapas que se desenrolam do início até o final da negociação. Sendo que a maneira como desenvolvemos este processo é decisiva para o desfecho da negociação”. Andrade, Alyrio e Macedo (2007, p. 4), procurando conferir umaanálise um pouco mais detalhada das estratégias de negociação, definem: negociação é o processo de buscar a aceitação de ideias, propósitos ou interesses, visando o melhor resultado possível, de tal modo que as partes envolvidas terminem a negociação conscientes de que foram ouvidas, tiveram oportunidades de apresentar toda a sua argumentação e que o produto final seja maior que a soma das contribuições individuais. Com a leitura desses conceitos, é possível perceber que a negociação pode e deve ser caracterizada como um processo dinâmico, bilateral e apenas parcialmente previsível, que se dá pela confluência de um conjunto finito e parcialmente previsível de ações, subdivididas em etapas, que por sua vez dependem da comunicação para que possam vingar de forma efetiva. Em paralelo, a negociação tende a prosperar somente quando as partes envolvidas, na condição de emissoras ou de receptoras das mensagens (até mesmo porque estes papeis se alternam ao longo do processo), consigam se entender, bem como materializar de forma inteligível (compreensível) as suas propostas. Fisher, Ury e Patton (2014, p. 51) sabiamente salientam: da mesma forma que não é possível se jogar cartas sem a existência de um baralho (mesmo que virtual), não há como se concretizar uma negociação apenas com boas intenções, desprovidas de ações concretas2. Portanto, o processo de negociação se dá obrigatoriamente pela interação de duas ou mais pessoas (ou entidades), cujos diálogos, uma vez providos de 2 Caso você tenha o interesse em conhecer mais detalhes sobre as contribuições de Fisher, Ury e Patton (2014), leia sobre a teoria dos sete elementos de Harvard: relacionamento, comunicação, interesses, legitimidade, alternativas, opções e compromissos. 6 assertividade, poderão conduzir o processo ao desfecho desejado. Fisher, Ury e Patton (2014, p. 51) insistem neste ponto, salientando que muitas negociações que poderiam progredir não o fazem da forma esperada, não pela inexistência de boas propostas, mas pelo fato de não terem sido corretamente compreendidas pelas partes presentes na negociação. Acuff (1993), no mesmo diapasão, complementa esse raciocínio ao afirmar que, além do entendimento (fruto de uma acomodação de interesses, muitos desses, em um primeiro momento, conflitantes), as partes envolvidas devem empregar ferramentas de persuasão, revestindo a sua proposta de características atraentes, tanto quanto possível, como forma de convencer o outro lado a aceitar aquilo que está sendo proposto. Tal processo de persuasão, a exemplo do que é reforçado por Herb Cohen (1980), se dá, em boa parte dos casos, graças à posse de informações privilegiadas, que permitirão, na sequência, a obtenção de uma vantagem, mesmo que momentânea, diante das demais partes envolvidas. TEMA 2 – NEGOCIAÇÃO COMO SABER MILENAR Após a leitura do primeiro tema, é muito provável que você esteja se interrogando acerca da história da arte de se negociar, não é mesmo? Para tentarmos, mesmo que em parte, solucionar tal inquietação, salientamos que, quando estudamos temáticas vinculadas às estratégias de negociação, nos deparamos com um saber milenar, que foi sendo construído conforme a própria sociedade ia se estruturando, se consolidando frente à própria evolução cultural e tecnológica da humanidade. Dessa forma, podemos vislumbrar a negociação, como técnica, e também como saber, como uma conquista da própria civilização. Segundo o entendimento de Homero Amato (2002, p. 14), ao estudarmos as estratégias de negociação, estamos diante de uma arte (bem como de um saber) que acompanha a humanidade desde os seus primórdios. Ou seja, desde o surgimento dos primeiros agrupamentos humanos (que deram origem, posteriormente, às primeiras cidades), os homens se viram obrigados a estabelecer relações de interação e subsequente cooperação com os seus pares, até mesmo porque, em um dado momento histórico, chegaram à conclusão, bastante óbvia, de que o mero emprego de meios coercitivos/violentos, baseados na força e na imposição de uma vontade, não seria a solução mais efetiva em médio e longo prazos. Tais homens se deram conta de que o emprego, por 7 exemplo, de estratégias de persuasão, baseadas na retórica e na teoria da argumentação, mesmo sendo, na maior parte dos casos, mais morosas, acabavam trazendo resultados muito mais duradouros e efetivos. Além do mais, o estabelecimento de alianças estratégias, a exemplo das firmadas nos acordos comerciais, poderia ser algo muito mais benéfico e interessante a todas as partes evolvidas. Dessa forma, antes mesmo do aparecimento da moeda, quando as trocas comerciais ainda se baseavam em relações de escambo, já notamos a presença de práticas baseadas em negociações, a partir das quais a ideia de se vencer uma negociação deixa de estar atrelada à necessidade de subjugar a outra parte, via uso da força. Junqueira (1997, p. 33), ao promover uma análise da evolução histórica das estratégias de negociação, salienta que, mesmo nos primórdios, todo o processo de negociação se pautou na possibilidade de se obter aquilo que desejamos por meio do menor dispêndio possível de recursos – o que, obviamente, só é viável pelo emprego de metodologias baseadas no diálogo e na cooperação. Negociar, aos seus olhos, é possível somente quando firmamos processos baseados na empatia e no “entendimento do outro”. Para comprovar a origem bastante antiga das técnicas de negociação, Acuff (1997) nos brinda com duas passagens bíblicas, nas quais tanto Abraão (Gênesis 18:17-33) como Moises (Êxodo 32:7-14) negociam com Deus. No primeiro caso, Abraão tenta dissuadir Javé de destruir as cidades de Sodoma e Gomorra, ao argumentar que não seria justo que os homens de bem fossem dizimados por conta da ação dos homens ímpios. É muito interessante a técnica adotada por Abraão, visto que, ao perceber que não haveria como mudar a sentença dada por Deus, que este aceitasse não destruir as cidades, caso encontrasse uma quantidade predeterminada de pessoas justas, que mereceriam ser salvas. Inicialmente, ele rogou para que a pena não fosse aplicada, dada a existência de cinquenta pessoas de bem. Posteriormente, foram feitas seis “barganhas”, até que Deus consentiu que pouparia as cidades diante da existência de apenas 10 pessoas honradas. Infelizmente, mesmo diante do “desconto” dado por Deus, Abraão não foi capaz de agrupar dez pessoas justas, o que acabou culminando com a destruição das cidades. Amato (2002, p. 16-17), para justificar o seu ponto de vista em torno da antiga técnica de negociação, utiliza exemplos da Bíblia Cristã. No Antigo Testamento, estariam contidos muitos ensinamentos práticos para a condução de 8 negociações em todos os âmbitos. Amato (2002) ilustra a sua posição ao citar o rei Salomão, como exemplo de exímio negociador (conciliador). Em uma contenda entre duas mulheres, que se diziam a verdadeira mãe de um mesmo menino, foi capaz de descobrir quem estava falando a verdade ao propor que, diante da inexistência de testemunhas que pudessem corroborar com a argumentação de um das duas litigantes, lhe trouxessem uma espada e a disputa fosse solucionada com a divisão da criança em duas partes. Tão logo a verdadeira mãe ouviu a cruel sentença, preferiu renunciar a suas pretensões, deixando o seu filho para que fosse tutelado pela outra parte, a vê-lo morrer de forma tão cruel. Vendo que a outra parte havia consentido com a morte e a subsequente divisão do menino, o Rei Salomão sabiamente concluiu que esta mulher jamais poderia ser a genitora da criança, pois mãe alguma gostaria de ver seu filho morrer diante de seus próprios olhos. Assim, proferiu a sábia sentença: “Dai à primeira o menino vivo, e de modo nenhum o mateis; ela é sua mãe” (1 Reis 3, 27). Crédito: delcarmat / Shutterstock. Com base naspassagens mencionadas, podemos perceber que temáticas vinculadas à negociação são atemporais. Assim, casos do passado podem nos servir de inspiração para que sejamos capazes de solucionar, com mais facilidade, as demandas presentes. 9 TEMA 3 – A IMPORTÂNCIA DA IMPROVISAÇÃO NAS NEGOCIAÇÕES: A RACIONALIDADE POSTA EM XEQUE Durante muito tempo, em especial do Iluminismo (séculos XVII e XVIII) em diante, foi sendo construída e sedimentada, na sociedade ocidental, uma leitura um tanto quanto idealizada/equivocada da realidade, que apregoava que todo processo de negociação se limitava a um mero conjunto pré-determinado de etapas, que se processavam de forma mais ou menos previsível, e cujos resultados poderiam ser analisados levando em consideração uma gama limitada de opções pré-estabelecidas3. Essa leitura se assentava na crença de que os seres humanos são dotados de uma elevada racionalidade, bem como seriam capazes de dominar (ou pelo menos controlar) as suas emoções. Hoje em dia, considerando a crescente valorização de estudos baseados em ciências como a Neurociência, a Psicologia, a Psicanálise e a Antropologia, ao nos referirmos às práticas de negociação, frisamos que elas até podem, em um primeiro momento, serem concebidas como processos lineares e constituídos por um encadeamento ordenado de fases. No entanto, tal como procuraremos demonstrar a seguir, as estratégias de negociação se pautam em etapas (lances) bem mais complexas, justamente pelo fato de as ações postas em prática pelas pessoas derivarem de um conjunto de estímulos e motivações, que não podem ser compreendidos apenas com base em uma leitura cartesiana, racional e/ou quantitativa da realidade. Em outras palavras, as ciências naturais até podem nos auxiliar a compreender os processos de negociação; contudo, precisamos ter em mente que os seres humanos são dotados de uma forte subjetividade, cujos desdobramentos se fazem sentir nas decisões presentes em uma negociação. Dessa forma, se anteriormente procuramos apresentar algumas definições mais tradicionais em torno da ideia de negociação, nosso objetivo agora é descontruir algumas certezas (bem como outros argumentos excessivamente racionais), como forma de estruturarmos uma leitura mais assertiva e menos idealizada do processo de negociação. A importância dessa quebra de paradigma é muito grande, a exemplo do que foi mencionado certa vez pelo ex-embaixador norte-americano Richard Holbrooke, um dos maiores responsáveis por costurar um acordo de paz entre os 3 O auge deste tipo de leitura da realidade se deu com a consolidação da chamada Teoria dos Jogos, nascida a partir dos anos 1930-40, que acabou influenciado uma ampla gama de disciplinas, como a Economia e a Administração Estratégica. 10 países que formavam a antiga Iugoslávia, colocando um ponto-final no derramamento de sangue nos Bálcãs: a negociação se pautaria muito mais pelo jazz do que por argumento técnico-científicos, visto que é a improvisação que acaba imperando, pois você “até sabe aonde quer ir, mas não sabe como chegar lá. Não é algo linear” (Wheeler, 2014, p. 8). Dessa forma, não seria equivocado, muito menos presunçoso, comparar a negociação com uma arte; segundo Michael Wheeler (2014, p. 5), seria “a arte de se abraçar o caos”. Com base nessa frase de efeito, Wheeler (2014) abre o primeiro capítulo do seu livro, intitulado “A Arte da Negociação: Como improvisar acordos em um mundo caótico”. Indo mais à fundo na questão, prossegue seu raciocínio defendendo que as estratégias de negociação, ao contrário do que muitos pensam, não se moldam por processos retilíneos e cartesianos, e que, por mais que nos esforcemos, jamais conseguiremos ter certezas absolutas acerca da condução, muito menos do desfecho, do processo. Assim, não existiria uma fórmula pronta para o sucesso, porque boa parte do sucesso inerente a um processo de negociação decorre da correta leitura de variáveis não totalmente controláveis. Nas palavras de Wheeler (2014, p. 5-6), “nós não podemos estabelecer um roteiro do processo. Quem quer que esteja sentado do outro lado da mesa deve ser tão inteligente, determinado e falível quanto nós”. Assim sendo, a “adaptabilidade é imperativa na negociação do começo ao fim”, de sorte que a arte da negociação pressupõe não só uma leitura de todos os elementos que podem influenciar, de forma direta e/ou indireta, o processo, como também a capacidade de aproveitar as oportunidades que surgem. O negociador bem sucedido é, acima de tudo, um ótimo improvisador, sendo capaz, quando as coisas não estão caminhando como era de se esperar, de formular rapidamente uma contraproposta, arriscar uma solução inusitada ou, ainda, de forma sagaz, desafiar o outro lado com uma jogada até então não pensada. O bom negociador, segundo o entendimento de Wheeler (2014), é aquele que sabe agir tal como um experiente jogador de Texas Hold ‘em4: ciente das cartas que estão em suas mãos, as que estão na mesa e as demais que estão no baralho e/ou nas mãos dos seus oponentes, é capaz de traçar uma estratégia 4 O Texas Hold ‘em, estilo de jogo de pôquer, se tornou muito popular nos últimos tempos; exige que os seus praticantes saibam traçar uma estratégia vitoriosa, visto que dificilmente se obtém sucesso em uma partida apenas contando com a sorte. Dessa forma, seria um tanto equivocado considerar esse tipo de atividade como um mero jogo de azar. 11 vitoriosa. Infelizmente, segundo Wheeler (2014), a maior parte dos manuais de negociação insiste em fórmulas prontas e/ou na tese de que as políticas de ganha- ganha sempre seriam viáveis, como se os negociadores tivessem à sua disposição, em todas as oportunidades, todas as informações necessárias para concretizar um dado negócio, situação que, quando ocorre, acaba sendo a exceção à regra. Crédito: Syda Productions / Shutterstock. Wheeler (2014, p. 7) afirma que o processo de negociação não se limita ao ato de blefar ou ainda a saber barganhar, pois inclui a capacidade de saber se antecipar ou ainda se adaptar, até mesmo porque o maior desafio “reside no fato de que as preferências, as opções e as relações normalmente estão em constante mudança”. Dessa forma, a arte de negociar, para Wheeler (2014), se funda muito mais em um processo estratégico baseado na coleta adequada e subsequente análise de todas as informações disponíveis, muito embora sempre seja pertinente reforçar: por mais que se estude, por mais que sejam feitos cálculos e/ou outras análises estatísticas, as partes presentes em um determinado conflito de interesses, colocadas em uma rodada de negociações, jamais terão certezas absolutas. Saiba mais Planejamento Estratégico aplicado ao jogo de Pôquer Hoje em dia, ainda persiste uma leitura bastante equivocada e um tanto quanto preconceituosa de que jogos de cartas como o pôquer se baseiam apenas em lances de sorte, de tal modo que seus campeões seriam pessoas abençoadas com algum tipo de dom. Na verdade, jogos como o pôquer se baseiam em 12 complexas estratégias; é, portanto, um esporte mental, a exemplo de outros jogos de tabuleiro, como o xadrez (que já conta com o status de jogo de estratégia, bem como de esporte). O que poucos sabem é que o pôquer não é considerado um jogo de azar no Brasil. Como consta no art. 50 do decreto Lei n. 3.688/41, um jogo de azar é aquele “em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte”. E o pôquer, ao contrário dos caça-níqueis, se baseia muito mais em conhecimentos lógicos/matemáticos e de estratégia do que em mera sorte (tal como podemos observar no artigo escrito pelo advogado e repórter Fernando Martines). O que é vedado pela legislação brasileira são as apostas – justamente com o objetivo indireto de resguardar os ludopatas. Além do mais, tal como aconteceem um processo de negociação, o jogador/negociador vitorioso de pôquer é aquele que consegue ler as emoções dos seus adversários. Diante desta constatação, indicamos a leitura do livro ABC do Poker, escrito por Edgard B. Damiani, no qual podemos observar a importância do equilíbrio psicológico para se atingir o sucesso. Mais informações sobre estes temas também podem ser acessadas na reportagem do Jornal Gazeta do Povo e na matéria publicada pela revista Galileu, na qual podemos observar o poder dos algoritmos matemáticos ao longo de uma partida de pôquer. • MARTINES, F. Pôquer depende de matemática e não é jogo de azar, define juiz de São Paulo. ConsultorJurídico, 18 fev. 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-fev-18/poquer-depende-matematica-nao-jogo- azar-define-juiz>. Acesso em: 26 mar. 2020. • DAMIANI, E. B. ABC do poker. Novera, s/d. Disponível em: <https://s3.novatec.com.br/capitulos/capitulo-9788560000128.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2020. • MARTINS, R. Jogo de azar? Saiba por que não é crime jogar poker. Gazeta do Povo, 4 maio 2017. Disponível em: <https://www.umdoisesportes.com.br/colunas-e-blogs/resenha-do-poker/poker- crime-jogo-azar/>. Acesso em: 26 mar. 2020. • INTELIGÊNCIA Artificial vence partida de poker pela primeira vez. Galileu, 13 jul. 2019. Disponível em: <https://revistagalileu.globo.com/Tecnologia/noticia/2019/07/inteligencia-artificial- vence-partida-de-poker-pela-primeira-vez.html>. Acesso em: 26 mar. 2020. 13 TEMA 4 – SABER NEGOCIAR: COMPETIÇÃO E COMPETITIVIDADE E SEUS IMPACTOS NAS ESTRATÉGIAS EMPRESARIAIS Quando pensamos em estratégias de negociação que se estabelecem entre as organizações, é muito importante conhecer as proposições oriundas do pensamento de Michael Porter, autor norte-americano que, a partir dos anos 1980, desenvolveu uma série de contribuições para os estudos sobre processos estratégicos que envolvem alguma modalidade de negociação, tal como podemos observar em duas das suas obras mais famosas: A Vantagem Competitiva das Nações e Competição: Estratégias Competitivas Essenciais. Logo no início da obra A Vantagem Competitiva das Nações, publicada no Brasil no início da década de 90, Porter (1993) se questiona acerca dos principais motivos que levam algumas nações a prosperar no cenário internacional – nas palavras de Porter (1993, p. 5): “por que algumas nações têm êxito e outras fracassam na competição internacional?” O brilhantismo do autor estadunidense aparece logo na sequência, quando afirma que o foco da questão deveria ser outro, visto que o olhar dos pesquisadores e demais estudiosos deveria se voltar à elucidação dos motivos que fazem com que uma quantidade tão elevada de empresas sediadas em um mesmo país sejam capazes não apenas de desenvolver como também de manter uma vantagem competitiva, em comparação às sediadas em outras nações, que atuam em segmentos semelhantes. Ou seja: a indagação central deveria ser: ““por que uma só nação é, com frequência, sede de tantas empresas líderes mundiais de uma indústria?” (Porter, 1993, p. 5). Aos seus olhos, tal processo seria fruto de um amálgama de fatores conjunturais, entre eles: • a existência de um ambiente econômico favorável (que favorecesse, por exemplo, o financiamento de novos empreendimentos); • a efetividade das instituições existentes em certos países; • a valorização de políticas públicas nacionais. A correta sinergia entre esses três fatores promoveria o espaço ideal para que fossem fomentadas práticas conjuntas, cujos resultados positivos acabariam por se difundir em toda a cadeia produtiva. O que Porter (1993) procura 14 demonstrar é que até mesmo o progresso econômico e social de uma nação está vinculado ao desenvolvimento de ações conjuntas e colaborativas. Em paralelo, em seu livro Competição: Estratégias Competitivas Essenciais, o autor procura desenvolver uma leitura mais focada no ambiente organizacional, ao esquadrinhar quais seriam as estratégias que permitiriam às empresas sobreviver no atual mercado – aos seus olhos, cada vez mais competitivo, mas não necessariamente mais hostil. De forma bastante resumida, Porter (1999), seguindo a linha de raciocínio outrora apresentada em sua obra A Vantagem Competitiva das Nações, é partidário da tese de que as empresas podem vencer, ou pelo menos se sobressair me determinado mercado, por meio da adoção de estratégias de competição e/ou de competitividade, sendo que cada uma delas tem um foco e um custo de oportunidade (trade off), que deve ser analisado com muito cuidado pelos gestores envolvidos. O que não poderia acontecer, aos olhos de Porter (1999), é que uma organização “feche os olhos” para os acontecimentos externos, visto que tal postura excessivamente passiva poderia acarretar, no médio e/ou longo prazo, em sua falência. Segundo a leitura de Porter (1999), nas políticas de competição, o foco estaria nos concorrentes (não necessariamente nos players5), que sempre seriam concebidos como (potenciais) rivais/adversários, de tal sorte que o objetivo, nesse caso, seria desenvolver estratégias capazes de superar constantemente aquelas postas em prática pelas demais organizações que atuam no mesmo mercado. Tais políticas, mesmo não sendo inócuas por completo, tenderiam a ser muito mais dispendiosas, ao mesmo tempo que seriam por demais arriscadas, em especial quando postas em prática em mercados ainda em consolidação, nos quais uma organização dificilmente tem conhecimento da integralidade das políticas adotadas por todas as suas (potenciais) concorrentes. A adoção de uma estratégica de competitividade, em contrapartida, procura enfocar a excelência contínua, de modo que o foco, neste caso, se volta não só 5 Player é aquela organização que realmente tem “poder de fogo”, podendo colocar em risco o negócio desempenhado por outrem, em um dado local. É quem, por exemplo, adentra com muita força (financeira e de barganha) em mercados já consolidados, e ameaça as empresas mais tradicionais, outrora dominantes. Exemplo: uma lanchonete localizada em um bairro mais distante e periférico, que tem como foco o atendimento de indivíduos oriundos das classes C, D e E, até pode ser vista como concorrente indireto de uma rede de fastfood como o McDonald’s, porém jamais poderá ser rotulada como player. A instalação de uma filial da rede McDonald’s, por outro lado, seria capaz de ameaçar, mesmo que parcialmente, os negócios de uma lanchonete mais tradicional, localizada em um bairro mais periférico. 15 ao atendimento, bem como à superação das expectativas dos diversos públicos envolvidos. A grande sacada, por assim dizer, a inovação da teoria porteriana, é a possibilidade de, diante do desafio de ofertar soluções mais aprimoradas aos clientes, acabar por promover a construção de alianças estratégicas entre diversas organizações. Em outras palavras, Porter parte da premissa de que duas ou mais empresas, que atuam em um mesmo segmento, e/ou em segmentos complementares ou similares, podem unir os seus esforços em prol da consolidação de políticas ganha-ganha, em que ambas as partes saem vencedoras, seja pela diminuição dos custos envolvidos, seja pela possibilidade de intercambiar informações estratégicas, fatores que reduziriam os custos envolvidos. Como forma de corroborar o seu ponto de vista, Porter (1999) nos brinda com a teoria dos clusters (também conhecida como teoria dos aglomerados), que, de forma bastante sintética e didática, parte da premissa de que a instalação de uma série de organizações, que atuam em um mesmo ramo da economia, em um mesmo local (place), pode gerar benefícios a todas as envolvidas. No caso mais específico do mercado turístico, o sucesso de uma dada localidade nunca será plenamente atingido apenas graças ao apelo da atração principal, tal como acontece emlocalidades históricas ou em locais dotados de forte apelo estético/sinestésico (como uma praia paradisíaca, ou outro atrativo natural, como uma cachoeira). Para que uma localidade realmente prospere, há a necessidade de que conte com uma infraestrutura constituída por bons hotéis, restaurantes de qualidade e lojas de conveniência, que comercializem souvenires, espaços de lazer e recreação, além de um sistema de transporte confortável, que permita a mobilidade dos visitantes, dentre outras facilidades que se mostram mutuamente dependentes, de sorte que “o mau desempenho de uma delas compromete o êxito das demais [e do agrupamento como um todo]” (Porter, 1999, p. 230). Outro exemplo bastante simples e didático são as praças de alimentação localizadas nos grandes shopping centers (bem como os próprios shoppings), nas quais a confluência de várias empresas similares (alimentos e bebidas, no caso das praças de alimentação), em um mesmo espaço, faz com que todas, ao final, se fortaleçam – afinal, nesses casos os clientes são seduzidos pela comodidade de encontrar diversas opções em um mesmo local. 16 TEMA 5 – NEGOCIAÇÃO E BENCHMARKING6 Após termos tido contato com as vantagens inerentes às práticas de competitividade, nos deparamos com o desafio de apresentar os benefícios das políticas de benchmarking. Dessa forma, sempre que desejamos pôr em prática um determinado projeto, é muito importante conhecer a maior quantidade possível de técnicas e ferramentas, que podem tornar o nosso intento muito mais fácil de ser superado. Com essa constatação, destacamos que, ao buscar um dado objetivo, como o lançamento de uma nova linha de produtos ou o aprimoramento de algum processo interno, é possível empregar uma técnica muito promissora, chamada de benchmarking, que objetiva maximizar as chances de êxito e/ou minimizar as possibilidades de malogro (e/ou prejuízo). Tal expressão, em termos etimológicos, vem da palavra inglesa benchmark, que quer dizer referência. O benchmarking é um processo de comparação que pesquisa as melhores referências e práticas efetivadas por empresas de áreas similares e/ou processos que obtiveram bons resultados. Em termos históricos, frisamos que tal ferramenta de gestão começou a ser empregada (ainda de forma incipiente), a partir dos anos 1970, pela Xerox (naquela época, o processo de benchmarking da Xerox era basicamente uma engenharia reversa dos produtos das principais concorrente, evoluindo, depois, para uma análise de serviços e processos). Posteriormente, tal prática de gestão foi sendo adotada por outras organizações, e a sua popularização se deu dos anos 90 em diante (época na qual desembarcou no Brasil) Atualmente, o benchmarking, em sua essência, pode ser caracterizado pela busca das melhores práticas e processos já existentes no mercado, para que uma organização possa compará-las com aquelas que já existem (e/ou já estão sendo colocadas em prática no seu dia a dia). Ou seja, o benchmarking consiste em um conjunto de ações que, com base em práticas e/ou políticas bem-sucedidas, procura inspirações (modelos vitoriosos) em prol da obtenção de resultados mais robustos e expressivos. 6 Caso você deseje conhecer mais detalhes sobre as políticas de benchmarking, recomendamos a leitura do material: <https://blog.sage.com.br/benchmarking-empresarial-o-que-e-e-como- fazer>. Acesso em: 26 mar. 2020. 17 Crédito: Inspiring / Shutterstock. Em termos práticos, também frisamos que o benchmarking não precisa necessariamente ser operacionalizado por inspirações oriundas de outras empresas com o mesmo porte e/ou pertencentes ao mesmo mercado, visto que o mais importante, nesses casos, é observar como outras corporações foram capazes de otimizar seus processos internos e externos. No caso do mercado de produtos eletrônicos, o benchmarking pode ser empregado em casos nos quais uma empresa que atua apenas na América Latina, antes de apresentar seus novos modelos para clientes mais rentáveis, procura inspirações em similares – que, por exemplo, obtiveram grande sucesso em outros países do mundo. 18 REFERÊNCIAS ACUFF, F. L. Como negociar qualquer coisa com qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo. São Paulo: Senac, 1997. _____. How to negotiate anything with anyone anywhere around the world. New York: American Management Association, 1993. AMATO, H. S. Como negociar: técnicas, estratégias e táticas para negociar melhor e obter vantagens. São Paulo: Editora STS, 2002. ANDRADE, R. O. B. de; ALYRIO, R. D.; MACEDO, M. A. da S. Princípios de negociação: ferramentas e gestão. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007. BÍBLIA (Antigo Testamento). 1 Reis. Português. Bíblia Online. Tradução de Almeida corrigida e revisada, fiel ao texto original. cap. 3, vers. 27. COHEN, H. Você pode negociar qualquer coisa. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira,1980. FISHER. R.; URY. W.; PATTON, B. Como chegar ao sim. 3. ed. Rio de Janeiro: Solomon Editores: 2014. FOWLER, A. Negocie, influencie e convença. São Paulo: Nobel, 2000. JUNQUEIRA, L. A. C. Negociação: tecnologia e comportamento. Rio de Janeiro: COP Editora Ltda, 1997. MARTINELLI, D. P.; VENTURA, C. A. A.; MACHADO, J. R. Negociação Internacional. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2004. PORTER, M. E. A vantagem competitiva das nações. rio de Janeiro: Campus, 1993. _____. Competição: estratégias competitivas essenciais. Rio de Janeiro: Campus, 1999. WHEELER, M. A Arte da Negociação: Como improvisar acordos em um mundo caótico. São Paulo: LeYa, 2014.