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existência para o ser humano, considerando que o próprio conceito de morte só é possível como antítese de vida. Podem-se acompanhar os momentos emocionais e a evolução estética de Drummond pelos seus poemas de temática amorosa, a começar pelos gracejos tragicômicos modernistas de Alguma poesia, de que "Quadrilha" é representante nesta Antologia. Há ainda as peripécias do amor, "bicho instruído", que trepa e se estrepa, que se irrita e se completa de "O amor bate na aorta"; o desespero dos suicidas passionais de "Necrológio dos desiludidos do amor"; e a tentativa de resistência ao suicídio causado pelos altos e baixos amorosos em "Não se mate" (Os três últimos de Brejo das almas, 1933): Inútil você resistir ou mesmo suicidar-se. Não se mate, oh não se mate, reserve-se todo para as bodas que ninguém sabe quando virão, se é que virão. A rosa do povo (1945) A rosa do povo (1945) contribui com dois poemas amorosos, em que se percebe uma nova maneira de encarar o amor: "O mito" e "Caso do vestido". No primeiro, o eu lírico cria uma mulher burguesa, inspirada nos clássicos Petrarca, Ronsard e Camões, e ambientada nas contradições do capitalismo, sempre presentes em A rosa do povo. De reboque cria-se também o amor correspondente à mulher-mito. O poeta decide afinal negar a existência dessa mulher e desse amor, criando um novo mundo, "sem classe e imposto", em que é possível a transformação do sentimento amoroso, com a eliminação do sofrimento e das desavenças, e acolhendo os amantes em uma aura de compreensão. O caso do vestido O caso do vestido encena um drama familiar, em que a mãe conversa com as filhas sobre um certo vestido outrora pertencente a uma prostituta que lhe havia seduzido o marido. O marido, apaixonado pela dona, pede à esposa que a convença a ficar com ele. Após muito tempo juntos, a prostituta acaba se apaixonando pelo homem, que a abandona. Ela vai então à esposa e lhe pede perdão e oferece como lembrança o vestido, última peça a recordar seus dias de luxo e luxúria. Ao final, a esposa fica com o vestido e com o marido. Os poemas seguintes apresentam um Drummond já bem mais maduro, mais consciente. Num clima de introspecção, o poeta constata que amar é inerente a todos os seres humanos - há várias formas de amar, o amor se revela de várias maneiras e apresenta reações diversas, e ainda é cheio de mistérios. O poeta, entretanto, não recorre a soluções românticas para lidar com esses mistérios e os paradoxos do amor; as contradições amorosas são registradas e analisadas numa atitude de aceitação e contemplação. Um poema emblemático sobre o conceito de amor do poeta é "Amar", em que a constatação da existência do amor nas criaturas e em todas as coisas pode ser absoluta, mas é cheia de indagações, de inquietações. O "ser amoroso" ama as coisas belas, as coisas feias, as coisas "pérfidas ou nulas", a criatura funde no ato de amar tudo o que rodeia sua vida, incluindo os opostos de amar, como "malamar" e "desamar": 113