Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.
left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

Prévia do material em texto

IAIN PROVAN 
V. PHILIPS LONG 
TREMPER LONGMAN III
UMA HISTORIA
BÍBLICA DE
ISRAEL
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
Angélica llacqua CRB-8/7057
Provan,Iain
Uma história bíblica de Israel / Iain Provan, V. Philips Long, 
Tremper Longman I I I ; tradução de Mareio Loureiro Redondo. - São 
Paulo: Vida Nova, 2016.
496 p.
Bibliografia
ISBN 978-85-275-0643-4 
Título original: A biblical history o f Israel
1. Bíblia V.T. - História 2, Israel 3. Eventos bíblicos I. Título II. 
Long, V. Philips III. Longman,Tremper IV. Redondo, Mareio Loureiro
15-0970 CD D 221.95
índices para catálogo sistemático: 
1. Bíblia A.T. - Historiografia
®2003, de Ia in Provan, V. Philips L o n g e T rem per L o ngm an I I I 
T ítu lo do original: A biblical history o f Israel,
edição publicada pela W e s t m i n s t e r J o h n K n o x P r e s s (Louisville, Kentucky, EU A ).
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por 
S o c ie d a d e R e l ig io s a E d iç õ e s V id a N ova 
C aixa Postal 21266, São Paulo, SP, 04602-970 
www.vidanova.com .br | vidanova@ vidanova.com .br
l . a edição: 2016
Proibida a reprodução por quaisquer meios, 
salvo em citações breves, com indicação da fonte.
Im presso no Brasil / P rinted in B razil
Todas as citações bíblicas sem indicação da versão foram extraídas da A lm eida Século 21. 
C itações bíblicas com a sigla T A se referem a traduções feitas pelo autor.
G e r ê n c i a e d it o r i a l 
Fabiano Silveira M edeiros
C o o r d e n a ç ã o e d it o r i a l 
Valdem ar Kroker
E d iç ã o d e t e x t o 
T iago A bdalla
R e v is ã o d a t r a d u ç ã o e 
p r e p a r a ç ã o d e t e x t o 
T atiane Souza 
M arcos G ranconato
R e v is ã o d e p r o v a s 
Sylm ara Beletti
C o o r d e n a ç ã o d e p r o d u ç ã o 
Sérgio Siqueira M o u ra
D ia g r a m a ç ã o 
Sandra Reis O liveira
C a pa
O M D esigner
http://www.vidanova.com.br
mailto:vidanova@vidanova.com.br
Sumário
Prefácio.........................................................................................................................11
Cronologia simplificada dos períodos arqueológicos em Canaã................................13
Reduções (siglas e abreviaturas).................................................................................15
P R IM E IR A PARTE: 
H IS T Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A B ÍB LIA
Capítulo 1 A história bíblica morreu?.....................................................................21
Análise de um obituário......................................................................... 22
O defunto de fato está morto?............................................................... 25
Os textos bíblicos e o passado.............................................................25
A arqueologia e o passado...................................................................26
Ideologia epassado..................................................................................... 27
O obituário fo i precipitado?.............................................................28
Uma longa enfermidade: dois estudos de caso iniciais...................... 29
Soggin e a história de Israel..............................................................30
Miller e Hayes e a história de Israel.................................................36
Uma breve história da historiografia....................................................41
A história da história de Israel..............................................................48
As tradições patriarcais......................................................................49
As tradições relativas a Moisés/Josué............................................... 52
As tradições de fuízes ......................................................................... 53
Conclusão........................................................................................... 59
É possível salvar o paciente?...................................................................61
C apítulo 2 Conhecer e crer: a fé no passado..........................................................65
Um reexame da “história científica”......................................................67
A ciência e a filosofia da ciência........................................................ 67
6 UMA H IS T Ó R IA BÍBLICA D E ISRAEL
A história como ciência: uma breve história da divergência............69
Testemunho, tradição e passado............................................................74
Testemunho e conhecimento...............................................................76
Reconsiderando a história da historiografia ................................... 83
C apítulo 3 C onhecendo a história de Is rae l..........................................................85
Verificação e falsificação..........................................................................88
Testemunhos antigos e recentes............................................................92
A ideologia e o passado de Israel.........................................................103
A arqueologia e o passado............................................................... 104
Textos extrabíblicos e o passado de Israel.......................................106
Ideologia e historiografia.................................................................113
Ideologia epensamento crítico.........................................................115
A analogia e o passado de Israel..........................................................116
Conclusão................................................................................................ 120
Capítulo 4 N arrativa e história: relatos sobre o passado.................................. 123
O ressurgimento da história narrativa depois de quase morrer.... 125 
Análise literária e o estudo da história: casamento feliz ou
divórcio tardio?.............................................................................. 129
Narratividade: realidade ou ilusão?..................................................... 133
A narratividade da vida ................................................................ 134
A narratividade da historiografia fbíblica) e a questão daficção... 137
Historiografia: arte ou ciência?............................................................139
A leitura da historiografia narrativa.................................................... 143
A poesia da narrativa bíblica............................................................... 147
Exemplo: Salomão no texto e no tem po............................................ 151
Resumo e perspectiva............................................................................155
Capítulo 5 Uma história bíblica de Israel............................................................ 157
SEG U N D A PA RTE:
A H IS T Ó R IA D E ISRA EL,
D E ABRAÃO A T É O P E R ÍO D O PERSA
Capítulo 6 A ntes da conquista da te rra ................................................................ 169
Fontes para o estudo do período patriarcal: o relato de Gênesis.. 170 
O relato dos patriarcas........................................................................... 171
SUMÁRIO 7
As narrativas patriarcais como teologia e como história................173
A história dos patriarcas e a história do texto................................... 174
Os patriarcas no ambiente do Antigo Oriente Próximo................. 176
O contexto sociológico dos patriarcas................................................184
Gênesis 14 e a história do período patriarcal.....................................186
A narrativa de José (Gn 37— 50)......................................................... 189
Análise literária............................................................................... 190
O propósito teológico da narrativa de José...................................... 191
José no Egito.....................................................................................192
O nascimento de M oisés.......................................................................195
O chamado de Moisés e as pragas do Egito......................................197
O Êxodo e a travessia do m ar.............................................................. 200
A data do Êxodo.................................................................................... 203
A peregrinação no deserto.................................................................... 205
Do Egito ao Monte Sinai............................................................... 205
Do Sinai a Cades-Barneia e depois às planícies de Moabe...........209
Conclusão.................................................................................................211
C apítulo 7 O estabelecim ento na te r r a ................................................................ 213
Fontes para o estudo do estabelecimento israelita em C anaã ......214
O surgimento de Israel em Canaã: uma análise das teorias
propostas pelos estudiosos............................................................214
A teoria da conquista......................................... .............................215
A teoria da infiltração pacífica....................................................... 217
A teoria da revolta (dos camponesesj............................................. 219
Outras teorias endógenas................................................................ 222
Análise dos textos bíblicos (Josué e Juizes)...................................... 228
O livro de Josué................................................................................ 231
O livro de Juizes.............................................................................. 241
Um estudo de Josué e Juizes em conjunto........................................254
Análise dos textos extrabíblicos...........................................................258
A esteia de Merneptá.......................................................................258
As cartas de Am arna .......................................................................260
Análise dos vestígios materiais............................................................265
Descobertas arqueológicas de Jericó, Ai, Hazor e Laís .................. 266
Outros sítios arqueológicos importantes........................................ 280
Sítios da região montanhosa na Idade do Ferro 1 .........................286
8 UM A H IS T Ó R IA BÍBLICA DE ISRAEL
Integrando as evidências textuais e m ateriais...................................289
Conclusão................................................................................................ 292
Capítulo 8 A M onarquia A n tig a ........................................................................... 295
Fontes para o estudo da Monarquia Antiga em Israel....................297
A cronologia da Monarquia Antiga em Israel..................................304
Introdução à história da monarquia: ISamuel 1— 7 ........................308
Israel exige e obtém seu rei: ISamuel 8— 1 4 ....................................316
A ascensão de Davi e a decadência e a morte de Saul:
ISamuel 15— 3 1 ............................................................................328
D avi fo i mesmo um personagem histórico?................................... 329
Com que precisão o D avi da tradição reflete o D avi real
e histórico ? ..............................................................................332
Com que precisão a narrativa bíblica descreve os atos
específicos de D avit................................................................338
O relato bíblico da ascensão de D avi ao poder é
historicamente aceitável? ...................................................... 344
O reino de Davi: 2Samuel 1— 1 0 .......................................................347
A questão relacionada à Jerusalém................................................. 348
A questão relacionada ao império...................................................351
A família e o sucessor de Davi: 2Samuel 11—2 4 ............................354
Conclusão................................................................................................ 361
C apítulo 9 A M onarquia Posterior: Salom ão.....................................................363
Fontes para o estudo da Monarquia Posterior em Israel................ 363
A cronologia da Monarquia Posterior em Israel..............................368
O reinado de Salomão.......................................................................... 374
Salomão: os anos iniciais.................................................................374
O governo de Salomão sobre Israel................................................ 376
Salomão e o mundo de sua época.....................................................380
Os projetos de construção de Salomão.............................................384
Salomão e a religião de Israel........................................................387
C apítulo 10 A M onarquia Posterior: os reinos d iv id idos..................................391
A divisão de Israel: de Roboão até O n ri............................................391
O período da dinastia de O n r i ........................................................... 399
De Jeú à queda de Samaria..................................................................407
Da queda de Samaria à rendição de Jerusalém................................420
C apítulo 11 O Exílio e o período p osterio r............................................................431
Fontes para o estudo do período exílico.............................................431
A queda de Jerusalém............................................................................ 432
A extensão da destruição.......................................................................434
O alcance da deportação........................................................................435
Os que permaneceram...................................................................... 438
Examinando a ocorrência do Exílio ...............................................440
A queda da Babilônia.............................................................................441
Fontes para o estudo do período pós-exílico.................................... 442
O período pós-exílico inicial................................................................443
O decreto de Ciro............................................................................. 443
A identidade e a função de Sesbazar e Zorobabel..........................445
Os governadorespós-exílicos de Yehud eprovíncias vizinhas.....448
Uma comunidade de cidadãos do Templo?.....................................450
A construção do Templo....................................................................451
Quem foram os “inimigos de Yehud” no período
pós-exílico inicial?.................................................................. 453
O período pós-exílico intermediário: o livro de E ste r.....................455
O período pós-exílico final................................................................... 459
A seqüência dos trabalhos de Esdras e Neemias............................. 460
Esdras e Neemias no contexto da política persa............................. 462
Quemforam os “inimigos de Yehud” no período pós-exílicofinal?.... 464 
Transições para o período intertestamentãrio.................................466
Conclusão................................................................................................................... 467
índice de passagens bíblicas........................................................................................469
índice remissivo..........................................................................................................481
SUMÁRIO 9
Prefácio
Quando você pensa que tudo na história já 
aconteceu, descobre que não aconteceu.
D u n c a n P r o v a n , ao s 11 a n o s
Obalbuciar dos bebês e as declarações de seus irmãos mais velhos têm diversas uti­
lidades. Uma delas é fazer com que os autores não precisem dar longas explicações 
sobre a razão de sua obra, para proveito dos que desejariam lê-las. Assim, restringi­
mos aqui nossos comentários a manifestações de agradecimento a todos os que nos 
ajudaram a concluir este projeto, em especial a Jason McKinney e Carrie Giddings, 
que realizaram a maior parte do trabalho pesado e da revisão de provas. Para 
decepção dos que gostam de aplicar a crítica editorial a obras escritas por mais de 
um autor e, portanto, precisam fazer intervalos mais freqüentes para respirar um 
pouco de ar puro, acrescentamos apenas a seguinte informação: os capítulos 1-3, 
5, 9 e 10 são em grande parte de autoria de Provan; os capítulos 4, 7 e 8 são prin­
cipalmente de Long; e os capítulos 6 e 11 são predominantemente de Longman. 
Provan atuou também como editor geral, unindo todas as partes do livro, e Long foi 
o responsável pela obra durante o processo de publicação.
Iain Provan 
Phil Long 
Tremper Longman III
Cronologia simplificada dos 
períodos arqueológicos 
em Canaã
Idade do Bronze M édia (BM) 
B M I 
BM II
Idade do Bronze Recente (BR) 
B R I 
BR II 
Idade do Ferro 
Ferro I 
Ferro II 
Ferro III
2100-1550
2100-1900
1900-1550
1550-1200
1550-1400
1400-1200
1200-332
1200-1000
1000-586
586-332
Reduções 
(siglas e abreviaturas)
AB Anchor Bible
A B D The Anchor Bible dictionary. David N. Freedman et al. (orgs.)
AJSL American Journal o f Semitic Languages and Literatures
A N E P The Ancient Near East in pictures.J. B. Pritchard (ed.)
A N E T Ancient Near Eastern texts. J. B. Pritchard (ed.)
AOAT Alter Orient und Altes Testament
A SO R American Schools of Oriental Research
ATDan Acta theologica danica
AUSDDS Andrews University Seminary Doctoral Dissertation Series
AU SS Andrews University Seminary Studies
BA Biblical Archaeologist
BARev Biblical Archaeology Review
BASOR Bulletin o f the American Schools o f Oriental Research
Bib Biblica
BibOr Biblica et Orientalia
BibS(N) Biblische Studien (Neukirchen, 1951-)
BJS Brown Judaic Studies
BKAT Biblischer Kommentar: Altes Testament
B N Biblische Notizen
BR Biblical Research
BSem The Biblical Seminar
BTB Biblical Theology Bulletin
BZAW Beihefte zur Zeitschrift fíir die alttestamentliche Wissenschaft
CAH Cambridge Ancient History
CBQ Catholic Biblical Quarterly
CNBB Versão do Conselho Nacional dos Bispos do Brasil
16 UMA H IS T Ó R IA BÍBLICA D E ISRAEL
ConB Coniectanea biblica
ConBO T Coniectanea bíblica, Old Testament
EA Tábuas de Tell el-Amarna
ESH M European Seminar in Historical Methodology
E T L Ephemerides theologicae lovanienses
FB Forschung zur Bibel
FCI Foundations of Contemporary Interpretation
FO T L Forms of the Old Testament Literature
H SM Harvard Semitic Monographs
HTh History and Theory
H TIBS Historie Texts and Interpreters in Biblical Scholarship
HUCA Hebrew Union Gollege Annual
IE J Israel Exploration Journal
JANES Journal o f the Ancient Near Eastern Society
JAOS Journal o f the American Oriental Society
JBL Journal o f Biblical Literature
JCS Journal o f Cuneiform Studies
JE TS Journal ofthe Evangelical Theological Society
JJS Journal o f Jewish Studies
JN ES Journal o f Near Eastern Studies
JN SL Journal o f Northwest Semitic Languages
JSO T Journalfor the Study o f the Old Testament
JSOTSup Journal for the Study of the Old Testament, Supplement Series
JSS Journal o f Semitic Studies
JT S Journal o f Theological Studies
J T T Journal ofText and Translation
LAI Library of Ancient Israel
LBI Library of Biblical Interpretation
NAC New American Commentary
N BD New Bible dictionary. I. H . Marshall et al. (orgs.)
NCB New Century Bible
NIBC New International Biblical Commentary
N ID O T T E New International dictionary o f Old Testament theology and exegesis. 
W illem VanGemeren (org.)
NIV New International Version
NRSV New Revised Standard Version
OBO Orbis biblicus et orientalis
OBS Oxford Bible Series
R EDUÇÕ ES (SIGLAS E ABREVIATURAS) 17
O TG Old Testament Guides
O T L O ld Testament Library
OTS Oudtestamentische Studiên
PEQ Palestine Exploration Quarterly
RA Revue d ’assyriologie et d ’archéologie orientale
SB E T Scottish Bulletin ofEvangelicallheology
SBib Subsidia Biblica
SBLDS Society o f Biblical Literature Dissertation Series
SBLWAW SBL W ritings from the Ancient W orld
SBT Studies in Biblical Theology
SBTS Sources for Biblical and Theological Study
ScrB Scripture Bulletin
ScrHier Scripta Hierosolymitana
SEÃ Svensk exegetisk ãrsbok
SHANE Studies in the History of the Ancient Near East
SHCANE Studies in the History and Culture of the Ancient Near East
SHJPLI Studies in the History of the Jewish People and the Land of Israel 
M onograph Series
SJOT Scandinavian Journal o f the Old Testament
SM NIA Tel Aviv University Sonia and Marco Nadler Institute of 
Archaeology M onograph Series
ST Studia Theologica
StudP Studia Phoenicia
SWBA The Social W orld of Biblical Antiquity
T O T C Tyndale Old Testament Commentaries
TRu Iheologische Rundschau
TSTS Toronto Semitic Texts and Studies
TynBul Tyndale Bulletin
T Z Theologische Zeitschrift
U C O IP The University o f Chicago Oriental Institute Publications
V T Vetus Testamentum
VTS Supplements to Vetus Testamentum
WTJ Westminster TheologicalJournal
Z A W Zeitschriftfür die alttestamentliche Wissenschaft
ZD M G Zeitschrift der deutschen morgenlàndischen Gesellschaft
P r im e ir a p a r t e 
HISTÓRIA, 
HISTORIOGRAFIA 
E A BÍBLIA
Capítulo 1
A história bíblica morreu?
Chegou a hora de a história da Palestina alcançar a maturidade e rejeitar formal­
mente os objetivos e as restrições da “história bíblica” [...]. E o historiador quem 
deve estabelecer os objetivos e não o teólogo.
... a morte da “história bíblica”...
O obituário foi redigido por K. W. W hitelam .1 Ao utilizar a expressão “história 
bíblica” ele se refere a uma reconstrução da história da Palestina definida e domi­
nada pelo interesse nos textos bíblicos e pela explicação deles, em um modelo em 
que tais textos constituem a base da pesquisa histórica ou estabelecem os objetivos 
dela.2 Pode-se descrever o resultado desse trabalho como “... pouco mais do que 
paráfrases do texto bíblico decorrentes de motivações teológicas”.3 É esse tipo de 
história bíblica que, segundo W hitelam, está morto. Resta apenas realizar o funeral 
e prosseguir.
O anúncio dessa morte é um ponto apropriado para iniciarmos nosso livro, que 
deliberadamente inclui a expressão “história bíblica” no título e certamente pretende 
estabelecer o texto bíblico como o centro de nosso empreendimento. O obituário 
nos leva a tratar de algumas questões importantes antes que possamos, de fato, co­
meçar. Como chegamos ao funeral descrito pelos comentários de W hitelam? Acaso 
era inevitável que tudo terminasse assim? A morte de fato ocorreu ou (lembrando 
Oscar W ilde) os relatos do fim da história bíblica têm sido muito exagerados?
lThe invention o f ancient Israel: the silencing ofPalestinian history (London: Routledge, 1996), p. 35,69.
2Ibidem , p. 51, 68-9.
3Ibidem, p. 161. W hitelam atribui essa ideia especificamente a Garbini, mas parece que ela está em 
clara harmonia com a de W hitelam .
22 H IST Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
Quais são as possibilidades de salvar o paciente? Ou, caso isso não ocorra, ele pode 
ser ressuscitado? Na busca de respostas a essas perguntas, temos de entender um 
pouco como a disciplina da História de Israel se desenvolveu até sua forma atual. 
Nosso primeiro capítulo é dedicado a essa tarefa; começaremos pelo fim, com a 
discussão e a análise dos argumentos de W hitelam .4
ANÁLISE DE UM OBITUÁRIO
A tese central de W hitelam é que o Antigo Israel elaborado pelos estudiosos da 
Bíblia com base, principalmente, nos textos bíblicos não passa de uma invenção que 
tem contribuído para silenciar a verdadeira história da Palestina. Ele alega que todos os 
textos antigos são “parciais”, no sentido tantode não apresentarem a história completa 
quanto de exporem somente uma perspectiva dessa história (são, assim, “ideologica­
mente influenciados”). Relatos específicos do passado são, de fato, invariavelmente 
produzidos por uma pequena elite em qualquer sociedade e, sem dúvida, concorrem 
com outros possíveis relatos sobre o mesmo passado, dos quais talvez não tenhamos 
evidência alguma no presente. Contudo, todos os historiadores modernos também 
são “parciais”, tendo crenças e compromissos que influenciam o modo que escrevem 
suas histórias e até mesmo as palavras que utilizam em suas descrições e análises (e.g., 
“Palestina”, “Israel”). W hitelam afirma que, com frequência, por razões teológicas ou 
ideológicas, os autores que estão predispostos à influência do texto bíblico ao escrever 
suas histórias têm transmitido, nesse processo, a própria visão parcial dos textos como 
se ela simplesmente representasse “as coisas como, de fato, foram”. Agindo assim, esses 
historiadores tanto distorcem o passado quanto contribuem para a atual situação na 
Palestina, pois a condição difícil enfrentada pelos palestinos hoje está intrinsecamente 
relacionada à desapropriação da terra e a um passado elaborado por estudiosos bíbli­
cos obcecados pelo “Antigo Israel”. Os historiadores têm distorcido o passado porque 
a apresentação feita por eles quase não tem relação alguma com o que de fato ocorreu. 
O “Antigo Israel” elaborado por esses historiadores com base em textos bíblicos é uma 
entidade imaginária, que só existe em suas mentes e não pode ser comprovada, tendo 
sua criação, aliás, associada com a situação política atual.
Por exemplo, o “fato” da existência na Idade do Ferro de um estado grande, po­
deroso, soberano e autônomo fundado por Davi dominou o discurso dos estudiosos 
bíblicos ao longo do século passado e coincide com a visão e as aspirações de muitos 
líderes do Israel atual, contribuindo para intensificá-las. No entanto, a perspectiva de
4A breve resenha a seguir está baseada na análise muito mais aprofundada que I. W. Provan faz 
em “The end o f (Israels) history? A review article on K. W. W hitelam s The invention o f ancient Israel”, 
JSS 42 (1997), p. 283-300.
A H IS T Ó R IA BÍBLICA MORREU? 23
Whitelam é que os dados arqueológicos não indicam a existência de um estado israelita 
na Idade do Ferro, criado por alguns estudiosos com base nas descrições bíblicas. Ao 
mesmo tempo, a erudição recente tem nos ajudado a avaliar melhor as qualidades 
literárias dos textos bíblicos, minando a certeza de que esses textos possam ou devam 
ser usados na reconstrução histórica. Atualmente o povo de Israel apresentado na 
Bíblia é visto mais claramente como o povo de um livro escrito com grande habili­
dade artística e inclinação teológica. De acordo com W hitelam, praticamente não há 
prova alguma de que esse “Israel” tenha existido além da mera ficção literária.5
Assim, no meio acadêmico dos estudos bíblicos, chegamos a um ponto em que 
usar textos bíblicos para a elaboração da história israelita só é possível com grande 
cautela. Seu valor para o historiador não consiste no que eles têm a dizer sobre o 
passado em si, mas “... no que revelam acerca dos interesses ideológicos de seus 
autores, se (e apenas se) for possível situá-los no tempo e no espaço”.6 Portanto, não 
se deve permitir que os textos bíblicos definam e dominem o direcionamento da 
pesquisa. Deve-se permitir que a “história bíblica” descanse em paz em seu túmulo, 
enquanto avançamos em direção a um tipo de história totalmente diferente.
A melhor maneira de contextualizar a tese de W hitelam e avaliar sua obra é 
observarmos rapidamente duas tendências recentes entre os estudiosos da Bíblia que 
predominam no livro dele e que resultaram no debate sobre a história de Israel em 
geral.7 Em primeiro lugar, o estudo recente da narrativa hebraica, que tende a enfatizar 
tanto a arte criativa dos autores bíblicos quanto as datas tardias de seus textos, tem 
afetado a confiança de alguns estudiosos na ideia de que o mundo narrado na Bíblia 
esteja intimamente relacionado ao mundo “real” do passado. Por esse motivo, quando 
se fazem perguntas sobre o passado de Israel, há uma crescente tendência a dar pouca 
importância aos textos bíblicos. Existe também uma tendência correspondente em 
confiar mais nos dados arqueológicos (que, segundo se afirma, mostram que os textos 
bíblicos não têm relação com o passado “real”) e nas teorias antropológicas ou socio­
lógicas. Diferentemente de textos elaborados artisticamente e “com viés ideológico”, 
esses outros tipos de dados têm sido apresentados com frequência como elementos 
que proporcionam base muito mais segura para se elaborar um quadro “objetivo” do 
Antigo Israel, algo bem distinto do que foi produzido até agora.
Em publicações recentes, uma segunda tendência é a de sugerir ou afirmar cla­
ramente que a ideologia prejudicou os estudos acadêmicos sobre a história de Israel 
realizados anteriormente. Tem-se estabelecido um contraste entre pessoas que, no
sW hitelam , Invention, p. 23.
6Ibidem , p. 33.
7Veja ainda I. W. Provan, “Ideologies, literary and criticai: Reflections on recent w riting on the 
history o f Israel”, JB L 114 (1995), p. 585-606.
24 H IS T Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
passado, foram motivadas pela teologia e pelo sentimento, em lugar da erudição crí­
tica, dependendo excessivamente de textos bíblicos para elaborar a história de Israel 
e aquelas que, no presente, colocam de lado os textos bíblicos e tentam escrever a 
história de forma relativamente objetiva e descritiva. Por exemplo, T. L. Thompson 
vê entre os estudiosos do passado uma indiferença ideologicamente determinada 
por qualquer história da Palestina que não envolva diretamente a história de Israel 
na exegese bíblica...”; ele entende que uma história de Israel academicamente acei­
tável não pode ser produzida por autores que estejam fascinados pelo enredo da 
antiga historiografia bíblica.8 Essas duas tendências — a crescente desconsideração 
pelos textos bíblicos e a descrição negativa dos estudos acadêmicos anteriores como 
ideologicamente comprometidos — talvez sejam os principais aspectos que esta­
belecem a distinção entre a nova forma de escrever a história de Israel9 e a antiga, 
que tendia a considerar os textos narrativos fontes de dados essenciais para a histo­
riografia (ainda que esses textos não fossem apenas históricos) e não estava muito 
inclinada a introduzir no debate acadêmico questões ideológicas e de motivações.
Nesse contexto, sem dúvida é possível utilizar o livro de W hitelam como exem­
plo perfeito da nova historiografia. Entretanto, o tipo de argumentação que acabamos 
de descrever é levado muito mais adiante do que fora feito anteriormente. Seguindo 
algumas ideias encontradas em P. R. Davies10 (ou talvez apenas sendo coerente com 
tais ideias), W hitelam agora defende não somente que a informação fornecida pelos 
textos bíblicos sobre o Antigo Israel é problemática, mas que a própria ideia do Antigo 
Israel incutida em nossa mente por esses textos também é. Até mesmo historiadores 
mais recentes ainda escrevem histórias de “Israel”, o que, para Whitelam, é um erro. 
Na verdade essa abordagem é mais grave do que um erro, pois, ao inventar o Antigo 
Israel, os estudiosos ocidentais têm contribuído para que a história da Palestina seja 
silenciada. Para outros historiadores recentes, os compromissos ideológicos dos es­
tudiosos são considerados relativamente inofensivos e sem implicações importantes 
perceptíveis fora da disciplina de estudos bíblicos, mas Whitelam certamente discorda 
desse entendimento. De modo praticamente deliberado, ele estabelece a ideologia na 
esfera da política contemporânea, afirmando que, como disciplina, os estudos bíblicos 
têm colaborado para um processo que priva os palestinos de uma terra e de um passado.
'Early history o f the Israelite people from the written and archaeological sources, SH A N E 4 (Leiden:Brill), p. 13,81.
5 Além dos textos de W hitelam e Thompson, podemos mencionar aqui livros como N. P Lemche, 
Ancient Israel: a new history o f Israelite society, BSem 5 (Sheffield: JSOT, 1988); G. Garbini, History and 
ideology in ancient Israel (New York: Crossroad, 1988); P. R. Davies, In search o f ancient “Israel”, JSO TS 
148 (Sheffield: JSOT, 1992); e G. W. Ahlstrõm, The history o f ancient Palestinefrom the Paleolithicperiod 
to Alexanders conquest, edição de D. V. Edelman, JSO TS 146 (Sheffield: JSOT, 1993).
“ Davies, Search.
A H IS T Ó R IA BÍBLICA MORREU? 25
O DEFUNTO DE FATO ESTÁ MORTO?
A história bíblica morreu de fato ou está apenas dormindo? A primeira vista, os 
argumentos de W hitelam e de outros acadêmicos com pensamento semelhante 
parecem convincentes, mas ainda é preciso levantar algumas questões importantes.
Os textos bíblicos e o passado
Primeiro devemos refletir sobre a atitude de W hitelam para com os textos bíblicos. 
Mesmo que relatos do passado sejam invariavelmente produto de uma pequena 
elite com uma perspectiva particular, será que esses relatos não podem fornecer 
informações sobre o passado que descrevem e também sobre os interesses ideológicos 
de seus autores? Presume-se ser o desejo do próprio W hitelam que acreditemos nos 
escritos dele (como parte de uma elite intelectual) sobre o passado como capazes de 
nos informar tanto sobre os fatos ocorridos quanto sobre sua ideologia — embora 
mais adiante retornaremos a essa questão. A verdade é que todos os relatos do pas­
sado podem ser parciais (em todos os sentidos), mas a parcialidade em si não cria 
necessariamente um problema. Por outro lado, mudanças de perspectiva na leitura 
da narrativa bíblica têm, de fato, suscitado questões em muitas mentes sobre a ma­
neira pela qual as tradições bíblicas podem ou devem ser usadas ao se escrever uma 
história de Israel. Com certeza, há muito que criticar no que diz respeito ao método 
antigo e aos resultados obtidos quando os textos bíblicos foram usados durante a 
investigação histórica. Se agora, porém, os textos não devem mais ser vistos como os 
principais dados nessa investigação histórica — como testemunhas do passado que 
descrevem, em vez de simples testemunhas da ideologia de seus autores — , é outra 
questão. A declaração ou a implicação de que, em parte como resultado do que agora 
conhecemos sobre nossos textos, a academia tem sido obrigada, em certa medida, a 
aceitar essa conclusão é ponto pacífico em publicações recentes sobre Israel e histó­
ria. Porém, em meio a todas essas declarações e implicações, a pergunta permanece: 
reconhecendo-se que a narrativa hebraica é elaborada artisticamente e influenciada 
ideologicamente, será que, em relação a outros tipos de dados do passado, isso reduz 
de alguma forma seu valor como fonte material para historiógrafos modernos? Por 
exemplo, se as tradições bíblicas sobre o período pré-monárquico na forma pela qual 
chegaram até nós são de uma época posterior (se isso for demonstrado), por que isso 
significaria que elas são inúteis para a compreensão do surgimento ou da origem de 
Israel?11 Tais perguntas continuam sem explicações.
nW hitelam relatando as perspectivas existentes em textos acadêmicos recentes, entre os quais 
inclui o seu (.Invention, p. 177 e mais explicitamente p. 204-5).
26 H IS T Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
A arqueologia e o passado
Segundo, o que dizer da atitude em relação à arqueologia revelada no livro de 
Whitelam? Como outros “novos historiadores”, W hitelam dá considerável valor à 
evidência arqueológica, ao contrário do que faz com a evidência extraída de textos. 
De fato, um dos elementos fundamentais de seu argumento é que a arqueologia 
demonstra a veracidade de certas coisas, o que por sua vez demonstra que o Antigo 
Israel dos textos e também dos estudiosos constitui-se em um passado imaginário. 
Por exemplo, o que basicamente os dados arqueológicos, associados às novas maneiras 
de analisar a narrativa hebraica, têm “mostrado” é que os vários modelos ou teo­
rias modernas sobre o surgimento do Antigo Israel são “... invenções de um antigo 
passado imaginário”.12 No entanto, o que é intrigante nesse tipo de afirmação é o 
fato de que o próprio W hitelam declara em outro lugar que a arqueologia, à seme­
lhança da literatura, fornece apenas textos parciais — uma parcialidade controlada 
(em parte) por pressuposições políticas e teológicas que determinam o plano ou a 
interpretação dos projetos arqueológicos. O historiador — por mais amplo que seja 
seu trabalho arqueológico — sempre depara com textos parciais, e a ideologia do 
próprio investigador influencia a arqueologia.13 Para W hitelam, é importante des­
tacar esses aspectos, pois ele prossegue questionando grande parte da interpretação 
existente dos dados procedentes da pesquisa arqueológica e das escavações realizadas 
em Israel, em particular as que são apresentadas por acadêmicos israelenses. Ele alega 
que essa pesquisa tem contribuído para criar o “passado imaginário” de Israel e resiste 
deliberadamente a interpretações de dados arqueológicos que conflitem com a tese 
desenvolvida em seu livro: a de que o Antigo Israel é uma entidade “imaginária”.14
Desse modo, o livro de W hitelam apresenta uma atitude bastante ambivalente 
em relação aos dados arqueológicos. Quando parecem estar em conflito com as ale­
gações do texto bíblico, afirma-se que eles “mostram” ou contribuem para mostrar 
algo verdadeiro. Nesse caso, os dados apresentam sólidos indícios de que a realidade 
histórica se parecia com “isso” e não com “aquilo”. Entretanto, quando os dados 
arqueológicos parecem ser consistentes com as afirmações do texto bíblico, toda a 
ênfase recai em quão pouco esses mesmos dados podem de fato nos informar. Então, 
somos lembrados da dimensão ideológica tanto dos dados quanto da interpretação. 
Ora, W hitelam precisa escolher entre um e outro. O u os dados arqueológicos ofere­
cem um tipo de descrição do passado palestino relativamente objetiva, de maneira que 
eles possam ser comparados com os textos bíblicos ideologicamente comprometidos
12Ibidem, p. 119; compare-se com o comentário sobre Gottwald próximo ao fim da p. 118.
13Ibidem , p. 181-3.
14Nesse sentido, um exemplo que chama particularmente a atenção é a forma pela qual trata a 
chamada Esteia de M erneptá (ibidem, p. 206-10).
A H IS T Ó R IA BÍBLICA MORREU? 27
e assim “demonstrar” que o Antigo Israel da Bíblia e de seus estudiosos é uma 
entidade imaginária, ou não. Se W hitelam pretende afirmar que esses dados não ofe­
recem esse tipo de descrição — que “o historiador se defronta com textos parciais em 
todos os sentidos do termo”15 — então ele tem de explicar por que, para nos informar 
sobre um passado “real” em oposição a um passado imaginário, a arqueologia é mais 
confiável do que os textos. Deve explicar por que esses “textos parciais” específicos 
são preferíveis a outros. Do modo que as coisas se apresentam, pode-se concluir 
que W hitelam trabalha com uma metodologia que tem uma fé bastante simplista 
na interpretação de dados que coincidem com a narrativa que ele mesmo deseja 
contar, ao mesmo tempo que alega um alto grau de ceticismo e suspeita em relação 
às interpretações dos dados que conflitam com sua narrativa.
Ideologia e passado
Uma terceira área que requer certa reflexão diz respeito à ideologia do historiador. 
W hitelam afirma repetidas vezes que o Antigo Israel dos estudos bíblicos é uma 
entidade “inventada” ou “imaginada” e prossegue em sua análise dando a entender 
que as histórias escritas hoje sobre Israel dizem mais sobre o contexto e as crenças 
de seus autores do que sobre o passado que alegam descrever. O quadro que ele 
apresenta é de estudiosos bíblicos que querem acreditar no Antigo Israel — um 
desejo que ignora as evidências. Respondendo a essas afirmações, devemos reco­
nhecer que não há dúvida de que as histórias de Israel escritas hoje falam algo sobre 
o contexto eas crenças de seus autores. É um fato natural da vida que, em tudo o 
que pensam e agem, os seres humanos estão inseparavelmente ligados ao mundo 
no qual pensam e agem. Não temos culpa de ser moldados, pelo menos em parte, 
por nosso contexto, façamos ou não um esforço consciente para ter alguma noção 
desse contexto e de sua influência sobre nós. Nosso pensamento é influenciado pelas 
categorias disponíveis. Contudo, não é possível demonstrar que os autores de li­
vros sobre a história de Israel tenham, em geral, sido influenciados pela ideologia, 
e não pelos dados — pelo desejo de acreditar, sem levar em conta as evidências. 
O próprio W hitelam admite que “... não é fácil estabelecer essas associações entre 
os estudiosos da Bíblia e o contexto político em que a pesquisa bíblica se desenvolve 
e pelo qual é inevitavelmente influenciada. Em sua maior parte, tais associações 
são implícitas em vez de explícitas”.16 A leitura de seu livro deve, de fato, convencer 
o leitor de que estabelecer essas associações não é fácil. Na realidade, ao chegar ao 
final do livro, o leitor fica imaginando como exatamente a posição de W hitelam
lsIbidem, p. 183.
“ Ibidem, p. 23.
28 H IS T Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
sobre a ideologia dos historiadores pode ser coerente. Será que os outros estudiosos 
têm uma ideologia que compromete seu trabalho acadêmico, levando-os inevita­
velmente a abandonar a razão e a ignorar as evidências, ao passo que W hitelam, 
livre de qualquer ideologia, consegue compreender pessoas e acontecimentos com 
mais clareza? Às vezes essa conclusão parece clara, mas, em outro texto, ele sugere, 
com a mesma clareza, que todos são influenciados por alguma ideologia na pesquisa 
acadêmica. Então, a posição de W hitelam seria a de que a razão e os dados sempre e 
inevitavelmente estão a serviço de uma ideologia e de um conjunto de compromis­
sos? Será que sua objeção não é ao fato de que outros estudiosos simplesmente não 
partilham do conjunto particular de compromissos assumidos por ele — eles não o 
apoiam na história da Palestina que deseja contar? Novamente, parece que às vezes 
essa é a perspectiva de W hitelam. Sendo assim, tudo indica que não estamos mais 
falando de história, mas apenas de narrativas acadêmicas. Essa conclusão é um tanto 
irônica, considerando a crítica de W hitelam às narrativas bíblicas por sua natureza 
lendária, em vez de histórica.
Na verdade, o debate sobre a ideologia dos acadêmicos obscurece a verdadeira 
questão, que diz respeito aos dados. H á vasta documentação mostrando que a eru­
dição do passado, embora reconhecesse que a historiografia é mais do que a simples 
listagem de indícios, aceitou o fato de que toda historiografia tem de levar as evidên­
cias em conta. Na realidade, a verdadeira discordância em todo esse debate é acerca do 
que é considerado evidência. O que ocorre é que W hitelam acredita não ser correto 
associar os textos bíblicos com outros dados na pesquisa sobre o antigo Israel. Até 
então os estudiosos (e não apenas os estudiosos bíblicos) pensavam em geral de outra 
maneira, pelo menos no caso de muitos textos bíblicos. Descrever esse esforço acadê­
mico como se ele não lidasse seriamente com as evidências por causa de um ou outro 
tipo de compromisso (“imaginando o passado”) é uma distorção significativa da 
realidade, quando de fato a questão é: “Quais evidências devem ser levadas a sério?”.
O obituário foi precipitado?
Com base nessa análise, podemos observar que o argumento de W hitelam a favor 
da morte da história bíblica não é convincente nem coerente. Nessas circunstâncias, 
seria um erro seus leitores se arrumarem às pressas para ir ao funeral. Primeiro pre­
cisamos refletir um pouco mais sobre as importantes questões que foram levantadas. 
No entanto, antes de começar, devemos explorar mais a fundo o contexto do atual 
debate sobre a história de Israel — o contexto que deu origem às histórias modernas 
sobre Israel escritas há mais tempo. É nesse ponto que, antes de emitirmos um ates­
tado de óbito, nossa percepção dessas questões cujas respostas precisam ser buscadas 
será apurada e aperfeiçoada.
A H IS T Ó R IA BÍBLICA M ORREU? 29
UMA LONGA ENFERMIDADE: 
DOIS ESTUDOS DE CASO INICIAIS
Embora tenhamos apresentado W hitelam até aqui como um modelo da nova his­
toriografia e não da antiga, pelo fato de ele praticamente não se importar com os 
textos bíblicos em sua busca da história da Palestina, essa distinção não pretende 
dar a impressão de que sempre ou em geral há um abismo separando os antigos 
historiadores modernos de Israel dos novos. Ao contrário, boa parte do fundamento 
em que os novos historiadores baseiam sua posição foi elaborada muito tempo atrás, 
de maneira que as pressuposições e os métodos dominantes da historiografia antiga 
conduzem diretamente ao ponto que nos encontramos agora. Como tem ocorrido, 
historiadores mais antigos podem muitas vezes ter dependido mais de textos bíblicos 
do que muitos de seus sucessores recentes. Entretanto, sua abordagem geral condu­
ziu de forma natural e freqüente às atitudes atacadas por muitos estudiosos de hoje. 
Se for preciso anunciar a morte da história bíblica, então uma longa enfermidade 
precedeu o seu fim.
O próprio W hitelam chama a atenção para duas obras de história produzidas 
na década de 1980 que, segundo seu parecer, já ilustravam a crise de confiança na 
disciplina da história bíblica.17 Por causa de sua descrição dos problemas de se 
utilizarem os textos bíblicos, tanto J. A. Soggin, de um lado, quanto J. M . Miller e 
J. Hayes, de outro18 — mesmo dependendo em grande parte das narrativas bíblicas 
para sua produção da história de Israel no período monárquico, — aventuraram-se 
em reconstruções históricas dos períodos antigos com grau menor ou maior de 
autodesconfiança. Mesmo em relação ao período monárquico, percebe-se que parte 
do que escrevem é conjectural. Para W hitelam essa abordagem ilustra com clareza 
o problema da história israelita antiga como uma “história de lacunas”, continu­
amente obrigada a abandonar o firme fundamento do qual se pode dizer que o 
empreendimento se inicia com segurança. Abandonam-se, assim, as narrativas 
patriarcais, depois, o Exodo e as narrativas da conquista como fontes que podem 
servir de base para uma reconstrução significativa da história; logo em seguida 
deixam-se de lado o livro de Juizes e as narrativas de Saul. Com Soggin e M iller/ 
Hayes, encontramos agora os textos sobre a monarquia de Israel sendo examinados 
atentamente e com graus variados de suspeita. Com base nesse ponto de partida, 
W hitelam sugere então um abandono geral e rigoroso dos textos bíblicos como 
fontes primárias para a história de Israel. Como a análise de ambos os livros revela,
17Ibidem, p. 34-5.
18J. A. Soggin, History o f Israel:from the beginnings to the Bar Kochba revolt, A D 135 (London: SCM , 
1984); J. M . Miller, J. Hayes, A history o f ancient Israel and Judah (Philadelphia: W estminster, 1986).
30 H IS T Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
o progresso é natural. As pressuposições e métodos controladores de ambos os 
livros convidam a seguir essa direção.
Soggin e a história de Israel
Após a introdução, a obra de Soggin começa com um capítulo longo e esclarecedor 
sobre metodologia, bibliografia e fontes.19 Ele inicia com a afirmação de que, depois 
de mais de um século de estudos científicos da crítica histórica, torna-se cada vez 
mais difícil escrever uma história de Israel, especialmente a partir de seus primórdios. 
Soggin alega que tradições do passado, tanto orais quanto escritas, estão sujeitas à 
“contaminação” de vários tipos, quer por acidente, quer devido aos interesses das 
pessoas que as transmitiram. Frequentemente, com o objetivo de influenciar gera­
ções posteriores de leitores, mas com pouquíssimo valor para o historiador moderno, 
essas tradições também contêm relatos de heróis e heroínas. De acordo com Soggin, 
nossas tradições bíblicassobre as origens de Israel são exatamente assim: tradições 
sobre personagens exemplares que foram reunidas, editadas e transmitidas (nessa 
seqüência)20 por editores que viveram muitos séculos depois dos acontecimentos. 
A perspectiva dos editores finais é principalmente do período exílico e pós-exílico, 
e os problemas com que estão preocupados refletem as conseqüências do exílio na 
Babilônia e o fim tanto da independência política quanto da dinastia davídica em 
Israel. Dessa maneira, o quadro que temos da época mais antiga de Israel é o que 
nos é apresentado por autores do período monárquico pré-exílico (porque, com a 
formação do Estado israelita, pela primeira vez Israel deparou com o problema de 
sua identidade e legitimidade nacionais e começou a refletir sobre seu passado). O 
retrato é profundamente influenciado, se não determinado, pela releitura e redação 
dos textos de autores dos períodos exílico e pós-exílico. São pessoas interessadas no 
exílio e na volta do exílio que nos transmitiram as narrativas que tratavam da migra­
ção da família de Abrão de Ur até Harã, e também do Êxodo do Egito, da viagem 
pelo deserto, da conquista da terra e do período dos juizes.
Por essa razão, é uma tarefa sempre difícil determinar a antiguidade das tra­
dições bíblicas específicas, embora Soggin pense que é improvável que editores 
posteriores tenham criado textos a partir do nada para atender suas necessidades. 
Todavia, mesmo quando as tradições parecem antigas, em geral foram claramente 
tiradas do contexto original e inseridas em um novo contexto, o que inevitavel­
mente tem um efeito significativo em sua interpretação e modifica seu conteúdo.
19Soggin, History, p. 18-40.
20O u seja, elas foram primeiro reunidas em fontes como J e E do Pentateuco e, mais tarde, em 
textos como o próprio Pentateuco.
A H IS T Ó R IA BÍBLICA MORREU? 31
Soggin sugere que os editores, com o objetivo de dar suporte às próprias teorias, 
tiveram liberdade no exercício de sua capacidade criativa e às vezes agiram de mo­
do caprichoso na escolha e reestruturação do material que lhes chegou às mãos. 
Por exemplo, Soggin afirma que, em geral, se aceita que a organização da nar­
rativa dos patriarcas numa seqüência genealógica reflete a obra de editores. Em 
nível histórico, é possível que os patriarcas tenham de fato sido contemporâneos 
uns dos outros ou até mesmo nem tenham existido. Além do mais, a seqüência 
patriarca-êxodo-conquista parece ser uma simplificação que os editores introdu­
ziram, a fim de lidar com os problemas levantados por aspectos mais complexos 
das tradições. No livro de Josué, a conquista é descrita com termos extraídos da 
liturgia da adoração pública, sendo que a primeira parte do livro abrange uma 
procissão e uma celebração rituais, em vez de tratar de guerra e política. Essa 
característica corresponde bem ao contexto de uma releitura pós-exílica do m a­
terial. No contexto de fracasso político da monarquia (como também teológico 
e ético), o povo de Deus é chamado de volta às origens, ao momento em que 
aceitou com humildade e submissão o que Deus lhe oferecia em sua misericórdia. 
De modo semelhante, o livro de Juizes, com sua descrição de uma liga tribal e sua 
ênfase na adoração comum como fator de unidade política e religiosa, também 
corresponde a esse contexto posterior (embora, nesse caso, Soggin admita que 
a descrição também poderia estar relacionada à realidade pré-monárquica). No 
período pós-exílico a monarquia havia sido substituída por uma ordem hierocrá- 
tica, centrada no templo de Jerusalém. Por fim, as narrativas sobre o reinado de 
Saul transformaram alguém que foi um guerreiro hábil e violento — sem mácula 
ou temor, e que terminou seus dias em glória — num herói de tragédia grega, 
dominado por insegurança e ciúme e também vítima de ataques de hipocondria e 
tendências homicidas. Aqui o editor se tornou um artista. A conseqüência é que 
qualquer história de Israel que procure tratar do período anterior à monarquia, 
lim itando-se a uma simples paráfrase dos textos bíblicos e à mera complementa- 
ção desses textos com supostos paralelos do antigo Oriente Próximo, não apenas 
utiliza um método inadequado, mas também oferece um quadro distorcido dos 
eventos que certamente ocorreram. De modo acrítico, essa descrição aceita a visão 
que Israel tinha de suas origens.
Para Soggin, essa é, portanto, a “proto-história” de Israel. Em que momento a 
verdadeira história de Israel se inicia? Existe alguma época a partir da qual o mate­
rial da tradição começa a oferecer relatos confiáveis — informações sobre pessoas 
que realmente existiram e fatos que ocorreram, ou que ao menos sejam prováveis, 
e sobre eventos importantes nas esferas econômica e política e suas conseqüências? 
Como ponto de partida, Soggin escolhe o período da monarquia unida nos reinados 
de Davi e Salomão. Ele reconhece que as fontes de informação sobre esse período
32 H IS T Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BlBLIA
também contêm muitos episódios (especialmente em relação a Davi) que dizem 
respeito mais à esfera privada do que à pública e que essas fontes, à semelhança 
daquelas da proto-história, foram editadas numa data posterior. Ele admite que 
nenhum indício do império de Davi e Salomão aparece em outros textos do antigo 
Oriente Próximo e que esse período, bem como os anteriores, carece de evidência 
externa. Por isso, Soggin considera a possibilidade de que a tradição bíblica, nesse 
ponto, também seja pseudo-histórica e fictícia, com o objetivo de glorificar um pas­
sado que na realidade nunca existiu. Contudo, ele crê que isso seja improvável. Nas 
narrativas de Davi e Salomão, há muitos detalhes de natureza política, econômica, 
administrativa e comercial — inúmeros aspectos ligados à cultura da época. Com 
base na informação que essas narrativas nos fornecem sobre política, economia e 
administração (e.g., expedições militares com conquistas territoriais, rebeliões locais, 
trabalhos de construção, comércio exterior), podemos formar o quadro de uma 
nação que, por fim, chega ao colapso econômico e é forçada a tomar medidas de 
emergência para enfrentar essa situação. Por trás da fachada da vida familiar, encon­
tramos informações importantes que, na opinião de Soggin, um historiador pode 
usar a fim de elaborar um quadro plausível do reino unido israelita, que é consistente 
com o que nossas fontes afirmam sobre o que ocorreu posteriormente: várias formas 
de protesto, seguidas pela rebelião aberta e pela secessão do reino do norte com a 
morte de Salomão. Se elementos reconhecidamente romantizados estão presen­
tes na tradição, o quadro geral do passado não é de glorificação romantizada. Por 
isso, podemos adotar o período da monarquia unida como ponto de referência para 
começar um estudo histórico do Antigo Israel.
Ao considerarmos o argumento de Soggin, o primeiro e (no presente contexto) 
mais importante ponto a observar é a fraqueza de sua distinção entre, de um lado, as 
fontes relativas à narrativa dos patriarcas-Saul e, de outro, as fontes relativas à nar­
rativa Davi-Salomão. O que basicamente distingue esses dois grupos de tradições? 
Certamente não é o apoio maior dos dados arqueológicos ao segundo conjunto de 
fontes nem o fato de que o segundo, em comparação com o primeiro, tenha menos 
tradições de personagens exemplares do passado, as quais foram reunidas, editadas 
e transmitidas por editores que viveram muitos séculos depois dos acontecimentos. 
Entretanto, Soggin sustenta que é possível estabelecer distinção entre os dois gru­
pos. E “improvável” que haja uma pseudo-história no caso das narrativas de Davi 
e Salomão porque, em primeiro lugar, elas contêm “elementos negativos” que as 
tornam, em geral, qualquer coisa, menos uma glorificação romantizada do passado; 
em segundo, é possível detectar suficientes informações importantes por trás da 
“fachada” da narrativa, de modo que o historiador possa formar um quadro plausível 
do reino unido israelita.Entretanto, diante dessas afirmações, as seguintes respostas 
são bastante adequadas.
A H IS T Ó R IA BÍBLICA MORREU? 33
Primeira, não parece tão claro que, quando o assunto são elementos “românticos” 
e “negativos” (utilizando as categorias de Soggin), a forma presente das tradições 
mais antigas da Bíblia tenha menos elementos misturados do que a forma presente 
das tradições sobre a monarquia unida. As tentativas de Soggin de descrever as 
tradições mais antigas apenas de acordo com a primeira categoria são, na verdade, 
nada convincentes. Por exemplo, ele explica Juizes como um livro cujo propósito 
foi legitimar a hierocracia pós-exílica, pois Juizes apresenta a liga tribal como 
uma alternativa antiga e autêntica para a monarquia. E difícil levar essa hipótese a 
sério; até o leitor de Juizes menos atento pode ver que, em sua maior parte, o livro 
apresenta uma sociedade israelita que está longe de ser ideal e conclui com uma 
descrição de caos social resultante da falta de um rei. Com certeza, a narrativa do 
livro de Juizes não oferece ao leitor uma glorificação romantizada do passado. Só 
uma leitura bastante falha do texto pode levar a essa conclusão; e o que é válido 
para a leitura de Juizes apresentada por Soggin também é válido para sua leitura de 
Gênesis-Josué.21 Fazer esse tipo de distinção entre Gênesis-Juízes e Samuel-Reis 
exige uma leitura de Gênesis-Juízes altamente seletiva.
Segunda, e com base no ponto anterior, é claramente possível encontrar infor­
mações como as que Soggin procura (e.g., informações sobre expedições militares 
com alvos de conquista territorial) por trás da “fachada” do relato de Gênesis-Juízes, 
assim como de Samuel-Reis. Portanto, de que modo a presença dessas informações 
em Samuel-Reis nos levaria a pensar nesses textos de forma diferente à dos textos 
precedentes? Parece que Soggin coloca o peso de seu argumento em parte na quan­
tidade dos detalhes políticos, econômicos, administrativos e comerciais; no entanto, 
ele deixa de demonstrar que o fato de passarmos da “proto-história” para a “história” 
multiplicou esses detalhes, em vez de apenas mudar a dinâmica da narrativa. Afinal 
de contas, agora estamos lendo a história de um Estado com contatos internacio­
nais e não mais uma narrativa sobre uma confederação tribal. Por que a presença 
desse tipo de detalhe na história de Davi e Salomão não é, então, simplesmente uma 
indicação da forma de arte narrativa que Soggin encontra na narrativa de Saul? Em 
parte Soggin também dá bastante importância à afirmação de que o historiador usou 
esse tipo de detalhe em Samuel-Reis com o intuito de elaborar um quadro acerca 
do reino unido israelita que seja plausível e consistente com o que as fontes bíblicas 
dizem ter ocorrido mais tarde. No entanto, não fica claro por que devemos considerar 
que, ao incluir esse tipo de detalhe, o objetivo dos autores de histórias mais antigas 
seja outro que não nos contar sobre o passado, mesmo que não seja um passado que
21Podemos indicar especificamente sua sugestão de que a primeira parte do livro de Josué descreve 
o passado como um período em que Israel “aceitou com humildade e submissão o que Deus lhe ofereceu 
em sua misericórdia” (History, p. 30).
34 H ISTÓ R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
Soggin imagine “plausível”; por outro lado, também não está claro o que exatamente 
fica provado com o fato de a reconstrução feita por Soggin ser consistente com o 
relato das fontes bíblicas sobre o que ocorreu posteriormente. A certa altura de sua 
análise, o próprio Soggin elogia os compiladores e editores das tradições bíblicas 
por possuírem “notáveis habilidades artísticas, utilizando pequenas unidades para 
criar obras importantes que à primeira vista formam uma unidade coerente [...] uma 
obra de arte”.22 Pode-se presumir que um aspecto dessa habilidade artística é que os 
escritores apresentam relatos consistentes com outros relatos posteriores. Deve-se 
considerar, então, por que Soggin acredita ser especialmente significativo o fato de 
que a narrativa sobre o reino unido apresentada por ele com base em alguns textos 
bíblicos seja consistente com a narrativa que os autores bíblicos apresentam sobre 
os reinos posteriores de Israel e Judá. Se, em Samuel-Reis, a consistência de uma 
narrativa com a seguinte é prova de que estamos lidando com história e não com 
proto-história, então tal consistência também é prova de que, de igual forma, estamos 
lidando com história em pontos mais antigos da tradição. Se, de um lado, coerência 
em partes mais antigas da Bíblia indica apenas arte narrativa e não história, Soggin é 
inconsistente ao defender que, em Samuel-Reis, a coerência indica história e não arte 
narrativa. De um modo ou de outro, a distinção que ele tenta fazer entre as tradições 
bíblicas sobre a monarquia unida e as tradições bíblicas sobre períodos mais antigos 
da história israelita não tem base suficiente.
Esta análise mostra como Soggin prepara bem o caminho para escritores mais 
recentes como W hitelam. Segundo, W hitelam retrata a história da história de 
Israel, ela é do tipo que sempre força os historiadores a abandonar a base firme em 
que a tarefa pode ser realizada com segurança. A “base firme” de Soggin está fun­
damentada na monarquia unida. O problema é que as pressuposições e os métodos 
controladores com que Soggin trabalha tornam, em última instância, sua própria 
posição insustentável. É possível, com extrema facilidade, aplicar as próprias pers­
pectivas de Soggin — que o levaram a abandonar o fundamento de Gênesis-Juízes 
e início de Samuel antes mesmo de haver iniciado o trabalho — ao fundamento 
que ele mesmo escolheu, o restante das narrativas de Samuel-Reis, e destruí-lo. Se, 
por conter narrativas de heróis e heroínas transmitidas por editores que viveram 
muitos séculos depois dos acontecimentos, as tradições mais antigas da Bíblia não 
são um “fundamento firme”, então por que tradições mais recentes são grande­
mente valorizadas? Se as tradições mais antigas são problemáticas porque editores 
utilizaram com liberdade ou por capricho suas capacidades criativas na escolha e 
reestruturação do material que chegou até eles, então qual exatamente é a razão 
de as tradições mais recentes não serem igualmente problemáticas? O u será que,
22History, p. 28.
A H IS T Ó R IA BlB LICA MORREU? 35
por algum motivo vago, simplesmente “sabemos” que elas não são? Se, no que diz 
respeito a tradições mais antigas, a arte narrativa dos editores é um problema sério 
para os historiadores, então por que essa arte também não é um problema no caso 
das tradições mais recentes? Por fim, como conseqüência de tudo o que é realmente 
verdadeiro nas tradições bíblicas, se alguma história de Israel que retrata o período 
anterior à monarquia baseada em simples paráfrases dos textos bíblicos está empre­
gando um método inadequado, oferecendo, assim, um quadro distorcido do passado 
ao leitor, então por que o mesmo não se aplica a uma história de Israel que adota tal 
abordagem para o período que começa com a monarquia?
A verdade é que o ponto de partida escolhido por Soggin para escrever a história 
de Israel é bem arbitrário. Não é uma questão de lógica, mas sim de uma escolha 
sustentada em declarações sobre a “ingenuidade” das pessoas que pensam de outra 
maneira. A seguir, temos mais a dizer sobre o uso desse tipo de declaração como 
substituto para o argumento. Em circunstâncias como essa, W hitelam — que nos 
lembra da própria inexistência de dados externos sobre o império davídico-salo- 
mônico, algo de que o próprio Soggin está consciente — também pode, de modo 
bem simplista, destruir o “fundamento firme” de Soggin sugerindo que, para narrar a 
verdadeira história de Israel, não se pode confiar nos textos bíblicos de Samuel-Reis 
mais do que nos de Gênesis-Juízes. Esse argumento é especialmente válido quando 
os estudos sobre a narrativa bíblica no período entre a publicação do livro de Soggin 
e o de W hitelamsó ampliaram nosso conhecimento quanto à qualidade artística 
da literatura bíblica. Nesse contexto, o argumento de W hitelam parece totalmente 
aceitável ao sugerir que o comprometimento dos estudiosos modernos com as narra­
tivas davídico-salomônicas como fontes históricas valiosas tem relação, mais do que 
com qualquer outra coisa, com o contexto do período colonial europeu e também 
com a necessidade deles de crer em um Estado de Israel poderoso, soberano e au­
tônomo na Idade do Ferro. Volta-se contra o próprio Soggin (que parece acreditar 
que a única história “verdadeira” é a história de Estados que atuam na esfera pública
— econômica e política — em vez, por exemplo, de pessoas que atuam na esfera 
privada e familiar) o juízo que faz de outros estudiosos que dependem demais das 
tradições bíblicas sobre o período mais antigo da história de Israel. Para W hitelam , 
uma dependência extrema das tradições bíblicas é justamente o que levou estudiosos 
como Soggin a introduzir, no que diz respeito ao “período monárquico” de Israel, 
um método inadequado para examinar o passado, distorcendo-o na busca da nação- 
-estado que existia na forma de Israel. Na verdade, não há uma grande distância entre 
a perspectiva de Soggin (de que o quadro existente na Bíblia das origens de Israel 
é ficção literária) e a concepção ainda mais radical de W hitelam (de que o quadro 
apresentado por grande parte da Bíblia hebraica do passado de Israel é ficção literária). 
E precisamente isso o que ocorre quando os estudiosos se afastam progressivamente
36 H IS TÓ R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
do “fundamento firme” do texto bíblico, à medida que cada historiador de Israel 
demonstra como o que estudiosos anteriores escreveram se aplica também de forma 
clara e devastadora aos textos que eles mesmos aceitaram como ponto de partida. 
Portanto, cada estudioso, por sua vez, pode ser acusado de arbitrariedade, pois não há 
um ponto lógico em que se apegar a fim de não escorregar no barranco textual; e, aos 
poucos, isso conduz à morte de toda história bíblica.
Miller e Hayes e a história de Israel
Os principais elementos que Miller e Hayes adotam na abordagem dos textos 
bíblicos e da história estão expostos em seus comentários sobre a narrativa de 
Gênesis-Josué.23 No que diz respeito à história, eles observam a crítica de “... certas 
perspectivas históricas que foram populares em tempos antigos, mas que não estão 
mais em voga e suscitam perguntas sobre a credibilidade do material”.24 Miller e 
Hayes se referem ao conceito de uma era dourada revelada nos seguintes itens:
• os primeiros capítulos de Gênesis;
• a cronologia sistemática de toda a narrativa;
• a ideia de que a atividade e o propósito divinos são em toda parte con­
siderados as forças primárias que determinam a forma e o curso do 
processo histórico;
• a pressuposição de que se deve entender a origem dos vários povos do mundo
como simples descendência direta de um único ancestral ou de uma única
linhagem;
• a presença de temas narrativos tradicionais bastante disseminados no mundo 
antigo nos textos bíblicos.
Outros aspectos da narrativa de Gênesis-Josué também causam dificuldade: 
a improbabilidade de muitos números, a natureza contraditória de boa parte das 
informações, o fato de que muito material é de origem folclórica e o fato de que a 
forma atual de toda a narrativa é resultado do trabalho de compiladores cujo inte­
resse básico era destacar o significado teológico, não produzir um relato objetivo. 
Miller e Hayes afirmam que, desse modo, a narrativa faz com que o historiador 
moderno depare com dificuldades reais. No entanto, admitem concomitantemente 
que, para se chegar a qualquer conclusão específica sobre as origens e a história mais 
remota de Israel e Judá, tal conclusão deve se basear nessa narrativa por causa da
23History, p. 54-79.
24Ibidem , p. 58.
A H IS T Ó R IA BÍBLICA M ORREU? 37
escassez e da natureza das fontes de informação extrabíblicas. Documentos extra­
bíblicos e dados de artefatos descobertos em escavações arqueológicas na Palestina 
são úteis para compreender o contexto geral em que Israel e Judá surgiram, mas não 
para identificar especificamente sua origem.
O que um “historiador razoavelmente cauteloso”25 deve fazer nessas circunstân­
cias? M iller e Hayes avaliam e rejeitam tanto a opção de pressupor a historicidade 
do relato de Gênesis-Josué na forma em que se apresenta — ignorando os pro­
blemas de credibilidade e a ausência de dados extrabíblicos específicos para a 
verificação — quanto a de descartar o relato de vez, considerando-o de todo inútil 
para o propósito da reconstrução histórica. Eles são a favor de uma abordagem de 
conciliação: o desenvolvimento de uma hipótese sobre as origens de Israel e Judá 
baseada até certo ponto no material bíblico, mas que ao mesmo tempo não siga 
o relato bíblico em cada detalhe, talvez nem mesmo de modo próximo. Apesar 
disso, eles se veem, na realidade, relutantes em elaborar tal hipótese para a história 
mais antiga dos israelitas. M iller e Hayes consideram a visão das origens de Israel 
apresentada em Gênesis-Josué idealista e em conflito com as implicações histó­
ricas das tradições mais antigas que os compiladores incorporaram em seu relato.
O enredo principal é, de fato, “uma elaboração literária artificial e influenciada 
pela teologia”.26 Assim, não é possível dizer quase nada sobre Israel antes de seu 
surgimento na Palestina. Por esse motivo, M iller e Hayes se satisfazem com algu­
mas declarações genéricas sobre vários lugares de onde é possível que os israelitas 
tenham vindo e prosseguem rapidamente de Gênesis-Josué para Juizes, iniciando 
a história propriamente dita com uma descrição das circunstâncias que parecem 
haver prevalecido entre as tribos na Palestina pouco antes do estabelecimento da 
monarquia.27 Os autores confiam mais no uso de Juizes para uma reconstrução 
histórica, não porque o livro, comparado a Gênesis-Josué, tenha menos acrés­
cimos editoriais no processo de compilação, mas porque é possível separar com 
menos dificuldade as tradições mais antigas por trás desses acréscimos, pois os 
acontecimentos milagrosos e os eventos extraordinários não são tão predomi­
nantes nessas tradições, as condições socioculturais geralmente pressupostas estão 
em conformidade com o que se conhece das condições existentes na Palestina no 
início da Idade do Ferro e, por fim, porque a situação refletida nessas narrativas 
oferece um contexto confiável e compreensível para o nascimento da monarquia 
israelita descrito em 1 e 2Samuel. Assim, as narrativas que compõem Juizes 
podem servir de ponto de partida experimental para lidar com a história israelita
2SIbidem , p. 74.
26Ibidem , p. 78.
27Ibidem , p. 80-119.
38 H IS T Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
e judaica — não por oferecerem base para reconstruir uma seqüência histórica 
detalhada de pessoas e acontecimentos, mas porque apresentam informações pre­
cisas sobre as circunstâncias gerais sociológicas, políticas e religiosas que existiram 
entre as antigas tribos israelitas.
A esta altura podemos parar para analisar a lógica do raciocínio exposto até 
aqui. Qual é a confiabilidade do fundamento em que Miller e Hayes se apoiam para 
iniciar sua história de Israel? Eles reconhecem que tanto Gênesis-Josué quanto 
Juizes têm em comum a mesma forma de plano editorial geral, que descrevem como 
artificial, não convincente e de pouquíssima utilidade para o historiador. Concordam 
ainda que em cada caso as narrativas individuais são problemáticas para o historia­
dor. Portanto, qual é a base para se ter mais confiança no material de Juizes do que 
no de Gênesis-Josué? Miller e Hayes afirmam que é menos difícil isolar as tradições 
mais antigas por trás da “camada editorial” existente no material de Juizes do que 
no de Gênesis-Josué, mas, ao que parece, já separaram as tais tradições mais antigas 
que os compiladores uniram no relato de Gênesis-Josué. E mais:eles fizeram isso 
com bastante habilidade, usando as tradições como prova de que a ideia da origem 
de Israel apresentada em Gênesis-Josué é idealista (de que outra forma eles saberiam, 
que ela é idealista?). Também sustentam que acontecimentos milagrosos e eventos 
extraordinários não são predominantes nas narrativas que compõem Juizes tanto 
quanto nas narrativas de Gênesis-Josué, mas ao mesmo tempo argumentam que 
essas narrativas de Juizes são lendas folclóricas “... não diferentes das narrativas 
patriarcais de Gênesis...”— os detalhes nas narrativas individuais abusam da inge­
nuidade.28 Miller e Hayes são da opinião de que as condições gerais socioculturais 
pressupostas nas narrativas de Juizes estão em harmonia com o que se conhece das 
condições existentes na Palestina no início da Idade do Ferro; contudo, em nenhum 
momento demonstram que isso não se aplica às condições gerais socioculturais 
pressupostas nas narrativas de Gênesis-Josué. Na verdade, citam alguns dados con­
sistentes com a perspectiva contrária.29 Por fim, defendem que a situação refletida 
nas narrativas de Juizes fornece um contexto confiável e compreensível para o sur­
gimento da monarquia israelita como descrito em 1 e 2Samuel. Mas Miller e Hayes 
não explicam como o fato de a literatura de Juizes nos preparar para a literatura de
1 e 2Samuel pode nos dizer algo sobre a história (uma perspectiva importante de 
seu ceticismo sobre “elaborações literárias”). Também não explicam de que ma­
neira Juizes estabelece um contexto confiável e compreensível para o surgimento 
da monarquia israelita, diferentemente de Gênesis-Josué em relação ao contexto do 
surgimento de Israel na Palestina. Portanto, se M iller e Hayes acreditam de fato
28Ibidem , p. 87, 90; citação na p. 90.
29Observe-se, e.g., ibidem, p. 65-7.
A H IS T Ó R IA BÍBLICA MORREU? 39
que a natureza da literatura de Gênesis-Josué impede o “historiador razoavelmente 
cauteloso” de dizer qualquer coisa sobre Israel antes de seu surgimento na Palestina, 
também é difícil entender por que eles podem dizer algo sobre o fim do período 
pré-monárquico. Eles são totalmente vulneráveis à acusação de que o ponto de par­
tida adotado no uso de tradições bíblicas para escrever história é arbitrário, o que, na 
verdade, é a acusação que os “novos historiadores” fazem contra eles.
A situação não melhora muito quando se consideram períodos ainda mais 
recentes da história israelita. Afirma-se que 1 e 2Samuel refletem muitas das 
mesmas características literárias de Gênesis-Juízes. Assim, nenhum material de 
ISam uel pode ser interpretado literalmente para a formulação de uma recons­
trução histórica. No entanto, vemos M iller e Hayes “inclinados a presumir que 
muitos desses relatos, talvez a maioria, contenham pelo menos um núcleo de ver­
dade histórica”.30 Porém, não se apresenta justificativa alguma para essa posição, 
a qual é prontam ente resguardada com ressalvas a respeito da impossibilidade de 
verificação desse “núcleo” e a dificuldade envolvida em sua identificação. M esmo 
assim, diante dessas circunstâncias, pode-se afirmar que “é altamente especula­
tiva qualquer tentativa de explicar as condições históricas tanto da ascensão de 
Saul ao poder quanto de seu reino” , o que não impede os autores de continuar 
especulando.31 Aliás, isso também não os impede de elaborar uma narrativa sobre 
Saul que corresponde em vários aspectos aos relatos do texto bíblico. Nunca fica 
claro por que essa abordagem é utilizada na análise de ISam uel e não pode ser 
empregada em Gênesis-Josué.
Quando chegamos à narrativa de Davi, essa dependência do relato de Gênesis- 
-Reis é ainda mais perceptível. M uito embora considerem que aqui a maioria das 
tradições são lendas folclóricas de círculos judaicos pró-davídicos, M iller e Hayes 
pressupõem que “em última instância muitas dessas tradições, se não a maioria, 
se baseiam em pessoas e acontecimentos históricos reais”.32 M ais uma vez não 
fica claro por que essas “lendas folclóricas” podem revelar conteúdo histórico e, 
inclusive, por que elas dão origem a um enredo de Miller/Hayes notavelmente seme­
lhante ao enredo bíblico, ao mesmo tempo que as “lendas folclóricas” anteriores 
não são capazes de fazer o mesmo. Como M iller e Hayes, ignorando claramente 
qualquer problema perceptível de credibilidade, bem como a inexistência de dados 
específicos extrabíblicos de verificação,33 conseguem compor sua história da época
30Ibidem, p. 129.
31Observe-se a análise minuciosa em ibidem, p. 132-48.
32Ibidem, p. 159.
33Observe-se a descrição da natureza do material davídico em ibidem, p. 152-6, e também os 
comentários que fazem sobre documentos extrabíblicos e informações arqueológicas em ibidem, 
p. 159-60.
40 H IS T Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
de Davi baseados em grande parte no relato bíblico de 1 e 2Samuel, enquanto 
desconsideram tal abordagem de Gênesis a Josué devido tanto a problemas de 
credibilidade observados quanto à inexistência de dados específicos extrabíblicos 
de verificação desses textos? É contraditório agir assim; e é natural, portanto, que 
historiadores mais recentes tenham ressaltado a questão, exigindo saber por 
que as narrativas de Davi devem ser tratadas de forma diferente das que falam 
sobre Abraão. Responder que, no caso de Davi, um historiador tem a “pressuposi­
ção” de que as tradições se baseiam em pessoas e acontecimentos históricos reais 
não é suficiente — a menos que se queira ser acusado de arbitrariedade e de uso 
de um método inconsistente.
Enfim, o que descobrimos é que Miller e Hayes, ao elaborarem sua história 
de Israel, usam os textos bíblicos de várias maneiras e mais do que alguns histo­
riadores recentes. Entre Miller e Hayes, de um lado, e W hitelam, de outro, não há 
um grande abismo no que se refere a pressuposições e método de controle. Tudo 
o que W hitelam faz é instigar Miller e Hayes a serem mais coerentes, indo até 
o fim com suas pressuposições e métodos de controle. Se Miller e Hayes alegam 
que, no caso de Gênesis-Juízes, a literatura bíblica é de tal natureza que impede 
totalmente, ou quase completamente, o historiador de se basear nela para escrever 
história, eles não podem alegar que a situação é diferente no caso de Samuel ou 
mesmo de Reis. Além disso, quando se trata de Salomão, M iller e Hayes afirmam 
que “a apresentação de Salomão em Gênesis-2Reis se caracteriza totalmente pelo 
exagero editorial. Um historiador cauteloso talvez se inclinaria a ignorar comple­
tamente essa apresentação, caso houvesse disponíveis outras fontes de informação 
mais convincentes”.34 O historiador cauteloso ressurgiu. Quando confrontado com 
a literatura de Gênesis-Josué, desistiu de dar continuidade devido à cautela, mas, no 
caso da narrativa de Salomão, em Reis, lançou todo o cuidado fora. Então, apresen­
tou um relato da história de Salomão utilizando em grande parte a narrativa bíblica. 
Nós (e W hitelam) temos o direito de indagar por quê. O fato de que a Bíblia é a 
única fonte de informação que temos é base suficiente para usá-la? Se a resposta 
é afirmativa no caso de Salomão, por que também não o é no caso de Abraão? De 
modo inverso, se não podemos dizer nada sobre Abraão, será que devemos dizer 
algo sobre Salomão? W hitelam pensa que não; aliás, é bem curta a distância entre a 
ideia de Miller e Hayes de que “um historiador cauteloso talvez tenda a ignorar...” 
o texto sagrado e a sugestão de que o historiador responsável deve ignorar o texto 
bíblico, porque apresenta um passado imaginário em vez de real.35
34Ibidem , p. 193.
35Essa é a conclusão de W hitelam em Invention, cap. 4.
A H IS T Ó R IA BÍBLICA MORREU? 41
UMA BREVE HISTÓRIA DA HISTORIOGRAFIA
Portanto, é natural que o pensamento de Miller/Hayes e de Soggin resulte na con­
cepção de W hitelam. Entretanto, a enfermidade que precedeu a “m orte” da história 
bíblica não foi contraída na década de 80 do século passado. E possível ver sintomas 
da doença em obras de históriade Israel ainda mais antigas, remontando à origem 
da disciplina moderna de História no período pós-iluminista. Se apenas agora o 
paciente entrou numa fase crítica de enfermidade, a leitura de sua ficha médica 
indica que faz muito tempo que os problemas começaram. Como seria preciso 
escrever um livro inteiro para descrever essas obras exaustivamente e também todas 
as maneiras que elas prenunciam nossos exemplos mais recentes, aqui nos satisfare­
mos com uma discussão daquela que pode ser considerada a tendência principal e 
subjacente que deu origem à crise atual. Estamos nos referindo à suspeita generali­
zada em relação à tradição e que tem sido um aspecto proeminente do pensamento 
pós-iluminista em geral. Essa suspeita, em graus variados, tem caracterizado a his­
tória da história de Israel ao longo desse período.
O contexto imediato que deve ser brevemente traçado aqui36 é a mudança geral 
ocorrida na Idade Moderna, em que o método fundamental do experimento humano 
deixou de ser a filosofia e passou a ser a ciência: a instituição de uma abordagem 
empírica e crítica de todo conhecimento (não apenas o conhecimento do mundo 
natural) sob a influência de pensadores como Bacon e Descartes, que tendia a evitar 
qualquer autoridade preestabelecida em sua busca da verdade e submetia toda a 
tradição ao critério da razão. Para a historiografia, as conseqüências da popularidade 
dessa abordagem foram profundas. Não que em épocas anteriores nunca tivessem 
sido feitas perguntas sobre a plausibilidade da tradição — se de fato era possível 
considerar que as tradições individuais ou partes de tradições retratavam a verdade 
histórica. Por exemplo, embora, especificamente em relação à história de Israel, a 
obra do antigo historiador judeu Josefo dependa bastante da tradição bíblica exis­
tente nas Escrituras Hebraicas, ele elucidou essas Escrituras em relação à ciência 
e à filosofia de sua época, harmonizando, quando necessário, e às vezes explicando 
de forma racional acontecimentos que lhe pareciam extraordinários. De um modo 
mais abrangente, certos aspectos da intelectualidade renascentista foram expressão 
de uma profunda consciência da diferença entre o passado e o presente — uma 
percepção de que o mundo descrito na tradição não era o mesmo mundo habitado 
pelos que a recebem — e tanto de uma postura crítica em relação aos dados literários
36Quanto a um excelente e completo relato da história da historiografia, veja Historiography: 
ancient, Medieval and modem, de E. Breisach (Chicago: University o f Chicago Press, 1983), no qual 
grande parte do resumo a seguir está fundamentado.
42 H IST Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
do passado quanto de um tratamento honesto das evidências arqueológicas como 
uma maneira de reconstruir o passado. No entanto, de modo geral, pode-se dizer 
que a tradição proporcionou a estrutura aceita para a análise do passado, mesmo 
quando elementos dela poderiam ser criticados ou considerados problemáticos. Essa 
situação prevaleceu durante todo o período seguinte até o final do século 18 — uma 
época em que, de certa forma, não era grande o número dos que consideravam a 
história uma fonte de verdade confiável. Ainda não havia surgido a ideia de que um 
“método científico” poderia descobrir essa verdade na história. A história era a nar­
rativa meramente contingente e particular — uma ideia que o próprio Aristóteles 
enunciou e que uma grande variedade de pensadores ao longo dos séculos 16 a 
18 também defendia. Por exemplo, os jesuítas que produziram a Ratio studiorum 
(1559) não atribuíram em seu currículo papel significativo algum para a história 
(em contraste com a lógica e a dialética, que eram consideradas meios de acesso à 
verdade). No século 17, o filósofo Descartes — que fundamentou seu pensamento 
em axiomas evidentes, obtendo o conhecimento confiável e a certeza por meio do 
raciocínio dedutivo e do método matemático — também não atribuiu grande valor 
à história, porque os historiadores empregavam a observação e a interpretação, em 
vez da lógica e da matemática. Escrevendo no século 18, Lessing (resumindo a 
crença geral da época) expressou a opinião de que “as verdades incidentais da his­
tória nunca podem se tornar a prova das verdades necessárias da razão”. Nessa era 
científica que surgia com rapidez, quando se reconhecia a importância de se escrever 
história, isso era geralmente valorizado como um tipo de arte com vínculos muito 
próximos à antiga retórica. O propósito da história era dar prazer ao leitor e, por 
meio de exemplos, ensinar princípios morais. As antigas palavras de Dionísio de 
Halicarnasso sintetizam a opinião comum naquela época sobre a história: “História 
é filosofia ensinada com exemplos”.
Somente no final do século 18 e ao longo do 19 encontramos uma mudança 
notória na maneira de conceber a história e a sua produção escrita, à medida que 
se sugeria a ideia de que, caso submetido ao tipo apropriado de análise científica 
indutiva, o próprio passado poderia revelar verdades sobre a existência humana. 
São muitos e complexos os fatores envolvidos nessa mudança geral de perspec­
tiva. De um lado, para muitas pessoas a tradição em geral, inclusive a tradição 
originada da Bíblia, havia sofrido um processo progressivo de enfraquecimento. 
Desde a Renascença, a tradição vinha sendo desacreditada pela obra de críticos 
textuais humanistas, cujo trabalho tinha grande potencial para destruir a crença 
na autoridade de um documento que havia sido oficialmente aceito por séculos; 
pelas explorações geográficas, que subverteram perspectivas assumidas por muito 
tempo sobre a natureza do mundo; por perspectivas filosóficas, que eram novas ou 
se constituíam em novas versões de ideias antigas pré-cristãs com que os estudiosos
A H IS T Ó R IA BÍBLICA M ORREU? 43
haviam se familiarizado durante o reavivamento renascentista dos estudos clássicos; 
e pelo ataque da Reforma à autoridade da igreja e à fé medieval. Por outro lado, 
a abordagem científica da realidade já estava começando a desfrutar de prestígio 
como forma de chegar á verdade indisputável e atemporal e de entender a existência 
humana. Restava apenas ser amplamente adotada a sugestão de que a abordagem 
científica da realidade histórica tornaria ainda mais clara a existência humana — 
uma ideia presente já em pensadores anteriores como Maquiavel.
O catalisador dessa mudança de perspectiva geral foi, sem dúvida, a atividade 
intelectual que precedeu e envolveu a Revolução Francesa, representada pelo pensa­
mento de muitos filósofos franceses do Iluminismo que sustentavam que a história 
revelava a transformação de uma humanidade racional em potencial em uma huma­
nidade racional real — uma narrativa de progresso inevitável. A tradição não deveria 
mais dirigir as ações do presente nem determinar as esperanças do futuro, em especial 
porque ela era vista como algo cuja origem estava nas etapas mais antigas da histó­
ria humana, caracterizadas como períodos de insensatez e superstição. A percepção 
era que a própria religião institucional personificava tal superstição. Em vez disso, 
expectativas quanto ao futuro deveriam governar tanto a vida no presente quanto a 
avaliação do passado. Deus havia criado o universo, colocando em movimento um sis­
tema ordenado de causas e efeitos, e a partir daí o universo prosseguiu sozinho (tanto 
no domínio das atividades humanas como no domínio da natureza) em uma regulari­
dade newtoniana. O aumento da racionalidade, cuja ocorrência era inevitável ao longo 
do tempo, haveria de conduzir, no tempo devido, ao aumento da felicidade, à medida 
que cada um fosse levado a viver de conformidade com princípios conservados na 
natureza. Desse modo, a ciência newtoniana forneceu o modelo para o entendimento 
não apenas da existência humana presente e futura, mas também da passada.
A perspectiva específica proposta por esses filósofos franceses iluministas não 
recebeu de modo algum aceitação geral das pessoas que,em outros lugares, refletiam 
sobre a natureza da história. Por exemplo, a historiografia alemã do final do século 
18 e início do 19 reagiu a essa cosmovisão francesa e se mostrou bem menos incli­
nada a ver o passado como simples relações de causa-efeito imaginadas pela física 
newtoniana. Os alemães estavam mais propensos a crer que era preciso considerar 
a própria razão em seu contexto humano completo; que a Natureza não abran­
ge tudo; e que a religião não era apenas um instrumento conveniente para uma 
humanidade ainda não racional, mas um elemento básico da vida humana. Essa 
perspectiva preferia ver a história não como a narrativa da racionalidade crescente 
ao longo do tempo em direção a uma perfeição cada vez maior, mas sim como uma 
série de descontinuidades. O objetivo do historiador era chegar a uma compreensão 
intuitiva das forças complexas e entrelaçadas, inacessíveis às simples explicações. 
“Historicismo” é frequentemente a expressão usada para se referir a esse método
44 H IS TÓ R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
da historiografia alemã. No entanto, apesar de essa reação alemã ser, em muitos 
aspectos, oposta ao desdobramento do pensamento francês, ela estava estruturada 
em uma resposta de natureza científica, ilustrando a maneira pela qual o modelo 
científico passou a dominar a discussão — pelo menos na Europa continental. Uma 
das principais críticas alemãs aos filósofos franceses é que eles especulavam sobre o 
passado sem a devida consulta às fontes. Nesse aspecto os alemães queriam que seu 
trabalho historiográfico estivesse fundamentado em “fatos”, baseando-se em uma 
tradição antiga e erudita que herdou elementos: da historiografia humanista italiana 
(em sua atitude crítica em relação a textos e tradições não documentados); do traba­
lho sobre a história legal francesa, que destacava a importância de fontes primárias; 
e do antiquarianismo (com seu interesse, por exemplo, em indícios materiais do 
passado). O estudo árduo das fontes (mediante o uso do método empírico científico 
adequado) revelaria, nas famosas palavras de Leopold von Ranke, wie es eigentlich 
gewesen — “como as coisas realmente foram”. Durante a maior parte do século 19, 
o próprio Ranke esteve à frente de um enorme empreendimento acadêmico a fim 
de buscar os fatos e apresentá-los de forma objetiva e científica, supostamente livre de 
preconceitos e pressuposições. Aliás, concebia-se a tarefa do historiador exatamente 
como a do cientista natural, pelo menos à medida que era vista como o trabalho 
de permitir que os fatos (considerados simplesmente como algo “lá fora”) falassem 
por si e, numa etapa posterior, deixar que as pessoas os avaliassem. Agora, ao menos 
em primeiro lugar, a historiografia deveria ser compreendida, sem dúvida, como 
um empreendimento de interesse meramente teórico em reconstruir o passado sem 
qualquer preocupação prática em relação aos propósitos para os quais tal recons­
trução poderia ser usada (seja para a instrução moral, seja para a devoção religiosa, 
seja para o entretenimento, seja para divulgação de ideias). No final da década de 
1880, essa “história como ciência” já havia substituído a filosofia como a disciplina 
a que muitas pessoas cultas na Europa e em outras partes do Ocidente recorriam 
como explicação para desvendar os mistérios da vida humana. O distanciamento 
dos limites estabelecidos pela tradição rumo a uma liberdade ilimitada de expli­
cações oferecidas conforme o modelo das ciências naturais havia se tornado ainda 
mais decisivo. O valor e a autoridade de todos os modelos historiográficos mais 
antigos e de todas as histórias baseadas neles haviam sido, na prática, seriamente 
questionados. Pelo fato de as obras de história escritas antes do século 19 não terem 
sido produzidas com o uso dos devidos métodos científicos, agora tudo tinha de 
ser refeito da maneira correta por pessoas que empregavam os métodos adequados.
O próprio Ranke quase chegou a um positivismo científico plenamente desen­
volvido no sentido mais restrito do termo, pois não acreditava que, após descobrir os 
fatos por meio de pesquisa crítica, deveria haver um trabalho indutivo que levasse a 
conceitos mais gerais e,por conseguinte, mais abstratos — ou seja, a “leis científicas”.
A H IS T Ó R IA BÍBLICA MORREU? 45
Ranke era um cristão e um idealista, crendo que um plano e uma vontade divinas 
estavam por trás de todos os fenômenos do passado e que as ideias que moldam os 
fenômenos e acontecimentos não eram apenas a solução para entender o passado, 
mas também proporcionavam uma estrutura moral absoluta e um padrão para ava­
liar o passado. Assim, diferentemente de Augusto Comte (o proponente original do 
positivismo como sistema filosófico), não acreditava que a ciência fornece o único 
conhecimento válido que podemos ter, substituindo a teologia e a metafísica — ou 
seja, que somente os fatos positivos e os fenômenos observáveis são considerados 
conhecimento. Entretanto, o método rankeano de abordagem científica do passado, 
ao qual podemos corretamente nos referir como uma espécie de “quase positivis­
mo” (à medida que esse método defende a determinação ou verificação de “fatos” 
positivos mediante investigação empírica e a elaboração de um quadro objetivo e 
científico de “como as coisas foram”),37 logo deu lugar a uma versão mais absoluta 
de positivismo em uma era em que inúmeras pessoas tinham deixado de partilhar 
da fé cristã de Ranke havia muito tempo e também passaram a duvidar de seu 
idealismo. Depois de empregar tão bem a ciência para ridicularizar o passado apre­
sentado acriticamente, a historiografia de tradição alemã do século 19 descobriu 
finalmente que essa ciência era uma espada de dois gumes afiada e perigosa; ela 
poderia ser usada também de forma decisiva para lidar com a estrutura filosófica 
idealista do século 19, a qual foi amplamente aceita e dominou boa parte da histo­
riografia daquele século. Podia-se encarar o próprio idealismo como uma visão ou 
um preconceito tradicional — uma daquelas explicações filosóficas que tratam da 
ordem do mundo que não pode ser demonstrada indutivamente e que, portanto, 
deve ser rejeitada como componente da historiografia pelo indivíduo verdadeira­
mente científico. Ao final do século 19, exatamente essa sugestão havia sido feita 
e aceita, quando muitos historiadores começaram a adotar uma posição plenamente 
positivista sobre o passado — da mesma forma que estudiosos de outras áreas, que 
observaram o imenso prestígio desfrutado pelas ciências e se sentiram compelidos 
a alcançar o mesmo sucesso transferindo suas concepções e métodos da investiga­
ção da natureza para a investigação dos fenômenos humanos. Assim, o positivismo
37Em tempos recentes, na discussão sobre a natureza da ciência, o próprio termo “positivismo” 
passou a ser usado de maneira um tanto imprecisa, referindo-se apenas à m oderna abordagem científica 
crítica/empírica da realidade em geral, quer se façam, quer não, declarações abrangentes sobre a natureza 
do conhecimento válido. Assim, em “History and the Hebrew Bible” (in: L. L. Grabbe, org., Can a 
“History o f Israel’’ be written? JSO TS 2 4 5 /E S H M l [Sheffield: Sheffield Academic, 1997], p. 37-64) 
H . M . Barstad sugere que, no contexto da discussão sobre história, uma definição útil de positivismo 
seria “a crença na história científica” (p. 51, nota 35) — uma sugestão com que concordamos por 
ressaltar a verdade de que toda história, plenamente positivista ou não, que declara ser científica tem, 
inevitavelmente, elementos positivistas.
46 H IS T Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
estritam ente definido pressupõe não apenas que todo conhecim ento deve se 
basear em fenômenos diretamente observáveis (i.e., não está simplesmente dedicado 
ao empirismo e ã verificação no sentido rankeano), mas também que todos os 
esforços científicos devem ter o objetivo de descobrir leis gerais que governam os 
fenômenos. Observar, buscar fenômenos regulares,tirar conclusões gerais sobre os 
resultados da pesquisa e formular leis devem ser as tarefas de todas as disciplinas 
científicas, e só essa abordagem positivista pode produzir conhecimento suficiente­
mente seguro que sirva de guia para reformular a vida humana. Para essa concepção 
só as experiências sensoriais têm valor, de modo que toda a estrutura da filosofia 
idealista desaba (porque no modelo positivista é impossível “conhecer” deuses, ideias 
e coisas do tipo); a estrutura da historiografia idealista, com sua ênfase na pessoa e na 
nação em particular, cada uma no respectivo contexto idiossincrático, também cai 
por terra. De modo diferente, a historiografia positivista é firmemente determinista, 
concentrando-se em fenômenos ou forças gerais (e, por conseqüência, previsíveis) 
presentes na história em vez de naquilo que é único e idiossincrático.
Com esse tipo de historiografia, a falta de interesse pela tradição na busca 
do passado se torna plena. Na melhor das hipóteses, a tradição passa a ser apenas 
uma mina da qual se podem extrair “fatos” determinados pelo método empírico. 
A tarefa do historiador, portanto, é estabelecer a verdadeira relação científica entre 
os “fatos” (em oposição à interpretação tradicional deles) e, em seguida, prosseguir 
em direção a conclusões e leis gerais que surgem dos fatos (e.g., a abordagem de 
Hipólito Taine, que acreditava que por meio desse processo era possível explicar 
o passado em sua totalidade). No início do século 20, não estava ainda clara 
para alguns intelectuais a ideia de que não era mais tarefa do historiador relatar 
esses “fatos” ou tirar conclusões gerais sobre eles. Ao contrário, Emile Durkheim 
defendeu que os historiadores deviam apenas descobrir, depurar e apresentar os 
“fatos” ao sociólogo, para que este tirasse conclusões gerais. Em um processo como 
esse, dever-se-ia dar prioridade à análise das causas em vez da descrição e da 
narração, ao geral em vez do particular e individual, e ao presente diretamente 
observável em vez do passado inobservável.
Seguindo ou não a exata formulação de Durkheim , a historiografia no 
modelo positivista deixa de ser um relato do passado em que pessoas e grupos 
desempenham papéis centrais e fundamentais para se tornar uma narrativa sobre 
as forças impessoais que moldam tanto o passado quanto o presente. A história 
positivista antiga de H . Ruckle prenunciou muitas obras posteriores elaboradas 
com a mesma inclinação, destacando de modo mais geral condições climáticas, 
alimento, solo e natureza — em vez àe pessoas — como o que dá forma à civiliza­
ção, e argumentou que os historiadores, caso não queiram ser ignorados, devem 
abandonar a historiografia da descrição e das lições morais em favor de uma
A H IS T Ó R IA BÍBLICA MORREU? 47
historiografia conforme o padrão das ciências naturais auspiciosas. Em geral, 
o século 20 de fato presenciou uma crescente preferência pelas interpretações 
sociais e econômicas da história com ênfase em forças coletivas, aspectos quan- 
tificáveis e desenvolvimentos repetíveis, a interpretações de natureza política 
e orientada pelos acontecimentos, que ressaltam as dimensões particulares e 
humanas (em especial as que tratam de pessoas específicas) da história. Talvez 
o mais influente entre os proponentes mais recentes dessas interpretações seja 
o grupo francês Annales, com seu interesse na “história total” e sua ênfase nas 
estruturas maiores que fornecem o contexto em que os eventos específicos ocor­
rem e em que os seres humanos pensam e agem. De acordo com essa perspectiva, 
as forças geográficas e demográficas relativamente estáveis da história são o ele­
mento mais im portante para se entender o passado. Depois delas, pela ordem de 
importância, vêm os desdobramentos econômicos e sociais que envolvem as mas­
sas, a cultura das pessoas comuns e, por fim, os fenômenos políticos. N a prática, 
se não também na intenção, a tendência dessa abordagem tem sido negligenciar 
a importância do indivíduo e também dim inuir radicalmente a im portância do 
aspecto político no passado.
Pode se ver a história da historiografia desde o Iluminismo, ao menos o que 
expusemos até agora (e temos mais a dizer no capítulo 2), como o relato de uma 
disciplina que procura progressivamente desvencilhar-se da dependência da tra­
dição, pois, como resultado do êxito visto nas ciências naturais, ela é obrigada a 
justificar sua existência como disciplina acadêmica propriamente dita tornando-se 
mais “científica” (quer se entenda “ciência” no sentido empírico-rankeano, quer no 
empírico-positivista). A nova abordagem empírica e crítica do conhecimento em 
geral foi sendo, em sua totalidade, colocada mais e mais a serviço do conhecimento 
histórico em particular. Certamente, ao final do século 19, o objetivo dos historia­
dores em geral passou a ser reconstruir a história passada “tal como de fato ocorreu”, 
em contraste com as afirmações tradicionais sobre o que havia acontecido. Já não se 
pressupunha que história e tradição estivessem intimamente relacionadas. Em vez 
disso, passou-se a pressupor que a história estava por trás da tradição e era mais ou 
menos distorcida por ela. A ideia, então, não era ouvir a tradição e ser guiado por ela 
no que dizia sobre o passado, mas, se possível, ver através da tradição a história que 
poderia existir por trás dela (ou, inclusive, deixar de existir). Agora recaía sobre a 
tradição o ônus de comprovar sua veracidade, em vez de recair sobre o historiador o 
ônus de falsificá-la. A “ciência” da historiografia havia nascido. Sua natureza é bem 
exemplificada na seguinte citação de J. Huizinga:
A história adequada para nossa cultura só pode ser a história científica. Na cultura ociden­
tal moderna, a forma de conhecimento de ocorrências neste mundo é crítico-científica.
48 H IS T Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
Não podemos abrir mão de exigir o que é indiscutível cientificamente sem causar danos
à consciência de nossa cultura.38
A HISTÓRIA DA HISTÓRIA DE ISRAEL
O desenvolvimento da disciplina da história de Israel no século 19 continuou nos 
séculos 20 e 21, sempre de acordo com a matriz que acabamos de descrever. Portanto, 
não é de surpreender que, já no século 19, em busca da “certeza científica”, algumas 
pessoas estivessem dispostas a, de uma maneira muito semelhante à de Whitelam, 
defender que, para que a história de Israel se tornasse assunto de pesquisa acadêmica, 
as tradições encontradas no AT não deveriam ser utilizadas na descoberta de coisa 
alguma sobre essa história. W. M . L. de W ette afirmou que o AT, por ser produzido 
por autores que tinham a intenção de criar mitos em vez de recontar história, era 
totalmente inadequado como fonte histórica. Os que se dedicavam às ciências his­
tóricas deviam aceitar que a natureza da tradição impedia totalmente a reconstrução 
da história israelita com base nela. Outros estudiosos estavam, em geral, relutantes 
em adotar essa postura radical, e mesmo o próprio de W ette não foi consistente em 
mantê-la. Entretanto, o aspecto significativo é que agora havia começado uma busca 
sincera pelo “firme fundamento” no qual teria início a elaboração de uma história 
moderna de Israel. Nesse ambiente, qualquer uso das tradições bíblicas tinha de ser 
justificado na perspectiva do modelo científico adotado. A tradição em si não poderia 
servir de ponto de partida necessário. Portanto, em meados do século 19, outro fa­
moso estudioso alemão, H. G. A. Ewald, escreveu de uma forma rankeana típica que 
seu objetivo como historiador de Israel era “o conhecimento do que de fato ocorreu — 
não o que era apenas relatado e transmitido pela tradição, mas o que era fato real”.39 Se 
havia em geral uma concordância de que as tradições bíblicas em sua forma presente 
originam-se em uma era bem posterior à maioria dos acontecimentos que elas alegam 
descrever, então era responsabilidade das pessoas que aceitavam o novo mode­
lo, com sua ênfase em fontes primárias —e em especial em relatos de testemunhas 
oculares, “fatos objetivos” e comprovações externas — , demonstrar como essas tradi­
ções podiam servir, pelo menos em parte, como fontes confiáveis para o historiador. 
A natureza dos argumentos, que no final das contas não são nada convincentes, a 
favor desse uso parcial de tradições bíblicas levou a historiografia de Israel diretamente
n Geschichte und Kultur (Stuttgart: Rrõner, 1954), p. 13. Citado e traduzido em R. Smend, 
“Tradition and history: a complex relation”, in: D. A. Knight, org., Tradition and theology in the Old 
Testament (Philadelphia: Fortress, 1977), p. 49-68; citação na p. 66.
39B e history o f Israel, tradução para o inglês da 2. ed. (London: Longmans, Green and Co.,
1869), obra em 6 vols. Citação no vol. 1, p. 13. Os volumes em alemão foram publicados pela primeira 
vez em 1843-1855.
A H IS T Ó R IA BÍBLICA M ORREU? 49
de De W ette a Whitelam. Como Whitelam observou corretamente, a busca por um 
firme fundamento fracassou. Na verdade, a história da história de Israel desde o 
século 19 até o presente é, de fato, em grande parte — e não apenas no caso de Soggin 
e Miller/Hayes — uma história de pontos de partida indefensáveis e de raciocínio 
pouco coerente. Julgando-a com base nos critérios que motivaram o empreendimento 
ou que pelo menos o influenciaram bastante, essa história está perdida.
As tradições patriarcais
Como se deve defender, por exemplo, o uso das tradições patriarcais diante de tais 
critérios? Mesmo quando se atribuíram às formas literárias dessas tradições datas tão 
recuadas quanto os séculos 10 e 11 a.C., muitos estudiosos — especialmente du­
rante a era de estudos bíblicos em que a “hipótese documentária” de Graf-Wellhausen 
sobre a composição do Pentateuco teve ampla aceitação e foi reconhecida como ver­
dade evidente — tinham a impressão de que as tradições estavam demasiadamente 
distantes de qualquer era patriarcal para nos dar muitas informações de valor. O pró­
prio Ewald, cuja história de Israel em vários volumes precedeu a influente obra de 
Wellhausen e que, em geral, demonstrou grande respeito pela relação entre a tradição 
do Pentateuco e os fatos históricos, achava que as tradições patriarcais eram de con­
fiabilidade questionável. Ele sustentava que a tradição em geral, embora se originasse 
de fatos, preservava apenas uma imagem do que aconteceu. O fato está misturado com 
a imaginação e é distorcido pela memória. A tradição é uma entidade flexível que, à 
medida que o tempo passa, pode ser modelada por interesses religiosos e etiológicos e 
por perspectivas mitológicas. Ela tem grande força inerente, de forma que até mesmo 
a substituição da memória pela escrita somente ajuda a controlar o processo em vez de 
interrompê-lo. Na fase oral da transmissão, isto é, antes que surja uma tradição histo- 
riográfica, não existem controles eficazes, de modo que nem mesmo um esforço sério 
por aqueles que transmitem os relatos passando-os adiante sem distorção é capaz de 
impedir a reformulação deles. Assim, as tradições patriarcais em particular, agora con­
tidas no que Ewald chamou de “Grande livro das Origens” (Gênesis-Josué) — ao qual 
atribuiu a data do período da Monarquia Antiga — , devem ficar sob suspeita, pois 
surgiram antes do início da historiografia em Israel (na era mosaica e pouco depois). 
Ewald considerou (mas rejeitou) a ideia de que não podemos conhecer nada acerca da 
existência e do estabelecimento histórico dos patriarcas em Canaã. Preferiu, porém, 
em vez disso, extrair tal história da tradição conforme achava possível.40
40Veja Ewald, History, vol. 1, passim, mas em especial p. 13-45 (sobre a tradição); p. 45-62 (sobre 
a escrita e a composição histórica); e p. 288-362 (sobre os patriarcas), observando-se a reflexão sobre o 
agnosticismo na p. 305.
50 H IS T Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
A solução de W. F. A lbright para o problema que essa forma de entender a 
tradição representa para o historiador foi recorrer aos dados arqueológicos a fim 
de analisá-la. Para Albright, os indícios arqueológicos, tanto literários quanto de 
artefatos, forneciam material externo à Bíblia que podia ser utilizado para o con­
trole científico da tradição, visto que a arqueologia oferece fatos concretos, em vez 
de interpretação ou teoria.41 Entretanto, esse tipo de argumentação se revelou par­
ticularmente sujeito a críticas. Se formos de fato recorrer à arqueologia como meio 
de verificar as tradições patriarcais, então, conforme demonstrado por Thompson 
e outros, a arqueologia não proporciona quase apoio algum. Como Thompson 
declara: “A arqueologia não apenas não comprovou a historicidade de nem sequer 
um só acontecimento das tradições patriarcais, como também não demonstrou 
que quaisquer tradições sejam prováveis”.42 Se nos dados arqueológicos se busca 
uma prova ou até mesmo um aumento de probabilidade, então a conclusão de 
Thompson é de fato válida. Ficamos assim com tradições relativamente tardias 
que não são passíveis de comprovação; algumas pessoas chegam a concluir que 
não se podem defender as datas que estudiosos como Wellhausen atribuíram 
ao material existente no Pentateuco conhecido como JE. Quanto mais tardia 
a datação da tradição como um todo e quanto mais se debate a possibilidade 
de encontrar material mais antigo por trás dessa tradição — e tal alegação fre­
quentemente é questionada no ambiente atual, em que é intenso o interesse pela 
expressão artística das narrativas hebraicas como composições integrais — , menor 
a possibilidade de alguém levar a tradição a sério aceitando que ela represente a 
realidade histórica.43
Para defender essa posição, seria preciso analisar criticamente toda a aborda­
gem “científica” da historiografia. Seria necessário indagar se a atitude geral para 
com a tradição é bem fundamentada — por exemplo, se é mesmo necessário crer 
que preocupações religiosas ou interesses etiológicos resultam em uma distorção 
inevitável do passado ou que “perspectivas mitológicas” são incompatíveis com a
41E.g., “Dados arqueológicos e de inscrições demonstraram a historicidade [nosso grifo] de inúmeras 
passagens e declarações do A T ” (“Archaeology confronts biblical criticism", American Scholar 7 [1938], 
p. 176-88, citação na p. 181).
42 He historicity o f the patriarchal narratives, BZA W 133 (Berlin: De Gruyter, 1974), p. 328.
43E .g.,J. Van Seters, que concorda com a tese de W ellhausen de que os relatos sobre os patriarcas 
não oferecem conhecimento histórico sobre eles, mas apenas dados acerca do período em que esses 
relatos surgiram, acha que esse período é o exílico e não o final do pré-exílico (Abraham in history and 
tradition [New Haven: Yale University Press, 1975]). Por outro lado, Garbini afirma que as narrativas 
patriarcais são ficções que nos informam sobre a ideologia nacional pós-exílica de Israel (History and 
ideology, p. 81).
A H IS T Ó R IA BÍBLICA MORREU? 51
historiografia.44 Seria preciso, então, investigar o seguinte: se devemos esperar que 
a arqueologia “prove” que os acontecimentos das tradições patriarcais são históri­
cos; o que exatamente significa o uso de tal linguagem; e quando tal “prova” não 
se concretiza, o que isso significa.43 Por causa do amplo consentimento entre os 
estudiosos do AT sobre como a disciplina deve prosseguir metodologicamente, 
desde o século 19 não tem havido muitas críticas ao fundamento da história da 
história de Israel.46 Diante dessa concordância, certamente era inevitável que a era 
patriarcal não servisse de ponto de partida para a maioria dos livros de história de 
Israel que desejassem ser reconhecidos como “críticos”.47
44Tais perguntas foram feitas já no século 19 por estudiosos como R. Kittel (A history o f the Hebrews 
[London: W illiams and Norgate, 1895], 2 vols.), que acreditava que historiadores como Wellhausen 
eram negativos demais em sua avaliação das tradições patriarcais e defendia que a saga e a tradição oral 
poderiam representaros acontecimentos do passado com precisão.
45Como G. E. W right relembra, não é clara a maneira que se espera que funcione o processo de 
“comprovação”: “O cético sempre está em vantagem porque a arqueologia só se manifesta para respon­
der às nossas perguntas e pode-se dizer que não é possível provar tradição alguma” (“W h at archaeology 
can and cannot do”, BA 34 [1971], p. 70-6, citação na p. 75). Ele prossegue sugerindo o seguinte em 
relação aos debates sobre se a arqueologia “provou” a veracidade das coisas: “Com respeito a qualquer 
história cultural, política e socioeconômica passada, os dois lados da controvérsia empregam de manei­
ras inadmissíveis, e até mesmo absurdas, o termo prova’” (p. 75).
46Devemos ressaltar que pelo menos a questão do que a arqueologia pode ou não verificar já havia 
sido levantada, por exemplo, por M . N oth (e.g., History o f Israel, tradução para o inglês da 2. ed. alemã 
[London/N ew York: Black/Harper and Row, 1960], p. 45-6). Entretanto, visto que, a respeito da tra­
dição, N oth não partilhava da ideia geral que estamos esboçando aqui, suas dúvidas sobre esse assunto 
específico não fizeram com que ele fosse uma exceção em iniciar um a história de Israel pelos patriarcas 
(veja mais adiante).
47A principal exceção é J. Bright, que, em A history o f Israel (2. ed., Philadelphia: W estminster, 
1972), apresentou um a análise sobre tradição e história em relação aos patriarcas com m uito 
mais variantes do que é comum ocorrer (p. 68-85). Nesse ponto, quanto à historicidade, o livro 
não faz nenhum a suposição contra a tradição e, em bora a arqueologia possa fornecer um pano de 
fundo para a leitura da tradição, devido à natureza do caso, ela é tida como incapaz de provar que 
os relatos dos patriarcas aconteceram tal como a Bíblia conta. B right, porém , relem bra que, por 
outro lado, a arqueologia tam bém não contradisse qualquer coisa da tradição. T al defesa da trad i­
ção vai contra a tendência da historiografia bíblica recente e alguns estudiosos sem pre estiveram 
propensos a suspeitar de um “fundam entalism o” secreto presente em alguém que d iz que “repudiar 
as tradições ou escolher delas apenas o que atrai por parecer razoável não é um procedim ento 
academ icam ente defensável” (p. 74). E n tre tan to , quanto ao “fundam entalism o”, à “ingenuidade” 
e à “erudição crítica”, veja mais adiante. E evidente que a posição de B righ t certam ente não está 
suscetível aos ataques do m étodo positivista, que se baseiam na inexistência de “prova” arqueológica que 
favoreça as afirmações da tradição. Veja ainda sua obra Early Israel in recent history ■writing: a study 
in method (SB T 19, London: SC M , 1956).
52 H IST Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
As tradições relativas a Moisés/Josué
Se abandonarmos a era patriarcal como ponto de partida, qual seria a outra opção 
que deveríamos tentar utilizar como base? No que diz respeito à verificação externa, 
as narrativas que tratam das eras de Moisés e Josué são tão problemáticas quanto as 
que abordam a era patriarcal;48 e, de qualquer forma, a não ser que se esteja preparado 
para debater com Ewald e argumentar que a tradição bíblica se origina de fontes 
escritas que remontam à era mosaica, é improvável (com base nas pressuposições 
em geral partilhadas pela erudição aqui analisada) que a tradição tenha muito a nos 
dizer sobre esses períodos.
Wellhausen é bem inconsistente nesse exato ponto, o que é intrigante quando 
se considera o quanto sua influência é percebida na história da história de Israel 
do último século e mais recente.49 Wellhausen vai muito além de Ewald em suas 
ideias sobre os patriarcas, sustentando que não se pode usar deforma alguma as 
narrativas de Gênesis com objetivo historiográfico. Ele afirma que não chegamos 
a conhecimento histórico algum sobre os patriarcas com essas narrativas, mas 
conhecemos apenas o período em que surgiram as narrativas sobre os patriarcas — 
o período da monarquia anterior à conquista do Reino do Norte (Israel) pela Assíria 
no oitavo século a.C. (no caso da fonte J) e, certamente, mais tarde, o período do 
Exílio (no caso da fonte P).so Pode-se pensar que o corolário desse argumento 
deveria ser o de que também não chegamos a nenhum conhecimento histórico das 
eras de Moisés e Josué, mas só da época em que surgiram os relatos sobre eles, pois 
lemos sobre essas eras nas mesmas fontes do Hexateuco. Além do mais, a ideia 
geral de Wellhausen sobre a literatura hebraica é que o período antes do final do 
nono século a.C. pode ser, em grande parte, descrito como uma era não literária, 
ainda que alguma literatura (inclusive história em prosa) tivesse existido antes 
dessa época.51 Como, então, ele não defende o agnosticismo em relação à era
4SNão existe, por exemplo, nenhum a confirmação independente do Exodo e, para alguns estu­
diosos, a própria natureza da narrativa que o descreve parece, em princípio, apresentar problemas de 
verificação (e.g., G . W . Ahlstròm: “Visto que o texto bíblico se interessa basicamente por ações divinas,
as quais não são verificáveis, é impossível utilizar a narrativa do Êxodo como fonte para reconstrução
da história dos períodos do Bronze Recente e do início do Ferro I ” \ Who were the israelites? W inona 
Lake: Eisenbrauns, 1986, p. 46]). D o mesmo modo, a questão de a arqueologia “provar” ou não que uma 
conquista de Canaã tenha ocorrido é assunto de extensos debates ao longo de muitas décadas.
49 Prolegomena to the history o f Israel (Atlanta: Scholars Press, 1994) — uma reimpressão da edição 
de 1885 que incluiu como apêndice o verbete “Israel”, escrito por W ellhausen para a Encydopaedia 
Britannica (9. ed., 1881, vol. 13, p. 396-431).
5<1Prolegomena, p. 318-27, 342, 464-5. Com toda probabilidade, Abraão é exemplo de “uma livre 
criação de arte inconsciente” (p. 320), e a tradição patriarcal é “lenda” (p. 335).
51Ibidem , p. 464-5.
A H IS T Ó R IA BÍBLICA MORREU? 53
pós-patriarcal, como o faz insistentemente com a era patriarcaR Procura-se em 
vão um argumento convincente.
É evidente que o próprio Wellhausen temia a acusação de inconsistência, pois 
buscou se prevenir declarando que, ao contrário da “lenda” dos patriarcas, a tradição 
“épica” de Moisés e Josué contém elementos que não podem ser explicados a menos 
que haja fatos históricos subjacentes. A fonte dessa tradição deve estar no período 
narrado por ela, ao passo que a lenda patriarcal não tem relação alguma com a 
época dos patriarcas.S2 Mas afirmação não é argumento, e rotular tradições com 
conceitos de gêneros diferentes não as torna diferentes. Na verdade, é difícil evitar a 
impressão de que a distinção tratada aqui tem muito mais a ver com a necessidade 
de Wellhausen de ter uma fonte J histórica com que possa contrastar com uma 
fonte P menos histórica ou fictícia (o ponto central das páginas anteriores de sua 
obra) do que com qualquer outro motivo. O próprio Wellhausen oferece, assim, um 
bom e antigo exemplo do modo pelo qual, sem argumentos convincentes e funda­
mentados, escolhas arbitrárias de pontos de partida da tradição têm caracterizado a 
história da história de Israel.S3 Se há a exigência de que alguém justifique o fato de 
encontrar, em narrativas patriarcais incluídas em uma fonte monárquica, algo que 
não se relacione ao tempo da própria fonte monárquica, então a mesma justificativa 
deve ser exigida no caso de narrativas pós-patriarcais encontradas na mesma fonte. 
Nesse aspecto, parece que W hitelam é de novo o mais consistente alter ego de um 
estudioso mais antigo, pois ele leva à conclusão lógica a questão da primazia do 
período em que os relatos surgiram (mesmo que para nossa perspectiva isso seja, em 
última análise, um tiro pela culatra).
As tradições de Juizes
Outro ponto de partida arbitrário para os livros de história de Israel que bus­
cam um “firme fundamento” na tradição é o livro de Juizes. M artin Noth, embora 
(ao contrário de Wellhausen) não negasse a existência dospatriarcas como per­
sonagens históricos, acreditava que a natureza da tradição bíblica nos impede de
52Ibidem, p. 360.
53Também podemos acrescentar que, no que diz respeito à atividade literária, o ponto de partida 
adotado por W ellhausen não está bem fundamentado em argumentos. Se a afirmação de W ellhausen é 
que “diante da pergunta sobre o motivo de Elias e Eliseu não deixarem nada escrito ao passo que, cem 
anos depois deles, Amós aparece como escritor, é difícil que haja outra resposta exceto a que diz que, 
no intervalo entre eles, um período não literário se transformou em literário” (p. 465), então a resposta 
óbvia é que na verdade não sabemos se Elias e Eliseu não deixaram nada escrito, nem se Amós foi um 
autor. Sabemos apenas que não temos um “livro de Elias” nem um “livro de Eliseu”, mas temos um livro 
de Amós. Com base nesses fatos não podemos deduzir nada sobre a história cultural de Israel.
54 H IST Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
escrever alguma história propriamente dita sobre eles.54 O mesmo se pode dizer das 
tradições a respeito de tudo o mais que aconteceu antes da aparição de Israel como 
confederação tribal na Palestina. Para o historiador, o problema é que, embora possa 
não haver dúvida de que o Pentateuco se propõe a relatar fatos que ocorreram — 
e inclui um volume considerável de material relacionado a tradições históricas — 
com certeza ele não surgiu (na perspectiva de Noth) como obra histórica nem foi 
planejado desde o princípio com esse propósito. O Pentateuco não foi planejado 
nem redigido como uma narrativa histórica coerente. Antes, ele é produto de com­
binações sucessivas das tradições orais sagradas. As várias tradições tribais contidas 
no Pentateuco ganharam sua forma definitiva unificada pela primeira vez em um 
Israel que já estava unificado na Palestina. Essa liga de doze tribos israelitas intro­
duziu pela primeira vez o conceito de “todo o Israel” no que originalmente eram 
tradições tribais independentes. Agora todo o povo de Israel lia textos sobre vários 
passados independentes como se fosse seu passado unificado. Assim, na forma pre­
sente, as tradições mais antigas personificam, por exemplo, em Jacó/Israel e em seus 
doze filhos, a situação histórica existente depois da ocupação da terra. Baseiam-se 
em pressuposições que não existiram até que as tribos tivessem se estabelecido. Noth 
alegava que uma leitura cuidadosa do livro de Josué revela que antes da época da liga 
israelita não havia um Israel unificado. N a verdade, as várias tribos de Israel não se 
estabeleceram na terra ao mesmo tempo. Uma vez que a combinação das tradições 
independentes mais antigas é apenas um fenômeno secundário, então — refletindo 
a perspectiva de uma época posterior — deve-se considerar o plano histórico que o 
material apresenta como não confiável. Somente com a ocupação da Palestina é que 
temos um “Israel” de fato plenamente unificado e, portanto, só a partir desse ponto 
é que a verdadeira história de Israel começa.
Entretanto, as seguintes perguntas devem ser feitas: Como N oth sabe que a 
perspectiva de “todo Israel” do livro de Juizes não é anacrônica como a perspectiva 
de “todo Israel” de Gênesis ou Exodo? Como ele pode justificar um ponto de par­
tida na tradição de Juizes, se não está disposto a adotar uma tradição anterior como 
esse ponto inicial? Ele está consciente desse problema.ss Reconhece a impossibili­
dade de imaginar qualquer período em que a situação real de Israel correspondesse 
exatamente ao sistema de doze tribos descrito na tradição, e ele concorda que o 
próprio número doze é “suspeito” e “aparentemente artificial”.56 Por essa razão, Noth 
considera a possibilidade de que, quanto ao Antigo Israel, haja na noção de uma
34Quanto a essa questão e à descrição das ideias de N oth apresentadas a seguir, veja esp. Noth, 
History, p. 1-7,42-84,121-7 .
s5Ibidem , p. 85-97.
“ Ibidem, p. 86-7.
A H IS T Ó R IA BÍBLICA MORREU? 55
entidade de doze tribos um quadro elaborado arbitrariamente que data de um pe­
ríodo posterior. Contudo, N oth é rápido em rejeitar tal possibilidade. Encontramos 
no AT, na Grécia e na Itália outras entidades de doze tribos, o que significa que o 
sistema tribal israelita não é um fenômeno único do mundo antigo. Portanto, esse 
não pode ser um aspecto do quadro de Israel elaborado de modo secundário, em 
que um quadro mais abrangente é esquematicamente dividido. O paralelo grego 
em particular demonstra para Noth que, no Israel veterotestamentário de doze tri­
bos, encontramos uma associação histórica de tribos israelitas em vez de uma ficção. 
O que indica que a natureza dessa associação é a de uma antiga “anfictionia” israelita 
(uma sociedade sagrada que tem um santuário específico como centro): “O número 
doze fazia parte da instituição e tinha de ser mantido mesmo quando ocorriam mu­
danças no sistema: ele prova que não foi mero resultado da ramificação natural de 
um grupo humano nem a invenção de um período posterior, mas sim, um elemento 
essencial na organização histórica dessa confederação tribalV 7 E assim que Noth vê 
na tradição um fundamento firme sobre o qual pode construir seu edifício histórico.
A posição de Noth é hoje suficientemente conhecida de modo que talvez esse 
resumo não cause muita surpresa; no entanto, talvez seja surpreendente o fato de ele 
haver adotado essa posição, quando, em geral, não adotou uma atitude positivista na 
questão da relação entre dados externos e tradição literária (inclusive bíblica). Noth 
insistiu que, na composição da historiografia, a arqueologia deve, em princípio, se 
submeter à literatura, visto que ele era um tanto cético acerca do que a arqueolo­
gia era capaz de alcançar sozinha e estava convencido da necessidade de priorizar 
o estudo da tradição na investigação de qualquer acontecimento.58 Essas opiniões 
são uma crítica àqueles que seguiram Albright na tentativa de usar a arqueologia 
para comprovar a historicidade do período patriarcal. Por isso é irônico que, no diz
37Ibidem , p. 88.
3sE.g., “A história só pode ser descrita com base em tradições literárias que registram aconteci­
mentos e descrevem pessoas e lugares. Até mesmo descobertas arqueológicas só podem ser entendidas e 
analisadas no contexto de informação fornecida por fontes literárias” (ibidem, p. 42); “No que diz respeito 
ao antigo Oriente, que conhecimento realmente exato e qual conteúdo histórico teríamos, caso possuís­
semos todos os indícios materiais, mas não as relíquias literárias no sentido mais amplo da palavra?” 
(p. 46-7); “Em gerai não se deve esperar que ela [a arqueologia da Palestina] produza dados positivos 
sobre acontecimentos e processos históricos específicos, exceto quando conduz à feliz descoberta de do­
cumentos escritos [...]. Por causa da natureza da arqueologia, só raramente surgem dados arqueológicos 
que provem a veracidade de um acontecimento específico, bem como ele ocorreu conforme narrado nos 
registros escritos [...]. O esclarecimento arqueológico da situação geral de qualquer período específico 
não nos permite de modo algum abrir mão do estudo da natureza das tradições preservadas nos registros 
que têm sido transmitidos” (p. 48). Para ideias semelhantes, veja ainda R. de Vaux, “O n right and wrong 
uses o f archaeology”, in: J. A. Sanders, org., Near Eastern archaeology in the twentieth century (Garden 
City: Doubleday, 1970), p. 64-80; e W right, “Archaeology”.
56 H IS TÓ R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
respeito à anfictionia grega, sua argumentação siga o padrão positivista. Teria sido 
melhor se Noth tivesse considerado e aplicado o próprio comentário sobre a arqueo­
logia e o que ela demonstra: “O fato de ser demonstrável que um acontecimento foi 
possível não é absolutamente prova de que de fato ocorreu”.S9 Mesmo que o paralelo 
da anfictionia fosse mais convincente do que de fato é, não seria suficiente para o 
propósito com o qual N oth o utiliza. Com certeza o fato de que uma confederaçãogrega existiu não demonstra que a associação tribal específica descrita em Juizes foi 
uma realidade histórica e não somente literária, nem que sua natureza foi a de uma 
anfictionia. A alegação simplesmente não tem lógica alguma, nem teria sentido 
mesmo que se provasse que o paralelo é semítico e não indo-europeu e que o período 
em consideração foi mais próximo do livro de Juizes.60 Se há a exigência de se 
investigar a tradição, então paralelos sociológicos são tão inadequados para a tarefa 
quanto a arqueologia.61 Por si mesmos, os paralelos não provam que a literatura
59History, p. 48. Comp. a ideia semelhante de Wellhausen: “O que deve ter acontecido é de menos 
importância do que o que de fato aconteceu” (Prolegomena, p. 46).
60Alguns estudiosos têm, aliás, chamado a atenção para possíveis paralelos do antigo O riente Pró­
ximo (em vez de paralelos gregos) com o tipo de organização tribal que pode estar implícita no livro de 
Juizes. Observe-se, e.g., W. W . Hallo, “Biblical history in its Near Eastern setting: the contextual approach”, 
in: V. P. Long, org., Israels past in present research: essays on ancient Israelite historiography, SBTS 7 
(W inona Lake: Eisenbrauns, 1999), p. 77-97 (o texto de Hallo foi publicado originalmente em 1980).
“ Contudo, em defesa de N oth talvez se deva dizer que ele ao menos tentou analisar um a tradição 
(por mais mal orientada que essa tentativa possa ter sido) pela qual tinha grande respeito. C om relação 
ao período pré-monárquico, em alguns usos posteriores de “paralelos” sociológicos praticamente não 
se percebe nenhum ponto de contato com a tradição e, com a inexistência de tais pontos de contato, 
esses paralelos são passíveis de questionamento quanto a terem também alguma ligação com a reali­
dade histórica (em contraste com uma ligação apenas com a imaginação fértil erudita). Por exemplo, a 
reconstrução de G. M endenhall “do que de fato aconteceu” na criação de Israel (“The H ebrew conquest 
o f Palestine” [BA 25, 1962], p. 66-87), com seu foco em uma revolta israelita contra a cultura urbana 
cananeia dominante, não passa de uma projeção no passado de modernos princípios socioeconômicos e 
ético-religiosos que não têm praticamente nenhuma relação séria com a tradição bíblica (veja a crítica 
feita por A. J. Hauser em JS O T 7 [1978], p. 35-6). Em The tribes o f Yahweh: a sociology o f the reli- 
gion o f liberated Israel, 1250-1000 B. C.E (Maryknoll: Orbis, 1979) [edição em português: As tribos de 
lahweh, tradução Anacleto Alvarez (São Paulo: Paulus, 1986)], N. K. Gottwald apresenta uma teoria 
semelhante, desconsiderando, sem motivo algum, noções não sociológicas como a de “povo escolhido” 
junto com as tradições que empregam essa linguagem. Ele se mantém impassível diante do fato de 
que no texto bíblico não há sequer a menor indicação da ocorrência de um a revolução. E irônico que 
mais tarde M endenhall tenha atacado Gottwald por este projetar na história bíblica o plano de uma 
ideologia do século 19. Pode-se ver o mesmo abandono da comprovação pela fantasia em escritos ainda 
mais recentes que partilham de um ponto de vista semelhante. Nesse aspecto, embora com frequência 
M. Weber, o autor de AncientJudaism (New York: The Free, 1952), seja citado próximo do início da lista de 
estudiosos que aplicaram ideias sociológicas à história de Israel (visto que há consenso de que é o pai 
do estudo sociológico moderno sobre a religião), é injusto associá-lo com seus supostos sucessores, pois
A H IS T Ó R IA BÍBLICA MORREU? 57
afirma o que de fato aconteceu na realidade histórica — neste caso, não provam 
que, diferente da expressão “todo Israel” do Pentateuco ou de Josué, a expressão 
“todo Israel” do livro de Juizes não é criação de editores hipotéticos, combinando 
de forma derivada as tradições tribais originalmente independentes. N a verdade, de 
uma forma ou de outra o paralelo é imperfeito. As fontes extrabíblicas mencionadas 
por N oth pertenceram ao mundo indo-europeu e não ao semítico (o que ele próprio 
reconheceu como um ponto fraco de seu argumento).62 Além do mais, a data dessas 
confederações é muito posterior à de seu paralelo hipotético israelita — um fato 
devastador para a alegação de Noth de que o sistema tribal israelita, por não ser 
um fenômeno único no mundo antigo, não pode ser um aspecto de um quadro 
de Israel elaborado de modo secundário; ademais, essas confederações em grande 
parte pertencem a uma cultura urbana em vez de rural.63 Na verdade, ao contrá­
rio do que N oth afirmou, o número doze não era uma característica primária da 
anfictionia extrabíblica. O número de seus membros podia variar. Por outro lado, 
ele estava certo em identificar um santuário central como “o aspecto essencial das 
instituições dessas associações tribais”;64 infelizmente, porém, o santuário central é 
um aspecto que N oth tem grande dificuldade de encontrar no livro de Juizes.65 Por 
isso, mesmo estudiosos que pensam que a comprovação deve ser feita por meio de 
paralelos sociológicos consideram, geralmente, essa tentativa de comprovação de 
Noth um fracasso.
A posição irônica de Noth, que é positivista em relação à sociologia, ao mesmo 
tempo que se recusa a tomar a mesma atitude para com a arqueologia, é certamente 
inevitável. Levando-se em conta sua atitude em geral com relação à tradição, a qual 
ele partilha com a maioria dos autores que têm escrito sobre a história de Israel nos 
últimos 150 anos, de alguma forma ele precisa demonstrar fora da tradição que há 
fundamento para se adotar um ponto de partida dentro da tradição. Sem o paralelo 
da anfictionia ele não conseguiria demonstrar que seu argumento acerca de Gênesis- 
-Josué não se aplica também a Juizes — o fato, porém, é que Juizes apresenta, para
W eber também levou a tradição bíblica a sério. Ele se voltou para a tradição quando procurou socieda­
des que, à semelhança da sociedade protestante europeia, tinham base ético-religiosa para seu sistema 
econômico. Descobriu tal base na teologia da aliança que permeava tanto a organização da sociedade 
tribal israelita quanto sua religião profética.
62“Ê preciso ter cuidado com a maneira que se usa esse material, visto que procede de uma região 
relativamente remota, de um contexto histórico comparável, mas diferente” (History, p. 90-1).
“ Veja, e.g., nas p. 299-308 de “The period of the Judges and the rise o f the monarchy”, a excelente 
análise de A. D. H . Mayes (in: J. H . Hayes, J. M . Miller, orgs., Israelite andJudaean history (London: 
SCM , 1977), p. 285-331.
64History, p. 91.
65Ibidem, p. 91-7.
58 H ISTÓ R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
o historiador, todos os problemas que são encontrados no Hexateuco, e o ponto de 
partida de Noth em Juizes é, na verdade, indefensável. Se ele está certo no que diz 
sobre a tradição bíblica mais antiga em geral, então não pode, de repente, passar a 
confiar na tradição quando chega ao livro de Juizes. Se, por outro lado, movido pelo 
desejo de manter sua posição sobre Juizes, começasse a questionar sua ideia sobre 
a tradição em geral, também cairia por terra seu argumento a favor de iniciar sua 
elaboração histórica em Juizes, em vez de em algum ponto anterior. A argumentação 
confusa encontrada na obra de Noth já deixou claro que não existe praticamente 
nenhum fundamento para uma distinção generalizada entre Gênesis-Josué e Juizes.
Se, por exemplo, como N oth afirma, as tradições do Pentateuco se baseiam 
em acontecimentos históricos e se, de fato, o Pentateuco procura relatar aconteci­
mentos reais, por que o Pentateuco não é uma obra histórica enquanto a História 
Deuteronomista o é?66 A resposta não pode estar na intenção de falar sobre o 
passado, pois ambas as obras a demonstram. A resposta deve estar no fato de 
que a História Deuteronomista foi supostamente planejada e redigida como uma 
narrativa histórica coerente, ao passo que isso não ocorreu com o Pentateuco. 
Contudo, não fica claro como esse plano e essa redação deixariamimplícito que 
a História Deuteronomista é de fato uma fonte histórica mais confiável do que o 
Pentateuco, em especial quando se considera que, na forma existente, a H istória 
Deuteronomista (à semelhança do Pentateuco) pertence a uma data bem posterior 
ao período que descreve. Não está claro como sabemos que o Pentateuco não foi 
planejado nem redigido como uma narrativa histórica coerente. Tampouco está 
claro como temos conhecimento (caso isso tenha ocorrido com o Pentateuco) de que 
o processo de combinação das tradições durante a transmissão oral necessariamente 
as distorceu. Aqui muito se depende da tese de N oth de que a própria tradição 
bíblica revela em várias afirmações que as tribos de Israel não se estabeleceram na 
terra ao mesmo tempo e que, como conseqüência, “todo Israel” é um a elaboração 
enganosa que uma geração posterior introduziu em tradições mais antigas. Essas 
revelações são, acima de tudo, como ele “sabe” que a estrutura histórica apresen­
tada pelo material mais antigo não é confiável. Noth, porém, “sabe” isso porque já 
“sabe” que, à semelhança do material mais antigo, o mais recente deve ser inter­
pretado na perspectiva da diversidade original e de uma camada editorial que, nas 
palavras dele, tem “uma visão demasiadamente simplista dos eventos” relativos 
ao estabelecimento em Canaã.67 Podemos indagar como se obtém esse conheci­
mento e que sentido faz afirmar que a tradição adota uma ideia simples demais 
dos acontecimentos, quando a própria tradição oferece indícios de uma suposta
“ Ibidem, p. 42-3.
67Ibidem, p. 72.
A H IS T Ó R IA BÍBLICA MORREU? 59
complexidade subjacente. Será que os autores bíblicos apresentam uma leitura 
excessivamente simplista da ocupação da terra por Israel ou, ao contrário, será 
que o próprio N oth oferece uma leitura simplista demais da tradição bíblica? Se 
ele está fazendo uma leitura equivocada do Pentateuco, então os argumentos que 
surgem em decorrência dela — argumentos contra o uso da tradição na produção 
de uma história de Israel — não têm base alguma. Por exemplo, o simples fato 
(se isso pudesse ser demonstrado de alguma forma) de que o propósito original 
de uma tradição antiga era explicar a origem das coisas — isto é, que o propósito 
original era uma etiologia, uma das explicações preferidas nos textos de N oth — 
não leva à conclusão lógica de que a explicação oferecida sobre a origem não seja 
confiável. E, por si mesma, a combinação derivada de tradições (se foi isso o que 
os autores do Hexateuco realizaram) também não implica que o processo dessa 
combinação tenha distorcido a realidade histórica.68 Em resumo, pode-se ver por 
que historiadores que partilham da suspeita generalizada de N oth acerca da tra­
dição não se dispuseram a se unir a ele e a adotar o “fundamento firme” em que 
ele busca elaborar sua história de Israel. Também fica claro por que abandonaram 
progressivamente esse fundamento à procura de algo melhor.
Conclusão
Podemos, então, prosseguir em nossa descrição das mudanças de perspectiva no 
meio acadêmico. Já vimos outro conjunto de fundamentos nos textos sobre Davi 
e Salomão se desintegrar com a crítica feita anteriormente por nós a Soggin e a 
Miller/Hayes. A medida que, nos estudos acadêmicos recentes, as supostas datas das 
tradições bíblicas foram sendo empurradas para a era pós-exílica e sua característica 
de narrativa artística foi sendo ressaltada (diminuindo a possibilidade de se fazerem 
escavações na tradição e, desse modo, recuperarem-se pedaços da história), também 
passou a ser amplamente questionada a possibilidade de quaisquer tradições falarem 
sobre o passado. Assim, agora até mesmo a posição distintamente radical (para a 
época) adotada por A. Kuenen em 186969 — de que, ao escrever uma história de
6sEm sua resenha do livro de T. L. Thompson The origin tradition o f ancient Israel (JSO TS 55, 
Sheffield: JSOT, 1987, vol. 1: The literary formation o f Genesis and Exodus 1—23), B. O. Long faz 
a seguinte observação convincente sobre esse tipo de pressuposição: “Análises literárias [...] são 
explicações teóricas para descontinuidades que observamos em nossa leitura do texto canônico. Não 
estou certo de que contribuam muito — se é que chegam a fazê-lo — para decidir o que [...] pode 
ser diretamente histórico. Essa decisão tem de estar fundamentada em outras bases” (JBL 108 [1989], 
p. 327-30; citação na p. 330).
69De godsdienst van Israel tot den ondergang van den joodschen staat (Haarlem: Kruseman, 1869-
1870), vol. 1, p. 32 -5 ,2 vols.
60 H IST Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
Israel, é impossível retroceder além do oitavo século a.C. porque só a partir desse 
período é que passamos a ter dados externos escritos que nos permitem avaliar a tra­
dição bíblica — ficou ultrapassada. Como P. R. Davies alega, o simples fato de que 
nos livros de Reis encontramos uma narrativa em que alguns pequenos detalhes se 
relacionam com textos extrabíblicos não significa que a narrativa específica de Reis 
seja necessariamente verdadeira — a ideia de que aqui se pode confiar na tradição, 
enquanto não se pode fazer o mesmo em relação à tradição do período anterior™ 
O próprio Davies defende uma abordagem totalmente não bíblica da história de 
Israel, mais à maneira de De W ette do que de Kuenen.
Contudo, vemos que até mesmo Davies sente uma nostalgia contínua da 
tradição, uma vez que, surpreendentemente, dá aos livros de Esdras e Neemias 
o lugar central em sua reconstrução histórica do período pós-exílico.71 Sua jus­
tificativa é que, primeiro, ao contrário do Israel da Idade do Ferro, no caso de 
Esdras-Neemias, os dados não bíblicos oferecem “em certa medida” confirmação 
de “alguns” processos básicos descritos nesse ponto da narrativa bíblica; e que, 
segundo, desdobramentos subsequentes no surgimento da sociedade judaica e 
de sua religião “demandam” processos como o descrito em Esdras-Neemias.72 
A linguagem é um pouco imprecisa, mas parece que aqui (e só aqui) Davies tenta 
defender que, uma vez que levamos a tradição bíblica a sério como literatura, 
também podemos aceitá-la, com os dados não bíblicos, como um material que 
retrata a história. Entretanto, é exatamente esse argumento que alguns estudiosos 
elaboram em favor de outros textos bíblicos — os mesmos estudiosos que, quando 
procedem dessa maneira, Davies acusa de criarem uma versão palatável do relato 
bíblico em vez de escreverem “história de verdade”.
Portanto, se Davies cai por sua própria espada e se seu “fundamento firme” na 
tradição se revela instável, então o caminho está livre para W hitelam . Se Davies 
reluta em ir até o fim e chegar à conclusão lógica da atitude positivista para 
com a tradição — pois, como ocorre no caso da história de um período anterior, 
sem os textos bíblicos talvez não sejamos mais capazes de escrever um relato 
significativo sobre Israel nos períodos persa e helenístico — W hitelam , por sua 
vez, não reluta. Davies, em vez de nada dizer, está muito disposto a se envolver 
na arbitrariedade que, como vimos, é endêmica na história da história de Israel. 
Ele começa a utilizar a tradição no período que lhe convém. W hitelam , porém, 
está disposto a não dizer nada, pelo menos nada que tenha algo a ver com o Israel 
da tradição bíblica.
70Search, p. 32-3.
71Ibidem , p. 84-7.
72Ibidem , p. 86.
A H IS T Ó R IA BÍBLICA MORREU? 61
É POSSÍVEL SALVAR O PACIENTE?
Com uma compreensão melhor do contexto em que se anunciou a morte da 
história bíblica, talvez possamos ver com mais facilidade como esse anúncio 
ocorreu. Encontramos claros sintomas de uma doença na “História de Israel” que 
já vem se manifestando há algum tempo e que tem profundas causas intelectuais. 
Inconsistências e pontos de partida arbitrários caracterizam essa disciplina. Em 
determinado momento, o testemunho bíblico do passado de Israel é aceito sem 
reservas, sendo considerado uma representação real daquele passado. No instante 
seguinte, esse testemunho é rejeitado pelosmotivos mais duvidosos, os quais em 
alguns casos se resumem praticamente a mero preconceito. Em um momento, parece 
que se deve considerar que os dados extrabíblicos proporcionam um “conhecimento” 
sobre o passado antigo que é firme como a rocha e diante do qual as afirmações 
bíblicas naufragam. No instante seguinte, tais dados são menosprezados e relativi- 
zados, e se mantém a versão bíblica dos acontecimentos, não importando o que as 
outras fontes de dados têm a nos dizer. Entre a erudição crítica há a concordância 
geral de que a suspeita da tradição deve ser o ponto de partida; de que, no que diz 
respeito à história, a tradição não pode receber o benefício da dúvida. Porém, depois 
de adotar essa postura baseada no princípio de suspeita da tradição, ninguém con­
segue concordar sobre o ponto em que se deve afastar a suspeita e substituí-la pela 
confiança na tradição. No primeiro caso, a postura é adotada em nome da investi­
gação crítica: a busca dos “fatos”. A própria investigação crítica, contudo, levanta 
perguntas quanto à existência de alguma base racionalmente defensável para afastar 
a suspeita que tem caracteristicamente acompanhado a investigação crítica.
Sem dúvida, tudo isso gerou um desconforto tão profundo que levou um número 
enorme de escritores que assumem uma posição crítica específica sobre a história 
de Israel a adotar não uma postura defensiva, mas agressiva, cujo objetivo parece ser 
evitar questões sobre as credenciais críticas do escritor, sugerindo que na verdade os 
outros é que não estão sendo críticos. Por exemplo, ao criticar Ewald, J. H . Hayes 
(que aceita que “as Escrituras hebraicas foram e continuam sendo fontes primárias 
úteis para reconstruir a história de Israel e Judá”)73 descreve a obra do estudioso do 
século 19 mais como um comentário histórico sobre os livros históricos do que uma 
história de Israel, pois Ewald “aderiu substancialmente à perspectiva teológica do 
texto bíblico ao mesmo tempo que modificou o elemento milagroso”.74 Nunca fica 
claro o que exatamente está errado com a abordagem de Ewald. Ao que parece, ele
73“The history o f the study o f Israelite and Judean history”, in: Hayes e Miller, orgs., hraelite and 
Judean history. p. 1-69; citação na p. 3.
74Ibidem, p. 61.
62 H ISTÓ R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
é apenas mais dependente da tradição bíblica do que Hayes gostaria que ele fosse. 
Soggin oferece um exemplo ainda mais notável da mesma abordagem. Ao fazer 
objeção à concepção de W. W. Hallo de que a história de Israel começa na época 
do Êxodo, ele afirma que a posição de Hallo “pode ser entendida no contexto de 
uma concepção ingênua da história de Israel, típica de escola dominical, adotada 
por um escritor que não é um acadêmico da área bíblica”.75 Soggin afirma que, se 
observarmos a proposta de Hallo, sua ingenuidade é visível à luz do que ele (Soggin) 
disse anteriormente. Nas páginas precedentes, procura-se em vão algum argumento 
que realmente demonstre que a posição adotada por Hallo deve ser considerada 
ingênua. Hallo meramente escolhe na tradição um ponto de partida diferente do 
ponto de Soggin e, em vez de se dar ao trabalho de debater com Hallo sobre isso, 
Soggin adota o caminho mais fácil, o de insultá-lo.
Exemplos desse tipo de discurso são abundantes em obras de história de Israel 
que almejam receber o título de “críticas”. N a verdade, pode-se caracterizar toda a his­
tória moderna da história de Israel como uma disciplina em que, na busca por serem 
reconhecidos como críticos, os estudiosos — como membros do que foi chamado de 
“clube pós-iluminista de erudição histórica”76 — têm aplicado parcialmente uma 
metodologia “científica” ao assunto que é objeto de estudo, esperando demonstrar que, 
ao rejeitar este ou aquele aspecto da tradição, merecem ser reconhecidos como erudi­
tos. Acusar outros estudiosos de determinado grupo de não serem verdadeiramente 
fiéis sempre foi uma maneira eficaz de sugerir comprometimento pessoal com a causa. 
Como ocorre nas mudanças decisivas por trás da própria historiografia moderna, é 
possível traçar a história dessa tática ao menos até a Revolução Francesa. No entanto, 
assim como os que vivem denunciando também tendem a morrer como denunciados, 
da mesma forma os estudiosos que se distinguiram como críticos — isto é, fazendo 
acusações — foram no devido momento acusados por outros de não serem suficien­
temente críticos, sendo denominados ingênuos (ou, pior ainda, devotos) no que diz 
respeito a alguns aspectos da tradição. Nesse contexto, quando cada um escreve sua 
história, sempre é possível dizer que os argumentos contra o material tradicional que 
ele escolheu não usar se aplicam de igual modo ao material que de fato utilizou e, 
assim, sempre é possível afirmar que outros fatores, além da análise crítica, exerceram 
influência demasiada sobre o autor. Portanto, aos poucos, a tradição foi eliminada do 
círculo acadêmico, mais por meio da intimidação intelectual do que de argumentos. 
Estudiosos são acusados de ingênuos ou até mesmo de fundamentalistas, não porque 
dependem da tradição apesar de outros dados, mas simplesmente porque dependem
" / hstory, p. 387, nota 13.
76N. T. W right, em referência ao estudo histórico do N T (The N ew Testament and thepeople o f God 
[London: SPCK, 1992], p. 105).
A H IS T Ó R IA BÍBLICA MORREU? 63
de partes da tradição não apreciadas pelo denunciante.77 Argumentos coerentes desa­
parecem no processo; tudo o que resta é guerra ideológica.
Não é de surpreender que os que perceberam com precisão os aspectos da 
enfermidade que aflige há tanto tempo a disciplina da história bíblica — tendo por 
fim visto o doente em situação de perigo — tenham-na precipitadamente declarado 
morta. O espetáculo nada edificante de estudiosos brigando para se dar melhor que 
os demais enquanto buscam o santo graal da crítica — muito embora no final cada 
um assuma posições indefensáveis da perspectiva das regras aceitas do jogo crítico
— é algo de que muitas pessoas de bem talvez prefiram desviar o olhar, supondo que 
a morte virá em breve.
Portanto, é fácil ver como W hitelam chegou a seu atestado de óbito. É igual­
mente claro que qualquer mudança em direção a uma conclusão diferente não 
pode apenas envolver o debate travado com W hitelam no início deste capítulo. 
A declaração do próprio W hitelam sobre a morte da história bíblica ocorre no 
contexto de uma argumentação que parece ser tão problemática quanto a dos pre- 
decessores que acabamos de descrever; no entanto, mostrar que a história bíblica 
está viva e passa bem exige mais do que apenas comprovar esse fato. Antes, é 
necessário incluir uma análise de todas as questões fundamentais de epistemologia 
e de procedimento que apresentamos ao longo deste capítulo em relação ao que 
comumente é denominado “método crítico”. Quais conclusões podem realmente 
ser tiradas do fato de que nossas tradições bíblicas são entidades elaboradas artis­
ticamente e influenciadas ideologicamente, talvez muito posteriores ao passado 
que evidentemente buscam descrever? Qual é na realidade o papel que os dados 
extrabíblicos, inclusive dados arqueológicos, podem ou devem desempenhar na 
reconstrução da história de Israel? Como a relação entre o testemunho bíblico e o 
extrabíblico deve ser vista? Que papel a ideologia do historiador desempenha ou 
deve desempenhar nessa reconstrução e qual deve ser a relação entre a ideologia e 
os dados? A historiografia é uma ciência ou uma arte? É preciso tratar de questões 
como essas para chegar a alguma conclusão sobre se a história bíblica está viva ou 
morta. São perguntas básicas, relacionadas em grande parte à questão fundamental 
de como conhecemos os fatos do passado. Entretanto, se nossa análise até aqui 
mostrou algo, foi que qualquer tentativa de salvar o paciente com simples curativos,
7íE.g., Soggin, quando alega que “a disciplina crítica de escrever a história de Israel existe há mais 
de um século”, mencionandoKuenen e Stade como seus pontos de partida, e quando afirma que, antes 
dessa época, “a tendência era aceitar os textos de forma basicamente acrítica, parafraseando-os ou, na 
melhor das hipóteses, criticando-os apenas superficialmente” (History, p. 32), tudo o que ele realmente 
parece estar fazendo é usar o título “crítico” como meio de elogiar predecessores cujos pontos de partida 
na tradição pertencem à mesma época que ele adota (Stade) ou um pouco depois (Kuenen), maldizendo 
todos os demais.
64 H IS T Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
como aplicado às vezes no passado, não resolverá. Devemos nos dedicar a uma 
cirurgia profunda para chegar às causas do problema. Por isso, nos capítulos a 
seguir tentamos algo que frequentemente os “estudiosos críticos” — que em geral 
têm revelado bastante habilidade em criticar a tradição e uns aos outros — não 
estão demonstrando muita capacidade de criticar as próprias pressuposições con­
troladoras. Nesse processo refletiremos sobre o que o pensamento crítico de fato é 
e o que não é.
Nos capítulos 2 e 3 começaremos com uma nova reflexão sobre epistemologia 
focalizando a centralidade da confiança no testemunho de outros para se obter 
conhecimento. Nesse ponto, apresenta-se uma justificativa fundamental para o 
uso de textos bíblicos como fontes primárias para a história de Israel, no contexto 
da discussão sobre a natureza das fontes extrabíblicas de informação. O capítulo 
4 oferece uma exploração mais minuciosa da natureza dos textos bíblicos como 
narrativa (como arte, história e teologia) e as implicações disso para seu uso como 
fontes da história de Israel. A partir daí temos condições de oferecer, no capítulo 5, 
uma descrição mais precisa do tipo de história que, em contraste e em comparação 
com obras anteriores de história de Israel, estamos (e não estamos) buscando neste 
livro. Por fim, estaremos em condição de justificar uma nova tentativa de escrever 
uma “história bíblica de Israel” — um projeto que realizamos com a esperança 
não apenas de salvar o paciente, mas de restabelecê-lo a um estado de saúde mais 
vigoroso do que o que vinha experimentando há algum tempo.
Capítulo 2
Conhecer e crer: a fé no passado
Não existe mais um “Antigo Israel”. Não há mais lugar para ele na história. Temos 
certeza absoluta disso. E agora, uma das primeiras conclusões desse novo conheci­
mento é que o “Israel bíblico” foi originalmente um conceito judaico.1
A declaração incisiva e segura de T. L. Thompson sobre o conhecimento oferece um 
ponto de partida muito útil para nossa discussão das questões epistemológicas a ser 
tratadas neste capítulo e no seguinte. A alegação é que temos um “conhecimento” 
considerável de algo real chamado “história” e que esse conhecimento da história sig­
nifica que não podemos mais acreditar na existência do “Antigo Israel”. No registro 
histórico, não há “lacunas” em que podemos encaixar o Antigo Israel sobre o qual os 
estudiosos (com uma grande dependência do AT) escreveram até o momento. Essa 
afirmação é fundamental para alguns textos historiográficos recentes sobre Israel, e 
qualquer tentativa nova de escrever uma história bíblica dessa nação tem de recorrer 
diretamente a ela. Como, porém, Thompson chegou a esse grau de “conhecimento” de 
“história”, podendo fazer tão ousada declaração? Que tipo de “conhecimento” é esse? 
Como, enfim, conhecemos o que afirmamos conhecer acerca da realidade passada?
Como estudamos no capítulo 1, quando se responde a essa pergunta na época 
moderna, a tendência geral tem sido minimizar a im portância do testemunho
T . L. Thompson, “A neo-Albrightean schoolin history and Biblical scholarship?”,/BZ, 114 (1995), 
p. 683-98; citação na p. 697. O artigo é uma resposta a “Ideologies, literary and criticai: reflections on 
recent writing on the history of Israel”, JB L 114 (1995), p. 585-606, de I. W . Provan. Em “In the stable 
with the dwarves: testimony, interpretation, faith and the history o f Israel” (in: A. Lemaire; M . Ssbo, 
orgs., Congress -volume: Oslo 1998, papers o f the 16th Congress o f the International Organization of the 
Societies for O ld Testam ent Study [Leiden: Brill, 2000], p. 281-319), I. W. Provan apresenta uma res­
posta completa ao artigo de Thompson. Leitores com interesse especial nessa discussão devem ler esse 
artigo de Provan, no qual este capítulo e o seguinte se baseiam em parte.
66 H IS T Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
existente sobre o passado, o qual chegou até nós por meio de uma série de 
portadores hum anos da tradição, e então destacar a im portância da pesquisa 
empírica para se alcançar o conhecimento. Passamos dos “fatos” que podemos 
determ inar para uma hipótese mais ampla sobre o passado, que pode ser elabo­
rada com base nesse fundamento empírico. O próprio Thompson exemplifica 
tal abordagem da realidade histórica. M as agora é necessário propor um a visão 
alternativa para essa questão do “conhecimento” sobre o passado, dedicando o 
restante deste capítulo e todo o capítulo seguinte para analisá-la e defendê-la, 
especialmente no que diz respeito à história de Israel. Nossa visão pode ser 
explicada da m aneira a seguir.
Conhecemos o passado, ao menos na medida em que é possível conhecê- 
lo, principalmente por meio do testemunho de outras pessoas. O testemunho é 
essencial para o acesso ao passado. H á o testemunho dado por pessoas e povos 
antigos a respeito do próprio passado, transmitido de forma oral e escrita. H á 
também o testemunho de pessoas e povos antigos quanto ao passado de outros 
povos, também comunicado de forma oral e escrita. H á ainda pessoas do presente 
que testemunham do passado, seja o de seus povos, seja o de outros. Neste último 
grupo, encontram-se pessoas contemporâneas, como os arqueólogos, que fazem 
certas alegações sobre o que encontraram e o que isso significa para o que já 
foi descoberto anteriormente. O testemunho nos dá acesso ao passado da mesma 
forma que qualquer outra coisa o faz. Por isso, toda historiografia envolve o 
testemunho. M esmo que eu realize uma escavação arqueológica na Palestina e 
desenterre ali um objeto, ainda assim dependerei totalmente do testemunho de 
outros que viveram antes de mim para entender a importância e o significado 
desse achado — e, então, decidir como devo acrescentar meu testemunho ao deles.
0 testemunho — que podemos chamar também de “narração de histórias” — 
é central em nossa tentativa de entender o passado. Por isso, a interpretação é 
igualmente inevitável. Todo testemunho sobre o passado é também interpretação 
desse mesmo passado. Os testemunhos têm sua ideologia ou teologia; têm pres­
suposições e ponto de vista; têm estrutura narrativa; e (para que seja interessante 
lê-los ou ouvi-los) envolvem arte narrativa com traços de retórica. Não podemos 
evitar o testemunho e não podemos evitar a interpretação. Tampouco podemos 
evitar a fé. Começamos esta seção falando do “conhecimento”: como conhecemos 
o que alegamos saber sobre o passado? Na verdade, porém, essa pergunta implica 
uma concessão à visão do que os historiadores estão fazendo e da qual este capítulo 
quer se distanciar. O que é geralmente chamado de conhecimento do passado seria 
definido com mais exatidão comoyè' no testemunho, ou seja, nas interpretações que 
outras pessoas fizeram do passado. Analisamos os testemunhos coletados e dis­
poníveis; refletimos sobre as várias interpretações propostas; então, decidimos de
C O N H E C E R E CRER: A FÉ NO PASSADO 67
maneiras variadas e em diversos graus depositar fé nessas interpretações — deci­
dimos adotar esses testemunhos e interpretações porque os consideramos dignos 
de crédito. Se nossa confiança é muito grande ou se simplesmente não temos 
consciência do que estamos de fato fazendo, então tendemos a chamar nossa fé 
de “conhecimento”; mas é perigoso usar esse termo, pois, a verdade é que, com 
demasiada facilidade, ele nos leva a nos iludir ou a iludir os outros que nos ouvemou leem o que escrevemos. Essa ilusão parece estar no âmago do problema que 
se vê em boa parte dos textos modernos sobre a história de Israel. Em particular, 
é essa ilusão (entre outras coisas) que tem conduzido muitos historiadores de 
Israel, com vários colegas de outras especialidades da disciplina de História, a dar 
o passo errado fazendo diferenciação teórica nítida entre dependência da tradição 
e dependência de fatos “demonstrados cientificamente”.
Em resumo, questionamos a exatidão da descrição da realidade que os histo­
riadores modernos (inclusive historiadores de Israel) comumente propõem quando 
afirmam descrever como “conhecem” o que dizem saber sobre o passado. As im­
plicações do que alegamos ser a nossa descrição mais precisa da realidade a qual 
garante que obtenhamos “conhecimento” ao ouvir o testemunho e a interpretação, e 
ao escolher em quem acreditar, ficarão claras adiante.
UM REEXAME DA “HISTÓRIA CIENTÍFICA”
E apropriado no início de nossa análise da epistemologia (termo técnico que designa 
as bases do conhecimento) e da história refletir um pouco sobre a ciência em si, 
visto que o modelo científico tem exercido enorme influência no desenvolvimento 
da historiografia desde o Iluminismo. Essa reflexão conduzirá naturalmente a uma 
avaliação crítica da ideia de “história científica”.
A ciência e a filosofia da ciência
No capítulo 1, descrevemos a forma que a ciência newtoniana em desenvolvimento 
das eras iluminista e pós-iluminista estabeleceu o modelo comum para entender a 
existência humana não apenas no presente e no futuro, mas também no passado. 
Com base na analogia da relação das ciências naturais com o mundo natural, a 
historiografia passou a ser amplamente entendida como a tentativa de descobrir 
com o que a realidade histórica se parecia. Entretanto, a própria ciência continuou 
se desenvolvendo. Então, as gerações anteriores de pensadores que tinham a firme 
esperança de que a ciência logo revelaria “a verdadeira ordem das coisas” ficaram 
decepcionadas. O que ocorreu foi que, quanto mais os cientistas se aprofundaram 
na realidade, menos compreensível ela se tornou; e têm surgido dúvidas referentes a
68 H IS TÓ R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
nossa capacidade de um dia descobrir “com o que exatamente a realidade se parece”. 
Essas dúvidas surgem em parte devido ao envolvimento inevitável do observador do 
mundo natural com o próprio ato de observar.
Com mais clareza do que muitos dos nossos predecessores, compreendemos 
como o que é observado no mundo denominado “real” está inevitavelmente ligado 
ao conhecimento, a preconceitos e a ideologias do observador. Também sabemos 
de que maneira o mito do “observador neutro e impessoal” tem funcionado e 
continua sendo utilizado como instrumento ideológico a serviço de pessoas com 
interesses políticos e econômicos. O espectador “objetivo” da física newtoniana 
clássica tornou-se, assim, o espectador “impossível” da nova física e, como resul­
tado do trabalho de filósofos da ciência,2 os cientistas estão tendo muito mais 
consciência da maneira pela qual as teorias científicas gerais e abrangentes são 
afetadas pelos fatos. Também têm se tornado conscientes de como os próprios 
experimentos são, desde o momento de sua concepção, modelados pelas teorias 
adotadas por quem os conduz. Os filósofos e os sociólogos do conhecimento sus­
tentam que teorias científicas vêm e vão. Isso ocorre em parte devido ao êxito que 
elas têm de prever e controlar o meio, mas também aos interesses a que servem 
em uma cultura específica, seja teológica e metafísica, seja sociológica, seja apenas 
estética. Tal como acontece com qualquer ser humano, os cientistas não conse­
guem se libertar dessa questão de “interesses”. O esforço, acadêmico puramente 
objetivo, na verdade, não existe.
Mesmo no que diz respeito ao mundo natural e à investigação humana desse 
mundo, o modelo científico newtoniano é uma representação inadequada da 
realidade. Como a própria ciência do século 20 sugeriu, vivemos em um mundo 
muito menos rígido e bem mais complexo do que se suspeitava anteriormente; um 
mundo com muitas estruturas e misterioso, bem distante do simples materialismo. 
Para a ciência (como tal) é impossível afirmar quais são os “fatos” sobre este mundo 
visto em sua totalidade. Em um nível prático, a ciência pode dizer muito sobre 
como as coisas normalmente funcionam no mundo natural, à medida que é possível 
demonstrar que ele tem aspectos mecanicistas e previsíveis, possíveis de ser revelados 
por experimentos que conduzam a resultados reproduzíveis. Entretanto, mesmo que 
a ciência obtenha êxito em demonstrar isso, ela necessariamente deve operar dentro 
do contexto mais amplo do que se entende como conhecimento humano válido, 
embora seja impossível demonstrar “cientificamente” esse mesmo conhecimento. 
A própria crença fundamental da ciência moderna se enquadra nessa categoria;
2E.g., J. Habermas, Knowledge and human interests, tradução para o inglês J. J. Shapiro (London: 
Heinem ann, 1972); M . Hesse, Revolutions and reconstructions in the philosophy o f Science (Brighton: 
Harvester, 1980).
C O N H E C E R E CRER: A FÉ NO PASSADO 69
a ideia de que o universo como um todo é racional e inteligível é uma pressuposição, 
não uma descoberta científica. Também está claro que a ciência por si mesma é 
incapaz de nos dizer de forma adequada o que fazer com suas descobertas. Os fins 
para os quais a ciência proporciona os meios devem ser (e sempre são) escolhidos 
conforme as crenças e os valores das pessoas que escolhem, o que é uma questão de 
religião, ética e política, não de ciência como tal. A ciência não abrange a totalidade 
da esfera do conhecimento válido e é incapaz de fazê-lo. Ao contrário, a própria 
maneira pela qual as pessoas praticam a ciência e o que fazem com ela depende 
de ideias ou crenças provenientes de uma realidade mais ampla do que aquela 
abrangida pela ciência.
Se o modelo científico newtoniano é uma representação inadequada da reali­
dade, mesmo no que diz repeito ao mundo natural e à investigação humana desse 
mundo, então é evidente que devemos voltar a considerar se esse modelo pode ter 
aplicação proveitosa na investigação do mundo do passado humano. Na área da his­
tória da historiografia, retomamos aqui o raciocínio iniciado no capítulo anterior; 
pois, à medida que exploramos mais profundamente essa história, descobrimos que 
nem todo historiador dos séculos 19 e 20 acolheu a ideia “científica” da história 
descrita naquele capítulo. Alguns que resistiram à tentação nos ajudarão a adquirir 
uma ideia apropriada e clara do assunto.
A história como ciência: uma breve história da divergência
No capítulo anterior identificamos o período da Revolução Francesa como decisivo 
para o desenvolvimento da historiografia moderna. Pode-se considerar, em certo 
grau, que esse período específico de mudança social e política radical na França, com 
repercussões duradouras por toda Europa, foi responsável no século 19 pelo triunfo 
da historiografia sobre a filosofia como a disciplina fundamental na interpretação da 
realidade humana. A filosofia, conforme configurada até aquele momento, com sua 
ênfase em essências estáticas e eternas, não foi capaz de realizar a tarefa elucidativa 
em um período de notável mudança e desenvolvimento. Contudo, é importante 
observar que foi também a própria Revolução Francesa e seus desdobramentos que 
confirmaram nas mentes de algumas pessoas a loucura de abandonar totalmente a 
tradição em favor da razão. F. R. de Chateaubriand sustentou que todas as tentativas 
de mudar radical e rapidamente as condições, como ocorreu na Revolução Francesa, 
estão fadadas ao fracasso porque se baseiam na ilusão do controle humano sobre 
forças desconhecidas, sujeitas apenas à providência divina. “O passado francês ilus­
trou como a verdade, a mudança gradual e a legalidade prevalecem sobre todas as 
mudanças repentinas e violentas [...] o cultivo da racionalidadeseparada da emoção 
e da imaginação [...] destruiu uma civilização ao causar a erosão de uma tradição
70 H IS T Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
muito antiga.”3 Em uma abordagem semelhante, E. Burke defende que uma boa 
sociedade é modelada pela tradição e que tentativas de empregar um raciocínio frá­
gil e a vontade no lugar dessa sabedoria tradicional só podem resultar em anarquia, 
a qual é impossível corrigir depois que a tradição é destruída. Esses dois pensadores 
apresentam uma ideia mais positiva da tradição do que outros que encontramos 
até aqui. Burke e Chateaubriand defendem uma visão não tão segura sobre a abor­
dagem científica que refaz a realidade de novo por meio de um método científico 
apropriado. Por isso, os dois constituem um ponto de partida adequado para a 
nossa análise, pois relembram que, mesmo em uma era de ciências, não houve 
nada histórica ou intelectualmente inevitável na adoção de uma abordagem cien­
tífica completamente abrangente da realidade humana. E importante manter essa 
observação em mente, visto que a retórica dos historiadores científicos modernos 
tem, com frequência, o objetivo de nos levar a esquecer tal fato. Contudo, retoma­
mos a nossa narrativa não a partir da virada do século 18 para o 19, mas da virada 
do 19 para o 20. Em especial estamos interessados em três pensadores alemães: 
J. G. Droysen, W. Dilthey e W. W indelband.
Droysen, bem consciente do prestígio cada vez maior das ciências naturais 
e do desafio que o positivismo representava para a tradição historiográfica rankeana, 
foi levado a uma nova reflexão sobre a metodologia da disciplina da história. 
O resultado foi não apenas uma rejeição do positivismo, mas também uma crítica 
da escola histórica de Ranke. Ele negou a ideia rankeana acerca do trabalho dos 
historiadores — ou seja, recuperar os vestígios do passado, em sua maior parte do­
cumentos, avaliá-los criticamente e, por meio da intuição empática, unir as partes 
em um todo que reflete uma realidade transcendente. De acordo com essa ideia, 
os historiadores mantinham certa distância em relação à vida que se desdobra, re­
criando com pureza metodológica o que era interpretado como realidade passada 
objetiva. Droysen tinha um entendimento oposto: toda obra histórica resulta dos 
encontros que o historiador, cuja própria vida foi modelada por elementos do pas­
sado, tem com esse passado. “A partir de tais encontros surge uma recriação criativa 
e criticamente controlada do passado, realizada claramente do ponto de vista do 
presente.”4 Uma reconstrução que pressupusesse um passado estático, do qual seus 
vestígios davam testemunho, não era possível nem pelo método rankeano nem pelo 
positivista. Aliás, os positivistas acrescentaram ao erro do objetivismo o equívoco 
de transformar todos os aspectos da realidade, inclusive o intelecto e a moralidade,
3E. Breisach, Historiography: ancient, Medieval and modem (Chicago: University o f Chicago Press,
1983), p. 239. O resumo sobre os historiadores “que divergem” do modelo da historiografia moderna 
apresentado a seguir se baseia bastante na obra de Breisach.
4Ib idem , p. 279.
C O N H E C E R E CRER: A FÉ NO PASSADO 71
em fenômenos naturais. De acordo com Droysen, essas coisas não poderiam ser 
inseridas na natureza como se todas pertencessem a uma única esfera da vida.
Dilthey também “rej eitou as tentativas de ver o mundo dos fenômenos humanos 
como análogo ao mundo dos átomos e das forças mecânicas, bem como de fazer 
separação rigorosa entre sujeito e objeto em toda pesquisa”5 realizada conforme 
o modelo cartesiano. Na esfera humana, ele encontrou elementos — intenções, 
propósitos, finalidades e ações dirigidas por tudo isso — que não existiam na 
natureza e tornavam a realidade humana complexa demais para ser compreendida 
por meio de análise e avaliação que resultassem na descoberta de regularidades e na 
formulação de leis. Os historiadores só poderiam compreender essa complexidade 
mediante Verstehen (“considerar empaticamente os motivos e as intenções dos 
atores no passado”).
W indelband fez distinção semelhante entre dois tipos de análise da realidade: 
a análise nomotética, que busca descobertas gerais (e é típica das ciências naturais), e 
a análise idiográfica, que tenta compreender o evento individual e único (típico das 
ciências humanas). Ele defendeu que a análise idiográfica pode usar a nomotética 
como ferramenta útil, mas sem se render a seu objetivo generalizador.
Nesses três pensadores encontramos, de diferentes maneiras, uma insatisfação 
com a noção de história científica, relacionada em parte com o falso objetivismo 
dessa abordagem do passado e, em parte, com o reducionismo improvável, que 
procura explicar toda a realidade como um modelo mecanicista do universo e que 
particularmente não dá espaço algum para o individual e o único. No decorrer das 
décadas do século 20, esses pensadores não foram vozes solitárias. B. Croce, por 
exemplo, entendia a vida humana como um processo constantemente criativo em 
que o historiador participa plenamente, lutando para ser imparcial, embora nunca 
seja capaz de ser objetivo. A tarefa do historiador não é fazer a coleção e a avaliação 
crítica das fontes como fatos com base nos quais elaborará uma interpretação (como 
em Ranke) ou leis gerais (como no positivismo). Sua tarefa, porém, é a incorpo­
ração de um passado vivo ao presente. C. Becker demonstrou ceticismo quanto à 
possibilidade de compreender o passado real, ressaltando que os historiadores só 
podem tratar das declarações sobre eventos que não observam, em vez de analisar 
os próprios eventos. Nesse sentido, os primeiros filósofos neopositivistas estavam 
dispostos a chamar a atenção para o pseudoempirismo de historiadores científicos, 
visto que esses filósofos admitiam que só afirmações baseadas na observação direta 
tinham a condição de hipótese. Declarações inacessíveis à verificação adequada se 
revelaram inconseqüentes, levando alguns a imaginar “se temos bases suficientes 
para aceitar alguma afirmação sobre o passado, e até mesmo se há justificativa para
5Ib idem , p. 281.
72 H IST Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
nossa crença de que houve um passado”.6 C. Beard, tendo abandonado a convicção 
de que a história deve ser uma ciência no sentido positivista, afirmou de modo 
mais otimista que o passado podia ser “compreendido” como um objeto externo, 
ainda que “o assunto estudado pela história seja tão influenciado por valores, que os 
próprios historiadores não conseguem evitar fazer juízos quando, em seus relatos, 
escolhem e organizam os fatos”.7 Ele escreveu sobre o “ato de fé” do historiador ao 
determinar o sentido da história, visto que cada historiador precisa escolher, de um 
modo não objetivo e não científico, entre três possibilidades: se a história é sim­
plesmente caótica, se ela se move em um ciclo ou se esse movimento segue em uma 
direção linear. Por fim, nesta breve lista de exemplos, o filósofo H . G. Gadamer fez 
distinção entre a abordagem convencional do passado, a qual acontece por meio 
de fontes e cujo alvo é o conhecimento objetivo, e Verstehen, que envolve aceitação 
empática da tradição pelo historiador.
Poderíamos falar de muitos outros pensadores que, embora certamente nem 
todos concordem entre si em suas perspectivas gerais, têm ao menos feito ressalvas 
à ideia de que a história é uma ciência no sentido antigo desse termo — mesmo 
que reconheçamos que o modelo mais antigo de ciência seja adequado para o 
estudo do mundo natural. O fato é que vem ocorrendo desde o início do século 
20 um debate contínuo entre filósofos e historiadores sobre a natureza da História 
como disciplina. No que diz respeito ao modelo empírico-positivista, há uma 
insatisfação generalizada, da mesma maneira que há, em particular, uma resistência 
à assimilação da história pelas ciências sociais. O foco da defesa da história como 
disciplina autônoma tem sido a rejeição das tendências generalizadorasda ciência 
e a insistência historicista na importância de compreender as eras separadas e os 
momentos do passado em toda a sua singularidade irredutível. Ao mesmo tempo, 
tem crescido a percepção de que até mesmo pensar na história como ciência no 
sentido rankeano mais restrito já vem acompanhado de problemas, justamente por 
causa das dúvidas sobre a capacidade de o historiador ver as coisas “como de fato 
são”. È amplamente aceita a ideia de que na história, se não na ciência, o sujeito 
não observa um objeto claramente definido (i.e., a realidade histórica), mas sim um 
objeto que é, ao menos em parte, elaborado durante o processo de observação. De 
fato, à medida que o século 20 foi chegando ao fim e à medida que nos movemos para 
o que muitos chamam de era pós-moderna, a ênfase na elaboração do passado pelo 
historiador tem crescido. Atualmente é grande o número de estudiosos que negam
6A. J. Ayer, Philosophical essays (W estport: Greenwood Press, 1980), p. 167-90; citação na p. 168. 
A análise que segue esse comentário ilustra bem a dificuldade de responder a esses filósofos, caso suas 
premissas básicas sejam aceitas.
7Breisach, Historiography, p. 332.
C O N H E C E R E CRER: A FÉ NO PASSADO 73
que esse objeto, o passado, exista para que o historiador o descubra. Afirma-se que 
os historiadores elaboram o passado em vez de descobri-lo. Eles narram uma história 
do passado. Na verdade, enquanto filósofos de história mais antigos, que favoreciam 
o modelo científico, manifestavam preocupação com a forma narrativa de boa parte 
da historiografia porque a narrativa continua sendo arte e não ciência, participantes 
mais recentes do debate têm caminhado na direção oposta, questionando qualquer 
distinção estrita entre história e narrativa.
Podemos, então, dizer com confiança que o movimento do século passado em 
geral se afastou da noção de que a história é uma ciência e retornou à ideia de que 
a história é uma arte. Para sermos bem precisos, e introduzindo nossos comentá­
rios sobre a própria ciência, devemos, na verdade, afirmar que a ideia de tratar a 
história como ciência no sentido do século 19 — ideia já questionada por alguns 
pensadores no século 19 e no começo do 20 por motivos não relacionados ao que 
estava ocorrendo na filosofia da ciência — passou a sofrer pressão cada vez maior 
à medida que a natureza da própria ciência foi mais e mais esclarecida. Como um 
grupo de autores recentemente apresentou a questão: “No sentido do século 20, 
não há uma história científica e nem mesmo uma ciência científica”.8 Além disso, 
um autor já havia escrito anteriormente que “até o leitor menos atento da American 
Historical Review [Revista Histórica Americana] [...] percebe que o historiador 
científico, aquele que apresenta um quadro definitivo do que de fato aconteceu, é 
uma espécie em extinção”.9
Foi assim que a esperança de notáveis historiadores e seus sucessores — 
a de que, adotando uma abordagem empírica e crítica do conhecimento histórico, 
podiam chegar a uma reconstrução puramente objetiva do passado, seja na forma 
rankeana seja na positivista — se revelou um sonho impossível. Pela vantagem de 
ter uma percepção posterior, vemos que os historiadores tristemente se iludiram 
no ponto em que creram ter alcançado esse resultado. Mesmo quando adotavam a 
ciência no lugar da filosofia como o método básico do empreendimento humano 
e estavam decididos a descobrir “como as coisas de fato foram” em vez de aceitar 
narrativas tradicionais sobre como as coisas foram, eram totalmente incapazes 
de evitar a influência da filosofia e da tradição ao articularem a própria visão do 
passado. Cada um deles tinha as próprias pressuposições sobre a natureza da rea­
lidade em geral e da realidade histórica em particular — sua narrativa acerca do 
mundo do passado, do presente e do futuro. Embora esse relato não se originasse da 
própria pesquisa histórica, mesmo assim eles o usavam para lidar com os “fatos”
8J. Appleby; L. H unt; M . Jacob, Telling the truth about history (New York: Norton, 1994), p. 194.
9C. W atkins Smith, Carl Becker: on history and the climate o f opinion (Carbondale: Southern Illinois 
University Press, 1956), p. 103.
74 H ISTÓ R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
do passado em uma tentativa de explicá-los com coerência. Além do mais, ao 
determinar que “fatos” foram esses, tais historiadores dependeram em maior ou 
menor grau das narrativas de outras pessoas sobre o passado, visto que eles próprios 
não tinham nenhum acesso independente aos eventos antigos e eram incapazes 
de “reproduzi-los” em experimentos. Em outras palavras, não puderam proceder 
como os cientistas naturais frequentemente procedem quando tentam verificar 
por si mesmos a veracidade de certas afirmações sobre a realidade. Na verdade, a 
filosofia e a tradição formavam a base de toda a historiografia científica do século
19, mesmo que a retórica defendesse o oposto. É importante compreender que 
isso não ocorreu simplesmente por causa de alguma deficiência de ordem prática 
em vez de teórica. Ao contrário, isso foi inevitável. A filosofia e a tradição esta­
belecem necessariamente os parâmetros de toda a reflexão que os seres humanos 
fazem sobre o mundo.
TESTEMUNHO, TRADIÇÃO E PASSADO
É possível apresentar três respostas para a falência do modelo historiográfico do 
século 19. A primeira é a resposta do avestruz intelectual: pôr a cabeça debaixo da 
terra, mantê-la imóvel e negar a realidade. A tentação é descrever boa parte dos 
textos recentes sobre a história de Israel como textos-avestruzes, pois, em geral, 
continuam firmemente considerando que a história científica na forma rankeana 
ou, mais recentemente, na forma positivista é a única forma correta de história aca­
dêmica. Contudo, os avestruzes ao menos têm consciência da realidade que negam; 
conforme veremos, porém, é possível que muitos historiadores simplesmente não 
tenham consciência dos avanços ocorridos na ciência e na história descritos até aqui. 
Na verdade, em geral esse tipo de avanço não tem tido impacto no mundo acadêmico 
dominado por estudiosos de várias disciplinas, os quais continuam a se apegar à 
ideia mecanicista e reducionista do mundo criada pelos êxitos da ciência moderna 
em seu início. Talvez somente quando houver uma maior percepção de que a 
ciência moderna e seu subproduto, a tecnologia moderna, são tanto bênçãos como 
maldições é que o apego a essa cosmovisão diminuirá. Seja como for, a abordagem 
avestruz não atrairá aqueles com interesse genuíno pelo que é verdadeiro.
Podemos descrever a segunda resposta como pós-moderna. Convencidos de 
que a história científica é impossível e de que as grandes narrativas que dão sentido 
à realidade histórica10 são simples criações da mente humana, os pós-modernistas
10Geralmente, essas “grandes narrativas” são chamadas de metanarrativas — descrições abrangen­
tes da realidade que alegam dar sentido a ela e que tornam possível uma explicação coerente de seus 
vários aspectos (e.g., a ideia da história como progresso da humanidade).
C O N H E C E R E CRER: A FÉ NO PASSADO 75
tendem apenas a negar a existência de determinado passado ou pelo menos negar 
que tenhamos qualquer acesso a ele. Portanto, escrever sobre a história é impossível. 
Essa resposta pós-moderna à história científica modernista representa uma reação 
extremada contra ela, enfatizando demasiadamente a subjetividade da historiografia 
tanto quanto a modernidade deu ênfase excessiva à sua objetividade.11 Essa resposta 
vai contra o senso comum da mesma maneira que, na primeira parte do século
20, ocorria com as teses positivistas sobre a realidade externa, quer histórica quer 
presente. Não podemos deixar de acreditar que realmente existiu um passado, 
ainda que (nos termos de tais historiadores) não consigamos justificar nossa crença 
e saibamos que falar sobre o passado é uma tarefa mais complexa do que se pen­
sava até agora. Sabemos que podemos em parte elaborar a realidadeexterna a nós, 
seja presente, seja passada; também sabemos que a realidade está “lá fora” e que é 
independente de nós. Aliás, falar do passado como uma realidade que nos é externa 
é uma necessidade humana. Por esse motivo, a ideia pós-modernista da história é 
uma ideia que, em última instância, é impossível de se manter com integridade inte­
lectual e moral. Ela é apenas o refugio desesperado e derradeiro dos que perceberam 
a impossibilidade da história científica modernista, mas são incapazes de aceitar 
as verdadeiras implicações de suas descobertas.
A terceira possível resposta para a falência do modelo historiográfico científico 
do século 19 — que é nossa resposta neste livro — abrange essas mesmas implica­
ções, em vez de evitá-las. Os que argumentam a favor dessa resposta interpretam a 
crise do modelo científico de historiografia — e inclusive a resposta pós-modernista 
derrotista a ela — como um convite a rever algumas questões fundamentais de 
epistemologia. Concordamos com análises pós-modernas que afirmam que a per­
cepção historiográfica do século 19 de que havia um progresso na história era, 
em grande parte, ilusória. Não se pode levar a sério a proposta modernista de que 
toda historiografia anterior era decisivamente inválida porque não havia sido pro­
duzida pelos que possuíam métodos científicos apropriados, mas sim por aqueles 
que estavam escravizados à filosofia e à tradição — proposta feita pelos próprios 
historiadores que estavam e estão igualmente limitados à filosofia e à tradição. Tal 
afirmação não passa de retórica empregada na busca da validação da própria ideia 
particular do passado.
“ Entretanto, tanto nesse aspecto como em outros, a resposta pós-m oderna à modernidade não é 
um fenômeno novo. O ceticismo em relação à aquisição de conhecimento objetivo no m undo moderno 
é tão antigo quanto o pirronismo do século 17 e é encontrado em pensadores ao longo dos séculos seguin­
tes. Entre os céticos quanto à nossa capacidade de obter conhecimento histórico e objetivo, pode-se 
mencionar T. Lessing, que se opôs à ideia de que a história é um a ciência e defendeu a noção de que a 
história é um ato criativo que dá sentido à vida sem sentido: toda historiografia é um m ito criado pelos 
que desejam propiciar fé e esperança no futuro.
76 H IS T Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
A reação correta diante desse fato não é, porém, o subjetivismo. Alegar que não se 
pode obter nenhum conhecimento do passado que já não esteja em nossa cabeça não é uma 
réplica racional para o fracasso da historiografia moderna em elaborar um passado 
que é independente da filosofia e da tradição. Em vez de fazer declarações superficiais 
que contrapõem de modo simplista a filosofia e a tradição, de um lado, e o “método 
científico”, de outro, como diretrizes que levam ao conhecimento histórico, uma res­
posta mais coerente é procurar enunciar uma visão acerca da tarefa historiográfica que 
dê o devido lugar à filosofia e à tradição. Isso inevitavelmente envolverá questionar a 
racionalidade do princípio da suspeita em relação à tradição e, em última instância 
(se não em primeiro lugar), da suspeita em relação à filosofia, que está no âmago do 
pensamento iluminista sobre o passado. Assim, depois de esclarecer aspectos básicos 
relacionados a questões de ciência e história, voltamos à nossa descrição inicial da 
natureza de nosso “conhecimento” do passado.
Testemunho e conhecimento
O sábio autor da natureza p lan tou na m ente hum ana um a propensão a depender do 
testem unho antes que pudéssem os apresentar um m otivo para fazê-lo. Isso, na verdade, 
estabelece nossos juízos quase in teiram ente sob o poder dos que estão em torno de nós 
no prim eiro período de vida. T rata-se, porém , de algo necessário tan to para a nossa p re­
servação quanto para o nosso progresso. Se a constituição da criança fosse tal que ela não 
precisasse dar atenção ao testem unho ou à autoridade, não há a m enor som bra de dúvida 
de que, po r falta de conhecim ento, iria literalm ente morrer. Por instinto, eu acreditava 
em tudo o que eles [meus “pais e educadores”] diziam , m uito antes de ter ideia do que 
é um a m entira ou de pensar na possibilidade de ser enganado. M ais tarde, refletindo 
sobre isso, descobri que haviam agido como pessoas justas e honestas, que desejavam 
o m eu bem . D escobri que, caso não houvesse acreditado no que m e disseram antes 
m esm o que eu pudesse apresentar um m otivo para m inha crença, hoje eu seria pouco 
m elhor que um a pessoa defeituosa.12 E , em bora às vezes tenha havido enganadores que 
se aproveitaram dessa m inha credulidade natural, m esm o assim ela foi infinitam ente 
proveitosa para m im quando se considera todo aquele período; por isso eu a vejo como 
mais um a boa dádiva da N atureza.13
Ao tentar compreender com mais precisão do que os “historiadores científicos” 
a realidade do processo mediante o qual adquirimos conhecimento do passado,
12Em inglês, o termo traduzido por “pessoa defeituosa” é changeling. Essa palavra é usada em contos 
para se referir a uma criança defeituosa que era trazida pelas fadas e colocada no lugar de um a criança 
normal. (N. do E.)
13T. Reid, Essays on the intellectual powers o f man, in: R. Beanblossom; K. Lehrer, orgs., Thomas 
Reids inquiry and essays (Indianapolis: Hackett, 1983), ensaio 6, cap. 5, p. 281-2.
C O N H E C E R E CRER: A FÉ NO PASSADO 77
estabelecemos o testemunho no cerne da tarefa. Fazendo assim, conscientemente 
nos posicionamos contra uma tradição intelectual que remonta ao menos até Platão 
e que com certeza fundamenta a ideia científica existente sobre o mundo analisada 
por nós, a qual despreza o testemunho como fonte de conhecimento sobre a rea­
lidade em favor de elementos como a percepção. Ao invés disso, propomos que a 
confiança no testemunho é fundamental para conhecer a realidade em geral — tão 
fundamental quanto a percepção, a memória, a inferência e assim por diante. Somos 
muito dependentes do testemunho não apenas na vida diária (por exemplo, quando 
na condição de turistas dependemos de um mapa para nos guiar em uma cidade es­
trangeira), mas também em áreas como o processo jurídico ou a pesquisa científica 
(como a situação em que um psicólogo depende do testemunho dos pacientes sobre 
a percepção que têm da realidade ou quando, de um modo mais geral, um cientista 
depende do testemunho de colegas sobre os resultados a que chegaram em suas pes­
quisas). Em resumo, quando tratamos do que chamamos de conhecimento, somos 
intelectualmente dependentes do que os outros nos dizeín. Essa afirmação apenas 
descreve a realidade como ela é, quer gostemos, quer não, sendo válida mesmo 
sabendo que às vezes o testemunho dos outros não é confiável. E verdade que des­
de o Iluminismo a realidade não tem sido prontamente percebida dessa maneira, o 
que requer alguma explicação. Mas há uma explicação facilmente à disposição: isso 
ocorre por causa do domínio da ideologia individualista na era moderna, enunciada 
pelo próprio Descartes, que ressaltou a centralidade do indivíduo como o sujeito do 
conhecimento, dependente apenas da razão e não do conhecimento proporcionado 
por elementos como a educação. Com frequência, essa ideologia individualista tem 
impedido pensadores modernos de descrever com precisão como adquirem conhe­
cimento ao mesmo tempo que dependem de outros (inclusive de seus educadores) 
para fazer o que estão fazendo.
Assim como a confiança no testemunho é fundamental para conhecer a rea­
lidade em geral, de igual maneira ela é fundamental para conhecer a realidade 
histórica em particular. Nessa área, dependemos basicamente do testemunho de 
pessoas que viveram no passado. Como R. G. Collingwood afirmou (ainda que só 
para discordar da declaração) certa vez: “história é [...] a crença em outra pessoa 
quando ela diz que se lembra de algo. Quem crê é o historiador; a pessoa em 
que ele crê é chamada de autoridade do historiador”.14 O próprioCollingwood 
tem uma posição firme na tradição da história científica (embora não positivista), 
opondo-se tanto à historiografia antiga/medieval quanto à dos séculos 17 e 18 
justam ente porque os historiadores mais antigos dependiam completamente do 
testemunho — mesmo que fizessem algum juízo na escolha, edição e, às vezes,
u 7he idea o f history (Oxford: Oxford University Press, 1970), p. 234-5.
78 H IST Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
rejeição do material — e, por esse motivo, não eram propriamente historiadores 
científicos. De acordo com essa ideia, a história digna do nome (i.e., científica) 
não depende de testemunho algum. Na realidade, depender do testemunho 
é abandonar a própria autonomia intelectual como cientista — é abrir mão da 
“condição de sua própria autoridade, que envolve fazer afirmações ou agir por 
iniciativa própria e não porque tais afirmações e atos são autorizados ou prescritos 
por alguém mais”.
Dificilmente alguém poderia querer um exemplo melhor de ideologia 
individualista. Fica claro que Collingwood pensa, ao menos em parte, que a his­
tória “como ciência” exige que o historiador, de alguma forma, faça tudo sozinho. 
A conseqüência inevitável é que; caso sua posição seja levada totalmente a sério, o 
historiador “científico” não escreverá história, mas sim uma fantasia que será ape­
nas extensão da própria imaginação especulativa. Pelo fato, porém, de Collingwood 
desejar escrever história, percebe-se que ele se distancia o tempo todo do que, ao 
que parece, é sua posição teórica sobre o testemunho e depende do testemunho 
(ou seja, de uma “autoridade”) para lhe fornecer o material básico para as próprias e 
imaginárias reencenações do passado. A situação não poderia ser diferente, mesmo 
no caso de um historiador que parece querer que ela fosse. Acontece que a história 
é, na verdade,fundamentalmente “a crença em outra pessoa quando ela diz que se 
lembra de algo”; ou, para sermos mais precisos, história é a disposição de aceitar 
relatos do passado preservados na memória das pessoas.
É claro que o passado deixou vestígios além dos testemunhos, especialmente 
os materiais que o arqueólogo pode examinar: moedas, jarros, restos de moradias 
e artefatos semelhantes. No período moderno da historiografia, alguns observado­
res (fascinados pelo prestígio das ciências e ansiosos por fundamentar declarações 
históricas em algo mais confiável do que o testemunho) pressupõem que esses ves­
tígios arqueológicos nos oferecem a perspectiva de acesso independente ao passado. 
Afinal, aqui estão os dados passíveis de observação direta e nos quais é possível 
realizar testes científicos, algo semelhante ao que acontece com os dados disponíveis 
para os cientistas naturais.
Ainda assim, em nossa descrição da obtenção do conhecimento histórico, sus­
tentamos que essa pressuposição é falsa. Em si mesmos os vestígios arqueológicos 
(quando a expressão não inclui o testemunho escrito) são mudos. Não falam por 
si, não têm nenhuma história a contar e nenhuma verdade a comunicar. São os 
arqueólogos que falam a respeito deles, testemunhando sobre o que descobriram e 
estabelecendo as descobertas em uma estrutura interpretativa que lhes dá sentido 
e significado. E óbvio que a origem dessa estrutura interpretativa não está comple­
tamente, nem mesmo principalmente, nos próprios achados, os quais são apenas 
fragmentos do passado que, de alguma forma, precisam ser organizados em um todo
C O N H E C E R E CRER: A FÉ NO PASSADO 79
coerente. Na verdade, a estrutura deriva em grande parte do testemunho, seja o de 
pessoas do passado distante que escreveram sobre o passado, seja o de outros que 
mais recentemente investigaram o passado anterior a eles e dependeram do teste­
munho vindo do passado distante. E esse testemunho que capacita o arqueólogo até 
mesmo a começar a pensar sobre uma escavação inteligente. É esse testemunho que 
ajuda na escolha de onde fazer um levantamento ou de onde escavar, que transmite 
o sentido das linhas gerais da história que se pode esperar encontrar em determi­
nado lugar, que possibilita o estabelecimento conjectural de níveis de destruição 
relacionados a eventos específicos e já conhecidos e que permite a correlação de 
descobertas materiais com certas pessoas citadas nominalmente no passado. O pró­
prio “preenchimento” do quadro do mundo produzido pela arqueologia é muito 
mais geral do que específico. O motivo disso é que vestígios literários são muito 
mais úteis quando assuntos históricos específicos estão em questão; vestígios de 
artefatos não literários são mais proveitosos para quem está interessado na cultura 
material geral e na vida cotidiana.
Toda a tarefa de relacionar descobertas arqueológicas com aspectos espe­
cíficos do passado conforme se encontram descritos em textos é, na verdade, 
repleta de dificuldades. É inevitável que surjam diversas interpretações sobre 
as descobertas. D eterm inada camada com vestígios de destruição deve ser 
associada a esta ou àquela campanha militar?15 Esse sítio arqueológico é de fato 
o sítio da cidade mencionada naquele texto específico?16 Deixando de lado sítios 
específicos, os dados reunidos mesmo em levantamentos regionais de ampla 
escala representam, na m elhor das hipóteses, um a amostra bastante seletiva e 
estão abertos a vasta gama de interpretações. Também não faltam interpreta­
ções sobre o que não foi encontrado, porque a inexistência de provas materiais 
de acontecimentos descritos em um texto não pode ser necessariamente in ter­
pretada como prova de que esses eventos não ocorreram, mesmo que um sítio
l3Nesse aspecto, uma ótima ilustração da complexidade dos processos de tomada de decisão é a
análise feita por Aliaroni sobre a data do estrato II de Berseba; veja Y. Aharoni, “The stratification of
the site”, in: Y. Aharoni, org., Beer-Sheba I: excavations at Tel Beer Sheba, 1969-1971 seasons (Tel Aviv: 
Tel Aviv University Institute o f Archaeology, 1973), p. 4-8; análise específica nas p. 5-7. Sobre o tema 
geral, veja E. Yamauchi, “The current state o f O ld Testament historiography”, in: A. R. Millard; J. K. 
Hoffmeier; D. W. Baker, orgs. (W inona Lake: Eisenbrauns, 1994), p. 1-36; a análise específica do 
assunto se encontra nas p. 32-6.
16A correlação entre sítios arqueológicos e lugares mencionados em textos não é de m odo algum 
simples e direta como às vezes parecem dar a entender os que querem veem entemente “provar” ou 
“negar” a veracidade de textos. Por exemplo: Tell ed-duweir é de fato a antiga cidade de Laquis? 
Provavelmente sim, mas veja G. W. Ahlstrõm , “Tell ed-duweir: Lachish or Libnah?”, PEQ 104 
(1972), p. 111-22.
80 HISTÓ R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
tenha sido corretamente identificado.17 O arqueólogo interpreta os dados no con­
texto do testem unho, acrescentando suas sugestões ao conjunto de descobertas
— somando ao relato do passado as concepções pessoais. Como uma autora 
observou m uito bem:
D ados extraídos de artefatos arqueológicos só existem em form a lingüística. 
E n tre tan to , po r serem elem entos de um a estru tu ra lingüística, tam bém estão sujei­
tos a interpretação. A descrição de achados arqueológicos já é in terpre tação e, como 
qualquer outra form a de expressão verbal, está sujeita à escolha individual do m étodo 
n a rra tiv o , ao co n ce ito de exp licação e ta m b é m ao s is tem a de v a lo res é tico s do 
arqueólogo que faz a descrição.18
Aqui não existe nenhum “conhecimento objetivo” independente do testemu­
nho sobre o passado. Como G. E. W right afirmou corretamente: “a arqueologia, 
por lidar com os escombros do passado, nada prova por si mesma”.19 Na verdade, 
a compreensão do sentido dos vestígios fragmentários do passado só é possível 
quando o testemunho sobre o passado já foi aceito sem reservas; aliás, sugestões 
sobre esse “sentido” só desafiam a maioria de nós, que não testemunhamos as desco­
bertas arqueológicas e não estivemos envolvidos no processode interpretação como 
testemunho. Então, qualquer que seja o valor da arqueologia em preencher o quadro 
do passado, a história é fundamentalmente a disposição de aceitar relatos do passado 
preservados nas lembranças de outras pessoas.
Conforme observamos (e como as palavras do filósofo Thomas Reid citadas 
no início desta seção ressaltam), é natural que às vezes o testem unho não mereça
17Por exemplo, os registros egípcios deixam implícito um cerco a M egido que perdurou alguns 
meses durante a primeira campanha do faraó Tutmósis III (1479-1425 a.C.) na Palestina. Isso, por sua 
vez, sugere que durante o período arqueológico da Idade do Bronze Recente I existiu naquela cidade 
um terraço fortificado mais baixo, pois, caso esse terraço não tivesse existido, Tutmósis teria desfrutado 
de acesso direto à cidade alta. Contudo, os dados arqueológicos em si não permitem supor que o terraço 
mais baixo fosse necessariamente fortificado naquela época: as fortificações que sobreviveram são, ao 
que parece, de uma data significativamente mais antiga. Veja B. H alpern ,“Centre and sentry: M egiddos 
role in transit, administration and trade”, in: I. Finkelstein et al., orgs., Megiddo III: the 1992-1996 
seasons, SM N IA 18 (Tel Aviv: Em ery and Claire Yass Publications in Archaeology, 2000), p. 535-75, 
2 vols.; esp. p. 539-42. M esm o assim, Halpern defende a existência de uma fortificação no período do 
Bronze Recente I, acima de tudo porque leva a sério o testemunho egípcio sobre o cerco de M egido, sus­
tentando de modo plausível que a fortificação da Idade do Bronze M édia encontrada no sítio inferior 
“permaneceu em uso até a primeira parte do século 15” (p. 540).
18C. Scháfer-Lichtenberger, “Sociological and biblical views o f the early State”, in: V. Fritz; P. R. 
Davies, orgs., The origins o f the ancient Israelite states, JSO TS 228 (Sheffield: Sheffield Academic Press, 
1996), p. 78-105; citação nas p. 79-80.
19“W h at archaeology can and cannot do”, BA 34 (1971), p. 76.
C O N H E C E R E CRER: A FÉ NO PASSADO 81
crédito. Mapas podem levar ao lugar errado; pacientes podem deixar de contar 
a verdade aos psicólogos; cientistas (inclusive arqueólogos) podem falsificar os 
resultados de suas pesquisas ou simplesmente fazer interpretações equivocadas 
dos dados; testemunhas em um julgamento podem cometer perjúrio; e os que 
transm item a tradição podem, com ou sem intenção, distorcer o passado. Fica 
claro que, entre as ferramentas que as pessoas usam para a tarefa de compre­
ender a realidade, o pensamento crítico deve estar entre as mais importantes. 
Ao insistirmos na inevitabilidade da confiança no testemunho, não estamos de 
forma alguma advogando umayè' cega no testemunho, quer se refira à realida­
de presente, quer se refira à realidade passada. Devido à natureza indefinida 
do testemunho, a f é cega estaria longe de ser racional. É claro que algum tipo 
de autonomia em relação ao testemunho, da espécie que Collingwood busca, é 
necessária para que a pessoa possa distinguir entre falsidade e verdade. Entretanto, 
assim como a ação autônoma na vida normal adulta não exige a renúncia da 
dependência de outros, da mesma forma o pensamento autônomo é totalmente 
compatível com uma confiança fundamental na palavra de outros na busca pelo 
conhecimento. Precisamos apenas entender o pensamento crítico não como um 
esforço para descobrir tudo por nós mesmos desde os primeiros princípios, mas 
como o exercício — deliberado e realizado com a mente aberta — de avaliar 
inteligentem ente o testem unho que recebemos, de modo que realmente façamos 
os juízos que achamos ter condições de fazer sobre a verdade ou falsidade de 
um testemunho. Não é necessário fé cega no testemunho nem suspeita radical 
em resposta a ele. O que se requer de nós é apenas o que descreveríamos como 
“abertura epistemológica”.
No que diz respeito à realidade da vida cotidiana, uma característica da maioria 
de nós é adotar essa abordagem ao testemunho. Não é uma característica pessoal 
nem uma questão de princípio suspeitar o tempo todo do testemunho dos outros, 
exigindo que cada pessoa, sem exceção, prove o que diz antes que aceitemos sua 
veracidade. N a realidade, em geral, consideramos sinal de desequilíbrio emocional 
ou mental o fato de alguém, comc-princípio, viver desconfiando dos testemunhos, 
e a maioria das pessoas que está do lado de fora de instituições psiquiátricas não 
vive dessa maneira. Sabemos que às vezes a suspeita pode ser justificada. Contudo, 
reconhecemos que pessoas saudáveis confiam em geral no testemunho dos outros, 
reservando a suspeita para os que dão motivo para isso. Portanto, em nosso dia a 
dia, no que diz respeito à compreensão da realidade em geral, a aplicação de uma 
“hermenêutica da suspeita” radical em relação ao testemunho não é considerada 
mais sensata do que o exercício da fé cega. D a perspectiva de nossa compreensão 
da realidade passada em particular, nenhuma dessas duas abordagens deve ser 
considerada sensata.
82 H IST Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
Ademais, com respeito à realidade presente, quando fazemos juízos sobre o 
testemunho, não é comum considerarmos que a adoção de um “método” seja uma 
conduta racional a se tomar. Por exemplo, se somos pessoas críticas e inteligentes, 
nem sempre (como uma questão de “método”) confiamos em testemunhas oculares 
em contraste com testemunhas de segunda mão, e vice-versa. D e modo mais geral, 
se cremos no testemunho de um tipo de pessoa e não no de outro — por exemplo, se 
somos caucasianos e aceitamos consistentemente os relatos da realidade feitos por 
pessoas de nosso grupo, isto é, pelos caucasianos, ao contrário dos relatos feitos 
por pessoas de “fora”, como os asiáticos — então somos considerados preconcei­
tuosos, não inteligentes. Reconhecemos que a realidade é mais complexa do que o 
método admite. Por isso, se somos pessoas inteligentes e críticas, não deixamos que 
o método nos influencie demais na busca da apreensão da realidade. Em vez disso, 
procuramos assegurar que qualquer método que adotemos seja suficientemente 
amplo e complexo para levar em conta as sutilezas e as complexidades do mundo 
que existe fora de nossas cabeças.
Por que, então, deve-se comumente acreditar que o “método científico” pode de 
alguma forma nos ajudar a distinguir entre os testemunhos do passado de acordo 
com sua provável veracidade? A ideia remonta pelo menos ao próprio Ranke, ao 
propor que textos produzidos durante a ocorrência dos acontecimentos merecem 
mais atenção do historiador do que os textos escritos depois. Assim, na historio­
grafia científica dá-se prioridade às denominadas fontes primárias em oposição 
às fontes secundárias e posteriores. Não temos, porém, nenhum bom motivo para 
supor antecipadamente que as fontes denominadas “primárias” são mais fidedignas 
do que quaisquer outras. A pressuposição está relacionada à crença ingênua de que 
testemunhas oculares “contam exatamente o que aconteceu”, ao passo que outras 
filtram a realidade mediante vários fatores que causam distorção. No entanto, assim 
como ocorre na arte também acontece na história: uma grande proximidade entre 
o artista e a tela não é de modo algum garantia de um retrato mais “preciso” (visto 
que, como diz um provérbio, às vezes o pintor fica perdido entre as árvores e deixa 
de ver a forma geral da floresta). De um lado, como todas as pessoas, as testemunhas 
oculares têm uma perspectiva e, no processo de testemunhar, é inevitável que 
precisem simplificar, selecionar e interpretar. Por outro, é possível que pessoas 
que dão testemunho de segunda mão, quer oral, quer escrito, o façam não apenas 
com precisão, mas também com inteligência e, no que diz respeito à maneira que 
o testemunho específico corresponde ao quadro mais amplo, com mais percep­
ção do que a própria testem unha ocular.20 Devemos avaliar caso a caso. M étodos 
não nos ajudarão, seja no modelo rankeano, seja — ainda mais absurdamente
20P. R.Ackroyd, “Historians and prophets”, S E Ã 33 (1968), p. 18-54; referência às p. 20-1.
C O N H E C E R E CRER: A FÉ NO PASSADO 83
— no modelo dos que usam a teoria matemática das probabilidades para ana­
lisar o testemunho em uma tentativa de obter maior certeza científica quanto 
à sua veracidade.21
Reconsiderando a história da historiografia
O testemunho — ou “a narração de histórias” — é central em nossa busca pelo co­
nhecimento do passado. Aliás, toda a historiografia é narração, seja antiga, medieval 
ou moderna. A historiografia é uma narrativa ideológica que trata do passado e 
envolve, entre outras coisas, a seleção de material e sua interpretação por autores 
decididos a persuadir a si mesmos ou a seus leitores acerca de certas verdades sobre 
o passado. Essa seleção e interpretação sempre são feitas por pessoas com uma cos­
movisão particular — um conjunto específico de pressuposições e crenças que não 
tem origem nos fatos da história com os quais estão trabalhando, mas já existem 
antes de a narrativa ser iniciada. Toda historiografia é assim, quer pensemos no 
antigo grego Tucídides, quer no inglês medieval Beda, quer ainda nos modernos 
Gibbon, Macaulay, M ichelet e Marx,22 ou até mesmo em T. L. Thompson, com 
quem iniciamos este capítulo. Na verdade, todo conhecimento do passado é mais 
precisamente descrito como fé nas interpretações do passado oferecidas por outros, 
por meio da qual nos apropriamos em parte ou totalmente dessas interpretações. 
Não é apenas no plano das pressuposições sobre a história que precisamos tomar 
“passos de fé” — quer se entenda a história como caótica, cíclica ou como um 
movimento linear em direção a um fim estabelecido; quer se explique a história 
como simples relações de causa e efeito, e assim por diante. Passos de fé também 
são intrínsecos ao próprio processo de “conhecer” dados específicos sobre o passado.
21A abordagem é analisada em C. A. J. Coady Testimony: a philosophical study (Oxford: Clarendon, 
1992, p. 199-223). De várias maneiras, a composição do presente capítulo foi influenciada por esse 
excelente estudo filosófico sobre a dependência que o conhecimento hum ano tem do testemunho; 
um estudo atento dessa obra será de grande proveito. Neste contexto, Tradition, de E. Shils (Chicago: 
University o f Chicago Press, 1981), é outro estudo digno de menção.
22Em N ot by fa c t alone: essays on the w riting and reading o f history (London: Collins Harvill, 
1990), J. Clive apresenta um a análise interessante e esclarecedora desses e de outros historiadores. 
O próprio Clive é um historiador que entende com bastante clareza até que ponto a história escrita 
é “conhecim ento do passado filtrado pela m ente e pela arte” (cf. o prefácio de sua obra). Em seu livro 
The rhetoric o f historical representation: three narrative histories o f the French Revolution (Cambridge: 
Cambridge University Press, 1990), A. Rigney vai além e estabelece semelhanças e diferenças entre 
M ichelet, de um lado, e Lam artine e Blanc, de outro. Cerca de sessenta anos depois da Revolução 
Francesa, cada um escreveu uma história da Revolução; cada um empregou estratégias particulares 
discursivas e narrativas para descrever e dar sentido aos acontecimentos; e, ao fazê-lo, cada um 
revelou sua ideologia particular.
84 H IS T Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
Afirmamos que, na realidade, isso é exatamente o que ocorre, por mais que os 
retóricos tentem nos persuadir do contrário, e essa afirmação nos leva à conclu­
são desta seção e ao fim de nosso resumo da história da historiografia em geral. 
Os principais retóricos que temos em mente são os mesmos historiadores científicos 
dos séculos 19 e 20 com quem debatemos nestes capítulos iniciais e que têm procu­
rado persuadir a todos nós a adotar uma visão da realidade que, ao ser examinada, 
é muito improvável. N o mundo deles, a história da historiografia é uma história 
de progresso das trevas para a luz: os gregos lançaram os alicerces da ciência e da 
história e acenderam a tocha da liberdade intelectual, mas o barbarismo e a religião 
interromperam a marcha gradual da humanidade rumo à verdade. A Renascença 
reacendeu a tocha que se tornou um farol resplandecente no século 19, quando 
nasceu a historiografia científica, fornecendo “o método” que, pela primeira vez, nos 
capacitou a dizer a verdade sobre o passado.
Embora estimulante, essa narrativa não tem quase relação alguma com a verdade. 
É impossível defender de modo plausível qualquer distinção generalizada desse tipo 
entre a historiografia que precede o século 19 e a historiografia existente desde então. 
Tal como seus antecessores, os historiadores modernos dependem na realidade de tes­
temunhos, interpretam o passado e têm tanta fé quanto seus antecessores, religiosos 
ou não. Ademais, como um grupo, os historiadores antigos, medievais e posterio­
res à Reforma não tinham menos interesse do que os historiadores modernos em 
estabelecer a distinção entre verdade e falsidade, como demonstra até mesmo um co­
nhecimento superficial de suas obras.23 O pensamento crítico não se iniciou no século 
19, mas estava presente ao longo dos séculos precedentes em uma feliz coexistência 
com a fé (religiosa ou não) sobre a natureza do mundo e em meio a muito do que era 
d̂ e fato bárbaro. Desde o século 19 até o presente, o pensamento crítico continua a 
coexistir com todo tipo de fé (religiosa ou não) sobre a natureza do mundo e também 
em meio a um barbarismo ainda maior. Certamente nem sempre se encontrou esse 
pensamento crítico nos períodos mais antigos da historiografia; mas ele também nem 
sempre foi visto no período moderno, mesmo (e talvez especialmente) entre aqueles 
que alegam empregá-lo. É fácil alguém fazer a alegação de que é um pensador crítico. 
A realidade, porém, que se esconde por trás dessa alegação é que com demasiada 
frequência ela se revelou apenas uma mistura de fé cega na própria tradição intelectual 
do escritor com seu ceticismo seletivo e arbitrário em relação a tudo o mais.
23Ao contrário, vemos um interesse real com a exatidão e a veracidade, se lermos autores antigos 
como Tácito (Anais 1.1), Cícero (De oratore, 2.Ü.6-9) ou o escritor bíblico Lucas (Lc 1.1-4); autores da 
A lta Idade M édia como W ipo ou João de Salisbury (veja E. Breisach, Historiography: ancient, medieval 
and modem [Chicago: Chicago University Press, 1983], p. 124-5,144); ou qualquer grupo de historia­
dores desde o século 13 até o 18. Não é a familiaridade com o passado, mas o preconceito m oderno que 
descreve o passado de forma diferente.
Capítulo 3
Conhecendo a história de Israel
E m essência, aquilo a que geralm ente nos referim os como conhecim ento histórico 
é apenas um a form a mais frágil de conhecim ento do que a que tem os no presente 
em relação a amigos, família, instituições e assim por diante. Somos persuadidos 
com facilidade e, portanto , facilm ente levados ao erro. Por outro lado, muitas vezes 
estamos certos quanto a nossos amigos e família (se não form os loucos). A maioria 
de nós vive satisfeito com a incerteza em relação à m aneira que amigos e até m esm o 
m otoristas vão se com portar ou reagir neste ou naquele m om ento, porque tem os de 
viver assim. U m grau sem elhante de incerteza está relacionado à form a pela qual 
reconstruím os a história. N a m elhor das hipóteses, é intrigante por que alguns estu­
diosos se m ostram tão seguros sobre o passado e sobre o presente hum anos, quando 
nos dois casos estamos tratando de seres hum anos.1
Ao voltarmos a refletir sobre a história da história de Israel, no contexto histó­
rico e filosófico mais amplo apresentado no capítulo 2 e conforme começamos a 
estruturá-la no capítulo 1, devemos entender exatamente que tipo de história de 
Israel tem predominado nos últimos duzentos anos, a saber: a história científica. 
Os historiadores de Israel, tanto quanto os demais historiadores, têm sentido forte 
pressão para conformar seu trabalhoao modelo científico. Aos poucos, eles têm 
feito isso, abandonando o testemunho bíblico em favor do “conhecimento” que a in­
vestigação científica produz, até o ponto de afirmações como as de Thompson: “Não 
existe mais um Antigo Israel’ [...]. Sabemos disso com certeza”2 — ou seja, uma
1B. Halpern, “Text and artifact: two monologues?”, in: N. A. Silberman; D. Small, orgs., 
The archaeology o f Israel: constructing the past, interpreting the present, JSO TS 237 (Sheffield: Sheffield 
Academic Press, 1997), p. 311-41; citação na p. 337.
2Ao mesmo tempo, vários teólogos têm admitido que a história “real” se encontra em alguma outra 
fonte que não o testem unho bíblico, embora baseiem suas teologias no testemunho: observe-se, e.g., 
a concessão que G. von Rad faz ao positivismo em seu Old Testament theology (tradução para o inglês
D. M . G. Stalker [Edinburgh e London: Oliver and Boyd, 1962], vol. 1, p. 105-28,2 vols.).
86 H IST Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
declaração de “certeza”, se é que já houve alguma. Está claro que muitos estudiosos, 
que trabalham com o AT e se interessam pela história de Israel, sentem-se profun­
damente desconfortáveis com esse tipo de afirmação radical e prefeririam não ter de 
concordar com ela. Contudo, não é tão evidente que consigam fazê-lo com alguma 
consistência lógica. Com frequência e em grande medida, eles já adotaram sem 
reservas uma abordagem como a de Thompson quanto ao valor relativo do testemu­
nho e quanto à investigação empírica em geral. Por isso, sentem agora a necessidade 
de justificar a aceitação — em vez de justificar a rejeição — do testemunho bíblico 
em particular. O estudo bíblico moderno foi, de fato, forjado no fogo da cosmovisão 
científica do século 19, o que explica a razão de o mito iluminista, “progresso sem­
pre avante e para cima até que a verdade e a bondade sejam alcançadas”, aparecer 
com tanta frequência em seus escritos. Por isso, não é de surpreender que entre os 
historiadores modernos de Israel — como também entre os historiadores modernos 
em geral — encontremos tanto a tendência de exaltar o período moderno, vendo-o 
como um período feliz em que descobrimos, usando as palavras de Ranke, a história 
“como realmente foi”, quanto o menosprezo contra a era “pré-crítica” (ou seja, toda 
a história humana antes do século 19), considerando-a uma época de ignorância, em 
que a verdade completa sobre o passado não podia ser contada e realmente não foi.
O que talvez pareça um pouco mais surpreendente à primeira vista e exija alguma 
explicação é o fato de que essa visão do século 19 sobre a tarefa historiográfica conti­
nuou sendo amplamente adotada, no início do século 20, pelos estudiosos bíblicos, 
em geral, e historiadores de Israel, em particular. Aliás, precisamos lidar com o fato 
notável de que, durante a maior parte do século 20, a disciplina “História de Israel” 
prosseguiu com uma óbvia ignorância quanto ao intenso debate que historiadores 
em geral travavam sobre a natureza da história, de maneira que o modelo científico 
do século 19 foi amplamente considerado o único modelo acadêmico existente viá­
vel, dispensando, assim, qualquer justificativa para adotá-lo. Só em um ambiente de 
total isolamento é que o debate recente sobre a história de Israel pôde chegar à forma 
que assumiu, como uma reprise de disputas ocorridas décadas antes entre empiristas 
rankeanos e positivistas, em que, de forma geral, os participantes parecem não ter 
consciência tanto desses debates mais antigos quanto das questões mais amplas que 
eles suscitam. Apenas em um ambiente assim, T. L. Thompson, sem qualquer cons­
trangimento ou necessidade de justificar sua posição sobre a epistemologia, pôde 
alegar tamanho conhecimento do passado a ponto de dizer que “sabemos” que o 
testemunho de Israel sobre seu passado é mera ficção.
Somente a falta de um raciocínio interdisciplinar e integrador poderia produzir 
essa situação. Contudo, uma vez que as origens dos estudos bíblicos modernos não 
estão apenas no século 19 em geral, mas, particularmente, em uma reação contra 
o pensamento integrador do tipo filosófico ou teológico em favor da atenção ao
C O N H E C E N D O A H IS T Ó R IA DE ISRAEL 87
texto bíblico em si, o surgimento desse ambiente de isolamento talvez não seja tão 
inesperado. O treinamento especializado limitado e a necessidade de demonstrar 
conhecimento profundo e amor pelos detalhes, a fim de progredir na profissão, dei­
xam muitos estudiosos da Bíblia mal preparados para qualquer outra coisa que não 
incursões ocasionais no território de outras disciplinas, a fim de encontrar algum 
novo “ângulo” na pesquisa dos estudos bíblicos que lhes permita obter uma contri­
buição especial à sua área de atuação. As vezes o despojo intelectual trazido dessas 
incursões não é bem entendido no que diz respeito ao contexto intelectual do qual 
foi saqueado. O resultado é uma disciplina que às vezes deriva (imprecisamente) 
de outras disciplinas e, frequentemente, depende de ideias delas, as quais já estão 
ultrapassadas há várias décadas em sua popularidade e plausibilidade geral. Talvez 
por esses motivos, a história da história de Israel nos últimos vinte anos tenha visto 
a adoção ampla e entusiasmada de uma abordagem positivista da história sem uma 
percepção mais clara dos problemas que ela suscita ou do debate que provocou 
anteriormente entre historiadores, filósofos e teólogos. No que às vezes pode pare­
cer o vale perdido dos estudos bíblicos, sem contato com o mundo intelectual mais 
amplo ao redor, o historiador científico, com seu quadro definido “do que realmente 
aconteceu”, parece uma raça longe de ser extinta.
De qualquer maneira, as próprias reflexões históricas e filosóficas que fizemos 
até agora nos permitem adotar uma perspectiva bem diferente da concepção de 
Thompson quanto ao que se “conhece” da história de Israel. O conhecimento que 
ele professa é, na verdade, fé disfarçada. O que Thompson “conhece”, ele o “conhece” 
porque decidiu acreditar em certos testemunhos sobre o passado em vez de outros, 
sendo que o mais notável dos “outros” testemunhos é o do AT. Em resumo, da 
perspectiva epistemológica, ele favoreceu o testemunho não bíblico. Thompson 
mostra-se disposto a acolher o testemunho sobre o passado de Israel de fontes 
predominante ou totalmente não bíblicas e, em geral, demonstra um elevado grau 
de confiança nessas fontes. Ele é bastante ou totalmente resistente ao testemunho 
que a própria Bíblia apresenta sobre o passado de Israel, tendo um elevado grau de 
desconfiança em relação a essas fontes. Surge então a pergunta sobre quais são os 
fundamentos sustentáveis para se adotar tal atitude. Essa pergunta deve ser res­
pondida por historiadores de Israel que não Thompson, pois somente ele expõe 
de modo claro a posição que outros têm freqüente e implicitamente adotado. Na 
verdade, um aspecto comum no discurso dos estudos bíblicos é o pressuposto de 
que o conhecimento do passado de Israel tem se multiplicado de várias maneiras, 
as quais podem ser usadas como padrão para avaliar o testemunho bíblico e chegar 
a alguma conclusão sobre ele — ou, inclusive, como um ponto de partida para 
elaborar uma história “científica” que seja totalmente independente do testemunho 
bíblico. Uma investigação mais aprofundada dessa questão não apenas consolidará
88 H IS T Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
nossa compreensão das questões gerais de ciência e história já examinadas, mas 
também nos ajudará a formar uma ideia mais clara de como uma história bíblica e 
alternativa de Israel deve proceder.
Retornamos, então, a algumas questões já analisadas, agora com o foco especí­
fico na própria história da história de Israel e na maneira pela qual alguns assuntos 
surgem nesse contexto específico.
Nossa tese é que “conhecemos” o que alegamos conhecer da história de Israel 
quando damos atenção ao testemunho e à interpretação e fazemos escolhas sobre 
em quem acreditar. É evidenteque na literatura bíblica temos, entre outros tipos 
de textos, testemunhos (e interpretações) do passado de Israel na forma narrativa. 
Aliás, no mundo antigo essa literatura é única em seu interesse pelo passado:
U nica entre orientais e gregos, ela se dirige a um povo que é definido de acordo com seu 
passado e que recebeu ordens para m anter viva sua m em ória [...] um povo “mais obcecado 
pela história do que qualquer outra nação que já existiu” [...] [e que], “entre os povos 
do m undo antigo, é o único que tem o relato de seu início e de seu estado prim itivo 
tão claro na m em ória popular” [...]. Lem bre-se quão frequentem ente os costumes são 
explicados; a origem de nom es antigos e declarações contem porâneas são identificadas; 
m onum entos e decretos são determinados por um a razão concreta e incluídos na histó­
ria; pessoas, lugares e genealogias são especificados sem necessidade im ediata; registros 
escritos, como o Livro de Jasar ou os anais dos reis, são claram ente m encionados.3
Com certeza, o propósito dessas narrativas não é apenas falar sobre o passado; 
pode-se até argumentar que esse não é seu propósito principal. Entretanto, como 
é possível deduzir dos próprios textos, fica claro que narrar o passado é um de seus 
propósitos. Mas ainda que não fosse, esses textos poderiam fazer isso muito bem. 
Portanto, em nossa busca para conhecer o passado de Israel, qual é a razão de adotar 
como princípio algum tipo de desconfiança em relação às principais seções do AT 
ou até mesmo em relação à sua totalidade? Essa desconfiança frequentemente é 
muito nítida nos livros de história de Israel produzidos nos últimos duzentos anos. 
Quais são os fundamentos sustentáveis para essa posição?
VERIFICAÇÃO E FALSIFICAÇÃO
Um exame das publicações sobre o tema indica que um dos motivos para os estu­
diosos duvidarem do AT é a dificuldade, se não a impossibilidade, de verificar boa
3M . Sternberg, The poetics o f Biblical narrative: ideological titerature and the drama o f reading, 
(Bloomington: Indiana University Press), 1985, p. 31. Nesse aspecto, Sternberg se baseia em parte em 
H . Butterfield, The origins o f history (New York: Basic Books, 1981), p. 80-95.
C O N H E C E N D O A H IS T Ó R IA D E ISRAEL 89
parte da tradição bíblica; sem essa verificação, a implicação ou a afirmação resul­
tante é que não podemos confiar o suficiente no material como fonte para o trabalho 
historiográfico. Por isso, Miller e Hayes, para dar só um exemplo, se preocupam com 
a ausência geral do que chamam de “dados não bíblicos de controle” relativos aos 
relatos de Gênesis-Samuel e do início de IReis. Eles acreditam que, com a falta 
desses dados, não é possível pressupor a confiabilidade histórica da narrativa de 
Gênesis-Josué; hesitam imensamente em usar a narrativa de Samuel para escrever 
sobre Saul, pois alegam não ser possível uma verificação externa da veracidade das 
partes centrais das narrativas; no caso de Davi, fica claro que também prefeririam 
ter o mesmo tipo de verificação externa.4 N a ausência dessa verificação, que consi­
deram tão essencial à tarefa de escrever uma historiografia crítica adequada, o que 
se vê é que ou tentam não dizer nada (no caso de G n—-Js) ou apresentam o que, na 
prática, são desculpas pelo que de fato tentam dizer.5 Soggin, autor de outra obra 
de história de Israel que marcou época na década de 1980, também não está dis­
posto a, sem verificação externa, aceitar referências históricas presentes nos relatos 
bíblicos.6 De fato, as duas obras de história são consideradas obras que marcaram 
época, em parte justamente porque, na medida do possível, aplicam o princípio 
da verificação.
Se os estudiosos mais recentemente chegaram à conclusão de que o pensa­
mento de Miller/Hayes e Soggin é deficiente, não foi por acreditarem que tenham 
ido longe demais nessa direção, mas, sim, por considerarem que não foram longe 
o suficiente. Alega-se que não há evidência externa relativa aos períodos de Davi e 
Salomão e, quanto ao período da Monarquia Posterior, a evidência também é bem 
mais escassa do que se pensava até agora. Uma vez que ainda estamos empenhados 
em verificar evidências referentes ao período pós-exílico, não é de surpreender que 
vários estudiosos exijam o que, para eles, é simples coerência na abordagem adotada 
para o AT e para a história. Se não é possível considerar fonte primária o material 
que abrange Gênesis até as seções de ISamuel devido, ao menos em parte, ao fato 
de que a verificação externa não é possível, por que tratar de modo diferente o 
restante de ISamuel até 2Reis, além de Esdras-Neemias? Assim, tudo parece fun­
cionar de modo a tornar inevitável que qualquer estudioso verdadeiramente crítico 
adote o princípio de suspeitar de todo o AT como obra histórica; de maneira inversa, 
os historiadores que aceitam parcial ou totalmente o enredo bíblico ao escrever
4J. M . Miller; J. Hayes, A history o f ancient Israel and Juâah (Philadelphia: Westminster, 1986), 
p. 74,129,159.
^Quanto à natureza fundamental da verificação conforme a concepção desses autores, cf. Miller; 
Hayes,//wforj/,p. 78. Para exemplos do que na prática são pedidos de desculpa, veja, e.g., p. 129,159-60.
6History o f Israel:from the beginnings to the Bar Kochba revolts, A D 135 (London: SCM , 1984). E.g., 
p. 98 sobre as narrativas patriarcais; p. 110 sobre o Exodo.
90 H IS T Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
seus livros de história de Israel são, nesse aspecto, considerados obscurantista com 
motivação religiosa e não estudiosos críticos.
Nossa posição, por outro lado, é que esse ímpeto apressado em direção ao 
ceticismo é resultado não de ser completamente crítico, mas, sim, insuficientemente 
crítico. E verdade que a crítica é amplamente aplicada, mas não em relação à vaca 
sagrada que está no âmago da questão: o próprio princípio da verificação. Por que, 
afinal, a verificação externa deveria ser um pré-requisito para aceitarmos o valor de 
uma tradição no que diz respeito à realidade histórica? Em vez disso, por que os tex­
tos históricos antigos não deveriam receber o benefício da dúvida em relação às suas 
afirmações sobre o passado, a menos que existam bons motivos para considerar que 
essas afirmações não são confiáveis levando em conta, é claro, seus aspectos literários 
e ideológicos? Em suma, por que devemos adotar um princípio de verificação em vez 
de um princípio de falsificação? Por que o ônus da “prova” do que tem valor histórico 
recai sobre os próprios textos em vez de recair sobre os que questionam o valor de tais 
textos e os consideram falsos? Ao contrário do que muitos parecem pressupor, não se 
pode aceitar que a verificação seja necessária apenas devido & possibilidade geral de que 
um texto não seja de fato confiável como historiografia.7 Temos de admitir a possibili­
dade de isso ocorrer em casos específicos, mas é preciso examinar cada caso a fim de se 
chegar a uma decisão individual a respeito. Não está claro como a possibilidade geral 
conduz logicamente à posição metodológica que acabamos de descrever.
Também não está claro que a noção de verificação ou “prova” que estamos exa­
minando seja coerente sob qualquer condição. De que modo exatamente se imagina 
que a verificação seja possível? Vamos supor que tenhamos um dado arqueológico 
consistente com as afirmações de um texto bíblico sobre o passado. Por acaso isso 
“comprova” que o texto é historicamente exato? Certamente, essa relação tem sido 
frequentemente defendida ou pressuposta. Entretanto, o dado arqueológico, mes­
mo que seja um texto escrito, continua sendo só mais um testemunho do passado; 
o dado não “prova” que o evento ao qual o texto se refere aconteceu. Dados não
7E.g., em “W hose history? W hose Israel? W hose Bible? Biblical histories, ancient and m odem ” 
(in: L. L. Grabbe, org., Can a “history o f Israel” be written?, JSO TS 245/E S H M 1 [Sheffield: Sheffield 
Academic Press, 1997], p. 104-22), P. R. Davies afirma que “o usoda narrativa historiográfica bíblica 
para a reconstrução crítica dos períodos que descreve (em vez dos períodos em que foi escrita) é 
duvidoso e apenas possível quando há dados independentes e apropriados” (p. 105). Entretanto, em sua 
análise anterior não se consegue ver nada que justifique essa conclusão. Aliás, consideramos infundada e 
em conflito tanto com a lógica quanto com a experiência sua afirmação de que “o testem unho histórico 
de qualquer obra será relevante antes de mais nada para a época em que foi escrito” (p. 104). Para uma 
declaração semelhantemente infundada, cf. “Defining history and ethnicity in the South Levant”, de 
T. L. Thompson (in: Grabbe, org., History, p. 166-8): “Todos sabemos que o m undo real representado 
nas assim chamadas ‘historiografias’ [antigas] é o m undo de seus autores; e elas nunca oferecem algo 
melhor do que isso” (p. 180).
C O N H E C E N D O A H IS T Ó R IA D E ISRAEL 91
escritos são ainda menos precisos e mais ambíguos.8 Quantos testemunhos, então, 
são necessários antes que a comprovação final da verdade aconteça? E para quem 
essa verificação é conclusiva? Para todos ou só para alguns? O debate recente sobre a 
história de Israel evidencia que a resposta é de fato “apenas para alguns”. Dados que 
são suficientes para uns são insuficientes para outros, ou até mesmo falsos.9
Isso levanta a questão de até que ponto a verificação está relacionada ao olho 
do observador e se a atitude básica para com os textos não é bem mais decisiva na 
abordagem da história de Israel do que a descoberta deste ou daquele dado externo.10 
Portanto, essa questão nos impele de volta a nossas investigações introdutórias 
quanto ao assunto do método, bem como as aprofunda. Qual é a razão exata para se 
considerar a verificação externa tão central para a tarefa historiográfica, em especial 
quando é tão difícil chegar a um acordo acerca da validade de um dado para a 
verificação? A essa pergunta podemos acrescentar outra, que aprofunda ainda mais 
a reflexão. Quanto da história, antiga ou não, “conheceríamos” caso o princípio da 
verificação fosse aplicado com consistência a todo testemunho a respeito dela, por 
exemplo, ao testemunho dado por Júlio César acerca de sua invasão da Bretanha em 
55-54 a.C., evento de que temos conhecimento apenas porque o próprio César nos 
contou? A resposta clara é “muito pouco” — que é justamente a razão pela qual as 
pessoas que empregam o princípio da verificação, quer historiadores, em geral, quer 
historiadores de Israel, em particular, o fazem apenas de forma seletiva, escolhendo 
com muito cuidado os alvos do seu ceticismo rigoroso. Essa ilusão já mencionada 
anteriormente — a ilusão de que temos conhecimento sem a mediação da fé — só é
8 Acerca da complexidade da tarefa interpretativa com que o arqueólogo se depara, veja F. Brandfon, 
“The limits o f evidence: archaeology and objectivity”, M aarav 4 (1987), p. 5-43.
9Um a boa ilustração da complexidade da ideia de verificação é o debate acadêmico que se seguiu 
à descoberta da inscrição de Tel Dan. Para um resumo proveitoso do debate, veja F. C. Cryer, “O f 
epistemology, Northwest-Sem itic epigraphy and irony: the ‘BYTD W D /Yíouse o f David’ inscription 
revisited”,/SO!T 69 (1996), p. 3-17. Para uma avaliação da inscrição, veja K. A. Kitchen, “A possible 
m ention of David in the late tenth century BCE, and deity *DO D as Dead as the Dodo?”, JS O T 76 
(1997), p. 22-44.
“ Nesse aspecto, observe-se o debate que W. G. Dever (“Identity o f early Israel: a rejoinder to 
Keith W. W hitelam ”, JS O T 72 [1996], p. 3-24) e K. W. W hitelam (“Prophetic conflict in Israelite 
history: taking sides with W illiam G. Dever”,J S O T 72 [1996], p. 25-44) travam sobre cultura material 
e etnicidade. O debate é predominantemente sobre o que os dados arqueológicos revelam de verdade 
a respeito dos moradores da região m ontanhosa central da Palestina durante o final do século 13 e 
início do 12. Entretanto, para as posições definitivas adotadas em cada caso, é decisiva a atitude de 
cada estudioso em relação às tradições bíblicas no que se refere à utilidade delas para o historiador 
como explicações interpretativas dos dados arqueológicos. Seria de grande contribuição para o debate 
acadêmico sobre o que o dado arqueológico específico “sugere” ou “prova”, se os estudiosos fossem capazes 
de expressar com mais clareza suas ideias sobre o que tal dado em geral é capaz de “sugerir” ou “provar” e 
qual papel sua própria teoria interpretativa desempenha na produção de “sugestão” ou “prova”.
92 H ISTÓ R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
de fato possível se o ceticismo for dirigido a alguns testemunhos e interpretações do 
passado e não a outros. Caso contrário, não resta nenhum “conhecimento” seguro ao 
qual se possa recorrer para verificar os dados que são submetidos a “teste”.
Por esse motivo, um método em que a verificação é de importância central só 
poderá (em todos os sentidos) ser parcialmente aplicado. Quanto mais esse método 
for aplicado com consistência, mais ele se tornará inviável, até chegar ao ponto em 
que se percebe que não é possível obter conhecimento real algum do que quer que 
seja. Um dos aspectos notórios, se não também tragicômicos, de obras recentes sobre 
a história de Israel é que vários daqueles que as escreveram parecem imaginar que, como 
resultado da pesquisa empírica, houve um avanço no conhecimento que conduziu ao 
fim do “Antigo Israel”, quando na verdade houve apenas um avanço na ignorância 
como resultado da aplicação pseudoconsistente do princípio de verificação.11
Em resumo, na verdade não existe motivo algum para que qualquer texto — inclu­
sive o AT — que testemunhe do passado seja posto de lado em nossas análises históricas 
até que passe por algum “teste de verificação” obscuro. Concordamos com G. E. Wright:
Seres finitos não conseguem obter provas concretas que tantos pressupõem ser possível 
na conclusão do trabalho científico ou histórico. Por natureza somos seres históricos, e a 
am bigüidade sem pre é um com ponente central da história, quer das hum anidades, quer 
da ciência social, quer da ciência natural.12
De fato, é intrigante que estudiosos bíblicos ainda trabalhem com o princípio 
da verificação em mente depois de mais de trinta anos que A. Richardson disse que 
“ninguém acredita que seja possível ‘provar’vereditos históricos segundo o modelo 
de verificação adotado nas ciências naturais”.13
TESTEMUNHOS ANTIGOS E RECENTES
Há, no entanto, um segundo conjunto de motivos inter-relacionados que tem 
levado estudiosos a cada vez mais expressarem dúvidas sobre seções inteiras da
n Portanto, o “conhecedor” T. L. Thompson, citado no início deste capítulo, diz agora o seguinte: 
“Talvez seja irônico que esse reconhecimento de nossa ignorância acerca da história do período em 
questão seja o que caracteriza os resultados mais conclusivos da pesquisa histórica desta geração! Aliás, 
o reconhecimento dessa ignorância é a principal característica dos mais importantes avanços de nossa 
área de estudo” (“Historiography of ancient Palestine and early Jewish historiography: W . G . Dever and 
the not so new Biblical archaeology”, in: V. Fritz; P. R. Davies, orgs., The origins o f the ancient Israelite 
states, JSO T S 228 (Sheffield: Sheffield Academic Press, 1996), p. 26-43; citação na p. 32).
I2“W h at archaeology can and cannot do”, BA 34 (1971), p. 76.
1:'History sacred and profane (London: SCM , 1964), p. 251.
C O N H E C E N D O A H IS T Ó R IA D E ISRAEL 93
tradição bíblica. A questão não é apenas que a Bíblia “fracassou” no teste de 
verificação, mas também que agora boa parte da literatura bíblica é amplamente 
considerada incapaz, em sua essência, de testemunhar sobre o passado que alega 
retratar. Aqui, no que diz respeito ao historiador de Israel, temos de lidar com 
um legado de regras acumuladas sobre o tipo de testemunho que realmente tem 
valor e os que não têm tanto valor ou não têm valor algum.Ao que parece, essas 
regras foram criadas com o objetivo, por um lado, de tornar mais fácil a vida do 
historiador, desobrigando-o de refletir em casos específicos, e, por outro, de re­
duzir a subjetividade que, de outra forma, seria inevitável quando se decide entre 
testemunhas do passado. E possível listar a seguir as mais influentes dessas regras, 
conforme têm sido adotadas, entendidas e usadas pelos historiadores de Israel 
em particular.
A primeira regra é que, em princípio, o testemunho ocular ou outros relatos 
da época devem ter preferência sobre relatos posteriores.14 Segunda, deve-se dar 
preferência a relatos que não são de natureza muito ideológica ou que não são 
absolutamente ideológicos em detrimento dos que são.15 A terceira e última regra 
é que relatos em conformidade com nossas preconcepções sobre o que é normal, 
possível e assim por diante devem ter preferência aos relatos que não estejam em 
conformidade com essas preconcepções.16
E claro que já faz algum tempo que essas regras vêm sendo usadas e aplicadas a 
secções menores ou maiores da tradição bíblica. O que mudou em tempos recentes 
não foram as regras, mas sim o grau com que o texto bíblico é visto como insatis­
fatório de acordo com essas regras. Estudiosos têm encontrado na Bíblia cada vez 
menos tradições do tipo que recebe boa avaliação como fonte de acesso direto ao 
passado (por exemplo, testemunhas oculares ou fontes antigas) e mais e mais tradi­
ções cuja avaliação não é tão alta. Portanto, parece que, à medida que as passagens 
em que é possível encontrar “história” na Bíblia foram sendo eliminadas, tornou-se 
inevitável o desprezo dos historiadores por ela. Além disso, essa inevitabilidade 
também tem conduzido à percepção de que os que insistem em encontrar história,
14Assim, e.g., em “From history to interpretation”, in: D. V. Edelman, org., The fabric ó f history: 
text, artifact and Israels past, JSO TS 127 (Sheffield: JSOT, 1991), p. 26-64 (tema em pauta nas p. 45-7),
E. A. K nauf reconhece que o historiador deve, em primeiro lugar e acima de tudo, dar atenção a fontes 
primárias, produzidas no desdobramento dos acontecimentos, em vez de se concentrar em fontes que 
foram feitas depois dos eventos. Ele descreve de forma tendenciosa as últimas fontes afirmando que 
o propósito delas era “esclarecer às gerações futuras como se imaginava [grifo nosso] que as coisas 
aconteceram” (p. 46).
13E.g., G. W. Ahlstrõm em “The role o f archaeological and literary remains in reconstructing 
Israels history” (in: Edelman, org., Fabric, p. 116-41).
16E.g., P. R. Davies, In search o f "ancient Israel", JSO TS 148 (Sheffield: JSOT, 1992), p. 32-6.
94 H IS TÓ R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
digamos, nos livros de Samuel estão apenas comprometidos em ser conservadores, 
não estudiosos devidamente críticos.
Contudo, mais uma vez a pergunta importante é: “Quem está sendo realmente 
crítico?”. As regras enunciadas acima não são de modo algum uma expressão da 
“verdade” autoevidente. As alegações feitas sobre a capacidade de essas regras (reu­
nidas e classificadas como regras do “método científico”) nos conduzirem a toda a 
verdade, ou ao menos nos darem condições de julgar a probabilidade de que algo 
ocorreu no passado, são exageradas. A seguir, examinamos cada uma delas, come­
çando nesta seção com a primeira: a “regra” sobre testemunhos antigos e recentes.
No capítulo 2, lidamos com essa questão de modo resumido e geral. Agora 
vamos expor com mais detalhes a nossa posição. Assim como as pessoas que relatam 
mais tarde os acontecimentos, não há nenhum motivo válido para acreditar que as 
testemunhas oculares não sejam também intérpretes dos acontecimentos que viram 
nem há motivo algum para, em princípio, supor que seu testemunho seja mais ou 
menos fidedigno. Aliás, não existe razão para crer que relatos mais antigos são em 
geral mais confiáveis do que os mais recentes. Na verdade, não há absolutamen­
te nenhuma correlação necessária entre o tipo de interação que as “testemunhas” 
têm com os acontecimentos e a qualidade do acesso aos acontecimentos que tais 
testemunhas proporcionam aos outros. É claro que existe a possibilidade de, no 
processo de transmissão de um testemunho específico, as pessoas o terem distorcido, 
tornando-o falso. No entanto, também é possível que não tenham distorcido em nada 
o testemunho original, mesmo quando o contextualizaram de modo totalmente 
novo, talvez extraindo dele um sentido e uma significância nova, acrescentando-lhe 
seu testemunho do passado.
Em tempos modernos, a crença comum tem sido oposta: é inevitável que algo 
sobre a natureza do que podemos chamar de “correntes de testemunhos”,17 que se 
estendem através dos tempos, torne nossas crenças históricas, pelo menos aquelas
17A expressão é de C. A. J. Coady (Testimony: a philosophical study [Oxford: Clarendon, 1992], 
p. 201). Deve-se consultar todo o capítulo sobre “o desaparecimento da história”, que combate o 
ceticismo em relação ã transmissão da tradição. Observem-se também os seguintes estudos relevantes 
para a argumentação que apresentamos a seguir, embora não esgotem de modo algum tudo o que se 
pode dizer sobre a possibilidade da preservação de memórias históricas precisas em textos bíblicos: 
W. W. Hallo, “Biblical history in its Near Eastem setting: the contextual approach” (in: V. P. Long, 
org., IsraeVs past in present research: essays on ancient Israelite historiography, SBTS 7 [W inona Lake: 
Eisenbrauns, 1999], p. 77-97); B. Halpern, “Erasing history: the minimalist assault on ancient Israel”, 
in: Long, org., IsraeVs past, p. 415-26; A. Lemaire, “W riting and writing materiais”, in: ABD , vol. 6, 
p. 999-1008 (com uma longa bibliografia após o verbete); A. Millard, “The knowledge o f w riting in 
Iron Age Palestine”, TynBul46 (1995), p. 207-17; K. A. Kitchen, “The patriarchal age: m yth or history”, 
B ARev 21, n. 2 (1995), p. 48-57, 88, 90, 92, 94-5; R. S. Hendel, “Finding historical memories in the 
patriarchal narratives”, BARev 21, n. 4 (1995), p. 52-9, 70-1.
C O N H E C E N D O A H IS T Ó R IA DE ISRAEL 95
sobre o passado distante, racionalmente incertas. Entretanto, está longe de ser pos­
sível demonstrar a inevitabilidade nessa área, seja em geral, seja no caso de Israel 
em particular.
Em sociedades que não adotam a escrita há uma forte institucionalização de 
boa parte da tradição oral, com controles rígidos que regem sua transmissão em 
relação tanto à frequência e ao contexto de sua repetição quanto às pessoas que têm 
permissão para se envolver no processo de repetição. As vezes, em certos limites 
prescritos, é permitida a variação na história contada, mas frequentemente não (por 
exemplo, quando o relato aborda questões de identidade), e, nesses casos, o narrador 
de histórias que comete erros fica sujeito a autorizações. É possível que algumas das 
nossas tradições do AT (e.g., G n 12— 50) tenham se originado da transmissão oral, 
mas não se pode deduzir com base nisso que essas tradições distorceram inevitavel­
mente as memórias do passado. De um modo ou de outro, a civilização da região 
mesopotâmica de onde, segundo o AT, Abraão procedeu era uma região em que a 
escrita dominava já havia algum tempo. Portanto, a suposição de que nossas tradições 
de Gênesis foram transmitidas apenas de forma oral é somente isso: uma suposição. 
É igualmente possível que ainda em uma etapa bem antiga fossem transmitidas 
em forma tanto escrita quanto oral — permitindo assim a relativa estabilidade da 
tradição que a escrita produz, mesmo em meio à relativa flexibilidade que a tradição 
oral admite — , ou que a forma escrita predominasse até mesmo no início. A questão 
é importante não porque desejamos reconhecer algum defeito inevitável nas corren­
tes de testemunhos orais, mas simplesmente por causa do fato inegável de que, na 
transmissão de testemunhos, registros escritos estabelecem em geral uma proteção 
maior contra lapsos de memória e outros equívocos.
Opróprio AT certamente sugere que a escrita foi empregada pelos israelitas 
a partir da época de Moisés (Ex 17.14) — outra alegação completamente plausí­
vel tendo em vista o fato de que o texto bíblico também informa que Moisés foi 
educado na corte egípcia. Um Moisés histórico educado no palácio do faraó deve 
ter sido ensinado na tradição dos escribas e possivelmente era bilíngüe. Nada há 
de improvável na ideia de que essa pessoa tenha recebido fontes tanto orais como 
talvez escritas procedentes de tempos mais remotos e tenha dado forma a elas na 
tradição original de Israel como vemos representada no Pentateuco. Também não 
há fundamento para supor que, se isso ocorreu, Moisés necessária e inevitavel­
mente o fez com o objetivo de enganar.Tampouco existe base para supor que os que 
passaram adiante a tradição do Antigo Israel encontrada no Pentateuco a tenham 
distorcido, mesmo quando a ampliaram e a tornaram mais precisa. Na verdade, há 
uma clara indicação contrária no fato de que uma das ênfases principais da tradição 
é que a nação de Israel foi inicialmente um povo escravo no Egito — um dado que, 
apesar de não ser nada honroso, determina tanto a religião quanto a ética israelitas.
96 H ISTÓ R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
Não parece que essa tradição seja do tipo que um povo inventa a respeito de si ou 
que transmite sem hesitar, caso seu objetivo seja distorcer sua história.
As descobertas não deixam dúvida de que perto do final do segundo milênio 
a.C. e início do primeiro — período em que Israel já havia surgido como entidade 
reconhecível na Palestina e a monarquia israelita foi fundada — o alfabetismo era 
disseminado na região da Palestina e arredores e a escrita era usada em textos 
legais, comerciais, literários e religiosos. De fato, a escrita já era difundida no 
período pré-israelita, “mesmo em cidades relativamente pequenas e isoladas”— um 
fato elementar que acaba com os argumentos populares e recentes de que, baseados 
no número pequeno da população, não havia alfabetismo na Palestina.18 Os mate­
riais extrabíblicos remanescentes sugerem que, na verdade, a escrita era praticada 
do norte ao sul de Canaã e que, além disso, houve uma mudança após o período 
de Amarna em que o acádio deixou de ser a “língua franca” e passou-se a usar as 
escritas e os idiomas locais da Palestina. Igualmente, no próprio Israel da Idade do 
Ferro, ou seja, em todo o período de 1200 a 587/586 a.C., a escrita foi um fenômeno 
muito propagado, não se limitando apenas a centros populacionais maiores.19 Os 
dados também não justificam tentativas de limitar o alfabetismo a classes específi­
cas (como sacerdotes, escribas ou administradores). Antes, ao que parece, “muitos 
indivíduos [...] eram capazes de escrever na forma alfabética mais simples [...] [e] 
faziam-no por vários motivos e com diversos propósitos”.20 Portanto, é inteiramente
18A citação é de R. S. Hess em “Literacy in Iron Age Israel”, in: V. R Long; G. J. W enham; D. W. 
Baker, orgs., Windows into Old Testament history: evidence, argument, and the crisis o f "biblicalIsrael’’ (Grand 
Rapids: Eerdmans, 2002), p. 82-102; citação na p. 84. A argumentação de Hess é a base de todo nosso 
parágrafo. O ponto de partida de Hess é um artigo recente de I. M . Young publicado em duas partes: “The 
question of Israelite literacy: interpreting the evidence, Parts I— II”, V T 48 (1998), p. 239-53 (primeira 
parte), 408-22 (segunda parte). Nesse artigo, Young argumenta, primeiro, que o alfabetismo em massa 
não pode ter sido um traço do Israel da Idade do Ferro e, segundo, que ler e escrever deve ter sido uma 
habilidade limitada a escribas, sacerdotes e administradores. Hess também observa o papel do livro Scribes 
and schools in monarchic Judah: a socio-archaeological approach, de D. W. Jamieson-Drake (JSOTS 109/ 
SW BA 9 [Sheffield: Almond, 1991]), no reavivamento do interesse pela questão geral do alfabetismo no 
Israel Antigo. Jamieson-Drake defendeu que no Israel da Idade do Ferro a escrita só veio a ser amplamen­
te usada depois do oitavo século a.C., o que se tornou uma ideia popular e errônea entre os estudiosos de 
tempos recentes. Aliás, Hess mostra que “todas as suposições sobre o alfabetismo na Palestina no século 13 
e também na Idade do Ferro I (1200-1000 a.C.) têm de ser questionadas e reexaminadas” (p. 85).
19Portanto, os dados extrabíblicos corroboram a impressão causada pelos textos bíblicos, que pres­
supõem sem quaisquer ressalvas que não apenas líderes como Josué eram capazes de ler e escrever 
(Js 8.32,34; 24.26; comp. 18.4-9), mas também simples cidadãos como o jovem de Sucote, mencionado 
em Juizes 8.14.
20Hess, “Literacy”, p. 95. Hess não está sozinho em sua avaliação positiva do alfabetismo disse­
minado (e antigo) em Israel. Por exemplo, em The Israelites, B. S. J. Isserlin (New York: Thames and 
Hudson, 1998) resiste à ideia de que o alfabetismo “se limitava essencialmente à classe de escribas”
C O N H E C E N D O A H IS T Ó R IA D E ISRAEL 97
plausível que tradições históricas escritas — bem como tradições orais — tenham 
sido produzidas nesse período, logo após os eventos ou mais tarde, e, conforme os 
autores bíblicos afirmam (e.g., em IRs 11.41; 14.19,29 etc.), que elas tenham estado 
à sua disposição — da mesma forma que as tradições estiveram ao alcance, por 
exemplo, dos escribas da corte assíria já nos séculos 12 a 10 a.C. Escribas da corte 
israelita são mencionados em 2Samuel 8.17, 20.25 e IReis 4.3, e bastante m ate­
rial característico de escribas é encontrado ao longo de Samuel e Reis, originado 
em parte, sem dúvida, de arquivos palacianos, que eram bem conhecidos no antigo 
Oriente Próximo.
Como pessoas que registravam o passado, esses escribas e seus sucessores podem 
facilmente ter tido acesso também a bibliotecas de templos, como as encontradas no 
Egito na segunda metade do primeiro milênio, que eram usadas para a educação e o 
treinamento de escribas e abrigavam uma ampla gama de material. A utilização de 
lugares sagrados e especificamente de templos como repositórios de textos é bem 
atestada em todo o mundo antigo. Os egípcios, por exemplo, usavam locais sagrados 
com essa finalidade já no terceiro milênio a.C., assim como os gregos e os romanos 
fizeram posteriormente. O próprio AT reflete essa prática quando descreve, por 
exemplo, a colocação dos Dez Mandamentos dentro do Tabernáculo (Ex 40.16-33; 
D t 10.1-5). Mais tarde, Josefo narra que, em 70 d.C., uma cópia da Lei judaica foi 
levada do templo em Jerusalém para Roma.21 Materiais como esses — encontra­
dos em bibliotecas de templos e representando tradições que remontavam a várias
e cita a existência de grafites escritos encontrados em povoados “possivelmente israelitas” já nos sé­
culos 13 a 11 (p. 20 ,220-1). W . G. Dever defende um alfabetismo funcional em Israel já na Idade do 
Ferro I ( What did the biblical writers know and when did they know i t f What archaeology can tell us about 
the reality ofancient Israel [Grand Rapids: Eerdmans, 2001], p. 114) ou pelo menos por volta do décimo 
século (idem, p. 143, 202-3, 209, 211), e uma tradição oral dinâmica antes disso (idem, p. 279-80, em 
um a citação em que concorda com as ideias de S. N iditch em Oral world and written word: orality and 
literacy in ancient Israel, LAI [London: SPCK, 1997]). E m seu livro Israel in Egypt: the evidence fo r the 
authenticity o f the Exodus tradition (Oxford: Oxford University Press, 1997), J. K. Hoffmeier argumenta 
que “não há motivo algum para negar a capacidade de escrever e registrar informações antes da Idade 
do Ferro” (p. 16). Os argumentos mais fortes que A. R. M illard apresenta a favor do alfabetismo nos 
primórdios de Israel aparecem em vários estudos além do mencionado acima. Em ordem cronológica 
são: “The question o f Israelite literacy”, Bible Review 3 (1987), p. 22-31; “Books in the Late Bronze Age 
in the Levant”, in: S. Izreel; I. Singer; R. Zadok, orgs., Past links: studies in the languagesand cultures t f 
the ancient Near East, Israel Oriental Studies X V III (W inona Lake: Eisenbrauns, 1998), p. 171-81. So­
bre os possíveis motivos pelos quais não sobreviveram mais dados extrabíblicos escritos sobre a história 
remota de Israel, veja tb. as seguintes pesquisas de Millard: “Evidence and argum ent”, Buried History
32 (1996), p. 71-3; “Observations from eponym lists”, in: S. Parpola; R. M . W hiting, orgs,,Assyria 1995 
(Helsinki: 1997), p. 207-11.
21Veja R. T. Beckwith, The Old Testament canon o f the New Testament Church, and its background in 
early fudaism (Grand Rapids: Eerdmans, 1985), p. 80-6.
98 H IS TÓ R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
gerações passadas -— permitiram que Beroso escrevesse sua Babyloniaca (280-270 
a.C.), em que tentou persuadir seus mestres gregos acerca da respeitável antigui­
dade e das grandes realizações dos povos mesopotâmicos. Também permitiram que 
M aneto escrevesse sua Aegyptiaca (c. 280 a.C.), uma história do antigo Egito. Além 
dos arquivos palacianos e das bibliotecas ou dos arquivos dos templos por meio dos 
quais os transmissores do passado podem ter tido acesso à tradição e à legislação 
israelita mais antigas, é possível ainda que pessoas ou grupos de pessoas também 
possuíssem os próprios materiais literários. Outras fontes prováveis de informa­
ção teriam incluído anais estrangeiros e inscrições de vários tipos, com registros de 
informações pessoais (observe-se, por exemplo, 2Sm 18.18; inscrições funerárias 
também seriam úteis) ou de vitórias israelitas ou estrangeiras (como no caso da 
esteia de Messa ou da inscrição de Tel Dan — para mais detalhes, veja ainda a 
segunda parte deste livro, que descreve o período monárquico da história de Israel).
Não há, portanto, motivo algum para pensar que os historiadores bíblicos do 
período monárquico não pudessem ter tido acesso a fontes de informação escritas 
e orais sobre aquele período e sobre períodos mais antigos. Com frequência, eles 
afirmam exatamente o contrário, e no corpus pós-Pentateuco há muitas indicações 
em textos de Josué— Reis de que devemos levar a sério essas alegações. Por exemplo, 
tanto o relato acerca do reinado de Salomão em IReis 2— 11 quanto o da conquista 
israelita de Canaã em Josué 1— 12 têm estrutura semelhante à das antigas “ins­
crições de exposição”.22 Outros dados internos também indicam que pelo menos
22Veja, e.g., “The structure o f Joshua 1— 11 and the Annals o f Thutmose II I” (in: A. R. Millard; 
J. K. Hoffmeier; D. W. Baker, orgs., Faith, tradition, and history: Old Testament historiography in its Near 
Eastern context [W inona Lake: Eisenbrauns, 1994], p. 165-79), em que J. K. Hoffmeier demonstra que 
Josué 1— 11 exibe paralelos formais com as descrições de campanhas militares registradas nos anais de 
Tutmósis III. Ele escreve: “Ambos fazem narrativas longas para descrever as campanhas mais impor­
tantes e relatos curtos e concisos para, mediante o uso de linguagem repetitiva e estereotipada, descrever 
ações menos relevantes. Em ambos se atesta tanto uma declaração-resumo quanto referências a saques 
(Js 8.27; 11.14)” (p. 176). Com o explicação para as semelhanças, Hoffmeier propõe que “é possível atri­
buir os paralelos demonstrados aqui ao fato de os hebreus tomarem emprestada a tradição dos escribas 
egípcios de registrar as ações militares em um diário” (p. 176). Diários egípcios “são mais como um 
diário de bordo do que um a narrativa corrida e registram relatos do dia a dia, compostos por cláusulas 
repetitivas e quase nenhuma variação” (p. 169-70). D e acordo com Hoffmeier, em seções de Josué como 
10.28-42 e 11.10-14 é possível detectar o estilo que lembra um diário (Tagebuchstit). Esses relatos cur­
tos convencionais contrastam com o tratam ento mais completo dado a outros acontecimentos de Josué 
1— 11, como a travessia do Jordão e a captura de Jericó (caps. 1— 6), a vitória final sobre A i (7.1— 8.28), 
bem como a aliança estabelecida com os gibeonitas e a defesa deles (9.1— 10.14).
Hoffmeier observa que, embora alguns defendam que essa “combinação de relatos longos e breves” 
seja “uma idiossincrasia característica do primeiro milênio por esse tipo de combinação ser encontrado 
em textos militares assírios” (p. 173, referindo-se ao argumento de J. Van Seter em “Joshuas campaign 
o f Canaan and Near Eastern historiography” [SJOT 2 (1990), p. 1-12, em especial a p. 7]), o mesmo
C O N H E C E N D O A H IS T Ó R IA DE ISRAEL 99
parte do material que subjaz os livros de Josué23 e Juizes24 foi composta no início da 
monarquia ou mesmo antes. Os livros inteiros de 1 e 2Samuel, com sua ênfase na 
legitimação da nova constituição de Israel, na continuidade da liderança política e na 
sucessão de Davi, fazem muito mais sentido como narrativa composta no contexto 
da época e não em um cenário posterior, como um relato e uma defesa da monarquia
fenômeno aparece nos anais egípcios, em que o relato da primeira campanha do faraó contra M egido 
ocupa 110 linhas, enquanto alguns dos outros relatos ocupam apenas dez (p. 171). Além do mais, o 
relato que os anais fazem dos acontecimentos em torno da batalha de M egido e o relato que o livro 
de Josué apresenta dos acontecimentos referentes à batalha de Jericó revelam estrutura semelhante: 
comissionamento divino, coleta de informações militares, marcha em terreno difícil, estabelecimento 
de acampamento, cerco da cidade e vitória (p. 174). Esses e outros fatores levam HoíFmeier a concluir: 
“no mínimo, as semelhanças ilustram que, quando comparada com um texto militar egípcio, a narrativa 
de Josué tem precedente e que, quaisquer que tenham sido os interesses ideológicos que deram forma às 
narrativas de Josué, continua sendo possível compará-las com textos do segundo milênio que procedem 
de outras regiões do Oriente Próximo” (p. 173). Ele acredita que “o período do Reino Novo, o período 
mais provável para a saída de Israel do Egito e sua entrada em Canaã, é a época mais provável para que 
as tradições do uso de diário pelos escribas egípcios fossem adotadas pelos escribas israelitas e, desse 
modo, deixassem sua marca na composição de Josué 1— 11” (p. 179).
23E.g., em Grace in the end: a study o f Deuteronomistu theology (G rand Rapids: Zondervan, 1993) 
J. G. McConville chama a atenção para o episódio narrado em Josué 22.9-34 sobre o altar construído 
pelas tribos da Transjordânia. Após term inar a distribuição territorial entre as tribos da Cisjordânia 
(veja o resumo em 21.43-45), Josué abençoa as duas tribos e meia da Transjordânia e as envia de volta 
para sua herança (22.1-8). A ação problemática do episódio acontece quando, na travessia do Jordão, as 
tribos da Transjordânia param para construir um altar imponente (22.10). Esse gesto “provocou a ira 
de seus irmãos israelitas, pois implicitamente desafiava a centralidade e a primazia de Siló como local 
de adoração para todo o Israel e também afrontava os direitos de Yahweh entre seu povo (v. 16-20). 
E inquestionável a natureza ‘deuteronômica’das questões aqui tratadas. Entretanto, o fato de o ‘altar do 
S e n h o r ’estar estabelecido em Siló e não em Jerusalém é difícil de ser harmonizado com uma afirmação 
‘deuteronômica’ feita no contexto das reformas josiânicas, que promoveram a adoração em Jerusalém e 
pretenderam suprimi-la em todos os demais lugares, em especial no norte. Por esse motivo, não é fácil 
evitar a conclusão de que ao menos um núcleo da atual narrativa pertence a uma época que antecede o 
período da monarquia, uma época em que se afirmava a centralidade de Siló em Israel (comp. Jz 21.12; 
ISm 1— 3)” (p. 100). Entre as referências bíblicas que apoiam a ideia de que Siló serviu de santuário 
central estão Juizes 18.31; Salmos 78.60 e Jeremias 7.12.
24M uitos comentaristas pressupõem que o cativeiro mencionado em Juizes 18.30 seja o cativeiro 
assírio do Reino do Norte, ocorrido por volta de 722 a.C. Se essa associação estivesse correta, então seria 
possível estabelecer a data como o ter-minusa quo dessa seção de Juizes. McConville (Grace in the end, 
p. 110) contesta, porém, a interpretação argumentando que nada há no texto que indique essa associa­
ção específica. Ao contrário, a referência no versículo seguinte a “todo o tempo em que o santuário de 
Deus esteve em Siló” (18.31) sugere que a maneira mais natural de entender o “cativeiro da terra” m en­
cionado no v. 30 (ARC) seja identificando-o com a queda de Siló, cujo contexto histórico é o domínio 
filisteu anterior à época de Saul. Isso indica alguma data posterior a meados do século 11 como terminus 
a quo do livro de Juizes (ou ao menos dessa seção do livro).
100 H IS TÓ R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
davídica originados de uma época antiga. Aliás, é possível que o relato sobre Saul 
tenha a estrutura de uma antiga cerimônia ritual de posse do rei.25 Por fim, o relato 
de Salomão do livro de Reis corresponde aos ideais reais assírios dos séculos 11 a 9 
a.C., mas não aos ideais comuns posteriormente, sugerindo que o relato teria sido 
inicialmente formulado durante aquele período, em uma interação consciente com 
os ideais assírios aludidos.
Muitos aspectos incidentais de nossos textos, em especial de Samuel-Reis, tam­
bém sugerem sua antiguidade. Entre esses aspectos estão as referências espalhadas 
a várias divindades não convencionais, os nomes estrangeiros que, frequentemente, 
refletem uma fonologia inexistente em textos mais recentes, os muitos topônimos 
que são associados aos heróis de Davi e que não aparecem em textos mais recentes, 
a pressuposição (em 2Samuel) de uma divisão de assentamentos no Neguebe, que se 
harmoniza com a arqueologia do décimo século, mas não com a de séculos posteriores, 
e o número muito alto de grafias irregulares de palavras hebraicas em 1 e 2Samuel, 
o que contrasta não apenas com o restante de Josué— Reis, mas, de forma muito 
mais notória e significativa, com obras pós-exílicas.26 É particularmente significa­
tiva a precisão com que a seqüência de reis assírios é apresentada nos livros de Reis 
correspondendo à seqüência que conhecemos com base nos próprios registros assírios.
Em todos esses fatos, encontramos provas abundantes não apenas de que foi 
possível a transmissão exata em Israel da tradição do período pré-exílico para o 
pós-exílico, período em que essa mesma tradição recebeu sua forma final, mas que
25Veja, e.g., V. P. Long, The reign and rejection ofking Saul: a case fo r literary and theological coherence, 
SBLDS 118 (Atlanta: Scholars, 1989), p. 183-90. Para uma análise mais detalhada da maneira que o 
corpus bíblico, embora estritamente falando, seja único em antiguidade, tem certamente características 
de gêneros literários com paralelos no antigo O riente Próximo que podem ser citados, veja, e.g., 
H . Cazelles, “Biblical and prebiblical historiography”, in: Long, org., IsraeVs past, p. 98-128 (texto 
original em francês publicado em 1991); idem, “Die biblische Geschichtsschreibung im Licht der 
altorientalischen Geschichtsschreibung”, in: E. von Schuler, org., X X IIII. Deutscher Orientalistentag 
vom 16. Bis 20. September 1985 in Würzburg: Ausgewãhlte Vortráge, Z D M G Supplement 7 (Stuttgart: 
Franz Steiner Verlag W iesbaden G M B H , 1989), p. 38-49; Hallo, “Biblical history”; A. M alamat, 
“Doctrines o f causality in H ittite and Biblical historiography: a parallel”, V T 5 (1955), p. 1-12; J. R. 
Porter, “O ld Testam ent historiography”, in: G. W. Anderson, org., Tradition and interpretation: essays by 
members ofthe Society fo r Old Testament Study (Oxford: Clarendon Press, 1979), p. 125-62; J. H . W alton, 
“Cultural background of the O ld Testam ent”, in: D. S. Dockery et al., orgs., Foundations fo r biblical 
interpretation (Nashville: Broadman & Holm an, 1994), p. 255-73.
260 s dados foram extraídos de uma monografia apresentada por B. Halpern no congresso da 
A A R /SB L em São Francisco, Estados Unidos, em 1997, que, pelo que sabemos, ainda não foi publica­
da. Não é de forma alguma um relato exaustivo, por isso não contém tudo o que se pode dizer a respeito. 
Por exemplo, W. G. Dever observa que ISam uel 13.19-21 menciona a antiga medida de pesopym, que 
parece ter sido usada apenas nos séculos 9 a 7 a.C.: veja H . Shanks, “Is this man a biblical archaeologist? 
BAR interviews W illiam Dever, Part Two”, BARev 22, n. 5 [1996], p. 30-7, 74-7; citação nas p. 35-6).
C O N H E C E N D O A H IS T Ó R IA D E ISRAEL 101
isso, de fato, aconteceu. Ao contrário do que alguns têm sustentado, os textos bíbli­
cos simplesmente não aparentam ser mero fruto da imaginação fértil de autores 
que viveram muito tempo depois do exílio. Ao contrário, há muitas indicações de 
que esses autores tiveram acesso aos próprios materiais e também a tradições escritas
— representadas em Gênesis-Reis — , as quais já tinham uma forma relativamente 
fixa e eram imbuídas de autoridade (para eles). Os livros de Crônicas apoiam, de 
forma muito clara, essa afirmação, revelando uma notável dependência dos livros de 
Samuel-Reis — uma fonte que, aliás, reproduzem com frequência palavra por pala­
vra, ao mesmo tempo que, sem dúvida, inserem em seu relato do passado de Israel 
uma vasta gama de outras informações com o objetivo de completar o relato. Não 
há dúvida de que ao longo do período pós-exílico ocorreu um processo contínuo 
que consistiu em dar forma a Gênesis-Reis, mas isso não significa que Gênesis-Reis 
seja básica e essencialmente de autoria tardia. Antes, há muitas boas razões para 
acreditar que não seja esse o caso.
No que diz respeito à natureza de uma “corrente israelita de testemunhos” 
concebida dessa forma, não há nada que torne racionalmente incertas as crenças 
históricas baseadas nela. Alguém poderia contestar dizendo que não conseguimos 
“provar” a existência dessa corrente, já que não temos acesso a todas as supostas 
fontes em que os transmissores se basearam ao fazer seu testemunho. Entretanto, 
isso eqüivale a pressupor que provas são necessárias como fundamento para a fé 
no testemunho, justamente a tese que questionamos neste capítulo. Estamos mais 
interessados no que se constitui a “crença razoável” do que na questão da “prova”; 
e é um grande absurdo argumentar que, para que o exercício da fé no testemunho 
seja razoável, devemos estar familiarizados com uma corrente de testemunhos que 
remonte à época dos eventos e situações passados.27 Tendo em vista os propósitos 
desta seção, tudo o que se deve demonstrar aqui é que podemos racionalmente 
acreditar que no antigo Oriente Próximo, em particular na Palestina, existiram con­
dições que não nos permitem pressupor qualquer separação entre o testemunho 
antigo sobre o passado de Israel e as formas mais recentes de tradição mediante 
as quais esse testemunho chegou até nós. Entretanto, não temos a obrigação de 
apresentar todos os textos intervenientes.
Não seria razoável esperar a apresentação de textos intervenientes nem mesmo 
no caso da história medieval e moderna. D a mesma forma, essa apresentação não é
2/Essa ideia absurda, defendida por Hum e, é analisada por G. E. M . Anscombe em “H um e and 
Julius Caesar” (in: The collectedphilosphical papers o f G. E. M . Anscombe [Oxford: Blackwell, 1981], 
vol. 1: From Parmenides to Wittgenstein, p. 86-92). Anscombe lembra que “a crença na história registrada 
é, em sua totalidade, uma crença de que tem havido uma corrente de tradições com relatos e registros que 
remontam ao conhecimento da época dos acontecimentos; não é a crença em fatos históricos baseada 
em uma inferência que passa pelos elos de tal corrente” (p. 89).
102 H IS T Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
uma expectativa razoável no caso do antigo Israel. Com toda probabilidade, muitos 
desses textos foram escritos em papiro, o que é possível supor com base no fragmento 
do Wadi M urabbat (c. 600 a.C.) e nos inúmeros selos de barro que outrora foram 
usados para manter a confidencialidade de textos em papiro encontrados em sítios 
arqueológicos israelitaspré-exílicos. Os inúmeros óstracos descobertos eram pro­
vavelmente notas administrativas cuja informação deve ter sido logo transferida 
para o papiro — uma prática comprovada na Babilônia, na Assíria e no Egito. 
Esse fato é importante, pois o papiro só sobrevive em ambiente quente e seco. O 
próprio fragmento de Wadi Murabbat só foi preservado devido a uma desidratação 
incomum. Por isso, não surpreende a escassez de descobertas epigráficas do Israel 
pré-exílico. Essa escassez também ocorre no caso de Atenas e Esparta, em épocas 
anteriores ao sexto século a.C. Da mesma maneira, inscrições em monumentos não 
são fáceis de achar, tanto em áreas rurais, em que não se sabe onde procurar, como 
em áreas povoadas, onde muitas construções e reformas foram feitas ao longo dos 
séculos e onde os habitantes frequentemente não partilham do mesmo interesse que 
os estudiosos modernos têm na preservação de materiais antigos. Nesse aspecto, a 
própria história de Israel — constantemente atacado por exércitos, sucessivamente 
assimilado por grandes impérios e continuamente repovoado ao longo do tempo
— não ajuda o historiador. Mesmo em outras partes do mundo antigo não encontra­
mos essas inscrições remanescentes, embora seja provável que existiram. Não temos 
nenhuma esteia aramaica do território do reino de Damasco, que se situava ao norte 
de Israel. Tampouco há qualquer inscrição monumental da Atenas e da Esparta do 
sétimo século, nem do final da era de Herodes, o maior construtor que a Palestina já 
viu, ou dos governantes hasmoneus, nem ainda do Império Carolíngio, que existiu 
muito mais tarde, ou seja, no oitavo século d.C. Todas essas lacunas demonstram, 
entre outras coisas, o absurdo de considerar a inexistência de um tipo específico 
de prova como evidência de que um povo conhecido somente por meio de fontes 
escritas jamais existiu de fato. No que diz respeito ao mundo antigo, além dessas 
fontes escritas, os dados disponíveis são por demais fragmentários e formam uma 
base muito insegura para deduções desse tipo.28
28 A tolice de fazer essas deduções tem sido ilustrada repetidas vezes à medida que surgem dados 
confirmando testemunhos até então isolados: veja o que E. Yamauchi diz em “The current State o f O ld 
Testam ent historiography” (in: M illard et al., Faith, tradition, and history, p. 26-7). Podemos acrescentar 
o seguinte à lista de Yamauchi: no que diz respeito a uma dinastia davídica, até a recente descoberta 
da inscrição de Tel D an não havia nenhuma comprovação extrabíblica independente que remontasse 
ao nono século a.C. Isso não deveria se constituir em um forte motivo para desacreditar a existência 
da dinastia; e é surpreendente que, agora que a inscriçãoyò; encontrada, os que achavam que não havia 
um bom motivo para aceitar a dinastia davídica sejam tão resistentes a admitir que finalmente têm um 
bom motivo para aceitá-la.
C O N H E C E N D O A H IS T Ó R IA DE ISRAEL 103
Assim, concluímos esta seção afirmando novamente que, no que diz respeito à 
confiabilidade dos testemunhos, não se pode defender nenhuma distinção simplista 
e geral entre testemunhos antigos e recentes. É falso o argumento de que o teste­
munho sobre o passado de Israel, que aparece no fim ou perto do fim da corrente 
de testemunhos, é, em princípio, mais suspeito do que aquele que há no começo ou 
perto do início dessa corrente. Não há motivo algum para supor que uma versão 
mais recente de determinada tradição antiga da Bíblia seja verdadeira, assim como 
não há razão para supor que uma versão antiga não seja falsa. É talvez surpreenden­
te o fato de que haja historiadores modernos que sustentem o contrário, visto que a 
tendência típica de muitos deles seja defender que suas versões recentes de tradições 
mais antigas são verdadeiras — aliás, mais verdadeiras do que as tentativas que as 
precederam. O provável motivo para esses historiadores não perceberem tal incon­
sistência é o fato de eles considerarem suas contribuições como “verdade científica” 
em vez de novas versões da tradição. Seja como for, no tocante à cronologia, não 
há nenhuma “regra” ou “método” que possa de fato ajudar a decidir quais testemu­
nhos do passado merecem crédito. Cada testemunho, inclusive o bíblico, deve ser 
considerado em seus próprios termos.
A IDEOLOGIA E O PASSADO DE ISRAEL
Assim, não se pode defender a suspeita ou a dúvida apriorística com base na 
distância que se supõe existir entre o início e o fim da corrente de testemunhos 
bíblicos. Tampouco deve-se justificá-la sob a alegação de que o testemunho bíblico 
é ideologicamente influenciado, ou seja, que contém uma perspectiva específica do 
passado de Israel e tem o objetivo de mostrar a validade dela. Não há relato algum 
do passado que seja livre de qualquer ideologia, ou seja, não existem relatos em que, 
a princípio, se deva confiar mais do que em outros. Também não se deve presumir 
que um relato ideológico não possa ser historicamente preciso.
É claro que entre os textos modernos sobre a história de Israel é comum encon­
trar preconceito contra o testemunho bíblico devido à sua orientação ideológica 
ou teológica. Como certo escritor observou com exatidão, pelo menos desde o 
Iluminismo um pressuposto básico do estudo histórico crítico é que o ceticismo é 
a atitude que se deve adotar diante de textos cujo objetivo básico é apresentar uma 
mensagem religiosa.29 A série de citações de G. W. Ahlstrõm elencadas a seguir 
ilustra essa postura:30
29L. L. Grabbe, “Are historians o f ancient Palestine fellow creatures — or different animais?”, in: 
Grabbe, org., History, p. 19-36; citação na p. 21, nota 6.
30“Role”, p. 118,134; idem, History, p. 50.
104 H IS T Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
U m a vez que os autores da B íblia eram historiógrafos e usaram padrões estilísticos para 
criar um a literatura “dogm ática” — que, como tal, é tendenciosa — pode-se questionar 
a confiabilidade do que produziram .
A historiografia bíblica não é um produto elaborado sobre fatos. E la reflete o enfoque e 
a ideologia do narrador em vez de fatos conhecidos.
O s narradores bíblicos não estavam, de fato, interessados na verdade histórica. Seu 
objetivo não era o mesmo do historiador m oderno — o ideal de “objetividade” ainda não 
havia sido inventado.
Anteriormente, muitos historiadores de Israel acreditavam que, apesar de tudo, 
os “fatos” estavam embutidos na narrativa do AT, dando condições de resgatar ao 
menos em parte o testemunho da narrativa, atendendo assim aos propósitos da 
historiografia moderna. A tendência geral era examinar o material que, existindo 
dentro da narrativa, parecia menos ideológico (e.g., o material cuja forma suge­
ria depender dos anais dos reis) como se realmente fosse menos ideológico. Essa 
tendência ainda pode ser vista em textos mais recentes, mas agora a abordagem 
mais comum envolve simplesmente classificar toda a narrativa do AT como ideo­
logicamente comprometida, quer ela tenha essa “aparência”, quer não,31 e procurar 
a verdade histórica — uma verdade livre de compromissos — em outros lugares. 
Depois de concluir que, como literatura religiosa, a Bíblia não pode ser conside­
rada fonte primária, volta-se a atenção para dados arqueológicos não escritos e 
para dados textuais extrabíblicos. Consideraremos agora esses dois tipos de dados. 
Depois concluiremos esta seção com alguns comentários gerais sobre ideologia e 
pensamento crítico.
A arqueologia e o passado
No capítulo 2, observamos que, no período moderno da historiografia, às vezes 
é pressuposto que os vestígios arqueológicos oferecem a perspectiva para fun­
damentar as declarações históricas em algo mais seguro do que o testemunho. 
Certamente esse pressuposto tem dominado muitos textos sobre a história de Israel. 
Aliás, a partir do final do século 19, a arqueologia da Palestina está sendo dirigida 
pelo desejo de “mostrar” objetivamente que certas coisas são verdadeiras e outras 
não — primeiro, que raças escolhidassão superiores a outras, depois, que a alta
31Quanto à curiosidade em levar essa “aparente” inocência a sério, observe-se o que H . M . Barstad 
escreveu em “History and the Hebrew Bible”, in: Grabbe, org., Can a “history o f Israel” be written ?, 
p. 45-6, nota 25.
C O N H E C E N D O A H IS T Ó R IA D E ISRAEL 105
crítica alemã estava errada ao denegrir a religião e a sociedade israelitas e ao acabar 
com a história mais antiga de Israel, e, finalmente, em tempos mais recentes, que é 
possível explicar o surgimento de Israel na Palestina como evolução cultural secular 
“normal”. Por exemplo, não é de surpreender que encontremos G. W. Ahsltrõm 
(com suas fortes convicções acerca das imperfeições do AT como testemunha sobre 
o passado de Israel) insistindo que, caso queiramos chegar o mais perto possível dos 
“acontecimentos reais” do passado da Palestina, a arqueologia dessa região deve se 
tornar a fonte principal da historiografia.32 Ele faz clara distinção entre dois tipos de 
dados (os textuais e os arqueológicos): “Se o significado dos dados arqueológicos são 
claros, pode-se dizer que eles oferecem uma história mais neutra do que o material 
textual, pois estão livres da Tendenz ou avaliação que facilmente são introduzidas de 
forma gradual nos escritos de um autor”.33
Esse tipo de concepção sobre a natureza dos dados arqueológicos tem sido 
comum entre historiadores de Israel mesmo quando eles reconhecem, às vezes, que 
esses dados podem não estar totalmente corretos ou quando, em alguma parte de 
suas mentes, encontram espaço para a ideia oposta, já desenvolvida neste capítulo, de 
que os dados arqueológicos não são mais “objetivos” ou “neutros” do que outros tipos 
de dados.34 No capítulo 1, vimos como a recente contribuição de K. W. W hitelam 
para o debate sobre a história de Israel manifestou uma espécie de pensamento 
contraditório: há a aceitação absoluta da objetividade dos dados arqueológicos 
quando se acredita que eles conflitam com o testemunho bíblico, ao passo que se 
sugere a não objetividade dos dados arqueológicos quando outros estudiosos 
afirmam que existe correspondência entre eles e o testemunho bíblico. Esta segunda 
ideia sobre os dados está, na verdade, muito mais próxima da realidade do que a 
primeira. Com efeito, todos os arqueólogos apresentam relatos do passado que são 
tão ideologicamente influenciados quanto qualquer outra narrativa histórica e que, 
com certeza, não são uma narração neutra dos fatos. Seria impossível os arqueólogos 
acrescentarem de forma não ideológica o próprio testemunho aos demais testemunhos 
sobre o passado. Não precisamos bater na mesma tecla, pois já analisamos a questão. 
Apenas consideremos a seguir dois comentários que revelam a percepção de que a 
não objetividade arqueológica é um fato, opondo-se claramente a muitas afirmações 
de historiadores científicos modernos sobre a arqueologia. O primeiro comentário, 
em seu contexto, diz respeito à utilidade limitada da arqueologia para quem escreve
^History, p. 28-9, 44.
33 Ahlstrõm, “Role”, p. 117.
34Veja, e.g., outros comentários de Ahsltrõm, em History, em que ele reconhece os aspectos 
criativos e construtivos da arqueologia e nos deixa pensando sobre como é possível encontrar “história 
neutra” (p. 22-3, 31).
106 H IS T Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
especificamente sobre a história de Israel do décimo século, mas mesmo assim tem 
aplicação mais abrangente:
N ão cabe à arqueologia decidir em um debate essencialm ente teórico, cujo desdobra­
m ento até agora tem dem onstrado apenas que os assim cham ados fatos concretos são 
determ inados pelas perspectivas dos debatedores.35
O segundo comentário é mais geral:
Bons estudiosos, ou seja, estudiosos honestos, continuarão a divergir na interpretação 
de vestígios arqueológicos pela simples razão de que a arqueologia não é um a ciência. 
E um a arte. E às vezes não é sequer um a arte m uito boa.36
Textos extrabíblicos e o passado de Israel
Assim como é comum pensar que a arqueologia fornece meios de evitar a ideo­
logia na busca de compreender o passado de Israel, também o é em relação aos 
textos extrabíblicos. Além da arqueologia, acredita-se que esses dados propiciam 
“conhecimento” da entidade concreta chamada “história”— um “conhecimento” que 
indica que não podemos mais acreditar no “Antigo Israel”. Com frequência se con­
sidera que textos antigos, em particular os egípcios, assírios e babilônicos, oferecem 
não apenas uma estrutura cronológica abrangente e confiável da história do antigo 
Oriente Próximo, mas também uma narrativa básica desse passado, mediante a qual 
todo e qualquer testemunho do AT deve ser avaliado. Alega-se que esses textos 
são algumas das principais fontes a que podemos recorrer caso queiramos “avaliar” 
afirmações específicas do AT — algo dito de modo explícito ou implícito — porque 
eles não têm as imperfeições da narrativa do AT no que diz respeito ao aspecto 
ideológico e, em particular, ao religioso. Esses textos nos dão acesso ao passado 
“como realmente aconteceu”.
35C. Scháfer-Lichtenberger, “Sociological and biblical views o f the early State”, in: Fritz; Davies, 
orgs., The origins o f the anáent Israelite states, p. 82; comp. p. 79-82. Observe-se ainda o que G. N. 
Knoppers diz em “The vanishing Solomon: the disappearance o f the U nited M onarchy from recent 
histories o f Israel” (JBL 116 [1997], p. 19-44): “Com parar textos literários com dados materiais 
é altamente preocupante, mas se concentrar em vestígios materiais não é garantia de objetividade. 
A própria interpretação dos artefatos materiais é uma tarefa profundamente subjetiva. Assim como 
acontece com vestígios literários, o significado dos vestígios materiais não é autoevidente [...]. Novos 
dados arqueológicos e epigráficos são bem-vindos, mas a probabilidade de dificultarem a interpretação 
de dados antigos é tão grande quanto a esperança de que possam esclarecê-los” (p. 44).
36H . Shanks, “Is this man a biblical archaeologist? B A R interviews W illiam Dever, Part O ne”, 
BARev 22, n. 4 (1996), p. 30-9, 62-3; citação na p. 35.
C O N H E C E N D O A H IS T Ó R IA D E ISRAEL 107
Bastam aqui dois exemplos desse tipo de pensamento. No desenvolvimento 
de reflexões recentes sobre a produção escrita da história, L. L. Grabbe compara 
o AT e outros textos do antigo Oriente Próximo (em sua maioria assírios) com 
respeito ao testemunho que dão do final da monarquia israelita.37 Grabbe pressu­
põe claramente que os textos do antigo Oriente Próximo descrevem os fatos como 
realmente aconteceram. Assim, ele emprega esses textos para avaliar o material do 
AT e, então, conclui que a Bíblia é “razoavelmente precisa quanto à estrutura” dos 
eventos, mas os detalhes que fornece são, às vezes, “comprovadamente enganosos 
ou totalmente imprecisos, ou ainda completamente inventados”.38 Na mesma obra, 
H . Niehr insiste que se deve manter uma clara distinção entre as fontes primárias e 
as secundárias da história de Israel, pois as fontes primárias “não foram submetidas 
à censura feita, por exemplo, pelos teólogos deuteronomistas, nem passaram pelo 
processo de canonização”. As fontes assírias estão entre as fontes primárias. Niehr 
afirma que ficou comprovado recentemente que a confiabilidade dessas fontes é 
bem elevada.39
No entanto, não estão claras as bases verdadeiramente defensáveis para essa 
prerrogativa epistemológica dos textos extrabíblicos. Esses textos, com certeza, não 
proporcionam acesso imediato ao passado “como realmente aconteceu” — nem 
sequer dizem como o passado “realmente foi” para os próprios povos que os produ­
ziram, muito menos para os israelitas. A realidade é que temos uma percepção bem 
limitada da história desses outros povos, e isso acontece não apenas devido a um 
acidente histórico. Ao contrário, no que diz respeito à maneira que apresenta o pas­
sado, a literatura desses povos não é menos seletiva e ideologicamente influenciada 
do que o AT. Podemos usaros textos assírios como exemplo básico.40
3/“Creatures”, p. 24-6.
3SPara uma refutação da segunda conclusão de Grabbe, veja V. P. Long, “H ow reliable are biblical 
reports? Repeating Lester Grabbes comparative experiment”, V T 52 (2002), p. 367-84.
39“Some aspects o f working with the textual sources”, in: Grabbe, ed., History, p. 156-65; citação 
nas p. 157-8.
40Existe uma extensa bibliografia disponível que, de uma maneira ou de outra, trata da natureza 
seletiva e altamente ideológica das composições elaboradas pelos escribas assírios. Um bom lugar para 
começar o estudo é a breve análise feita por M . Bretder em The creation o f history in ancient Israel (London: 
Roudedge, 1995, p. 94-7) e as referências nas notas de rodapé dessa análise, ou então o capítulo “The 
deeds o f ancient M esopotamian kings”, de M . Liverani (in: J. M . Sasson, org., Civilizations o f the ancient 
N earEast [Peabody: Hendrickson, 1995], vol. 4, p. 2353-66,4 vols.). Aqui é possível apenas mencionar 
outras duas das muitas obras existentes: R M . Fales, ed,,Assyrian royalinscriptions: neto horizons in literary, 
ideological and historical analysis (Rome: Istituto per LO riente, 1981); e K. L. Younger Jr., Ancient conquest 
accounts: a study in ancient Near Eastem and biblical history writing, JSO TS 98 (Sheffield: JS O T Press, 
1990), p. 61-124. A disponibilidade desse tipo de recurso é tão grande que ficamos sem compreender 
como textos assírios são usados em alguns estudos recentes da história de Israel.
108 HISTÓ R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
Não há como negar que as várias inscrições e crônicas assírias escritas a par­
tir do nono século a.C. — especificamente a partir do reinado de Salmaneser III 
(858-824 a.C.) — sejam fontes externas importantes para qualquer obra sobre a 
história de Israel. Salmaneser e muitos de seus sucessores realizaram campanhas 
militares em toda a região entre o Eufrates e o Egito e, por fim, no oitavo século, a 
dominaram. Por isso, textos que tiveram origem durante seus reinados são frequente­
mente importantes para o estabelecimento de um contexto mais amplo no qual as 
narrativas bíblicas podem ser lidas.41
Contudo, o primeiro aspecto a se observar sobre esses registros é que eles são 
desproporcionais, em particular quando tratam das atividades dos reis assírios em 
sua fronteira ocidental — e, é claro, Israel estava situado a oeste da Assíria. As 
fontes escritas da época do reinado de Salmaneser III são abundantes, mas não se 
pode dizer o mesmo das fontes de seus sucessores Shamshi-Adad V (823-811 a.C.), 
Adad-Nirari III (810-783 a.C.), Salmaneser IV (782-773 a.C.), Assur-Dan III 
(772-755 a.C.) e Assur-Nirari V (754-745 a.C.). A situação melhora de maneira 
notória quando chegamos ao reinado de Tiglate-Pileser III (744-727 a.C.), con­
dição que persiste nos reinados seguintes até Assurbanipal (668-630 a.C.). Aqui, 
as fontes em geral são numerosas e relevantes, embora haja exceções notáveis. Por 
exemplo, não sabemos praticamente nada sobre o reinado de Salmaneser V (736-722 
a.C.). Ademais, algumas dessas fontes — quando não se perderam — não estão em 
boas condições. Por exemplo, trechos consideráveis dos anais de Tiglate-Pileser III 
chegaram até nós em condições sofríveis, ao passo que, no caso de Esar-Hadom 
(680-669 a.C.), temos apenas fragmentos dos seus anais. Tudo isso representa certos 
desafios mesmo para os que estão absolutamente decididos a escrever uma história 
da Assíria. Assim, fica claro que, com base apenas no que as fontes assírias tratam, não 
se deve dar demasiado valor ao grau com que podem ajudar a escrever uma história 
de Israel. Como A. Kuhrt diz sobre todo o Levante: “...são as fontes reais assírias 
que fornecem as informações mais ricas e, da perspectiva cronológica e histórica, os 
dados mais úteis sobre os Estados com os quais entraram em contato. Mas se deve 
reconhecer que essas informações ajudam a formar apenas um quadro bem parcial”.42 
Entretanto, o problema que surge na reconstrução da história assíria — à medida que 
proporciona um contexto para a história israelita — não reside apenas na despropor- 
cionalidade das fontes como uma questão de contingência histórica, mas também em 
sua natureza, o que nos leva ao ponto principal desta seção sobre ideologia.
41No que diz respeito a textos do antigo Oriente Próximo em geral, no capítulo “Story, history and 
theology” (in: M illard et al., orgs., Faith, tradition and history, p. 37-64) A. R. M illard analisa muito bem 
essa questão usando principalmente exemplos assírios.
42The ancient Near East c. 3000-330 B. C. (London: Routledge, 1995), vol. 2, p. 459,2 vols.
C O N H E C E N D O A H IS T Ó R IA DE ISRAEL 109
As fontes que fornecem a estrutura principal para a reconstrução da história 
da Assíria e regiões adjacentes a partir do décimo século têm origem na corte 
real assíria. As principais fontes são os “anais reais” mencionados anteriormente — 
memórias pessoais de reis que contêm relatos de suas realizações, em especial de 
campanhas militares. Qual é a natureza desses relatos?43
Antes de tudo, são claramente seletivos no que dizem, o que não podia ser 
diferente, visto que toda escrita histórica é seletiva.44 Por exemplo, embora os anais 
de Sargão II (721-705 a.C.) refiram-se a uma campanha contra Asdode ocorrida 
por volta de 713 a.C., não mencionam nesse contexto o envolvimento (ou possí­
vel envolvimento) de Judá, do qual temos conhecimento por uma fonte diferente. 
Nesse caso, provavelmente devemos explicar a seletividade apenas como falta de 
interesse assírio na minúscula Judá. Entretanto, algo mais significativo é que os 
anais de Sargão II afirmam que ele mesmo conquistou Samaria, a capital israe­
lita, por volta de 722 a.C.. Contudo, tanto o AT (2Rs 17.1-6) quanto a Crônica 
Babilônica45 indicam que o conquistador foi Salmaneser V. Esse fato levanta pelo 
menos a possibilidade de que os escribas de Sargão estavam decididos a embelezar 
os registros desse rei, atribuindo-lhe uma vitória que, no sentido estrito, não foi sua. 
De modo análogo, parece que a menção às campanhas de Senaqueribe em Que e 
Til-Garimmu, ocorridas na primeira década do sétimo século a.C., foi removida 
das edições posteriores dos anais daquele rei, talvez porque o próprio rei não as
43Para uma análise breve e proveitosa dessas e outras fontes sobre o Império Neoassírio, veja idem, 
p. 473-8 ,501-5 ,540-3 .
44Não apenas os anais assírios são seletivos. O mesmo se aplica à Lista de Reis Assírios, influen­
ciada por vários aspectos; por exemplo, quais eram os reis reconhecidos ou conhecidos pelos autores ou 
acerca de quais reis os autores queriam escrever. Vale também para as crônicas limmu, que, de meados 
do nono século até o final do oitavo a.C., relacionam epônimos assírios (oficiais que deram seus nomes 
para cada um dos anos sucessivos do calendário assírio) com um a breve observação sobre um evento 
específico ocorrido naquele ano. Uma ocorrência particular é necessariamente um evento selecionado 
dentre muitos; e, aliás, o acontecimento significativo que a crônica associa a determinado ano nem 
sempre aparece nos anais daquele ano. A brevidade dos próprios verbetes gera certos desafios para sua 
interpretação, bem como para a dedução sobre a região onde realmente podem ter ocorrido as campa­
nhas militares mencionadas com frequência. A correlação entre, de um lado, topônimos textuais assírios 
e, de outro, regiões e cidades antigas é repleta de dificuldades. Como S. Parpola diz em Neo-Assyrian 
toponyms (AOAT 6, Neukirchen-Vluyn: Neukirchener Verlag, 1970), “especialmente a localização de 
povos e países apresenta dificuldades, pois muitos povos não ficavam permanentemente em um único 
lugar [...] e, ao que parece, os próprios antigos nem sempre estavam bem informados sobre as exatas 
fronteiras de outros países” (p. xv). Aqui, como em qualquer outra área do empreendimento histórico, 
não estamos lidando com uma ciência exata.
45A CrônicaBabilônica é uma fonte im portante para a história do antigo O riente Próximo no 
período entre 744 a.C. e 668 a.C., pois oferece um relato ano a ano de acontecimentos políticos que 
afetaram a região da Babilônia, com referências úteis para a verificação das alegações de textos assírios.
110 HISTÓ R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
houvesse conduzido ou o resultado final de cada uma não tenha sido favorável 
(a vitória contra Que teve um custo elevado e a vitória contra Til-Garim m u não 
trouxe aparentemente vantagem alguma em longo prazo).46
N a verdade, estes últimos exemplos correspondem a um padrão muito maior que 
nos ajuda a notar que os anais dos reis assírios são seletivos pelo fato de seus auto­
res terem não apenas demasiado material diante de si, mas também determinados 
objetivos, ou seja, os anais são influenciados ideologicamente. Talvez a própria palavra 
“anais” contribua para obscurecer a compreensão de alguns estudiosos do AT que 
interagiram com esse material em anos recentes, pois, para o leitor moderno, “anais” 
tem a conotação de “crônica objetiva”. É claro que “crônicas objetivas” não existem, 
mas mesmo que existissem, ainda assim não se poderia considerar esses “anais” com 
essa natureza.47 Na verdade, eles são textos basicamente comemorativos, dedicatórias 
de construções redigidas originalmente para relatar a devoção do governante a um 
deus e com o objetivo de despertar a admiração de pessoas que no futuro fossem
46Para textos relevantes e alguns comentários, veja D . D . Luckenbill, The A nnah o f Sennacherib, 
U C O IP 2 (Chicago: University o f Chicago Press, 1924), p. 14,23-47 (em especial a transição da quinta 
para a sexta campanha, na p. 38), 61-3.
47Até mesmo a crônica limmu, que chamamos de “crônica”, está longe de ser “objetiva” nesse sentido 
estrito, pois revela um ponto de vista particular. Por exemplo, a crônica menciona certo Shamshi-Ilu tanto 
como epônimo do ano 752 a.C. quanto como portador do importante cargo administrativo e militar de 
turtanu (comandante-chefe). Não sabemos quando ele se tornou turtanu, mas deve ter deixado de ocu­
par essa posição antes de 742 a.C., quando aparece o nome de outro nesse cargo. D e qualquer maneira, 
essa é a perspectiva que a crônica tem de Shamshi-Ilu. E provável, porém, que a realidade seja bem mais 
complexa. As próprias inscrições em sua residência na província de Til-Barsip descrevem Shamshi-Ilu, 
entre outras coisas, como “governador da terra de H atti” — praticamente o governante assírio do oeste. 
E plausível a identificação que muitos fazem da vitória reivindicada por ele sobre Argishti de Urartu com 
as campanhas contra Urartu registradas na crônica do período de 781 a 774 a.C., embora a própria lista 
nos leve a pensar que Salmaneser IV foi o verdadeiro responsável por isso. A Esteia de Pazarcik sugere que 
é de fato a campanha de Shamshi-Ilu contra Damasco que aparece na crônica referente a 773 a.C. Neste 
caso, temos, então, um importante personagem “semirrégio”; e o caso de Shamshi-Ilu não é o único exem­
plo de perspectivas aparentemente divergentes nos registros assírios desse tipo. Por exemplo, podemos 
também mencionar Nergal-Erish (epônimo de 803 e 775) que, de acordo com a crônica, foi governador 
da província de Rasappa, a respeito do qual se sabe que, conforme indicado em várias inscrições, governou 
uma região muito mais ampla e desempenhou papel de destaque em várias campanhas no ocidente.
Esses exemplos levantam questões interessantes sobre a exata relação entre o que os nossos vários 
textos afirmam sobre os detentores do poder no Império Assírio em determinado m omento e as reali­
dades concretas do poder. Somos lembrados da realidade inevitável de que, com o objetivo de persuadir 
o leitor acerca de alguma verdade, até mesmo as “crônicas” sempre descrevem o passado seletivamente 
e de um ponto de vista particular. Como Kuhrt diz sobre Shamshi-Ilu, principalmente, “na perspectiva 
assíria, ele e seus antecessores eram governadores de províncias, servos do rei assírio; mas, em suas 
respectivas áreas de autoridade e no que diz respeito a seus vizinhos, podiam se apresentar [...] como 
soberanos locais” (AncientNear East, vol. 2, p. 493).
C O N H E C E N D O A H IS T Ó R IA D E ISRAEL 111
lê-las. Os reis assírios entendiam que atuavam na terra como vice-reis dos deuses. 
As tarefas dos reis (isto é, aquelas que mereciam registro) abrangiam governar seus 
súditos, estender seu poder até os rincões mais longínquos da terra e, como retribuição 
pelo poder e vitórias que os deuses lhes concediam, construir templos e manter o culto 
a esses deuses. Os assírios registravam tudo isso em tábuas memoriais, em prismas, em 
cilindros de barro, em obeliscos, em esteias, nas paredes de palácios e nos templos. Os 
anais em particular eram normalmente reeditados muitas vezes durante um reinado. 
A maioria dos textos que sobreviveu é produto de considerável redação, seleção e 
combinação de várias fontes pelos escribas desejosos de enaltecer o governante da 
melhor maneira possível. Cada nova edição podia envolver não apenas a atualização 
dos registros do rei, mas também uma remodelação significativa de todo o relato.
Nessas circunstâncias, uma descrição precisa dos acontecimentos não era necessa­
riamente e nem sempre o motivo principal ou orientador dos escribas reais. Ademais, 
é certo que não podemos esperar que essas inscrições fossem “objetivas”, mesmo 
quando estejamos razoavelmente seguros de que seu propósito era o de serem preci­
sas. Ao contrário, são obras de arte literária com ênfase política e religiosa. Por isso, 
os relatos detalhados de conquistas de outros Estados são estilizados e repetitivos, e, 
com frequência, as afirmações de soberania régia são hiperbólicas e tendenciosas. Isso 
não significa que não tenham conteúdo factual nem que os escribas necessariamente 
tivessem o hábito de falsificar intencionalmente os eventos. Mesmo assim, na busca 
da glorificação do rei, omitem-se fracassos, destacam-se sucessos e fazem-se os 
relatos com intenção artística, de forma que um leitor descuidado que não entenda o 
gênero e o estilo desses relatos pode ser seriamente induzido ao erro sobre a realidade 
histórica a que eles se referem.48 Nas palavras de Kuhrt:
48Por exemplo, diante da versão dos anais de Senaqueribe que aparece na inscrição do prism a do 
Instituto Oriental da Universidade de Chicago, o leitor inexperiente poderá imaginar que está diante 
de um registro objetivo das oito campanhas militares de Senaqueribe. Contudo, sabemos de outras 
campanhas não registradas ali, e é questionável se as “oito” campanhas mencionadas tiveram, de fato, 
natureza e importância semelhantes. D a perspectiva de Luckenbill, a omitida cam panha contra Que 
foi um a empreitada m ilitar m uito mais im portante do que a chamada “quinta” campanha, de 699 a.C., 
que foi apenas um ataque inicial executado contra alguns povoados, tendo sido registrada porque 
“a vaidade do rei exigia que campanhas régias fossem registradas com expressões grandiloqüentes 
gravadas em cilindros ou prismas de dedicação ou nas paredes do palácio que constantem ente era 
ampliado em Nínive” (Annals, p. 14; veja acima mais detalhes a respeito). Acerca de outros comentários 
sobre as inscrições de Senaqueribe, veja A. Laato, “Assyrian propaganda and the falsification o f history 
in the royal inscriptions o f Sennacherib”, V T 45 (1995), p. 198-226. Fica evidente a necessidade de 
o leitor ser cauteloso ao passar do texto para o acontecimento histórico. Senaqueribe não é um caso 
isolado. Observe-se, por exemplo, a análise que A. T. Olm stead faz em Assyrian historiography: a source 
study (Columbia: University o f M issoury Press, 1916, p. 53-9) acerca das várias maneiras que as “cam­
panhas” do reinado de Assurbanipal são tratadas nos registros daquele reinado.
112 H IS TÓ R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
E m inscrições dessa natureza, considerações como veracidade dos fatos,avaliações 
equilibradas, precisão h istó rica e objetividade desem penhavam um papel de m enor 
im portância do que façanhas espetaculares, sucesso — em lugar de fracasso — e a atuação 
pessoal do rei nesses feitos heroicos: o rei como centro de toda ação. O que era apresen­
tado era a verdade de acordo com a ideologia assíria...49
Os escribas da corte assíria estavam, na realidade, mais interessados na imagem 
do rei e em suas atividades como guerreiro do que em simplesmente registrar os 
fatos de seu reinado, o que seria o caso se estivessem compondo “anais” ou “inscri­
ções de exposição” nas paredes do palácio. Os artistas que produziram relevos com 
narrativas — usados pelos reis assírios na decoração de seus palácios — partilhavam 
dos mesmos objetivos. Também se concentravam em guerras, vitórias e obras apre­
sentando seu monarca como mestre em todos os aspectos da vida (se bem que com 
a ajuda direta dos deuses).
Portanto, é óbvio que as fontes assírias não oferecem acesso direto aos fatos 
brutos da história, à luz dos quais poderíamos então fazer juízos sobre a preci­
são dos textos “seletivos e ideologicamente influenciados” do AT. Aliás, em nosso 
esforço para conhecer o passado de Israel não existe, em princípio, base alguma 
para conceder qualquer prioridade epistemológica às fontes assírias. Quando pro­
cedemos assim, o fundamento instável em que nos posicionamos fica evidente em 
exemplos bem conhecidos do passado, como é o caso da afirmação de Sargão II de 
que conquistou Samaria. Antes, quando os estudiosos dispunham apenas dos anais 
de Sargão e da Bíblia, a opinião comum era que Sargão estava apenas “contando 
os fatos como realmente aconteceram” e que 2Reis 17 estava simplesmente errado. 
A Crônica Babilônica nos oferece hoje material adicional para refletir sobre essa 
questão. A história antiga é vasta e complexa, e nosso escasso testemunho a respeito 
dela só pode proporcionar vislumbres dessa vastidão e complexidade. Não faz sen­
tido algum considerar absolutamente certa uma parte desse testemunho para, então, 
usá-lo como padrão na avaliação de todo o restante. E especialmente estranho que 
às vezes se afirme que o testemunho extrabíblico é preferível ao testemunho bíblico 
devido à natureza religiosa do último. É claro que a religião também permeia aquele 
testemunho, em especial as referências costumeiras ao envolvimento ou intervenção 
divina em assuntos militares. A intenção teológica é clara, por exemplo, tanto nas 
inscrições de Senaqueribe quanto na literatura bíblica.
Depois de concentrarmos a atenção em textos assírios, devemos agora deixar 
claro, de modo mais resumido, que a situação não é diferente no caso de qualquer 
outra fonte não bíblica. No Egito, por exemplo, os faraós também se consideravam
49Ancient Near Eastj p. 475.
C O N H E C E N D O A H IS T Ó R IA D E ISRAEL 113
vice-reis terrenos dos deuses, e não é de surpreender que seus textos apresentem 
exatamente os mesmos desafios encontrados nos textos assírios. Acrescente-se 
a isso o fato de que a cronologia da história antiga antes do décimo século — o 
período em que os historiadores de Israel têm mais interesse no Egito devido à 
sua centralidade na história de Israel, antes que este se fixasse na Palestina — é 
bem menos segura do que a cronologia do período posterior ao décimo século. Por 
isso, questões cronológicas continuam sendo debatidas e causando dificuldades 
quando se lê a história de Israel tendo como pano de fundo os textos egípcios 
considerados relevantes para ela.50 Entretanto, a ideia central é que, se lidamos 
com textos mesopotâmicos, egípcios ou hititas ou mesmo com uma inscrição de 
um dos vizinhos mais próximos de Israel, como é o caso da Pedra M oabita — 
escrita em linguagem convencional e com certa dose de hipérboles, pelo menos 
na afirmação de que “Israel pereceu para sempre” (veja mais detalhes no capítulo 
que trata da monarquia israelita) — então lidamos o tempo todo somente com 
textos seletivos e ideologicamente orientados. Na verdade, toda historiografia é 
assim: escrita por pessoas que adotam uma cosmovisão geral e um ponto de vista 
particular, os quais elas aplicam à realidade tentando organizar seletivamente os 
fatos do passado em algum modelo coerente e tendo em vista um fim específico.
Ideologia e historiografia
Resumindo toda esta seção até aqui, não há em nenhum lugar um relato do passado 
que não seja de natureza ideológica e que, portanto, possa ser mais confiável que outros.
50O ponto fixo a partir do qual, m ediante retroprojeção, se estabelece a cronologia egípcia é o 
saque de Tebas, feito pelo im perador assírio Assurbanipal na data relativamente tardia de 664 a.C. 
Visto que esse foi também o último ano do reinado do faraó Tiraca em Tebas, podemos, assim, retro­
ceder a partir dele, fazendo uso da história do Egito escrita por M aneto, conforme parcialmente 
preservada por Josefo, e tam bém dos relatos de H eródoto e Diodoro Sículo (um historiador grego 
que viveu na Sicília no primeiro século a.C. e escreveu uma história parcial do Egito). Com a ajuda, 
então, de descobertas arqueológicas (e.g., dados fornecidos por inscrições) é possível fazer correções. 
D o mesmo modo que ocorre com a história do A ntigo Israel, a cronologia do Egito Antigo depende 
bastante de testem unhos, interpretação e fé; e, de um modo ou de outro, achados arqueológicos suge­
rem na verdade que, para elaborar um a história do Egito, não basta fazer um a soma simples das datas 
apresentadas por M aneto, um a vez que deve ter havido algumas dinastias coextensivas no Egito (tal 
como na Assíria). O número dessas dinastias coextensivas ainda é incerto. Para um a análise breve e 
proveitosa da cronologia egípcia, veja Ancient Near East, de Kuhrt, em que o comentário desse autor 
sobre o período de nosso interesse aqui (o “Terceiro Período Interm ediário”, 1069-664 a.C.) nos 
lembra quão cuidadosos devemos ser como historiadores de Israel quando usamos fontes egípcias: 
“E absolutam ente impossível escrever um a história narrativa [do Egito nesse período], pois é muito 
grande o número de lacunas” (vol. 2, p. 623-6; citação na p. 626).
114 H IS T Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
Mesmo assim, o acesso real ao passado não está indisponível. Nesta seção, 
o propósito de nossa análise foi apenas afastar o mito de que o testemunho extrabíblico 
representa uma classe de dados disponível ao historiador de Israel diferente dos 
dados que a Bíblia apresenta — o mito de que é possível usar textos extrabíblicos 
para produzir uma entidade concreta denominada “história factual” que pode, 
enfim, ser empregada para serem feitos juízos definitivos sobre o testemunho do AT 
acerca do passado de Israel. Uma vez que todos os textos que falam do passado são 
ideológicos, não é possível priorizar alguns em detrimento de outros sob a alegação 
de que, de alguma maneira, os primeiros são “neutros”. Contudo, nosso objetivo 
não foi sugerir que textos ideológicos não possam contar a verdade sobre o passado. 
Ao contrário, não devemos supor antecipadamente que qualquer testemunho sobre 
o passado, qualquer que seja sua forma ideológica e seu grau de parcialidade, não 
fale com honestidade sobre o passado. Essa afirmação é válida quer pensemos 
no testemunho do arqueólogo, quer do escriba assírio, quer do autor bíblico. Em 
ocasiões específicas talvez achemos necessário crer que determinado testemunho 
seja falso, em especial quando estamos diante do que, depois de consideração 
cuidadosa, parece um conflito direto de testemunhos. Porém, a mera presença de 
ideologia não deve nos levar a essa conclusão. Por exemplo, não devemos supor 
antecipadamente que a “censura” empregada pelos teólogos deuteronomistas (como 
Niehr o expressa) necessariamente impediu que, nos textos pelos quais se acredita 
que os deuteronomistas são responsáveis, surgisse um quadro verdadeiro (ainda que 
parcial) do passado. Tampouco devemos pressupor que, apenas pelo fato deque a 
narrativa da ascensão de Davi ao poder em ISamuel é pró-davídica no sentido de 
tentar eximir Davi de culpa ,“os materiais tradicionais sobre Davi não podem ser 
considerados uma tentativa de escrever história como tal” e não nos dão acesso ao 
passado real51 — aliás, a narrativa da ascensão de Davi segue um padrão literário 
encontrado em outras regiões do antigo Oriente Próximo que tenta eximir as pessoas 
de culpa. Em si mesmo, o fato de lidarmos com material apologético tanto na forma 
quanto no conteúdo não demonstra que a ação do texto afirma é inverídica (por 
exemplo, a função central do relato é mostrar que Davi era de fato inocente). Para 
que o autor comunique ao público a quem escreve algo significativo sobre o passado, 
é inevitável que toda escrita histórica precise usar as formas e convenções literárias 
disponíveis a ele e conhecidas de seu público. Contudo, a presença dessas formas e 
convenções em um texto específico não impede a intenção de narrar o passado real 
nem significa que não exista nenhuma possibilidade de falar com exatidão desse 
mesmo passado. Uma análise mais completa do assunto será feita no capítulo 4.
S1N. P. Lemche, Ancient Israel: a new history oflsraelite society, BSem 5 (Sheffield: JSOT, 1988), 
p. 52-4.
C O N H E C E N D O A H IS T Ó R IA DE ISRAEL 115
Por enquanto, podemos observar que pouquíssimos estudantes de história antiga 
duvidariam que um relato assírio ou babilônico de uma campanha em particular 
se relaciona com exatidão com uma campanha histórica real só forque o relato está 
escrito em linguagem convencional e estilizada, com habilidade literária e com 
a afirmação de que uma divindade interveio em favor dos vencedores. Por isso, 
causa espanto que com tanta frequência os estudiosos bíblicos pareçam tentados a 
estabelecer uma ligação tão superficial entre forma e conteúdo no caso da literatura 
israelita antiga. A literatura ideológica também pode, no todo ou em parte, ser 
literatura historicamente exata.
Ideologia e pensamento crítico
Um comentário final sobre a ideologia e o pensamento crítico: conforme visto no 
capítulo 2, uma ideia moderna bastante comum é que o pensamento crítico não foi 
um aspecto notável da historiografia pré-moderna — se bem que os antigos gre­
gos supostamente estiveram próximos desse ideal. Em relação à história de Israel 
em particular, esse preconceito torna a surgir quando se alega, como ocorre 
comumente, que, ao contrário de alguns gregos, nossos autores bíblicos não são his­
toriadores críticos, o que torna problemático o acesso ao passado por meio de seus 
textos (ideológicos). No entanto, é bastante questionável “deduzir”, com base nas 
alegações que certos gregos antigos fizeram sobre suas intenções críticas e na ausência 
de tais alegações em textos hebraicos antigos (assim como em outras tradições literá­
rias do antigo Oriente Próximo), que é inevitável a existência de uma diferença real e 
substancial entre (alguns) gregos e (todos) os hebreus. Como vimos, no que diz res­
peito ao interesse do autor pela distinção entre a verdade e a falsidade históricas, não 
se pode defender qualquer diferença generalizada entre a historiografia que precede 
o século 19 e a historiografia a partir daquela época. Pode-se acrescentar a isso que 
historiadores gregos como Tucídides e Heródoto certamente tinham uma cosmovi- 
são e não descreveram o mundo “como realmente foi”, livres de ideologias. Também 
nesses casos, o pensamento crítico coexistiu com a fé. Além disso, o que é muito 
curioso sobre a alegação que estamos tratando aqui é a pressuposição de que existe 
alguma relação necessária entre as intenções declaradas de um historiador e a utilidade 
de seu relato. Pode-se muito bem imaginar um autor cujas intenções de ser crítico 
fizeram com quefalhasse em transmitir um testemunho importante do passado real, 
assim como se pode imaginar um autor que, sem atitude crítica, mas com êxito, trans­
mitiu esse importante testemunho. Contudo, nesse aspecto, a imaginação de alguns 
que hoje contribuem para o debate sobre a história de Israel é talvez limitada porque 
são incapazes de crer na possibilidade de haver um abismo entre, de um lado, sua in­
tenção de ser críticos e, de outro, sua compreensão e transmissão da verdade histórica.
116 H IST Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
A ANALOGIA E O PASSADO DE ISRAEL
Acerca das “regras” da historiografia científica, nossa afirmação final é esta: não há 
bons motivos para crer que um testemunho, apenas por não violar nossa percepção 
do que é normal e possível, seja nesse aspecto mais provavelmente verdadeiro do 
que outro; e também não há bons motivos para crer que um relato que descreve 
algo único ou incomum seja, por essa razão, suspeito e não mereça confiança.
Quando os estudiosos asseveram o contrário, isso ocorre porque abrigam no 
fundo da mente o princípio da analogia, como conhecido na famosa formulação de 
E.Troeltsch. O argumento deTroeltsch era que os acontecimentos que a crítica pode 
reconhecer como de fato ocorridos no passado têm como marca característica da 
realidade a conformidade com acontecimentos e condições normais e costumeiros 
ou, pelo menos, com atestados com frequência em nossa experiência. Analisamos 
cuidadosamente o testemunho do passado em relação à experiência presente, che­
gando a juízos sobre o que é histórico mediante a reflexão sobre nossa “experiência 
normal”. Essa formulação do princípio da analogia é central em boa parte do 
empreendimento histórico desde o século 19, pois é evidente que está de acordo 
com a abordagem científica da história em geral e com a abordagem positivista em 
particular, em suas tendências generalizantes.
Contudo, aqui também cabe uma reflexão crítica. Quem é o “nós” de Troeltsch? 
Quem é aquele cuja “experiência normal” deve ser empregada para fazer juízos 
sobre “o que realmente aconteceu” na história? Não pode ser a experiência nor­
mal e individual do próprio historiador — o ser cartesiano que, trabalhando de 
dentro para fora, começa com certezas particulares e chega a teorias abrangentes. 
Historiadores aceitam regularmente a realidade de acontecimentos e práticas que 
estão fora do alcance de sua experiência imediata e são sábios ao proceder assim, 
pois sua experiência, que é determinada por sua época e afetada por sua cultura, 
tem limitações drásticas. Talvez devamos, então, ampliar a noção de experiência 
normal e, em vez disso, nos referirmos à “experiência humana comum” — esse 
grande poço de sabedoria da humanidade em geral. Na realidade, essa tem sido 
um a mudança popular em abordagens modernas do passado, rem ontando ao 
menos até D. Hume. Com base nisso, o próprio Hume rejeitou relatos de milagres. 
Também rejeitou relatos de atos e disposições humanos que se opõem à uniformi­
dade de motivos e ações humanos que, na suposição dele, havia sido revelada tanto 
pelo estudo da história quanto da sociedade contemporânea.
Uma rápida reflexão, porém, deve nos persuadir da fraqueza de uma mudança 
assim. No que diz respeito à humanidade em geral, como determinamos o que 
é de fato normal, costumeiro ou comprovado frequentemente? É de se presumir 
que, para sermos verdadeiramente “científicos” em nossa abordagem do assunto,
C O N H E C E N D O A H IS T Ó R IA D E ISRAEL 117
devemos ouvir o testemunho de outras pessoas — na realidade, da imensa maioria 
da população do mundo. Observamos brevemente a ironia envolvida na prática de 
invocar essa “experiência humana comum” como alicerce para escrever história e ao 
mesmo tempo declarar firmemente que, como princípio, deve-se evitar a depen­
dência do testemunho! Deixando, porém, a contradição de lado, devemos chamar 
a atenção para o problema óbvio: é claro que ouvir o testemunho da maioria da 
população do mundo é e sempre foi impossível. O que, então, as pessoas querem 
dizer quando se referem à “experiência humana comum”? Defato, uma análise mais 
aprofundada revela apenas que elas sempre se referem —o que quer que acreditem 
que aconteceu — a uma elaboração que, na melhor das hipóteses, depende do teste­
munho de alguns. Aliás, esses “alguns” são apenas pessoas que, segundo se acredita, 
falam a verdade sobre o que dizem ser sua experiência. Quanto ao testemunho, se 
fosse realmente possível conversar com a totalidade da população do mundo sobre 
sua experiência, um processo de análise cuidadosa também seria necessário. E óbvio 
que a experiência humana real (em oposição à elaboração artificial da “experiência 
humana comum”) é imensa, variada e complexa. Os testemunhos e interpretações 
dessa experiência são diversos; exige-se fé daqueles que tentam elaborar qualquer 
relato dela, à medida que interagem com os vários testemunhos e interpretações e 
escolhem quais devem compor as próprias crenças. Narrar o presente humano não 
é menos complexo do que narrar o passado humano — na verdade, a complexidade 
é muito maior. Como, então, pode-se recorrer à “experiência humana comum” como 
uma realidade segura que sirva de parâmetro para avaliar o passado? Essa “expe­
riência” não é de modo algum uma entidade objetiva que se deva exigir para que o 
procedimento seja plausível.
Além do mais, mesmo que no meio dessa complexidade conseguíssemos de 
alguma maneira determinar o que é normal, costumeiro ou frequentemente ates­
tado, o fato de algo ocorrido no passado não se conformar à “experiência humana 
comum” deveria nos fazer considerar falsa a afirmação sobre esse acontecimento? 
Por exemplo, quando ocorreu a primeira e histórica aterrissagem de um ser 
humano na Lua (se formos suficientemente “não científicos” para acreditar que 
aconteceu), foi um acontecimento fora da experiência de qualquer ser humano. 
Foi um fato sem paralelos e, aliás, um “milagre” da era tecnológica. Assim, fica 
claro que até mesmo a experiência humana comum — até onde podemos falar 
desse fenômeno — não pode ser o árbitro para decidir o que é possível na his­
tória. Trata-se de uma experiência determinada pela época em que ocorre — um 
retrato instantâneo da realidade conforme experimentada por muitas pessoas em 
um único e determinado momento do segmento histórico contínuo. Na verdade, 
se o critério da analogia fosse correta e consistentemente aplicado ao passado, 
isso nos levaria a absurdos óbvios, pois seus princípios nos obrigariam a rejeitar o
118 H IS T Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
testemunho — em outros aspectos convincentes — de acontecimentos únicos ou 
incomuns pelo simples fato de serem únicos ou incomuns. Por exemplo, porque 
Quinto Cúrcio descreveu a coragem de Alexandre, o Grande, simplesmente como 
“sobrenatural”, o próprio H um e suspeitou da veracidade dessa descrição. Contudo, 
seus princípios céticos podiam com igual facilidade ser aplicados ao testemunho 
disponível, por exemplo, da vida e dos feitos de Napoleão Bonaparte — o que 
cria sérias dúvidas sobre a história até mesmo do início do século 19 — para não 
dizer sobre a história do mundo antigo, em que Aníbal, de modo singular (e, aliás, 
miraculoso) atravessou os Alpes com seus elefantes. Esse tipo de argumento prova 
muitas coisas — a menos, é claro, que se queira mover pouco a pouco na direção 
da posição neopositivista que descrevemos anteriormente, em que toda história 
é suspeita pelo simples motivo de ser história. Isso, porém, seria apenas seguir 
gradualmente no rumo de um absurdo ainda maior.
A realidade é que não se pode dizer o que é “experiência humana comum”. 
Mesmo que alguém fosse capaz de defini-la, não estaria claro por que ela deveria 
ser aceita como o critério para avaliar a realidade histórica. Na verdade, recorrer à 
“experiência humana comum” não é nada mais do que um recurso retórico valioso 
para quem prefere adotar uma visão “científica” do universo — um recurso cujo 
emprego tem o único objetivo de fazer com que percamos, por assim dizer, o 
historiador individual no meio da multidão e fique encoberto o fato de que aquilo 
a que o escritor recorre é na realidade somente sua experiência pessoal (e talvez 
também a experiência de algumas outras pessoas com quem o historiador parti­
lha uma cosmovisão específica). Na verdade, o princípio da analogia nunca opera 
no vácuo. Sempre existe “... uma relação íntima entre a analogia e seu contexto 
ou sistema de crenças prévias”.52 Vemos claramente isso quando passamos, por 
exemplo, da filosofia teórica do próprio Hum e para sua historiografia prática. Em 
sua obra History ofEngland [H istória da Inglaterra] (1756-1764) ele alegou que 
havia escrito uma história imparcial, sem haver sido influenciado pela tradição ou 
pelo entusiasmo. Disse que havia apresentado uma interpretação do passado da 
Inglaterra que “todos os homens racionais” fariam, quando o examinassem com 
mentes racionais munidas de verdades já universalmente aceitas — em especial, 
a verdade de que ao longo da história existe uniformidade na natureza e na ação 
humanas. Vista em retrospecto, porém, a história escrita por Hum e ficou muito 
longe de ser imparcial. Ela promove uma cosmovisão bem específica, a saber, a do 
racionalista do século 18. Recorrer ao que “todos os homens racionais” pensam 
é, na verdade, recorrer apenas a outros homens de concepção racionalista que,
52W. Abraham, D ivine revelation and the limits o f historical criticism (Oxford: Oxford University 
Press, 1982), p. 105.
C O N H E C E N D O A H IS T Ó R IA D E ISRAEL 119
no todo ou em parte, já partilham da posição filosófica de Hume. Ao postular 
a homogeneidade básica de toda a realidade, Troeltsch também transformou a 
teoria histórica em uma metafísica explícita de característica positivista — uma 
metafísica contrabandeada sob o disfarce de uma compreensão “moderna” da his­
tória, conforme Pannenberg asseverou corretamente.53 Nunca fica claro por que se 
deve adotar essa metafísica.
Portanto, não há nenhum bom motivo para crer que um testemunho seja pro­
vavelmente mais verdadeiro do que outro só porque não viola nossa percepção do 
que é normal e possível. Também não há nenhuma boa razão para acreditar que 
um relato é suspeito e indigno de crédito porque descreve algo singular e incomum. 
Como o filósofo C. A. J. Coady afirma:
[A] ausência de um a explicação adequada para relatos quando não se tem certeza de sua 
veracidade é um a consideração contrária à sua rejeição, mas é apenas um a consideração e 
pode ser invalidada de várias maneiras. C om as circunstâncias internas e externas m en­
cionadas anteriorm ente [por C oady em seu capítulo sobre “relatos extraordinários”], 
a exigência de um a explicação é um com ponente do veredito geral. C onsidero bem 
improvável que se consiga estabelecer um a regra rígida para determ inar o resultado 
das avaliações de fatores tão diversos — como Locke notou, o que se requer não é um 
critério, mas um ju ízo .54
De fato, é ju ízo o que se requer: o juízo feito pela pessoa epistemologica- 
m ente aberta, aliás, a pessoa verdadeiramente empírica, que não aborda o passado 
e o presente com uma mente fechada nem habita em um mundo igualmente 
fechado. E um tanto irônico que, embora H um e seja bastante lembrado como 
empirista, seus escritos históricos mostram que ele não estava particularmente 
interessado em descobrir algo sobre a natureza humana em registros do passado. 
À semelhança de seus sucessores que dependeram tanto da analogia, ele já sabia 
que aquilo que o passado tinha a dizer se conformava ao que as “pessoas racio­
nais” já acreditavam no presente.
Podemos concluir satisfatoriamente esta seção sobre a analogia com um 
resumo geral que se aplica tanto a esta seção do capítulo quanto às precedentes 
que tratam de testem unhos antigos e recentes e tam bém de ideologia. “Regras” 
acerca de provas não podem prejulgar se testemunhos em particular são merecedores 
de crédito. É uma ilusão pensar que podem. Não há meio algum intelectualmente 
defensável de, no presente caso, esquivar-se da consideração inevitável de todos ostestemunhos juntos, avaliando-os em seus méritos e em comparação uns com os
'yí Basic questions in theology, tradução para o inglês (Philadelphia: Fortress, 1970), vol. 1, p. 39-50. 
SiTestimony, p. 198.
120 H IS TÓ R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
outros, indagando até que ponto é (ou não) provável que cada um tenha uma relação 
concreta com os acontecimentos a que se referem. Tudo o que as assim chamadas 
“regras” da evidência fazem é fornecer um contexto geral útil — uma sabedoria acu­
mulada que pode ou não ajudar na solução de um problema específico. Em última 
análise, não há nenhum substituto para o juízo que cada leitor faz dos testemunhos, 
um julgamento que, em cada caso específico, avança rumo a uma solução e chega a 
uma concepção firme sobre os testemunhos em que, de modo razoável e inteligente, 
pode-se acreditar.
CONCLUSÃO
[A] história não pode se basear na previsibilidade [...]. Inexistindo axiomas e teoremas 
universais, ela pode se basear apenas no testem unho.55
Neste capítulo defendemos basicamente essa ideia — embora, ao contrário do que 
a citação acima possa sugerir, recusemos qualquer distinção muito nítida entre 
investigação do mundo natural e investigação do m undo do passado. Nosso 
conhecimento do passado depende do testemunho. Diante disso e do fato de que 
o principal testemunho que temos do passado de Israel é o testemunho bíblico, 
é necessariamente tolice desprezá-lo em qualquer tentativa moderna de contar a 
história de Israel. Deve-se considerar algo perfeitamente racional o ato de tratar 
esse testemunho junto com os demais. Contudo, deve-se considerar irracional a 
concessão de prerrogativa epistemológica a outros testemunhos, inclusive a ponto 
de ignorar totalmente o testemunho bíblico. Talvez encontremos bons motivos para 
considerar o que a Bíblia tem a dizer — assim como temos para considerar o que 
outras fontes têm a dizer — a fim de questionar de uma maneira ou de outra até 
que ponto as declarações refletem a história em determinado momento. Entretanto, 
devemos fazer nossos juízos caso a caso, em vez de prejulgar o assunto mediante o 
uso de critérios metodológicos falhos, que supostamente nos conduzem a uma “base 
firme” para a historiografia, dentro ou fora do testemunho bíblico. Por isso, contra­
pomos a citação anterior à citação a seguir, da qual discordamos profundamente:
Se não tivermos algum fundam ento positivo para aceitar que um relato bíblico é histori­
camente útil, com certeza não podemos adotá-lo como história. E verdade que o resultado 
será que teremos menos história, mas pelo menos poderem os afirmar que conhecemos o
5SB. Halpern, The first historiam: the Hebrew Bible and history (San Francisco: H arper and Row, 
1988), p. 28.
C O N H E C E N D O A H IS T Ó R IA D E ISRAEL 121
pouco que tem os (qualquer que seja o sentido em que “conheçamos” o passado distante). 
N a m inha opinião, isso é m elhor do que ter mais história, da qual boa parte não conhece­
mos absolutam ente nada, visto que consiste apenas em narrativas não verificáveis.56
Discordamos dessa citação porque história é contar e recontar narrativas não 
verificáveis. Conhecer qualquer história além da história em que estamos pessoal­
mente envolvidos exige confiança em testemunhos não verificados e inverificáveis. 
O tipo de conhecimento histórico que está além da tradição e do testemunho que 
o autor citado procura é uma miragem. Não exigimos “fundamentos positivos” para 
levar a sério o testemunho bíblico sobre o passado de Israel. Ao contrário, exi­
gimos fundamentos positivos para não fazê-lo. Somente adotando essa abertura 
epistemológica para o testemunho — bíblico ou não — é que podemos evitar a 
prática de refazer o passado inteiramente à nossa imagem — só assim podemos 
evitar ceder à ilusão de que já “conhecemos” a realidade e ao conseqüente erro de 
tentar impor esse “conhecimento” a tudo que o desafia. Apenas assim a história 
da história de Israel pode ter a esperança de, no futuro, ser diferente do que foi 
no passado — uma rendição lenta àqueles que, sem base sólida, afirmam que o 
princípio de suspeitar da tradição deveria ser considerado a condição fundamental 
da vida intelectual. Com demasiada frequência, no debate relacionado a essa rendi­
ção, a expressão “história crítica” tem significado “história que não critica a tradição 
tanto quanto eu — um historiador verdadeiramente crítico — gostaria”. “História 
crítica” não tem, com suficiente frequência, significado apenas “história refletida e 
inteligente” — história que envolve o exercício do pensamento crítico tanto sobre 
a tradição quanto sobre pressuposições modernas acerca da realidade. O fato é: ou 
respeitamos o testemunho do passado e nos apropriamos dele — deixando que nos 
desafie mesmo enquanto pensamos seriamente a seu respeito — ou então, devido à 
extrema pobreza de nossas limitadas experiências e imaginações, estamos fadados 
a criar fantasias individualistas sobre o passado, mesmo quando pensamos que 
somente nós temos “objetividade” e que somente nós podemos iniciar a investigação 
histórica novamente. Para concluir:
[A] objetividade da historiografia m oderna consiste precisam ente na disposição pessoal 
para o encontro, no desejo de questionar as próprias intenções e visões sobre a existência, 
i.e., de aprender algo basicam ente novo sobre ela e, assim, experim entar um a m udança 
ou um a transform ação radical na própria existência.57
56Davies, “W hose history?”, p. 105.
j . M . Robinson, A nem quest fo r the historical Jesus, SBT 25 (Chicago: Allenson, 1959), p. 77. 
O livro oferece, com relação ao NT, numerosas e interessantes reflexões sobre a historiografia e o 
método histórico.
Capítulo 4
Narrativa e história: 
relatos sobre o passado
Nos três capítulos anteriores, argumentamos basicamente que a declaração da “morte 
da história bíblica” é prematura (cap. 1) e que, na verdade, se dependemos de testemu­
nhos para confirmar, ou não, grande parte do que alegamos conhecer sobre o passado, 
é tolice desprezar o texto bíblico quando se escreve uma obra sobre história de Israel 
(caps. 2 e 3). Tentativas de encontrar uma base mais firme nas disciplinas, suposta­
mente mais científicas, da arqueologia e/ou da teoria social ignoram o fato de que 
esses meios de acesso ao passado de Israel não são mais “objetivos”, em sentido algum, 
do que o testemunho bíblico, visto que cada um deles envolve uma medida significa­
tiva de interpretação no momento em que os resultados são apresentados ou em que 
há uma tentativa de integrá-los em algo que se aproxime de uma “história”.
Neste capítulo, nosso objetivo é investigar mais a fundo e de forma mais po­
sitiva como exatamente a Bíblia dá testemunho do passado — como ela reflete a 
história. Uma vez que a maior parte do material bíblico que tem o propósito de 
relatar a história de Israel pertence ao gênero narrativo, o foco predominante de 
nossa análise será o método narrativo de exposição histórica.1 Visto que tendemos 
a compartilhar nossas “histórias pessoais” contando histórias (ou seja, elaborando 
narrativas), pode-se supor que a “narrativa” é um modo legítimo de reportagem 
histórica que dispensaria qualquer defesa. Entretanto, filósofos analíticos da histó­
ria têm expressado preocupação com a historiografia narrativa. Eles alegam que as 
narrativas envolvem arte, e não ciência; portanto, são interpretativas por natureza 
e insuficientemente objetivas. Devido a essas preocupações, precisamos examinar 
mais profundamente o debate em torno da “história narrativa”, tomando como 
ponto de partida a situação dessa questão entre os historiadores seculares.
'Isso não significa que negamos o intuito historiográfico de outros gêneros. Considerem-se, e.g., 
os “salmos históricos”, ou as diversas composições poéticas espalhadas ao longo das histórias narrativas 
ou, ainda, as cenas e o significado histórico de boa parte do corpus profético.
124 H IS TÓ R IA , H IS T O R IO G R A F IA EA BÍBLIA
No presente capítulo, consideraremos primeiro a posição que a “história nar­
rativa” ocupa na área dos estudos históricos em geral. Aqui, observamos que, 
depois de um período de declínio em que se preferiram histórias mais estatísti­
cas e quantificadoras, a história narrativa voltou a ser bastante valorizada entre 
os historiadores (embora sem rejeitar as conquistas alcançadas pelas abordagens 
quantificadoras). Defendemos que essa aceitação renovada das histórias narrativas 
põe em dúvida a tendência de alguns estudiosos bíblicos de darem pouca im por­
tância ao valor histórico das narrativas bíblicas simplesmente porque elas têm a 
forma de relatos.
Para serem adequadamente utilizadas na reconstrução histórica, é claro que as 
narrativas bíblicas devem ser entendidas corretamente, o que significa que devem ser 
lidas de maneira apropriada, com o máximo de competência literária possível, por 
meio das evidências disponíveis. Em seguida, analisaremos o recente florescimento 
dos estudos literários de textos bíblicos e os efeitos que essa tendência pode causar 
nos estudos históricos. Ao lermos corretamente as narrativas bíblicas, levando em 
conta as convenções e técnicas literárias da Antiguidade, cremos ser possível fazer 
melhores reconstruções históricas. Essa abordagem, porém, suscita outras questões. 
Que tipo de informação podemos esperar extrair das narrativas (bíblicas)? Somente 
fatos isolados? O u será que, em si, sua estrutura narrativa transmite algo da reali­
dade passada? Como devemos lidar com o fato de que as narrativas bíblicas têm, 
por exemplo, enredos visíveis e caracterização cuidadosa de personagens? Não seria 
precisamente esse o material que compõe a ficção, em vez da história?
A luz dessas questões, investigaremos se a “narratividade” é, em algum sentido, 
uma propriedade da realidade em si ou se é apenas imposta aos “fatos” históricos 
isolados pelos narradores. Consideraremos o debate sobre o “construcionismo”, que 
continua intenso entre os historiadores. È natural que essa discussão resulte em uma 
análise dos tipos de contribuição criativa que os historiadores fazem ao escrever suas 
obras de história, bem como em um estudo da produção escrita da história tanto 
como arte quanto como ciência. Argumentaremos que, embora limitados pelos 
“fatos” que podem ser descobertos, os historiadores, em vários aspectos, realmente 
julgam e são criativos. Primeiro formulam juízos ao avaliar os dados disponíveis e 
ao determinar uma “visão do passado”. Então, eles precisam fazer escolhas criativas 
para apresentar essa visão a seu público-alvo. Ê claro que isso significa que os pró­
prios historiadores são centrais para o empreendimento histórico, o que, por sua vez, 
demonstra que a personalidade e a competência dos historiadores não são fatores 
sem importância: quanto maior sua habilidade e dedicação, maior será o crédito 
devido a suas reconstruções.
Depois de analisarmos a historiografia narrativa de todos esses ângulos, reto­
maremos a questão sobre qual a melhor maneira de nos tornarmos bons leitores das
NARRATIVA E H ISTÓ R IA : RELATOS SOBRE O PASSADO 125
narrativas bíblicas e, assim, usá-las com responsabilidade na reconstrução histórica. 
Finalmente, o capítulo conclui com um estudo de caso específico.
O RESSURGIMENTO DA HISTÓRIA NARRATIVA 
DEPOIS DE QUASE MORRER
Para alguns leitores, talvez pareça curioso que a “história narrativa” já tenha sido 
atacada. Não há dúvida de que a história do registro histórico, em sua maior parte, 
revela que o modo dominante de recordar (ou recontar ou descrever) o passado 
tem sido narrativo, com todas as implicações em relação à habilidade literária e ao 
objetivo de persuasão. No passado, a própria escrita da história foi considerada uma 
área da literatura ou da retórica.2 Tudo isso, porém, começou a mudar no século 19.
No século 19, com a esperança de estabelecer os estudos históricos sobre bases 
mais científicas, muitos historiadores abandonaram o método narrativo da histo­
riografia com sua ênfase em grandes personagens e acontecimentos a fim de se 
dedicar a abordagens mais quantificadoras, que não davam atenção a detalhes, e 
sim a tendências ambientais e sociais em grande escala. Utilizando a terminologia 
técnica, a mudança foi da pesquisa e escrita históricas idiográficas (“descrevendo 
o que é particular, distinto, individual”) para as nomotéticas (“legisladoras”).3 Na 
explicação de Lawrence Stone,4 o que motivou a mudança foi a percepção de que as 
narrativas, por descreverem eventos seqüenciais e darem atenção a agentes pessoais 
importantes, eram capazes de responder às perguntas “o quê?” e “como?’, mas não 
conseguiam apresentar respostas satisfatórias à pergunta fundamental “por quê?’. 
As narrativas podiam descrever o desdobramento dos acontecimentos, mas eram 
incapazes de explicar por que a história havia se desenvolvido daquela maneira. 
A percepção de que as narrativas eram inadequadas para responder o “por que” 
originou-se do fato de que muitos “historiadores daquela época estavam sob a forte 
influência tanto da ideologia marxista quanto da metodologia das ciências sociais” 
e, por esse motivo, “interessavam-se em sociedades e não em pessoas”.5 Resumindo, 
muitos historiadores acreditavam que a verdadeira explicação do processo histórico
2Veja, e.g., L. Gossman, “H istory and literature: Reproduction or signification”, in: R. H . Canary; 
H . Kozicki, orgs., The writing ó f history: literary form anã historical understanding (Madison: University 
ofW isconsin Press, 1978), p. 3-39.
3Veja, e.g., C. B. M cCullagh, justifymg historical descriptions (Cambridge: Cambridge University 
Press, 1984). Nessa obra, M cCullagh apresenta um resumo da introdução terminológica feita por 
W ilhelm W indelband em seu discurso de posse como reitor da Universidade de Estrasburgo, em 1894, 
cujo título era “H istória e ciência natural” (p. 129).
4“The revival o f narrative: reflections on a new old history”, Past andpresent 85 (1979), p. 3-24.
5Stone, “Revival”, p. 5.
126 H IS T Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
estava menos relacionada às ações e aos acontecimentos individuais do que às forças 
ambientais e sociais em escala mais ampla. Tentativas otimistas de desenvolver uma 
história “científica” assumiram diversas formas,6 mas um aspecto comum a todas era
a crença de que condições materiais como mudanças na relação entre população e alimento 
disponível, alterações nos meios de produção e conflitos de classe eram as forças propulso­
ras da história. M uitos, em bora não todos, consideravam os desdobram entos intelectuais, 
culturais, religiosos, psicológicos, legais e até mesmo políticos como meros epifenôm enos.7
Historiadores da escola francesa d tAnnales, que floresceu da década de 1950 até 
meados da década de 1970 (e ainda hoje influencia os estudos bíblicos), acreditavam 
que as forças que impulsionavam a mudança histórica podiam ser organizadas hie­
rarquicamente. Conforme explica Stone:
Prim eiro, tan to na seqüência quanto na ordem de im portância, v inham os fatos econôm i­
cos e demográficos; depois, a estru tura social e, por fim, os desdobram entos intelectuais, 
religiosos, culturais e políticos. Pensava-se nesses três níveis como os andares de um a 
casa: cada um se apoia no de baixo, mas os de cim a não têm efeito recíproco algum ou 
quase nenhum nos que estão abaixo.8
Basicamente, “só o primeiro nível era o que de fato importava”, de modo que o 
assunto estudado pela história passou a ser “as condições materiais das massas, não 
a cultura da elite”. O resultado foi um “enorme revisionismo histórico”.9
Como ocorre em tantas áreas da disciplina abrangente dos estudos bíblicos, essas 
tendências no estudo da história em geral encontram paralelos (ainda que com atraso 
significativo) na pesquisa contemporânea da história do Antigo Israel. O “intenso revi­
sionismo histórico” é visível nos escritos de vários estudiosos — de modo preeminente, 
nas universidadesde Sheffield e Copenhagen, mas também em outros lugares. Céticos 
quanto a histórias narrativas em geral, esses estudiosos não veem quase nenhuma utili­
dade nas narrativas bíblicas em particular, pelo menos no que diz respeito à reconstrução 
histórica.10 Um representante dessa abordagem é N. P. Lemche, de Copenhagen, que
6Stone ressalta três dessas tentativas: “o modelo econômico marxista, o modelo ecológico/demo­
gráfico francês e a metodologia ‘cliométrica’ norte-americana” (ibidem, p. S).
'Ibidem , p. 7.
8Ibidem
9Ibidem , p. 8.
10As vezes, são presumidas datas tardias para muitos (ou todos) livros bíblicos e são supostas refu­
tações de dados bíblicos pela pesquisa arqueológica em uma tentativa de apresentar novas justificativas 
para a rejeição dos textos bíblicos; veja, e.g., N. P. Lemche, “O n the problem of studying Israelite history: 
Apropos Abraham M alam ats view of historical research”, B N 24 (1984), p. 94-124, especificamente na
NARRATIVA E H ISTÓ R IA : RELATOS SOBRE O PASSADO 127
em uma de suas obras mais recentes declara que não pode haver quase relação alguma 
entre “o Israel bíblico” e “o Israel da Idade do Ferro”,11 um ponto de vista que P. R. Davies 
já havia expressado em 1992.12 Na compreensão de Lemche, “o Israel bíblico” é pouco 
mais do que uma entidade literária, enquanto “o Israel da Idade do Ferro” é uma enti­
dade histórica sobre a qual pouco — se houver algo — pode-se aprender com base no 
que os textos bíblicos têm a dizer. Dando preferência aos dados de primeiro e segundo 
níveis (ou seja, evidências materiais e análises sociológicas) em vez de dados textuais de 
terceiro nível oferecidos pelo AT, Lemche se vê, enfim, em uma “situação em que Israel 
não é Israel, Jerusalém não é Jerusalém e Davi não é Davi”.13
No entanto, apesar das afirmações revisionistas, é uma questão ainda não defi­
nida se os dados de primeiro e segundo níveis (na forma como estão disponíveis) 
minam de forma tão radical as narrativas bíblicas, com seu foco, basicamente de 
terceiro nível, em pessoas e acontecimentos específicos. Para manter o assunto na 
perspectiva adequada, é preciso primeiro lembrar que artefatos arqueológicos não 
se apresentam simplesmente como fatos e que objetos escavados não constituem 
evidência objetiva. Ao contrário, esses mesmos objetos ou artefatos devem ser 
interpretados, que é exatamente o que, conscientes disso ou não, os estudiosos 
fazem a partir do momento em que começam a descrevê-los e analisá-los.14 Além 
disso, deve-se ter em mente que raramente, ou mesmo jamais, as interpretações dos 
estudiosos estão isentas de interesses mais amplos. A louvável noção de objetividade 
acadêmica não significa nem pode significar que um estudioso aborda cada novo 
problema com um disco rígido mental recentemente apagado. Todos os estudiosos 
realizam seu trabalho como pessoas integrais, com crenças e convicções diversas. 
A objetividade nunca é absoluta. Entretanto, a inevitável presença de interesses e 
convicções profundos — as crenças prévias — não tem de necessariamente invalidar 
o labor acadêmico, contanto que essas crenças sejam reconhecidas e discutidas.15
p. 122; T. L. Thompson, The historiáty o f the patriarchal narratives, BZA W 133 (Berlin: De Gruyter, 
1974), p. 327-8. Além disso, em “Historiography o f ancient Palestine and early Jewish historiography: 
W . G. Dever and the not so new biblical archaeology”, T. L. Thompson parece querer que acreditemos 
que, pelo fato de os textos bíblicos serem elaborados teologicamente, eles possuem uma natureza que 
impede qualquer intenção de seus autores de fazer referência a um passado real e assim não permite que 
tenhamos algum acesso a esse passado por meio deles (in: V. Fritz; P. R. Davies, orgs., The origins o f the 
ancientIsraelite states, JSO TS 228 [Sheffield: Sheffield Academic Press, 1996], especialmente p. 38-43). 
11 The Israelites in history and tradition, LA I (Louisville: W estm inster John Knox, 1998), p. 166. 
uIn search o f “Ancient Israel", JSO TS 148 (Sheffield: JSOT, 1992).
13Lemche, The Israelites, p. 166. 
l4Veja, e.g., Brandfon, “Lim its”.
15Veja V. P. Long, “The future o f Israels past: personal reflections”, in: V. P. Long, org., IsraeTs 
past in present research: essays on ancient Israelite historiography, SBTS 7 (W inona Lake: Eisenbrauns, 
1999), p. 586-7.
128 H IS T Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
Quando um estudioso não declara explicitamente quais são seus compromissos 
centrais, talvez, ainda assim, seja possível determiná-los. Considere-se, por exemplo, 
a seguinte passagem extraída de The Israelites in history and tradition [Os israelitas 
na história e na tradição], de Lemche:
Tradicionalm ente, acredita-se ser um a tarefa digna ten tar dem onstrar que um determ i­
nado acontecim ento narrado pelo A T de fato ocorreu e que, po r esse motivo, a narrativa 
é um a fonte valiosa. C ontudo, é um a tarefa igualm ente digna ten tar m ostrar que o texto 
não traz inform ação algum a sobre o período que valha a pena analisar.16
Embora, pelo que sabemos, Lemche não trate de suas crenças prévias no livro 
que acabamos de citar,17 a última frase na citação aproxima-se de uma declaração do 
objetivo com que está comprometido. Ademais, as avaliações às vezes surpreendentes 
que Lemche faz dos dados18 confirmam seu compromisso em demonstrar o valor 
insignificante do AT, exceto quando é claramente confirmado por dados externos 
(um caso em que os textos do AT seriam supérfluos de qualquer maneira). 
No capítulo anterior, analisamos a questão da verificação e a da falsificação e 
observamos sérios problemas na primeira, tanto na lógica quanto na aplicação. Nossa 
preferência é pelo princípio da falsificação, em que textos antigos recebem o benefício 
da dúvida, a menos que motivos convincentes para a desconfiança sejam evidentes.
Ironicamente, estudos revisionistas como o de Lemche ignoram a importância 
histórica das narrativas bíblicas justamente quando o interesse pela narrativa tem expe­
rimentado um notável ressurgimento entre os historiadores em geral. Na dissertação 
de 1979, já mencionada, Stone ressalta várias razões para esse interesse renovado. Não 
somente existe uma generalizada “desilusão com o modelo determinista de explicação 
histórica e [com a] estrutura hierárquica em três níveis à qual ele deu origem”, mas 
também está surgindo, com base em pesquisas concretas, o reconhecimento de que há 
um “fluxo extraordinariamente complexo de interações entre” condições ambientais e 
materiais, de um lado, e “valores, ideias e costumes”, de outro. Além disso, um declínio
“ Lemche, The Israelites, p. 29.
17Contraponha-se a isso a descrição bastante honesta que W. G. Dever faz de sua jornada 
espiritual no prefácio de seu recente livro What the biblical writers know and when did they know it? 
What archaeology can tell us about the reality o f ancient Israel (Grand Rapids: Eerdmans, 2001, p. ix-x).
lsVeja, e.g., a análise que Lemche faz da Esteia de Tel D an (The Israelites, p. 38-43) e sua antiga 
afirmação de que a inscrição de Ecrom pode ter sido um a falsificação (ibidem, p. 182, nota 38) etc. 
Dever cita outros exemplos de estudiosos que, alegando falsificação, rejeitam dados que lhes são incon­
venientes e então simplesmente pergunta: “O que se pode dizer quando estudiosos recorrem a medidas 
tão desesperadas para negar ou eliminar dados que podem ameaçar suas apreciadas teorias?” (Biblical 
writers, p. 208-9).
NARRATIVA E H ISTÓ R IA : RELATOS SOBRE O PASSADO 129
na lealdade ideológica — por exemplo, ao marxismo — e uma convicção renovada de 
que as pessoas “são, potencialmente, agentes causadores de mudança pelo menos tão 
importantes quanto as forças impessoais de produção material e de crescimento 
demográfico”, não restando praticamente razão alguma para continuar recomen­
dando a adoção de uma atitude antinarrativa.19 Em resumo, Stone explica:
A desilusão com o determ inism o m onocausal econôm ico ou dem ográfico e coma 
quantificação tem levado os historiadores a fazer um a série de perguntas to talm ente 
novas, m uitas das quais haviam ficado de fora p o r causa da preocupação com um a 
m etodologia específica: estrutural, coletiva e estatística. A gora, um crescente núm ero 
de “novos h istoriadores” ten ta descobrir o que se passava na cabeça das pessoas no 
passado e com o era viver naquela época, questões que inevitavelm ente nos reconduzem 
ao uso da narrativa.20
Tendo em vista que já faz algumas décadas que ressurgiu entre os historiadores 
o interesse pela história narrativa, é notório o fato de que alguns estudiosos bíblicos 
simplesmente rejeitem o AT, considerando-o “basicamente inútil para os propó­
sitos do historiador”, nada mais do que “um livro sagrado que conta histórias”.21 
Entretanto, é mais encorajador o fato de que a maioria dos estudiosos bíblicos 
interessados na história continua a levar a sério as narrativas bíblicas.22 Para esses 
estudiosos, assim como para os historiadores em geral, o ressurgimento do interesse 
pela narrativa suscita novamente a questão da relação entre história e literatura, 
assunto sobre o qual trataremos agora.
ANÁLISE LITERÁRIA E O ESTUDO DA HISTÓRIA: 
CASAMENTO FELIZ OU DIVÓRCIO TARDIO?
O florescimento do interesse pelo estudo literário da Bíblia no último quarto do 
século 20 é talvez mais impressionante que qualquer outra tendência ocorrida durante 
o mesmo período. Contudo, ainda não se sabe quais serão os efeitos que o entu­
siasmo pelas abordagens literárias causará em longo prazo no estudo histórico da Bíblia.
“ “Revival”, p. 8-9.
20Ibidem , p. 13.
2IVeja J. M . Miller, que faz um a crítica a essa posição reducionista (“Reflections on the study of 
Israelite history”, in: J. H . Charlesworth; W. R Weaver, orgs., What has archaeology to do w ith fa ith ? 
[Philadelphia: Trinity Press International, 1992], p. 72).
22Veja, e.g., H . G. M . W illiamson, “The origins o f Israel: can we safely ignore the Bible?”, in: 
S. Ahituv; E . D. O ren, orgs., The origin o f early Israel— current debate: biblical, historical and archaeologi- 
calperspectives, Beer-Sheva 12 (Jerusalem: Ben-G urion University o f the Negeb Press, 1998), p. 141-51.
130 H IS T Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
Será que elas evoluirão para leituras a-históricas e puramente literárias que ameaçam 
a Bíblia — a despeito de consideráveis evidências internas e externas contrárias — , 
vendo-a como pouco mais do que um romance bem produzido?23 O u será que uma 
sensibilidade literária aperfeiçoada conduzirá a percepções mais profundas sobre a 
ampla gama do testemunho bíblico, inclusive sobre seu testemunho histórico? É cedo 
demais para dizer qual rumo a maioria dos estudiosos bíblicos seguirá — se é que 
seguirão algum — mas já está muito claro que existem alguns que preferem separar 
o estudo literário do estudo histórico.24 Em 1987, Philip Davies expressou a opinião 
de que, no que diz respeito à história de Israel, “o caminho pela frente, se é que existe, 
parece estar” não no estudo literário, mas “nos métodos (combinados) das ciências 
sociais: sociologia, antropologia e arqueologia”: em outras palavras, nos interesses de 
primeiro e segundo níveis analisados anteriormente. No entendimento de Davies, “o 
estudo literário está se afastando da história, concentrando-se no que está no texto, não 
por trás dele”. “Resta uma tarefa legítima para o historiador , mas “essa tarefa estará 
cada vez mais separada da crítica literária”.25
É possível citar com facilidade muitos outros exemplos de estudos bíbli­
cos literários que seguem o caminho a-histórico, que exibem o que John Barton 
chama de tendências “contraintuitivas”, como uma “aversão ilógica pela intenção 
autoral, pela busca de um significado referencial e pela possibilidade de paráfrase 
ou reformulação”.26 Contudo, não está ainda claro que é inevitável ou justificada 
a predileção a-histórica nos estudos literários. Ela representa outro exemplo de 
estudiosos bíblicos que adotam tendências já ultrapassadas nas áreas não bíblicas 
correspondentes. Escrevendo em 1990, Peter Barry observou que justamente quan­
do “a crítica literária [...] começa a entender [...] algumas preocupações históricas 
que talvez tenham sobrecarregado a exegese das Escrituras, os estudos bíblicos estão 
testando as muitas abordagens radicais da crítica e da teoria que deram origem à 
‘crise’nos estudos literários no início e em meados da década de 1980”.
Quando escreveu isso, Barry expressou a opinião de que restava ver “se uma 
crise semelhante [iria] afetar o cenário exegético na década de 1990”.27 D a perspec­
tiva atual, podemos ver que os estudos bíblicos, na virada do milênio, encontram-se 
de fato no que alguns chamam de crise.
23Para uma análise relevante da intenção histórica do AT, veja em especial o cap. 1 do livro de 
Y. Am it, History and ideology: an introduction to historiography in the Hebrew Bible (tradução para o inglês 
Y. Lotan, BSem 60 [Sheffield: Sheffield Academic, 1999]).
24Veja, e.g., D. M . G unn, “New directions in the study o f biblical Hebrew narrative”, JS O T 39 
(1987), p. 65-75.
25“The history o f ancient Israel and Judah”, /5 0 T 3 9 (1987), p. 3-4; citação na p. 4.
2(,Reading the Old Testament: method in biblical study (London: Darton, Longman andTodd, 1984), p. 191.
27“Exegesis and literary criticism”, ScrB 20, n. 2 (1990), p. 28-33; citação na p. 33.
NARRATIVA E H ISTÓ R IA : RELATOS SOBRE O PASSADO 131
Entre as questões centrais que devem ser analisadas estão: “Será que a separa­
ção entre a literatura e a história é mesmo inevitável e já está atrasada ou será que 
ainda é possível um casamento feliz? Será que os comentários de Davies, citados 
anteriormente, apenas ilustram os equívocos que abordagens literárias podem 
(mas não precisam) gerar?”.28 Conforme Gale A. Yee observa, abordagens literá­
rias (i.e., “centradas no texto”) podem de fato dar origem a problemas: “separar 
um texto de seu autor e de sua história pode resultar em um exame a-histórico 
que considera o texto basicamente um objeto estético em si e não uma prática 
social ligada intimamente a uma história em particular”. Diante dos sofisticados 
mecanismos literários dos textos bíblicos, é possível perder de vista o fato de que 
“os textos bíblicos não foram escritos [apenas] para serem objetos de beleza ou 
contemplação estética, mas forças persuasivas que durante sua época formaram 
opiniões, emitiram juízos e exerceram mudanças”.29 A maior parte dos textos bí­
blicos não foi composta como literatura “pura” (i.e., a arte pela arte), mas como 
literatura “aplicada” (“história, liturgia, leis, pregação e assim por diante”).30 Eles 
não são “autotélicos” — usando o termo cunhado por T. S. E liot para designar 
uma obra literária que “não tem nenhuma finalidade ou propósito além da própria 
existência”.31 Ao contrário, eles frequentemente instruem, recontam, exortam ou 
combinam essas e outras finalidades.
Isso significa que não se pode considerar a literatura e a história como categorias 
sem relação entre si ou mutuamente exclusivas.32 “A história pode muito bem sonhar 
em se livrar da linguagem comum ou natural e utilizar a linguagem altamente formal 
das ciências”,33 mas a realidade, como Hayden W hite ressalta, é que “a história como
2SVeja no cap. 1 de Biblical writers a crítica incisiva de Dever às tendências a-históricas do movi­
mento “Bíblia como literatura”.
29“Introduction: W h y Judges?”, in: G. A. Yee, org., Judges and method: new approaches in biblical 
studies (Minneapolis: Fortress Press, 1995), p. 1-16; citação nas p. 11-2.
30D. Robertson, The Old Testament and the literary critic (Philadelphia: Fortress Press, 1977).
Para um a análise do assunto, veja V. P. Long, The reign and rejection o f king Saul: a case fo r literary and
theological coherence, SBLDS 118 (Atlanta: Scholars, 1989), p. 13-4.
31Conforme relatado em The concise Oxford dictionary o f literary terms, de C. Baldick (Oxford/NewYork: Oxford University Press, 1990), p. 19. A hesitução de M arc Bretder em falar de narrativa bíblica 
como “literatura” talvez tenha origem no fato de que ele define “literatura” de uma perspectiva funcional 
e não estrutural, que tende a forçar o conceito na direção de literatura pura, autotélica; citando John 
Ellis, Brettler argumenta que “textos literários são aqueles que uma sociedade utiliza de tal forma que 
não se considera que o texto tenha relevância específica para o contexto imediato de sua origem” (The creation o f 
history in ancient Israel [London: Routledge, 1995], p. 16).
32Veja em especial I. W. Provan, “Ideologies, literary and criticai: Reflections on recent writing on 
the history o f Israel”, JB L 114 (1995), p. 585-606.
33Gossman, “H istory and literature”, p. 39.
132 H IS T Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
disciplina está em má condição hoje em dia porque perdeu de vista sua origem na 
imaginação literária”.34 Em um texto clássico publicado pela primeira vez em 1951, 
Umberto Cassuto defendeu que tanto a historiografia israelita quanto a grega se 
desenvolveram a partir de poemas épico-líricos mais antigos, sendo que os israe­
litas precederam os gregos e, dessa maneira, foram os primeiros historiadores de 
verdade.35 Embora, à luz de estudos posteriores, aspectos específicos da proposta de 
Cassuto pareçam incertos, é correta a noção básica de que a historiografia narrativa 
está relacionada com a literatura e ela própria é um tipo de literatura.36
Torna-se então evidente que a compreensão literária é uma condição necessária para 
a compreensão histórica e que tanto a compreensão literária quanto a histórica são condi­
ções necessárias para a interpretação competente da Bíblia. Como Robert Alter expressa 
com propriedade: “Em toda narrativa bíblica e também em boa parte da poesia 
bíblica, a história é a esfera em que a invenção literária e a imaginação religiosa 
se unem, pois, com exceção de Jó e possivelmente de Jonas, todas essas narrativas 
pretendem ser relatos verdadeiros de fatos que ocorreram no tempo histórico”.37 
Em termos claros, boa parte da Bíblia faz afirmações de veracidade histórica, e essas 
afirmações jamais serão corretamente compreendidas a menos que se entenda o 
próprio modo literário de sua representação. Mais uma vez, Alter é esclarecedor:
Ocupar-se desses elementos de arte literária não é apenas um exercício de “apreciação” 
para o leitor, mas uma disciplina de compreensão; o veículo literário foi um meio tão 
necessário para os escritores hebreus expressarem seus pensamentos que, se ignorarmos 
seus excelentes pronunciamentos como literatura, na melhor das hipóteses teremos uma 
compreensão imperfeita do que quiseram dizer.38
Mais adiante neste capítulo, observaremos alguns “elementos de arte literária” 
que os narradores e poetas de Israel empregaram em suas representações da história. 
Nesta seção, nosso objetivo foi apenas demonstrar que um casamento feliz entre inte­
resses literários e históricos é possível, desejável e necessário. O caminho a-histórico 
é um beco sem saída. Quando textos bíblicos fazem afirmações de natureza histórica,
34“The historical text as literary artifact”, in: Canary; Kozicki, orgs., Writing o f history, p. 41-62; 
citação na p. 62.
35“The beginning o f historiography among the Israelites”, in: U. Cassuto, org., Biblical and Oriental 
studies (Jerusalem: The Magnes, 1973) (texto publicado originalmente em 1951), vol. 1: Bible, p. 7-16.
36Para um a análise mais completa da relação entre história e literatura, veja V. P. Long, The art o f 
biblical history, Moisés Silva, org., F C I 5 (Grand Rapids: Zondervan, 1994), p. 149-54.
37“Introduction to the O ld Testam ent”, in: R. Alter; E Kermode, orgs., The literary guide to the Bible 
(Cambridge: The Belknap Press o f Harvard University, 1987), p. 17.
38Ibidem , p. 21.
NARRATIVA E H ISTÓ R IA : RELATOS SOBRE O PASSADO 133
leituras a-históricas são necessariamente leituras erradas — não importam quais 
sejam as opiniões do estudioso acerca da veracidade de tais afirmações.
Portanto, se as narrativas bíblicas fazem alegações de verdade histórica, essa con­
dição nos leva a uma questão ainda mais fundamental, que é muito debatida hoje em 
dia entre historiadores e filósofos da história: A própria vida tem forma narrativa? Ou 
é apenas uma ilusão criada por historiadores à medida que elaboram suas “histórias/ 
relatos” a partir de acontecimentos basicamente aleatórios e isolados do passado? Em 
seu âmago, a questão é se o passado tem algum significado inerente ou se apenas parece 
ter sentido por causa da forma narrativa que o historiador dá aos acontecimentos.
NARRATIVIDADE: REALIDADE OU ILUSÃO?
Ê claro que nem toda produção escrita sobre a história é narrativa e, com certeza, 
nem toda narrativa é historiografia. E bem possível que Rolf Gruner esteja certo 
ao dizer que “existem duas maneiras principais e distintas de conceber e descrever 
um determinado período da realidade: a maneira estático-descritiva ou não nar­
rativa e a dinâmico-descritiva ou narrativa”.39 Seja como for, certamente é preciso 
admitir formas não narrativas de informação que podem apropriadamente ser cha­
madas de uma espécie de escrita histórica, ou, ao menos, de material de fonte histórica 
(genealogias, análises por amostragem de sociedades específicas em momentos 
específicos etc.). No entanto, conforme W illiam Dray insiste: “Persiste o fato de que 
uma boa medida do que os historiadores produzem é história narrativa”.40 Portanto, 
a questão é se a estrutura narrativa é um aspecto inerente da realidade passada ou 
apenas um produto artificial criado pelo historiador.
Exatamente essa questão tem ocupado bastante espaço em debates recentes 
sobre a historiografia narrativa. Em uma resenha do livro de Hayden W hite, The 
content o f form: narrative discourse and historical representation [O conteúdo da 
forma: discurso narrativo e representação histórica],41 W illiam Dray faz uma crítica 
à posição de W hite, que descreve como “concepção construcionista exagerada da 
narrativa na produção literária da história”.42 De acordo com Dray, W hite chega 
“bem perto de realmente afirmar que em uma narrativa histórica tudo o que vai 
além da simples crônica (ou talvez até mesmo além da mera declaração de fatos 
distintos) é de alguma forma ‘inventada’ (p. ix) pelo historiador”. Ao ressaltar
39W. H . Dray; R. G. Ely; R. Gruner, “M andelbaum on history as narrative: a discussion”, HTh 8 
(1969), p. 275-94; citação na p. 286.
40Ibidem, p. 289.
41Baltimore/London: Johns Hopkins University Press, 1987.
42In: HTh 27 (1988), p. 28-7.
134 H ISTÓ R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
“a natureza supostamente poética e não fatual do enredo narrativo na história, 
parece que W hite quer descrever a imaginação histórica como algo livre — como 
tendo ‘os fatos’ totalmente ao seu dispor”. Na verdade, em nosso entendimento, ao 
contrário do que Dray afirma, W hite talvez não seja culpado de construcionismo — a 
noção de que os “historiadores podem dar ao passado o enredo que bem quiserem” 
— , pois o próprio Dray observa que W hite parece estar consciente “de que talvez 
seja absolutamente impossível elaborar qualquer tipo de enredo para determinada 
série de eventos”.43 Entretanto, qualquer que seja a posição do próprio W hite, é 
preciso questionar a ideia construcionista exagerada (ou, como alguns preferem, 
construtivista) — a de que a narratividade é simplesmente imposta pelo historiador, 
não sendo inerente aos próprios acontecimentos.
Talvez seja proveitoso fazer uma analogia entre a pintura de quadros, um tipo de 
arte de representação visual, e a historiografia, que pode ser adequadamente descrita 
como arte de representação verbal.44 Em certo sentido, os pintores são “construcionis- 
tas”; fazem escolhas criativas ao compor e reproduzir seu tema histórico. Contudo, 
estão longe de apenas imporem estrutura a um conjunto amorfo de “fatos” isolados(um olho aqui, um nariz ali). Sua tarefa é observar os contornos e a natureza do 
objeto retratado, as relações entre os vários aspectos, e captar esses elementos es­
senciais de seu objeto em um meio de representação visual. É claro que não há dois 
retratos exatamente iguais, pois não há dois pintores que vejam o objeto exatamen­
te da mesma maneira ou que façam as mesmas escolhas criativas ao reproduzi-lo. 
Mesmo assim, boas pinturas do mesmo tema não são totalmente diferentes quanto 
aos contornos e às estruturas do objeto, pois são limitadas pelos fatos. Em sua ha­
bilidade de representação, os pintores compõem (i.e., constroem) sua pintura, porém, 
não impõem simplesmente a estrutura a seu objeto. Será que o mesmo processo não 
ocorre com historiadores narrativos? Evidentemente, em princípio, a resposta é sim. 
Mas a questão é, de novo, se o próprio passado possui contornos discerníveis, sig­
nificativos — uma qualidade narrativa, se assim se preferir — ou se consiste apenas 
em acontecimentos isolados e sem sentido.
A narratividade da vida
É impressionante que até os que são às vezes acusados de tendências constru- 
cionistas,45 como Frank Kermode, achem difícil negar que a vida tem uma qualidade
43Ibidem , p. 286-7.
44Lo ng ,A rt o f biblical history, esp. p. 106-7.
45E.g., no artigo intitulado “M ixed messages: the heterogeneity o f historical debate”, S. G. Crowell 
escreve: “As abordagens lingüísticas de Ankersmit, Lyotard, W hite e Kermode negam — todas elas — 
que o passado tenha qualquer estrutura narrativa” (Hth 37 [1998], p. 220-44; citação na p. 237).
NARRATIVA E H ISTÓ R IA : RELATOS SOBRE O PASSADO 135
narrativa. Kermode afirma que “é impossível imaginar um cristianismo ou judaísmo 
totalmente não narrativo ou mesmo uma vida não narrativa” (grifo nosso).46 Paul 
Ricoeur, que escreveu extensamente sobre a narrativa,47 comenta apenas que “uma 
vida examinada [...] é uma vida narrada”,48 Um dos mais proeminentes proponentes 
atuais da “narratividade da vida” é David Carr,49 que argumenta que “a narrativa não 
é apenas uma forma possivelmente bem-sucedida de descrever acontecimentos; sua 
estrutura é inerente aos próprios acontecimentos”.50
Antes de prosseguirmos no exame dessa questão, devemos talvez tornar mais 
preciso o que queremos dizer com “narrativa”, “narratividade” e “história narrativa”. 
Em uma perspicaz resenha intitulada “Narrativity and historical representation” 
[Narratividade e representação histórica],51 Ann Rigney observa que os historia­
dores têm diferentes concepções de “narratividade”, dependendo de qual deles se 
consulte. Alistamos a seguir exemplos dessa variação:
1. Narrativas podem ser distinguidas de “anais” ou “crônicas”.
2. Narrativas tratam de “processos ou transformações diacrônicas de curto ou 
longo prazo”.
3. “(História) narrativa envolve a representação figurada de agentes e eventos 
únicos e, como tal, se distingue de relatos quantitativos e estatísticos do 
mundo”.
4. “(História) narrativa trata de (experiências de) pessoas, em vez de grupos ou 
tendências sociais”.
5. A história narrativa “considera questões políticas em vez de sociais e cul­
turais”, visto que é na esfera política que “são mais freqüentes as mudanças 
iniciadas por pessoas ‘livres’”.
46“Introduction to the N ew T estam ent”, in: A lter e Kermode, orgs., Literary guide to the Bible, 
p. 380.
47P. Ricoeur, Time and narrative (Chicago: University o f Chicago Press, 1984-1988), 3 vols.; 
original em francês de 1983-1985. Para um a análise do pensamento de Ricoeur, veja K. J. Vanhoozer, 
Narrative in thephilosophy ofPaul Ricoeur: a study in hermeneutics and theology (Cambridge: Cambridge 
University Press, 1990).
48“Life: a story in search o f a narrator”, in: M . C. Doeser; J. N . Kraay, orgs., Facts and values: 
Philosophical reflections from Western and non-Western perspectives (Dordrecht/Boston/Lancaster: 
M artinus Nijhoff Publishers, 1986), p. 130.
49D. Carr, Time, narrative, and history (Bloomington: Indiana University Press, 1986); Carr, 
“Narrative and the real world: an argument for continuity”, HTh 25 (1986), p. 117-31.
“ “Narrative”, p. 117.
51In: Poetics today 12 (1991), p. 591-601. A obra resenhada é The content o f theform, de Hayden 
W hite. Rigney conclui seu artigo com uma bibliografia selecionada e proveitosa sobre questões que 
dizem respeito à narratividade, à historiografia e à teoria literária.
136 H IST Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
6. A função da história narrativa é, diferentemente do discurso analítico, 
“contar como e não por que as coisas aconteceram”.
7. “(História) narrativa envolve um modo particular de percepção ou tipo de 
explicação que é distinto da explicação nomotética e é próprio das ciências 
históricas”.
8. “(História) narrativa se caracteriza por seu apelo retórico e suas qualidades 
estéticas”.
9. “A ‘narratividade’ da história [...] é a promessa de um padrão significativo 
nela; é a garantia de que o que é representado conterá significado”.
10. “Narrativismo” envolve um reconhecimento do “papel mediador da lingua­
gem na produção de significado histórico”.52
Algumas dessas tentativas de descrever a essência da narratividade parecem 
incompatíveis. Rigney observa, por exemplo, o conflito entre a noção de que 
a história narrativa é um modo particular de explicação (n.° 7) e a afirmação de 
que ela não conta “'por que as coisas aconteceram” (n.° 6).S3 Algumas parecem ser 
injustificavelmente limitadas — por exemplo, a que restringe a história narrativa 
a acontecimentos políticos (n.° 5), ou a implicação de que a história narrativa deve 
exibir “apelo retórico e qualidades estéticas” (n.° 8). Em sua maioria, porém, essas 
descrições são observações compatíveis e, quando reunidas, podem levar a uma 
definição funcional de narrativa e de história narrativa. Se uma definição mínima 
de “narrativa” for “a representação de uma seqüência de acontecimentos que estão 
ligados de modo não aleatório”,54 então uma definição mínima de “história narrativa” 
será “a representação de uma seqüência de acontecimentos do passado que são reais 
e que estão ligados de modo não aleatório”.
Uma definição mais ampla, que recorre às dez descrições mencionadas por 
Rigney, poderia ser: “história narrativa” implica uma tentativa de expressar por 
meio da linguagem (n.os 3, 10) o significado (n.° 9) — ou seja, uma explicação/ 
compreensão particular (n.° 1) — das relações em uma seqüência selecionada de 
acontecimentos reais do passado (n.os 2, 7), com o objetivo de convencer outras 
pessoas por meio de vários recursos, inclusive a força retórica e o apelo estético 
da apresentação (n.os 3, 8), que a seqüência examinada tem sentido e que esse 
sentido foi corretamente compreendido. Assim, chegamos a uma definição de
“ Ibidem , p. S94-5.
53Ibidem, p. 595. E provável que os que fazem essa afirmação estejam expressando sua crença 
(errônea) de que apenas os fatores de primeiro e segundo níveis — i.e., os aspectos ambientais e sociais de 
grande escala — são as causas reais de mudança histórica (o “porquê”) e não os atores e ações particulares 
do terceiro nível, que apenas explicam como a mudança histórica de fato inevitavelmente aconteceu.
54Ibidem, p. 591.
NARRATIVA E H ISTÓ R IA : RELATOS SOBRE O PASSADO 137
“história narrativa” que não é diferente da definição mais sucinta que Ferdinand 
Deist formulou para a “historiografia”: “uma explicação, na forma de uma narra­
tiva centrada e cuidadosa, da relação significativa que há em uma seqüência de 
acontecimentos passados”.S5
Resumindo o que estudamos até aqui e desenvolvendo um pouco mais o racio­
cínio: a questão fundamental para nossa presente análise é se a “relação significativa 
de uma seqüência de acontecimentos passados” é inerente aos próprios aconteci­
mentos ou é simplesmente imposta a eles pelo historiador. Nossa posição é que, 
assim como o mundo físico tem uma estrutura, também a própria vida tem contor­
nos, estrutura e aspectossignificativamente relacionados. E assim como a tarefa de 
um artista realista é perceber os contornos do objeto e representá-los visualmente, 
de igual maneira a tarefa do historiador é identificar os contornos do passado e os 
aspectos significativamente relacionados, representando-os verbalmente. Esta con­
clusão não significa que o historiador não faça nenhuma escolha criativa e artística 
(literária) nem que todas as representações históricas serão iguais (da mesma forma 
que todas as pinturas de determinado objeto não são iguais). Todavia, significa, sim, 
que a criatividade do historiador está limitada pelas condições reais do objeto e 
que, à medida que focalizam aspectos iguais ou semelhantes do passado, histórias 
legítimas terão alguma similaridade entre si.
A narratividade da historiografia (bíblica) e a questão da ficção
Se a própria vida não é uma confusão caótica de acontecimentos isolados, mas é 
dotada de uma espécie de estrutura narrativa e de significado, então, um dos prin­
cipais impedimentos para levar a sério o AT como fonte histórica é eliminado. 
Não se pode apenas citar a forma predominantemente narrativa de grande parte do 
relato bíblico como argumento contra sua historicidade. É verdade que, como Hans 
Barstad observa, “a historiografia bíblica é narrativa, centrada em acontecimentos e 
pré-analítica” e, portanto, “não nos oferece o tipo de dados empíricos que Braudel, 
cientista analítico não orientado pelos eventos nem pela narrativa, usaria”.56 Mas 
isso não significa que a Bíblia esteja desqualificada como fonte histórica. Barstad 
explica a questão de forma clara:
O fato de que narrativas sobre o passado e narrativas originadas no passado podem re­
presentar a realidade antiga tem se tornado cada vez mais claro não apenas para teóricos
53“Contingency, continuity and integrity in historical understanding: an O ld Testam ent perspec­
tive”, Scriptura 11 (1993), p. 99-115; citação na p. 106.
S6H . M . Barstad, “H istory and the Hebrew Bible”, in: L. L. Grabbe, org., Can a “history o f Israel"be
written? JSO T S 245/E S H M 1 (Sheffield: Sheffield Academic, 1997).
138 H IST Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
da história, mas também para estudiosos clássicos. Chegou a hora de historiadores do
antigo Israel/Palestina começarem a pensar da mesma maneira.57
Por enquanto, estamos indo bem e podemos apenas esperar que os “historiadores 
do antigo Israel/Palestina” que tendem a desconsiderar textos narrativos, em geral, e 
textos bíblicos, em particular, também realizem pesquisas mais amplas nesse campo.
Por mais relevantes que sejam os comentários corretivos de Barstad, sua análise 
sobre a ficcionalidade na história narrativa é intrigante. Quase no fim de seu texto, 
ele conclui que “a história narrativa não é ficção pura, mas contém uma mistura 
de história e ficção”.58 Parece ter em mente que algumas partes de uma narrativa 
podem ser históricas no sentido tradicional (correspondendo a alguma realidade 
passada ou pelo menos tendo uma relação de coerência com ela), ao passo que 
outras são apenas ficcionais (inventadas para causar impressão). Se este fosse o caso, 
então, ao menos em princípio, se poderiam dividir os dois grupos. Barstad também 
afirma que, correspondente à mistura de história e ficção, existem tipos distintos de 
verdade. Ele escreve: “Se ‘verdades’podem ser de tipos diferentes, é importante per­
ceber que atualmente não podemos mais alegar que a verdade histórica tradicional 
é mais ‘valiosa’ ou mais ‘correta’ do que a verdade narrativa”.59
Se nosso entendimento das ideias de Barstad está correto, então temos algu­
mas reservas baseadas novamente em nossa analogia da pintura. Ninguém diria 
precisamente que uma pintura é uma mistura de história e ficção. Em certo sentido, 
um quadro é totalmente histórico, visto que seu propósito básico é representar um 
objeto histórico. Em termos ideais, cada pincelada no quadro serve a esse propósito. 
Entretanto, em outro sentido, um quadro é totalmente uma ficção — ou seja, é 
completamente “fabricado”, apenas tinta na tela. Nenhuma pincelada ou combina­
ção de pinceladas duplica com exatidão o objeto histórico. Entretanto, o conjunto 
de pinceladas retrata ou representa o objeto histórico. Devido ao fato de que um 
quadro representa, mas não reproduz, seu objeto, não se pode legitimamente realizar 
certos tipos de teste nele e seria também um contrassenso exigir que respondesse 
a certas perguntas. Por exemplo, não se pode analisar o D N A de um pedaço de 
“pele” arrancado do rosto de alguém retratado em uma pintura, nem faria sentido 
culpar a pintura de uma pessoa que não está sorrindo por não revelar nada sobre a 
higiene dental da época. No entanto, o fato de que os quadros são inadequados para 
certos tipos de testes e investigações científicos não coloca em risco sua condição de 
representações históricas exatas — como testemunhos do passado.
S7Ibidem , p. 62-3. Veja ad loc. a bibliografia citada por Barstad em apoio à sua afirmação.
58Ibidem, p. 64.
59Ibidem.
NARRATIVA E H ISTÓ R IA : RELATOS SOBRE O PASSADO 139
Aplicando a analogia ao assunto em questão, nosso argumento é que, na con­
dição de representação verbal, uma narrativa bíblica também não reproduz, mas 
retrata o passado. Assim como um quadro, a narrativa bíblica, em certo sentido, é 
uma fabricação, pois consiste em palavras no papel e não no passado propriamente 
dito. Todavia, como a tinta sobre a tela, essas palavras no papel podem representar 
com precisão o passado histórico. Além disso, assim como ocorre com os quadros, 
não se deveria culpar a narrativa bíblica caso seja inadequada para certos tipos de 
testes e investigações científicas. Toda essa análise não faria sentido, não fosse o 
fato de que alguns estudiosos bíblicos e até historiadores parecem não perceber a 
distinção entre ficcionalidade, no sentido de expressão artística ou de habilidade, 
e ficção, no sentido de gênero literário.60 A primeira diz respeito a como se realiza 
uma representação; a segunda, a o que é representado. Tanto o retrato quanto a his­
toriografia narrativa envolvem “fabricação” (ou, melhor, “expressão artística”), mas 
nenhum dos dois é arte pela arte, o que leva a outra questão: a historiografia é mais 
bem entendida como arte ou como ciência?
HISTORIOGRAFIA: ARTE OU CIÊNCIA?
Quando ouvimos o termo “arte”, tendemos a pensar em algo que gera prazer esté­
tico: uma obra literária, uma pintura, uma escultura ou uma peça musical. Quando 
ouvimos a palavra “ciência”, tendemos a pensar em métodos precisos cujo objetivo 
é descobrir informações e fatos brutos. Qual dos dois termos descreve melhor a 
historiografia? O interesse básico da historiografia é estético ou informativo? Não 
há dúvida de que é o interesse em transmitir informações (sobre o passado) que 
distingue a história do romance (até mesmo de um romance histórico, que, em­
bora contenha informação histórica, seu objetivo principal não é transmitir esse 
tipo de informação). Porém, será que a ênfase da historiografia na transmissão de 
informações sobre o passado a desqualifica como arte? Refletindo acerca de quão 
pouco sabemos sobre “como e quando a maior parte dos textos históricos da Bíblia 
eram de fato lidos”, Marc Brettler observa que “é provável que os autores que con­
sideram seus relatos importantes terão o bom senso de apresentá-los de uma forma 
agradável, de sorte que serão ouvidos, lembrados e retransmitidos”.61 Em outras 
palavras, conforme temos argumentado, historiadores narrativos — o que inclui­
ria os narradores bíblicos — revelam interesse não apenas na informação contida 
em seus relatos, mas também no modo pelo qual são retoricamente elaborados. 
Entendemos, por exemplo, que não é possível ter plena compreensão histórica das
60Para uma análise, veja Long, A rt o f biblical history, p. 60-3.
61 Creation o f history, p. 139.
140 H ISTÓ R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
narrativas que descrevem a rejeição de Saul ou aapostasia de Salomão a menos que 
prestemos atenção aos aspectos artísticos/retóricos de sua descrição literária.
Ao enfatizar as características artísticas das narrativas bíblicas, que apesar disso 
continuam com o firme propósito de representação, não estamos em desacordo com 
o que os historiadores fazem em geral. Aliás, os historiadores profissionais frequen­
temente citam a “analogia da arte”. Observe-se, por exemplo, a forma que Lawrence 
Stone descreve o que considera “uma reconstrução extremamente brilhante de uma 
mentalidade desaparecida, a evocação que Peter Brown faz do mundo da antigui­
dade tardia”:
Ele ignora as categorias comuns, claras e analíticas — população, economia, estrutura 
social, sistema político, cultura e assim por diante. Em vez disso, Brown elabora o 
retrato de uma era à maneira de um artista pós-impressionista, pincelando grosseira­
mente manchas coloridas aqui e ali, as quais, caso a pessoa se distancie o suficiente, 
criam uma impressionante visão da realidade, mas que, examinadas de perto, dissol­
vem-se em um borrão sem sentido. A imprecisão intencional, a abordagem ilustrativa, 
a justaposição particular de história, literatura, religião e arte, o interesse pelo que 
ocorria nas mentes das pessoas — tudo isso é característica de uma maneira nova de 
observar a história.62
Esse exemplo pode ser exagerado,63 mas a comparação da historiografia com 
a arte não é única. Entre os filósofos da história, defensores de uma abor­
dagem “pictórica” da representação histórica64 incluem Hayden W hite
“ “Revival”, p. 17.
63Para Stone, o quadro pintado por Brown é “pós-impressionista” e, na análise subsequente que faz, 
é pontilhista, mas ainda assim ele o considera uma obra histórica. E claro que nem todos os pintores são 
pós-impressionistas e é possível pintar quadros em uma variedade de estilos, desde o altamente realista 
(quase fotográfico) até o totalmente impressionista. Am pliando a analogia, além de quadros, outros 
tipos de representação visual estão disponíveis em nossa era tecnológica: não apenas fotografias, mas 
raios X, tomografias e recursos semelhantes. Se a pergunta for qual é o tipo de representação visual mais 
acurada, a resposta dependerá m uito do tipo de informação que se busca. Para atender às necessidades 
médicas, serão preferíveis os raios X e tomografias; um detetive de polícia possivelmente preferirá uma 
fotografia; mas a m elhor maneira de uma família lembrar-se da aparência e da personalidade de um 
ente querido é colocar na parede da sala um retrato bem feito.
64Não se deve confundir essa “abordagem pictórica” com a “teoria pictórica” da linguagem proposta 
inicialmente por W ittgenstein: “A explicação de W ittgenstein consiste na ideia notável de que uma 
sentença é um quadro. Ele quer dizer que é literalmente um quadro, não apenas como um quadro em cer­
tos aspectos” (N. Malcolm, “W ittgenstein, Ludwig Josef Johann”, in: P. Edwards, org., The encyclopedia 
ofphilosophy [New York: Macmillan, 1967], vol. 8, p. 327-40; citação na p. 330). A filosofia posterior de 
W ittgenstein rejeita implicitamente sua antiga “teoria pictórica” (ibidem, p. 336).
NARRATIVA E H IST Ó R IA : RELATOS SOBRE O PASSADO 141
(já m encionado)65 e Frank A nkersm it.66 Como dito sucintam ente por H ans 
Kellner, Ankersm it apresenta
um desafio filosófico para o modelo literário do discurso histórico. Em contraste com a 
textualização dominante em todos os aspectos da representação, Ankersmit apresenta 
uma “preferência pelo quadro” que toma o texto, especialmente o texto histórico, uma 
forma basicamente imagística [...]. Ankersmit defende que histórias têm a “densidade” 
e a “abundância” características de pinturas em oposição a frases.67
Ele não tem intenção alguma de menosprezar o interesse renovado dos historiado­
res pela relação entre história e literatura. Aliás, elogia a importância e a lógica da 
investigação dos aspectos literários de textos históricos. Ankersmit apenas crê que a 
analogia da pintura proporciona um avanço conceituai adicional. Ele escreve:
Tendo em vista a natureza textual comum na literatura e na história, essa [abordagem 
literária da história] é um passo evidente. E, caso a investigação queira focalizar as formas 
textuais e retóricas do argumento histórico [...], essa abordagem literária do texto histórico 
é certamente valiosa e enriquece nossa compreensão da natureza da pesquisa histórica.
No entanto, a equivalência verificada entre texto e pintura sugere um renversement 
des alliances,68 em que não é a literatura, mas, sim, as artes visuais que servem de modelo 
ou metáfora para o estudo da história.69
65Além das obras de W hite já citadas, seguem alguns exemplos de títulos relevantes, em ordem 
cronológica: Metahistory: the historical imagination in nineteenth-century Europe (Baltimore e London: 
Johns Hopkins University Press, 1973); “Historicism, history, and the figurative imagination”, HTh 
14 (197S), p. 48-67; “The fictions o f factual representation”, in: A. Fletcher, org., The literature offact: 
selectedpapersfrom the English Institute (New York: Columbia University Press, 1976), p. 21-44; Tropics 
o f discourse: essays in cultural criticism (Baltimore e London: Johns Hopkins University Press, 1978); “The 
value o f narrativity in the representation of reality”, CriticaiInquiry 7 (1980), p. 5-27; “The question o f 
narrative in contemporary historical theory”, HTh 23 (1984), p. 1-33.
“ Veja, e.g., F. R. Ankersmit, “Historical representation”, HTh 27 (1988), p. 205-28; 
“Historiography and postmodernism”, HTh 28 (1989), p. 137-53; “Statements, texts and pictures”, in: 
F. Ankersmit; H . Kellner, orgs.,yí new philosophy o f history (Chicago: University o f Chicago Press, 1995), 
p. 212-40; “Hayden W h ites appeal to the historians”, HTh 37 (1998), p. 182-93; “D anto on 
representation, identity, and indiscernibles”, HTh 37 (1998), p. 44-70.
67“Introduction: describing redescriptions”, in: Ankersmit; Kellner, orgs., A new philosophy o f 
history, p. 1-18; citação na p. 8.
68Essa expressão francesa significa literalmente “reversão de alianças” e pertence ao contexto da 
Revolução Diplomática de 1756, que reformulou o sistema tradicional de alianças entre as nações eu- 
ropeias. A expressão é usada aqui para destacar a nova relação da produção textual com as artes visuais 
e não mais com a arte literária. (N. do E.)
69“Statements, texts and pictures”, p. 238.
142 HISTÓ R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
Com base em nossa caracterização da historiografia como pintura, evidentemente 
consideramos importante a “ênfase do quadro” de Ankersmit. Contudo, permanece­
mos conscientes de certos perigos, sendo que o principal é o tipo de construcionismo 
absoluto analisado anteriormente.70 Certos ou errados, tanto W hite quanto Ankersmit 
são acusados de permitir que historiadores narrativos tenham “liberdade ‘artística’ 
irrestrita” na composição de suas histórias.71 Opondo-se à visão construcionista extrema, 
Chris Lorenz insiste que “os historiadores não reivindicam apresentar apenas um 
relato, mas um relato verdadeiro, e essa reivindicação de veracidade é a característica 
que os distingue”.72 Conforme já argumentamos, os historiadores não têm liberdade 
para impor a determinado conjunto de “fatos” individuais qualquer estrutura de en­
redo, assim como os pintores não têm liberdade para impor aos traços faciais (“fatos”) 
da pessoa retratada a estrutura facial que bem entendem. Na realidade, a capacidade 
para organizar os aspectos do modelo em uma relação correta uns com os outros distin­
gue o bom pintor do ruim. De modo semelhante, a capacidade de estruturar os “fatos” 
históricos individuais em uma relação correta uns com os outros distingue um bom 
historiador do ruim. Cada pincelada deve ser “precisa”; em outras palavras, tem de 
alcançar seu objetivo de representação (uma única pincelada pode ser suficiente para 
representar, digamos, uma sobrancelha com bastante precisão). Entretanto,ainda mais 
importante, o efeito total da combinação de pinceladas deve atingir “com precisão” 
seu objetivo de representação. A diferença entre as pinceladas isoladas e o retrato 
completo do qual fazem parte é de grau, não de natureza. Exatamente por isso, nas 
palavras de Lorenz, “a diferença entre declarações isoladas e narrativas [históricas] 
completas é [...] de grau e não de natureza”P Insistir dessa forma que não apenas 
pinceladas ou fatos isolados, mas também retratos e narrativas completos devem ser 
fiéis a seu objeto histórico não quer dizer de modo algum que somente um único 
retrato ou uma única narrativa podem ser uma representação fiel de um objeto his­
tórico. Depende muito não apenas do ângulo de abordagem, das ênfases escolhidas e 
da luz sob a qual o objeto é visto, mas ainda do estilo pessoal do artista/narrador, que 
também influencia o produto acabado.
Todo esse foco na elaboração criativa mas com limites ressalta o papel do histo­
riador de obter primeiro uma visão do passado para depois comunicá-lo. Enfatiza, 
em outras palavras, a “voz” do historiador — ênfase que tem enfrentado resistência 
em alguns grupos. Como observado por Kellner:
70N a seção “Narratividade: realidade ou ilusão”, já observamos as críticas que W illiam Dray 
faz a W hite.
71Essa é a acusação de C. Lorenz, “Can histories be true? Narrativism, positivism, and the 
‘metaphorical turrí”, HTh 37 (1998), p. 309-29, citação na p. 323.
72Ibidem , p. 327.
73Ibidem , p. 324-5.
NARRATIVA E H ISTÓ R IA : RELATOS SOBRE O PASSADO 143
Tradicionalmente, a voz do historiador tem causado desconforto entre aqueles que vis­
lumbram uma visão direta do passado como a utopia do discurso histórico. Para esses 
realistas históricos, o ideal seria uma história composta do mundo em que cada história 
em particular se combinasse harmoniosamente com o restante em uma imensa totali­
dade constituída de muitos autores, mas formando uma voz única e clara.74
Kellner associa o desconforto com a voz do historiador à “desretoricização do 
estudo histórico” e considera que talvez o interesse renovado pelos aspectos literá­
rios da historiografia seja o arauto de “um ressurgimento da voz pessoal”.75 Como 
Ankersmit observa, o fato é que “quando fazemos uma pergunta histórica, que­
remos um relato, um comentário sobre o passado, e não um simulacro do próprio 
passado”.76 O u seja, queremos alguma explicação sobre a significância do passado, 
não apenas uma imagem refletida dele. Se alguém aceita como definição de história 
“um discurso que é basicamente retórico”,77 envolvendo “objetos estéticos padroni­
zados que fazem certas alegações sobre o mundo e nossa relação com ele”,78 então 
é inevitável o reconhecimento da centralidade da visão e da voz do historiador. 
A história realmente existe como objeto do historiador, mas é possível representá-la 
fielmente com mais de um único retrato-narrativa feito por mais de um historiador. 
A história é uma só, mas as historiografias podem ser muitas.
A LEITURA DA HISTORIOGRAFIA NARRATIVA
“Não temos conversado suficientemente a sério sobre a arte da história”, afirma 
David Levin.79 Neste capítulo, tentamos conversar seriamente sobre a narrativa his- 
toriográfica bíblica como arte e história, não como uma divisão meio a meio, uma 
mistura de fato com ficção, mas como história verdadeira, apresentada habilidosa­
mente. Assim como Levin, discordamos da “suposição [muito comum] de que uma 
lei natural determina certa oposição entre a boa literatura e a história séria, entre 
artifícios literários e precisão fatual”.80 Nossa posição é de que essa suposição não 
é mais sensata do que a hipótese de que uma lei natural determina certa oposição 
entre a boa arte e a descrição séria.
74H . Kellner, “Introduction”, p. 4.
75Ibidem , p. 5.
■ 76“D anto”, p. 67-8.
77Kellner, “Introduction”, p. 2.
7SIbidem , p. 18.
79/« defense o f histórica! literature: essays on American history, autobiography, drama, and jiction 
(New York: H ill and W ang, 1967).
“ Ibidem , p. 3.
144 H IST Ó R IA , H IS T O R IO G R A F IA E A BÍBLIA
A seguir, tentaremos aperfeiçoar nossa habilidade para interpretar textos antigos, 
em especial as narrativas bíblicas, e assim compreender sua importância histórica. 
Essa busca exige que levemos os textos a sério em sua integridade. Concordamos 
novamente com Levin quando diz que “o interesse supremo [do crítico responsável] 
será o valor da obra toda e não apenas a validade de seu conteúdo passível de pará­
frase, isto é, de seu argumento. [O crítico responsável] se dedicará tanto à relação 
entre o argumento e a forma quanto à linguagem em que o texto é apresentado”.81 
Assim como críticos de pinturas precisam se preocupar com as maneiras que os 
meios artísticos servem a fins referenciais, de igual modo os leitores das narrativas 
bíblicas devem se preocupar com as maneiras que a arte literária serve à represen­
tação histórica. Portanto, como Levin continua a argumentar: “Uma das primeiras 
contribuições que o crítico da história pode fazer é servir de leitor inteligente que 
deseja compreender e analisar a estrutura retórica em que a história está escrita”.82 
A atenção à expressão artística literária tem importância especial quando se lida 
com as narrativas de orientação idiográfica da Bíblia.83 Mais uma vez, os comentá­
rios de Levin sobre a obra dos historiadores em geral são proveitosos:
Em especial, quando se descrevem personagens ou grupos humanos e suas ações, os 
historiadores devem tomar várias decisões literárias de extrema importância. Quer essas 
decisões sejam feitas intencionalmente, quer não sejam, elas precisam ser examinadas 
por toda crítica que almeje compreender a arte da história...84
Levin oferece uma lista com algumas “decisões literárias” que os historiadores 
deveriam tomar:
Qual princípio organizador descoberto pelo historiador em seus materiais pode lhe dar 
condições de relacionar um episódio em um momento específico com outro?
Quais princípios de forma ele adota para expressar essa percepção?
81Ibidem . Com frequência, os estudiosos bíblicos observam que algo sempre se perde quando um 
poema (e.g., um salmo) é reduzido a uma mera paráfrase de seu conteúdo. Bem poucos estudiosos 
questionariam a ideia básica de que o valor e a essência de um poema bíblico abrangem mais do que 
seu conteúdo parafraseável. Contudo, frequentemente não se percebe o fato de que o mesmo se aplica 
às narrativas em prosa.
82Ibidem , p. 23.
“ Em bora não sejam totalmente irrelevantes para as questões de primeiro e segundo níveis (no- 
motéticas) que caracterizaram a escola dos Annales e continuam a caracterizar hoje em dia um a parcela 
dos estudos do AT, as narrativas bíblicas se ocupam principalm ente de questões de terceiro nível 
(idiográficas) envolvendo pessoas e grupos e suas ações distintas. 
uDefense, p. 31.
NARRATIVA E H ISTÓ R IA : RELATOS SOBRE O PASSADO 145
Como ele define “o povo”, ou os grandes grupos de pessoas, e que técnicas emprega para 
apresentá-lo(s)?
De que forma, tanto em citações quanto em paráfrases, ele utiliza a linguagem de 
suas fontes?
Como seleciona detalhes para a descrição de personagens?
De qual ponto de vista — ou seja, tecnicamente falando, de qual posição — o autor 
descreve os acontecimentos?
Como ele apresenta as conjecturas e as distingue do que considera fatos documentados?
Como organiza os acontecimentos de modo que aqueles que considera mais impor­
tantes pareçam de fato ser os mais importantes?
Como o autor passa das evidências particulares para a avaliação geral e que relação 
estabelece entre a personagem ou o incidente típico e a realidade mais ampla que tal 
personagem ou incidente representam?85
É importante observar que essa lista de perguntas que os historiadores deveriam 
fazer é bem parecida com as listas de perguntas que os analistas literários da Bíblia 
devem fazer. Em seu livro recente sobre a arte narrativa na Bíblia,86 Jan Fokkelman 
apresenta a seguinte lista de dez (grupos

Mais conteúdos dessa disciplina