Prévia do material em texto
copyright © by Ligia Cademartori, 2010 Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada em sistemas eletrônicos, fotocopiada, reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor. Diretora editorial: Danda Prado Supervisão editorial: Luciana Nobile Coordenação editorial:Vanderlei Orso Coordenação de produção: Roseli Said Diagramação: Iago Sartini Revisão: Nydia Lícia Ghilardi eBook: Ana Clara Cornelio, Bruna Cecília Bueno, João Pedro Oliveira Rocha e José Eduardo Góes Produção: Editora Hedra Ltda. editora e livraria brasiliense R. Antônio de Barros, 1839 - Tatuapé, São Paulo - SP, 03401-001 www.editorabrasiliense.com.br O que é literatura infantil Ligia Cademartori . . . . . . Sumário Apresentação Que gênero é esse? A questão do adjetivo Escolher entre tantos Começou com Perrault A presença de Lobato Literatura nos primeiros anos Indicações para leitura Sobre a autora Apresentação Em 1986, escrevi a primeira edição de Oque é literatura infantil. Desde então, o livrinho tem circulado entre os interessados em sucessivas reimpressões. Naquela época, o gênero literário endereçado às crianças conquistava, gradualmente, espaço nas discussões universitárias, congregando estudiosos em instituições dedicadas ao tema. A literatura infantil deixava seu lugar à margem para ser apreciada em suas peculiaridades. No plano das ações, livros literários para crianças começavam a ser distribuídos, em escolas e bibliotecas do país, pelo Ministério da Educação. A iniciativa pioneira recebeu o nome de Programa Salas de Leitura e era desenvolvido pela Fundação de Assistência ao Estudante, hoje extinta. Se a iniciativa oficializava os lações entre literatura infantil e educação, o que, na opinião de muitos, comprometia a natureza literária do gênero, na mesma medida vinha promovê- lo, tornando a distribuição de livros a estudantes parte de uma política pública. Simultaneamente, criava-se uma relação de dupla dependência entre a presença da literatura infantil nas escolas e a produção de livros desse segmento editorial pela indústria livreira. A oferta de títulos cresceu de modo significativo. Com a continuidade e expansão dos programas de aquisição de livros infantis pelo governo, pode-se dizer que essa literatura passou a contar com uma forma de patrocínio estatal. Mesmo sendo inegável o vínculo estabelecido entre literatura infantil e educação, é importante ter clareza de que não cabe ao gênero o papel de subsidiário da educação formal. A natureza literária já o coloca além dos objetivos pedagógicos, assim como dos ideais, costumes e crenças que os adultos queiram transmitir às crianças. É como entretenimento, aventura estética e subjetiva, reordenação dos próprios conceitos e vivências, que a literatura oferece, aos pequenos, padrões de leitura do mundo. Mas não foi movida pelo reconhecimento desse potencial que a escola, inicialmente, voltou-se para a literatura infantil. A educação formal passou a valorizar essa produção com vistas a interesses mais imediatos. Viu nela um bom instrumento do ensino da língua, modo de ampliar o domínio verbal dos alunos. Acreditava-se no slogan “quem lê, sabe escrever”. Além de ensinar a língua, a literatura seria veículo de informações. Supriria as grandes lacunas intelectuais dos alunos, oferecendo também elementos formativos. Ora, se a função da literatura parasse aí, seu papel seria meramente paradidático. A criança que costuma ler, que gosta de livros de histórias ou de poesia, geralmente escreve melhor e dispõe de um repertório mais amplo de informações, sim. Mas essa não é a principal função que a literatura cumpre junto a seu leitor. Mesmo sem precisar discorrer sobre a função da literatura, sabemos que é o fato de ela propiciar determinadas experiências com a linguagem e com os sentidos – no espaço de liberdade que só a leitura possibilita, e que instituição nenhuma consegue oferecer – que a torna importante para uma criança. Nos últimos anos do século XX, a noção da importância da literatura infantil na formação de pequenos leitores consolidou-se, integrando a pauta das políticas públicas de educação e cultura. Se ainda estamos longe de constituir um país de leitores, se os problemas da qualidade da educação fundamental são grandes e persistentes, a escola e o gênero, no entanto, já não são os mesmos que eram nos anos 1980. Passaram ambos por modificações conceituais e funcionais que alteraram seus perfis. A importância de aproximar as crianças dos livros de literatura infantil é hoje praticamente um consenso. A sociedade absorveu a ideia que, décadas atrás, era ainda objeto de pregação. Eram feitos esforços de convencimento para que pais e professores promovessem, entre os pequenos, a leitura de bons livros. Hoje, reflexões a respeito do assunto envolvem estudantes e estudiosos na produção de ensaios, dissertações, teses, que discutem diferentes aspectos da literatura infantil e contam com poder de irradiação. No entanto, entre a adoção de um conceito, o desenvolvimento de análises e a construção do cenário idealizado por aqueles que se empenham em semear livros a mão-cheia, parafraseando Castro Alves, a distância é grande. Um dos principais fatores que agem nessa distância é o fato de a escola, atualmente, estar ainda mais esvaziada de seu potencial simbólico do que nos anos 1980, quando já dava sinais de declínio. Vive atualmente perda mais radical de seu antigo espaço de influência. Sobrevive sem condições de competir com os meios de comunicação de massa, esses, sim, geradores de valores e de modelos, que se impõem indistintamente ao amplo público, mediante informação, publicidade e entretenimento. As crianças crescem diante da televisão, brincam desde cedo com jogos eletrônicos e encontram pela internet, instantaneamente, as informações de que precisam. Podem saber de tudo o que está acontecendo em tempo real. À disposição delas, estão muitas informações. São tantas que atordoam. O livro não concorre com isso e, no entanto, a literatura infantil, guardadas as diferentes proporções da oferta, conforme se trate de escola pública ou privada, está mais próxima das crianças do que estava nos anos 1980. Isso se deve a projetos e programas de diferentes instituições, resultado de iniciativas de diversas origens. Contraditório? Sim, mas é exatamente nesse descompasso que, acredito, devem incidir, tanto os enfoques ao tema, quanto a ação de promotores ou mediadores da leitura de livros infantis. A despeito do que acreditam os pessimistas, houve uma valorização do gênero que, em escala política e econômica, deve muito à correlação entre educação e desenvolvimento. Em escala familiar e doméstica, liga-se à correspondência, feita pelos pais, entre a educação dos filhos e a futura profissionalização desses. Para quem valoriza a dimensão existencial da leitura literária, no entanto, promover, intermediar, comentar a literatura infantil é modo de oferecer aos pequenos um tipo de informação e de recorte do mundo distintos daqueles que consomem diariamente. É convite a que conheçam algo mais instigante, que a realidade simultânea captada pelas telas, e algo menos superficial, que o discurso apressado delas, e apreciem relatos em recepção menos indiferente e ininterrupta que a que vivem diante dos canais de cartoon. Contudo, como a presença dos meios eletrônicos é avassaladora, precisamos reconhecer que a literatura infantil só entrará na vida da criança por uma fenda, nunca pela porta principal. Tal circunstância, ao contrário do que pode parecer, não diminui sua potencialidade. Ao contrário, pode aumentá-la, dependendo da intermediação que o adulto fizer, uma vez que, dificilmente, a criança poderá prescindir desse terceiro, entre ela e o livro, para se tornar leitor. Aos que acreditam na relevância deste assunto, dedico as páginas seguintes e relembro os versos de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, sobre as primeiríssimas relações que mantemos com os livros: “Temos todos duas vidas: A verdadeira,que é a que sonhamos na infância, E que continuamos sonhando, adultos num substrato de névoa; A falsa, que é a que vivemos em convivência com outros, Que é a prática, a útil, Aquela em que acabam por nos meter num caixão. Na outra não há caixões, nem mortes, Há só ilustrações de infância: Grandes livros coloridos, para ver mas não ler; Grandes páginas de cores para recordar mais tarde.” Que gênero é esse? Historicamente, a literatura infantil é um gênero situado em dois sistemas. No sistema literário, é espécie de primo pobre. No sistema da educação, ocupa lugar mais destacado, graças ao seu papel na formação de leitores, que cabe à escola assumir e realizar. Sendo assim, nas conceituações e definições do que seja literatura infantil, não é raro que encontremos a alternância, ou a convivência, de critérios estéticos e pedagógicos. Uma comprovação rápida de que a literatura infantil desfruta de pouco prestígio no sistema de onde é originária, o literário, pode ser extraída rapidamente das listas, indicações, sugestões, seleções de todo tipo das obras literárias consideradas mais importantes ou representativas. A toda hora nos deparamos com elas. Essa forma de consagração de obras, com base em determinadas opiniões ou julgamentos críticos, é uma tendência forte na mídia. Funciona como balanço das produções literárias e dá destaque a alguns títulos. Algumas listas são imediatistas, forma mais ou menos dissimulada de anúncios de livros, orientadas por interesse de venda. Outras, as que interessam, assentam-se em critérios literários e querem sinalizar ao público o que merece ser lido. Levando em consideração apenas o segundo tipo de seleção, pense quantas obras de literatura infantil você já viu nessas listas. Quais foram elas? Quando existe perspectiva histórica, costumam ser destacadas apenas duas obras, e ambas de autoria de Lewis Carroll: Alice no país das maravilhas e Alice no país dos espelhos. Comum aos dois títulos é o fato de serem obras das quais se diz que “crianças também podem ler”, embora guardem sentidos que os menores não alcançam e são apreensíveis e desfrutados apenas por leitores adultos. No entanto, a consolidação do mercado do livro infantil atraiu autores que desfrutam do mais alto prestígio na crítica literária, integrantes do repertório de leitura dos adultos mais exigentes. Alguns dos ficcionistas contemporâneos dos mais celebrados e premiados ficcionistas contemporâneos escrevem também para crianças. Ian McEwan é autor de O sonhador e Rose Blanche; Toni Morrison, de The big box; Le Clézio escreveu Mondo et autres histoires; Antonio Skármeta, A redação; de José Saramago temos A maior flor do mundo; de Mia Couto, O gato e o escuro. No Brasil, a literatura infantil conta com títulos de autoria de alguns de seus mais brilhantes escritores, como Henriqueta Lisboa, Raquel de Queiroz, Mario Quintana, Érico Veríssimo, Cecília Meireles, Vinicius de Moraes, Clarice Lispector e outros escritores referenciais de nossa literatura. Personalidades poéticas contemporâneas, como Ferreira Gullar e Armando Freitas Filho também estenderam suas sensibilidades para a criação de textos infantis. Gullar é autor de poesia, fábula, conto para pequenos leitores, como Um gato chamado Gatinho, Dr. Urubu e outras fábulas, Touro encantado. Armando Freitas Filho é autor de Apenas uma lata e Breve memória de um cabide contrariado. São exemplos, entre muitos outros, da expressão que pode alcançar o gênero, que não é fácil nem menor, não aceita improvisação nem descuido, mas requer talento especial para ser composto de acordo com suas peculiaridades. No final do século XX, a literatura infantil passou pelo que se pode chamar de internacionalização do gênero, resultado da globalização dos mercados. Um livro infantil, uma vez comprovada sua aceitação pelo público de um país influente, é logo distribuído para crianças dos demais países e rapidamente se torna sucesso global. É o que comprovam os fenômenos de recepção constituídos por obras em série de J.R.R Tolkien, O senhor dos anéis; de J. K. Rowling, Harry Potter; e títulos de Stephenie Meyer, como Crepúsculo, Lua Nova, Eclipse. A leitura dessas obras ocorre fora do âmbito escolar e a intermediação fica por conta dos meios de massa. A ela, leitores infantis e juvenis respondem imediatamente, estimulados pelo fenômeno midiático, que incluiu também a transposição das histórias para a linguagem cinematográfica. Tais obras, independente das qualidades literárias que possam ter, são associadas à moda e ao lazer. Para um público com menos fôlego para a leitura de livros espessos, há produções que contam com forma similar de recepção, ou seja, independente da promoção escolar. São pedidas ou procuradas espontaneamente pela criança. Entre elas estão as séries Juddy Moody, de Megan McDonald, preferida pelos leitores menores, e Zac Power, de H. I. Larry, favorita dos leitores iniciantes. A literatura infantil se caracteriza pela forma de endereçamento dos textos ao leitor. A idade deles, em suas diferentes faixas etárias, é levada em conta. Os elementos que compõem uma obra do gênero devem estar de acordo com a competência de leitura que o leitor previsto já alcançou. Assim, o autor escolhe uma forma de comunicação que prevê a faixa etária do possível leitor, atendendo seus interesses e respeitando suas potencialidades. A estrutura e o estilo das linguagens verbais e visuais procuram adequar-se às experiências da criança. Os temas são selecionados de modo a corresponder às expectativas dos pequenos, ao mesmo tempo em que o foco narrativo deve permitir a superação delas. Um texto redundante, que só articula o que já é sabido e experimentado, pouco tem a oferecer. Sob a designação de literatura infantil, coexistem diversas modalidades e processos textuais, tanto verbais quanto visuais. São os modos de expressão, os processos narrativos que definem o público a que o livro está endereçado. Em algumas obras, subverte-se o uso sistemático da língua, e o literário irrompe nesse espaço de escape das formas organizadas do mundo adulto. O sonho, a fantasia, o nonsense se instauram como subversão do mundo racional. Outros livros, porém, refletem acentuada consideração por temas sociais, como as diferenças raciais, sexuais, de classe, de habilidades e outras. Produção de adulto para criança, nela se manifestam as ideias dos mais velhos sobre o que as crianças devem ser e pensar. Com frequência, no livro infantil se desenha nosso sonho de infância, ou, noutro extremo, predomina o intuito de formação, ganha forma a concepção racional e ideológica do que o adulto pensa deva fazer parte dos conceitos a serem adquiridos na infância. As obras infantis que respeitam seu público são aquelas cujos textos tem potencial para permitir ao leitor infantil possibilidade ampla de atribuição de sentidos àquilo que lê. A literatura infantil digna do nome estimula a criança a viver uma aventura com a linguagem e seus efeitos, em lugar de deixá-la cerceada pelas intenções do autor, em livros usados como transporte de intenções diversas, entre elas o que se passou a chamar de “politicamente correto”, a nova face do interesse pedagógico, que quer se sobrepor ao literário. Uma das marcantes transformações pelas quais passaram os livros destinados ao público infantil, nos últimos anos, é a interação entre as linguagens visual e verbal: imagens e palavras dividem o espaço no livro e disputam a atenção do leitor. Na produção contemporânea, o gênero abrange livros só com imagens; livros com imagens e palavras e, situação menos provável, livros só com palavras. Livros para leitores menores podem ser compostos apenas de imagens, descritivas ou narrativas, com ausência de palavras ou com apenas algumas delas. Podem também manter em equilíbrio a presença do verbal e do visual. Ou, ainda, dar preponderância à palavra e atribuir à imagem presença complementar. Parte considerável dos livros de literatura infantil contemporânea apresentam um texto verbal e um texto visual, propiciando à criançaexperiências estéticas e de sentido com os dois códigos. O ilustrador é igualmente um narrador e, em muitas obras, o autor dos dois textos é um só, como ocorre em obras de Ângela Lago, Fernando Vilela, Roger Mello, Eva Furnari, Rui de Oliveira, Caulos, Mariana Massarani e vários outros. A relação do texto visual com o texto verbal pode se dar de diferentes maneiras e em graus diversos de complexidade: pode ser de autonomia ou de relação complementar, pode ter sentido de confirmação ou de contraponto. Há obras em que os sentidos da leitura se expandem na interação entre as duas linguagens, mesmo quando elas se contradizem. O texto imagístico pode se opor ao que diz o texto com palavras, caso em que escritor e ilustrador utilizam as diferentes qualidades de suas respectivas artes para comunicar informações diversas. Quando isso ocorre, pode-se dizer que os textos visual e verbal do livro se relacionam ironicamente, um contradiz ou subverte o que diz o outro. Um bom exemplo pode ser observado em Não vou dormir, de Christiane Gribel e Orlando. Os textos visual e verbal entram em contradição para configurar uma situação narrativa em que a personagem diz uma coisa e sente outra. Ela diz que não vai dormir, mas não consegue manter os olhos abertos. Na maioria dos livros de literatura infantil, no entanto, prevalece o diálogo congruente entre o texto escrito e o conjunto de formas visuais que, com distintos graus de autonomia em relação ao texto linguístico, produzem, a seu modo, significações. Em Banho!, obra de autoria de Mariana Massarani, a frase “Já para o banho!”, tão frequente na rotina das crianças, surge associada à fantasia. Dando margem à imaginação, a água do banho é transformada num caudaloso rio e animais aquáticos da nossa fauna comparecem à banheira: a arraia, o pirarucu, o jacaré-açu, e também o boto, o pacu, a piranha... Nas ilustrações, imagens da fauna dos rios brasileiros. Uma variedade de peixes amazônicos invadem o banho dos meninos, com nomes pitorescos que são quase trava-línguas. Divertem pela sonoridade: piraputangas, pirapitingas, piranambus. Os seres aquáticos nadam com as crianças, mas o leitor perceberá pelas imagens que nem todas as personagens infantis da história estão nadando. Na banheira, falta um. É Edmilson, que nem enxerga a banheira. Não foi para o banho, não se assustou com a piranha e se esqueceu do jantar. O que ele encontrou que pode ser tão interessante ao ponto de o menino esquecer de comer? Um livro. O menino está lendo sentado no vaso. As imagens dão oportunidade para que se converse também sobre outros temas, como a nudez, o uso do vaso sanitário, a diferença sexual, todos tratados com muita naturalidade pela linguagem visual. Avançando um pouco na observação das imagens, pode-se perceber que Edmilson na sala e no vaso duplica na história o próprio leitor. Do mesmo modo, os peixes, um dos motivos do livro de Massarani, estão no livro que o menino lê, assim como estão na tela da TV. Em boa parte dos livros para leitores iniciantes, observa-se que a ilustração constitui um acontecimento narrativo, que oferece informações que o texto escrito, em geral enxuto, para se adequar à competência textual do destinatário, não ofereceu. E há também aqueles em que os signos visuais representam apenas parcialmente uma situação, uma circunstância, uma personagem, um cenário, ou apenas um objeto que remeta ao ambiente narrado. A tendência atual da produção infantil, no entanto, especialmente em livros para leitores iniciantes, é a valorização dos dois textos, o visual e o verbal, sendo mantida a interação entre eles que estimula múltiplas percepções, possibilitando diversos reconhecimentos e interpretações nas leituras dos textos compostos por diferentes signos. Tarde de inverno, texto verbal de autoria de Jorge Luján, e texto visual de Mandana Sadat, é exemplar como livro infantil em que imagens e palavras conversam entre si, na composição de uma obra de delicada poesia. As imagens das primeiras páginas apresentam uma cidade noturna com carros em movimento. Fim de um dia de trabalho, talvez. Nas páginas seguintes, passa-se da panorâmica para um plano que enquadra apenas algumas casas. Fumaças escapam das chaminés. Faz frio. Somente de uma, entre todas as casas, vê-se a janela. Nessa janela, uma criança desenha com o dedo no vidro embaçado. Assim inicia o poema do qual se lê um verso em cada página, no mesmo ritmo lento em que transcorre o tempo, quando se espera por alguém. O movimento do dedo da criança forma uma lua na vidraça. Dentro da lua, ela vê a mãe. O leitor se pergunta: a criança, de fato, está vendo a mãe ou sonha com ela, inscrevendo- a no vidro coberto pelo vapor? Por que o texto verbal diz que o abraço cabe na moldura do retrato? São possibilidades para pensar. O importante, porém, não é saber se a visão da mãe e o encontro com ela é realidade, desejo ou lembrança. Se ocorrem no passado, no presente, ou pertencem ao tempo de espera. Ao folhear o livro, somos envolvidos pela poética expressão do amor entre mãe e filho, pelas imagens do aconchego na noite fria, por essa paisagem que, recebido o carinho, se ilumina em um novo dia. A questão do adjetivo O adjetivo, já ensinava nossa antiga professora, determina o substantivo, qualificando-o. Quando se fala em literatura infantil, por meio do adjetivo, particulariza-se a questão dessa literatura em função daquela a quem ela se endereça: a criança. Desse modo, circunscreve-se o âmbito desse tipo de texto. É escrito para a criança e para ser lido por ela. Porém, é escrito, empresariado, divulgado e comprado pelo adulto. A especificidade do gênero vem dessa assimetria, sendo que todas as diferenças, tensões e intenções da relação adulto/criança manifestam-se, também, na literatura infantil. A relação adulto/criança é caracterizada por um jogo de forças no qual a criança é a dependente, marcada que é, física, inficação dessas faltas na criança ganham dimensão a partir da afirmação da Antropologia de que o homem é o único animal que não traz, ao nascer, um padrão inato de comportamento. Ao contrário de um pássaro, de um peixe ou de um chimpanzé, que já nascem com estruturas comportamentais, o comportamento do ser humano depende dos padrões que lhe foram oferecidos. Para o animal não existe processo de formação. Desde o nascimento, ele tem seu comportamento determinado. O homem, pelo contrário, compõe, ao longo do desenvolvimento, seu mundo e seu padrão comportamental. A oferta de padrões de interpretação para a construção do mundo do homem, em sentido lato, é o que se chama de educação: a apreensão de padrões que modificam o comportamento. O homem constrói seu meio ambiente à medida dos padrões de interpretação que lhe forem oferecidos. Portanto, o processo de constituição de um homem depende de sua formação conceitual e essa, por sua vez, depende dos padrões de interpretação a ele oferecidos. As diferentes manifestações culturais constituem- se em padrões de interpretação. Entre elas, destaca-se, seja pela alta elaboração própria do código verbal, seja pelo envolvimento emocional e estético que propicia, a literatura. A obra literária recorta o real, sintetiza-o e interpreta-o através do ponto de vista do narrador ou do poeta. Sendo assim, manifesta, através do fictício e da fantasia, um saber sobre o mundo e oferece ao leitor um padrão para interpretá- lo. Veículo do patrimônio cultural da humanidade, a literatura se caracteriza, a cada obra, pela proposição de novos conceitos que provocam uma subversão do já estabelecido. Se o homem se constitui à proporção da formação de conceitos, a infância se caracteriza por ser o momento basilar e primordial dessa constituição, e a literatura infantil pode ser um instrumento relevante dele. Sendo assim, essa literatura se configura, não só como instrumento de formação conceitual, mas oferece, na mesma medida, elementos que podem neutralizar a manipulação do sujeito pela sociedade. Se a dependência infantil e a ausência de um padrão inato de comportamentosão questões que se interpenetram, configurando a posição da criança na relação com o adulto, a literatura surge como um meio possível de superação da dependência e da carência, por possibilitar a reformulação de conceitos e a autonomia do pensamento. A questão da assimetria adulto/criança, porém, particulariza, por via da distorção, o acesso ao conhecimento mediado pela literatura. O caráter formador da literatura infantil vinculou-a, desde sua origem, a objetivos pedagógicos. Ora, isto cria uma tensão entre o saber da obra literária (que diz “apresento o mundo assim”) e o ideal da pedagogia (que diz “o mundo deveria ser assim”). Tal tensão é o grande desafio da obra destinada ao público infantil que, não solucionado, muitas vezes, abala o seu próprio estatuto literário. Foi a preocupação pedagógica que, por muito tempo, silenciou no texto questões relativas a diferenças, conflitos, finitude, certas circunstâncias existenciais árduas e interesses dos jogos de poder. Já nos contos clássicos se observa o silenciamento de qualquer conflito que não seja solúvel e a negação de qualquer situação de falta que não seja resgatável. Só a interpretação, que vai além do linear e da mera sequência de fatos, põe a descoberto os conflitos que o texto, numa leitura ingênua e superficial, encobre. Tradicionalmente, a literatura infantil apresentou, por determinação pedagógica, um discurso monológico que, pelo caráter persuasivo, não abria brechas para interrogações, para o choque de verdades, para o desafio da diversidade, tudo se homogeneizando numa só voz. No caso, a do narrador. A ligação entre o outro do narrador – o leitor – e o outro do leitor – o narrador – consiste num grande desafio de cuja superação também depende o estatuto literário do texto infantil. O entrecruzamento dessas duas vozes, juntamente a outras a que o texto pode dar espaço, não traria o caos, a dificuldade de compreensão, mas uma abertura para que muitas vozes se organizem – sufocando o discurso pedagógico persuasivo – e permitindo unidade na diversidade. Do entrecruzamento de vozes depende a dialética do reconhecimento na comunidade humana. No intercâmbio de palavras formam-se as respostas e o homem pode encontrar o outro. Somente vozes entrecruzadas podem oferecer, a uma pergunta feita, a relatividade das respostas. O monólogo não dá margem a questões. Pretende uma única resposta. Essa observação não atinge exclusivamente a literatura destinada à criança, ela se impõe para a literatura em geral. Na literatura infantil, porém, a situação de dependência e a carência de padrões, por parte da criança, desenham a questão com contornos próprios. Como ilustração do que foi dito, consideremos três textos: Contos para a infância, de Guerra Junqueiro, Aventuras de Tom Sawyer, de Mark Twain, e Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll. “Reconhecimento e ingratidão” é uma das narrativas de Contos para a infância, de Guerra Junqueiro (1850-1923). A preocupação moralista, tônica da obra, já está bem expressa no título do conto que, pela antítese, evoca as possíveis reações entre um bem recebido: o reconhecimento ou a ingratidão. O tom moral, persuasivo, ameaçador está presente a partir da primeira frase: “Os vossos filhos serão para vós, como vós tiverdes sido para vossos pais”. O preceito expresso na página inicial recebe desenvolvimento comprobatório na narrativa, cumprindo a função da moralidade das fábulas, embora ocupando posição oposta na estrutura: o preceito moral das fábulas situa-se no final da breve história, protagonizada por animais, e pretende concluir o que o leitor já deve ter depreendido com o desenvolvimento do texto. Neste caso, porém, o preceito, situado antes de qualquer identificação do leitor com o texto, preestabelece o que aquele deverá perceber neste. A segunda frase do texto, ao dizer “E é natural”, estreita ainda mais a possibilidade de que qualquer outra voz se insira no discurso do narrador que, à semelhança de um pregador, vai desenvolvendo sua tese de modo redundante e fechado. Se a segunda frase confirma a primeira, a terceira justifica a segunda: “As crianças veem diariamente o que fazem seus pais, e imitam-nos”. A quarta frase, por sua vez, justifica a terceira. A quinta exemplifica, com o encaixe de duas histórias curtas, o que a partir da primeira frase foi dito. Uma das histórias encaixadas narra como um pobre lavrador, sendo bom filho, teve seu cuidado com os pais recompensado por um príncipe. Além disso, o camponês foi premiado pela vida, que lhe deu filhos tão piedosos e dedicados quanto ele havia sido para seu pai e sua mãe. O exemplo é reforçado pela história seguinte, que conta como um filho ingrato rejubilou-se com a ideia de seu velho pai, aleijado e doente, cansado de maus- tratos, desejar ir para um albergue de caridade. Como o albergue fosse pobre, o pai pediu ao filho que lhe mandasse dois lençóis. Este escolheu dois lençóis velhos e pediu a seu filho que levasse ao avô. Mas o menino escondeu um dos lençóis atrás da porta, só levou o outro. Quando o pai perguntou ao menino por que fizera aquilo, o filho respondeu: “foi para me servir mais tarde deste lençol, quando pela minha vez lhe mandar também para o hospital”. Desse modo, nenhuma palavra da narrativa se afasta do que, acirrada e dramaticamente, se quer transmitir. O caráter didático da composição não abre mão dos exemplos antitéticos, conforme o título do conto, tipificados pelo bom e pelo mau filho. Ao leitor, nenhum espaço que permita a interlocução, nenhuma margem a que, de modo diverso, interprete o que o narrador quer dizer. Este, buscando persuadir, monologa. Não há lugar, no conto de Guerra Junqueiro, para a interferência da criança nem para a adesão desta que, não estando em idade de poder dar proteção aos pais, pelo contrário, necessitando da proteção deles, não conseguirá se identificar, seja com os pais protegidos ou desprotegidos, seja com o filho que protege ou desprotege. Tal história tem tanto a ver com a criança quanto um sermão de igreja, ou qualquer história exemplar contada pelos mais velhos e tendendo, exclusivamente, aos interesses deles. Em 1876, Mark Twain escreveu As aventuras de Tom Sawyer, história composta à revelia de qualquer intenção pedagógica na literatura infantil. Contando as peripécias de um garoto para sobrepor-se às exigências e manipulações dos adultos, essa narrativa particulariza-se, na história dos contos infantis, por contrapor o ponto de vista da criança ao ponto de vista do adulto, num enfrentamento no qual o mais jovem leva a melhor. Tom Sawyer não é um menino modelo, segundo o exigente padrão dos contos tradicionais: não é obediente, não é estudioso, não fala sempre a verdade. Ou seja, Tom é um menino normal, mais inclinado a seguir o princípio do prazer do que o da realidade. E, por obedecer a essa inclinação, não sofre nenhum castigo da sorte, não paga por fazer o que quer. Nessa história, a alternativa não é obedecer e ser premiado ou desobedecer e ser castigado, esquematismo consagrado pela tradição pedagógica dos contos. A questão passa a ser o que fazer para atingir o objetivo almejado, apesar da situação adversa. Portanto, o que em outros contos é uma questão de moral, em Mark Twain é uma questão de esperteza. O que interessa é safar-se da situação de desvantagem, mesmo que seja preciso enganar os outros e barganhar. Barganha é o que o herói de As aventuras de Tom Sawyer faz e sempre com êxito. O episódio da pintura da cerca é famoso e representativo do perfil desse herói. Tendo recebido ordem de pintar a cerca da casa em horário reservado a seu lazer, Tom pensa na melhor e mais rápida maneira de se livrar do embaraço. Consegue convencer os outros meninos que, ao contrário dele, dispunham de tempo livre, de que não havia nada mais gostoso no mundo do que pintar cerca. De tal modo o faz que todos os demais meninos desejaram pintar a cerca que Tom havia iniciado a caiar. Sendo tão grande a demanda, Tom passa a cobrar dos meninos pelo prazer de pintar a cerca. Aesperteza e o engano dos outros renderam-lhe dupla gratificação: a de não fazer o serviço e, ainda, receber pagamento dos que trabalhavam por ele. As aventuras de Tom Sawyer permite o entrecruzamento de duas vozes num jogo de forças de idade. A ótica infantil e a ótica adulta interagem, permitindo ao pequeno leitor a adesão ao mundo ficcional por identificação com a personagem do título. Essa obra responde ao leitor infantil, apresentando soluções do conflito entre adulto e criança mediante a astúcia do pequeno. Nesta medida, o texto oferece respostas que relativizam o poder e o saber das instituições mais esmagadoras – a família, a igreja e a escola – oferecendo ao leitor um espaço de ação entre elas. Se o conto de Guerra Junqueiro tipificou o fechamento monológico e o valor absoluto, e o de Mark Twain a abertura para o diálogo – com a inserção de uma segunda voz, a infantil, permitindo certa relativização – foi Lewis Carroll, em Alice no país das maravilhas (1865), quem havia chegado, efetivamente, à polifonia, à ambiguidade e ao relativismo. Lewis Carroll foi um inovador do conto infantil. Criou histórias sem moralidade, abandonando o tom sentencioso comum às histórias do século XIX. À sua obra se pode dirigir muitas questões, ela suporta diversas leituras. O texto Alice no país das maravilhas dissolve a ordem estabelecida, o convencional, o lógico, o habitual, propondo o ilógico, o inusitado, o absurdo e a desordem instaurada a partir da queda de Alice no poço onde todas as coisas ficam soltas, ou seja, em estado de suspensão: tudo o que já se sabia, não se sabe mais. A obra abala o sentido do saber. Se, para alguns, proclama o não sentido, o absurdo do mundo, pode, também, manifestar o sentido evidente de todas as coisas ou, ainda, a reversibilidade do sentido. Portanto, em matéria de ambiguidade, entendida não como confusão, mas como riqueza de sentido, não há o que se pedir mais. A obra de Lewis Carroll rejeita qualquer pretensão didática tradicional. Há, no texto, uma personagem – a duquesa – que é a encarnação caricatural do espírito pretensamente moralizador que busca relações lógicas, causais e consequentes em todas as coisas. Não encontrando, força aproximações e relações que, na realidade, não existem. A palavra preferida pela duquesa é MORAL. Dos fatos mais banais ela procura retirar uma sentença grave, mesmo que tenha que partir de analogias falsas, como um sofista. Se há um didatismo em Lewis Carroll, este não pretende, contrariando a duquesa, mostrar a gravidade das coisas, mas, justamente, o inverso: que todas as coisas, porque são relativas, não são graves. As três narrativas, independentemente da cronologia, apresentam, gradativamente, uma evolução a partir da negação de outra voz, passando pelo contraponto de vozes até a diversidade de vozes que relativiza o que cada uma delas, em separado, possa dizer. Com essa tipificação, vê-se como, no texto destinado à criança, pode-se atribuir a ela diferentes espaços e de que modo isso pode contribuir para a formação de conceitos por parte do leitor infantil. Escolher entre tantos O crescimento da oferta de títulos de literatura infantil, divulgados, a cada ano, por um mercado que descobriu no gênero um bom filão, torna difícil a tarefa de distinguir, entre tantas publicações, aquelas que, pela qualidade, se distinguem da maioria e merecem atenção. Mas os bons livros de literatura infantil mantêm algumas características pelas quais podem ser identificados como tais. O uso da linguagem em sua possibilidade estética e lúdica é fundamental. Na literatura, usam-se processos linguísticos em que a seleção e a associação de palavras se afastam do emprego comum que fazemos delas. Jogos com os sons das palavras, jogos com o sentido delas, ou com o modelo de mundo que cada poema ou narrativa inevitavelmente criam, ampliam nossas possibilidades de relação, tanto com a linguagem, quanto com o mundo. No exame de um livro para criança que se apresente como literário, pode-se iniciar a avaliação procurando resposta à seguinte pergunta: esse livro permite que a criança perceba a força criativa da palavra ou da imagem? Ou não há nele nenhuma novidade, nada que atraia e prenda a atenção no arranjo dos signos, no modo como foi composto? Alguma forma de surpresa, alteração, renovação do olhar um livro deve trazer. Sabemos o quanto os pequenos gostam de rejeitar as normas, mantendo-se, no entanto, perfeitamente consciente delas. O prazer reside exatamente em saber quais são as regras e subvertê-las. As variadas formas de subversão da realidade, que livros para crianças costumam fazer, não anulam, é claro, o que é real, apenas jogam com ele, deixando-o em suspensão no espaço e tempo da leitura. A ideia de ordem estrita de fatos e fenômenos, sem formas de extensão ou analogia, é insuportável para as crianças. Por isso, a ficção e a poesia são formas viáveis – e prazerosas – de lidar com as diferentes faces do real. Possibilitam à criança identificar e examinar percepções, sentimentos, fatos, situações, formando, assim, conceitos. Lidam, desse modo, com a realidade concreta, por meio da que foi simbolicamente construída. A linguagem recorta o mundo,a literatura o modela. A surpresa com as relações, que um bom livro de literatura é capaz de tecer, estimula a que sejam estabelecidas novas conexões entre fenômenos diversos. Todo livro para criança faz isso? Não. Só aqueles em que o autor conhece seu ofício e não subestima as dificuldades de um gênero em que apenas o leitor é menor. Escolher um livro para criança não é tarefa que dispense critérios. A seleção deve iniciar pela apreciação do projeto gráfico, tendo em vista sua adequação e seu potencial de apelo à criança, características presentes apenas nos livros de concepção criativa. É essencial levar em conta o tamanho e o tipo da fonte – ou seja, da letra – assim como o espaçamento entre as linhas, para garantir que o livro apresente condições de legibilidade, por parte de um leitor em formação. Letras miúdas, frases com entrelinha apertada afastam o leitor infantil. Espaçamento adequado, assim como o uso variado de tipos gráficos, atraem as crianças aos livros. Como não podemos esquecer que elas se tornam leitoras de imagens, antes mesmo de serem leitoras de palavras, fundamental é o papel que exerce, na ampliação da expressividade da obra, o texto visual ou as ilustrações que acompanham o texto. Levando-se em conta, ainda, a idade daquele a quem a obra se destina, é essencial, na apreciação da obra, verificar em que medida ela permite ao leitor infantil identificar o universo de referência do livro. Os elementos da narrativa – personagens, trama, tempo, espaço, foco narrativo – podem ser apreendidos por um leitor com vivências limitadas por determinação da idade? Há condições de que a criança se identifique com a personagem e sua esfera de ação, ou estão distantes das vivências dela? Pergunta semelhante cabe fazer em relação aos demais elementos, aqueles que configuram espaço, tempo, foco do narrador. Se o conjunto dos elementos que constituem a história permite a apreensão pelo pequeno leitor, é bem provável que a narrativa apresente adequação temática. A pergunta seguinte a ser feita, no processo de exame do livro, ainda é sobre o universo de referência do texto. Cabe ver se esse universo apenas confirma o que o leitor em potencial já sabe, isto é, aquilo que ele pode identificar, sem apresentar nada de novo, ou vai além e possibilita a ampliação de expectativas e referências que a criança já tem, favorecendo que alcance novas informações e conceitos. Se toda literatura, da mais simples a mais complexa, faz a seu modo uma representação do mundo, faz parte da apreciação de uma obra examinar se o modelo de mundo construído possibilita ao leitor que antecipe possibilidades existenciais que ele ainda não experimentou. Se fizer isso, permitirá a transposição do lugar-comum. Para analisar esse aspecto, basta buscar responder a uma pergunta simples: a obra apresenta alguma particularidadeou só reproduz chavões narrativos ou poéticos? Alguns livros desenvolvem seu tema de modo a estimular novas leituras, conhecimento de outras obras, citando-as de modo explícito ou implícito e, de uma maneira ou de outra, valorizando o mundo da leitura e da escrita. Outros livros se fecham em si. A criança, em geral, não se interessa por livros que não lhe trazem nada de novo, não lhe surpreendem com algo que ela ainda não pensou. Mas, não podemos esquecer, na maior parte das vezes, não são elas que escolhem os livros. São os adultos que os escolhem e são eles que encaminham, recomendam e cobram a leitura. As narrativas infantis se apresentam sob modalidades diversas: conto de fadas, contos populares, lendas, fábulas, apólogos ou o que, simplesmente, denominamos contos. O importante é que nelas a expressividade verbal e imagística seja predominante, que a linguagem seja adequada à capacidade cognitiva do leitor em formação e às suas competências vocabular e textual. Dito assim pode parecer muito complicado. Na verdade, pais e professores, com relativa facilidade, tomam um livro nas mãos, vão lendo aqui e ali e, viradas as páginas, dão o veredicto: “este ainda não é para a idade dela” ou “deste ele vai gostar”. Classificam as obras como“infantil demais”e fazem, ainda, projeções: “este aqui, só quando ele, ou ela, for maior”. Nesse julgamento, agem vários critérios que pais, interessados, professores nem precisam explicitar do modo como fazemos. Muitas vezes, podem intuitivamente perceber se o texto em exame estimula a atribuição de sentidos pela criança, deixando espaços, vazios, a serem livremente preenchidos pelo imaginário dela durante a leitura. Em caso contrário, rejeitam o título. E quando se tratar de poesia? Será uma feliz oportunidade de oferecer, aos pequenos, aventuras muito especiais com a linguagem e seus efeitos de sentido. Nossa literatura conta com obras de poesia infantil referenciais, históricas, canônicas: O menino poeta, de Henriqueta Lisboa, Ou isto ou aquilo, de Cecília Meireles, A arca de Noé, de Vinicius de Moraes, É isso ali, de José Paulo Paes e outras. Quando for examinar um título classificado como sendo do gênero, assegure-se de que se trata mesmo de poesia infantil, um gênero muito rico e difícil de realizar. São muitas as contrafações. Circulam por aí como poesia infantil obras que, às vezes, não são poesia, às vezes, não são infantis. Para apreciar uma produção para criança, que se apresenta como poética, seja em forma de quadras, cantigas, rimas ou poemas, observe a sonoridade das composições, pois elas exercem muita atração nos pequenos. Examine se a relação entre os sons é privilegiada em jogos sonoros, que repetem fonemas no verso ou na estrofe, seja em rimas, refrões ou ecos, formando, assim, uma rede sonora. Os recursos de som usados pela poesia infantil são muitos, como o uso de palavras que reproduzem de modo aproximado um som natural (onomatopeia), a repetição de consoantes (aliteração), a repetição de vogais (assonância) etc. A poesia infantil brinca com os sons e, ao fazê-lo, favorece a percepção da materialidade da língua e de seu potencial lúdico. A presença do ritmo, que alterna, em intervalos regulares, ou não, tempos e acentos, em movimento cadenciado, é também muito importante para a musicalidade do poema. A poesia infantil estabelece também jogos com os sentidos, muitas vezes decorrentes dos jogos com os sons, pois a troca de um fonema muda o sentido todo. Outras vezes, o grande efeito vem de uma imagem inesperada, de uma aproximação do que parecia totalmente distante e separado. A poesia faz arranjos de significantes e de sentidos inusitados. Ao jogar com os sentidos das palavras, provoca múltiplos significados e estimula o imaginário do autor a participar desse jogo de interpretação. Mas, para que a criança desfrute da composição, é necessário que os sentidos evocados na sucessão dos versos sejam compatíveis com suas vivências e com o alcance de sua compreensão. R. L. Stevenson, escritor escocês que viveu no século XIX, muito conhecido como ficcionista, é autor de Ilha do tesouro e de O médico e o monstro, entre tantas outras narrativas. Poucos no Brasil lembram que ele deu início a uma tradição de poesia infantil, em A child’s garden of verses, que, lamentavelmente não encontrou continuidade entre nós. Sua poesia tem como linha temática, ao lado de motivos que valorizam a vida interior da criança – como o sonho, o devaneio, as fantasias com seres e lugares imaginários – aqueles que levam a criança a perceber, e a apreciar, no meio ambiente, os ciclos do tempo, os ritmos da temporalidade: a viagem da Terra ao redor do Sol, a mudança das estações, a sucessão de dias e noites, os movimentos do ar, do rio, do mar. Na poesia infantil, mais difícil do que encontrar a solução comunicacional adequada, parece ser poetizar motivos temáticos em sintonia com o interesse e a sensibilidade de quem começa a explorar o mundo. Começou com Perrault A literatura infantil tem como parâmetro contos consagrados pela preferência de crianças de diferentes épocas que, por terem vencido tantos testes de recepção, fornecem aos pósteros referências a respeito da constituição da tônica literária do texto infantil. No século XVII, o francês Charles Perrault (Cinderela, Chapeuzinho Vermelho) coleta contos e lendas da Idade Média e adapta-os, constituindo os chamados contos de fadas, por tanto tempo paradigma do gênero infantil. No século XIX, outra coleta de contos populares é realizada, na Alemanha, pelos irmãos Grimm (João e Maria, Rapunzel), alargando a antologia dos contos de fadas. Através de soluções narrativas diversas, o dinamarquês Christian Andersen (O patinho feio, Os trajes do imperador), o italiano Collodi (Pinóquio), o inglês Lewis Carroll (Alice no país das maravilhas), o americano Frank Baum (O mágico de Oz), o escocês James Barrie (Peter Pan) constituíram padrões de literatura infantil. Questões relativas à obra de Charles Perrault, frequentemente apontado como o iniciador da literatura infantil, vinculam-se a pontos básicos da questão da natureza do gênero como, por exemplo, a preocupação com o didático e a relação com o popular. A coleção dos textos de Perrault constitui-se em um dos textos mais célebres da literatura francesa e, também, um dos textos mais referidos e menos comentados pela crítica literária, quer na sua dimensão de arte, quer como documento. Na verdade, a análise dos contos de Perrault requer um enfoque interdisciplinar, sendo que os problemas que suscita não se restringem à teoria da literatura, à sociologia, à psicanálise ou ao folclore, mas reclamam uma união desses enfoques que relacione os diversos elementos que integram o texto e resolva as inúmeras contradições com que o analista se defronta. Charles Perrault, coletor de contos populares, realiza seu trabalho após a Fronde, movimento popular contra o governo absolutista no reinado de Luís XIV, cuja repressão deixou marcas de terror na França. Os contos chegam à família Perrault através de contadores que, na época, se integravam à vida doméstica como servos. É preciso levar em conta que se trata de um momento histórico de grande tensão entre as classes. O burguês Perrault despreza o povo e as superstições populares e, como homem culto, as ironiza. Seus contos, em alguns momentos, caracterizam-se por um certo sarcasmo em relação ao popular. Ao mesmo tempo, são marcados pela preocupação de fazer uma arte moralizante através de uma literatura pedagógica. Apesar do pretendido distanciamento com que Perrault trata o popular, a intenção burlesca, depreciativa, em relação aos motivos populares, não impediu, em muitos momentos, a adesão afetiva àquelas personagens carentes que delineia. Caracterizadas, no início da narrativa, pelo estado de precariedade, suas personagens tornam-se triunfantes no final, estereótipo que se encontra na maioria dos contos orais e que refletem, sem dúvida, as tensões e as soluções sonhadas pelos camponeses vítimas do Antigo Regime. O trabalhode Perrault é o de um adaptador. Parte de um tema popular, trabalha sobre ele e acresce-o de detalhes que respondem ao gosto da classe à qual pretende endereçar seus contos: a burguesia. Além dos propósitos moralizantes, que não têm a ver com a camada popular que gerou os contos, mas com os interesses pedagógicos burgueses, observem-se os seguintes aspectos que não poderiam provir do povo: referências à vida na corte, como em A bela adormecida; à moda feminina, em Cinderela; ao mobiliário, em O Barba Azul. Ressalte-se, porém, que não há dissociação entre a literatura oral e a versão culta, os elementos coexistem, processando-se um alargamento do domínio da cultura gráfica, que passa a manter relações de integração com a popular. Pesquisas históricas recentes mostram que a época de Luís XIV não foi uma era majestosa e refinada, como se descreveu por muito tempo, e cuja imagem os textos de Perrault contribuíram para caracterizar. Ao contrário, foi um período duro, penoso, em que as estruturas sociais e políticas se transformavam e as contradições se acentuavam. Apesar de a economia francesa ser, na época, essencialmente agrícola, a vida dos camponeses era marcada pela privação. No campo, ainda se vivia a Idade Média. Os legisladores e os bispos haviam-se voltado para a massa camponesa, mas seus objetivos verdadeiros não eram a educação das gentes do campo, e sim o controle da fé dessas massas e, consequentemente, a lealdade delas. Num contexto onde os contrastes sociais eram tão fortemente marcados, evidentemente, toda divergência religiosa tinha uma ressonância política. Os séculos de maior repressão religiosa, na França, são os séculos XVI e XVII, devido ao agravamento das contradições econômicas e à violência da Contra- Reforma. A despeito do processo de cristianização desenvolvido pelo poder nesse período, ao cristianismo obrigatório do povo se mistura um paganismo residual que ganha aparências múltiplas. Ao lado dos ritos da Igreja cristã, permanecem as superstições. São os deuses pagãos que, cristianizados sob a forma de santos, garantem a fertilidade dos campos e preservam o corpo de doenças. Nesse contexto é que cabe situar o folclore, isto é, o conjunto de manifestações artísticas do povo: danças, cerimônias, canções e, especialmente, contos: fator de reconhecimento entre os camponeses, manifestação de sua própria imagem, reflexo de suas contradições e de suas crises e, catarticamente, representação de uma solução possível que – não poderia ser de outra forma – se manifestava através da mágica e do elemento maravilhoso. Esses aspectos estão no âmago dos contos de fada e, malgrado a cristianização e os propósitos moralizantes, eles permanecem perversos, amorais e angustiantes como legítimo produto da classe sofrida e marginalizada que os gerou. O material é menos maleável do que gostariam os adaptadores em seus propósitos educativos e, como mostrou Bruno Bettelheim, em A psicanálise dos contos de fadas, essas narrativas são eficazes exatamente pelo contrário das razões que levaram os burgueses a adotá-los: valem pelo terror e pelo conflito que apresentam à criança, permitindo, terapeuticamente, a solução de suas próprias turbulências emocionais. A criança, na época, era concebida como um adulto em potencial, cujo acesso ao estágio dos mais velhos só se realizaria através de um longo período de maturação. A literatura passou a ser vista como um importante instrumento para tal, e os contos coletados nas fontes populares são postos a serviço dessa missão. Tornam-se didáticos e adaptados à longa gênese do espírito a partir do pensamento ingênuo até o pensamento adulto, evolução do irracional ao racional. Na base do trabalho de adaptação, está o conceito de que a ingenuidade da mentalidade popular identifica-se com a ingenuidade da mentalidade infantil. A vocação pedagógica de Perrault é secundária e confusa. Delineia-se com mais propriedade sua relação com o popular, apesar de esta ser, também, contraditória. Mesmo sem total adesão – o que, de fato, não poderia ocorrer, pois a classe a que Perrault pertencia vivia uma inconsciência em relação ao que era realmente do povo – ele realizou o que se pode chamar de uma recuperação da cultura popular, procurando reconstituir os procedimentos narrativos da maneira mais fiel possível. Talvez nesse momento tenha sido inaugurada a confusão que fortaleceu os laços entre literatura popular e literatura infantil e que tem por base a aproximação de duas ignorâncias: a do povo, devido à condição social, e a da infância, devido à idade. Essa aproximação terá uma solução de continuidade, podendo ser encontrada na origem da coleta dos Grimm, permanecendo algumas sequelas até nossos dias. Por outro lado, é esse fator que tem permitido atribuir-se a Perrault a iniciação da literatura infantil. Na realidade, essa literatura já existia antes dele, sob duas formas: a de literatura pedagógica, na cultura erudita, de que são exemplos os textos dos jesuítas, e a de literatura oral, de vertente popular, no vasto domínio dos contos da advertência com ditos e provérbios. E um dos elementos, entre tantos, que garantiu a receptividade dos contos de Perrault foi, exatamente, a utilização de grande número de ditos, ao mesmo tempo pitorescos e fáceis de serem retidos na memória pelo público infantil. Quando se consideram as narrativas coletadas, portanto, é preciso levar em conta dois momentos: o momento do conto folclórico, sem endereçamento à infância, circulando entre adultos, e, mais tarde, a adaptação pedagógica com direcionamento à criança. É no segundo momento que surge o caráter de advertência, fazendo com que a personagem que se afaste das regras estabelecidas seja punida, como no conto Chapeuzinho Vermelho. Maravilhosos ou humorísticos, os contos populares, antes da coleta, destinavam-se ao público adulto e eram destituídos de propósitos moralizantes. Na conversão da literatura popular em infantil, Perrault revela o modelo educativo imposto a ele e a sua época. O conto Griselda, por exemplo, apresenta faltas, censuras, conceito de pudor e feminilidade que caracterizam a mentalidade da época. Os Perrault foram marcados pelo jansenismo com seu ideal de educação muito normativo e austero. Nos contos, porém, esse ideal é ambíguo, mistura severidade e indulgência. Os princípios educativos que regem os contos de Perrault, e que foram apresentados por ele no prefácio da edição em verso de 1695, são os critérios da arte moral definidos pela Contra-Reforma: a valorização do pudor, mas, antes de mais nada, a cristianização. Um exemplo disso: na adaptação, a mulher de Barba Azul faz suas preces antes de morrer. Na versão popular, ela se desnuda, dizendo adeus a cada peça de sua vestimenta, numa tentativa de seduzir, com a beleza de seu corpo, o iminente assassino. Outro caso mais significativo: se, na adaptação, a Bela Adormecida desperta enquanto o príncipe a abraça, na versão popular, ela faz sexo, ela concebe gêmeos, sempre adormecida, sem consciência de nenhum dos dois fatos. Essa versão é do século XIV e não se pode dizer que foi Perrault quem a alterou. Isso poderia ter ocorrido antes dele. A concepção em estado de inconsciência pode ter sido considerada sacrilégio por parte dos cristãos, devido à referência velada à concepção sem pecado de Maria. Provavelmente, esse fator refreou a propagação do conto tal qual era. Tal hipótese é reforçada por especialistas em sociologia religiosa que afirmam a ação sistemática da Igreja, na segunda metade do século XVII, para cristianizar a cultura popular – especialmente os contos – como fenômeno que se integra à despaganização geral da França, nesse século. Ocorre, na época, uma grande luta entre Reforma e Contra-Reforma. A Reforma, sob a pressão dos acontecimentos, compreendeu que não podia se sustentar sem captar para seus interesses a massa popular. Nasce daí o esforço extraordinário dos protestantes no campo da educação. A Contra-Reforma tem de seguir a estratégia. Principalmente após os movimentos da Fronde, torna-senecessário educar e controlar o povo pela ameaça de interferência no poder. A mesma atitude, mantida em relação à criança, é mantida em relação ao povo: este é, para os poderosos, como uma grande criança que precisa ser ensinada a obedecer. Essa luta de forças domina a história religiosa e escolar do século XVII. O grande período de produção dos contos é anterior às convulsões religiosas, quando à cultura popular ainda era possível ter uma expressão mais autêntica. Contudo, a despeito das tentativas de cristianização e domesticação, o patrimônio imaginário dos contos fala mais alto que qualquer freio ou intenção que, essencialmente, não portem. A presença de Lobato A literatura infantil brasileira inicia sob a égide de um dos nossos mais destacados intelectuais: Monteiro Lobato. Se isso, por um lado, prestigiou o gênero no seu surgimento, por outro, fez com que, após Lobato, por muito tempo, a literatura infantil brasileira vivesse à sombra de seu nome. A obra do criador do Sítio do Picapau Amarelo, ambiente rural que abriga suas personagens, se dimensiona a partir de sua interação com o grupo social ou, mais explicitamente, sua atuação como agente formador e modificador da percepção do público. O sentido da obra de Lobato se torna mais evidente quando sua produção literária é contraposta às características da vida cultural brasileira até determinado momento de nossa história. A influência da cultura portuguesa no Brasil não se restringiu à época colonial. Transcendeu o período de dominação política, expandindo-se concomitantemente à influência de outras culturas, como a francesa e a inglesa. Desse modo, processa-se em nossa formação histórica uma confluência cultural em que ao nativo se acrescenta o pensamento estrangeiro. Não se trata, porém, de uma união. A cultura nativa, expressa através da mitologia e da tradição indígena, ficou segregada e com uma circulação restrita, uma vez que era agráfica: não tinha acesso ao livro. Além disso, passou a caracterizar o código de um corpo social situado aquém do processo de aculturação manipulado pelo homem branco. A cultura do colonizador procurava, assim, destruir, pela segregação, as manifestações culturais da terra. Só poderia integrar-se e vencer a situação de inferioridade na medida em que ascendessem aos padrões culturais dos colonizadores. Se, dessa maneira, o dominador não conseguiu erradicar totalmente a cultura nativa pela submissão aos padrões europeus, marginalizou-a pela minimização ou pelo desconhecimento. Assim, desenvolveram-se, paralelamente, dois tipos de cultura no Brasil: uma europeia, elitista, livresca; outra, nativa, popular, agráfica. Nessa medida, educar passou a significar a restrição e o deslocamento do nacional em favor da imposição cultural estrangeira. O intelectual, entre nós, passou a ter a função de importador de cultura. Sem questionamento ideológico, acolhia as soluções pré- fabricadas no estrangeiro. Manejava a língua, explorando-a como instrumento persuasivo e recurso ornamental, mas não manipulava as ideias que recebia. Em relação a estas, seu papel era, apenas, o de um divulgador. Em sua origem, a intelligentsia brasileira caracteriza-se por afastar-se do peculiarmente brasileiro, sendo essa a condição fundamental que assegurava sua legitimação social e autorizava seu domínio sobre o saber. Quando nosso intelectual voltava-se para sua própria terra era atraído pelo seu lado pitoresco. Assumia, assim, comportamento similar ao do turista que fotografa entusiasmado os traços superficiais de uma cultura que se torna sedutora na mesma proporção em que é desconhecida. O escritor brasileiro, formado pelo pensamento europeu, via seu país de fora. Sua terra lhe era tão estranha quanto aos professores estrangeiros que, no século passado, difundiam nas grandes fazendas de café, nas casas-grandes do Nordeste e em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e Salvador, a cultura europeia que se constituía na ilustração dos cidadãos brasileiros. O indianismo romântico atesta o distanciamento entre o escritor brasileiro e os elementos nativos. Quando, por imposição de uma tendência estética de época, o escritor romântico foi em busca da cor local, só pôde manejá-la como elemento decorativo e exótico. Nosso indianismo não foi muito além de palavras pinçadas no léxico indígena, usadas como ornamentos de linguagem que indiciavam uma cultura remota e misteriosa para o próprio autor. Beletrista, cultivador de excentricidades vocabulares e da sintaxe arrevezada, o escritor brasileiro esteve, por muito tempo, afastado do povo em linguagem e em ideias. Desligado das bases político-econômicas do país, exibia acriticamente o verbo fluente e emotivo. O registro das peculiaridades locais está presente em grande parte de nossa produção literária. Porém, a identificação do escritor com seu meio, através da sensibilidade e da inteligência, é caso pouco comum em nossas letras, até determinado estágio, e, por isso, particulariza e dimensiona a produção intelectual de Monteiro Lobato no contexto da literatura brasileira. Observa Lúcia Miguel Pereira, ensaísta brasileira, que nossa literatura manifesta uma divisão entre a sedução intelectual estrangeira e o anseio de se nutrir de cultura popular, dualidade que existiria na base dos vários surtos regionalistas da literatura brasileira. Monteiro Lobato soluciona essa repartição conciliando o que é nosso e as inevitáveis e necessárias contribuições da cultura estrangeira. Volta- se para o Brasil sem a situação paradoxal de brasileiro que descobre o exótico dentro de seu próprio país. Em lugar da postura entusiasmada diante dos traços de brasilidade, o que caracterizou a obra de tantos “nacionalistas”, encontra-se, em Lobato, ao lado da identificação de nossas peculiaridades, inquietude perante a situação nacional nos seus diferentes âmbitos. Para ele, o nacional deixa de ser pitoresco para ganhar tipificação humana em Jeca Tatu, personagem polêmica, causadora de inumeráveis discussões, na medida em que contrapunha ao ufanismo da paisagem exuberante, na qual se havia enxertado o indígena belo e cavalheiresco, a subnutrição de um tipo que, de cócoras, não espera nem produz nada em sua vida vegetativa. Jeca Tatu passa a personificar a estagnação, o marasmo, a precariedade da vida nacional, a aceitação passiva das arbitrariedades do poder; o comodismo que prefere tudo perder antes de esforçar-se em uma tomada de posição. Essa tipificação não correspondia às expectativas do público quanto à função do escritor, numa época em que a literatura era entendida como “sorriso da sociedade”. Assumindo a responsabilidade da denúncia, formulando uma audaciosa advertência, Monteiro Lobato estabelece uma ligação entre a literatura e as questões sociais. Dessa natureza é o nacionalismo de Lobato: sem ufanismos, sem patriotada, o olho crítico e impiedoso na realidade do país, a inconformidade com os problemas da sociedade brasileira. Sua insatisfação não se restringiu à denúncia literária, pois, conforme atestam seus biógrafos, fundou empresas que pudessem dar prosperidade ao país através da exploração do ferro e do petróleo. Além disso, moveu cruzadas para sensibilizar as autoridades e voltá-las para as questões que, acreditava, poderiam trazer, com a riqueza material, a verdadeira emancipação do país. Essa atividade empresarial e política dimensiona o perfil desse intelectual que não cindia a reflexão de gabinete e a ação direta na sociedade. Bem distante do patriotismo “ama, criança, a terra em que nasceste”, deformado pela pieguice que impede o confronto com a realidade, Monteiro Lobato escandaliza, assusta e ameaça a modorra nacional. No bom-mocismo acomodado nas salas de visita literárias, irrompe a figura inquietante de um escritor que não aceitava a ingestão passiva das modas europeias por detestar a imitação, que questionava os modelos do sistema e tinha outros para propor, alguém que queria puxar fila e não segui-la. Monteiro Lobato é a nossa vanguarda, antes de essa palavra ganhar asconotações que a marcaram a partir de 1922. Vanguarda que não seguia nenhum programa já estabelecido, caracterizando-se pelo risco da inovação, da aventura da descoberta pessoal. O revolucionário na obra de Lobato ganha maior abrangência na literatura infantil que ele inaugura entre nós. Rompendo com os padrões prefixados do gênero, seus livros infantis criam um mundo que não se constitui em reflexo do real, mas na antecipação de uma realidade que supera os conceitos e os preconceitos da situação histórica em que é produzida. O esforço de compreensão crítica do passado permite, em suas histórias, um redimensionamento do presente que, por sua vez, torna possível a prospecção, ou seja, o olhar para o futuro. A consciência social de Lobato levou-o a ter um cuidado especial com o leitor. A convicção a respeito da importância da literatura no processo social, a visão do livro como um meio eficaz de modificar a percepção, confere ao destinatário um lugar particularmente importante em seu mundo ficcional. Hans Robert Jauss, teórico da literatura, postula que o leitor é uma força histórica e criadora e que uma obra pode ser apreciada a partir do papel ativo que ela possibilite a seu destinatário. É através do leitor que a obra se incorpora ao horizonte de expectativas de um dado grupo, constituindo-se em agente de mudanças. Nesse sentido, seria possível examinar a obra de Lobato a partir da produção e da recepção de textos literários anteriores e contrapondo a eles as perguntas que a obra do autor paulista suscita, assim como as respostas que fornece, para modificar, assim, as expectativas de seu leitor. Tal investigação revelaria o caráter emancipatório de sua obra, ou seja, a função desempenhada pelo universo ficcional lobatiano na formação de grupos sociais, mediante a capacidade da obra de mudar o limite de apreensão do mundo de seu leitor. A leitura dos textos de Lobato possibilita uma nova experiência da realidade em que, ao mesmo tempo que são conservadas as vivências já adquiridas, antecipam-se possibilidades a serem experimentadas. É dessa maneira que o universo ficcional lobatiano propicia novas aspirações, instiga fins e pretensões que abrirão caminho a experiências futuras. Fugindo a todo moralismo que costuma acompanhar muito de perto a produção do livro infantil, sua obra incentiva a investigação e o debate sobre questões a que o consenso e os valores estabelecidos já haviam dado resposta. É nessa proporção que a obra extrapola as expectativas de seus leitores, caracterizando-se pela ruptura com a moral oficial, com os preceitos religiosos e com as normas estatais. Monteiro Lobato cria, entre nós, uma estética da literatura infantil, sua obra constituindo-se no grande padrão do texto literário destinado à criança. Estimula o leitor a ver a realidade através de conceitos próprios. Apresenta uma interpretação da realidade nacional nos seus aspectos social, político, econômico, cultural, mas deixa, sempre, espaço para a interlocução com o destinatário. A discordância é prevista. O grande desafio das personagens de Lobato é o conhecimento, é por meio do que sabem que elas se impõem. A moralidade tradicional é dissolvida, o grande valor passa a ser a inteligência. A esperteza, habilidade quase maliciosa da inteligência, é igualmente valorizada. Emília, sua notável personagem, diz em certa altura da obra: “Aprendi o grande segredo da vida dos homens: a esperteza. Ser esperto é tudo”. É essa, também, a moral de muitas de suas fábulas. A moral de Lobato não é absoluta, está centrada em uma verdade individual. Suas personagens seguem uma moral de situação na qual a liberdade é o grande valor. Este é o segredo do progresso do Sítio: a liberdade e a criatividade de seus habitantes. O mal reside na ignorância, no subdesenvolvimento, no pensamento encarcerado em valores absolutos. Literatura nos primeiros anos Partimos da afirmação de que a literatura infantil tornou-se inseparável da questão da educação. Consequentemente, ela se vincula com a prática escolar, mesmo que o livro infantil se afirme como literário, na medida em que superar o interesse dessa e de outras instituições. Se a literatura exerce papel no desenvolvimento linguístico e intelectual do homem, razão de sua inserção nos interesses que a escola propala como seus, cabe a tentativa de explicitar qual poderia ser a relação da literatura com a criança a partir do início da escolaridade. A escola chama a si a responsabilidade de ensinar a língua escrita, caracterizando desse modo a natureza formal desse ensino, ao contrário do que ocorre com a apreensão e desenvolvimento da língua oral. O desempenho da escola a esse respeito, devido ao caráter formal de seu exercício, tem-se inclinado para a postura mecanicista. Considera a eficácia do ensino da língua pelo maior ou menor domínio das regras gramaticais. Como a escola só trabalha com a sistematização, preocupa-se com um desenvolvimento verbal a ser apreciado através da escrita do aluno. Nem sempre leva em conta os fatores que determinam ou estimulam a expressividade verbal que a instituição escolar gostaria que os alunos tivessem. Há uma variação individual muito grande no que diz respeito à expressão verbal. Se há falantes muito cônscios das estruturas da língua, capazes de explorar suas potencialidades e recursos expressivos, há outros que parecem ter consciência apenas de algumas palavras e de seu valor imediato de troca. Se o uso rotineiro da língua dá coerência e estabilidade à expressão verbal, confirmando as estruturas linguísticas do falante e de seu grupo, por outro lado, o desenvolvimento verbal requer uma superação das fórmulas linguísticas correntes, para a descoberta de si e do mundo, que se dá além da nomeação convencional. A maior ou menor possibilidade de um homem dizer o mundo e se dizer está ligada ao maior ou menor desenvolvimento de sua expressão verbal. Essa variação, por sua vez, se relaciona com outra, a da consistência da atividade linguística básica. Há distinção entre atividade linguística primária e atividade linguística básica. Ouvir e falar são atividades linguísticas primárias. Jogos verbais, escrita e leitura são atividades básicas. A distinção está assentada na espontaneidade da apreensão das primeiras em oposição à formalização das segundas. Adquirir consciência do aspecto fonológico da língua é uma das pré- condições essenciais para a aprendizagem das atividades básicas. A manipulação lúdica dos sons da língua pela criança, fruição do sonoro independentemente do significado, constitui parte fundamental do desenvolvimento linguístico. Do mesmo modo que o conhecimento da realidade exterior não se dá sem a atividade de exploração dos objetos, o conhecimento linguístico não prescinde de uma atividade com a língua na qual esta seja tratada como objeto material. Aceito esse ponto de vista, o ludismo sonoro deixa de ser visto como uma inconsequência infantil, à qual se pode ser indiferente, para ser visto como parte específica da habilidade da espécie para aprender língua. Nos jogos verbais, a criança desloca as unidades linguísticas, da relativa transparência de seu uso na comunicação interpessoal, para a opacidade que ganha o material linguístico, quando é tratado como brinquedo. A língua é transparente quando cumpre a função comunicativa de deixar claro o que quer dizer. É opaca quando a clareza cede lugar ao jogo e ao brinquedo. Nesse tratamento, a potencialidade da língua de transmitir informações é neutralizada. Prevalece o prazer da autoexpressão e da liberdade de composição. A opacidade linguística é mais naturalmente percebida pelas crianças. A atitude adulta mais costumeira em relação à língua é de vê-la apenas como instrumento de comunicação, sem sensibilidade para perceber elementos linguísticos que, a rigor, não sejam instrumentais. Salvo os poetas, e pessoas com educação literária, a maior parte dos adultos parece impedida de usufruir amplamente o prazer lúdico verbal. A relação lúdica com a língua exerce função importante naintrodução da criança no universo da escrita. Facilita o processo estimulá-la a centrar a atenção nos meios, ou seja, nas formas da língua, em lugar de focar-se apenas nos fins, o que ocorre quando o interesse é essencialmente a comunicação. O papel importante que o ludismo exerce, no estímulo à expressão verbal, ocorre, seja no momento em que se brinca com a livre união dos fonemas, seja quando se considera o efeito de dois significados considerados simultaneamente, alterando-se partes das palavras para conseguir novos efeitos ou, ainda, em jogos mais elaborados com a formação e a transformação das palavras. O reconhecimento da importância de atividades com a materialidade da língua, durante o período de alfabetização, como meio para estimular a expressão, geralmente, leva o adulto a desejar conduzi-la. Mas não podemos esquecer que tais brincadeiras são tão espontâneas nessa etapa que, com a intervenção dos adultos, há o risco de o brinquedo perder suas características e valores especiais. A interferência de um professor, por exemplo, deve ser cuidadosa, para não inibir a brincadeira que, com direção e reforço externo, pode ter frustrada sua gratuidade. Uma alternativa à manipulação da sonoridade linguística, para estimular a percepção do meio material da língua, em detrimento do fim comunicativo, surge com o lugar que a escola pode reservar às rimas, quadras, cantigas, poemas na educação infantil e durante a alfabetização. Na exploração espontânea da língua pela criança, a referencialidade, frequentemente, se torna secundária, o que privilegia a função poética da linguagem. É atividade prazerosa descobrir as possibilidades combinatórias das unidades linguísticas e, ao mesmo tempo, perceber em que medida funciona a sujeição às regras que ela está, igualmente, descobrindo. A poesia infantil, de início apresentada oralmente, irá, de modo gradual, possibilitar o contato da criança com seu suporte: o livro. A versificação, nessa etapa, se insere no mundo infantil como mais um jogo, continuidade de uma manipulação das unidades linguísticas já iniciada, e na qual o significado não tem primazia. A poesia infantil estrutura-se de modo a não se enquadrar com as soluções convencionais da língua e, fundamentalmente, não entrega um sentido habitual, de onde seu caráter de descoberta, de apresentação de novas articulações. Portanto, a leitura de textos poéticos à criança em fase de alfabetização, não só a aproxima ao livro como fonte de conhecimento e prazer, como exerce papel importante na formação da expressão verbal. O texto criativo tem como característica fundamental a surpresa causada pelas relações que estabelece no plano da composição e do sentido. Essa surpresa apresenta novas conexões para a consciência, forma elos e aproxima objetos cujos vínculos eram insuspeitados. A produção da surpresa criativa demanda um grande domínio do meio. Sua recepção, por outro lado, garante o deslocamento da atenção, que deixa em segundo lugar a utilidade do fim, privilegiando os recursos expressivos que o suportam. Se esses fatores dimensionam o lugar da poesia nessa fase do desenvolvimento linguístico, outros indicam a importância da história infantil. Na primeira infância, há uma estreita ligação entre percepção e afeto, sendo a percepção o primeiro momento de uma reação. Assim, a percepção é, nos primeiros anos, um estímulo para a atividade. Pela percepção, que não é dissociada de atividades afetiva e motora na formação da consciência, a criança conhece o mundo exterior. Em contato com a história, no entanto, a criança percebe uma coisa, mas não age de acordo com essa percepção. A narrativa de que há um perigo iminente ameaçando as personagens não faz com que a criança se esconda. Essa independência entre o que é percebido e a ação é fruto de um longo processo de desenvolvimento. As ações narradas referem-se a uma situação que ela não vê, apenas concebe no imaginário. É na idade pré-escolar que, por primeira vez, se encontra uma divergência entre a visão e o significado. No brinquedo, a atividade do pensamento desliga-se dos objetos e a ação brota mais de ideias que de coisas. Essa separação entre a matéria percebida e o pensamento se dá quando, por exemplo, uma porção de tecido passa a ser um bicho ou uma boneca e uma varinha pode se tornar um raio ou um cavalo. Nesse procedimento, a criança obedece a regras determinadas por ideias e não por objetos. Brincar é um estágio de transição que prepara o momento em que a varinha será a barra que separa o significado de cavalo de um cavalo real. Nessa altura, chega-se a um momento determinante da relação da criança com a realidade. No brinquedo, ela opera com um significado separado dos objetos e ações, ao contrário do que ocorre na sua relação com objetos reais. É o que faz do brinquedo um intermediário entre as imposições de situação da primeira infância e um pensamento que abstrai das situações reais. Portanto, o brinquedo é um estágio de transição vital para operar com o significado. Brincando, a criança faz uso inconsciente e espontâneo da possibilidade de separar significado e objeto. Esse início de abstração, que ocorre quando é criada uma situação imaginária com o brinquedo, tem continuidade no pacto de suspensão da descrença, que fazemos todos nós, adultos ou crianças, diante de um conto, romance, filme, novela, como condição para que ingressemos no mundo ficcional e sejamos afetados por ele. Logo, histórias infantis, situações ficcionais dão prosseguimento a essa experiência não fortuita, na vida da criança, que é a simulação, primeira tentativa de emancipar-se das imposições do meio. Através da história, é a dimensão simbólica da linguagem que é experimentada, assim como sua conjunção com o imaginário e com o real. É amplamente conhecida a importância existencial das narrativas clássicas para as crianças. A apresentação sintética, simbólica e essencial de conflitos que atingem as personagens nos contos de fadas permite aos ouvintes a elaboração, igualmente simbólica, dos seus. Desse modo, os contos, clássicos ou populares, facultam, não só a identificação, como também possibilitam uma prospecção, ou seja, a reformulação das expectativas pela apresentação de perspectivas novas. Trata-se de discursos que encontram ampla receptividade por parte do público infantil – o que seria ingênuo considerar gratuito – e constituem-se em ponte entre as vivências lúdicas pré-escolares e as experiências que a escola pretende facultar. O acompanhamento de ações imaginárias, relatadas mediante o simbolismo da linguagem, além do divertimento, permite uma reordenação afetiva e intelectual das vivências, que respondem às necessidades infantis. Isso não se restringe ao fato de a história provocar reações afetivas individuais. O espectro é mais amplo. A narrativa ficcional possibilita que tendências afetivas sejam generalizadas por meio da simbolização. Por exemplo, a criança vivencia determinada relação com o pai, que é uma circunstância dela. Pode ser que ela imagine que ninguém vive nada similar. Numa história, porém, ela pode ver representada uma relação entre pai e filho de um modo com o qual ela pode se identificar, ao mesmo tempo em que ganha certo distanciamento para apreciá-la. As histórias contêm um caráter de exemplaridade que – atenção! – não é moral, mas demonstrativa. Então, ao ouvir ou ler uma história, algo que existia apenas dentro de mim pode transpor essa interioridade e ser localizado exteriormente, como situação vivida por outras pessoas que, é possível, respondam a ela de diferentes maneiras. A poesia e a narrativa oferecem à criança em fase de alfabetização a oportunidade de experimentar a potencialidade linguística, descobrindo as diversas possibilidades de nomeação que mediará sua exploração e entendimento do mundo. O livro e a leitura, apresentados à criança nos seus primeiros anos, podem apresentar a ela uma sedutora razão para o esforço empreendido no processo de alfabetização. O papel da literatura nos primeiros anos é fundamental para