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Literatura Infantil: Importância e Evolução

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Prévia do material em texto

copyright	©	by	Ligia	Cademartori,	2010
Nenhuma	parte	desta	publicação	pode	ser	gravada,	armazenada	em	sistemas	eletrônicos,	fotocopiada,
reproduzida	por	meios	mecânicos	ou	outros	quaisquer	sem	autorização	prévia	do	editor.
Diretora	editorial:	Danda	Prado
Supervisão	editorial:	Luciana	Nobile
Coordenação	editorial:Vanderlei	Orso
Coordenação	de	produção:	Roseli	Said
Diagramação:	Iago	Sartini
Revisão:	Nydia	Lícia	Ghilardi
eBook:	Ana	Clara	Cornelio,	Bruna	Cecília	Bueno,	João	Pedro	Oliveira	Rocha	e	José	Eduardo	Góes
Produção:	Editora	Hedra	Ltda.
editora	e	livraria	brasiliense
R.	Antônio	de	Barros,	1839	-	Tatuapé,	São	Paulo	-	SP,	03401-001
www.editorabrasiliense.com.br
O	que	é	literatura	infantil
Ligia	Cademartori
.
.
.
.
.
.
Sumário
Apresentação
Que	gênero	é	esse?
A	questão	do	adjetivo
Escolher	entre	tantos
Começou	com	Perrault
A	presença	de	Lobato
Literatura	nos	primeiros	anos
Indicações	para	leitura
Sobre	a	autora
Apresentação
Em	1986,	escrevi	a	primeira	edição	de	Oque	é	literatura	infantil.	Desde	então,	o
livrinho	tem	circulado	entre	os	interessados	em	sucessivas	reimpressões.
Naquela	época,	o	gênero	literário	endereçado	às	crianças	conquistava,
gradualmente,	espaço	nas	discussões	universitárias,	congregando	estudiosos	em
instituições	dedicadas	ao	tema.	A	literatura	infantil	deixava	seu	lugar	à	margem
para	ser	apreciada	em	suas	peculiaridades.
No	plano	das	ações,	livros	literários	para	crianças	começavam	a	ser	distribuídos,
em	escolas	e	bibliotecas	do	país,	pelo	Ministério	da	Educação.	A	iniciativa
pioneira	recebeu	o	nome	de	Programa	Salas	de	Leitura	e	era	desenvolvido	pela
Fundação	de	Assistência	ao	Estudante,	hoje	extinta.	Se	a	iniciativa	oficializava
os	lações	entre	literatura	infantil	e	educação,	o	que,	na	opinião	de	muitos,
comprometia	a	natureza	literária	do	gênero,	na	mesma	medida	vinha	promovê-
lo,	tornando	a	distribuição	de	livros	a	estudantes	parte	de	uma	política	pública.
Simultaneamente,	criava-se	uma	relação	de	dupla	dependência	entre	a	presença
da	literatura	infantil	nas	escolas	e	a	produção	de	livros	desse	segmento	editorial
pela	indústria	livreira.	A	oferta	de	títulos	cresceu	de	modo	significativo.	Com	a
continuidade	e	expansão	dos	programas	de	aquisição	de	livros	infantis	pelo
governo,	pode-se	dizer	que	essa	literatura	passou	a	contar	com	uma	forma	de
patrocínio	estatal.
Mesmo	sendo	inegável	o	vínculo	estabelecido	entre	literatura	infantil	e
educação,	é	importante	ter	clareza	de	que	não	cabe	ao	gênero	o	papel	de
subsidiário	da	educação	formal.	A	natureza	literária	já	o	coloca	além	dos
objetivos	pedagógicos,	assim	como	dos	ideais,	costumes	e	crenças	que	os
adultos	queiram	transmitir	às	crianças.
É	como	entretenimento,	aventura	estética	e	subjetiva,	reordenação	dos	próprios
conceitos	e	vivências,	que	a	literatura	oferece,	aos	pequenos,	padrões	de	leitura
do	mundo.	Mas	não	foi	movida	pelo	reconhecimento	desse	potencial	que	a
escola,	inicialmente,	voltou-se	para	a	literatura	infantil.	A	educação	formal
passou	a	valorizar	essa	produção	com	vistas	a	interesses	mais	imediatos.	Viu
nela	um	bom	instrumento	do	ensino	da	língua,	modo	de	ampliar	o	domínio
verbal	dos	alunos.	Acreditava-se	no	slogan	“quem	lê,	sabe	escrever”.
Além	de	ensinar	a	língua,	a	literatura	seria	veículo	de	informações.	Supriria	as
grandes	lacunas	intelectuais	dos	alunos,	oferecendo	também	elementos
formativos.	Ora,	se	a	função	da	literatura	parasse	aí,	seu	papel	seria	meramente
paradidático.
A	criança	que	costuma	ler,	que	gosta	de	livros	de	histórias	ou	de	poesia,
geralmente	escreve	melhor	e	dispõe	de	um	repertório	mais	amplo	de
informações,	sim.	Mas	essa	não	é	a	principal	função	que	a	literatura	cumpre
junto	a	seu	leitor.	Mesmo	sem	precisar	discorrer	sobre	a	função	da	literatura,
sabemos	que	é	o	fato	de	ela	propiciar	determinadas	experiências	com	a
linguagem	e	com	os	sentidos	–	no	espaço	de	liberdade	que	só	a	leitura
possibilita,	e	que	instituição	nenhuma	consegue	oferecer	–	que	a	torna
importante	para	uma	criança.
Nos	últimos	anos	do	século	XX,	a	noção	da	importância	da	literatura	infantil	na
formação	de	pequenos	leitores	consolidou-se,	integrando	a	pauta	das	políticas
públicas	de	educação	e	cultura.	Se	ainda	estamos	longe	de	constituir	um	país	de
leitores,	se	os	problemas	da	qualidade	da	educação	fundamental	são	grandes	e
persistentes,	a	escola	e	o	gênero,	no	entanto,	já	não	são	os	mesmos	que	eram	nos
anos	1980.	Passaram	ambos	por	modificações	conceituais	e	funcionais	que
alteraram	seus	perfis.	A	importância	de	aproximar	as	crianças	dos	livros	de
literatura	infantil	é	hoje	praticamente	um	consenso.	A	sociedade	absorveu	a	ideia
que,	décadas	atrás,	era	ainda	objeto	de	pregação.	Eram	feitos	esforços	de
convencimento	para	que	pais	e	professores	promovessem,	entre	os	pequenos,	a
leitura	de	bons	livros.	Hoje,	reflexões	a	respeito	do	assunto	envolvem	estudantes
e	estudiosos	na	produção	de	ensaios,	dissertações,	teses,	que	discutem	diferentes
aspectos	da	literatura	infantil	e	contam	com	poder	de	irradiação.	No	entanto,
entre	a	adoção	de	um	conceito,	o	desenvolvimento	de	análises	e	a	construção	do
cenário	idealizado	por	aqueles	que	se	empenham	em	semear	livros	a	mão-cheia,
parafraseando	Castro	Alves,	a	distância	é	grande.
Um	dos	principais	fatores	que	agem	nessa	distância	é	o	fato	de	a	escola,
atualmente,	estar	ainda	mais	esvaziada	de	seu	potencial	simbólico	do	que	nos
anos	1980,	quando	já	dava	sinais	de	declínio.	Vive	atualmente	perda	mais	radical
de	seu	antigo	espaço	de	influência.	Sobrevive	sem	condições	de	competir	com	os
meios	de	comunicação	de	massa,	esses,	sim,	geradores	de	valores	e	de	modelos,
que	se	impõem	indistintamente	ao	amplo	público,	mediante	informação,
publicidade	e	entretenimento.	As	crianças	crescem	diante	da	televisão,	brincam
desde	cedo	com	jogos	eletrônicos	e	encontram	pela	internet,	instantaneamente,
as	informações	de	que	precisam.	Podem	saber	de	tudo	o	que	está	acontecendo
em	tempo	real.	À	disposição	delas,	estão	muitas	informações.	São	tantas	que
atordoam.
O	livro	não	concorre	com	isso	e,	no	entanto,	a	literatura	infantil,	guardadas	as
diferentes	proporções	da	oferta,	conforme	se	trate	de	escola	pública	ou	privada,
está	mais	próxima	das	crianças	do	que	estava	nos	anos	1980.	Isso	se	deve	a
projetos	e	programas	de	diferentes	instituições,	resultado	de	iniciativas	de
diversas	origens.	Contraditório?	Sim,	mas	é	exatamente	nesse	descompasso	que,
acredito,	devem	incidir,	tanto	os	enfoques	ao	tema,	quanto	a	ação	de	promotores
ou	mediadores	da	leitura	de	livros	infantis.	A	despeito	do	que	acreditam	os
pessimistas,	houve	uma	valorização	do	gênero	que,	em	escala	política	e
econômica,	deve	muito	à	correlação	entre	educação	e	desenvolvimento.	Em
escala	familiar	e	doméstica,	liga-se	à	correspondência,	feita	pelos	pais,	entre	a
educação	dos	filhos	e	a	futura	profissionalização	desses.
Para	quem	valoriza	a	dimensão	existencial	da	leitura	literária,	no	entanto,
promover,	intermediar,	comentar	a	literatura	infantil	é	modo	de	oferecer	aos
pequenos	um	tipo	de	informação	e	de	recorte	do	mundo	distintos	daqueles	que
consomem	diariamente.	É	convite	a	que	conheçam	algo	mais	instigante,	que	a
realidade	simultânea	captada	pelas	telas,	e	algo	menos	superficial,	que	o	discurso
apressado	delas,	e	apreciem	relatos	em	recepção	menos	indiferente	e	ininterrupta
que	a	que	vivem	diante	dos	canais	de	cartoon.	Contudo,	como	a	presença	dos
meios	eletrônicos	é	avassaladora,	precisamos	reconhecer	que	a	literatura	infantil
só	entrará	na	vida	da	criança	por	uma	fenda,	nunca	pela	porta	principal.	Tal
circunstância,	ao	contrário	do	que	pode	parecer,	não	diminui	sua	potencialidade.
Ao	contrário,	pode	aumentá-la,	dependendo	da	intermediação	que	o	adulto	fizer,
uma	vez	que,	dificilmente,	a	criança	poderá	prescindir	desse	terceiro,	entre	ela	e
o	livro,	para	se	tornar	leitor.
Aos	que	acreditam	na	relevância	deste	assunto,	dedico	as	páginas	seguintes	e
relembro	os	versos	de	Álvaro	de	Campos,	heterônimo	de	Fernando	Pessoa,	sobre
as	primeiríssimas	relações	que	mantemos	com	os	livros:
“Temos	todos	duas	vidas:
A	verdadeira,que	é	a	que	sonhamos	na	infância,
E	que	continuamos	sonhando,	adultos	num	substrato	de	névoa;
A	falsa,	que	é	a	que	vivemos	em	convivência	com	outros,
Que	é	a	prática,	a	útil,
Aquela	em	que	acabam	por	nos	meter	num	caixão.
Na	outra	não	há	caixões,	nem	mortes,
Há	só	ilustrações	de	infância:
Grandes	livros	coloridos,	para	ver	mas	não	ler;
Grandes	páginas	de	cores	para	recordar	mais	tarde.”
Que	gênero	é	esse?
Historicamente,	a	literatura	infantil	é	um	gênero	situado	em	dois	sistemas.	No
sistema	literário,	é	espécie	de	primo	pobre.	No	sistema	da	educação,	ocupa	lugar
mais	destacado,	graças	ao	seu	papel	na	formação	de	leitores,	que	cabe	à	escola
assumir	e	realizar.	Sendo	assim,	nas	conceituações	e	definições	do	que	seja
literatura	infantil,	não	é	raro	que	encontremos	a	alternância,	ou	a	convivência,	de
critérios	estéticos	e	pedagógicos.	Uma	comprovação	rápida	de	que	a	literatura
infantil	desfruta	de	pouco	prestígio	no	sistema	de	onde	é	originária,	o	literário,
pode	ser	extraída	rapidamente	das	listas,	indicações,	sugestões,	seleções	de	todo
tipo	das	obras	literárias	consideradas	mais	importantes	ou	representativas.	A	toda
hora	nos	deparamos	com	elas.
Essa	forma	de	consagração	de	obras,	com	base	em	determinadas	opiniões	ou
julgamentos	críticos,	é	uma	tendência	forte	na	mídia.	Funciona	como	balanço
das	produções	literárias	e	dá	destaque	a	alguns	títulos.	Algumas	listas	são
imediatistas,	forma	mais	ou	menos	dissimulada	de	anúncios	de	livros,	orientadas
por	interesse	de	venda.	Outras,	as	que	interessam,	assentam-se	em	critérios
literários	e	querem	sinalizar	ao	público	o	que	merece	ser	lido.	Levando	em
consideração	apenas	o	segundo	tipo	de	seleção,	pense	quantas	obras	de	literatura
infantil	você	já	viu	nessas	listas.	Quais	foram	elas?	Quando	existe	perspectiva
histórica,	costumam	ser	destacadas	apenas	duas	obras,	e	ambas	de	autoria	de
Lewis	Carroll:	Alice	no	país	das	maravilhas	e	Alice	no	país	dos	espelhos.
Comum	aos	dois	títulos	é	o	fato	de	serem	obras	das	quais	se	diz	que	“crianças
também	podem	ler”,	embora	guardem	sentidos	que	os	menores	não	alcançam	e
são	apreensíveis	e	desfrutados	apenas	por	leitores	adultos.
No	entanto,	a	consolidação	do	mercado	do	livro	infantil	atraiu	autores	que
desfrutam	do	mais	alto	prestígio	na	crítica	literária,	integrantes	do	repertório	de
leitura	dos	adultos	mais	exigentes.	Alguns	dos	ficcionistas	contemporâneos	dos
mais	celebrados	e	premiados	ficcionistas	contemporâneos	escrevem	também
para	crianças.	Ian	McEwan	é	autor	de	O	sonhador	e	Rose	Blanche;	Toni
Morrison,	de	The	big	box;	Le	Clézio	escreveu	Mondo	et	autres	histoires;
Antonio	Skármeta,	A	redação;	de	José	Saramago	temos	A	maior	flor	do	mundo;
de	Mia	Couto,	O	gato	e	o	escuro.
No	Brasil,	a	literatura	infantil	conta	com	títulos	de	autoria	de	alguns	de	seus
mais	brilhantes	escritores,	como	Henriqueta	Lisboa,	Raquel	de	Queiroz,	Mario
Quintana,	Érico	Veríssimo,	Cecília	Meireles,	Vinicius	de	Moraes,	Clarice
Lispector	e	outros	escritores	referenciais	de	nossa	literatura.	Personalidades
poéticas	contemporâneas,	como	Ferreira	Gullar	e	Armando	Freitas	Filho	também
estenderam	suas	sensibilidades	para	a	criação	de	textos	infantis.	Gullar	é	autor
de	poesia,	fábula,	conto	para	pequenos	leitores,	como	Um	gato	chamado
Gatinho,	Dr.	Urubu	e	outras	fábulas,	Touro	encantado.	Armando	Freitas	Filho	é
autor	de	Apenas	uma	lata	e	Breve	memória	de	um	cabide	contrariado.	São
exemplos,	entre	muitos	outros,	da	expressão	que	pode	alcançar	o	gênero,	que
não	é	fácil	nem	menor,	não	aceita	improvisação	nem	descuido,	mas	requer
talento	especial	para	ser	composto	de	acordo	com	suas	peculiaridades.
No	final	do	século	XX,	a	literatura	infantil	passou	pelo	que	se	pode	chamar	de
internacionalização	do	gênero,	resultado	da	globalização	dos	mercados.	Um
livro	infantil,	uma	vez	comprovada	sua	aceitação	pelo	público	de	um	país
influente,	é	logo	distribuído	para	crianças	dos	demais	países	e	rapidamente	se
torna	sucesso	global.	É	o	que	comprovam	os	fenômenos	de	recepção
constituídos	por	obras	em	série	de	J.R.R	Tolkien,	O	senhor	dos	anéis;	de	J.	K.
Rowling,	Harry	Potter;	e	títulos	de	Stephenie	Meyer,	como	Crepúsculo,	Lua
Nova,	Eclipse.
A	leitura	dessas	obras	ocorre	fora	do	âmbito	escolar	e	a	intermediação	fica	por
conta	dos	meios	de	massa.	A	ela,	leitores	infantis	e	juvenis	respondem
imediatamente,	estimulados	pelo	fenômeno	midiático,	que	incluiu	também	a
transposição	das	histórias	para	a	linguagem	cinematográfica.	Tais	obras,
independente	das	qualidades	literárias	que	possam	ter,	são	associadas	à	moda	e
ao	lazer.	Para	um	público	com	menos	fôlego	para	a	leitura	de	livros	espessos,	há
produções	que	contam	com	forma	similar	de	recepção,	ou	seja,	independente	da
promoção	escolar.	São	pedidas	ou	procuradas	espontaneamente	pela	criança.
Entre	elas	estão	as	séries	Juddy	Moody,	de	Megan	McDonald,	preferida	pelos
leitores	menores,	e	Zac	Power,	de	H.	I.	Larry,	favorita	dos	leitores	iniciantes.
A	literatura	infantil	se	caracteriza	pela	forma	de	endereçamento	dos	textos	ao
leitor.	A	idade	deles,	em	suas	diferentes	faixas	etárias,	é	levada	em	conta.	Os
elementos	que	compõem	uma	obra	do	gênero	devem	estar	de	acordo	com	a
competência	de	leitura	que	o	leitor	previsto	já	alcançou.	Assim,	o	autor	escolhe
uma	forma	de	comunicação	que	prevê	a	faixa	etária	do	possível	leitor,	atendendo
seus	interesses	e	respeitando	suas	potencialidades.	A	estrutura	e	o	estilo	das
linguagens	verbais	e	visuais	procuram	adequar-se	às	experiências	da	criança.	Os
temas	são	selecionados	de	modo	a	corresponder	às	expectativas	dos	pequenos,
ao	mesmo	tempo	em	que	o	foco	narrativo	deve	permitir	a	superação	delas.	Um
texto	redundante,	que	só	articula	o	que	já	é	sabido	e	experimentado,	pouco	tem	a
oferecer.
Sob	a	designação	de	literatura	infantil,	coexistem	diversas	modalidades	e
processos	textuais,	tanto	verbais	quanto	visuais.	São	os	modos	de	expressão,	os
processos	narrativos	que	definem	o	público	a	que	o	livro	está	endereçado.	Em
algumas	obras,	subverte-se	o	uso	sistemático	da	língua,	e	o	literário	irrompe
nesse	espaço	de	escape	das	formas	organizadas	do	mundo	adulto.	O	sonho,	a
fantasia,	o	nonsense	se	instauram	como	subversão	do	mundo	racional.
Outros	livros,	porém,	refletem	acentuada	consideração	por	temas	sociais,	como
as	diferenças	raciais,	sexuais,	de	classe,	de	habilidades	e	outras.	Produção	de
adulto	para	criança,	nela	se	manifestam	as	ideias	dos	mais	velhos	sobre	o	que	as
crianças	devem	ser	e	pensar.	Com	frequência,	no	livro	infantil	se	desenha	nosso
sonho	de	infância,	ou,	noutro	extremo,	predomina	o	intuito	de	formação,	ganha
forma	a	concepção	racional	e	ideológica	do	que	o	adulto	pensa	deva	fazer	parte
dos	conceitos	a	serem	adquiridos	na	infância.
As	obras	infantis	que	respeitam	seu	público	são	aquelas	cujos	textos	tem
potencial	para	permitir	ao	leitor	infantil	possibilidade	ampla	de	atribuição	de
sentidos	àquilo	que	lê.	A	literatura	infantil	digna	do	nome	estimula	a	criança	a
viver	uma	aventura	com	a	linguagem	e	seus	efeitos,	em	lugar	de	deixá-la
cerceada	pelas	intenções	do	autor,	em	livros	usados	como	transporte	de	intenções
diversas,	entre	elas	o	que	se	passou	a	chamar	de	“politicamente	correto”,	a	nova
face	do	interesse	pedagógico,	que	quer	se	sobrepor	ao	literário.
Uma	das	marcantes	transformações	pelas	quais	passaram	os	livros	destinados	ao
público	infantil,	nos	últimos	anos,	é	a	interação	entre	as	linguagens	visual	e
verbal:	imagens	e	palavras	dividem	o	espaço	no	livro	e	disputam	a	atenção	do
leitor.	Na	produção	contemporânea,	o	gênero	abrange	livros	só	com	imagens;
livros	com	imagens	e	palavras	e,	situação	menos	provável,	livros	só	com
palavras.	Livros	para	leitores	menores	podem	ser	compostos	apenas	de	imagens,
descritivas	ou	narrativas,	com	ausência	de	palavras	ou	com	apenas	algumas
delas.	Podem	também	manter	em	equilíbrio	a	presença	do	verbal	e	do	visual.	Ou,
ainda,	dar	preponderância	à	palavra	e	atribuir	à	imagem	presença	complementar.
Parte	considerável	dos	livros	de	literatura	infantil	contemporânea	apresentam	um
texto	verbal	e	um	texto	visual,	propiciando	à	criançaexperiências	estéticas	e	de
sentido	com	os	dois	códigos.	O	ilustrador	é	igualmente	um	narrador	e,	em	muitas
obras,	o	autor	dos	dois	textos	é	um	só,	como	ocorre	em	obras	de	Ângela	Lago,
Fernando	Vilela,	Roger	Mello,	Eva	Furnari,	Rui	de	Oliveira,	Caulos,	Mariana
Massarani	e	vários	outros.
A	relação	do	texto	visual	com	o	texto	verbal	pode	se	dar	de	diferentes	maneiras	e
em	graus	diversos	de	complexidade:	pode	ser	de	autonomia	ou	de	relação
complementar,	pode	ter	sentido	de	confirmação	ou	de	contraponto.	Há	obras	em
que	os	sentidos	da	leitura	se	expandem	na	interação	entre	as	duas	linguagens,
mesmo	quando	elas	se	contradizem.	O	texto	imagístico	pode	se	opor	ao	que	diz
o	texto	com	palavras,	caso	em	que	escritor	e	ilustrador	utilizam	as	diferentes
qualidades	de	suas	respectivas	artes	para	comunicar	informações	diversas.
Quando	isso	ocorre,	pode-se	dizer	que	os	textos	visual	e	verbal	do	livro	se
relacionam	ironicamente,	um	contradiz	ou	subverte	o	que	diz	o	outro.	Um	bom
exemplo	pode	ser	observado	em	Não	vou	dormir,	de	Christiane	Gribel	e
Orlando.	Os	textos	visual	e	verbal	entram	em	contradição	para	configurar	uma
situação	narrativa	em	que	a	personagem	diz	uma	coisa	e	sente	outra.	Ela	diz	que
não	vai	dormir,	mas	não	consegue	manter	os	olhos	abertos.
Na	maioria	dos	livros	de	literatura	infantil,	no	entanto,	prevalece	o	diálogo
congruente	entre	o	texto	escrito	e	o	conjunto	de	formas	visuais	que,	com
distintos	graus	de	autonomia	em	relação	ao	texto	linguístico,	produzem,	a	seu
modo,	significações.	Em	Banho!,	obra	de	autoria	de	Mariana	Massarani,	a	frase
“Já	para	o	banho!”,	tão	frequente	na	rotina	das	crianças,	surge	associada	à
fantasia.	Dando	margem	à	imaginação,	a	água	do	banho	é	transformada	num
caudaloso	rio	e	animais	aquáticos	da	nossa	fauna	comparecem	à	banheira:	a
arraia,	o	pirarucu,	o	jacaré-açu,	e	também	o	boto,	o	pacu,	a	piranha...	Nas
ilustrações,	imagens	da	fauna	dos	rios	brasileiros.	Uma	variedade	de	peixes
amazônicos	invadem	o	banho	dos	meninos,	com	nomes	pitorescos	que	são	quase
trava-línguas.	Divertem	pela	sonoridade:	piraputangas,	pirapitingas,	piranambus.
Os	seres	aquáticos	nadam	com	as	crianças,	mas	o	leitor	perceberá	pelas	imagens
que	nem	todas	as	personagens	infantis	da	história	estão	nadando.	Na	banheira,
falta	um.	É	Edmilson,	que	nem	enxerga	a	banheira.	Não	foi	para	o	banho,	não	se
assustou	com	a	piranha	e	se	esqueceu	do	jantar.	O	que	ele	encontrou	que	pode
ser	tão	interessante	ao	ponto	de	o	menino	esquecer	de	comer?	Um	livro.	O
menino	está	lendo	sentado	no	vaso.	As	imagens	dão	oportunidade	para	que	se
converse	também	sobre	outros	temas,	como	a	nudez,	o	uso	do	vaso	sanitário,	a
diferença	sexual,	todos	tratados	com	muita	naturalidade	pela	linguagem	visual.
Avançando	um	pouco	na	observação	das	imagens,	pode-se	perceber	que
Edmilson	na	sala	e	no	vaso	duplica	na	história	o	próprio	leitor.	Do	mesmo	modo,
os	peixes,	um	dos	motivos	do	livro	de	Massarani,	estão	no	livro	que	o	menino	lê,
assim	como	estão	na	tela	da	TV.
Em	boa	parte	dos	livros	para	leitores	iniciantes,	observa-se	que	a	ilustração
constitui	um	acontecimento	narrativo,	que	oferece	informações	que	o	texto
escrito,	em	geral	enxuto,	para	se	adequar	à	competência	textual	do	destinatário,
não	ofereceu.	E	há	também	aqueles	em	que	os	signos	visuais	representam	apenas
parcialmente	uma	situação,	uma	circunstância,	uma	personagem,	um	cenário,	ou
apenas	um	objeto	que	remeta	ao	ambiente	narrado.	A	tendência	atual	da
produção	infantil,	no	entanto,	especialmente	em	livros	para	leitores	iniciantes,	é
a	valorização	dos	dois	textos,	o	visual	e	o	verbal,	sendo	mantida	a	interação	entre
eles	que	estimula	múltiplas	percepções,	possibilitando	diversos	reconhecimentos
e	interpretações	nas	leituras	dos	textos	compostos	por	diferentes	signos.
Tarde	de	inverno,	texto	verbal	de	autoria	de	Jorge	Luján,	e	texto	visual	de
Mandana	Sadat,	é	exemplar	como	livro	infantil	em	que	imagens	e	palavras
conversam	entre	si,	na	composição	de	uma	obra	de	delicada	poesia.	As	imagens
das	primeiras	páginas	apresentam	uma	cidade	noturna	com	carros	em
movimento.	Fim	de	um	dia	de	trabalho,	talvez.	Nas	páginas	seguintes,	passa-se
da	panorâmica	para	um	plano	que	enquadra	apenas	algumas	casas.	Fumaças
escapam	das	chaminés.	Faz	frio.	Somente	de	uma,	entre	todas	as	casas,	vê-se	a
janela.	Nessa	janela,	uma	criança	desenha	com	o	dedo	no	vidro	embaçado.
Assim	inicia	o	poema	do	qual	se	lê	um	verso	em	cada	página,	no	mesmo	ritmo
lento	em	que	transcorre	o	tempo,	quando	se	espera	por	alguém.	O	movimento	do
dedo	da	criança	forma	uma	lua	na	vidraça.	Dentro	da	lua,	ela	vê	a	mãe.	O	leitor
se	pergunta:	a	criança,	de	fato,	está	vendo	a	mãe	ou	sonha	com	ela,	inscrevendo-
a	no	vidro	coberto	pelo	vapor?	Por	que	o	texto	verbal	diz	que	o	abraço	cabe	na
moldura	do	retrato?	São	possibilidades	para	pensar.	O	importante,	porém,	não	é
saber	se	a	visão	da	mãe	e	o	encontro	com	ela	é	realidade,	desejo	ou	lembrança.
Se	ocorrem	no	passado,	no	presente,	ou	pertencem	ao	tempo	de	espera.	Ao
folhear	o	livro,	somos	envolvidos	pela	poética	expressão	do	amor	entre	mãe	e
filho,	pelas	imagens	do	aconchego	na	noite	fria,	por	essa	paisagem	que,	recebido
o	carinho,	se	ilumina	em	um	novo	dia.
A	questão	do	adjetivo
O	adjetivo,	já	ensinava	nossa	antiga	professora,	determina	o	substantivo,
qualificando-o.	Quando	se	fala	em	literatura	infantil,	por	meio	do	adjetivo,
particulariza-se	a	questão	dessa	literatura	em	função	daquela	a	quem	ela	se
endereça:	a	criança.	Desse	modo,	circunscreve-se	o	âmbito	desse	tipo	de	texto.	É
escrito	para	a	criança	e	para	ser	lido	por	ela.	Porém,	é	escrito,	empresariado,
divulgado	e	comprado	pelo	adulto.	A	especificidade	do	gênero	vem	dessa
assimetria,	sendo	que	todas	as	diferenças,	tensões	e	intenções	da	relação
adulto/criança	manifestam-se,	também,	na	literatura	infantil.
A	relação	adulto/criança	é	caracterizada	por	um	jogo	de	forças	no	qual	a	criança
é	a	dependente,	marcada	que	é,	física,	inficação	dessas	faltas	na	criança	ganham
dimensão	a	partir	da	afirmação	da	Antropologia	de	que	o	homem	é	o	único
animal	que	não	traz,	ao	nascer,	um	padrão	inato	de	comportamento.	Ao	contrário
de	um	pássaro,	de	um	peixe	ou	de	um	chimpanzé,	que	já	nascem	com	estruturas
comportamentais,	o	comportamento	do	ser	humano	depende	dos	padrões	que	lhe
foram	oferecidos.
Para	o	animal	não	existe	processo	de	formação.	Desde	o	nascimento,	ele	tem	seu
comportamento	determinado.	O	homem,	pelo	contrário,	compõe,	ao	longo	do
desenvolvimento,	seu	mundo	e	seu	padrão	comportamental.	A	oferta	de	padrões
de	interpretação	para	a	construção	do	mundo	do	homem,	em	sentido	lato,	é	o	que
se	chama	de	educação:	a	apreensão	de	padrões	que	modificam	o	comportamento.
O	homem	constrói	seu	meio	ambiente	à	medida	dos	padrões	de	interpretação	que
lhe	forem	oferecidos.	Portanto,	o	processo	de	constituição	de	um	homem
depende	de	sua	formação	conceitual	e	essa,	por	sua	vez,	depende	dos	padrões	de
interpretação	a	ele	oferecidos.	As	diferentes	manifestações	culturais	constituem-
se	em	padrões	de	interpretação.	Entre	elas,	destaca-se,	seja	pela	alta	elaboração
própria	do	código	verbal,	seja	pelo	envolvimento	emocional	e	estético	que
propicia,	a	literatura.
A	obra	literária	recorta	o	real,	sintetiza-o	e	interpreta-o	através	do	ponto	de	vista
do	narrador	ou	do	poeta.	Sendo	assim,	manifesta,	através	do	fictício	e	da
fantasia,	um	saber	sobre	o	mundo	e	oferece	ao	leitor	um	padrão	para	interpretá-
lo.	Veículo	do	patrimônio	cultural	da	humanidade,	a	literatura	se	caracteriza,	a
cada	obra,	pela	proposição	de	novos	conceitos	que	provocam	uma	subversão	do
já	estabelecido.
Se	o	homem	se	constitui	à	proporção	da	formação	de	conceitos,	a	infância	se
caracteriza	por	ser	o	momento	basilar	e	primordial	dessa	constituição,	e	a
literatura	infantil	pode	ser	um	instrumento	relevante	dele.	Sendo	assim,	essa
literatura	se	configura,	não	só	como	instrumento	de	formação	conceitual,	mas
oferece,	na	mesma	medida,	elementos	que	podem	neutralizar	a	manipulação	do
sujeito	pela	sociedade.	Se	a	dependência	infantil	e	a	ausência	de	um	padrão	inato
de	comportamentosão	questões	que	se	interpenetram,	configurando	a	posição	da
criança	na	relação	com	o	adulto,	a	literatura	surge	como	um	meio	possível	de
superação	da	dependência	e	da	carência,	por	possibilitar	a	reformulação	de
conceitos	e	a	autonomia	do	pensamento.
A	questão	da	assimetria	adulto/criança,	porém,	particulariza,	por	via	da
distorção,	o	acesso	ao	conhecimento	mediado	pela	literatura.	O	caráter	formador
da	literatura	infantil	vinculou-a,	desde	sua	origem,	a	objetivos	pedagógicos.	Ora,
isto	cria	uma	tensão	entre	o	saber	da	obra	literária	(que	diz	“apresento	o	mundo
assim”)	e	o	ideal	da	pedagogia	(que	diz	“o	mundo	deveria	ser	assim”).	Tal	tensão
é	o	grande	desafio	da	obra	destinada	ao	público	infantil	que,	não	solucionado,
muitas	vezes,	abala	o	seu	próprio	estatuto	literário.
Foi	a	preocupação	pedagógica	que,	por	muito	tempo,	silenciou	no	texto	questões
relativas	a	diferenças,	conflitos,	finitude,	certas	circunstâncias	existenciais
árduas	e	interesses	dos	jogos	de	poder.	Já	nos	contos	clássicos	se	observa	o
silenciamento	de	qualquer	conflito	que	não	seja	solúvel	e	a	negação	de	qualquer
situação	de	falta	que	não	seja	resgatável.	Só	a	interpretação,	que	vai	além	do
linear	e	da	mera	sequência	de	fatos,	põe	a	descoberto	os	conflitos	que	o	texto,
numa	leitura	ingênua	e	superficial,	encobre.
Tradicionalmente,	a	literatura	infantil	apresentou,	por	determinação	pedagógica,
um	discurso	monológico	que,	pelo	caráter	persuasivo,	não	abria	brechas	para
interrogações,	para	o	choque	de	verdades,	para	o	desafio	da	diversidade,	tudo	se
homogeneizando	numa	só	voz.	No	caso,	a	do	narrador.
A	ligação	entre	o	outro	do	narrador	–	o	leitor	–	e	o	outro	do	leitor	–	o	narrador	–
consiste	num	grande	desafio	de	cuja	superação	também	depende	o	estatuto
literário	do	texto	infantil.	O	entrecruzamento	dessas	duas	vozes,	juntamente	a
outras	a	que	o	texto	pode	dar	espaço,	não	traria	o	caos,	a	dificuldade	de
compreensão,	mas	uma	abertura	para	que	muitas	vozes	se	organizem	–
sufocando	o	discurso	pedagógico	persuasivo	–	e	permitindo	unidade	na
diversidade.	Do	entrecruzamento	de	vozes	depende	a	dialética	do
reconhecimento	na	comunidade	humana.	No	intercâmbio	de	palavras	formam-se
as	respostas	e	o	homem	pode	encontrar	o	outro.
Somente	vozes	entrecruzadas	podem	oferecer,	a	uma	pergunta	feita,	a
relatividade	das	respostas.	O	monólogo	não	dá	margem	a	questões.	Pretende	uma
única	resposta.	Essa	observação	não	atinge	exclusivamente	a	literatura	destinada
à	criança,	ela	se	impõe	para	a	literatura	em	geral.	Na	literatura	infantil,	porém,	a
situação	de	dependência	e	a	carência	de	padrões,	por	parte	da	criança,	desenham
a	questão	com	contornos	próprios.
Como	ilustração	do	que	foi	dito,	consideremos	três	textos:
Contos	para	a	infância,	de	Guerra	Junqueiro,	Aventuras	de	Tom	Sawyer,	de
Mark	Twain,	e	Alice	no	país	das	maravilhas,	de	Lewis	Carroll.
“Reconhecimento	e	ingratidão”	é	uma	das	narrativas	de	Contos	para	a	infância,
de	Guerra	Junqueiro	(1850-1923).	A	preocupação	moralista,	tônica	da	obra,	já
está	bem	expressa	no	título	do	conto	que,	pela	antítese,	evoca	as	possíveis
reações	entre	um	bem	recebido:	o	reconhecimento	ou	a	ingratidão.	O	tom	moral,
persuasivo,	ameaçador	está	presente	a	partir	da	primeira	frase:	“Os	vossos	filhos
serão	para	vós,	como	vós	tiverdes	sido	para	vossos	pais”.
O	preceito	expresso	na	página	inicial	recebe	desenvolvimento	comprobatório	na
narrativa,	cumprindo	a	função	da	moralidade	das	fábulas,	embora	ocupando
posição	oposta	na	estrutura:	o	preceito	moral	das	fábulas	situa-se	no	final	da
breve	história,	protagonizada	por	animais,	e	pretende	concluir	o	que	o	leitor	já
deve	ter	depreendido	com	o	desenvolvimento	do	texto.	Neste	caso,	porém,	o
preceito,	situado	antes	de	qualquer	identificação	do	leitor	com	o	texto,
preestabelece	o	que	aquele	deverá	perceber	neste.
A	segunda	frase	do	texto,	ao	dizer	“E	é	natural”,	estreita	ainda	mais	a
possibilidade	de	que	qualquer	outra	voz	se	insira	no	discurso	do	narrador	que,	à
semelhança	de	um	pregador,	vai	desenvolvendo	sua	tese	de	modo	redundante	e
fechado.	Se	a	segunda	frase	confirma	a	primeira,	a	terceira	justifica	a	segunda:
“As	crianças	veem	diariamente	o	que	fazem	seus	pais,	e	imitam-nos”.	A	quarta
frase,	por	sua	vez,	justifica	a	terceira.	A	quinta	exemplifica,	com	o	encaixe	de
duas	histórias	curtas,	o	que	a	partir	da	primeira	frase	foi	dito.
Uma	das	histórias	encaixadas	narra	como	um	pobre	lavrador,	sendo	bom	filho,
teve	seu	cuidado	com	os	pais	recompensado	por	um	príncipe.	Além	disso,	o
camponês	foi	premiado	pela	vida,	que	lhe	deu	filhos	tão	piedosos	e	dedicados
quanto	ele	havia	sido	para	seu	pai	e	sua	mãe.
O	exemplo	é	reforçado	pela	história	seguinte,	que	conta	como	um	filho	ingrato
rejubilou-se	com	a	ideia	de	seu	velho	pai,	aleijado	e	doente,	cansado	de	maus-
tratos,	desejar	ir	para	um	albergue	de	caridade.	Como	o	albergue	fosse	pobre,	o
pai	pediu	ao	filho	que	lhe	mandasse	dois	lençóis.	Este	escolheu	dois	lençóis
velhos	e	pediu	a	seu	filho	que	levasse	ao	avô.	Mas	o	menino	escondeu	um	dos
lençóis	atrás	da	porta,	só	levou	o	outro.	Quando	o	pai	perguntou	ao	menino	por
que	fizera	aquilo,	o	filho	respondeu:	“foi	para	me	servir	mais	tarde	deste	lençol,
quando	pela	minha	vez	lhe	mandar	também	para	o	hospital”.
Desse	modo,	nenhuma	palavra	da	narrativa	se	afasta	do	que,	acirrada	e
dramaticamente,	se	quer	transmitir.	O	caráter	didático	da	composição	não	abre
mão	dos	exemplos	antitéticos,	conforme	o	título	do	conto,	tipificados	pelo	bom	e
pelo	mau	filho.	Ao	leitor,	nenhum	espaço	que	permita	a	interlocução,	nenhuma
margem	a	que,	de	modo	diverso,	interprete	o	que	o	narrador	quer	dizer.	Este,
buscando	persuadir,	monologa.
Não	há	lugar,	no	conto	de	Guerra	Junqueiro,	para	a	interferência	da	criança	nem
para	a	adesão	desta	que,	não	estando	em	idade	de	poder	dar	proteção	aos	pais,
pelo	contrário,	necessitando	da	proteção	deles,	não	conseguirá	se	identificar,	seja
com	os	pais	protegidos	ou	desprotegidos,	seja	com	o	filho	que	protege	ou
desprotege.	Tal	história	tem	tanto	a	ver	com	a	criança	quanto	um	sermão	de
igreja,	ou	qualquer	história	exemplar	contada	pelos	mais	velhos	e	tendendo,
exclusivamente,	aos	interesses	deles.
Em	1876,	Mark	Twain	escreveu	As	aventuras	de	Tom	Sawyer,	história	composta
à	revelia	de	qualquer	intenção	pedagógica	na	literatura	infantil.	Contando	as
peripécias	de	um	garoto	para	sobrepor-se	às	exigências	e	manipulações	dos
adultos,	essa	narrativa	particulariza-se,	na	história	dos	contos	infantis,	por
contrapor	o	ponto	de	vista	da	criança	ao	ponto	de	vista	do	adulto,	num
enfrentamento	no	qual	o	mais	jovem	leva	a	melhor.
Tom	Sawyer	não	é	um	menino	modelo,	segundo	o	exigente	padrão	dos	contos
tradicionais:	não	é	obediente,	não	é	estudioso,	não	fala	sempre	a	verdade.	Ou
seja,	Tom	é	um	menino	normal,	mais	inclinado	a	seguir	o	princípio	do	prazer	do
que	o	da	realidade.	E,	por	obedecer	a	essa	inclinação,	não	sofre	nenhum	castigo
da	sorte,	não	paga	por	fazer	o	que	quer.
Nessa	história,	a	alternativa	não	é	obedecer	e	ser	premiado	ou	desobedecer	e	ser
castigado,	esquematismo	consagrado	pela	tradição	pedagógica	dos	contos.	A
questão	passa	a	ser	o	que	fazer	para	atingir	o	objetivo	almejado,	apesar	da
situação	adversa.	Portanto,	o	que	em	outros	contos	é	uma	questão	de	moral,	em
Mark	Twain	é	uma	questão	de	esperteza.	O	que	interessa	é	safar-se	da	situação
de	desvantagem,	mesmo	que	seja	preciso	enganar	os	outros	e	barganhar.
Barganha	é	o	que	o	herói	de	As	aventuras	de	Tom	Sawyer	faz	e	sempre	com
êxito.	O	episódio	da	pintura	da	cerca	é	famoso	e	representativo	do	perfil	desse
herói.	Tendo	recebido	ordem	de	pintar	a	cerca	da	casa	em	horário	reservado	a
seu	lazer,	Tom	pensa	na	melhor	e	mais	rápida	maneira	de	se	livrar	do	embaraço.
Consegue	convencer	os	outros	meninos	que,	ao	contrário	dele,	dispunham	de
tempo	livre,	de	que	não	havia	nada	mais	gostoso	no	mundo	do	que	pintar	cerca.
De	tal	modo	o	faz	que	todos	os	demais	meninos	desejaram	pintar	a	cerca	que
Tom	havia	iniciado	a	caiar.	Sendo	tão	grande	a	demanda,	Tom	passa	a	cobrar	dos
meninos	pelo	prazer	de	pintar	a	cerca.	Aesperteza	e	o	engano	dos	outros
renderam-lhe	dupla	gratificação:	a	de	não	fazer	o	serviço	e,	ainda,	receber
pagamento	dos	que	trabalhavam	por	ele.
As	aventuras	de	Tom	Sawyer	permite	o	entrecruzamento	de	duas	vozes	num	jogo
de	forças	de	idade.	A	ótica	infantil	e	a	ótica	adulta	interagem,	permitindo	ao
pequeno	leitor	a	adesão	ao	mundo	ficcional	por	identificação	com	a	personagem
do	título.
Essa	obra	responde	ao	leitor	infantil,	apresentando	soluções	do	conflito	entre
adulto	e	criança	mediante	a	astúcia	do	pequeno.	Nesta	medida,	o	texto	oferece
respostas	que	relativizam	o	poder	e	o	saber	das	instituições	mais	esmagadoras	–
a	família,	a	igreja	e	a	escola	–	oferecendo	ao	leitor	um	espaço	de	ação	entre	elas.
Se	o	conto	de	Guerra	Junqueiro	tipificou	o	fechamento	monológico	e	o	valor
absoluto,	e	o	de	Mark	Twain	a	abertura	para	o	diálogo	–	com	a	inserção	de	uma
segunda	voz,	a	infantil,	permitindo	certa	relativização	–	foi	Lewis	Carroll,	em
Alice	no	país	das	maravilhas	(1865),	quem	havia	chegado,	efetivamente,	à
polifonia,	à	ambiguidade	e	ao	relativismo.
Lewis	Carroll	foi	um	inovador	do	conto	infantil.	Criou	histórias	sem	moralidade,
abandonando	o	tom	sentencioso	comum	às	histórias	do	século	XIX.	À	sua	obra
se	pode	dirigir	muitas	questões,	ela	suporta	diversas	leituras.	O	texto	Alice	no
país	das	maravilhas	dissolve	a	ordem	estabelecida,	o	convencional,	o	lógico,	o
habitual,	propondo	o	ilógico,	o	inusitado,	o	absurdo	e	a	desordem	instaurada	a
partir	da	queda	de	Alice	no	poço	onde	todas	as	coisas	ficam	soltas,	ou	seja,	em
estado	de	suspensão:	tudo	o	que	já	se	sabia,	não	se	sabe	mais.
A	obra	abala	o	sentido	do	saber.	Se,	para	alguns,	proclama	o	não	sentido,	o
absurdo	do	mundo,	pode,	também,	manifestar	o	sentido	evidente	de	todas	as
coisas	ou,	ainda,	a	reversibilidade	do	sentido.	Portanto,	em	matéria	de
ambiguidade,	entendida	não	como	confusão,	mas	como	riqueza	de	sentido,	não
há	o	que	se	pedir	mais.
A	obra	de	Lewis	Carroll	rejeita	qualquer	pretensão	didática	tradicional.	Há,	no
texto,	uma	personagem	–	a	duquesa	–	que	é	a	encarnação	caricatural	do	espírito
pretensamente	moralizador	que	busca	relações	lógicas,	causais	e	consequentes
em	todas	as	coisas.	Não	encontrando,	força	aproximações	e	relações	que,	na
realidade,	não	existem.	A	palavra	preferida	pela	duquesa	é	MORAL.	Dos	fatos
mais	banais	ela	procura	retirar	uma	sentença	grave,	mesmo	que	tenha	que	partir
de	analogias	falsas,	como	um	sofista.
Se	há	um	didatismo	em	Lewis	Carroll,	este	não	pretende,	contrariando	a
duquesa,	mostrar	a	gravidade	das	coisas,	mas,	justamente,	o	inverso:	que	todas
as	coisas,	porque	são	relativas,	não	são	graves.
As	três	narrativas,	independentemente	da	cronologia,	apresentam,
gradativamente,	uma	evolução	a	partir	da	negação	de	outra	voz,	passando	pelo
contraponto	de	vozes	até	a	diversidade	de	vozes	que	relativiza	o	que	cada	uma
delas,	em	separado,	possa	dizer.
Com	essa	tipificação,	vê-se	como,	no	texto	destinado	à	criança,	pode-se	atribuir
a	ela	diferentes	espaços	e	de	que	modo	isso	pode	contribuir	para	a	formação	de
conceitos	por	parte	do	leitor	infantil.
Escolher	entre	tantos
O	crescimento	da	oferta	de	títulos	de	literatura	infantil,	divulgados,	a	cada	ano,
por	um	mercado	que	descobriu	no	gênero	um	bom	filão,	torna	difícil	a	tarefa	de
distinguir,	entre	tantas	publicações,	aquelas	que,	pela	qualidade,	se	distinguem
da	maioria	e	merecem	atenção.	Mas	os	bons	livros	de	literatura	infantil	mantêm
algumas	características	pelas	quais	podem	ser	identificados	como	tais.	O	uso	da
linguagem	em	sua	possibilidade	estética	e	lúdica	é	fundamental.	Na	literatura,
usam-se	processos	linguísticos	em	que	a	seleção	e	a	associação	de	palavras	se
afastam	do	emprego	comum	que	fazemos	delas.
Jogos	com	os	sons	das	palavras,	jogos	com	o	sentido	delas,	ou	com	o	modelo	de
mundo	que	cada	poema	ou	narrativa	inevitavelmente	criam,	ampliam	nossas
possibilidades	de	relação,	tanto	com	a	linguagem,	quanto	com	o	mundo.	No
exame	de	um	livro	para	criança	que	se	apresente	como	literário,	pode-se	iniciar	a
avaliação	procurando	resposta	à	seguinte	pergunta:	esse	livro	permite	que	a
criança	perceba	a	força	criativa	da	palavra	ou	da	imagem?	Ou	não	há	nele
nenhuma	novidade,	nada	que	atraia	e	prenda	a	atenção	no	arranjo	dos	signos,	no
modo	como	foi	composto?
Alguma	forma	de	surpresa,	alteração,	renovação	do	olhar	um	livro	deve	trazer.
Sabemos	o	quanto	os	pequenos	gostam	de	rejeitar	as	normas,	mantendo-se,	no
entanto,	perfeitamente	consciente	delas.	O	prazer	reside	exatamente	em	saber
quais	são	as	regras	e	subvertê-las.	As	variadas	formas	de	subversão	da	realidade,
que	livros	para	crianças	costumam	fazer,	não	anulam,	é	claro,	o	que	é	real,
apenas	jogam	com	ele,	deixando-o	em	suspensão	no	espaço	e	tempo	da	leitura.	A
ideia	de	ordem	estrita	de	fatos	e	fenômenos,	sem	formas	de	extensão	ou
analogia,	é	insuportável	para	as	crianças.	Por	isso,	a	ficção	e	a	poesia	são	formas
viáveis	–	e	prazerosas	–	de	lidar	com	as	diferentes	faces	do	real.	Possibilitam	à
criança	identificar	e	examinar	percepções,	sentimentos,	fatos,	situações,
formando,	assim,	conceitos.	Lidam,	desse	modo,	com	a	realidade	concreta,	por
meio	da	que	foi	simbolicamente	construída.	A	linguagem	recorta	o	mundo,a
literatura	o	modela.
A	surpresa	com	as	relações,	que	um	bom	livro	de	literatura	é	capaz	de	tecer,
estimula	a	que	sejam	estabelecidas	novas	conexões	entre	fenômenos	diversos.
Todo	livro	para	criança	faz	isso?	Não.	Só	aqueles	em	que	o	autor	conhece	seu
ofício	e	não	subestima	as	dificuldades	de	um	gênero	em	que	apenas	o	leitor	é
menor.
Escolher	um	livro	para	criança	não	é	tarefa	que	dispense	critérios.	A	seleção
deve	iniciar	pela	apreciação	do	projeto	gráfico,	tendo	em	vista	sua	adequação	e
seu	potencial	de	apelo	à	criança,	características	presentes	apenas	nos	livros	de
concepção	criativa.	É	essencial	levar	em	conta	o	tamanho	e	o	tipo	da	fonte	–	ou
seja,	da	letra	–	assim	como	o	espaçamento	entre	as	linhas,	para	garantir	que	o
livro	apresente	condições	de	legibilidade,	por	parte	de	um	leitor	em	formação.
Letras	miúdas,	frases	com	entrelinha	apertada	afastam	o	leitor	infantil.
Espaçamento	adequado,	assim	como	o	uso	variado	de	tipos	gráficos,	atraem	as
crianças	aos	livros.	Como	não	podemos	esquecer	que	elas	se	tornam	leitoras	de
imagens,	antes	mesmo	de	serem	leitoras	de	palavras,	fundamental	é	o	papel	que
exerce,	na	ampliação	da	expressividade	da	obra,	o	texto	visual	ou	as	ilustrações
que	acompanham	o	texto.
Levando-se	em	conta,	ainda,	a	idade	daquele	a	quem	a	obra	se	destina,	é
essencial,	na	apreciação	da	obra,	verificar	em	que	medida	ela	permite	ao	leitor
infantil	identificar	o	universo	de	referência	do	livro.	Os	elementos	da	narrativa	–
personagens,	trama,	tempo,	espaço,	foco	narrativo	–	podem	ser	apreendidos	por
um	leitor	com	vivências	limitadas	por	determinação	da	idade?	Há	condições	de
que	a	criança	se	identifique	com	a	personagem	e	sua	esfera	de	ação,	ou	estão
distantes	das	vivências	dela?	Pergunta	semelhante	cabe	fazer	em	relação	aos
demais	elementos,	aqueles	que	configuram	espaço,	tempo,	foco	do	narrador.	Se
o	conjunto	dos	elementos	que	constituem	a	história	permite	a	apreensão	pelo
pequeno	leitor,	é	bem	provável	que	a	narrativa	apresente	adequação	temática.
A	pergunta	seguinte	a	ser	feita,	no	processo	de	exame	do	livro,	ainda	é	sobre	o
universo	de	referência	do	texto.	Cabe	ver	se	esse	universo	apenas	confirma	o	que
o	leitor	em	potencial	já	sabe,	isto	é,	aquilo	que	ele	pode	identificar,	sem
apresentar	nada	de	novo,	ou	vai	além	e	possibilita	a	ampliação	de	expectativas	e
referências	que	a	criança	já	tem,	favorecendo	que	alcance	novas	informações	e
conceitos.	Se	toda	literatura,	da	mais	simples	a	mais	complexa,	faz	a	seu	modo
uma	representação	do	mundo,	faz	parte	da	apreciação	de	uma	obra	examinar	se	o
modelo	de	mundo	construído	possibilita	ao	leitor	que	antecipe	possibilidades
existenciais	que	ele	ainda	não	experimentou.	Se	fizer	isso,	permitirá	a
transposição	do	lugar-comum.	Para	analisar	esse	aspecto,	basta	buscar	responder
a	uma	pergunta	simples:	a	obra	apresenta	alguma	particularidadeou	só	reproduz
chavões	narrativos	ou	poéticos?	Alguns	livros	desenvolvem	seu	tema	de	modo	a
estimular	novas	leituras,	conhecimento	de	outras	obras,	citando-as	de	modo
explícito	ou	implícito	e,	de	uma	maneira	ou	de	outra,	valorizando	o	mundo	da
leitura	e	da	escrita.	Outros	livros	se	fecham	em	si.
A	criança,	em	geral,	não	se	interessa	por	livros	que	não	lhe	trazem	nada	de	novo,
não	lhe	surpreendem	com	algo	que	ela	ainda	não	pensou.	Mas,	não	podemos
esquecer,	na	maior	parte	das	vezes,	não	são	elas	que	escolhem	os	livros.	São	os
adultos	que	os	escolhem	e	são	eles	que	encaminham,	recomendam	e	cobram	a
leitura.
As	narrativas	infantis	se	apresentam	sob	modalidades	diversas:	conto	de	fadas,
contos	populares,	lendas,	fábulas,	apólogos	ou	o	que,	simplesmente,
denominamos	contos.	O	importante	é	que	nelas	a	expressividade	verbal	e
imagística	seja	predominante,	que	a	linguagem	seja	adequada	à	capacidade
cognitiva	do	leitor	em	formação	e	às	suas	competências	vocabular	e	textual.	Dito
assim	pode	parecer	muito	complicado.	Na	verdade,	pais	e	professores,	com
relativa	facilidade,	tomam	um	livro	nas	mãos,	vão	lendo	aqui	e	ali	e,	viradas	as
páginas,	dão	o	veredicto:	“este	ainda	não	é	para	a	idade	dela”	ou	“deste	ele	vai
gostar”.	Classificam	as	obras	como“infantil	demais”e	fazem,	ainda,	projeções:
“este	aqui,	só	quando	ele,	ou	ela,	for	maior”.
Nesse	julgamento,	agem	vários	critérios	que	pais,	interessados,	professores	nem
precisam	explicitar	do	modo	como	fazemos.	Muitas	vezes,	podem	intuitivamente
perceber	se	o	texto	em	exame	estimula	a	atribuição	de	sentidos	pela	criança,
deixando	espaços,	vazios,	a	serem	livremente	preenchidos	pelo	imaginário	dela
durante	a	leitura.	Em	caso	contrário,	rejeitam	o	título.
E	quando	se	tratar	de	poesia?	Será	uma	feliz	oportunidade	de	oferecer,	aos
pequenos,	aventuras	muito	especiais	com	a	linguagem	e	seus	efeitos	de	sentido.
Nossa	literatura	conta	com	obras	de	poesia	infantil	referenciais,	históricas,
canônicas:	O	menino	poeta,	de	Henriqueta	Lisboa,	Ou	isto	ou	aquilo,	de	Cecília
Meireles,	A	arca	de	Noé,	de	Vinicius	de	Moraes,	É	isso	ali,	de	José	Paulo	Paes	e
outras.	Quando	for	examinar	um	título	classificado	como	sendo	do	gênero,
assegure-se	de	que	se	trata	mesmo	de	poesia	infantil,	um	gênero	muito	rico	e
difícil	de	realizar.	São	muitas	as	contrafações.	Circulam	por	aí	como	poesia
infantil	obras	que,	às	vezes,	não	são	poesia,	às	vezes,	não	são	infantis.
Para	apreciar	uma	produção	para	criança,	que	se	apresenta	como	poética,	seja	em
forma	de	quadras,	cantigas,	rimas	ou	poemas,	observe	a	sonoridade	das
composições,	pois	elas	exercem	muita	atração	nos	pequenos.	Examine	se	a
relação	entre	os	sons	é	privilegiada	em	jogos	sonoros,	que	repetem	fonemas	no
verso	ou	na	estrofe,	seja	em	rimas,	refrões	ou	ecos,	formando,	assim,	uma	rede
sonora.
Os	recursos	de	som	usados	pela	poesia	infantil	são	muitos,	como	o	uso	de
palavras	que	reproduzem	de	modo	aproximado	um	som	natural	(onomatopeia),	a
repetição	de	consoantes	(aliteração),	a	repetição	de	vogais	(assonância)	etc.	A
poesia	infantil	brinca	com	os	sons	e,	ao	fazê-lo,	favorece	a	percepção	da
materialidade	da	língua	e	de	seu	potencial	lúdico.	A	presença	do	ritmo,	que
alterna,	em	intervalos	regulares,	ou	não,	tempos	e	acentos,	em	movimento
cadenciado,	é	também	muito	importante	para	a	musicalidade	do	poema.
A	poesia	infantil	estabelece	também	jogos	com	os	sentidos,	muitas	vezes
decorrentes	dos	jogos	com	os	sons,	pois	a	troca	de	um	fonema	muda	o	sentido
todo.	Outras	vezes,	o	grande	efeito	vem	de	uma	imagem	inesperada,	de	uma
aproximação	do	que	parecia	totalmente	distante	e	separado.	A	poesia	faz	arranjos
de	significantes	e	de	sentidos	inusitados.	Ao	jogar	com	os	sentidos	das	palavras,
provoca	múltiplos	significados	e	estimula	o	imaginário	do	autor	a	participar
desse	jogo	de	interpretação.	Mas,	para	que	a	criança	desfrute	da	composição,	é
necessário	que	os	sentidos	evocados	na	sucessão	dos	versos	sejam	compatíveis
com	suas	vivências	e	com	o	alcance	de	sua	compreensão.
R.	L.	Stevenson,	escritor	escocês	que	viveu	no	século	XIX,	muito	conhecido
como	ficcionista,	é	autor	de	Ilha	do	tesouro	e	de	O	médico	e	o	monstro,	entre
tantas	outras	narrativas.	Poucos	no	Brasil	lembram	que	ele	deu	início	a	uma
tradição	de	poesia	infantil,	em	A	child’s	garden	of	verses,	que,	lamentavelmente
não	encontrou	continuidade	entre	nós.	Sua	poesia	tem	como	linha	temática,	ao
lado	de	motivos	que	valorizam	a	vida	interior	da	criança	–	como	o	sonho,	o
devaneio,	as	fantasias	com	seres	e	lugares	imaginários	–	aqueles	que	levam	a
criança	a	perceber,	e	a	apreciar,	no	meio	ambiente,	os	ciclos	do	tempo,	os	ritmos
da	temporalidade:	a	viagem	da	Terra	ao	redor	do	Sol,	a	mudança	das	estações,	a
sucessão	de	dias	e	noites,	os	movimentos	do	ar,	do	rio,	do	mar.	Na	poesia
infantil,	mais	difícil	do	que	encontrar	a	solução	comunicacional	adequada,
parece	ser	poetizar	motivos	temáticos	em	sintonia	com	o	interesse	e	a
sensibilidade	de	quem	começa	a	explorar	o	mundo.
Começou	com	Perrault
A	literatura	infantil	tem	como	parâmetro	contos	consagrados	pela	preferência	de
crianças	de	diferentes	épocas	que,	por	terem	vencido	tantos	testes	de	recepção,
fornecem	aos	pósteros	referências	a	respeito	da	constituição	da	tônica	literária	do
texto	infantil.	No	século	XVII,	o	francês	Charles	Perrault	(Cinderela,
Chapeuzinho	Vermelho)	coleta	contos	e	lendas	da	Idade	Média	e	adapta-os,
constituindo	os	chamados	contos	de	fadas,	por	tanto	tempo	paradigma	do	gênero
infantil.
No	século	XIX,	outra	coleta	de	contos	populares	é	realizada,	na	Alemanha,	pelos
irmãos	Grimm	(João	e	Maria,	Rapunzel),	alargando	a	antologia	dos	contos	de
fadas.	Através	de	soluções	narrativas	diversas,	o	dinamarquês	Christian
Andersen	(O	patinho	feio,	Os	trajes	do	imperador),	o	italiano	Collodi
(Pinóquio),	o	inglês	Lewis	Carroll	(Alice	no	país	das	maravilhas),	o	americano
Frank	Baum	(O	mágico	de	Oz),	o	escocês	James	Barrie	(Peter	Pan)	constituíram
padrões	de	literatura	infantil.
Questões	relativas	à	obra	de	Charles	Perrault,	frequentemente	apontado	como	o
iniciador	da	literatura	infantil,	vinculam-se	a	pontos	básicos	da	questão	da
natureza	do	gênero	como,	por	exemplo,	a	preocupação	com	o	didático	e	a
relação	com	o	popular.
A	coleção	dos	textos	de	Perrault	constitui-se	em	um	dos	textos	mais	célebres	da
literatura	francesa	e,	também,	um	dos	textos	mais	referidos	e	menos	comentados
pela	crítica	literária,	quer	na	sua	dimensão	de	arte,	quer	como	documento.	Na
verdade,	a	análise	dos	contos	de	Perrault	requer	um	enfoque	interdisciplinar,
sendo	que	os	problemas	que	suscita	não	se	restringem	à	teoria	da	literatura,	à
sociologia,	à	psicanálise	ou	ao	folclore,	mas	reclamam	uma	união	desses
enfoques	que	relacione	os	diversos	elementos	que	integram	o	texto	e	resolva	as
inúmeras	contradições	com	que	o	analista	se	defronta.
Charles	Perrault,	coletor	de	contos	populares,	realiza	seu	trabalho	após	a	Fronde,
movimento	popular	contra	o	governo	absolutista	no	reinado	de	Luís	XIV,	cuja
repressão	deixou	marcas	de	terror	na	França.	Os	contos	chegam	à	família
Perrault	através	de	contadores	que,	na	época,	se	integravam	à	vida	doméstica
como	servos.	É	preciso	levar	em	conta	que	se	trata	de	um	momento	histórico	de
grande	tensão	entre	as	classes.	O	burguês	Perrault	despreza	o	povo	e	as
superstições	populares	e,	como	homem	culto,	as	ironiza.	Seus	contos,	em	alguns
momentos,	caracterizam-se	por	um	certo	sarcasmo	em	relação	ao	popular.	Ao
mesmo	tempo,	são	marcados	pela	preocupação	de	fazer	uma	arte	moralizante
através	de	uma	literatura	pedagógica.
Apesar	do	pretendido	distanciamento	com	que	Perrault	trata	o	popular,	a
intenção	burlesca,	depreciativa,	em	relação	aos	motivos	populares,	não	impediu,
em	muitos	momentos,	a	adesão	afetiva	àquelas	personagens	carentes	que
delineia.	Caracterizadas,	no	início	da	narrativa,	pelo	estado	de	precariedade,	suas
personagens	tornam-se	triunfantes	no	final,	estereótipo	que	se	encontra	na
maioria	dos	contos	orais	e	que	refletem,	sem	dúvida,	as	tensões	e	as	soluções
sonhadas	pelos	camponeses	vítimas	do	Antigo	Regime.
O	trabalhode	Perrault	é	o	de	um	adaptador.	Parte	de	um	tema	popular,	trabalha
sobre	ele	e	acresce-o	de	detalhes	que	respondem	ao	gosto	da	classe	à	qual
pretende	endereçar	seus	contos:	a	burguesia.	Além	dos	propósitos	moralizantes,
que	não	têm	a	ver	com	a	camada	popular	que	gerou	os	contos,	mas	com	os
interesses	pedagógicos	burgueses,	observem-se	os	seguintes	aspectos	que	não
poderiam	provir	do	povo:	referências	à	vida	na	corte,	como	em	A	bela
adormecida;	à	moda	feminina,	em	Cinderela;	ao	mobiliário,	em	O	Barba	Azul.
Ressalte-se,	porém,	que	não	há	dissociação	entre	a	literatura	oral	e	a	versão
culta,	os	elementos	coexistem,	processando-se	um	alargamento	do	domínio	da
cultura	gráfica,	que	passa	a	manter	relações	de	integração	com	a	popular.
Pesquisas	históricas	recentes	mostram	que	a	época	de	Luís	XIV	não	foi	uma	era
majestosa	e	refinada,	como	se	descreveu	por	muito	tempo,	e	cuja	imagem	os
textos	de	Perrault	contribuíram	para	caracterizar.	Ao	contrário,	foi	um	período
duro,	penoso,	em	que	as	estruturas	sociais	e	políticas	se	transformavam	e	as
contradições	se	acentuavam.
Apesar	de	a	economia	francesa	ser,	na	época,	essencialmente	agrícola,	a	vida	dos
camponeses	era	marcada	pela	privação.	No	campo,	ainda	se	vivia	a	Idade	Média.
Os	legisladores	e	os	bispos	haviam-se	voltado	para	a	massa	camponesa,	mas
seus	objetivos	verdadeiros	não	eram	a	educação	das	gentes	do	campo,	e	sim	o
controle	da	fé	dessas	massas	e,	consequentemente,	a	lealdade	delas.	Num
contexto	onde	os	contrastes	sociais	eram	tão	fortemente	marcados,
evidentemente,	toda	divergência	religiosa	tinha	uma	ressonância	política.	Os
séculos	de	maior	repressão	religiosa,	na	França,	são	os	séculos	XVI	e	XVII,
devido	ao	agravamento	das	contradições	econômicas	e	à	violência	da	Contra-
Reforma.
A	despeito	do	processo	de	cristianização	desenvolvido	pelo	poder	nesse	período,
ao	cristianismo	obrigatório	do	povo	se	mistura	um	paganismo	residual	que	ganha
aparências	múltiplas.	Ao	lado	dos	ritos	da	Igreja	cristã,	permanecem	as
superstições.	São	os	deuses	pagãos	que,	cristianizados	sob	a	forma	de	santos,
garantem	a	fertilidade	dos	campos	e	preservam	o	corpo	de	doenças.	Nesse
contexto	é	que	cabe	situar	o	folclore,	isto	é,	o	conjunto	de	manifestações
artísticas	do	povo:	danças,	cerimônias,	canções	e,	especialmente,	contos:	fator	de
reconhecimento	entre	os	camponeses,	manifestação	de	sua	própria	imagem,
reflexo	de	suas	contradições	e	de	suas	crises	e,	catarticamente,	representação	de
uma	solução	possível	que	–	não	poderia	ser	de	outra	forma	–	se	manifestava
através	da	mágica	e	do	elemento	maravilhoso.
Esses	aspectos	estão	no	âmago	dos	contos	de	fada	e,	malgrado	a	cristianização	e
os	propósitos	moralizantes,	eles	permanecem	perversos,	amorais	e	angustiantes
como	legítimo	produto	da	classe	sofrida	e	marginalizada	que	os	gerou.	O
material	é	menos	maleável	do	que	gostariam	os	adaptadores	em	seus	propósitos
educativos	e,	como	mostrou	Bruno	Bettelheim,	em	A	psicanálise	dos	contos	de
fadas,	essas	narrativas	são	eficazes	exatamente	pelo	contrário	das	razões	que
levaram	os	burgueses	a	adotá-los:	valem	pelo	terror	e	pelo	conflito	que
apresentam	à	criança,	permitindo,	terapeuticamente,	a	solução	de	suas	próprias
turbulências	emocionais.
A	criança,	na	época,	era	concebida	como	um	adulto	em	potencial,	cujo	acesso	ao
estágio	dos	mais	velhos	só	se	realizaria	através	de	um	longo	período	de
maturação.	A	literatura	passou	a	ser	vista	como	um	importante	instrumento	para
tal,	e	os	contos	coletados	nas	fontes	populares	são	postos	a	serviço	dessa	missão.
Tornam-se	didáticos	e	adaptados	à	longa	gênese	do	espírito	a	partir	do
pensamento	ingênuo	até	o	pensamento	adulto,	evolução	do	irracional	ao
racional.
Na	base	do	trabalho	de	adaptação,	está	o	conceito	de	que	a	ingenuidade	da
mentalidade	popular	identifica-se	com	a	ingenuidade	da	mentalidade	infantil.	A
vocação	pedagógica	de	Perrault	é	secundária	e	confusa.	Delineia-se	com	mais
propriedade	sua	relação	com	o	popular,	apesar	de	esta	ser,	também,	contraditória.
Mesmo	sem	total	adesão	–	o	que,	de	fato,	não	poderia	ocorrer,	pois	a	classe	a	que
Perrault	pertencia	vivia	uma	inconsciência	em	relação	ao	que	era	realmente	do
povo	–	ele	realizou	o	que	se	pode	chamar	de	uma	recuperação	da	cultura
popular,	procurando	reconstituir	os	procedimentos	narrativos	da	maneira	mais
fiel	possível.
Talvez	nesse	momento	tenha	sido	inaugurada	a	confusão	que	fortaleceu	os	laços
entre	literatura	popular	e	literatura	infantil	e	que	tem	por	base	a	aproximação	de
duas	ignorâncias:	a	do	povo,	devido	à	condição	social,	e	a	da	infância,	devido	à
idade.	Essa	aproximação	terá	uma	solução	de	continuidade,	podendo	ser
encontrada	na	origem	da	coleta	dos	Grimm,	permanecendo	algumas	sequelas	até
nossos	dias.	Por	outro	lado,	é	esse	fator	que	tem	permitido	atribuir-se	a	Perrault	a
iniciação	da	literatura	infantil.	Na	realidade,	essa	literatura	já	existia	antes	dele,
sob	duas	formas:	a	de	literatura	pedagógica,	na	cultura	erudita,	de	que	são
exemplos	os	textos	dos	jesuítas,	e	a	de	literatura	oral,	de	vertente	popular,	no
vasto	domínio	dos	contos	da	advertência	com	ditos	e	provérbios.	E	um	dos
elementos,	entre	tantos,	que	garantiu	a	receptividade	dos	contos	de	Perrault	foi,
exatamente,	a	utilização	de	grande	número	de	ditos,	ao	mesmo	tempo	pitorescos
e	fáceis	de	serem	retidos	na	memória	pelo	público	infantil.
Quando	se	consideram	as	narrativas	coletadas,	portanto,	é	preciso	levar	em	conta
dois	momentos:	o	momento	do	conto	folclórico,	sem	endereçamento	à	infância,
circulando	entre	adultos,	e,	mais	tarde,	a	adaptação	pedagógica	com
direcionamento	à	criança.	É	no	segundo	momento	que	surge	o	caráter	de
advertência,	fazendo	com	que	a	personagem	que	se	afaste	das	regras
estabelecidas	seja	punida,	como	no	conto	Chapeuzinho	Vermelho.	Maravilhosos
ou	humorísticos,	os	contos	populares,	antes	da	coleta,	destinavam-se	ao	público
adulto	e	eram	destituídos	de	propósitos	moralizantes.
Na	conversão	da	literatura	popular	em	infantil,	Perrault	revela	o	modelo
educativo	imposto	a	ele	e	a	sua	época.	O	conto	Griselda,	por	exemplo,	apresenta
faltas,	censuras,	conceito	de	pudor	e	feminilidade	que	caracterizam	a
mentalidade	da	época.	Os	Perrault	foram	marcados	pelo	jansenismo	com	seu
ideal	de	educação	muito	normativo	e	austero.	Nos	contos,	porém,	esse	ideal	é
ambíguo,	mistura	severidade	e	indulgência.
Os	princípios	educativos	que	regem	os	contos	de	Perrault,	e	que	foram
apresentados	por	ele	no	prefácio	da	edição	em	verso	de	1695,	são	os	critérios	da
arte	moral	definidos	pela	Contra-Reforma:	a	valorização	do	pudor,	mas,	antes	de
mais	nada,	a	cristianização.	Um	exemplo	disso:	na	adaptação,	a	mulher	de	Barba
Azul	faz	suas	preces	antes	de	morrer.	Na	versão	popular,	ela	se	desnuda,	dizendo
adeus	a	cada	peça	de	sua	vestimenta,	numa	tentativa	de	seduzir,	com	a	beleza	de
seu	corpo,	o	iminente	assassino.	Outro	caso	mais	significativo:	se,	na	adaptação,
a	Bela	Adormecida	desperta	enquanto	o	príncipe	a	abraça,	na	versão	popular,	ela
faz	sexo,	ela	concebe	gêmeos,	sempre	adormecida,	sem	consciência	de	nenhum
dos	dois	fatos.	Essa	versão	é	do	século	XIV	e	não	se	pode	dizer	que	foi	Perrault
quem	a	alterou.	Isso	poderia	ter	ocorrido	antes	dele.	A	concepção	em	estado	de
inconsciência	pode	ter	sido	considerada	sacrilégio	por	parte	dos	cristãos,	devido
à	referência	velada	à	concepção	sem	pecado	de	Maria.	Provavelmente,	esse	fator
refreou	a	propagação	do	conto	tal	qual	era.	Tal	hipótese	é	reforçada	por
especialistas	em	sociologia	religiosa	que	afirmam	a	ação	sistemática	da	Igreja,
na	segunda	metade	do	século	XVII,	para	cristianizar	a	cultura	popular	–
especialmente	os	contos	–	como	fenômeno	que	se	integra	à	despaganização	geral
da	França,	nesse	século.
Ocorre,	na	época,	uma	grande	luta	entre	Reforma	e	Contra-Reforma.	A	Reforma,
sob	a	pressão	dos	acontecimentos,	compreendeu	que	não	podia	se	sustentar	sem
captar	para	seus	interesses	a	massa	popular.	Nasce	daí	o	esforço	extraordinário
dos	protestantes	no	campo	da	educação.	A	Contra-Reforma	tem	de	seguir	a
estratégia.	Principalmente	após	os	movimentos	da	Fronde,	torna-senecessário
educar	e	controlar	o	povo	pela	ameaça	de	interferência	no	poder.	A	mesma
atitude,	mantida	em	relação	à	criança,	é	mantida	em	relação	ao	povo:	este	é,	para
os	poderosos,	como	uma	grande	criança	que	precisa	ser	ensinada	a	obedecer.
Essa	luta	de	forças	domina	a	história	religiosa	e	escolar	do	século	XVII.	O
grande	período	de	produção	dos	contos	é	anterior	às	convulsões	religiosas,
quando	à	cultura	popular	ainda	era	possível	ter	uma	expressão	mais	autêntica.
Contudo,	a	despeito	das	tentativas	de	cristianização	e	domesticação,	o
patrimônio	imaginário	dos	contos	fala	mais	alto	que	qualquer	freio	ou	intenção
que,	essencialmente,	não	portem.
A	presença	de	Lobato
A	literatura	infantil	brasileira	inicia	sob	a	égide	de	um	dos	nossos	mais
destacados	intelectuais:	Monteiro	Lobato.	Se	isso,	por	um	lado,	prestigiou	o
gênero	no	seu	surgimento,	por	outro,	fez	com	que,	após	Lobato,	por	muito
tempo,	a	literatura	infantil	brasileira	vivesse	à	sombra	de	seu	nome.
A	obra	do	criador	do	Sítio	do	Picapau	Amarelo,	ambiente	rural	que	abriga	suas
personagens,	se	dimensiona	a	partir	de	sua	interação	com	o	grupo	social	ou,	mais
explicitamente,	sua	atuação	como	agente	formador	e	modificador	da	percepção
do	público.	O	sentido	da	obra	de	Lobato	se	torna	mais	evidente	quando	sua
produção	literária	é	contraposta	às	características	da	vida	cultural	brasileira	até
determinado	momento	de	nossa	história.
A	influência	da	cultura	portuguesa	no	Brasil	não	se	restringiu	à	época	colonial.
Transcendeu	o	período	de	dominação	política,	expandindo-se
concomitantemente	à	influência	de	outras	culturas,	como	a	francesa	e	a	inglesa.
Desse	modo,	processa-se	em	nossa	formação	histórica	uma	confluência	cultural
em	que	ao	nativo	se	acrescenta	o	pensamento	estrangeiro.	Não	se	trata,	porém,
de	uma	união.	A	cultura	nativa,	expressa	através	da	mitologia	e	da	tradição
indígena,	ficou	segregada	e	com	uma	circulação	restrita,	uma	vez	que	era
agráfica:	não	tinha	acesso	ao	livro.	Além	disso,	passou	a	caracterizar	o	código	de
um	corpo	social	situado	aquém	do	processo	de	aculturação	manipulado	pelo
homem	branco.	A	cultura	do	colonizador	procurava,	assim,	destruir,	pela
segregação,	as	manifestações	culturais	da	terra.	Só	poderia	integrar-se	e	vencer	a
situação	de	inferioridade	na	medida	em	que	ascendessem	aos	padrões	culturais
dos	colonizadores.	Se,	dessa	maneira,	o	dominador	não	conseguiu	erradicar
totalmente	a	cultura	nativa	pela	submissão	aos	padrões	europeus,	marginalizou-a
pela	minimização	ou	pelo	desconhecimento.
Assim,	desenvolveram-se,	paralelamente,	dois	tipos	de	cultura	no	Brasil:	uma
europeia,	elitista,	livresca;	outra,	nativa,	popular,	agráfica.	Nessa	medida,	educar
passou	a	significar	a	restrição	e	o	deslocamento	do	nacional	em	favor	da
imposição	cultural	estrangeira.	O	intelectual,	entre	nós,	passou	a	ter	a	função	de
importador	de	cultura.	Sem	questionamento	ideológico,	acolhia	as	soluções	pré-
fabricadas	no	estrangeiro.	Manejava	a	língua,	explorando-a	como	instrumento
persuasivo	e	recurso	ornamental,	mas	não	manipulava	as	ideias	que	recebia.	Em
relação	a	estas,	seu	papel	era,	apenas,	o	de	um	divulgador.
Em	sua	origem,	a	intelligentsia	brasileira	caracteriza-se	por	afastar-se	do
peculiarmente	brasileiro,	sendo	essa	a	condição	fundamental	que	assegurava	sua
legitimação	social	e	autorizava	seu	domínio	sobre	o	saber.	Quando	nosso
intelectual	voltava-se	para	sua	própria	terra	era	atraído	pelo	seu	lado	pitoresco.
Assumia,	assim,	comportamento	similar	ao	do	turista	que	fotografa
entusiasmado	os	traços	superficiais	de	uma	cultura	que	se	torna	sedutora	na
mesma	proporção	em	que	é	desconhecida.
O	escritor	brasileiro,	formado	pelo	pensamento	europeu,	via	seu	país	de	fora.
Sua	terra	lhe	era	tão	estranha	quanto	aos	professores	estrangeiros	que,	no	século
passado,	difundiam	nas	grandes	fazendas	de	café,	nas	casas-grandes	do	Nordeste
e	em	cidades	como	Rio	de	Janeiro,	São	Paulo,	Recife	e	Salvador,	a	cultura
europeia	que	se	constituía	na	ilustração	dos	cidadãos	brasileiros.
O	indianismo	romântico	atesta	o	distanciamento	entre	o	escritor	brasileiro	e	os
elementos	nativos.	Quando,	por	imposição	de	uma	tendência	estética	de	época,	o
escritor	romântico	foi	em	busca	da	cor	local,	só	pôde	manejá-la	como	elemento
decorativo	e	exótico.	Nosso	indianismo	não	foi	muito	além	de	palavras	pinçadas
no	léxico	indígena,	usadas	como	ornamentos	de	linguagem	que	indiciavam	uma
cultura	remota	e	misteriosa	para	o	próprio	autor.
Beletrista,	cultivador	de	excentricidades	vocabulares	e	da	sintaxe	arrevezada,	o
escritor	brasileiro	esteve,	por	muito	tempo,	afastado	do	povo	em	linguagem	e	em
ideias.	Desligado	das	bases	político-econômicas	do	país,	exibia	acriticamente	o
verbo	fluente	e	emotivo.
O	registro	das	peculiaridades	locais	está	presente	em	grande	parte	de	nossa
produção	literária.	Porém,	a	identificação	do	escritor	com	seu	meio,	através	da
sensibilidade	e	da	inteligência,	é	caso	pouco	comum	em	nossas	letras,	até
determinado	estágio,	e,	por	isso,	particulariza	e	dimensiona	a	produção
intelectual	de	Monteiro	Lobato	no	contexto	da	literatura	brasileira.	Observa
Lúcia	Miguel	Pereira,	ensaísta	brasileira,	que	nossa	literatura	manifesta	uma
divisão	entre	a	sedução	intelectual	estrangeira	e	o	anseio	de	se	nutrir	de	cultura
popular,	dualidade	que	existiria	na	base	dos	vários	surtos	regionalistas	da
literatura	brasileira.	Monteiro	Lobato	soluciona	essa	repartição	conciliando	o	que
é	nosso	e	as	inevitáveis	e	necessárias	contribuições	da	cultura	estrangeira.	Volta-
se	para	o	Brasil	sem	a	situação	paradoxal	de	brasileiro	que	descobre	o	exótico
dentro	de	seu	próprio	país.	Em	lugar	da	postura	entusiasmada	diante	dos	traços
de	brasilidade,	o	que	caracterizou	a	obra	de	tantos	“nacionalistas”,	encontra-se,
em	Lobato,	ao	lado	da	identificação	de	nossas	peculiaridades,	inquietude	perante
a	situação	nacional	nos	seus	diferentes	âmbitos.
Para	ele,	o	nacional	deixa	de	ser	pitoresco	para	ganhar	tipificação	humana	em
Jeca	Tatu,	personagem	polêmica,	causadora	de	inumeráveis	discussões,	na
medida	em	que	contrapunha	ao	ufanismo	da	paisagem	exuberante,	na	qual	se
havia	enxertado	o	indígena	belo	e	cavalheiresco,	a	subnutrição	de	um	tipo	que,
de	cócoras,	não	espera	nem	produz	nada	em	sua	vida	vegetativa.	Jeca	Tatu	passa
a	personificar	a	estagnação,	o	marasmo,	a	precariedade	da	vida	nacional,	a
aceitação	passiva	das	arbitrariedades	do	poder;	o	comodismo	que	prefere	tudo
perder	antes	de	esforçar-se	em	uma	tomada	de	posição.
Essa	tipificação	não	correspondia	às	expectativas	do	público	quanto	à	função	do
escritor,	numa	época	em	que	a	literatura	era	entendida	como	“sorriso	da
sociedade”.	Assumindo	a	responsabilidade	da	denúncia,	formulando	uma
audaciosa	advertência,	Monteiro	Lobato	estabelece	uma	ligação	entre	a	literatura
e	as	questões	sociais.
Dessa	natureza	é	o	nacionalismo	de	Lobato:	sem	ufanismos,	sem	patriotada,	o
olho	crítico	e	impiedoso	na	realidade	do	país,	a	inconformidade	com	os
problemas	da	sociedade	brasileira.	Sua	insatisfação	não	se	restringiu	à	denúncia
literária,	pois,	conforme	atestam	seus	biógrafos,	fundou	empresas	que	pudessem
dar	prosperidade	ao	país	através	da	exploração	do	ferro	e	do	petróleo.	Além
disso,	moveu	cruzadas	para	sensibilizar	as	autoridades	e	voltá-las	para	as
questões	que,	acreditava,	poderiam	trazer,	com	a	riqueza	material,	a	verdadeira
emancipação	do	país.	Essa	atividade	empresarial	e	política	dimensiona	o	perfil
desse	intelectual	que	não	cindia	a	reflexão	de	gabinete	e	a	ação	direta	na
sociedade.
Bem	distante	do	patriotismo	“ama,	criança,	a	terra	em	que	nasceste”,	deformado
pela	pieguice	que	impede	o	confronto	com	a	realidade,	Monteiro	Lobato
escandaliza,	assusta	e	ameaça	a	modorra	nacional.	No	bom-mocismo	acomodado
nas	salas	de	visita	literárias,	irrompe	a	figura	inquietante	de	um	escritor	que	não
aceitava	a	ingestão	passiva	das	modas	europeias	por	detestar	a	imitação,	que
questionava	os	modelos	do	sistema	e	tinha	outros	para	propor,	alguém	que	queria
puxar	fila	e	não	segui-la.	Monteiro	Lobato	é	a	nossa	vanguarda,	antes	de	essa
palavra	ganhar	asconotações	que	a	marcaram	a	partir	de	1922.
Vanguarda	que	não	seguia	nenhum	programa	já	estabelecido,	caracterizando-se
pelo	risco	da	inovação,	da	aventura	da	descoberta	pessoal.
O	revolucionário	na	obra	de	Lobato	ganha	maior	abrangência	na	literatura
infantil	que	ele	inaugura	entre	nós.	Rompendo	com	os	padrões	prefixados	do
gênero,	seus	livros	infantis	criam	um	mundo	que	não	se	constitui	em	reflexo	do
real,	mas	na	antecipação	de	uma	realidade	que	supera	os	conceitos	e	os
preconceitos	da	situação	histórica	em	que	é	produzida.	O	esforço	de
compreensão	crítica	do	passado	permite,	em	suas	histórias,	um
redimensionamento	do	presente	que,	por	sua	vez,	torna	possível	a	prospecção,	ou
seja,	o	olhar	para	o	futuro.	A	consciência	social	de	Lobato	levou-o	a	ter	um
cuidado	especial	com	o	leitor.	A	convicção	a	respeito	da	importância	da
literatura	no	processo	social,	a	visão	do	livro	como	um	meio	eficaz	de	modificar
a	percepção,	confere	ao	destinatário	um	lugar	particularmente	importante	em	seu
mundo	ficcional.
Hans	Robert	Jauss,	teórico	da	literatura,	postula	que	o	leitor	é	uma	força
histórica	e	criadora	e	que	uma	obra	pode	ser	apreciada	a	partir	do	papel	ativo	que
ela	possibilite	a	seu	destinatário.	É	através	do	leitor	que	a	obra	se	incorpora	ao
horizonte	de	expectativas	de	um	dado	grupo,	constituindo-se	em	agente	de
mudanças.	Nesse	sentido,	seria	possível	examinar	a	obra	de	Lobato	a	partir	da
produção	e	da	recepção	de	textos	literários	anteriores	e	contrapondo	a	eles	as
perguntas	que	a	obra	do	autor	paulista	suscita,	assim	como	as	respostas	que
fornece,	para	modificar,	assim,	as	expectativas	de	seu	leitor.	Tal	investigação
revelaria	o	caráter	emancipatório	de	sua	obra,	ou	seja,	a	função	desempenhada
pelo	universo	ficcional	lobatiano	na	formação	de	grupos	sociais,	mediante	a
capacidade	da	obra	de	mudar	o	limite	de	apreensão	do	mundo	de	seu	leitor.
A	leitura	dos	textos	de	Lobato	possibilita	uma	nova	experiência	da	realidade	em
que,	ao	mesmo	tempo	que	são	conservadas	as	vivências	já	adquiridas,
antecipam-se	possibilidades	a	serem	experimentadas.	É	dessa	maneira	que	o
universo	ficcional	lobatiano	propicia	novas	aspirações,	instiga	fins	e	pretensões
que	abrirão	caminho	a	experiências	futuras.	Fugindo	a	todo	moralismo	que
costuma	acompanhar	muito	de	perto	a	produção	do	livro	infantil,	sua	obra
incentiva	a	investigação	e	o	debate	sobre	questões	a	que	o	consenso	e	os	valores
estabelecidos	já	haviam	dado	resposta.	É	nessa	proporção	que	a	obra	extrapola
as	expectativas	de	seus	leitores,	caracterizando-se	pela	ruptura	com	a	moral
oficial,	com	os	preceitos	religiosos	e	com	as	normas	estatais.
Monteiro	Lobato	cria,	entre	nós,	uma	estética	da	literatura	infantil,	sua	obra
constituindo-se	no	grande	padrão	do	texto	literário	destinado	à	criança.	Estimula
o	leitor	a	ver	a	realidade	através	de	conceitos	próprios.	Apresenta	uma
interpretação	da	realidade	nacional	nos	seus	aspectos	social,	político,	econômico,
cultural,	mas	deixa,	sempre,	espaço	para	a	interlocução	com	o	destinatário.	A
discordância	é	prevista.
O	grande	desafio	das	personagens	de	Lobato	é	o	conhecimento,	é	por	meio	do
que	sabem	que	elas	se	impõem.	A	moralidade	tradicional	é	dissolvida,	o	grande
valor	passa	a	ser	a	inteligência.	A	esperteza,	habilidade	quase	maliciosa	da
inteligência,	é	igualmente	valorizada.	Emília,	sua	notável	personagem,	diz	em
certa	altura	da	obra:	“Aprendi	o	grande	segredo	da	vida	dos	homens:	a	esperteza.
Ser	esperto	é	tudo”.	É	essa,	também,	a	moral	de	muitas	de	suas	fábulas.
A	moral	de	Lobato	não	é	absoluta,	está	centrada	em	uma	verdade	individual.
Suas	personagens	seguem	uma	moral	de	situação	na	qual	a	liberdade	é	o	grande
valor.	Este	é	o	segredo	do	progresso	do	Sítio:	a	liberdade	e	a	criatividade	de	seus
habitantes.	O	mal	reside	na	ignorância,	no	subdesenvolvimento,	no	pensamento
encarcerado	em	valores	absolutos.
Literatura	nos	primeiros	anos
Partimos	da	afirmação	de	que	a	literatura	infantil	tornou-se	inseparável	da
questão	da	educação.	Consequentemente,	ela	se	vincula	com	a	prática	escolar,
mesmo	que	o	livro	infantil	se	afirme	como	literário,	na	medida	em	que	superar	o
interesse	dessa	e	de	outras	instituições.
Se	a	literatura	exerce	papel	no	desenvolvimento	linguístico	e	intelectual	do
homem,	razão	de	sua	inserção	nos	interesses	que	a	escola	propala	como	seus,
cabe	a	tentativa	de	explicitar	qual	poderia	ser	a	relação	da	literatura	com	a
criança	a	partir	do	início	da	escolaridade.
A	escola	chama	a	si	a	responsabilidade	de	ensinar	a	língua	escrita,
caracterizando	desse	modo	a	natureza	formal	desse	ensino,	ao	contrário	do	que
ocorre	com	a	apreensão	e	desenvolvimento	da	língua	oral.	O	desempenho	da
escola	a	esse	respeito,	devido	ao	caráter	formal	de	seu	exercício,	tem-se
inclinado	para	a	postura	mecanicista.	Considera	a	eficácia	do	ensino	da	língua
pelo	maior	ou	menor	domínio	das	regras	gramaticais.	Como	a	escola	só	trabalha
com	a	sistematização,	preocupa-se	com	um	desenvolvimento	verbal	a	ser
apreciado	através	da	escrita	do	aluno.	Nem	sempre	leva	em	conta	os	fatores	que
determinam	ou	estimulam	a	expressividade	verbal	que	a	instituição	escolar
gostaria	que	os	alunos	tivessem.
Há	uma	variação	individual	muito	grande	no	que	diz	respeito	à	expressão	verbal.
Se	há	falantes	muito	cônscios	das	estruturas	da	língua,	capazes	de	explorar	suas
potencialidades	e	recursos	expressivos,	há	outros	que	parecem	ter	consciência
apenas	de	algumas	palavras	e	de	seu	valor	imediato	de	troca.	Se	o	uso	rotineiro
da	língua	dá	coerência	e	estabilidade	à	expressão	verbal,	confirmando	as
estruturas	linguísticas	do	falante	e	de	seu	grupo,	por	outro	lado,	o
desenvolvimento	verbal	requer	uma	superação	das	fórmulas	linguísticas
correntes,	para	a	descoberta	de	si	e	do	mundo,	que	se	dá	além	da	nomeação
convencional.
A	maior	ou	menor	possibilidade	de	um	homem	dizer	o	mundo	e	se	dizer	está
ligada	ao	maior	ou	menor	desenvolvimento	de	sua	expressão	verbal.	Essa
variação,	por	sua	vez,	se	relaciona	com	outra,	a	da	consistência	da	atividade
linguística	básica.	Há	distinção	entre	atividade	linguística	primária	e	atividade
linguística	básica.	Ouvir	e	falar	são	atividades	linguísticas	primárias.	Jogos
verbais,	escrita	e	leitura	são	atividades	básicas.	A	distinção	está	assentada	na
espontaneidade	da	apreensão	das	primeiras	em	oposição	à	formalização	das
segundas.	Adquirir	consciência	do	aspecto	fonológico	da	língua	é	uma	das	pré-
condições	essenciais	para	a	aprendizagem	das	atividades	básicas.
A	manipulação	lúdica	dos	sons	da	língua	pela	criança,	fruição	do	sonoro
independentemente	do	significado,	constitui	parte	fundamental	do
desenvolvimento	linguístico.	Do	mesmo	modo	que	o	conhecimento	da	realidade
exterior	não	se	dá	sem	a	atividade	de	exploração	dos	objetos,	o	conhecimento
linguístico	não	prescinde	de	uma	atividade	com	a	língua	na	qual	esta	seja	tratada
como	objeto	material.	Aceito	esse	ponto	de	vista,	o	ludismo	sonoro	deixa	de	ser
visto	como	uma	inconsequência	infantil,	à	qual	se	pode	ser	indiferente,	para	ser
visto	como	parte	específica	da	habilidade	da	espécie	para	aprender	língua.
Nos	jogos	verbais,	a	criança	desloca	as	unidades	linguísticas,	da	relativa
transparência	de	seu	uso	na	comunicação	interpessoal,	para	a	opacidade	que
ganha	o	material	linguístico,	quando	é	tratado	como	brinquedo.	A	língua	é
transparente	quando	cumpre	a	função	comunicativa	de	deixar	claro	o	que	quer
dizer.	É	opaca	quando	a	clareza	cede	lugar	ao	jogo	e	ao	brinquedo.	Nesse
tratamento,	a	potencialidade	da	língua	de	transmitir	informações	é	neutralizada.
Prevalece	o	prazer	da	autoexpressão	e	da	liberdade	de	composição.	A	opacidade
linguística	é	mais	naturalmente	percebida	pelas	crianças.	A	atitude	adulta	mais
costumeira	em	relação	à	língua	é	de	vê-la	apenas	como	instrumento	de
comunicação,	sem	sensibilidade	para	perceber	elementos	linguísticos	que,	a
rigor,	não	sejam	instrumentais.	Salvo	os	poetas,	e	pessoas	com	educação
literária,	a	maior	parte	dos	adultos	parece	impedida	de	usufruir	amplamente	o
prazer	lúdico	verbal.	A	relação	lúdica	com	a	língua	exerce	função	importante	naintrodução	da	criança	no	universo	da	escrita.	Facilita	o	processo	estimulá-la	a
centrar	a	atenção	nos	meios,	ou	seja,	nas	formas	da	língua,	em	lugar	de	focar-se
apenas	nos	fins,	o	que	ocorre	quando	o	interesse	é	essencialmente	a
comunicação.
O	papel	importante	que	o	ludismo	exerce,	no	estímulo	à	expressão	verbal,
ocorre,	seja	no	momento	em	que	se	brinca	com	a	livre	união	dos	fonemas,	seja
quando	se	considera	o	efeito	de	dois	significados	considerados	simultaneamente,
alterando-se	partes	das	palavras	para	conseguir	novos	efeitos	ou,	ainda,	em	jogos
mais	elaborados	com	a	formação	e	a	transformação	das	palavras.
O	reconhecimento	da	importância	de	atividades	com	a	materialidade	da	língua,
durante	o	período	de	alfabetização,	como	meio	para	estimular	a	expressão,
geralmente,	leva	o	adulto	a	desejar	conduzi-la.	Mas	não	podemos	esquecer	que
tais	brincadeiras	são	tão	espontâneas	nessa	etapa	que,	com	a	intervenção	dos
adultos,	há	o	risco	de	o	brinquedo	perder	suas	características	e	valores	especiais.
A	interferência	de	um	professor,	por	exemplo,	deve	ser	cuidadosa,	para	não
inibir	a	brincadeira	que,	com	direção	e	reforço	externo,	pode	ter	frustrada	sua
gratuidade.
Uma	alternativa	à	manipulação	da	sonoridade	linguística,	para	estimular	a
percepção	do	meio	material	da	língua,	em	detrimento	do	fim	comunicativo,
surge	com	o	lugar	que	a	escola	pode	reservar	às	rimas,	quadras,	cantigas,	poemas
na	educação	infantil	e	durante	a	alfabetização.	Na	exploração	espontânea	da
língua	pela	criança,	a	referencialidade,	frequentemente,	se	torna	secundária,	o
que	privilegia	a	função	poética	da	linguagem.	É	atividade	prazerosa	descobrir	as
possibilidades	combinatórias	das	unidades	linguísticas	e,	ao	mesmo	tempo,
perceber	em	que	medida	funciona	a	sujeição	às	regras	que	ela	está,	igualmente,
descobrindo.
A	poesia	infantil,	de	início	apresentada	oralmente,	irá,	de	modo	gradual,
possibilitar	o	contato	da	criança	com	seu	suporte:	o	livro.	A	versificação,	nessa
etapa,	se	insere	no	mundo	infantil	como	mais	um	jogo,	continuidade	de	uma
manipulação	das	unidades	linguísticas	já	iniciada,	e	na	qual	o	significado	não
tem	primazia.	A	poesia	infantil	estrutura-se	de	modo	a	não	se	enquadrar	com	as
soluções	convencionais	da	língua	e,	fundamentalmente,	não	entrega	um	sentido
habitual,	de	onde	seu	caráter	de	descoberta,	de	apresentação	de	novas
articulações.
Portanto,	a	leitura	de	textos	poéticos	à	criança	em	fase	de	alfabetização,	não	só	a
aproxima	ao	livro	como	fonte	de	conhecimento	e	prazer,	como	exerce	papel
importante	na	formação	da	expressão	verbal.	O	texto	criativo	tem	como
característica	fundamental	a	surpresa	causada	pelas	relações	que	estabelece	no
plano	da	composição	e	do	sentido.	Essa	surpresa	apresenta	novas	conexões	para
a	consciência,	forma	elos	e	aproxima	objetos	cujos	vínculos	eram	insuspeitados.
A	produção	da	surpresa	criativa	demanda	um	grande	domínio	do	meio.	Sua
recepção,	por	outro	lado,	garante	o	deslocamento	da	atenção,	que	deixa	em
segundo	lugar	a	utilidade	do	fim,	privilegiando	os	recursos	expressivos	que	o
suportam.
Se	esses	fatores	dimensionam	o	lugar	da	poesia	nessa	fase	do	desenvolvimento
linguístico,	outros	indicam	a	importância	da	história	infantil.	Na	primeira
infância,	há	uma	estreita	ligação	entre	percepção	e	afeto,	sendo	a	percepção	o
primeiro	momento	de	uma	reação.	Assim,	a	percepção	é,	nos	primeiros	anos,	um
estímulo	para	a	atividade.	Pela	percepção,	que	não	é	dissociada	de	atividades
afetiva	e	motora	na	formação	da	consciência,	a	criança	conhece	o	mundo
exterior.
Em	contato	com	a	história,	no	entanto,	a	criança	percebe	uma	coisa,	mas	não	age
de	acordo	com	essa	percepção.	A	narrativa	de	que	há	um	perigo	iminente
ameaçando	as	personagens	não	faz	com	que	a	criança	se	esconda.	Essa
independência	entre	o	que	é	percebido	e	a	ação	é	fruto	de	um	longo	processo	de
desenvolvimento.	As	ações	narradas	referem-se	a	uma	situação	que	ela	não	vê,
apenas	concebe	no	imaginário.
É	na	idade	pré-escolar	que,	por	primeira	vez,	se	encontra	uma	divergência	entre
a	visão	e	o	significado.	No	brinquedo,	a	atividade	do	pensamento	desliga-se	dos
objetos	e	a	ação	brota	mais	de	ideias	que	de	coisas.	Essa	separação	entre	a
matéria	percebida	e	o	pensamento	se	dá	quando,	por	exemplo,	uma	porção	de
tecido	passa	a	ser	um	bicho	ou	uma	boneca	e	uma	varinha	pode	se	tornar	um	raio
ou	um	cavalo.	Nesse	procedimento,	a	criança	obedece	a	regras	determinadas	por
ideias	e	não	por	objetos.	Brincar	é	um	estágio	de	transição	que	prepara	o
momento	em	que	a	varinha	será	a	barra	que	separa	o	significado	de	cavalo	de	um
cavalo	real.	Nessa	altura,	chega-se	a	um	momento	determinante	da	relação	da
criança	com	a	realidade.	No	brinquedo,	ela	opera	com	um	significado	separado
dos	objetos	e	ações,	ao	contrário	do	que	ocorre	na	sua	relação	com	objetos	reais.
É	o	que	faz	do	brinquedo	um	intermediário	entre	as	imposições	de	situação	da
primeira	infância	e	um	pensamento	que	abstrai	das	situações	reais.	Portanto,	o
brinquedo	é	um	estágio	de	transição	vital	para	operar	com	o	significado.
Brincando,	a	criança	faz	uso	inconsciente	e	espontâneo	da	possibilidade	de
separar	significado	e	objeto.
Esse	início	de	abstração,	que	ocorre	quando	é	criada	uma	situação	imaginária
com	o	brinquedo,	tem	continuidade	no	pacto	de	suspensão	da	descrença,	que
fazemos	todos	nós,	adultos	ou	crianças,	diante	de	um	conto,	romance,	filme,
novela,	como	condição	para	que	ingressemos	no	mundo	ficcional	e	sejamos
afetados	por	ele.	Logo,	histórias	infantis,	situações	ficcionais	dão
prosseguimento	a	essa	experiência	não	fortuita,	na	vida	da	criança,	que	é	a
simulação,	primeira	tentativa	de	emancipar-se	das	imposições	do	meio.	Através
da	história,	é	a	dimensão	simbólica	da	linguagem	que	é	experimentada,	assim
como	sua	conjunção	com	o	imaginário	e	com	o	real.
É	amplamente	conhecida	a	importância	existencial	das	narrativas	clássicas	para
as	crianças.	A	apresentação	sintética,	simbólica	e	essencial	de	conflitos	que
atingem	as	personagens	nos	contos	de	fadas	permite	aos	ouvintes	a	elaboração,
igualmente	simbólica,	dos	seus.	Desse	modo,	os	contos,	clássicos	ou	populares,
facultam,	não	só	a	identificação,	como	também	possibilitam	uma	prospecção,	ou
seja,	a	reformulação	das	expectativas	pela	apresentação	de	perspectivas	novas.
Trata-se	de	discursos	que	encontram	ampla	receptividade	por	parte	do	público
infantil	–	o	que	seria	ingênuo	considerar	gratuito	–	e	constituem-se	em	ponte
entre	as	vivências	lúdicas	pré-escolares	e	as	experiências	que	a	escola	pretende
facultar.
O	acompanhamento	de	ações	imaginárias,	relatadas	mediante	o	simbolismo	da
linguagem,	além	do	divertimento,	permite	uma	reordenação	afetiva	e	intelectual
das	vivências,	que	respondem	às	necessidades	infantis.	Isso	não	se	restringe	ao
fato	de	a	história	provocar	reações	afetivas	individuais.	O	espectro	é	mais	amplo.
A	narrativa	ficcional	possibilita	que	tendências	afetivas	sejam	generalizadas	por
meio	da	simbolização.	Por	exemplo,	a	criança	vivencia	determinada	relação	com
o	pai,	que	é	uma	circunstância	dela.	Pode	ser	que	ela	imagine	que	ninguém	vive
nada	similar.	Numa	história,	porém,	ela	pode	ver	representada	uma	relação	entre
pai	e	filho	de	um	modo	com	o	qual	ela	pode	se	identificar,	ao	mesmo	tempo	em
que	ganha	certo	distanciamento	para	apreciá-la.	As	histórias	contêm	um	caráter
de	exemplaridade	que	–	atenção!	–	não	é	moral,	mas	demonstrativa.	Então,	ao
ouvir	ou	ler	uma	história,	algo	que	existia	apenas	dentro	de	mim	pode	transpor
essa	interioridade	e	ser	localizado	exteriormente,	como	situação	vivida	por
outras	pessoas	que,	é	possível,	respondam	a	ela	de	diferentes	maneiras.
A	poesia	e	a	narrativa	oferecem	à	criança	em	fase	de	alfabetização	a
oportunidade	de	experimentar	a	potencialidade	linguística,	descobrindo	as
diversas	possibilidades	de	nomeação	que	mediará	sua	exploração	e	entendimento
do	mundo.	O	livro	e	a	leitura,	apresentados	à	criança	nos	seus	primeiros	anos,
podem	apresentar	a	ela	uma	sedutora	razão	para	o	esforço	empreendido	no
processo	de	alfabetização.	O	papel	da	literatura	nos	primeiros	anos	é
fundamental	para

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