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Trajetória dos Batistas em Santo Antônio

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Jorgevan Alves da Silva
BATISTAS
SUA TRAJETÓRIA EM SANTO ANTÔNIO DE JESUS
O FIM DO MONOPÓLIO DA FÉ NA TERRA DE PADRE MATEUS
2018
CONTATO COM O AUTOR:
Celular: 75 98803-8122 (WhatsApp)
75 99165-2287
E-mail: jorge.van@hotmail.com
mailto:jorge.van@hotmail.com
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Silva, Jorgevan Alves da
Batistas, sua trajetória em Santo Antônio de Jesus: o fim do monopólio da fé na terra do Padre Mateus, 2018. São Paulo.
Fonte Editorial
ISBN 9781073742134 (Versão Kindle)
1. Batistas 2. Santo Antônio de Jesus 3. Catolicismo e movimento evangélico 4. Pe.
Mateus Vieira de Azevedo
Versão Impressa (Editora FONTE EDITORIAL)
Capa e Diagramação
Eduardo de Proença
Revisão
Cessar Cruz
Editor Responsável
Eduardo Proença
Conselho Editorial:
Profa. Dra. Sandra Duarte de Souza
Universidade Metodista de S.Paulo (UMESP)
Prof. Dr. Luiz Alexandre Solano Rossi
PUC-PR
Profa. Dra. Elaine Sartorelli
Universidade de São Paulo - USP
Prof. Dr. Frederico Pieper
Universidade Federal de Juiz de Fora
Prof. Dr. Andrés Torres Queiruga
Universidade de Santiago de Compostela
Prof. Dr. Helmut Renders
Universidade Metodista de S.Paulo (UMESP)
Prof. Dr. Ricardo Quadros Gouvêa
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dr. Ronaldo de Paula Cavalcante
Faculdade Unida
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, de qualquer forma ou meio eletrônico e mecânico, inclusive por meio
de processos xerográficos, sem permissão expressa do autor e/ou da editora. (Lei nº 9.610 de 19.2.1998)
DEDICATÓRIA
Àqueles que sendo mártires ou incógnitos;
Compreendidos ou criticados;
Perseguidos ou acompanhados...
Escreveram as linhas desta História.
AGRADECIMENTOS
Primeiro e sobretudo agradeço a Deus, “porquanto é o Senhor quem concede sabedoria, e
da sua boca procedem a inteligência e o discernimento” (Provérbios 2.6).
Sou grato ainda:
A Solange, minha esposa; meus pais, irmãs, demais familiares e amigos;
À Primeira Igreja Batista em Santo Antônio de Jesus [PIBSAJ], seus membros e pastores;
e à Igreja Batista Betânia [IBB].
LISTA DE ABREVIATURAS
ABB – Associação Batista Brasileira
A.C. – Antes de Cristo
A.D. – Anno Domini (ano do Senhor)
AL – Alagoas
APIBB – Arquivo Particular Igreja Batista Betânia
APMSAJ – Arquivo Público Municipal de Santo Antônio de Jesus
APPIBSAJ – Arquivo Particular da Primeira Igreja Batista em Sto.
Antônio de Jesus
BA – Bahia
BRA – Brasil
CBB – Convenção Batista Brasileira
CBBA – Convenção Batista Baiana
D. – Dona
D.C. – Depois de Cristo
Dr. – Doutor
EBD – Escola Bíblica Dominical
EUA – Estados Unidos da América
IBB – Igreja Batista Betânia
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
JJJ – João-Jordão-Jerusalém
JUERP – Junta de Educação Religiosa e Publicações
OJB – O Jornal Batista
OPBB – Ordem dos Pastores Batistas do Brasil
Pe. – Padre
PE – Pernambuco
PIBB – Primeira Igreja Batista da Bahia / Primeira Igreja Batista do Brasil
PIBSAJ – Primeira Igreja Batista em Santo Antônio de Jesus Pr. – Pastor
Rev. – Reverendo
SAJ – Santo Antônio de Jesus
Srta. – Senhorita
STBNB – Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil
Sumário
PREFÁCIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I: MUNDO CRISTÃO E A FORMAÇÃO DOS TRABALHOS BATISTAS NO BRASIL
1. Da Origem do Cristianismo ao Surgimento dos Batistas
1.1 A Reforma Protestante e a Origem dos Batistas
2. Que Povo é Esse? – Construindo a Identidade Batista
3. Os Batistas na América e a Vinda Para o Brasil
3.1 Santa Bárbara D’Oeste ou Salvador, Qual o Marco Inicial?
3.2 Início do Trabalho Missionário Batista no Brasil
CAPÍTULO II: DA “BAHIA” PARA SANTO ANTÔNIO DE JESUS: A CIDADE, A IGREJA E ALGUMAS
HISTÓRIAS.
1. Um Pouco da Cidade Hoje e Ontem
1.1 A Capela do Padre Mateus e a Criação da Cidade
2. Santo Antônio [PRECISAVA] de Jesus
2.1 O Uso da Memória na História dos Batistas em Santo Antônio de Jesus
2.2 Os Primeiros Batistas Chegam na Cidade
2.3 Capitão Egídio, “Um Príncipe em Israel”
3. E a Igreja Criscia: o Processo de Formação da Igreja Batistas em Santo Antônio de Jesus
4. “Estes Que Têm Alvoraçado o Mundo, Chegaram Também Aqui”: Conflitos, Perseguições e Resistências
4.1 Resistências e Perseguições na Terra do Padre Mateus
CAPÍTULO III: O COTIDIANO DA IGREJA: O RIGORISMO BATISTA, A LIDERANÇA MASCULINA E A
“QUESTÃO RADICAL”
1. O Rigorismo Batista: Influências e Interferências na Vida Privada
2. Liderança Masculina: e as Senhoras, onde estavam?
3. A “Questão Radical”: Uma História [RE]Velada
3.1. Raízes do Movimento no Cenário Nascional
3.2. Enquanto Isso, em Santo Antônio de Jesus...
3.2.1. José Barretto: Um Líder Radical em Santo Antônio de Jesus
3.2.2 A Semente Estava Plantada: Crescia o Partidarismo
3.3.3 O Cisma e Seus Resquícios Permanentes
3.2.3.1 Patrimônio Imaterial: A quem Pertence?
3.2.3.2 Encontros e Desencontros em Uma Relação de Conflitos
CONCLUSÕES
FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PREFÁCIO
O crescimento numérico dos grupos protestantes no Brasil tem despertado o interesse
para ampliar investigações de cientistas sociais e historiadores, as quais ressaltam a
relevância dos reformados para a formação cultural do País. Este livro de autoria do
historiador Jorgevan Silva, intitulado Batistas sua trajetória em Santo Antônio de Jesus:
o fim do monopólio da fé na terra do Padre Mateus, que ora apresentamos aos leitores é
resultado de uma dissertação de Mestrado, avaliada pela banca examinadora como um
estudo relevante sobre a presença da Denominação Batista no Brasil, particularmente na
cidade de Santo Antônio de Jesus, Recôncavo baiano.
O historiador Jorgevan Silva com esta obra, ancorada na linha da História das
Religiões, acrescenta não apenas informações sobre os Batistas, mas o conhecimento sobre a
cidade de Santo Antônio de Jesus, as relações econômicas e sociais entre 1890 a 1940,
período de profundas transformações políticas no Brasil. O autor aborda a trajetória da
Denominação Batista em Santo Antônio de Jesus e os conflitos enfrentados com a instalação
da Primeira Igreja Batista, na cidade do Padre Mateus, hegemonicamente católica. Conflitos
e polêmicas advindos do proselitismo dos batistas e da resistência dos católicos em aceitar
um novo grupo concorrente no campo religioso local.
A Primeira Igreja Batista do Brasil instalou-se na Bahia em 1882, sob os auspícios de
missionários estadunidenses do sul dos EUA. Menos de uma década depois já expandiam
suas doutrinas no território baiano e localidade de Santo Antônio de Jesus tornou-se
referência. Segundo o autor, o que despertou o interesse dos missionários para a
evangelização na cidade foi sua localização, que favorecia a estratégia missionária.
“Localizada no centro de diversos municípios, após o início dos trabalhos de evangelização
ficou como ponto de apoio para os missionários, que avançaram rumo a vilas e cidades da
região, como Laje, São Miguel das Matas, Ubaíra, chegando a locais mais distantes, a
exemplo de Jequié e Vitória da Conquista”.
Em uma narrativa fluente e agradável ao leitor, baseado em documentos da
comunidade religiosa, fontes iconográficas e oficiais do município, o autor aborda a
expansão da comunidade batista na cidade, a conversão de homens e mulheres católicos, que
se filiavam à Igreja Batista de Santo Antônio de Jesus. A pregação batista atingiu várias
camadas sociais, inclusive pessoas vinculadas às elites e famílias tradicionais da região, a
exemplo do Secretário da Intendência Manoel Ignácio Sampaio, posteriormente o primeiro
pastor efetivo da Primeira Igreja Batista de Santo Antônio de Jesus, propiciando visibilidade
e respaldo para as atividades proselitistas dos líderes batistas.
A Denominação Batista no Brasil também viveu o seu processo de independência
institucional da Junta Missionária dos EUA, o qual foi precedido na Bahia pela fundação da
Igreja Batista do Garcia em 1910 e posteriormente a Missão Batista Independente. As
disputas de poder também repercutiram na Primeira Igreja Batista de Santo Antônio de
Jesus. O autor analisa de forma clara essas querelas, que ocasionaram a divisãointerna da
comunidade batista em dois grupos: fiéis favoráveis e fiéis contrários à liderança dos
missionários estadunidenses. Embates que demonstram o governo congregacional e a
consolidação das doutrinas batistas na sociedade santantoniense e brasileira.
Batistas, sua trajetória em Santo Antônio de Jesus: o fim do monopólio da fé na
terra do Padre Mateus, se constitui em leitura imprescindível para interessados em
conhecer a historiografia da Denominação Batista em Santo Antônio de Jesus e no Brasil, as
disputas no campo religioso local, bem como os meandros administrativos e o pensamento
batista. Obras com este perfil são fundamentais para fomentar o debate sobre a História
Regional, as interfaces entre a religião e o desenvolvimento das cidades do vasto território
brasileiro.
Jorgevan Silva apresenta nesta primorosa obra, reflexões necessárias tanto para os
especialistas, quanto para os leitores em geral. Em tempos de recrudescimento da
intolerância religiosa no mundo e no Brasil, o conhecimento sobre os conflitos do século
passado pode contribuir para não repeti-los, em busca da alteridade e de uma cultura
ecumênica da paz. Recomendamos a todos e todas ler e compartilhar este livro.
Feira de Santana, 28 de julho de 2018.
DRA. ELIZETE DA SILVA
Profa. Titular Plena da UEFS.
INTRODUÇÃO
Na última década do século XIX quase tudo era precário nas cidades interioranas da
Bahia. Era precária a comunicação entre pessoas de localidades diferentes; eram precários os
meios de transportes; também era precária a vida dos sertanejos assolados pelas secas.
Manoel Zeferino de Medeiros conheceu isso de perto, naquela época morava com sua
família em Santana do Camisão, hoje cidade de Ipirá, região sertaneja da Bahia, que passava
por mais um período de estiagem e seca rigorosa.
Antes de sair de Valença em meados da década de 1880 para ir morar em Santana do
Camisão, Zeferino conheceu o missionário batista Z. C. Taylor, o então pastor da recém
Igreja Batista da Bahia, organizada pelos missionários norte-americanos no ano de 1882. Em
contato com o missionário, Zeferino se tornou um crente batista.
Talvez tenha sido a nova crença, cercada de fé no auxílio constante de Jesus em favor
de seus fiéis, mensagem tão apregoada pelos batistas, que tenha levado a esposa de Zeferino,
durante aquela seca na região, a lhe propor um desafio enquanto lia num jornalzinho notícias
sobre a cidade de Santo Antônio de Jesus. Dona Cecília de Medeiros desafiou o marido sair
com a família da localidade de Santana do Camisão em busca de uma vida melhor em outra
região.
– Mas mulher, como poderemos ir para um lugar que não conhecemos ninguém? – É
preciso fé Zeferino, é preciso fé! Vamos para Santo Antônio de Jesus, que Jesus nos ajuda.
Lá conversaremos com o professor Narciso para providenciar uma morada para nós.
Segundo a narrativa de Isaías Alves no livro Matas do Sertão de Baixo, teria sido mais
ou menos esse o teor da conversa entre o casal.1
O contexto em que vivia o senhor Zeferino e sua família, aparentemente com diversas
restrições inclusive de água e alimentos, o forçou a migrar da região em que estava, em
direção a Santo Antônio de Jesus. Foi a precariedade da vida que fez com que Zeferino se
sujeitasse a outras precariedades da época.
Convencido pela mulher, Zeferino decidiu dar um novo rumo para a vida de sua
família. Fugindo da seca que assolava a região, ele e a esposa com seus seis filhos e dois
enteados, partiram de Santana do Camisão para a cidade de Santo Antônio de Jesus.
A precariedade nos meios de transportes fez aquela família viajar por cerca de 210 km,
grande parte montada em pelo de animal e em outros momentos seguiam a pé, até chegarem
ao destino. A precariedade na comunicação lhes pregaria uma peça, pois se pudessem se
comunicar com antecedência com o professor Narciso, certamente não seriam surpreendidos
com a negativa de um aposento, embora o professor tenha providenciado casa para ficarem
na região de Vargem Grande, que pertencia a Santo Antônio de Jesus.
A conjuntura em que a família Medeiros estava inserida, enredou a vinda dos
primeiros crentes batistas para a cidade de Santo Antônio de Jesus. Inicialmente foram
instalados em Vargem Grande [atual Varzedo] e pouco tempo depois, devido as
perseguições iniciadas contra a família por causa das pregações do Evangelho, tiveram que
deixar a vila para fixar residência na cidade, dando forma embrionária a Igreja Batista que
seria organizada em fins do século XIX com o apoio dos missionários norte-americanos.
Foi assim que chegaram os primeiros protestantes, crentes batistas, em Santo Antônio
de Jesus, antiga Capela do Padre Mateus. A partir do nosso contato com fontes sobre a saga
da família Medeiros e História dos Batistas na cidade, nos convencemos da importância que
um estudo sobre este grupo poderia trazer para a História, através de uma pesquisa no
âmbito da religião e religiosidade.
Nos últimos anos nota-se que o interesse por estudos sobre assuntos da religião tem
encontrado destaque no cenário mundial, diversas pesquisas vêm sendo realizadas, como
forma de entender os vários e novos fenômenos neste campo de estudo. Elizete da Silva
destaca que “vive-se hoje um pluralismo religioso onde a religião não é mais herdada, o
sentimento religioso é algo a ser buscado, práticas construídas de vários fragmentos difusos
ou de sistemas mais ou menos institucionalizados”.2
Embora o estudo sobre religião e religiosidade tenha vasta quantidade de títulos em
todo o País, na região estudada, ainda não havia nenhum trabalho com a abordagem sobre o
tema, ficando evidenciado uma lacuna na História Local, que necessitava ser preenchida
através de um trabalho com a proposta de analisar a origem dos protestantes e os conflitos
gerados a partir da chegada de uma nova doutrina para disputar o mesmo espaço, até então
de exclusividade da Igreja Católica.
Acreditamos que o estudo sobre a História dos Batistas em Santo Antônio de Jesus
tem significativa relevância para as diversas esferas da sociedade. No âmbito da
religiosidade, a pesquisa, além de proporcionar aos Batistas a possibilidade de conhecerem
suas origens, explica fatos importantes, e até então desconhecidos, sobre como foram
organizadas a Primeira Igreja Batista em Santo Antônio de Jesus e a Igreja Batista Betânia
[uma no final do século XIX e a outra na década de 1920] e suas participações em eventos
importantes da denominação no cenário nacional. Além disso, ao longo de nossa narrativa,
personagens comuns e incógnitos ganharam vida, para, de forma inspiradora, conduzir
batistas da atualidade à conscientização de que homens e mulheres comuns são agentes da
História, tão importantes quanto aqueles que foram eleitos como heróis pela História oficial
da Denominação.
A pesquisa também proporciona às demais comunidades religiosas e a sociedade em
geral, vislumbrarem indicativos para a construção do conjunto de princípios e características
peculiares que formam a identidade Batista, proporcionando uma reflexão sobre quem são e
o que os diferenciam de outros grupos, rompendo com o conceito simplista e limitado de que
o ser Batista é apenas declarar a crença na existência de um Deus e de seu Salvador. Na
abordagem sobre quem são e no que creem, são apontados elementos para a construção do
pensamento e identidade dos Batistas, evidenciando que ser batista é ser um cidadão
pertencente a uma determinada população, com papel, função e conceitos que defendem e
pelos quais declaram viver.
A cidade de Santo Antônio de Jesus, recorte espacial onde o objeto da pesquisa foi
estudado, é nacionalmente conhecida e possui destaque no cenário estadual. Os esforços de
políticos locais e de sua própria população têm servido para difundir o título, por eles criado,
de Capital do Recôncavo. Localizada no Recôncavo baiano, está a 190 km da capital e tem
uma população atual que ultrapassa os 100 mil habitantes.
Definimos como delimitação temporal o período de 1890 e 1940, um transcurso de 50
anos. Os dois limites são bastantesignificativos para a História dos Batistas na localidade. O
ano de 1890 está ligado a vinda da família Medeiros, primitivos crentes batistas da cidade,
chegados, seguramente, entre os anos de 1890 e 1892, que gerou a Igreja Batista em forma
embrionária, para posterior organização no ano de 1898. Já o ano de 1940 foi escolhido para
uma melhor análise da participação dos batistas locais no episódio que ficou conhecido
como a “Questão Radical”.
Embora para a Denominação Batista, este movimento tenha encerrado no ano de 1926,
suas sequelas perduraram por vários anos e em Santo Antônio de Jesus, conforme nos revela
a pesquisa, manteve-se com grande vigor até o ano de 1938, e após isso foi sendo arrefecido
gradativamente, mas com certa força até a década de 1970. Contudo, ainda hoje, quase 100
anos após o cisma, há questões que parecem apenas adormecidas e latentes, porém vivas no
sentimento de membros das igrejas envolvidas, conquanto tudo indique que não exista
nenhuma possibilidade das motivações daquele movimento gerarem atualmente alguma
querela entre as igrejas batistas locais.
Ao longo da pesquisa buscamos responder diversas questões sobre a origem e
cotidiano dos batistas na comunidade. Para isso dividimos a pesquisa em três capítulos
distintos, onde foram abordadas questões como a origem dos Batistas; características de sua
identidade; a chagada ao Brasil; instalação da Primeira Igreja em Salvador; expansão para o
interior da Bahia e fundação da Igreja em Santo Antônio de Jesus; a relação com a
comunidade, o cotidiano, o desenvolvimento e a participação da Igreja em diversos
momentos históricos da Denominação no Brasil até o ano de 1940.
Ainda que exista significativa quantidade de pesquisas sobre a origem dos Batistas,
percebemos que nas últimas décadas, o tema não tem sido destacado, por isso, como forma
de contribuição e na perspectiva de auxiliar leitores iniciantes, bem como estimular a
discussão sobre um tema ainda controverso, incluímos no capítulo I uma análise sobre as
correntes da origem dos Batistas; sua cosmovisão, com base nas doutrinas que defendem;
breve enfoque na vinda do grupo para o Brasil através do protestantismo de imigração e
posteriormente com o protestantismo de missão, que deu origem a evangelização e formação
de Igrejas Batistas no Brasil.
O capítulo II, centra-se no estudo regional, com foco no município de Santo Antônio
de Jesus, apresentando como a cidade foi criada e a forte relação entre sua origem e o
catolicismo; o cenário que antecede a chegada dos missionários; a chegada dos protestantes
na cidade e a resistência que encontraram, incluindo o primeiro conflito, que envolveu um
Capitão da Guarda Nacional descontente pela conversão de seu irmão às doutrinas batistas, e
que por isso teria ameaçado arrancar a cabeça do senhor Medeiros. Como veremos, o
desfecho deste caso ficou marcado na História dos Batistas no Brasil e ainda é lembrado pela
Denominação mesmo passados mais de 120 anos.
Enquanto no capítulo II lançamos um olhar para o exterior, ou seja, de dentro para
fora, na perspectiva de entender como se deu o relacionamento da comunidade com a Igreja,
no capítulo III nosso olhar é para o interior, com o fim de perceber o cotidiano, a
participação em atividades e os conflitos vivenciados pelo grupo dentro da própria
Denominação.
A grande quantidade de atas e outros documentos no arquivo da Primeira Igreja
Batista em Santo Antônio de Jesus, permitiu criar uma percepção do cotidiano dos primeiros
membros da Igreja; a relação dos fiéis com o governo da Igreja3; bem como pontuar as
interferências e influências que a Igreja exercia na vida privada dos membros, além de fazer
uma análise sobre o “lugar da mulher” nas primeiras décadas do século XX no ambiente
religioso.
O capítulo III é concluído com um dos momentos da História dos Batistas, mais
evitados por pesquisadores confessionais: a “Questão Radical”, Movimento do Norte ou
Movimento Radical, como ficou conhecido. Apesar de ter sido um Movimento iniciado em
Pernambuco, alcançou todo o Nordeste, e teve na cidade de Santo Antônio de Jesus uma
espécie de reduto dos “Construtivos”,4 pois naquela época o missionário norte-americano
M. G. White, um dos que mais resistiu ao Movimento, além de ser o coordenador das
Missões Batistas na Bahia, também era o pastor da Primeira Igreja Batista em Santo Antônio
de Jesus, interinamente. Há nos arquivos da Igreja diversos documentos sobre a questão,
incluindo cartas e bilhetes que trataram especificamente sobre o assunto. O envolvimento da
Igreja com a Questão Radical culminaria com uma cisão que deu origem a outra Igreja
Batista, no ano de 1924, e que permanece ativa até os dias atuais.
____________
Notas
1 ALVES, Isaías. Matas do Sertão de Baixo. Salvador: EDUNEB, 2010. p. 261
2 SILVA. Elizete da. Cidadãos de Outra Pátria Anglicanos e Batistas na Bahia. Tese de Doutorado – USP. São Paulo, 1998.
p. 15.
3 Para um melhor entendimento, queremos destacar aqui o conceito de Igreja para os batistas. É imperioso dizer que para os
batistas igreja não é um prédio, embora frequentemente eles mesmos façam uso do termo igreja para associar ao templo
onde ocorrem as reuniões de cultos. Dentro da eclesiologia, os batistas admitem dois entendimentos para o conceito de
igreja: a Igreja Universal e a Igreja local. A primeira faz referência ao conjunto de todos crentes regenerados em todas as
épocas e lugares, também chamada de o Corpo de Cristo. Já a Igreja local, seria a materialização da Igreja Universal em
determinado tempo e época, ou seja, enquanto a primeira é invisível e universal, a segunda é histórica, local e temporal.
Recomendamos leitura do livro “’...nós os Batistas...’ Um estudo de história das mentalidades”, de Marli Geralda Teixeira,
capítulos 1 e 2, onde a autora faz uma análise sobre os conceitos de igreja a partir do ponto de vista Batista.
4 A Questão Radical, como ficou conhecido o movimento de líderes batistas brasileiros em oposição aos missionários
norte-americanos, teve dois “partidos”: Os Radicais, como foram nominados os líderes brasileiros pelos missionários norte-
americanos, e os Construtivos, como os próprios norte-americanos se auto intitulavam.
CAPÍTULO I
O MUNDO CRISTÃO E A FORMAÇÃO
DOS TRABALHOS BATISTAS NO BRASIL
1. DA ORIGEM DO CRISTIANISMO AO
SURGIMENTO DOS BATISTAS
Desde o surgimento dos Batistas até a organização de uma Igreja na cidade de Santo
Antônio de Jesus, foi uma longa jornada. Vindos da Europa para as Américas, inicialmente
organizaram igrejas na Nova Inglaterra na terceira década do século XVII. A origem da
primeira Igreja Batista em solo americano é atribuída ao pastor Roger Williams, que veio da
Inglaterra durante o governo de Carlos I, quando cristãos que professavam fé diferente do
Anglicanismo, que era a religião oficial do país desde 1604, estavam sendo perseguidos.
Ainda que tenha encontrado alguma resistência na América do Norte, o pastor Roger
Williams conquistou seguidores e os batistas alcançaram desenvolvimento notável nos EUA.
Após a organização de igrejas em vários estados, criaram instituições que proporcionaram o
envio de missionários a diferentes países para a difusão de suas doutrinas e organizações de
novas igrejas.
Os Batistas representam uma das várias denominações de origem cristã. Por isso,
ainda que o cristianismo tenha uma vasta literatura publicada, acreditamos ser importante
uma abordagem em linhas gerais de dois dos principais fatos históricos da Igreja Cristã antes
dos Batistas entrarem em cena na História: a conversão de Constantino e a Reforma
Protestante.
Tudo começa com o nascimento de Jesus Cristo, e ainda que para a História os
acontecimentos que cercam o nascimento, vida e morte de Jesus sejam controversos e cheios
de mistérios, não há como negar sua influência na história da humanidade. O historiador
Geoffrey Blainey, a partir de uma visão cristã ocidental da História, diz que mesmo que não
se saiba a data exata deste evento, o nascimento de Jesus Cristo “foi e ainda é consideradoum acontecimento importante. Ao ser criada a cronologia atualmente adotada no mundo,
escolheu-se o ano presumido desse nascimento”.1
Por outro lado, há pesquisadores como Karl Kautsky, que desqualificam as principais
fontes da época. Para ele, além das fontes pagãs terem sido adulteradas, “os autores dos
Evangelhos eram homens extremamente ignorantes; suas ideias relativas ao assunto sobre o
qual escreviam eram completamente errôneas”.2 Mas a maioria dos pesquisadores têm
posicionamento diferente, aceitam como válidas estas fontes e se apoiam nas narrativas da
época para defender, que desde sua origem o cristianismo passou a influenciar
comportamentos e por isso, as autoridades religiosas e políticas [o Sinédrio dos Judeus e o
Império Romano] começaram as perseguições que por pouco não extinguiu o movimento
iniciado por Jesus.
As primeiras décadas da era cristã foram marcadas pela adesão de milhares de pessoas
a nova religião, proporcionando a expansão do cristianismo. Na mesma proporção que
crescia o número de adeptos, crescia também as perseguições aos cristãos dos primeiros
séculos. Paul Johnson defende que “não houve um período de tranquilidade na história da
Igreja. Em sua primeira geração, por muito pouco não foi reabsorvida pelo judaísmo”.3 As
perseguições perduraram por mais de trezentos anos, até que no século IV o destino do
cristianismo passaria por uma mudança inesperada. Paul Veyne afirma que o século IV teria
iniciado de forma complicada para a igreja cristã, pois “de 303 a 311, sofrera uma das piores
perseguições de sua história, milhares foram mortos”,4 mas no início da segunda década
daquele século houve uma grande reviravolta com a conversão de Constantino, Imperador
Romano.
Para Paul Veyne a principal razão para o desenvolvimento do cristianismo, a partir do
século IV, foi a conversão de Constantino. Ele defende que “sem Constantino, o cristianismo
teria permanecido uma seita de vanguarda”,5 acredita que dificilmente teria alcançado o
mundo da época, tão pouco evoluiria para outras regiões e continentes. O escritor batista, J.
M. Carrol, também concorda que com a conversão de Constantino “o Cristianismo tinha
alcançado uma poderosa vitória sobre o paganismo”,6 que era a principal manifestação de
religiosidade romana na época.
As motivações da conversão de Constantino ainda são questionadas, se um verdadeiro
ato de fé ou uma estratégia político-administrativa. Paul Johnson defende que “o
cristianismo tinha se tornado um fenômeno tão secular como espiritual: era uma imensa
força para a estabilidade”7 e Constantino pode ter se aproveitado disto para fortalecer seu
governo. De forma análoga, J. M. Carrol julga que Constantino teria “unido o poder
temporal do Império Romano ao poder espiritual do Cristianismo”.8
Alguns teóricos veem na aliança entre a Igreja e Constantino uma deterioração dos
pressupostos teológicos e dos ideais dos chamados cristãos primitivos. Veyne, acredita que
se não fosse a forma despótica de Constantino, possivelmente o cristianismo não teria se
tornado uma religião do cotidiano de toda uma população; “e o cristianismo só atingiu esse
ponto à custa de uma degradação, daquilo que os huguenotes9 viriam a chamar de paganismo
papista e os historiadores atuais chamam de cristianismo popular ou politeísmo cristão
(devido ao culto dos santos) e os teólogos de ‘fé implícita’ da gente inculta”.10
Paul Johnson, por sua vez, viu nesta relação uma espécie de barganha, onde ambos,
cristianismo e Constantino, tinham interesses. Questiona, entretanto, quem teria se
favorecido mais com esta associação: “Que lado se beneficiou mais com esse casamento
indecoroso entre Igreja e Estado? Ou, em outras palavras, foi o império que se rendeu ao
cristianismo ou o cristianismo que se prostituiu para o império?”11 Como declara Johnson,
dada a complexidade da história da igreja cristã primitiva, é impossível chegar a uma
resposta definitiva. Contudo, independente das respostas a que se chegue, notar-se-á que se
por um lado o império teve benefícios, por outro, a conversão de Constantino impulsionou o
cristianismo, pois foi a partir dele que houve um crescimento exponencial.
A perseguição religiosa sempre esteve presente na história do cristianismo,
inicialmente exercida contra os cristãos, pelo judaísmo, o Império Romano e a religião pagã.
A partir de Constantino inverteu-se o papel, com a criação do papado, origem e consolidação
da Igreja Católica, durante séculos a Igreja agiu com rigor e muitas vezes com violência para
dar manutenção ao poder conquistado e para evitar concorrência de grupos opostos e
dissidentes.
A Igreja Católica Romana, por mais de mil anos foi a grande força religiosa e com
influências diretas na relação entre o homem e o Estado. Ao longo desse período, muitos
foram silenciados. E só a partir do século XIV que oposições ganhariam forças para
proporcionar o advento da Reforma Protestante, abrindo as portas para o surgimento ou
reaparecimento de diversas minorias cristãs, incluindo os Batistas.
Em Santo Antônio de Jesus, como veremos, quando o fim do monopólio da fé tornou-
se uma realidade iminente, a igreja dominante resistiu e houve diversas reações e ameaças na
tentativa de impedir o avanço dos Batistas. Pierre Bourdieu destaca que “uma forma
particular da luta pelo monopólio que se instaura quando a Igreja detém um monopólio total
dos instrumentos de salvação consiste na oposição, (...) que se desenvolve segundo um
processo mais ou menos constante”.12
1.1 A REFORMA PROTESTANTE E A ORIGEM DOS BATISTAS
A Reforma Protestante não aconteceu de repente, não foram apenas questões
espirituais e a insatisfação com o modelo de igreja dominante sua causa final, existiam
outros interesses por trás das reivindicações. Certamente Lutero não teve um insight e
decidiu pregar suas 95 teses na porta de uma Igreja Católica em 1517, algo estava
acontecendo nos arredores e nos anos que antecederam o manifesto de Lutero.
Outras tentativas tinham acontecido, mas sem a mesma força e apoio que Lutero teve.
A Reforma era iminente. Na conjuntura histórica estavam diversas questões: crise interna na
igreja, promovida pela venda de coisas espirituais [indulgência, sacramento] e temporais
ligadas às espirituais, como benefícios eclesiásticos aos senhores feudais; a emergente
burguesia ganhava espaço e estava em plena ascensão, colocando em xeque questões
relacionadas à igreja; o humanismo e o movimento renascentista, com toda sua influência na
cultura, sociedade, política e religião, caracterizado pelo racionalismo em detrimento de uma
sociedade medieval fortemente influenciada pelos dogmas da Igreja Católica; entre outras.
Muitas ideias reformistas já eram claramente defendidas antes de Lutero por
movimentos classificados de heréticos. Pré-reformadores se opuseram à Igreja Católica, ora
por meio de manifestações de grupos que defendiam uma mesma ideia, ora por pessoas
isoladamente.
No século XIV, John Wycliffe (1328-1384) defendeu uma reforma na igreja, dando
significativa contribuição com a tradução da Bíblia para a língua inglesa. Suas ideias de
insurreição o fizeram ser declarado pelo clero como herege. John Huss (1369-1415) também
iniciou “levantes” contra a igreja oficial e igualmente foi considerado herege, sendo
excomungado e levado à fogueira em 1415.
Em Florença, Itália, numa tentativa de reforma com características regionais e
argumentos voltados para questões morais, Jerônimo Savonarola (1452-1498) foi mais um
silenciado pela Igreja e condenado à morte pelos mesmos motivos dos anteriores.13 Enquanto
que o francês Jacques Lefèvre (1450-1536), conforme Leslie Dusnta, teria analisado as
Escrituras e publicado “comentários sôbre alguns livros da Bíblia, antes de Lutero ter
pregado as suas Noventa e Cinco Teses no portão da igreja de Wittenberg, comentários êsses
em que o autor dava a entender a sua crença na autoridade das Escrituras para a vida
religiosa”,14 ele teria iniciado suas pregações no ano de 1512 com a defesa de uma doutrina
que ele mesmo chamavade justificação pela fé, algo inusitado para o período.
Para muitos pesquisadores teria sido em meio a essa efervescência de movimentos
Pré-reformadores e durante a Reforma Protestante que vários grupos, incluindo os Batistas,
teriam surgido. Mas com relação aos Batistas não há consenso entre os pesquisadores. Há
pelo menos três teorias ainda defendidas sobre o surgimento dos batistas: JJJ ou Jerusalém-
Jordão-João; parentesco espiritual com os Anabatistas do século XVI e a teoria da origem
nos Separatistas Ingleses do século XVII.
Nem mesmo a falta de comprovações históricas tem sido capaz de colocar a teoria JJJ
em total desuso. A teoria defende que as raízes dos batistas estão diretamente ligadas ao
próprio Jesus Cristo, fundador do cristianismo.
João, o Batista, teria aproximadamente 30 anos de idade quando decidiu, por
iluminação divina, anunciar no deserto a chegada do Messias, atraindo muitos curiosos.
Vários teriam se convertido aos seus ensinos e como testemunho de fé eram batizados ou
mergulhados nas águas do rio Jordão. Em seguida, o famoso encontro entre Jesus e João o
Batista, registrado nos Evangelhos, quando o primeiro teria sido batizado pelo segundo,
daria início à jornada cristã e marcaria o surgimento dos batistas.
Talvez por esta razão, entre as diversas denominações chamadas de protestantes,
muitos batistas resistam a tal identificação. Muitos ainda preferem ser chamados
genericamente de cristãos ou simplesmente de Batistas. Mendonça e Valasques Filho diz que
“a denominação de ‘protestantes’, dada comumente aos batistas, é recusada por eles
mesmos. Não se consideram fruto da Reforma, embora tenham assumido seus pressupostos
teológicos”.15
Não é de estranhar que esta teoria, mesmo sem fundamentação histórica, ainda tenha
sucesso entre membros da denominação, afinal a ideia é bastante agradável para seus fiéis.
Mas, para Elizete da Silva, “se, de um lado, tal corrente pode parecer muito atraente para
grupos minoritários e perseguidos, (...) de outro, é de todo impossível provar, historicamente
que os grupos religiosos que se opuseram à ortodoxia oficial, ao longo dessa trajetória, sejam
batistas”.16
Entre os séculos XVIII e XX, muitos pesquisadores da História dos Batistas
levantaram a bandeira desta teoria. Thomas Crosby publicou livros sobre o tema em 1738 e
1740; G. H. Orchard, em 1855; J. M. Cramp em 1868; John T. Christian em 1922 e outros17.
Aqui no Brasil a JJJ foi amplamente divulgada na década de 1950, tendo como principal
referência o livro O Rastro de Sangue de J. M. Carrol.18
Tanto um pesquisador quanto um leitor comum, ao dedicar-se à leitura da literatura
produzida pela Denominação no início do século XX aqui no Brasil, logo perceberá traços
que indicam referências à teoria. Documentos oficiais, como a Declaração de Fé das Igrejas
Batistas do Brasil,19 uma tradução para o português da versão norte-americana “New
Hampshire”, adotada desde a fundação da Primeira Igreja Batista em Salvador, e ratificada
em 1907 na primeira Convenção Batista Brasileira, demonstram que a liderança brasileira
também defendia a existência dos batistas em período anterior à Reforma Protestante.
De acordo a Declaração, “a designação batista surgiu no séc. XVII, mas aqueles
discípulos de Jesus Cristo estavam espiritualmente ligados a todos os que, através dos
séculos, procuraram permanecer fiéis aos ensinamentos das Escrituras, repudiando, mesmo
com risco da própria vida, os acréscimos e corrupções de origem humana”.20 O heroísmo dos
batistas está muito patente em sua literatura, que em tom apologético ufanam com o discurso
de que “como os seguidores de Cristo foram chamados de cristãos por zombadores, assim
também o povo da nossa fé foi chamado de batista pelos seus oponentes (...) o povo dessa fé
é mais antigo do que o seu nome histórico, porque é da mesma fé e ordem dos cristãos do
Novo Testamento”.21
A presença dos pressupostos da teoria JJJ, explícita ou implicitamente, na literatura
batista no Brasil foi tão marcante, que fez dela a teoria “mais difundida entre os batistas
brasileiros”,22 mas o sucesso desta teoria no Brasil se deu, sobretudo, porque ela foi
inculcada pelos missionários norte-americanos num período em que não havia outras leituras
históricas. Entretanto, apesar de sua difusão nos primórdios dos batistas no Brasil, de sua
grande aceitação entre brasileiros, e de admiradores em outros países, “o seu pecado capital
é a falta de respaldo histórico”,23 como afirma Elizete da Silva.
Embora seja incomum nas últimas décadas encontrar historiadores que a defendam,
parece que a corrente vem ganhando novo vigor nos Estados Unidos da América. Por lá, foi
lançado recentemente um novo livro com base em uma série de palestras no ano de 2008,
com abordagem sobre o tema. No livro Baptist History,24 seus autores fazem defesas
calorosas sobre a origem dos Batistas ainda no primeiro século da era cristã.
Na tentativa de reascender a chama da JJJ, Dan Cozart, diz que a perseguição aos
verdadeiros cristãos do século I não os fizeram abandonar seus princípios, mas, já no início
do século II, “Satanás começou a semear sementes malignas da discórdia”,25 e nos anos
seguintes a igreja cristã começaria a aderir ritos e ensinos divergentes aos deixados por seu
fundador, até que “em 251 d.C. as verdadeiras igrejas locais romperam a comunhão com
aquelas igrejas que praticavam tais heresias. Os excomungados se tornaram o núcleo da
Igreja Católica Romana”.26 Neste ponto ele conclui dizendo que “embora eles não fossem
conhecidos como batistas, como tal, eles sustentavam vários princípios batistas”.27 E
acrescenta: “Batistas não têm fundador, senão Cristo. Eles não são produtos da Reforma.
Eles não saíram do catolicismo, mas precederam o catolicismo por centenas de anos”.28
A segunda teoria da origem dos Batistas, ainda com boa aceitação por pesquisadores
da atualidade, defende que seu surgimento está associado a um grupo religioso do período da
Reforma Protestante, que ficou conhecido como Anabatistas. O apodo “anabatista” tem
como significado “re-batizadores”, trata-se da união de duas palavras gregas cujo prefixo
“ana” significa novamente e enquanto “batista”, significa batizar, ou seja, aqueles que
batizam novamente. A etimologia do termo anabatista é importante para entendermos que
vários grupos distintos, desde o século III, foram nominados de anabatistas não
necessariamente por seu conjunto de doutrinas, mas, em geral, pela exigência de um novo
batismo como rito inicial para ser reconhecido como membro na comunidade. Mesmo no
século XVI, grupos com doutrinas diferentes eram identificados como anabatistas.
Associa-se à origem dos Batistas àqueles que admitiam um conjunto de doutrinas
muito próximas das propagadas pelos Batistas ainda hoje. À medida que se compara as
semelhanças doutrinárias defendidas pelos Batistas atuais e os seus supostos precursores do
século XVI, esta teoria ganha forças. São muitas as semelhanças: “batismo por imersão de
adultos; comunidade constituída de elementos que são batizados como convertidos; eleição
dos pastores e oficiais pela congregação local; governo congregacional, onde cada
congregação delibera e toma suas decisões, e separação do Estado”.29 Ainda podemos
acrescentar que a ceia era vista como um memorial, tendo como elementos o pão e o vinho,
portanto não havia a sacralização desses elementos; defendiam a autoridade suprema da
Bíblia, enquanto Escritura Sagrada; e, ainda que Tomaz Münzer tenha sido classificado
como um anabatista, que liderou a Revolta dos Camponeses com armas em punho, os
anabatistas do passado, assim como os batistas contemporâneos, de forma geral têm suas
imagens mais vinculada a defesa do pacifismo do que a manifestações violentas.
Não bastasse as várias semelhanças doutrinárias há ainda a associação de seus nomes,
que em certo período da história ambos os nomes fizeram referência a um mesmo grupo,
conforme destaca Elizete da Silva: “os dois vocábulos batista e anabatista foram usados
alternadamente referindo-se ao anabatismo”.30E ainda hoje é comum haver entre
historiadores contemporâneos, certa identificação entre batistas e anabatistas, de modo que,
ao realizar estudos sobre a História dos Batistas, pesquisadores tendem a concordar que “é
impossível falar em batistas do século XVII sem vinculá-los a anabatistas do século XVI”.31
Por outro lado, muitos pesquisadores manifestam-se contrários à vinculação entre os
dois grupos. Zaqueu de Oliveira, pastor e escritor batista, é categórico em seu
posicionamento. Para ele apesar de que “alguns estudiosos chegam a confundir os
anabatistas e batistas como se fosse apenas um grupo”32 não há como vinculá-los. Ainda
acrescenta que “o fanatismo dos radicais quiliastas ou milenaristas, principalmente na
década de 1530, embotou a memória dos anabatistas” e que por isso eles ficaram na história
como que “se formassem uma unidade com os fanáticos de Münster”.33
Elizete da Silva acredita que a resistência de alguns pesquisadores em aceitar a
vinculação dos Batistas aos Anabatistas, especialmente os confessionais, pode ter
motivações justamente na “recusa em admitir, na gênese batista, a comunidade Münster,
formada por camponeses revolucionários e anabatistas que queriam instalar o Reino de Deus
na terra, não só através do coração dos homens, mas também pelo fio da espada”.34
No Brasil não encontramos literatura que se aprofunde no tema, mas a teoria do
parentesco espiritual com os Anabatistas foi amplamente divulgada em vários países,
especialmente no século XIX. Entre os clássicos sobre esta corrente encontra-se “General
History of the Baptist Denomination in America, and other partes of the Word” de David
Benedict publicado em 1813; “The Story of the Baptists in all Ages and Countries” de
Richard B. Cook, 1884; e Thomas Armitage, em “A History of the Baptists”, publicado no
ano de 1890.
Armitage, além de advogar a teoria, critica historiadores que defendem a gênese dos
batistas como uma sucessão dos apóstolos de Cristo, afirmando: “Muitos que não são
católicos pensam que se não conseguirem desenrolar uma sucessão contínua de igrejas
regularmente organizadas, perdem a sua genealogia por uma ruptura na corrente, e assim
deixam de provar que são Igrejas apostólicas legítimas”.35
Por fim, a terceira corrente sobre a origem desta Denominação, associa seu surgimento
aos Separatistas Ingleses do século XVII. Após a Reforma Protestante vários movimentos
tiveram origem, alguns com propostas que iam além das pregadas na porta da Igreja de
Wittenberg por Lutero. Diferenças como o ritualismo de celebração do batismo e da ceia,
por exemplo, davam conta de que novos grupos cristãos estavam se formando, e neste
sentido, atribui-se o surgimento dos batistas aos “separatistas ingleses, especialmente
aqueles que eram congregacionais na eclesiologia36 e insistiam na necessidade do batismo
somente de regenerados”.37
Na Inglaterra, a Igreja Anglicana foi estabelecida como religião oficial do país. Como
muitos se recusaram a aderir algumas de suas doutrinas, formaram grupos em oposição ao
Anglicanismo, dos quais se destacam os Puritanos e os Separatistas. Este último, sob a
liderança de John Smyth, recebeu ordem de emigrar do país para não sofrer outras sanções.
John Smyth foi para Holanda, onde conseguiu reunir um grupo de seguidores e, na cidade de
Amsterdam, no ano de 1609, organizou aquela que é considerada por alguns como a
primeira igreja batista do mundo moderno. Mais tarde, um de seus seguidores, Thomas
Helwys, retornaria para Inglaterra e em Londres organizaria a primeira Igreja Batista da
Inglaterra no ano de 1611.
Para pesquisadores desta corrente, o aparecimento de informações sobre os Batistas
com datas anteriores a 1610 são considerados fatos isolados e Henry Vedder declara que só
“depois do ano de 1610 temos uma sucessão ininterrupta de igrejas batistas, estabelecidas
por documentos indubitáveis”.38 Pressupõem-se que os documentos a que Vedder se referiu,
sejam atas e outros documentos de constituição dessas igrejas, bem como troca de
correspondências e referências em literaturas da época.
Assim como as anteriores, a teoria dos Separatistas Ingleses tem diversos defensores.
Além de Henry C. Vedder, figuram entre os principais, os seguintes pesquisadores:
Augustos Hopkins Strong; Robert G. Torbert, Kenneth Scott Latourette, o qual resume o
porquê de defender esta teoria em dois pontos: “1º Ela não violenta os princípios da exatidão
histórica”, criticando a teoria JJJ e “2º Os Batistas não partilham com os Anabatistas a
aversão destes pelos juramentos e pelos cargos públicos não adotaram doutrinas anabatistas
como [...] a necessidade da sucessão apostólica para a ministração do batismo”.39
Atualmente no Brasil a teoria dos Separatistas Ingleses do século XVII parece ser a de
maior aceitação entre historiadores e escritores, especialmente os da Denominação Batista.
Zaqueu Moreira de Oliveira, Jorge Pinheiro, Marcelo dos Santos, entre outros, advogam que
os Batistas tiveram sua origem a partir dos Separatistas Ingleses. Já no ramo acadêmico,
entre os principais pesquisadores as opiniões ainda se dividem. Marli Geralda Teixeira e
Elizete da Silva, por exemplo, tem opiniões diferentes, enquanto a primeira fundamenta suas
convicções da origem dos Batistas na teoria dos Separatistas Ingleses do século XVII, a
segunda, por sua vez, defende que os Batistas têm origem com os Anabatistas do século
XVI.
Como foi dito, não há consenso quanto a verdadeira origem dos Batistas, e algumas
perguntas sobre o tema podem ser levantadas: Seria possível estabelecer na atualidade uma
resposta definitiva para questão? A ausência de documentos anula por completo a teoria JJJ?
Só se pode falar na existência dos Batistas a partir dos Separatistas Ingleses? 
Estas e outras perguntas continuam abertas para novas respostas. Como vimos, mesmo
bastante contestada, encontramos simpatizantes contemporâneos para a corrente JJJ. As
opiniões se dividem e ao que parece, o consenso sobre a gênese dos Batistas está longe de
acontecer entre os pesquisadores do tema. Por outro lado, inevitável admitir que a hipótese
apresentada pela JJJ está cada vez mais distante de encontrar quaisquer respaldos
documentais que a sustente.
Já em relação as demais teorias, talvez outras pesquisas sejam necessárias para, quem
sabe, encontrar novos indícios da formação do grupo que lancem luz sobre questões
obscuras. Pesquisas que não se restrinjam apenas na busca pelo nome “batista” vinculado a
um grupo de forma ininterrupta no decurso da história, pois seguindo apenas este critério,
possivelmente a discussão fosse encerrada com a conclusão de que sua existência ocorre a
partir de 1609 na Holanda e mais especificamente a partir de 1610 na Inglaterra.
Outras variáveis como semelhanças doutrinárias, condutas morais, liturgia de cultos e
cosmovisão, ainda podem ser reavaliadas com novos olhares para talvez se inferir que houve
uma evolução ou adaptação de grupos cristãos que adotaram nomes diversos em épocas
distintas e cujas práticas possam ser diretamente associadas àquelas que os Batistas vem
defendendo nos últimos séculos.
Neste sentido, a partir do parentesco entre antigos Anabatistas e Batistas da atualidade,
bem como por seus supostos fundadores [segundo a teoria dos Separatistas Ingleses: John
Smith e Thomas Helwys] terem ligações com os Menonitas, descendentes diretos dos
Anabatistas, pensamos não haver discrepância em defender que os Batistas tiveram sua
origem nos Anabatistas, ou que são uma continuidade daquele grupo.
Ao longo da História do Cristianismo sempre houve resistências às alterações que
ocorreram em suas doutrinas, incluindo aquelas após a conversão de Constantino. Foi
também por discordar das alterações na cosmovisão do cristianismo do primeiro século que
vários grupos de oposição surgiram em fases embrionárias e existiram entre os anos 300 a
1500.
Nos séculos IV e V há referências aos Montanistas, Novicianos e Puritanos; século VI
Paterinos, Cátaros e Donatistas; séculos VIII ao XI os Paulicianos e nos séculosseguintes
estão presentes Anabatistas, Waldenses e outros.40 A existência desses grupos classificados
como heréticos pela igreja oficial, mas que se identificavam como cristãos num período
antes da Reforma Protestante, indicam que em nenhum momento o cristianismo se resumiu
Igreja Católica. E como sugere Elizete da Silva, “embora só se possa falar em batistas, com
respaldo histórico a partir dos Separatistas Ingleses do início do século XVII, se constituiria
num atentado à veracidade histórica pretender que os batistas apareceram de repente do
nada”.41
Desta forma, caberá a outros historiadores que sentirem-se desafiados à novas
investigações sobre o tema, o uso do bom senso, para que o excesso de rigor pelo método, na
tentativa de vincular uma data ao nome Batista, não os levem a agir de forma parecida à
crítica feita por Leslie Dusnta ao dizer que alguns pesquisadores produzem uma “História
que se ocupa dos eventos e problemas humanos e data com precisão o momento em que o
protestantismo nasceu. Mas êsse tipo de História esquece as fôrças que se movem, muitas
vêzes inobservadas, sob a superfície dos eventos”,42 ou seja, talvez a análise da origem dos
Batistas exija um olhar diferente sobre as outras “forças” ou variáveis que podem trazer
novas respostas.
Por fim, sabendo que muitas das informações associadas às teorias de origem dos
Batistas, em alguns pontos são similares e noutros são díspares, o que dificulta tanto
apreendê-las quanto diferenciá-las, como forma de auxiliar a compreensão e visualizar
melhor as diferenças, elaboramos o quadro 1 a seguir, que apresenta sinteticamente o que
cada uma das correntes sugere como hipótese para origem dos Batistas; as doutrinas
praticadas; argumentos utilizados para sustentação teórica; seus principais teóricos e as
evidências ou fontes históricas que servem para amparar e sustentar cada teoria. [Por
questões de configuração, Quadro 1 está disponível apenas na versão impressa].
2. QUE POVO É ESSE? – CONSTRUINDO
A IDENTIDADE BATISTA
Até aqui fixamos que os Batistas formam um grupo religioso dentro do cristianismo e que
mesmo não havendo consenso quanto ao período que surgiram, eles se consolidaram a partir do
século XVII. Entretanto estas informações não são suficientes para entender quem é esse povo.
Algumas questões devem ser levantadas: Eles representam uma igreja, seita ou denominação?
Quais são seus distintivos? O que pensam sobre o mundo e qual sua cosmovisão? Como se
relacionam com o Estado? Qualquer pessoa pode se declarar batista? Enfim, qual a identidade
dos Batistas e o que os diferencia de tantos grupos da atualidade que também se declaram
cristãos?
Os batistas se estabeleceram no Brasil com a organização de diversas igrejas através de um
projeto missionário a partir de 1882. Estão presentes em todos os estados brasileiros, contudo, a
despeito dos mais de anos de presença no Brasil, o que os batistas defendem como doutrinas
parece latente para a maioria da população brasileira e até os fiéis das igrejas, em grande
número, mostram desconhecer as raízes da construção da identidade Batista, quem são, de onde
vieram e em que fundamentam sua fé.
Inicialmente precisamos estabelecer a classificação de religião, seita, igreja ou
denominação para os Batistas. A classificação ou terminologia atribuída aos Batistas tem
variado a depender da ótica de quem os estuda. É possível encontrar quem se refira ao grupo
como religião, outros por seita, ou ainda uma denominação.
Quando Max Weber realizou seus estudos sobre “A ética protestante e o espírito do
capitalismo”, ele criou um conceito de tipologia religiosa que consideramos bastante rígido,
isso porque, de certa forma, ele analisa várias manifestações religiosas distintas e atribui um
único conceito. Weber defende que na classificação dos diversos grupos religiosos nada existe
além de religião, igreja e seita. Ideia também defendida por Ernest Troeltsch que “classificou os
grupos religiosos em dois tipos opostos, a saber Igreja e Seitas”.43
É com base nesta classificação que Weber sugere que toda manifestação religiosa nascida a
partir do protestantismo são seitas, dando como exemplo os Anabatistas. Ele diz que é “claro
que os anabatistas sempre rejeitaram a designação de ‘seita’. Eles são a Igreja no sentido da
Epístola aos Efésios (5,7). Mas para nossa terminologia são ‘seita’”.44
A maioria não concorda com esta ideia, pois no estudo sobre religião há espaço para outras
designações. Elizete da Silva, citando Milton Ynger, propõe a classificação religiosa em Igreja
universal, representada por uma estrutura de caráter internacional agregando amplos setores;
Igreja, grupo religioso aliado ao Estado e grupos dominantes; Denominações, grupos
minoritários em busca do seu espaço social; e Seitas, representadas por comunidades religiosas
compostas por pessoas que se agregam ao grupo de forma voluntária e mantém a recusa de
transigir com a sociedade em geral.45
Atualmente existem diversos grupos que se identificam como cristãos e que tiveram suas
origens em momentos e formas distintas, o que requer uma tipologia mais ampliada. Israel Belo
de Azevedo, escritor batista, apresenta uma proposta de classificação que embora bastante
fragmentada, parece apropriada e contemporânea. Ele classifica os diversos grupos religiosos
como Religiões, Igrejas, Movimentos, Seitas, Agências e Denominações.46
Na sua classificação Israel Belo apresenta os seguintes conceitos: Religiões são os sistemas
antigos, bem elaborados e universais com seus dogmas expressos em um livro sagrado. As
Igrejas, por sua vez, são as instituições com regras próprias com o fim de rotinizar crenças e
práticas dos fiéis de certa religião. Já os Movimentos, são manifestações religiosas paralelas a
grandes religiões e sem a preocupação de organização burocrática. Enquanto que a Seita, diz
respeito às manifestações religiosas centradas em um líder e um conjunto de regras e práticas
bem definidos. As Agências, com suas estruturas menores, são representadas por organizações
de serviços sociais, cujos integrantes são normalmente recrutados nas igrejas. E por fim, as
Denominações, cujo conceito seria grupos no interior de uma religião que defendem certo
conjunto de tradições seguidas por igrejas. Neste sentido, Israel Belo de Azevedo, conclui que
“os batistas integram uma denominação”.47
Elizete da Silva também concorda que a melhor classificação para os Batistas é o de
Denominação. Ao discorrer sobre os batistas em suas pesquisas ela sempre se refere ao grupo
como denominação. Quando introduziu a discussão sobre os Batistas no livro Fiel é a Palavra:
leituras históricas dos evangélicos protestantes no Brasil, afirma que tratará “especificamente
da Denominação Batista”48 e em seguida esclarece que “para um melhor entendimento é
necessário destacar a diferença entre o conceito de denominação, o qual se reporta a um grupo
religioso organizado, que tem visibilidade, busca a respeitabilidade e está a meio termo entre
igreja e seita”.49 De igual modo, a maioria dos pesquisadores têm preferido a classificação de
Denominação para designar os Batistas. E mesmo havendo divergências sobre a origem do
grupo, [se antes, durante ou após Reforma Protestante] há um consenso quanto a influência que
receberam dos outros grupos nascidos no período da Reforma.
No Brasil, a cosmovisão dos batistas foi fortemente influenciada pelos seus pioneiros, os
missionários norte-americanos, que por sua vez foram formados a partir dos pilares do
protestantismo europeu, especialmente dos ingleses.
O protestantismo iniciado na Europa se espalhou pelo mundo, e não obstante as
divergências entre Reformadores, eles conseguiram dialogar em vários aspectos doutrinários.
Para Max Weber são essencialmente quatro, [calvinismo, pietismo, metodismo e anabatismo] os
portadores históricos do protestantismo ascético e “nenhum desses movimentos se achava
absolutamente isolado um dos outros, e nem mesmo era rigorosa sua separação das igrejas
protestantes não ascéticas”.50
Os reformistasconseguiram se unir em torno de várias questões doutrinárias. Entretanto,
em alguns pontos as controvérsias foram [e permanecem até os dias de hoje] inevitáveis entre as
comunidades religiosas oriundas da Reforma. Quando fazemos, por exemplo, uma comparação
entre os principais grupos da época da Reforma, sobre a percepção que tinham com relação aos
alicerces da justificação ou salvação pela fé, encontramos significativas variações.
A convergência dos reformadores em alguns pontos como o da exaltação ao personagem
Jesus, o Cristo, enquanto Salvador do homem; na autoridade das Escrituras, enquanto revelação
de Deus; e na fé, como elemento indispensável para a salvação concedida pela graça divina,
[solus Christus, sola fide e sola Scriptura – só Cristo, só a fé e só as Escrituras], não impediu
que em outros pontos os primeiros grupos protestantes tivessem posições diferentes e até
opostas.
Questões sobre a moralidade, influenciadas pelo utraquismo e taborismo,51 ou sobre o
envolvimento do grupo com o Estado, não eram unânimes, e em alguns casos foram
antagônicas. Calvinistas e Anabatistas, por exemplo, eram bipolares na questão do
envolvimento entre a Igreja e o Estado. Enquanto o primeiro grupo defendia uma aliança, o
segundo, a separação total. Os Batistas, inclusive, herdaram este traço, a tal ponto, que é
possível encontrar na atualidade igrejas locais que vão além do princípio da separação entre a
Igreja e o Estado, elas resistem até à candidatura de membros ao pleito eletivo em quaisquer das
esferas de governo.
A doutrina da salvação [soteriologia] e a doutrina da igreja [eclesiologia] são pontos onde
também as divergências apareceram. Enquanto Calvino defendia que a salvação era fruto da
predestinação, os anabatistas estabeleciam a necessidade da regeneração para uma nova vida em
Cristo. Com relação a eclesiologia, Lutero, Calvino e Zwinglio, apresentavam a igreja como
uma comunidade oriunda da misericórdia de Deus, o que também era defendido pelos
anabatistas, entretanto acrescentavam que a igreja é uma associação formada por pessoas salvas
que voluntariamente se apresentam para filiar-se ao grupo.52
Talvez por estas divergências comuns a grupos Protestantes, e bem presentes na história
dos Batistas, que o escritor e pastor batista, Carlos Novaes, surgira que o grupo seja controverso
e tenham vocação para a intolerância.53 Novaes conta uma anedota em que, após um náufrago
chegar em uma ilha perdida no meio do oceano encontra quatro crentes. Um presbiteriano, um
metodista e dois batistas. O náufrago teria sido convidado pelos dois primeiros a conhecer o
templo que juntos construíram. Na fachada estava escrito apenas o termo Igreja Evangélica. Em
seguida, recebeu o convite dos dois batistas para também visitar “suas igrejas: A Primeira
Batista da Ilha Perdida e, quase ao lado, a Batista Memorial da Ilha”.54
Apesar da anedota, em geral os batistas não reconhecem os traços de intolerância e
defendem que a Denominação é destacada pela apologia à liberdade. No passado chegaram a ser
criticados pelo excesso de defesa que fizeram a liberdade do indivíduo e foram rotulados de
excessivamente tolerantes. W. C. Taylor, escritor da Denominação, recusou este título dizendo
que os Batistas não admiravam a mera tolerância, mas insistiam “na liberdade de crença, a
separação da igreja e o estado, a voluntariedade em religião, na família, no estado, na escola e
em toda vida cristã. Morreremos para que outros tenham a liberdade de anunciar seus princípios
religiosos, embora discordemos dos mesmos princípios”.55 A insistência pela liberdade de
expressão e de consciência do indivíduo parece que sempre esteve presente no discurso Batista
e nos ideais da Denominação. Desde o século XVII, o grupo defendia a liberdade do indivíduo.
De acordo a Max Weber, “o primeiro documento oficial de uma comunidade religiosa exigindo
como direito a proteção positiva da liberdade de consciência por parte do Estado foi o art. 44 da
Confession of the (Particular) Baptists de 1644”.56
Por outro lado, sobre a liberdade que defendem, é necessário dizer que embora no discurso
Batista frequentemente apareça o direito de liberdade individual como um de seus distintivos,
essa liberdade é o que poderíamos chamar de “liberdade da porta para fora”, ou seja, sua práxis
e conceito se esvaziam à medida que o indivíduo, voluntariamente, decide ser incorporado à
comunidade por meio de sua profissão de fé e batismo.57
Em outras palavras, a liberdade que defendem pode ser experimentada por aqueles que não
são pertencentes às suas comunidades, visto que, o cidadão batista já exerceu a liberdade
quando decidiu se tornar um membro de uma Igreja Batista e invariavelmente este indivíduo
terá que abrir mão de sua liberdade para manter-se filiado à Igreja. É como Marli Geralda
afirma, “uma vez dentro da igreja, o indivíduo abdica de sua liberdade em favor da instituição”,
ou ainda, “o indivíduo é livre para obedecer não para contestar ou discordar”.58
Os membros das igrejas batistas não terão a liberdade para o erro ou pecado, seus desvios
doutrinários jamais foram tolerados, ainda que tenham a liberdade para fazê-los, contudo serão
disciplinados, ou seja, excluídos do rol de membros da comunidade local.59
Portanto a liberdade propagada pelos batistas é relativa, seus membros vivem sob constante
“vigilância” e interferências na vida particular. Na Igreja de Santo Antônio de Jesus não foi
diferente, conforme veremos na abordagem sobre as influências e interferências dos líderes na
vida privada dos crentes.
A Confissão de Fé dos Batistas é um importante documento para que possamos conhecer
melhor o grupo e entender como seu pensamento é construído. Historicamente, à medida que os
Batistas alcançam um novo país, eles organizam suas Convenções em âmbitos estaduais e
nacionais. Essas Convenções são instituições de agremiações de igrejas, a fim de fortalecê-las e
de defender os interesses da Denominação. Neste processo de defesa dos interesses, entre outras
ações, as Convenções elaboram documentos que servem de base para as igrejas, dos quais o de
maior relevância é a sua Confissão de Fé ou Declaração Doutrinária.
Embora possa se falar de documentos elaborados por John Smith em 1609, por Thomas
Helwys em 1611 e outros posteriores, que são apresentados como Declarações de Fé Batista,
considera-se que a consolidação da Confissão de Fé do grupo, aconteceu no ano de 1644 na
cidade de Londres. Foi a partir dela que outras foram elaboradas, e ainda que exista algumas
diferenças, a base doutrinária é a mesma em vários países. A Confissão de Fé, revela traços
significativos da visão que os batistas têm sobre a relação do homem com Deus e com o mundo.
Desde as primeiras Confissões de Fé, os batistas evidenciavam como uma de suas
principais diferenças com relação aos demais grupos evangélicos da atualidade, o
congregacionalismo como forma de governo da igreja. Mais que uma organização
institucionalizada a igreja é para os batistas a união de pessoas que admitem professar uma fé de
forma voluntária, filiando-se à comunidade por meio do batismo, a qual tem autonomia em seus
atos. O governo eclesiástico é exercido por líderes escolhidos pela congregação, não se
submetendo a nenhuma esfera religiosa superior, conforme estabelece a referida confissão:
“Cada igreja tem poder que lhe é dado por Cristo para seu bem-estar, a fim de escolherem entre
eles pessoas capazes. (...) Ninguém tem poder de lhes impor estes ou aqueles”.60
No Brasil, a Confissão de Fé que foi adotada pelos Batistas foi uma tradução da New
Hampshire de 1833 da Convenção Batistas do Sul dos Estados Unidos. Ela foi declarada como
Confissão de Fé da Denominação desde a organização da Primeira Igreja Batista através das
missões norte-americanas, na cidade de Salvador em 1882. A Confissão New Hampshire tem
muita semelhança com a Confissão de Fé Batista publicada em 1689 em Londres, é
praticamente uma réplica onde seus artigos aparecem quase que na mesma ordem e os artigos
abordam sistematicamenteos mesmos assuntos.
Outra marca distintiva dos Batistas é a defesa da autoridade da Bíblia. Em sua Declaração
de Fé confessam a infalibilidade da Bíblia e declaram ser a única autoridade para revelar a
vontade de Deus aos homens. O documento diz que “a Bíblia é a Palavra de Deus”, “é o registro
da revelação que Deus fez de si mesmo aos homens”, “sendo Deus seu verdadeiro autor” e
conclui que as Sagradas Escrituras “constituem a única regra de fé e conduta”61 para os Batistas.
Portanto, não aceitam nenhuma literatura em pé de igualdade com a Bíblia, além de estabelecer
que ela é autoridade máxima e inquestionável para direcionar as questões da vida na Terra e no
além.
Diferentemente de outros grupos, não possuem um manual para regulamentar a conduta dos
membros. Marli Geralda destaca que os Batistas não adotaram um “código organizado, que
regula a postura do indivíduo perante Deus, a igreja e a sociedade. Enfaticamente, afirmam em
várias oportunidades que as Escrituras, sobretudo o Novo Testamento, encerram as regras de fé
e prática determinadas por Deus”.62
São definitivamente criacionistas. Acreditam que Deus é o criador do homem, que o fez
segundo sua imagem e semelhança, essencialmente bom, mas em um ato livre de desobediência,
o homem teria caído em pecado, passando a ser, por natureza, inclinado à prática do mal.
Todavia Deus teria um plano para resolver o problema da alteração da natureza humana e por
providência divina, foi enviado o Salvador Jesus para remissão dos pecados humanos.
De forma resumida, com base em documentos produzidos pelos próprios Batistas, sua
identidade centra-se na ideia de liberdade individual, ainda que relativizada, como vimos; suas
comunidades são formadas por voluntários que aderem os seus princípios através da profissão
pública de fé e batismo; não reconhecem nenhum manual e normativo de conduta além da
Bíblia; suas igrejas locais são independentes, não devendo sofrer quaisquer interferências,
mesmo de órgãos criados pelos próprios Batistas para agremiação de suas igrejas; e estabelecem
a separação entre a Igreja e o Estado.
Além dessas doutrinas explicitamente defendidas em seus documentos, há de se acrescentar
que a identidade religiosa do grupo, sob o argumento da crença na soberania de Deus versus
natureza pecadora do homem, impõem aos seus fiéis a necessidade de serem “pessoas
diferentes” das demais, tanto na sua relação com Deus, quanto na relação social.
Marli Geralda destaca que “a mentalidade batista se orienta a partir da submissão do
homem a Deus e à Igreja, o controle do seu corpo não lhe pertence e jamais poderá ser usado
para o seu próprio prazer”.63 Nesta perspectiva, foi implantado no Brasil pelos missionários
norte-americanos a ideia de que “o crente precisa ser diferente”.
Em sua análise sobre a ética protestante, Rúbem Alves aponta em quais áreas os
protestantes, tacitamente, estabeleceram como pontos para demonstração de possuidores de um
“viver diferente” com relação à sociedade onde estão inseridos. Ele sugere que é possível
organizar essas áreas em cinco classes distintas:64 os pecados sexuais, regidos pelo princípio de
que o sexo é permitido apenas dentro do casamento, ou seja, toda e qualquer atividade sexual
exercida fora do casamento ou extraconjugal deve ser punida com a disciplina (retirada do rol
de membros) da igreja; as transgressões do domingo, que não apenas diz respeito a ausência em
atividades realizadas pela igreja, mas o ato de envolver-se no dia santificado em atividades de
lazer e prazer pessoal; os vícios, tais como fumar, beber e jogar; os crimes contra a
propriedade, ou seja, a transgressão de normas de honestidade; e os crimes de pensamentos,
também chamados de heresias.
Para Marli Geralda, a lógica imposta pelos batistas estaria fundamentada na seguinte
questão: “a sociedade joga, fuma, bebe, une-se maritalmente, acompanha a moda, dança,
diverte-se? O batista repudia tudo isso, exatamente porque são comportamentos socialmente
aceitos e generalizados, fundamentados na valorização do prazer”.65
Por fim, neste processo de “diferenciar-se” dos demais, os batistas estabeleceram como
parâmetro, que ser diferente era ser o oposto do catolicismo, ou seja, a conduta e a religiosidade
dos fiéis católicos, não serviam como padrões para a vida e por tanto deveriam ser repudiadas.
Por isso Diogo Peterson acredita, que o processo de criação da identidade religiosa Batista
demonstra “ter na fé católica, um elemento muito importante para sua formação aqui no Brasil,
pois era através da negação do catolicismo que começou a ser conhecida a nova fé batista”.66
3. OS BATISTAS NA AMÉRICA E A VINDA PARA O BRASIL
A Reforma Protestante tinha ocorrido há mais de anos. Na Europa várias ramificações que
surgiram no cristianismo a partir da Reforma buscavam sua consolidação, algumas até com
apoio do Estado, como foi o caso da Igreja Anglicana na Inglaterra que adquiriu o status de
religião oficial em 1604 e o rei James I gerou uma onda de perseguições, pois queria
uniformidade religiosa das igrejas protestantes, em nome da ordem social.
A intolerância religiosa continuou com o filho, Carlos I, quando assumiu o trono em 1625.
Neste período muitos ingleses deixaram o país e José Reis Pereira informa que “foi em virtude
dessa nova onda de perseguição que um jovem pastor, formado pela Universidade de
Cambridge resolveu deixar a Inglaterra”,67 em direção a América do Norte.
Roger Williams buscaria refúgio na Nova Inglaterra em 1631 e “presumidamente em março
de 1639”, organizaria a Igreja Batista que é considerada a primeira em solo americano. O
próprio pastor teria dado o nome àquela localidade de Providence e “até hoje existe a Primeira
Igreja Batista de Providence, no atual Estado norte-americano de Rhode Island”.68
Nos anos seguintes os batistas conseguiram organizar outras igrejas nos EUA e a partir do
século XVIII a Denominação se estabiliza com a fundação de diversas igrejas e criação de
entidades da Denominação. Já no século XIX, foi fundada Convenção Batista do Sul dos
Estados Unidos e a Junta de Missões Estrangeira de Richmond, que enviaria missionários norte-
americanos para a organização de Igrejas Batistas no Brasil.
Vários motivos teriam despertado o interesse dos norte-americanos no processo de
evangelização do Brasil. Elizete da Silva destaca que os interesses foram desde o religioso “com
o objetivo precípuo de salvar os pecadores da danação eterna”, até fatores originados a partir do
“contexto socioeconômico e político dos EUA, na segunda metade do século XIX”.69
Outros fatores que teriam motivado a vinda de vários grupos protestantes, incluindo
Batistas, apontados pela mesma pesquisadora foram: “a busca de novas terras e de velhas
práticas, como agricultura e a escravidão”; o apoio do governo imperial brasileiro, que “deu um
grande incentivo à imigração norte-americana”; o interesse dos Estados Unidos em superar a
Inglaterra que ocupava a primeira posição no comércio exterior do Brasil e neste sentido houve
a tentativa de “intensificação do comércio entre EUA e o Brasil após a década de 1860”,70
inclusive com o apoio de colportores71 que “não só divulgaram a Bíblia e as doutrinas
protestantes, como aconselhavam e incentivavam a intensificação do comércio e das relações
entre o Brasil e os EUA”.72
A primeira tentativa de estabelecer igrejas da Denominação no Brasil teria acontecido no
ano de 1860. A Junta de Missões de Richmond enviou o missionário Thomas Jefferson Bowen
com a missão de estabelecer uma Igreja Batista em solo brasileiro, mas Bowen ficou no Brasil
por aproximadamente nove meses, tempo que não foi suficiente para o aprendizado da língua e
conquista de adeptos para formar uma igreja.
Para alguns escritores batistas, há pelo menos três fatores possíveis para o fracasso da
missão. Primeiro, o missionário T. J. Bowen não teria recebido da Junta de Missões o apoio
necessário para “executar a tarefa que lhe havia confiado”,73 afirma Betty Antunes. Segundo,
“não foi bem-sucedido em sua missão, em grandeparte por causa de sua saúde”,74 já que por
vários anos teria atuado como missionário na África do Sul, onde adquiriu um sério problema
de saúde. Terceiro, acrescenta José R. Pereira, “parece que não tinha ideia muito nítida de qual
deveria ser seu trabalho”,75 hipótese que é de se estranhar, considerando que Bowen era um
experiente missionário.
Jorge Nery de Santana traz à luz um novo olhar sobre o trabalho do missionário. Para ele, o
“fracasso” do missionário T. J. Bowen na primeira tentativa de missão dos Batistas no Brasil,
pode ser melhor associado ao fato de Bowen ter iniciado sua evangelização a africanos
escravizados no Rio de Janeiro. O pesquisador ressalta que “Bowen era visto como um suspeito
que se aproximava dos escravos os quais buscavam notícias de sua terra e de seu povo [...]
lembranças perigosas para quem estava no exílio e no cativeiro”.76
Independentemente das reais razões que levaram o missionário Bowen a encerrar
precocemente sua missão ao Brasil, acreditamos que possivelmente não foram limitações físicas
e de estratégias. Jorge Nery, diz que o missionário T. J. Bowen quase sempre é “tratado na
historiografia oficial Batista como um homem doente, que não sabia qual deveria ser seu
trabalho”,77 mas as próprias palavras de Bowen em uma carta enviada à Convenção de
Richmond apontam que sua saúde não era impeditivo para continuar seu ideal de evangelização
do Brasil, bem como sabia exatamente o que queria, disse ele: “Penso estar, agora, no meu
último cenário do trabalho. [...] Se eu viver mais 20 anos, espero ser sepultado no Brasil ou em
algum país vizinho. [...]”.78 Entretanto não foi o que aconteceu, a Junta de Richmond abortou a
missão no Brasil e o missionário teve que retornar ao seu país. Passariam vários anos até que a
Junta de Missões Estrangeiras da Convenção Batista de Richmond conseguisse organizar uma
igreja em solo brasileiro.
Por décadas, a data de 15 de outubro de 1882 e a Primeira Igreja Batista organizada na
Bahia foram reconhecidas pela Convenção Batista Brasileira como o marco inicial dos batistas
no Brasil. Entretanto, na 89ª Assembleia da Convenção Batista Brasileira ocorrida em 2009,
esses dados foram revistos e substituídos. Atualmente a Denominação reconhece como marco
inicial dos batistas brasileiros, o ano de 1871 e a igreja batista que existiu na cidade de Santa
Bárbara D’Oeste, no estado de São Paulo.
Apesar do posicionamento atual da Convenção sobre o início dos trabalhos batistas, a
origem dos trabalhos da Denominação no Brasil ainda “é motivo de ampla disputa entre os
próprios batistas”,79 não havendo harmonia entre pesquisadores, sobretudo no âmbito da
historiografia.
Há pesquisadores que concordam como válido o ano de 1871 como ano fundante dos
trabalhos Batistas no Brasil, quando os colonos norte-americanos organizaram sua igreja, em
Santa Bárbara D’Oeste, São Paulo. Enquanto outros, defendem que o marco inicial foi no ano
de 1882, na cidade de Salvador, onde os Batistas, através de missionários da Junta de Missões
Estrangeira da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, organizariam a primeira igreja
para alcance de brasileiros e com cultos realizados na língua portuguesa. A escolha por uma ou
outra tese pode ter panos de fundos que vão além dos registros históricos, como questões de
interesses pessoais, ideologias e métodos de pesquisa.
3.1 SANTA BÁRBARA D’OESTE OU SALVADOR, QUAL O
MARCO INICIAL?
Atualmente o marco inicial dos Batistas no Brasil é um dos temas mais controversos entre
pesquisadores, especialmente aqueles ligados à Denominação. José Reis Pereira foi durante
décadas considerado pela Denominação como o historiador oficial dos Batistas, ele apresentou
as razões pelas quais acreditava que a igreja em Salvador, na Bahia, fundada em 15 de outubro
de 1882, era a Primeira Igreja Batista do Brasil [PIBB]. A Convenção Batista Brasileira
reconheceu a data e inclusive foi na capital baiana que realizaram as comemorações pelo
centenário Batista no Brasil no ano de 1982.
Até a década de 1980 a questão parecia definida, era quase um consenso entre
pesquisadores. Foi quando Betty Antunes de Oliveira, através de uma extensa pesquisa,
publicada no ano de 1985, lançou uma “centelha sobre a palha seca”. Passadas três décadas da
publicação de Betty Antunes, a discussão retornou e em 2009 a CBB decidiu em Assembleia,
pela alteração da data e local, reconhecendo a Igreja que existiu em Santa Bárbara D’Oeste
como o marco inicial dos Batistas brasileiros.
A Colônia em Santa Bárbara D’Oeste foi formada com a vinda de emigrados norte-
americanos após a Guerra de Secessão. Com a vitória dos nortistas sobre os sulistas e o fim da
escravatura, defendida pelos nortistas, a imposição da cultura de industrialização foi inevitável.
Muitos que ainda cultivavam a ideia de uma cultura pautada essencialmente na agricultura e
escravidão, decidiram buscar outra terra que alimentasse seus ideais. O Brasil parecia ser a
“nova Canaã”. Era um país com extensões continentais, muita terra agricultável, além de ser, na
época, um país escravocrata.
A expectativa de reconstruir suas vidas atingidas pela guerra e os benefícios ofertados pelo
governo brasileiro serviram como atrativos para desembarcarem no Brasil. A partir de 1865,
milhares de imigrantes de diversas classes sociais, vindos do Sul dos EUA, chegaram no País.
“Havia médicos, dentistas, militares, fazendeiros, simples agricultores, operários, trabalhadores,
professores, ministros do evangelho, um jardineiro surdo-mudo, e aventureiros”.80 A maioria
professava algum credo, vieram “batistas, metodistas, presbiterianos, episcopais e católicos”.81
Em Santa Bárbara, São Paulo, seria formada a maior colônia de norte-americanos
emigrados. Betty Antunes declara que de forma espontânea, ou seja, “sem que houvesse
qualquer movimento prévio”,82 os batistas organizaram em 10 de setembro de 1871 uma igreja
batista “sob a liderança do Pr. Richard Ratcliff”.83 Foi esta igreja, conforme ficou
convencionado pelos Batistas em 2009, que marcou a origem dos trabalhos batistas no Brasil.
Mas não é a opinião de todos historiadores, sobretudo pela espontaneidade como surgiu e
como eram processados os cultos, ou seja, na língua inglesa. Sua organização estaria voltada
para o suprimento das necessidades espirituais dos colonos e não para a divulgação e expansão
das doutrinas Batistas no Brasil.
A principal pesquisa em defesa da tese do trabalho batista ter sua origem em Santa Bárbara,
pertence a Betty Antunes de Oliveira. Descendente de imigrantes que teriam participado da
organização daquela igreja em Santa Bárbara, Betty Antunes, por cerca de duas décadas,
analisaria uma vasta documentação na realização de pesquisa que foi publicada no livro
Centelha em Restolho Seco: uma contribuição para a história dos primórdios do trabalho
batista no Brasil.
Outros pesquisadores também sustentam a tese da igreja da Colônia de Santa Bárbara
D’Oeste como marco inicial. Marcelo Santos, por exemplo, escritor batista, defende que “sob
uma perspectiva histórico-religiosa, deve-se afirmar que o início do trabalho batista no Brasil
está na organização da Primeira Igreja Batista de Santa Bárbara, São Paulo, em 1871”.84
Já David Mein, no livro “O Que Deus Tem Feito”, parece utilizar-se de subterfúgios ao
analisar suas fontes, pois ao argumentar com base na matéria do Jornal Batista do ano de 1932,
informa que o missionário H. H. Muirhead, havia declarado que a Igreja em Santa Bárbara
D’Oeste “era chamada a Primeira Igreja Batista”.85 Adiante, quando menciona a organização da
igreja em Salvador, David Mein diz que os missionários vindos de Santa Bárbara, “em Salvador
organizaram uma igreja no dia 15 de outubro de 1882, com 5 membros, situada na Rua da
Canela”.86
Ao que parece, ao citar a matéria e omitir diversas informações, o escritor induz o leitor a
acreditar na tese de que os trabalhos batistas tiveram origem na Colônia de Santa Bárbara, pois,
supostamente o missionário norte-americano, H. H. Muirhead, teria afirmado que aquela

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