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Jorgevan Alves da Silva
BATISTAS
SUA TRAJETÓRIA EM SANTO ANTÔNIO DE JESUS
O FIM DO MONOPÓLIO DA FÉ NA TERRA DE PADRE MATEUS
2018
CONTATO COM O AUTOR:
Celular: 75 98803-8122 (WhatsApp)
75 99165-2287
E-mail: jorge.van@hotmail.com
mailto:jorge.van@hotmail.com
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Silva, Jorgevan Alves da
Batistas, sua trajetória em Santo Antônio de Jesus: o fim do monopólio da fé na terra do Padre Mateus, 2018. São Paulo.
Fonte Editorial
ISBN 9781073742134 (Versão Kindle)
1. Batistas 2. Santo Antônio de Jesus 3. Catolicismo e movimento evangélico 4. Pe.
Mateus Vieira de Azevedo
Versão Impressa (Editora FONTE EDITORIAL)
Capa e Diagramação
Eduardo de Proença
Revisão
Cessar Cruz
Editor Responsável
Eduardo Proença
Conselho Editorial:
Profa. Dra. Sandra Duarte de Souza
Universidade Metodista de S.Paulo (UMESP)
Prof. Dr. Luiz Alexandre Solano Rossi
PUC-PR
Profa. Dra. Elaine Sartorelli
Universidade de São Paulo - USP
Prof. Dr. Frederico Pieper
Universidade Federal de Juiz de Fora
Prof. Dr. Andrés Torres Queiruga
Universidade de Santiago de Compostela
Prof. Dr. Helmut Renders
Universidade Metodista de S.Paulo (UMESP)
Prof. Dr. Ricardo Quadros Gouvêa
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dr. Ronaldo de Paula Cavalcante
Faculdade Unida
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, de qualquer forma ou meio eletrônico e mecânico, inclusive por meio
de processos xerográficos, sem permissão expressa do autor e/ou da editora. (Lei nº 9.610 de 19.2.1998)
DEDICATÓRIA
Àqueles que sendo mártires ou incógnitos;
Compreendidos ou criticados;
Perseguidos ou acompanhados...
Escreveram as linhas desta História.
AGRADECIMENTOS
Primeiro e sobretudo agradeço a Deus, “porquanto é o Senhor quem concede sabedoria, e
da sua boca procedem a inteligência e o discernimento” (Provérbios 2.6).
Sou grato ainda:
A Solange, minha esposa; meus pais, irmãs, demais familiares e amigos;
À Primeira Igreja Batista em Santo Antônio de Jesus [PIBSAJ], seus membros e pastores;
e à Igreja Batista Betânia [IBB].
LISTA DE ABREVIATURAS
ABB – Associação Batista Brasileira
A.C. – Antes de Cristo
A.D. – Anno Domini (ano do Senhor)
AL – Alagoas
APIBB – Arquivo Particular Igreja Batista Betânia
APMSAJ – Arquivo Público Municipal de Santo Antônio de Jesus
APPIBSAJ – Arquivo Particular da Primeira Igreja Batista em Sto.
Antônio de Jesus
BA – Bahia
BRA – Brasil
CBB – Convenção Batista Brasileira
CBBA – Convenção Batista Baiana
D. – Dona
D.C. – Depois de Cristo
Dr. – Doutor
EBD – Escola Bíblica Dominical
EUA – Estados Unidos da América
IBB – Igreja Batista Betânia
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
JJJ – João-Jordão-Jerusalém
JUERP – Junta de Educação Religiosa e Publicações
OJB – O Jornal Batista
OPBB – Ordem dos Pastores Batistas do Brasil
Pe. – Padre
PE – Pernambuco
PIBB – Primeira Igreja Batista da Bahia / Primeira Igreja Batista do Brasil
PIBSAJ – Primeira Igreja Batista em Santo Antônio de Jesus Pr. – Pastor
Rev. – Reverendo
SAJ – Santo Antônio de Jesus
Srta. – Senhorita
STBNB – Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil
Sumário
PREFÁCIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I: MUNDO CRISTÃO E A FORMAÇÃO DOS TRABALHOS BATISTAS NO BRASIL
1. Da Origem do Cristianismo ao Surgimento dos Batistas
1.1 A Reforma Protestante e a Origem dos Batistas
2. Que Povo é Esse? – Construindo a Identidade Batista
3. Os Batistas na América e a Vinda Para o Brasil
3.1 Santa Bárbara D’Oeste ou Salvador, Qual o Marco Inicial?
3.2 Início do Trabalho Missionário Batista no Brasil
CAPÍTULO II: DA “BAHIA” PARA SANTO ANTÔNIO DE JESUS: A CIDADE, A IGREJA E ALGUMAS
HISTÓRIAS.
1. Um Pouco da Cidade Hoje e Ontem
1.1 A Capela do Padre Mateus e a Criação da Cidade
2. Santo Antônio [PRECISAVA] de Jesus
2.1 O Uso da Memória na História dos Batistas em Santo Antônio de Jesus
2.2 Os Primeiros Batistas Chegam na Cidade
2.3 Capitão Egídio, “Um Príncipe em Israel”
3. E a Igreja Criscia: o Processo de Formação da Igreja Batistas em Santo Antônio de Jesus
4. “Estes Que Têm Alvoraçado o Mundo, Chegaram Também Aqui”: Conflitos, Perseguições e Resistências
4.1 Resistências e Perseguições na Terra do Padre Mateus
CAPÍTULO III: O COTIDIANO DA IGREJA: O RIGORISMO BATISTA, A LIDERANÇA MASCULINA E A
“QUESTÃO RADICAL”
1. O Rigorismo Batista: Influências e Interferências na Vida Privada
2. Liderança Masculina: e as Senhoras, onde estavam?
3. A “Questão Radical”: Uma História [RE]Velada
3.1. Raízes do Movimento no Cenário Nascional
3.2. Enquanto Isso, em Santo Antônio de Jesus...
3.2.1. José Barretto: Um Líder Radical em Santo Antônio de Jesus
3.2.2 A Semente Estava Plantada: Crescia o Partidarismo
3.3.3 O Cisma e Seus Resquícios Permanentes
3.2.3.1 Patrimônio Imaterial: A quem Pertence?
3.2.3.2 Encontros e Desencontros em Uma Relação de Conflitos
CONCLUSÕES
FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PREFÁCIO
O crescimento numérico dos grupos protestantes no Brasil tem despertado o interesse
para ampliar investigações de cientistas sociais e historiadores, as quais ressaltam a
relevância dos reformados para a formação cultural do País. Este livro de autoria do
historiador Jorgevan Silva, intitulado Batistas sua trajetória em Santo Antônio de Jesus:
o fim do monopólio da fé na terra do Padre Mateus, que ora apresentamos aos leitores é
resultado de uma dissertação de Mestrado, avaliada pela banca examinadora como um
estudo relevante sobre a presença da Denominação Batista no Brasil, particularmente na
cidade de Santo Antônio de Jesus, Recôncavo baiano.
O historiador Jorgevan Silva com esta obra, ancorada na linha da História das
Religiões, acrescenta não apenas informações sobre os Batistas, mas o conhecimento sobre a
cidade de Santo Antônio de Jesus, as relações econômicas e sociais entre 1890 a 1940,
período de profundas transformações políticas no Brasil. O autor aborda a trajetória da
Denominação Batista em Santo Antônio de Jesus e os conflitos enfrentados com a instalação
da Primeira Igreja Batista, na cidade do Padre Mateus, hegemonicamente católica. Conflitos
e polêmicas advindos do proselitismo dos batistas e da resistência dos católicos em aceitar
um novo grupo concorrente no campo religioso local.
A Primeira Igreja Batista do Brasil instalou-se na Bahia em 1882, sob os auspícios de
missionários estadunidenses do sul dos EUA. Menos de uma década depois já expandiam
suas doutrinas no território baiano e localidade de Santo Antônio de Jesus tornou-se
referência. Segundo o autor, o que despertou o interesse dos missionários para a
evangelização na cidade foi sua localização, que favorecia a estratégia missionária.
“Localizada no centro de diversos municípios, após o início dos trabalhos de evangelização
ficou como ponto de apoio para os missionários, que avançaram rumo a vilas e cidades da
região, como Laje, São Miguel das Matas, Ubaíra, chegando a locais mais distantes, a
exemplo de Jequié e Vitória da Conquista”.
Em uma narrativa fluente e agradável ao leitor, baseado em documentos da
comunidade religiosa, fontes iconográficas e oficiais do município, o autor aborda a
expansão da comunidade batista na cidade, a conversão de homens e mulheres católicos, que
se filiavam à Igreja Batista de Santo Antônio de Jesus. A pregação batista atingiu várias
camadas sociais, inclusive pessoas vinculadas às elites e famílias tradicionais da região, a
exemplo do Secretário da Intendência Manoel Ignácio Sampaio, posteriormente o primeiro
pastor efetivo da Primeira Igreja Batista de Santo Antônio de Jesus, propiciando visibilidade
e respaldo para as atividades proselitistas dos líderes batistas.
A Denominação Batista no Brasil também viveu o seu processo de independência
institucional da Junta Missionária dos EUA, o qual foi precedido na Bahia pela fundação da
Igreja Batista do Garcia em 1910 e posteriormente a Missão Batista Independente. As
disputas de poder também repercutiram na Primeira Igreja Batista de Santo Antônio de
Jesus. O autor analisa de forma clara essas querelas, que ocasionaram a divisãointerna da
comunidade batista em dois grupos: fiéis favoráveis e fiéis contrários à liderança dos
missionários estadunidenses. Embates que demonstram o governo congregacional e a
consolidação das doutrinas batistas na sociedade santantoniense e brasileira.
Batistas, sua trajetória em Santo Antônio de Jesus: o fim do monopólio da fé na
terra do Padre Mateus, se constitui em leitura imprescindível para interessados em
conhecer a historiografia da Denominação Batista em Santo Antônio de Jesus e no Brasil, as
disputas no campo religioso local, bem como os meandros administrativos e o pensamento
batista. Obras com este perfil são fundamentais para fomentar o debate sobre a História
Regional, as interfaces entre a religião e o desenvolvimento das cidades do vasto território
brasileiro.
Jorgevan Silva apresenta nesta primorosa obra, reflexões necessárias tanto para os
especialistas, quanto para os leitores em geral. Em tempos de recrudescimento da
intolerância religiosa no mundo e no Brasil, o conhecimento sobre os conflitos do século
passado pode contribuir para não repeti-los, em busca da alteridade e de uma cultura
ecumênica da paz. Recomendamos a todos e todas ler e compartilhar este livro.
Feira de Santana, 28 de julho de 2018.
DRA. ELIZETE DA SILVA
Profa. Titular Plena da UEFS.
INTRODUÇÃO
Na última década do século XIX quase tudo era precário nas cidades interioranas da
Bahia. Era precária a comunicação entre pessoas de localidades diferentes; eram precários os
meios de transportes; também era precária a vida dos sertanejos assolados pelas secas.
Manoel Zeferino de Medeiros conheceu isso de perto, naquela época morava com sua
família em Santana do Camisão, hoje cidade de Ipirá, região sertaneja da Bahia, que passava
por mais um período de estiagem e seca rigorosa.
Antes de sair de Valença em meados da década de 1880 para ir morar em Santana do
Camisão, Zeferino conheceu o missionário batista Z. C. Taylor, o então pastor da recém
Igreja Batista da Bahia, organizada pelos missionários norte-americanos no ano de 1882. Em
contato com o missionário, Zeferino se tornou um crente batista.
Talvez tenha sido a nova crença, cercada de fé no auxílio constante de Jesus em favor
de seus fiéis, mensagem tão apregoada pelos batistas, que tenha levado a esposa de Zeferino,
durante aquela seca na região, a lhe propor um desafio enquanto lia num jornalzinho notícias
sobre a cidade de Santo Antônio de Jesus. Dona Cecília de Medeiros desafiou o marido sair
com a família da localidade de Santana do Camisão em busca de uma vida melhor em outra
região.
– Mas mulher, como poderemos ir para um lugar que não conhecemos ninguém? – É
preciso fé Zeferino, é preciso fé! Vamos para Santo Antônio de Jesus, que Jesus nos ajuda.
Lá conversaremos com o professor Narciso para providenciar uma morada para nós.
Segundo a narrativa de Isaías Alves no livro Matas do Sertão de Baixo, teria sido mais
ou menos esse o teor da conversa entre o casal.1
O contexto em que vivia o senhor Zeferino e sua família, aparentemente com diversas
restrições inclusive de água e alimentos, o forçou a migrar da região em que estava, em
direção a Santo Antônio de Jesus. Foi a precariedade da vida que fez com que Zeferino se
sujeitasse a outras precariedades da época.
Convencido pela mulher, Zeferino decidiu dar um novo rumo para a vida de sua
família. Fugindo da seca que assolava a região, ele e a esposa com seus seis filhos e dois
enteados, partiram de Santana do Camisão para a cidade de Santo Antônio de Jesus.
A precariedade nos meios de transportes fez aquela família viajar por cerca de 210 km,
grande parte montada em pelo de animal e em outros momentos seguiam a pé, até chegarem
ao destino. A precariedade na comunicação lhes pregaria uma peça, pois se pudessem se
comunicar com antecedência com o professor Narciso, certamente não seriam surpreendidos
com a negativa de um aposento, embora o professor tenha providenciado casa para ficarem
na região de Vargem Grande, que pertencia a Santo Antônio de Jesus.
A conjuntura em que a família Medeiros estava inserida, enredou a vinda dos
primeiros crentes batistas para a cidade de Santo Antônio de Jesus. Inicialmente foram
instalados em Vargem Grande [atual Varzedo] e pouco tempo depois, devido as
perseguições iniciadas contra a família por causa das pregações do Evangelho, tiveram que
deixar a vila para fixar residência na cidade, dando forma embrionária a Igreja Batista que
seria organizada em fins do século XIX com o apoio dos missionários norte-americanos.
Foi assim que chegaram os primeiros protestantes, crentes batistas, em Santo Antônio
de Jesus, antiga Capela do Padre Mateus. A partir do nosso contato com fontes sobre a saga
da família Medeiros e História dos Batistas na cidade, nos convencemos da importância que
um estudo sobre este grupo poderia trazer para a História, através de uma pesquisa no
âmbito da religião e religiosidade.
Nos últimos anos nota-se que o interesse por estudos sobre assuntos da religião tem
encontrado destaque no cenário mundial, diversas pesquisas vêm sendo realizadas, como
forma de entender os vários e novos fenômenos neste campo de estudo. Elizete da Silva
destaca que “vive-se hoje um pluralismo religioso onde a religião não é mais herdada, o
sentimento religioso é algo a ser buscado, práticas construídas de vários fragmentos difusos
ou de sistemas mais ou menos institucionalizados”.2
Embora o estudo sobre religião e religiosidade tenha vasta quantidade de títulos em
todo o País, na região estudada, ainda não havia nenhum trabalho com a abordagem sobre o
tema, ficando evidenciado uma lacuna na História Local, que necessitava ser preenchida
através de um trabalho com a proposta de analisar a origem dos protestantes e os conflitos
gerados a partir da chegada de uma nova doutrina para disputar o mesmo espaço, até então
de exclusividade da Igreja Católica.
Acreditamos que o estudo sobre a História dos Batistas em Santo Antônio de Jesus
tem significativa relevância para as diversas esferas da sociedade. No âmbito da
religiosidade, a pesquisa, além de proporcionar aos Batistas a possibilidade de conhecerem
suas origens, explica fatos importantes, e até então desconhecidos, sobre como foram
organizadas a Primeira Igreja Batista em Santo Antônio de Jesus e a Igreja Batista Betânia
[uma no final do século XIX e a outra na década de 1920] e suas participações em eventos
importantes da denominação no cenário nacional. Além disso, ao longo de nossa narrativa,
personagens comuns e incógnitos ganharam vida, para, de forma inspiradora, conduzir
batistas da atualidade à conscientização de que homens e mulheres comuns são agentes da
História, tão importantes quanto aqueles que foram eleitos como heróis pela História oficial
da Denominação.
A pesquisa também proporciona às demais comunidades religiosas e a sociedade em
geral, vislumbrarem indicativos para a construção do conjunto de princípios e características
peculiares que formam a identidade Batista, proporcionando uma reflexão sobre quem são e
o que os diferenciam de outros grupos, rompendo com o conceito simplista e limitado de que
o ser Batista é apenas declarar a crença na existência de um Deus e de seu Salvador. Na
abordagem sobre quem são e no que creem, são apontados elementos para a construção do
pensamento e identidade dos Batistas, evidenciando que ser batista é ser um cidadão
pertencente a uma determinada população, com papel, função e conceitos que defendem e
pelos quais declaram viver.
A cidade de Santo Antônio de Jesus, recorte espacial onde o objeto da pesquisa foi
estudado, é nacionalmente conhecida e possui destaque no cenário estadual. Os esforços de
políticos locais e de sua própria população têm servido para difundir o título, por eles criado,
de Capital do Recôncavo. Localizada no Recôncavo baiano, está a 190 km da capital e tem
uma população atual que ultrapassa os 100 mil habitantes.
Definimos como delimitação temporal o período de 1890 e 1940, um transcurso de 50
anos. Os dois limites são bastantesignificativos para a História dos Batistas na localidade. O
ano de 1890 está ligado a vinda da família Medeiros, primitivos crentes batistas da cidade,
chegados, seguramente, entre os anos de 1890 e 1892, que gerou a Igreja Batista em forma
embrionária, para posterior organização no ano de 1898. Já o ano de 1940 foi escolhido para
uma melhor análise da participação dos batistas locais no episódio que ficou conhecido
como a “Questão Radical”.
Embora para a Denominação Batista, este movimento tenha encerrado no ano de 1926,
suas sequelas perduraram por vários anos e em Santo Antônio de Jesus, conforme nos revela
a pesquisa, manteve-se com grande vigor até o ano de 1938, e após isso foi sendo arrefecido
gradativamente, mas com certa força até a década de 1970. Contudo, ainda hoje, quase 100
anos após o cisma, há questões que parecem apenas adormecidas e latentes, porém vivas no
sentimento de membros das igrejas envolvidas, conquanto tudo indique que não exista
nenhuma possibilidade das motivações daquele movimento gerarem atualmente alguma
querela entre as igrejas batistas locais.
Ao longo da pesquisa buscamos responder diversas questões sobre a origem e
cotidiano dos batistas na comunidade. Para isso dividimos a pesquisa em três capítulos
distintos, onde foram abordadas questões como a origem dos Batistas; características de sua
identidade; a chagada ao Brasil; instalação da Primeira Igreja em Salvador; expansão para o
interior da Bahia e fundação da Igreja em Santo Antônio de Jesus; a relação com a
comunidade, o cotidiano, o desenvolvimento e a participação da Igreja em diversos
momentos históricos da Denominação no Brasil até o ano de 1940.
Ainda que exista significativa quantidade de pesquisas sobre a origem dos Batistas,
percebemos que nas últimas décadas, o tema não tem sido destacado, por isso, como forma
de contribuição e na perspectiva de auxiliar leitores iniciantes, bem como estimular a
discussão sobre um tema ainda controverso, incluímos no capítulo I uma análise sobre as
correntes da origem dos Batistas; sua cosmovisão, com base nas doutrinas que defendem;
breve enfoque na vinda do grupo para o Brasil através do protestantismo de imigração e
posteriormente com o protestantismo de missão, que deu origem a evangelização e formação
de Igrejas Batistas no Brasil.
O capítulo II, centra-se no estudo regional, com foco no município de Santo Antônio
de Jesus, apresentando como a cidade foi criada e a forte relação entre sua origem e o
catolicismo; o cenário que antecede a chegada dos missionários; a chegada dos protestantes
na cidade e a resistência que encontraram, incluindo o primeiro conflito, que envolveu um
Capitão da Guarda Nacional descontente pela conversão de seu irmão às doutrinas batistas, e
que por isso teria ameaçado arrancar a cabeça do senhor Medeiros. Como veremos, o
desfecho deste caso ficou marcado na História dos Batistas no Brasil e ainda é lembrado pela
Denominação mesmo passados mais de 120 anos.
Enquanto no capítulo II lançamos um olhar para o exterior, ou seja, de dentro para
fora, na perspectiva de entender como se deu o relacionamento da comunidade com a Igreja,
no capítulo III nosso olhar é para o interior, com o fim de perceber o cotidiano, a
participação em atividades e os conflitos vivenciados pelo grupo dentro da própria
Denominação.
A grande quantidade de atas e outros documentos no arquivo da Primeira Igreja
Batista em Santo Antônio de Jesus, permitiu criar uma percepção do cotidiano dos primeiros
membros da Igreja; a relação dos fiéis com o governo da Igreja3; bem como pontuar as
interferências e influências que a Igreja exercia na vida privada dos membros, além de fazer
uma análise sobre o “lugar da mulher” nas primeiras décadas do século XX no ambiente
religioso.
O capítulo III é concluído com um dos momentos da História dos Batistas, mais
evitados por pesquisadores confessionais: a “Questão Radical”, Movimento do Norte ou
Movimento Radical, como ficou conhecido. Apesar de ter sido um Movimento iniciado em
Pernambuco, alcançou todo o Nordeste, e teve na cidade de Santo Antônio de Jesus uma
espécie de reduto dos “Construtivos”,4 pois naquela época o missionário norte-americano
M. G. White, um dos que mais resistiu ao Movimento, além de ser o coordenador das
Missões Batistas na Bahia, também era o pastor da Primeira Igreja Batista em Santo Antônio
de Jesus, interinamente. Há nos arquivos da Igreja diversos documentos sobre a questão,
incluindo cartas e bilhetes que trataram especificamente sobre o assunto. O envolvimento da
Igreja com a Questão Radical culminaria com uma cisão que deu origem a outra Igreja
Batista, no ano de 1924, e que permanece ativa até os dias atuais.
____________
Notas
1 ALVES, Isaías. Matas do Sertão de Baixo. Salvador: EDUNEB, 2010. p. 261
2 SILVA. Elizete da. Cidadãos de Outra Pátria Anglicanos e Batistas na Bahia. Tese de Doutorado – USP. São Paulo, 1998.
p. 15.
3 Para um melhor entendimento, queremos destacar aqui o conceito de Igreja para os batistas. É imperioso dizer que para os
batistas igreja não é um prédio, embora frequentemente eles mesmos façam uso do termo igreja para associar ao templo
onde ocorrem as reuniões de cultos. Dentro da eclesiologia, os batistas admitem dois entendimentos para o conceito de
igreja: a Igreja Universal e a Igreja local. A primeira faz referência ao conjunto de todos crentes regenerados em todas as
épocas e lugares, também chamada de o Corpo de Cristo. Já a Igreja local, seria a materialização da Igreja Universal em
determinado tempo e época, ou seja, enquanto a primeira é invisível e universal, a segunda é histórica, local e temporal.
Recomendamos leitura do livro “’...nós os Batistas...’ Um estudo de história das mentalidades”, de Marli Geralda Teixeira,
capítulos 1 e 2, onde a autora faz uma análise sobre os conceitos de igreja a partir do ponto de vista Batista.
4 A Questão Radical, como ficou conhecido o movimento de líderes batistas brasileiros em oposição aos missionários
norte-americanos, teve dois “partidos”: Os Radicais, como foram nominados os líderes brasileiros pelos missionários norte-
americanos, e os Construtivos, como os próprios norte-americanos se auto intitulavam.
CAPÍTULO I
O MUNDO CRISTÃO E A FORMAÇÃO
DOS TRABALHOS BATISTAS NO BRASIL
1. DA ORIGEM DO CRISTIANISMO AO
SURGIMENTO DOS BATISTAS
Desde o surgimento dos Batistas até a organização de uma Igreja na cidade de Santo
Antônio de Jesus, foi uma longa jornada. Vindos da Europa para as Américas, inicialmente
organizaram igrejas na Nova Inglaterra na terceira década do século XVII. A origem da
primeira Igreja Batista em solo americano é atribuída ao pastor Roger Williams, que veio da
Inglaterra durante o governo de Carlos I, quando cristãos que professavam fé diferente do
Anglicanismo, que era a religião oficial do país desde 1604, estavam sendo perseguidos.
Ainda que tenha encontrado alguma resistência na América do Norte, o pastor Roger
Williams conquistou seguidores e os batistas alcançaram desenvolvimento notável nos EUA.
Após a organização de igrejas em vários estados, criaram instituições que proporcionaram o
envio de missionários a diferentes países para a difusão de suas doutrinas e organizações de
novas igrejas.
Os Batistas representam uma das várias denominações de origem cristã. Por isso,
ainda que o cristianismo tenha uma vasta literatura publicada, acreditamos ser importante
uma abordagem em linhas gerais de dois dos principais fatos históricos da Igreja Cristã antes
dos Batistas entrarem em cena na História: a conversão de Constantino e a Reforma
Protestante.
Tudo começa com o nascimento de Jesus Cristo, e ainda que para a História os
acontecimentos que cercam o nascimento, vida e morte de Jesus sejam controversos e cheios
de mistérios, não há como negar sua influência na história da humanidade. O historiador
Geoffrey Blainey, a partir de uma visão cristã ocidental da História, diz que mesmo que não
se saiba a data exata deste evento, o nascimento de Jesus Cristo “foi e ainda é consideradoum acontecimento importante. Ao ser criada a cronologia atualmente adotada no mundo,
escolheu-se o ano presumido desse nascimento”.1
Por outro lado, há pesquisadores como Karl Kautsky, que desqualificam as principais
fontes da época. Para ele, além das fontes pagãs terem sido adulteradas, “os autores dos
Evangelhos eram homens extremamente ignorantes; suas ideias relativas ao assunto sobre o
qual escreviam eram completamente errôneas”.2 Mas a maioria dos pesquisadores têm
posicionamento diferente, aceitam como válidas estas fontes e se apoiam nas narrativas da
época para defender, que desde sua origem o cristianismo passou a influenciar
comportamentos e por isso, as autoridades religiosas e políticas [o Sinédrio dos Judeus e o
Império Romano] começaram as perseguições que por pouco não extinguiu o movimento
iniciado por Jesus.
As primeiras décadas da era cristã foram marcadas pela adesão de milhares de pessoas
a nova religião, proporcionando a expansão do cristianismo. Na mesma proporção que
crescia o número de adeptos, crescia também as perseguições aos cristãos dos primeiros
séculos. Paul Johnson defende que “não houve um período de tranquilidade na história da
Igreja. Em sua primeira geração, por muito pouco não foi reabsorvida pelo judaísmo”.3 As
perseguições perduraram por mais de trezentos anos, até que no século IV o destino do
cristianismo passaria por uma mudança inesperada. Paul Veyne afirma que o século IV teria
iniciado de forma complicada para a igreja cristã, pois “de 303 a 311, sofrera uma das piores
perseguições de sua história, milhares foram mortos”,4 mas no início da segunda década
daquele século houve uma grande reviravolta com a conversão de Constantino, Imperador
Romano.
Para Paul Veyne a principal razão para o desenvolvimento do cristianismo, a partir do
século IV, foi a conversão de Constantino. Ele defende que “sem Constantino, o cristianismo
teria permanecido uma seita de vanguarda”,5 acredita que dificilmente teria alcançado o
mundo da época, tão pouco evoluiria para outras regiões e continentes. O escritor batista, J.
M. Carrol, também concorda que com a conversão de Constantino “o Cristianismo tinha
alcançado uma poderosa vitória sobre o paganismo”,6 que era a principal manifestação de
religiosidade romana na época.
As motivações da conversão de Constantino ainda são questionadas, se um verdadeiro
ato de fé ou uma estratégia político-administrativa. Paul Johnson defende que “o
cristianismo tinha se tornado um fenômeno tão secular como espiritual: era uma imensa
força para a estabilidade”7 e Constantino pode ter se aproveitado disto para fortalecer seu
governo. De forma análoga, J. M. Carrol julga que Constantino teria “unido o poder
temporal do Império Romano ao poder espiritual do Cristianismo”.8
Alguns teóricos veem na aliança entre a Igreja e Constantino uma deterioração dos
pressupostos teológicos e dos ideais dos chamados cristãos primitivos. Veyne, acredita que
se não fosse a forma despótica de Constantino, possivelmente o cristianismo não teria se
tornado uma religião do cotidiano de toda uma população; “e o cristianismo só atingiu esse
ponto à custa de uma degradação, daquilo que os huguenotes9 viriam a chamar de paganismo
papista e os historiadores atuais chamam de cristianismo popular ou politeísmo cristão
(devido ao culto dos santos) e os teólogos de ‘fé implícita’ da gente inculta”.10
Paul Johnson, por sua vez, viu nesta relação uma espécie de barganha, onde ambos,
cristianismo e Constantino, tinham interesses. Questiona, entretanto, quem teria se
favorecido mais com esta associação: “Que lado se beneficiou mais com esse casamento
indecoroso entre Igreja e Estado? Ou, em outras palavras, foi o império que se rendeu ao
cristianismo ou o cristianismo que se prostituiu para o império?”11 Como declara Johnson,
dada a complexidade da história da igreja cristã primitiva, é impossível chegar a uma
resposta definitiva. Contudo, independente das respostas a que se chegue, notar-se-á que se
por um lado o império teve benefícios, por outro, a conversão de Constantino impulsionou o
cristianismo, pois foi a partir dele que houve um crescimento exponencial.
A perseguição religiosa sempre esteve presente na história do cristianismo,
inicialmente exercida contra os cristãos, pelo judaísmo, o Império Romano e a religião pagã.
A partir de Constantino inverteu-se o papel, com a criação do papado, origem e consolidação
da Igreja Católica, durante séculos a Igreja agiu com rigor e muitas vezes com violência para
dar manutenção ao poder conquistado e para evitar concorrência de grupos opostos e
dissidentes.
A Igreja Católica Romana, por mais de mil anos foi a grande força religiosa e com
influências diretas na relação entre o homem e o Estado. Ao longo desse período, muitos
foram silenciados. E só a partir do século XIV que oposições ganhariam forças para
proporcionar o advento da Reforma Protestante, abrindo as portas para o surgimento ou
reaparecimento de diversas minorias cristãs, incluindo os Batistas.
Em Santo Antônio de Jesus, como veremos, quando o fim do monopólio da fé tornou-
se uma realidade iminente, a igreja dominante resistiu e houve diversas reações e ameaças na
tentativa de impedir o avanço dos Batistas. Pierre Bourdieu destaca que “uma forma
particular da luta pelo monopólio que se instaura quando a Igreja detém um monopólio total
dos instrumentos de salvação consiste na oposição, (...) que se desenvolve segundo um
processo mais ou menos constante”.12
1.1 A REFORMA PROTESTANTE E A ORIGEM DOS BATISTAS
A Reforma Protestante não aconteceu de repente, não foram apenas questões
espirituais e a insatisfação com o modelo de igreja dominante sua causa final, existiam
outros interesses por trás das reivindicações. Certamente Lutero não teve um insight e
decidiu pregar suas 95 teses na porta de uma Igreja Católica em 1517, algo estava
acontecendo nos arredores e nos anos que antecederam o manifesto de Lutero.
Outras tentativas tinham acontecido, mas sem a mesma força e apoio que Lutero teve.
A Reforma era iminente. Na conjuntura histórica estavam diversas questões: crise interna na
igreja, promovida pela venda de coisas espirituais [indulgência, sacramento] e temporais
ligadas às espirituais, como benefícios eclesiásticos aos senhores feudais; a emergente
burguesia ganhava espaço e estava em plena ascensão, colocando em xeque questões
relacionadas à igreja; o humanismo e o movimento renascentista, com toda sua influência na
cultura, sociedade, política e religião, caracterizado pelo racionalismo em detrimento de uma
sociedade medieval fortemente influenciada pelos dogmas da Igreja Católica; entre outras.
Muitas ideias reformistas já eram claramente defendidas antes de Lutero por
movimentos classificados de heréticos. Pré-reformadores se opuseram à Igreja Católica, ora
por meio de manifestações de grupos que defendiam uma mesma ideia, ora por pessoas
isoladamente.
No século XIV, John Wycliffe (1328-1384) defendeu uma reforma na igreja, dando
significativa contribuição com a tradução da Bíblia para a língua inglesa. Suas ideias de
insurreição o fizeram ser declarado pelo clero como herege. John Huss (1369-1415) também
iniciou “levantes” contra a igreja oficial e igualmente foi considerado herege, sendo
excomungado e levado à fogueira em 1415.
Em Florença, Itália, numa tentativa de reforma com características regionais e
argumentos voltados para questões morais, Jerônimo Savonarola (1452-1498) foi mais um
silenciado pela Igreja e condenado à morte pelos mesmos motivos dos anteriores.13 Enquanto
que o francês Jacques Lefèvre (1450-1536), conforme Leslie Dusnta, teria analisado as
Escrituras e publicado “comentários sôbre alguns livros da Bíblia, antes de Lutero ter
pregado as suas Noventa e Cinco Teses no portão da igreja de Wittenberg, comentários êsses
em que o autor dava a entender a sua crença na autoridade das Escrituras para a vida
religiosa”,14 ele teria iniciado suas pregações no ano de 1512 com a defesa de uma doutrina
que ele mesmo chamavade justificação pela fé, algo inusitado para o período.
Para muitos pesquisadores teria sido em meio a essa efervescência de movimentos
Pré-reformadores e durante a Reforma Protestante que vários grupos, incluindo os Batistas,
teriam surgido. Mas com relação aos Batistas não há consenso entre os pesquisadores. Há
pelo menos três teorias ainda defendidas sobre o surgimento dos batistas: JJJ ou Jerusalém-
Jordão-João; parentesco espiritual com os Anabatistas do século XVI e a teoria da origem
nos Separatistas Ingleses do século XVII.
Nem mesmo a falta de comprovações históricas tem sido capaz de colocar a teoria JJJ
em total desuso. A teoria defende que as raízes dos batistas estão diretamente ligadas ao
próprio Jesus Cristo, fundador do cristianismo.
João, o Batista, teria aproximadamente 30 anos de idade quando decidiu, por
iluminação divina, anunciar no deserto a chegada do Messias, atraindo muitos curiosos.
Vários teriam se convertido aos seus ensinos e como testemunho de fé eram batizados ou
mergulhados nas águas do rio Jordão. Em seguida, o famoso encontro entre Jesus e João o
Batista, registrado nos Evangelhos, quando o primeiro teria sido batizado pelo segundo,
daria início à jornada cristã e marcaria o surgimento dos batistas.
Talvez por esta razão, entre as diversas denominações chamadas de protestantes,
muitos batistas resistam a tal identificação. Muitos ainda preferem ser chamados
genericamente de cristãos ou simplesmente de Batistas. Mendonça e Valasques Filho diz que
“a denominação de ‘protestantes’, dada comumente aos batistas, é recusada por eles
mesmos. Não se consideram fruto da Reforma, embora tenham assumido seus pressupostos
teológicos”.15
Não é de estranhar que esta teoria, mesmo sem fundamentação histórica, ainda tenha
sucesso entre membros da denominação, afinal a ideia é bastante agradável para seus fiéis.
Mas, para Elizete da Silva, “se, de um lado, tal corrente pode parecer muito atraente para
grupos minoritários e perseguidos, (...) de outro, é de todo impossível provar, historicamente
que os grupos religiosos que se opuseram à ortodoxia oficial, ao longo dessa trajetória, sejam
batistas”.16
Entre os séculos XVIII e XX, muitos pesquisadores da História dos Batistas
levantaram a bandeira desta teoria. Thomas Crosby publicou livros sobre o tema em 1738 e
1740; G. H. Orchard, em 1855; J. M. Cramp em 1868; John T. Christian em 1922 e outros17.
Aqui no Brasil a JJJ foi amplamente divulgada na década de 1950, tendo como principal
referência o livro O Rastro de Sangue de J. M. Carrol.18
Tanto um pesquisador quanto um leitor comum, ao dedicar-se à leitura da literatura
produzida pela Denominação no início do século XX aqui no Brasil, logo perceberá traços
que indicam referências à teoria. Documentos oficiais, como a Declaração de Fé das Igrejas
Batistas do Brasil,19 uma tradução para o português da versão norte-americana “New
Hampshire”, adotada desde a fundação da Primeira Igreja Batista em Salvador, e ratificada
em 1907 na primeira Convenção Batista Brasileira, demonstram que a liderança brasileira
também defendia a existência dos batistas em período anterior à Reforma Protestante.
De acordo a Declaração, “a designação batista surgiu no séc. XVII, mas aqueles
discípulos de Jesus Cristo estavam espiritualmente ligados a todos os que, através dos
séculos, procuraram permanecer fiéis aos ensinamentos das Escrituras, repudiando, mesmo
com risco da própria vida, os acréscimos e corrupções de origem humana”.20 O heroísmo dos
batistas está muito patente em sua literatura, que em tom apologético ufanam com o discurso
de que “como os seguidores de Cristo foram chamados de cristãos por zombadores, assim
também o povo da nossa fé foi chamado de batista pelos seus oponentes (...) o povo dessa fé
é mais antigo do que o seu nome histórico, porque é da mesma fé e ordem dos cristãos do
Novo Testamento”.21
A presença dos pressupostos da teoria JJJ, explícita ou implicitamente, na literatura
batista no Brasil foi tão marcante, que fez dela a teoria “mais difundida entre os batistas
brasileiros”,22 mas o sucesso desta teoria no Brasil se deu, sobretudo, porque ela foi
inculcada pelos missionários norte-americanos num período em que não havia outras leituras
históricas. Entretanto, apesar de sua difusão nos primórdios dos batistas no Brasil, de sua
grande aceitação entre brasileiros, e de admiradores em outros países, “o seu pecado capital
é a falta de respaldo histórico”,23 como afirma Elizete da Silva.
Embora seja incomum nas últimas décadas encontrar historiadores que a defendam,
parece que a corrente vem ganhando novo vigor nos Estados Unidos da América. Por lá, foi
lançado recentemente um novo livro com base em uma série de palestras no ano de 2008,
com abordagem sobre o tema. No livro Baptist History,24 seus autores fazem defesas
calorosas sobre a origem dos Batistas ainda no primeiro século da era cristã.
Na tentativa de reascender a chama da JJJ, Dan Cozart, diz que a perseguição aos
verdadeiros cristãos do século I não os fizeram abandonar seus princípios, mas, já no início
do século II, “Satanás começou a semear sementes malignas da discórdia”,25 e nos anos
seguintes a igreja cristã começaria a aderir ritos e ensinos divergentes aos deixados por seu
fundador, até que “em 251 d.C. as verdadeiras igrejas locais romperam a comunhão com
aquelas igrejas que praticavam tais heresias. Os excomungados se tornaram o núcleo da
Igreja Católica Romana”.26 Neste ponto ele conclui dizendo que “embora eles não fossem
conhecidos como batistas, como tal, eles sustentavam vários princípios batistas”.27 E
acrescenta: “Batistas não têm fundador, senão Cristo. Eles não são produtos da Reforma.
Eles não saíram do catolicismo, mas precederam o catolicismo por centenas de anos”.28
A segunda teoria da origem dos Batistas, ainda com boa aceitação por pesquisadores
da atualidade, defende que seu surgimento está associado a um grupo religioso do período da
Reforma Protestante, que ficou conhecido como Anabatistas. O apodo “anabatista” tem
como significado “re-batizadores”, trata-se da união de duas palavras gregas cujo prefixo
“ana” significa novamente e enquanto “batista”, significa batizar, ou seja, aqueles que
batizam novamente. A etimologia do termo anabatista é importante para entendermos que
vários grupos distintos, desde o século III, foram nominados de anabatistas não
necessariamente por seu conjunto de doutrinas, mas, em geral, pela exigência de um novo
batismo como rito inicial para ser reconhecido como membro na comunidade. Mesmo no
século XVI, grupos com doutrinas diferentes eram identificados como anabatistas.
Associa-se à origem dos Batistas àqueles que admitiam um conjunto de doutrinas
muito próximas das propagadas pelos Batistas ainda hoje. À medida que se compara as
semelhanças doutrinárias defendidas pelos Batistas atuais e os seus supostos precursores do
século XVI, esta teoria ganha forças. São muitas as semelhanças: “batismo por imersão de
adultos; comunidade constituída de elementos que são batizados como convertidos; eleição
dos pastores e oficiais pela congregação local; governo congregacional, onde cada
congregação delibera e toma suas decisões, e separação do Estado”.29 Ainda podemos
acrescentar que a ceia era vista como um memorial, tendo como elementos o pão e o vinho,
portanto não havia a sacralização desses elementos; defendiam a autoridade suprema da
Bíblia, enquanto Escritura Sagrada; e, ainda que Tomaz Münzer tenha sido classificado
como um anabatista, que liderou a Revolta dos Camponeses com armas em punho, os
anabatistas do passado, assim como os batistas contemporâneos, de forma geral têm suas
imagens mais vinculada a defesa do pacifismo do que a manifestações violentas.
Não bastasse as várias semelhanças doutrinárias há ainda a associação de seus nomes,
que em certo período da história ambos os nomes fizeram referência a um mesmo grupo,
conforme destaca Elizete da Silva: “os dois vocábulos batista e anabatista foram usados
alternadamente referindo-se ao anabatismo”.30E ainda hoje é comum haver entre
historiadores contemporâneos, certa identificação entre batistas e anabatistas, de modo que,
ao realizar estudos sobre a História dos Batistas, pesquisadores tendem a concordar que “é
impossível falar em batistas do século XVII sem vinculá-los a anabatistas do século XVI”.31
Por outro lado, muitos pesquisadores manifestam-se contrários à vinculação entre os
dois grupos. Zaqueu de Oliveira, pastor e escritor batista, é categórico em seu
posicionamento. Para ele apesar de que “alguns estudiosos chegam a confundir os
anabatistas e batistas como se fosse apenas um grupo”32 não há como vinculá-los. Ainda
acrescenta que “o fanatismo dos radicais quiliastas ou milenaristas, principalmente na
década de 1530, embotou a memória dos anabatistas” e que por isso eles ficaram na história
como que “se formassem uma unidade com os fanáticos de Münster”.33
Elizete da Silva acredita que a resistência de alguns pesquisadores em aceitar a
vinculação dos Batistas aos Anabatistas, especialmente os confessionais, pode ter
motivações justamente na “recusa em admitir, na gênese batista, a comunidade Münster,
formada por camponeses revolucionários e anabatistas que queriam instalar o Reino de Deus
na terra, não só através do coração dos homens, mas também pelo fio da espada”.34
No Brasil não encontramos literatura que se aprofunde no tema, mas a teoria do
parentesco espiritual com os Anabatistas foi amplamente divulgada em vários países,
especialmente no século XIX. Entre os clássicos sobre esta corrente encontra-se “General
History of the Baptist Denomination in America, and other partes of the Word” de David
Benedict publicado em 1813; “The Story of the Baptists in all Ages and Countries” de
Richard B. Cook, 1884; e Thomas Armitage, em “A History of the Baptists”, publicado no
ano de 1890.
Armitage, além de advogar a teoria, critica historiadores que defendem a gênese dos
batistas como uma sucessão dos apóstolos de Cristo, afirmando: “Muitos que não são
católicos pensam que se não conseguirem desenrolar uma sucessão contínua de igrejas
regularmente organizadas, perdem a sua genealogia por uma ruptura na corrente, e assim
deixam de provar que são Igrejas apostólicas legítimas”.35
Por fim, a terceira corrente sobre a origem desta Denominação, associa seu surgimento
aos Separatistas Ingleses do século XVII. Após a Reforma Protestante vários movimentos
tiveram origem, alguns com propostas que iam além das pregadas na porta da Igreja de
Wittenberg por Lutero. Diferenças como o ritualismo de celebração do batismo e da ceia,
por exemplo, davam conta de que novos grupos cristãos estavam se formando, e neste
sentido, atribui-se o surgimento dos batistas aos “separatistas ingleses, especialmente
aqueles que eram congregacionais na eclesiologia36 e insistiam na necessidade do batismo
somente de regenerados”.37
Na Inglaterra, a Igreja Anglicana foi estabelecida como religião oficial do país. Como
muitos se recusaram a aderir algumas de suas doutrinas, formaram grupos em oposição ao
Anglicanismo, dos quais se destacam os Puritanos e os Separatistas. Este último, sob a
liderança de John Smyth, recebeu ordem de emigrar do país para não sofrer outras sanções.
John Smyth foi para Holanda, onde conseguiu reunir um grupo de seguidores e, na cidade de
Amsterdam, no ano de 1609, organizou aquela que é considerada por alguns como a
primeira igreja batista do mundo moderno. Mais tarde, um de seus seguidores, Thomas
Helwys, retornaria para Inglaterra e em Londres organizaria a primeira Igreja Batista da
Inglaterra no ano de 1611.
Para pesquisadores desta corrente, o aparecimento de informações sobre os Batistas
com datas anteriores a 1610 são considerados fatos isolados e Henry Vedder declara que só
“depois do ano de 1610 temos uma sucessão ininterrupta de igrejas batistas, estabelecidas
por documentos indubitáveis”.38 Pressupõem-se que os documentos a que Vedder se referiu,
sejam atas e outros documentos de constituição dessas igrejas, bem como troca de
correspondências e referências em literaturas da época.
Assim como as anteriores, a teoria dos Separatistas Ingleses tem diversos defensores.
Além de Henry C. Vedder, figuram entre os principais, os seguintes pesquisadores:
Augustos Hopkins Strong; Robert G. Torbert, Kenneth Scott Latourette, o qual resume o
porquê de defender esta teoria em dois pontos: “1º Ela não violenta os princípios da exatidão
histórica”, criticando a teoria JJJ e “2º Os Batistas não partilham com os Anabatistas a
aversão destes pelos juramentos e pelos cargos públicos não adotaram doutrinas anabatistas
como [...] a necessidade da sucessão apostólica para a ministração do batismo”.39
Atualmente no Brasil a teoria dos Separatistas Ingleses do século XVII parece ser a de
maior aceitação entre historiadores e escritores, especialmente os da Denominação Batista.
Zaqueu Moreira de Oliveira, Jorge Pinheiro, Marcelo dos Santos, entre outros, advogam que
os Batistas tiveram sua origem a partir dos Separatistas Ingleses. Já no ramo acadêmico,
entre os principais pesquisadores as opiniões ainda se dividem. Marli Geralda Teixeira e
Elizete da Silva, por exemplo, tem opiniões diferentes, enquanto a primeira fundamenta suas
convicções da origem dos Batistas na teoria dos Separatistas Ingleses do século XVII, a
segunda, por sua vez, defende que os Batistas têm origem com os Anabatistas do século
XVI.
Como foi dito, não há consenso quanto a verdadeira origem dos Batistas, e algumas
perguntas sobre o tema podem ser levantadas: Seria possível estabelecer na atualidade uma
resposta definitiva para questão? A ausência de documentos anula por completo a teoria JJJ?
Só se pode falar na existência dos Batistas a partir dos Separatistas Ingleses? 
Estas e outras perguntas continuam abertas para novas respostas. Como vimos, mesmo
bastante contestada, encontramos simpatizantes contemporâneos para a corrente JJJ. As
opiniões se dividem e ao que parece, o consenso sobre a gênese dos Batistas está longe de
acontecer entre os pesquisadores do tema. Por outro lado, inevitável admitir que a hipótese
apresentada pela JJJ está cada vez mais distante de encontrar quaisquer respaldos
documentais que a sustente.
Já em relação as demais teorias, talvez outras pesquisas sejam necessárias para, quem
sabe, encontrar novos indícios da formação do grupo que lancem luz sobre questões
obscuras. Pesquisas que não se restrinjam apenas na busca pelo nome “batista” vinculado a
um grupo de forma ininterrupta no decurso da história, pois seguindo apenas este critério,
possivelmente a discussão fosse encerrada com a conclusão de que sua existência ocorre a
partir de 1609 na Holanda e mais especificamente a partir de 1610 na Inglaterra.
Outras variáveis como semelhanças doutrinárias, condutas morais, liturgia de cultos e
cosmovisão, ainda podem ser reavaliadas com novos olhares para talvez se inferir que houve
uma evolução ou adaptação de grupos cristãos que adotaram nomes diversos em épocas
distintas e cujas práticas possam ser diretamente associadas àquelas que os Batistas vem
defendendo nos últimos séculos.
Neste sentido, a partir do parentesco entre antigos Anabatistas e Batistas da atualidade,
bem como por seus supostos fundadores [segundo a teoria dos Separatistas Ingleses: John
Smith e Thomas Helwys] terem ligações com os Menonitas, descendentes diretos dos
Anabatistas, pensamos não haver discrepância em defender que os Batistas tiveram sua
origem nos Anabatistas, ou que são uma continuidade daquele grupo.
Ao longo da História do Cristianismo sempre houve resistências às alterações que
ocorreram em suas doutrinas, incluindo aquelas após a conversão de Constantino. Foi
também por discordar das alterações na cosmovisão do cristianismo do primeiro século que
vários grupos de oposição surgiram em fases embrionárias e existiram entre os anos 300 a
1500.
Nos séculos IV e V há referências aos Montanistas, Novicianos e Puritanos; século VI
Paterinos, Cátaros e Donatistas; séculos VIII ao XI os Paulicianos e nos séculosseguintes
estão presentes Anabatistas, Waldenses e outros.40 A existência desses grupos classificados
como heréticos pela igreja oficial, mas que se identificavam como cristãos num período
antes da Reforma Protestante, indicam que em nenhum momento o cristianismo se resumiu
Igreja Católica. E como sugere Elizete da Silva, “embora só se possa falar em batistas, com
respaldo histórico a partir dos Separatistas Ingleses do início do século XVII, se constituiria
num atentado à veracidade histórica pretender que os batistas apareceram de repente do
nada”.41
Desta forma, caberá a outros historiadores que sentirem-se desafiados à novas
investigações sobre o tema, o uso do bom senso, para que o excesso de rigor pelo método, na
tentativa de vincular uma data ao nome Batista, não os levem a agir de forma parecida à
crítica feita por Leslie Dusnta ao dizer que alguns pesquisadores produzem uma “História
que se ocupa dos eventos e problemas humanos e data com precisão o momento em que o
protestantismo nasceu. Mas êsse tipo de História esquece as fôrças que se movem, muitas
vêzes inobservadas, sob a superfície dos eventos”,42 ou seja, talvez a análise da origem dos
Batistas exija um olhar diferente sobre as outras “forças” ou variáveis que podem trazer
novas respostas.
Por fim, sabendo que muitas das informações associadas às teorias de origem dos
Batistas, em alguns pontos são similares e noutros são díspares, o que dificulta tanto
apreendê-las quanto diferenciá-las, como forma de auxiliar a compreensão e visualizar
melhor as diferenças, elaboramos o quadro 1 a seguir, que apresenta sinteticamente o que
cada uma das correntes sugere como hipótese para origem dos Batistas; as doutrinas
praticadas; argumentos utilizados para sustentação teórica; seus principais teóricos e as
evidências ou fontes históricas que servem para amparar e sustentar cada teoria. [Por
questões de configuração, Quadro 1 está disponível apenas na versão impressa].
2. QUE POVO É ESSE? – CONSTRUINDO
A IDENTIDADE BATISTA
Até aqui fixamos que os Batistas formam um grupo religioso dentro do cristianismo e que
mesmo não havendo consenso quanto ao período que surgiram, eles se consolidaram a partir do
século XVII. Entretanto estas informações não são suficientes para entender quem é esse povo.
Algumas questões devem ser levantadas: Eles representam uma igreja, seita ou denominação?
Quais são seus distintivos? O que pensam sobre o mundo e qual sua cosmovisão? Como se
relacionam com o Estado? Qualquer pessoa pode se declarar batista? Enfim, qual a identidade
dos Batistas e o que os diferencia de tantos grupos da atualidade que também se declaram
cristãos?
Os batistas se estabeleceram no Brasil com a organização de diversas igrejas através de um
projeto missionário a partir de 1882. Estão presentes em todos os estados brasileiros, contudo, a
despeito dos mais de anos de presença no Brasil, o que os batistas defendem como doutrinas
parece latente para a maioria da população brasileira e até os fiéis das igrejas, em grande
número, mostram desconhecer as raízes da construção da identidade Batista, quem são, de onde
vieram e em que fundamentam sua fé.
Inicialmente precisamos estabelecer a classificação de religião, seita, igreja ou
denominação para os Batistas. A classificação ou terminologia atribuída aos Batistas tem
variado a depender da ótica de quem os estuda. É possível encontrar quem se refira ao grupo
como religião, outros por seita, ou ainda uma denominação.
Quando Max Weber realizou seus estudos sobre “A ética protestante e o espírito do
capitalismo”, ele criou um conceito de tipologia religiosa que consideramos bastante rígido,
isso porque, de certa forma, ele analisa várias manifestações religiosas distintas e atribui um
único conceito. Weber defende que na classificação dos diversos grupos religiosos nada existe
além de religião, igreja e seita. Ideia também defendida por Ernest Troeltsch que “classificou os
grupos religiosos em dois tipos opostos, a saber Igreja e Seitas”.43
É com base nesta classificação que Weber sugere que toda manifestação religiosa nascida a
partir do protestantismo são seitas, dando como exemplo os Anabatistas. Ele diz que é “claro
que os anabatistas sempre rejeitaram a designação de ‘seita’. Eles são a Igreja no sentido da
Epístola aos Efésios (5,7). Mas para nossa terminologia são ‘seita’”.44
A maioria não concorda com esta ideia, pois no estudo sobre religião há espaço para outras
designações. Elizete da Silva, citando Milton Ynger, propõe a classificação religiosa em Igreja
universal, representada por uma estrutura de caráter internacional agregando amplos setores;
Igreja, grupo religioso aliado ao Estado e grupos dominantes; Denominações, grupos
minoritários em busca do seu espaço social; e Seitas, representadas por comunidades religiosas
compostas por pessoas que se agregam ao grupo de forma voluntária e mantém a recusa de
transigir com a sociedade em geral.45
Atualmente existem diversos grupos que se identificam como cristãos e que tiveram suas
origens em momentos e formas distintas, o que requer uma tipologia mais ampliada. Israel Belo
de Azevedo, escritor batista, apresenta uma proposta de classificação que embora bastante
fragmentada, parece apropriada e contemporânea. Ele classifica os diversos grupos religiosos
como Religiões, Igrejas, Movimentos, Seitas, Agências e Denominações.46
Na sua classificação Israel Belo apresenta os seguintes conceitos: Religiões são os sistemas
antigos, bem elaborados e universais com seus dogmas expressos em um livro sagrado. As
Igrejas, por sua vez, são as instituições com regras próprias com o fim de rotinizar crenças e
práticas dos fiéis de certa religião. Já os Movimentos, são manifestações religiosas paralelas a
grandes religiões e sem a preocupação de organização burocrática. Enquanto que a Seita, diz
respeito às manifestações religiosas centradas em um líder e um conjunto de regras e práticas
bem definidos. As Agências, com suas estruturas menores, são representadas por organizações
de serviços sociais, cujos integrantes são normalmente recrutados nas igrejas. E por fim, as
Denominações, cujo conceito seria grupos no interior de uma religião que defendem certo
conjunto de tradições seguidas por igrejas. Neste sentido, Israel Belo de Azevedo, conclui que
“os batistas integram uma denominação”.47
Elizete da Silva também concorda que a melhor classificação para os Batistas é o de
Denominação. Ao discorrer sobre os batistas em suas pesquisas ela sempre se refere ao grupo
como denominação. Quando introduziu a discussão sobre os Batistas no livro Fiel é a Palavra:
leituras históricas dos evangélicos protestantes no Brasil, afirma que tratará “especificamente
da Denominação Batista”48 e em seguida esclarece que “para um melhor entendimento é
necessário destacar a diferença entre o conceito de denominação, o qual se reporta a um grupo
religioso organizado, que tem visibilidade, busca a respeitabilidade e está a meio termo entre
igreja e seita”.49 De igual modo, a maioria dos pesquisadores têm preferido a classificação de
Denominação para designar os Batistas. E mesmo havendo divergências sobre a origem do
grupo, [se antes, durante ou após Reforma Protestante] há um consenso quanto a influência que
receberam dos outros grupos nascidos no período da Reforma.
No Brasil, a cosmovisão dos batistas foi fortemente influenciada pelos seus pioneiros, os
missionários norte-americanos, que por sua vez foram formados a partir dos pilares do
protestantismo europeu, especialmente dos ingleses.
O protestantismo iniciado na Europa se espalhou pelo mundo, e não obstante as
divergências entre Reformadores, eles conseguiram dialogar em vários aspectos doutrinários.
Para Max Weber são essencialmente quatro, [calvinismo, pietismo, metodismo e anabatismo] os
portadores históricos do protestantismo ascético e “nenhum desses movimentos se achava
absolutamente isolado um dos outros, e nem mesmo era rigorosa sua separação das igrejas
protestantes não ascéticas”.50
Os reformistasconseguiram se unir em torno de várias questões doutrinárias. Entretanto,
em alguns pontos as controvérsias foram [e permanecem até os dias de hoje] inevitáveis entre as
comunidades religiosas oriundas da Reforma. Quando fazemos, por exemplo, uma comparação
entre os principais grupos da época da Reforma, sobre a percepção que tinham com relação aos
alicerces da justificação ou salvação pela fé, encontramos significativas variações.
A convergência dos reformadores em alguns pontos como o da exaltação ao personagem
Jesus, o Cristo, enquanto Salvador do homem; na autoridade das Escrituras, enquanto revelação
de Deus; e na fé, como elemento indispensável para a salvação concedida pela graça divina,
[solus Christus, sola fide e sola Scriptura – só Cristo, só a fé e só as Escrituras], não impediu
que em outros pontos os primeiros grupos protestantes tivessem posições diferentes e até
opostas.
Questões sobre a moralidade, influenciadas pelo utraquismo e taborismo,51 ou sobre o
envolvimento do grupo com o Estado, não eram unânimes, e em alguns casos foram
antagônicas. Calvinistas e Anabatistas, por exemplo, eram bipolares na questão do
envolvimento entre a Igreja e o Estado. Enquanto o primeiro grupo defendia uma aliança, o
segundo, a separação total. Os Batistas, inclusive, herdaram este traço, a tal ponto, que é
possível encontrar na atualidade igrejas locais que vão além do princípio da separação entre a
Igreja e o Estado, elas resistem até à candidatura de membros ao pleito eletivo em quaisquer das
esferas de governo.
A doutrina da salvação [soteriologia] e a doutrina da igreja [eclesiologia] são pontos onde
também as divergências apareceram. Enquanto Calvino defendia que a salvação era fruto da
predestinação, os anabatistas estabeleciam a necessidade da regeneração para uma nova vida em
Cristo. Com relação a eclesiologia, Lutero, Calvino e Zwinglio, apresentavam a igreja como
uma comunidade oriunda da misericórdia de Deus, o que também era defendido pelos
anabatistas, entretanto acrescentavam que a igreja é uma associação formada por pessoas salvas
que voluntariamente se apresentam para filiar-se ao grupo.52
Talvez por estas divergências comuns a grupos Protestantes, e bem presentes na história
dos Batistas, que o escritor e pastor batista, Carlos Novaes, surgira que o grupo seja controverso
e tenham vocação para a intolerância.53 Novaes conta uma anedota em que, após um náufrago
chegar em uma ilha perdida no meio do oceano encontra quatro crentes. Um presbiteriano, um
metodista e dois batistas. O náufrago teria sido convidado pelos dois primeiros a conhecer o
templo que juntos construíram. Na fachada estava escrito apenas o termo Igreja Evangélica. Em
seguida, recebeu o convite dos dois batistas para também visitar “suas igrejas: A Primeira
Batista da Ilha Perdida e, quase ao lado, a Batista Memorial da Ilha”.54
Apesar da anedota, em geral os batistas não reconhecem os traços de intolerância e
defendem que a Denominação é destacada pela apologia à liberdade. No passado chegaram a ser
criticados pelo excesso de defesa que fizeram a liberdade do indivíduo e foram rotulados de
excessivamente tolerantes. W. C. Taylor, escritor da Denominação, recusou este título dizendo
que os Batistas não admiravam a mera tolerância, mas insistiam “na liberdade de crença, a
separação da igreja e o estado, a voluntariedade em religião, na família, no estado, na escola e
em toda vida cristã. Morreremos para que outros tenham a liberdade de anunciar seus princípios
religiosos, embora discordemos dos mesmos princípios”.55 A insistência pela liberdade de
expressão e de consciência do indivíduo parece que sempre esteve presente no discurso Batista
e nos ideais da Denominação. Desde o século XVII, o grupo defendia a liberdade do indivíduo.
De acordo a Max Weber, “o primeiro documento oficial de uma comunidade religiosa exigindo
como direito a proteção positiva da liberdade de consciência por parte do Estado foi o art. 44 da
Confession of the (Particular) Baptists de 1644”.56
Por outro lado, sobre a liberdade que defendem, é necessário dizer que embora no discurso
Batista frequentemente apareça o direito de liberdade individual como um de seus distintivos,
essa liberdade é o que poderíamos chamar de “liberdade da porta para fora”, ou seja, sua práxis
e conceito se esvaziam à medida que o indivíduo, voluntariamente, decide ser incorporado à
comunidade por meio de sua profissão de fé e batismo.57
Em outras palavras, a liberdade que defendem pode ser experimentada por aqueles que não
são pertencentes às suas comunidades, visto que, o cidadão batista já exerceu a liberdade
quando decidiu se tornar um membro de uma Igreja Batista e invariavelmente este indivíduo
terá que abrir mão de sua liberdade para manter-se filiado à Igreja. É como Marli Geralda
afirma, “uma vez dentro da igreja, o indivíduo abdica de sua liberdade em favor da instituição”,
ou ainda, “o indivíduo é livre para obedecer não para contestar ou discordar”.58
Os membros das igrejas batistas não terão a liberdade para o erro ou pecado, seus desvios
doutrinários jamais foram tolerados, ainda que tenham a liberdade para fazê-los, contudo serão
disciplinados, ou seja, excluídos do rol de membros da comunidade local.59
Portanto a liberdade propagada pelos batistas é relativa, seus membros vivem sob constante
“vigilância” e interferências na vida particular. Na Igreja de Santo Antônio de Jesus não foi
diferente, conforme veremos na abordagem sobre as influências e interferências dos líderes na
vida privada dos crentes.
A Confissão de Fé dos Batistas é um importante documento para que possamos conhecer
melhor o grupo e entender como seu pensamento é construído. Historicamente, à medida que os
Batistas alcançam um novo país, eles organizam suas Convenções em âmbitos estaduais e
nacionais. Essas Convenções são instituições de agremiações de igrejas, a fim de fortalecê-las e
de defender os interesses da Denominação. Neste processo de defesa dos interesses, entre outras
ações, as Convenções elaboram documentos que servem de base para as igrejas, dos quais o de
maior relevância é a sua Confissão de Fé ou Declaração Doutrinária.
Embora possa se falar de documentos elaborados por John Smith em 1609, por Thomas
Helwys em 1611 e outros posteriores, que são apresentados como Declarações de Fé Batista,
considera-se que a consolidação da Confissão de Fé do grupo, aconteceu no ano de 1644 na
cidade de Londres. Foi a partir dela que outras foram elaboradas, e ainda que exista algumas
diferenças, a base doutrinária é a mesma em vários países. A Confissão de Fé, revela traços
significativos da visão que os batistas têm sobre a relação do homem com Deus e com o mundo.
Desde as primeiras Confissões de Fé, os batistas evidenciavam como uma de suas
principais diferenças com relação aos demais grupos evangélicos da atualidade, o
congregacionalismo como forma de governo da igreja. Mais que uma organização
institucionalizada a igreja é para os batistas a união de pessoas que admitem professar uma fé de
forma voluntária, filiando-se à comunidade por meio do batismo, a qual tem autonomia em seus
atos. O governo eclesiástico é exercido por líderes escolhidos pela congregação, não se
submetendo a nenhuma esfera religiosa superior, conforme estabelece a referida confissão:
“Cada igreja tem poder que lhe é dado por Cristo para seu bem-estar, a fim de escolherem entre
eles pessoas capazes. (...) Ninguém tem poder de lhes impor estes ou aqueles”.60
No Brasil, a Confissão de Fé que foi adotada pelos Batistas foi uma tradução da New
Hampshire de 1833 da Convenção Batistas do Sul dos Estados Unidos. Ela foi declarada como
Confissão de Fé da Denominação desde a organização da Primeira Igreja Batista através das
missões norte-americanas, na cidade de Salvador em 1882. A Confissão New Hampshire tem
muita semelhança com a Confissão de Fé Batista publicada em 1689 em Londres, é
praticamente uma réplica onde seus artigos aparecem quase que na mesma ordem e os artigos
abordam sistematicamenteos mesmos assuntos.
Outra marca distintiva dos Batistas é a defesa da autoridade da Bíblia. Em sua Declaração
de Fé confessam a infalibilidade da Bíblia e declaram ser a única autoridade para revelar a
vontade de Deus aos homens. O documento diz que “a Bíblia é a Palavra de Deus”, “é o registro
da revelação que Deus fez de si mesmo aos homens”, “sendo Deus seu verdadeiro autor” e
conclui que as Sagradas Escrituras “constituem a única regra de fé e conduta”61 para os Batistas.
Portanto, não aceitam nenhuma literatura em pé de igualdade com a Bíblia, além de estabelecer
que ela é autoridade máxima e inquestionável para direcionar as questões da vida na Terra e no
além.
Diferentemente de outros grupos, não possuem um manual para regulamentar a conduta dos
membros. Marli Geralda destaca que os Batistas não adotaram um “código organizado, que
regula a postura do indivíduo perante Deus, a igreja e a sociedade. Enfaticamente, afirmam em
várias oportunidades que as Escrituras, sobretudo o Novo Testamento, encerram as regras de fé
e prática determinadas por Deus”.62
São definitivamente criacionistas. Acreditam que Deus é o criador do homem, que o fez
segundo sua imagem e semelhança, essencialmente bom, mas em um ato livre de desobediência,
o homem teria caído em pecado, passando a ser, por natureza, inclinado à prática do mal.
Todavia Deus teria um plano para resolver o problema da alteração da natureza humana e por
providência divina, foi enviado o Salvador Jesus para remissão dos pecados humanos.
De forma resumida, com base em documentos produzidos pelos próprios Batistas, sua
identidade centra-se na ideia de liberdade individual, ainda que relativizada, como vimos; suas
comunidades são formadas por voluntários que aderem os seus princípios através da profissão
pública de fé e batismo; não reconhecem nenhum manual e normativo de conduta além da
Bíblia; suas igrejas locais são independentes, não devendo sofrer quaisquer interferências,
mesmo de órgãos criados pelos próprios Batistas para agremiação de suas igrejas; e estabelecem
a separação entre a Igreja e o Estado.
Além dessas doutrinas explicitamente defendidas em seus documentos, há de se acrescentar
que a identidade religiosa do grupo, sob o argumento da crença na soberania de Deus versus
natureza pecadora do homem, impõem aos seus fiéis a necessidade de serem “pessoas
diferentes” das demais, tanto na sua relação com Deus, quanto na relação social.
Marli Geralda destaca que “a mentalidade batista se orienta a partir da submissão do
homem a Deus e à Igreja, o controle do seu corpo não lhe pertence e jamais poderá ser usado
para o seu próprio prazer”.63 Nesta perspectiva, foi implantado no Brasil pelos missionários
norte-americanos a ideia de que “o crente precisa ser diferente”.
Em sua análise sobre a ética protestante, Rúbem Alves aponta em quais áreas os
protestantes, tacitamente, estabeleceram como pontos para demonstração de possuidores de um
“viver diferente” com relação à sociedade onde estão inseridos. Ele sugere que é possível
organizar essas áreas em cinco classes distintas:64 os pecados sexuais, regidos pelo princípio de
que o sexo é permitido apenas dentro do casamento, ou seja, toda e qualquer atividade sexual
exercida fora do casamento ou extraconjugal deve ser punida com a disciplina (retirada do rol
de membros) da igreja; as transgressões do domingo, que não apenas diz respeito a ausência em
atividades realizadas pela igreja, mas o ato de envolver-se no dia santificado em atividades de
lazer e prazer pessoal; os vícios, tais como fumar, beber e jogar; os crimes contra a
propriedade, ou seja, a transgressão de normas de honestidade; e os crimes de pensamentos,
também chamados de heresias.
Para Marli Geralda, a lógica imposta pelos batistas estaria fundamentada na seguinte
questão: “a sociedade joga, fuma, bebe, une-se maritalmente, acompanha a moda, dança,
diverte-se? O batista repudia tudo isso, exatamente porque são comportamentos socialmente
aceitos e generalizados, fundamentados na valorização do prazer”.65
Por fim, neste processo de “diferenciar-se” dos demais, os batistas estabeleceram como
parâmetro, que ser diferente era ser o oposto do catolicismo, ou seja, a conduta e a religiosidade
dos fiéis católicos, não serviam como padrões para a vida e por tanto deveriam ser repudiadas.
Por isso Diogo Peterson acredita, que o processo de criação da identidade religiosa Batista
demonstra “ter na fé católica, um elemento muito importante para sua formação aqui no Brasil,
pois era através da negação do catolicismo que começou a ser conhecida a nova fé batista”.66
3. OS BATISTAS NA AMÉRICA E A VINDA PARA O BRASIL
A Reforma Protestante tinha ocorrido há mais de anos. Na Europa várias ramificações que
surgiram no cristianismo a partir da Reforma buscavam sua consolidação, algumas até com
apoio do Estado, como foi o caso da Igreja Anglicana na Inglaterra que adquiriu o status de
religião oficial em 1604 e o rei James I gerou uma onda de perseguições, pois queria
uniformidade religiosa das igrejas protestantes, em nome da ordem social.
A intolerância religiosa continuou com o filho, Carlos I, quando assumiu o trono em 1625.
Neste período muitos ingleses deixaram o país e José Reis Pereira informa que “foi em virtude
dessa nova onda de perseguição que um jovem pastor, formado pela Universidade de
Cambridge resolveu deixar a Inglaterra”,67 em direção a América do Norte.
Roger Williams buscaria refúgio na Nova Inglaterra em 1631 e “presumidamente em março
de 1639”, organizaria a Igreja Batista que é considerada a primeira em solo americano. O
próprio pastor teria dado o nome àquela localidade de Providence e “até hoje existe a Primeira
Igreja Batista de Providence, no atual Estado norte-americano de Rhode Island”.68
Nos anos seguintes os batistas conseguiram organizar outras igrejas nos EUA e a partir do
século XVIII a Denominação se estabiliza com a fundação de diversas igrejas e criação de
entidades da Denominação. Já no século XIX, foi fundada Convenção Batista do Sul dos
Estados Unidos e a Junta de Missões Estrangeira de Richmond, que enviaria missionários norte-
americanos para a organização de Igrejas Batistas no Brasil.
Vários motivos teriam despertado o interesse dos norte-americanos no processo de
evangelização do Brasil. Elizete da Silva destaca que os interesses foram desde o religioso “com
o objetivo precípuo de salvar os pecadores da danação eterna”, até fatores originados a partir do
“contexto socioeconômico e político dos EUA, na segunda metade do século XIX”.69
Outros fatores que teriam motivado a vinda de vários grupos protestantes, incluindo
Batistas, apontados pela mesma pesquisadora foram: “a busca de novas terras e de velhas
práticas, como agricultura e a escravidão”; o apoio do governo imperial brasileiro, que “deu um
grande incentivo à imigração norte-americana”; o interesse dos Estados Unidos em superar a
Inglaterra que ocupava a primeira posição no comércio exterior do Brasil e neste sentido houve
a tentativa de “intensificação do comércio entre EUA e o Brasil após a década de 1860”,70
inclusive com o apoio de colportores71 que “não só divulgaram a Bíblia e as doutrinas
protestantes, como aconselhavam e incentivavam a intensificação do comércio e das relações
entre o Brasil e os EUA”.72
A primeira tentativa de estabelecer igrejas da Denominação no Brasil teria acontecido no
ano de 1860. A Junta de Missões de Richmond enviou o missionário Thomas Jefferson Bowen
com a missão de estabelecer uma Igreja Batista em solo brasileiro, mas Bowen ficou no Brasil
por aproximadamente nove meses, tempo que não foi suficiente para o aprendizado da língua e
conquista de adeptos para formar uma igreja.
Para alguns escritores batistas, há pelo menos três fatores possíveis para o fracasso da
missão. Primeiro, o missionário T. J. Bowen não teria recebido da Junta de Missões o apoio
necessário para “executar a tarefa que lhe havia confiado”,73 afirma Betty Antunes. Segundo,
“não foi bem-sucedido em sua missão, em grandeparte por causa de sua saúde”,74 já que por
vários anos teria atuado como missionário na África do Sul, onde adquiriu um sério problema
de saúde. Terceiro, acrescenta José R. Pereira, “parece que não tinha ideia muito nítida de qual
deveria ser seu trabalho”,75 hipótese que é de se estranhar, considerando que Bowen era um
experiente missionário.
Jorge Nery de Santana traz à luz um novo olhar sobre o trabalho do missionário. Para ele, o
“fracasso” do missionário T. J. Bowen na primeira tentativa de missão dos Batistas no Brasil,
pode ser melhor associado ao fato de Bowen ter iniciado sua evangelização a africanos
escravizados no Rio de Janeiro. O pesquisador ressalta que “Bowen era visto como um suspeito
que se aproximava dos escravos os quais buscavam notícias de sua terra e de seu povo [...]
lembranças perigosas para quem estava no exílio e no cativeiro”.76
Independentemente das reais razões que levaram o missionário Bowen a encerrar
precocemente sua missão ao Brasil, acreditamos que possivelmente não foram limitações físicas
e de estratégias. Jorge Nery, diz que o missionário T. J. Bowen quase sempre é “tratado na
historiografia oficial Batista como um homem doente, que não sabia qual deveria ser seu
trabalho”,77 mas as próprias palavras de Bowen em uma carta enviada à Convenção de
Richmond apontam que sua saúde não era impeditivo para continuar seu ideal de evangelização
do Brasil, bem como sabia exatamente o que queria, disse ele: “Penso estar, agora, no meu
último cenário do trabalho. [...] Se eu viver mais 20 anos, espero ser sepultado no Brasil ou em
algum país vizinho. [...]”.78 Entretanto não foi o que aconteceu, a Junta de Richmond abortou a
missão no Brasil e o missionário teve que retornar ao seu país. Passariam vários anos até que a
Junta de Missões Estrangeiras da Convenção Batista de Richmond conseguisse organizar uma
igreja em solo brasileiro.
Por décadas, a data de 15 de outubro de 1882 e a Primeira Igreja Batista organizada na
Bahia foram reconhecidas pela Convenção Batista Brasileira como o marco inicial dos batistas
no Brasil. Entretanto, na 89ª Assembleia da Convenção Batista Brasileira ocorrida em 2009,
esses dados foram revistos e substituídos. Atualmente a Denominação reconhece como marco
inicial dos batistas brasileiros, o ano de 1871 e a igreja batista que existiu na cidade de Santa
Bárbara D’Oeste, no estado de São Paulo.
Apesar do posicionamento atual da Convenção sobre o início dos trabalhos batistas, a
origem dos trabalhos da Denominação no Brasil ainda “é motivo de ampla disputa entre os
próprios batistas”,79 não havendo harmonia entre pesquisadores, sobretudo no âmbito da
historiografia.
Há pesquisadores que concordam como válido o ano de 1871 como ano fundante dos
trabalhos Batistas no Brasil, quando os colonos norte-americanos organizaram sua igreja, em
Santa Bárbara D’Oeste, São Paulo. Enquanto outros, defendem que o marco inicial foi no ano
de 1882, na cidade de Salvador, onde os Batistas, através de missionários da Junta de Missões
Estrangeira da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, organizariam a primeira igreja
para alcance de brasileiros e com cultos realizados na língua portuguesa. A escolha por uma ou
outra tese pode ter panos de fundos que vão além dos registros históricos, como questões de
interesses pessoais, ideologias e métodos de pesquisa.
3.1 SANTA BÁRBARA D’OESTE OU SALVADOR, QUAL O
MARCO INICIAL?
Atualmente o marco inicial dos Batistas no Brasil é um dos temas mais controversos entre
pesquisadores, especialmente aqueles ligados à Denominação. José Reis Pereira foi durante
décadas considerado pela Denominação como o historiador oficial dos Batistas, ele apresentou
as razões pelas quais acreditava que a igreja em Salvador, na Bahia, fundada em 15 de outubro
de 1882, era a Primeira Igreja Batista do Brasil [PIBB]. A Convenção Batista Brasileira
reconheceu a data e inclusive foi na capital baiana que realizaram as comemorações pelo
centenário Batista no Brasil no ano de 1982.
Até a década de 1980 a questão parecia definida, era quase um consenso entre
pesquisadores. Foi quando Betty Antunes de Oliveira, através de uma extensa pesquisa,
publicada no ano de 1985, lançou uma “centelha sobre a palha seca”. Passadas três décadas da
publicação de Betty Antunes, a discussão retornou e em 2009 a CBB decidiu em Assembleia,
pela alteração da data e local, reconhecendo a Igreja que existiu em Santa Bárbara D’Oeste
como o marco inicial dos Batistas brasileiros.
A Colônia em Santa Bárbara D’Oeste foi formada com a vinda de emigrados norte-
americanos após a Guerra de Secessão. Com a vitória dos nortistas sobre os sulistas e o fim da
escravatura, defendida pelos nortistas, a imposição da cultura de industrialização foi inevitável.
Muitos que ainda cultivavam a ideia de uma cultura pautada essencialmente na agricultura e
escravidão, decidiram buscar outra terra que alimentasse seus ideais. O Brasil parecia ser a
“nova Canaã”. Era um país com extensões continentais, muita terra agricultável, além de ser, na
época, um país escravocrata.
A expectativa de reconstruir suas vidas atingidas pela guerra e os benefícios ofertados pelo
governo brasileiro serviram como atrativos para desembarcarem no Brasil. A partir de 1865,
milhares de imigrantes de diversas classes sociais, vindos do Sul dos EUA, chegaram no País.
“Havia médicos, dentistas, militares, fazendeiros, simples agricultores, operários, trabalhadores,
professores, ministros do evangelho, um jardineiro surdo-mudo, e aventureiros”.80 A maioria
professava algum credo, vieram “batistas, metodistas, presbiterianos, episcopais e católicos”.81
Em Santa Bárbara, São Paulo, seria formada a maior colônia de norte-americanos
emigrados. Betty Antunes declara que de forma espontânea, ou seja, “sem que houvesse
qualquer movimento prévio”,82 os batistas organizaram em 10 de setembro de 1871 uma igreja
batista “sob a liderança do Pr. Richard Ratcliff”.83 Foi esta igreja, conforme ficou
convencionado pelos Batistas em 2009, que marcou a origem dos trabalhos batistas no Brasil.
Mas não é a opinião de todos historiadores, sobretudo pela espontaneidade como surgiu e
como eram processados os cultos, ou seja, na língua inglesa. Sua organização estaria voltada
para o suprimento das necessidades espirituais dos colonos e não para a divulgação e expansão
das doutrinas Batistas no Brasil.
A principal pesquisa em defesa da tese do trabalho batista ter sua origem em Santa Bárbara,
pertence a Betty Antunes de Oliveira. Descendente de imigrantes que teriam participado da
organização daquela igreja em Santa Bárbara, Betty Antunes, por cerca de duas décadas,
analisaria uma vasta documentação na realização de pesquisa que foi publicada no livro
Centelha em Restolho Seco: uma contribuição para a história dos primórdios do trabalho
batista no Brasil.
Outros pesquisadores também sustentam a tese da igreja da Colônia de Santa Bárbara
D’Oeste como marco inicial. Marcelo Santos, por exemplo, escritor batista, defende que “sob
uma perspectiva histórico-religiosa, deve-se afirmar que o início do trabalho batista no Brasil
está na organização da Primeira Igreja Batista de Santa Bárbara, São Paulo, em 1871”.84
Já David Mein, no livro “O Que Deus Tem Feito”, parece utilizar-se de subterfúgios ao
analisar suas fontes, pois ao argumentar com base na matéria do Jornal Batista do ano de 1932,
informa que o missionário H. H. Muirhead, havia declarado que a Igreja em Santa Bárbara
D’Oeste “era chamada a Primeira Igreja Batista”.85 Adiante, quando menciona a organização da
igreja em Salvador, David Mein diz que os missionários vindos de Santa Bárbara, “em Salvador
organizaram uma igreja no dia 15 de outubro de 1882, com 5 membros, situada na Rua da
Canela”.86
Ao que parece, ao citar a matéria e omitir diversas informações, o escritor induz o leitor a
acreditar na tese de que os trabalhos batistas tiveram origem na Colônia de Santa Bárbara, pois,
supostamente o missionário norte-americano, H. H. Muirhead, teria afirmado que aquelaera
Primeira Igreja Batista e que apoiava tal ideia.
A extensa matéria que ocupou quatro páginas de O Jornal Batista, publicada em 11
fevereiro de 1932, teve por título, “Princípios do Trabalho Baptista no Brasil”, e embora H. H.
Muirhead diga que o Rev. E. H. Quillian “foi o pastor da Primeira Igreja Batista no Brasil”,
referindo-se à igreja que existiu em Santa Bárbara D’Oeste, ele não deixa dúvida que defendia
como marco dos Batistas no Brasil a Igreja da Bahia.
O missionário H. H. Muirhead inicia dizendo que “a comissão de programa intimou-me a
falar-vos dos primeiros cincoenta annos dos trabalhos baptista no Brasil”87 [grifo nosso]. A
frase aponta que os missionários norte-americanos [comissão do programa] concordavam que o
início do trabalho Batista foi na Bahia, tanto que, estavam em comemorações do cinquentenário
da obra Batista no Brasil e não do 61º aniversário.
Quando narra sobre a chegada do missionário W. B. Bagby, Muirhead diz que enquanto
aguardava a chegada do outro casal de missionários e “estudava a língua, o Dr. Bagby pregava e
animava as duas igrejas americanas”88 [grifo nosso], ou seja, aquelas duas igrejas construídas
em Santa Bárbara D’Oeste pelos norte-americanos, não eram para os brasileiros, mas de
americanos. H. H. Muirhead conclui que “em 15 de outubro de 1882 (...) organizaram-se em
igreja. Assim foi organizada a primeira Igreja Baptista Brasileira, ainda que quatro dos
cinco membros eram estrangeiros, pois era a primeira igreja baptista no Brasil organizada
com o propósito de dar o evangelho aos brasileiros...”89 [grifo nosso].
A Bahia como berço dos trabalhos batistas no Brasil não é uma ideia recente, a data reflete
fatos históricos, reconhecidos e referendados pelos pioneiros batistas no Brasil e por
pesquisadores diversos. Por ocasião da realização da primeira Convenção Batista Brasileira, a
igreja em Salvador foi estrategicamente escolhida para sediar o evento, porque coincidia com
uma data representativa, como noticiou O Jornal Batista em 27 de junho de 1907 dizendo que “a
Primeira Convenção Baptista Brazileira, commemorando 25 anos de entrada dos primeiros
evangelizadores no território nacional, felicita a Nação em V. Ex., fazendo votos a Deus pela
prosperidade e grandeza do Brazil”90 [grifo nosso].
Salomão Ginsburg, em sua biografia [publicada inicialmente nos EUA no ano de 1922],
não só declara que o trabalho batista teria iniciado em Salvador, como coloca a capital baiana
como o centro para o desenvolvimento dos batistas brasileiros. Diz que “foi na capital,
Salvador, que a primeira igreja batista brasileira foi fundada, no ano de 1882”; além de na
capital baiana João Batista, se tornar “o primeiro ministro batista nativo ganho, batizado e
depois ordenado ao ministério”; houve “a primeira tentativa de criar a Casa Publicadora
Batista”; “o primeiro livro batista foi publicado na língua portuguesa”; “adquiriu sua primeira
propriedade, a velha prisão jesuíta”; “reuniu a primeira Convenção Batista Brasileira em 1907”;
“a primeira Junta de Missões Nacionais e a Junta de Missões Estrangeiras”; foi “iniciado o
trabalho da União da Mocidade Batista”; e conclui dizendo que “para os batistas, portanto, a
Bahia é um grande centro histórico”.91
José Reis Pereira concluiu em sua pesquisa que o início do trabalho Batista não pode ser
associado à igreja de Santa Bárbara, apesar de ela ser “a primeira igreja batista estabelecida em
solo brasileiro, era, entretanto, uma igreja de língua inglesa, fundada para servir aos colonos”,92
seus membros não teriam desenvolvido a língua portuguesa e, portanto, não estavam envolvidos
na proclamação do Evangelho e no proselitismo que foi implantado pelos missionários, ou seja,
“não era uma igreja missionária”.93
As observações de Marli Geralda sobre a igreja em Santa Bárbara, trazem semelhanças às
de Reis Pereira. Ressalta que “as atividades religiosas que passaram a desenvolver, mantinham-
se nos limites do protestantismo de imigração”, sua organização não foi sob a orientação ou
supervisão das Juntas de Missões dos EUA e os cultos se processavam apenas na língua inglesa.
Desta forma, aquela igreja não seria consequência “do planejamento missionário de nenhuma
Missão Batista Americana, mas exclusivamente da necessidade sentida pelos batistas imigrantes
de atender seus anseios espirituais e morais”.94
Elizete da Silva, de igual modo sustenta a tese de que, ainda que em Santa Bárbara D’Oeste
famílias batistas tenham organizado “a Primeira Igreja Batista em território brasileiro”, ela não
deve representar o marco inicial dos batistas no Brasil, isso porque “esse primeiro núcleo batista
instalado no Brasil tinha todas as características de protestantismo de imigração”,95 ou seja, as
motivações para a origem da igreja em Santa Bárbara D’Oeste, ao contrário do protestantismo
missionário, que tem como objetivo primordial a organização de igrejas num país, sob alegação
de salvação das almas, buscava estritamente atender as necessidades de imigrantes protestantes
que vieram em busca de oportunidades financeiras. A organização da igreja foi em
consequência da presença dos imigrantes na colônia e não um projeto de expansão dos Batistas.
Como já informamos, a igreja surgiu espontaneamente.
Conquanto sejam inegáveis as contribuições de Betty Antunes, pois ela reuniu em seu
trabalho várias informações inéditas, documentos até então não analisados e um olhar diferente
sobre a questão, entendemos que sua contribuição apenas reforça aquilo que já estava patente
sobre as igrejas em Santa Bárbara D’Oeste e o marco inicial dos Batistas no Brasil, ou seja, os
templos batistas construídos na década de 1870 foram para congregar imigrados dos EUA que
deixaram seu país após a Guerra de Secessão, mas não tinham como objetivo a implantação e
expansão das doutrinas da Denominação no Brasil.
Desta forma, aquelas Igrejas devem ser classificadas como protestantismo de imigração e
não representaria a origem dos trabalhos missionários Batistas no Brasil, o que nos leva a
concluir que o marco inicial Batista ou Primeira Igreja Batista do Brasil, foi a organizada em 15
de outubro de 1882 na cidade de Salvador. Pois, conforme T. B. Ray, Secretário da Junta de
Missões de Richmond, “a tentativa de Bower de fundar uma missão no Brasil falhou, e a
conexão da Junta de Missões Estrangeiras com a igreja em Santa Bárbara era mais fraternal do
que administrativa”.96
Com isso não se nega ou despreza os esforços do missionário T. J. Bower no período de
1860-1861 e nem a importância das igrejas que existiram em Santa Bárbara D’Oeste. O trabalho
do missionário Bower não foi infrutífero. Basta ler o livro de Betty Antunes97 para ver sua
dedicação e esforços na tentativa de divulgação de suas doutrinas e do Evangelho. É provável
que ao sair do Brasil tenha deixado pessoas convictas na fé batista. Por outro lado, o missionário
T. J. Bower, por várias razões, não conseguiu organizar uma igreja em território brasileiro.
Com relação às igrejas em Santa Bárbara, elas não foram organizadas para evangelização
dos brasileiros, tanto que à medida que os colonos iam morrendo e outros retornando ao país de
origem, a igreja ia perdendo força até deixar de existir. A narrativa de H. H. Muirhear mostra
que ainda no final do período imperial [1888], “a igreja de Santa Bárbara já tinha entrado em
decadência e era composta apenas por 24 membros, todos americanos”.98
A recente alteração promovida pela CBB no que concerne ao início dos trabalhos batistas
no Brasil, pode ter sido influenciada por acontecimentos bem recentes: a exclusão da Primeira
Igreja Batista do Brasil da Convenção Batista Baiana e da Convenção Batista Brasileira, por seu
envolvimento no movimento carismático que ficou conhecido como G-12.99
O que inicialmente era apresentado como um método de evangelização, mais tarde ficou
evidenciado que o Movimento G-12 introduzia nas igrejas que aderiram, diversas doutrinas
neopentecostais. A Convenção Batista Brasileira manifestou-se contraria as novas doutrinas e
decidiu agircom rigor, determinando o abandono imediato das práticas do G-12, sob pena de
exclusão das igrejas do rol da CBB em caso de resistência à ordem. Muitas igrejas atenderam ao
apelo, outras resistiram, entre elas a Primeira Igreja Batista do Brasil.
Na sua 79ª Assembleia, entre os dias 2 e 6 de julho de 2002, a Convenção Batista Baiana
[CBBA] decidiu desligar a Primeira Igreja Batista do Brasil da Convenção, o que foi
posteriormente referendado pela Convenção Batista Brasileira. Com a exclusão da PIBB, a
Convenção ficou sem seu referencial histórico e não coincidentemente começou uma série de
questionamentos sobre o verdadeiro marco inicial dos Batistas no Brasil. A tese de Betty
Antunes de Oliveira voltou ao circuito e, ao que parece, como era mais fácil admitir a Igreja
Batista em Santa Bárbara D’Oeste como a igreja fundante dos trabalhos batistas, do que juntar
“os cacos” que restaram da Primeira Igreja Batista do Brasil, a CBB cedeu às cobranças,
reconhecendo na Assembleia da Convenção realizada no ano de 2009, que a igreja batista dos
emigrados norte-americanos que existiu em Santa Bárbara até 1910, representava o marco
inicial da Denominação no Brasil.
3.2 INÍCIO DO TRABALHO MISSIONÁRIO BATISTA NO
BRASIL
Tudo indica que a vinda dos primeiros missionários que organizaram a Igreja em Salvador
teve influência do general Alexandre Travis Hawthorne, que inicialmente viera ao Brasil para
criação de uma nova colônia para imigrantes norte-americanos.
Aparentemente o general teria usado de seu prestígio militar para conseguir uma “entrevista
pessoal com o Imperador D. Pedro II”,100 mas embora Crabtree declare que recebeu a
autorização do Imperador para a instalação da colônia, e ainda que ele tenha mostrado interesse
por “um lugar para sua colônia no Vale do Jequitinhonha, uns 200 km ao sul da cidade da
Bahia”,101 não há registros que este projeto tenha ido adiante. Ele retornou aos Estados Unidos,
onde permaneceria até a morte.
Quando o general Hawthorne esteve no Brasil ainda não fazia parte da Denominação
Batista, mas em 1880 ele se converteu e passou a utilizar sua influência para defender, junto às
entidades da Denominação nos EUA, o envio de missionários para o Brasil. Após se tornar um
batista, chegou ao cargo de coordenador de missões estrangeiras da Junta de Richmond, e cerca
de um ano após sua conversão conseguiria viabilizar o envio dos missionários que organizariam
as primeiras Igrejas Batistas em território brasileiro.
A princípio, o casal Willian Buck Bagby e Anne Luther Bagby foram designados para dar
início as atividades missionárias. Chegaram no Brasil em março de 1881. Cerca de um ano
depois, desembarcaria o segundo casal de missionários norte-americanos, com o objetivo de
auxiliar os Bagbys na missão: Zachary Clay Taylor e Kate Stevens Crawford Taylor.
Os dois casais de missionários encontram o apoio de um ex-padre que tinha abandonado o
sacerdócio após contato com protestantes. Antônio Teixeira de Albuquerque é considerado o
primeiro brasileiro a ser batizado em uma Igreja Batista e, também, foi o primeiro brasileiro a
ser consagrado ao ministério pastoral pela Denominação no Brasil.
Foi também Antônio Teixeira que se dedicou no ensino da língua portuguesa aos casais de
missionários, para que pudessem iniciar a evangelização. Com certa fluência na língua
portuguesa, faltava escolher o local para começar os trabalhos da Missão Batista e após algumas
avaliações decidiram pela Bahia.
O missionário W. B. Bagby escreveu um relatório à Junta de Richmond explicando o
porquê da escolha. A Bahia, como chamavam a capital Salvador, era a segunda maior cidade do
Império, ficando atrás apenas do Rio de Janeiro; possuía grande população; com regiões
próximas bem povoada e muito produtiva; permitia acesso a outros centros tanto por mar, rios e
estradas de ferro; e praticamente não havia grupos protestantes evangelizando na região. Esses
seriam os motivos da escolha, apresentados pelo missionário à Junta de Richmond.102
Chegando na Bahia, em agosto de 1882, inicialmente tiveram pouco apoio. A resistência
aos protestantes era muito grande, o que não é de se estranhar, haja vista que, como o próprio
missionário Z. C. Taylor registrou em sua biografia, a capital da Bahia tinha uma forte presença
católica além de já “ter sido a capital civil e agora ser a Capital eclesiástica do País”.103
Salvador era na época a sé do arcebispo e o catolicismo estava tão presente no cotidiano do
povo, que, anos antes, em viagem para as Índias, o missionário Henri Martyn, ancorou no porto
da Bahia, e durante os dias que ali ficou, aproveitou para pregar o Evangelho à população. Ao
partir, comentaria em seu jornal: “Cruzes há em abundância, mas quando será pregada a
doutrina da cruz?”. 104
Dois meses tinham passados desde que chegaram e “nenhuma alma” havia se convertido às
doutrinas, para se unir ao grupo. Por isso decidiram oficializar a organização da igreja com
apenas cinco membros. Em 15 de outubro de 1882, fruto de um trabalho sistemático e de um
projeto de expansão missionária, onde os cultos eram realizados em língua portuguesa e tinha o
objetivo fundamental de abrigar brasileiros que se convertessem, foi fundada pelas missões
norte-americanas a Primeira Igreja Batista do Brasil, inicialmente constituída pelos missionários
W. B. Bagby e sua esposa Anne Bagby; o missionário Z. C. Taylor e a esposa Kate Taylor; e o
ex-padre Antônio Teixeira de Albuquerque.
Durante os meses seguintes insistiam na pregação do Evangelho e das doutrinas Batistas,
quase sempre em locais públicos ou em casas de pessoas que se interessavam pelos estudos.
Muitas pessoas se aproximaram, a maioria curiosas, outros abraçaram a fé e “como resultado de
dois anos de trabalho, podiam contar ao final do ano de 1884, 50 novos membros, convertidos e
batizados, seguindo o rito batista, isto é, imersão e batismo de adultos”.105
Depois da organização da igreja na cidade de Salvador, a estratégia dos missionários para o
alcance maior de seus objetivos foi a realização de evangelização em vários locais. O
missionário W. B. Bagby e sua esposa foram para o sudeste do Brasil onde organizariam várias
igrejas; Antônio Teixeira de Albuquerque para a província de Alagoas, sua terra natal; e o
missionário Z. C. Taylor desbravaria o interior da Bahia, organizando diversas igrejas,
notadamente no Recôncavo baiano, entre elas a Primeira Igreja Batista em Santo Antônio de
Jesus.
____________
Notas
1 BLAINEY, Geoffrey. Uma Breve História do Cristianismo. São Paulo: Editora Fundamento Educacional Ltda., 2012. p.16
2 KAUTSKY, Karl. A Origem do Cristianismo. Tradução de Luiz Alberto Moniz Bandeira. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2010. p. 50. Na primeira parte do livro, páginas 37 a 58, apresenta argumentação na tentativa de demonstrar que todas
as fontes do período de Jesus, tanto as fontes pagãs, quanto as fontes cristãs (a Bíblia) são cheias de equívocos e adulterações que
as desqualificam.
3 JOHNSON, Paul. História do Cristianismo. Tradução de Cristina de Assis Serra. Rio de Janeiro: Imago Editora, 2001. p. 80
4 VEYNE, Paul. Quando Nosso Mundo Se Tornou Cristão: (312-394). Tradução de Marcos de Castro. Rio de Janeiro:
Civilizações Brasileiras, 2010. p. 11
5 Ibid. p. 14
6 CARROL, J. M. O Rastro de Sangue. Campo Grande: Primeira Igreja Batista do Medanha, [196-]. p. 19
7 JOHNSON, Paul. História do Cristianismo... Op. cit., p. 93
8 CARROL, J. M. O Rastro de Sangue... Op. cit., p. 19
9 Huguenotes foi o nome dado aos seguidores das igrejas protestantes na França no século XVI. Esses protestantes teriam sido
fortemente influenciados pela teologia de João Calvino e pertencia a Igreja Reformada. Apesar das discussões em torno da
origem do termo, a hipótese mais aceita entre estudiosos associa a origem do nome a Hugues Besançon, um suíço que liderou o
partido prol independência de Genebra. Os huguenotes eram oposição declarada do sistema papista e dos ensinos católicos, além
de participarem influentemente das questões políticas, o que lhes rendeuuma forte perseguição tanto do clero quanto da nobreza.
Esta perseguição culminaria em guerras civis e religiosas durante o século XVI e o mais sangrento desses conflitos ocorreu em
agosto de 1572 e ficou conhecido como o massacre ou a noite de São Bartolomeu, quando milhares de huguenotes foram
assassinados.
10 VEYNE, Paul. Quando Nosso Mundo... Op. cit., p. 74
11 JOHNSON, Paul. História do Cristianismo... Op. cit., p. 86
12 BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Tradução de Sérgio Miceli. São Paulo: Perspectiva, 2007. 62
13 NATEL, Ângela. Teologia da Reforma. Curitiba: Editora Intersaberes, 2016. p. 24
14 DUSNTA, J. Leslie. Protestantismo. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1964. p. 11
15 MENDONÇA, Antônio Gouvêa; VALASQUES FILHO, Prócoro. Introdução ao Protestantismo no Brasil. São Paulo: Edições
Loyola, 1990, p. 42
16 SILVA, Elizete da; Os Batistas no Brasil. In: “Fiel é a Palavra”: Leituras históricas dos evangélicos protestantes no Brasil.
Organizadores: Elizete da Silva; Lyndon de Araújo Santos e Vasni de Almeida. Feira de Santana: UEFS Editora, 2011. p. 285
17 PEREIRA, José Reis. Breve História dos Batistas. Rio de Janeiro: JUERP, 1972. p. 7
18 Autor de um pequeno livro, fruto de uma série de conferências, que foi largamente difundido entre os Batistas brasileiros com
o título de “O Rastro de Sangue”. Logo no início do livro, Carrol afirma que “o que conhecemos hoje como ‘cristianismo’ ou
religião cristã começou com Cristo entre os anos 25 e 30 da nossa era, dentro dos limites do Impero Romano”. No decorrer do
livro ele apresenta argumentos na tentativa de provar que esta igreja permanecera firme mesmo sendo perseguida e massacrada
pelo Império Romano e a Igreja Católica – sobretudo no período da Idade Média, ou como Carrol prefere enfatizar, Idade das
Trevas. Quando aborda este período histórico, ele chama a atenção do leitor dizendo que “vamos traçar uma linha através dos
1200 anos de trevas da meia-noite, escurecidos pelos rios e mares do sangue mártir, (...) Encontraremos muita hipocrisia como
também muita força (...) Desejamos se for possível, traçar através da história verossímil, mas principalmente através da história
verdadeira e infalível, palavras e características da verdade divina” (CARROL, 1960. p.10)
19 A primeira Declaração de Fé dos Batistas Brasileiros foi a tradução da Confissão de Fé de New Hampshire, elaborada pelos
batistas norte-americanos no ano de 1833. Esta Declaração, apenas traduzida para a língua portuguesa, seria oficialmente a
Declaração de Fé dos Batistas Brasileiros até o ano de 1986, quando a Convenção Batista Brasileira decidiu atualizar, passando a
vigorar a atual Declaração de Fé da Denominação, com pequenas alterações em relação à anterior.
20 CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA. Declaração Doutrinária Batista Brasileira. Disponível em <
http://www.batistas.com./portal-a n t i g o / i n d e x . p h p ? o p t i o n = c o m _ c o n t e n t & v i e
w=article&id=15&Itemid=15&s how all=1>. Acessado em 27 mar. 2017.
21 CRABTREE, A. R. História dos Batistas no Brasil até o ano de 1906. Rio de Janeiro. Casa Publicadora Batista, 1962. p. 29
22 SILVA, Elizete da. Os Batistas no Brasil... Op. cit., p. 284
23 Ibid. p. 284
24 COZART, Dan. Baptist History. Organizador: Laurence and Lyndy Justice. Kansas City, Missouri: Victory Baptist Church,
2008. Livro sem publicação no Brasil. A tradução do inglês para o português dos trechos citados deste e outros livros no decorrer
deste trabalho, foram feitas pelo pesquisador e é de inteira responsabilidade do mesmo.
25 Ibid. p. 5. “Satan began to sow evil seeds of discord”.
26 Ibid. p. 5. “In 251 AD, the true local churches withdrew fellowship from those churches practicing such heresies. The
excommunicated ones became the nucleus of the Roman Catholic Church”.
27 Ibid. p. 5. “Though they were not known as Baptists as such, they did hold to various Baptist tenets”.
28 Ibid. p. 6. “Baptists have no founder but Christ. They are not products of the Reformation. They did not come out of
Catholicism, but rather preceded Catholicism by hundreds of years”.
29 SILVA, Elizete da. Os Batistas no Brasil... Op. cit., p. 285
30 Ibid. p. 285.
31 Ibid. p. 285
32 OLIVEIRA, Zaqueu Moreira de. Um Povo Chamado Batista: história e princípios. 3. ed. revista e ampliada. Recife: Kairós
Editora, 2014. p. 51
33 Ibid. p. 51
34 SILVA, Elizete da. Os Batistas no Brasil... Op. cit., p. 285
35 ARMITAGE, Thomas. A History of the Baptists. New York: Bryan, Taylor & Co., 1890. p. 12. “And many who are not
Catholics think that if they fail to unroll a continuous succession of regularly organized churches, they lose their genealogy by a
break in the chain, and so fail to prove that they are legitimate Apostolic Churches”
36 O termo eclesiologia tem origem no grego a partir da junção de duas palavras: ekklesia e logos. A eclesiologia faz referência
ao ramo da teologia cristã que tem como fim o estudo das questões vinculadas às doutrinas da igreja, tais como seu papel na
salvação, sua origem, disciplinas, seu relacionamento com os demais sistemas do mundo, o papel social da igreja, sua relação
com outras denominações, seu envolvimento com o Estado, entre outros.
37 PEREIRA, José Reis. Breve História dos Batistas... Op. cit., p. 8
38 VEDDER, Henry Clay. Apud SANTOS, Jorge Pinheiro dos; SANTOS, Marcelo. Os Batistas: controvérsias e vocação para a
intolerância. São Paulo: Fonte Editora, 2012. p. 22
39 PEREIRA, José Reis. Breve História dos Batistas... Op. cit., p. 8
40 CARROL, J. M. O Rastro de Sangue... Op. cit. [mapa anexo ao livro]. Os Montanistas, chamados de hereges pela Igreja no
século IV, no entendimento de Johnson (2001, p. 99), teriam sido os primeiros a protestarem contra o clero. Narrando sobre
Tertuliano, um cristão Puritano do século IV, que se tornaria um montanista, diz que este teria feito reivindicações contra a
liderança da igreja por terem decidido que tinham poder para perdoar qualquer pecado após o batismo. Diz Johnson: logo
Tertuliano, um “antigo flagelo dos hereges, por assim dizer, [foi] o primeiro protestante. (...) Em seu tempo de ortodoxia, atacara
os hereges montanistas por ‘conferirem até à laicidade as funções do sacerdócio’. Agora, tendo repudiado o poder penitencial,
tornou-se ele próprio montanista”.
41 SILVA, Elizete. A Missão Batista Independente: uma alternativa nacional. Dissertação Mestrado - UFBA: Salvador, 1982.
p.43
42 DUSNTA, J. Leslie. Protestantismo... Op. cit., p. 12
43 TROELTSCH, Ernest. Apud SILVA, Elizete. Protestantismo Ecumênico e Realidade Brasileira: evangélicos progressistas em
Feira de Santana. Feira de Santana: UESF Editora, 2010. p. 39
44 WEBER, Max. A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo. Tradução de José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo:
Companhia da Letras, 2004. p.242. Sobre o conceito de seita, acrescentamos que o termo seita tem origem no latim, da palavra
“secta”, cujo significado seria seguidor. O termo era normalmente utilizado para designar uma corrente religiosa, filosófica ou
política, ramificada de uma doutrina principal. Secta, por sua vez seria a tradução para o latim do termo grego háiresis ou heresia,
que em grego significava o mesmo que escolha, tomar partido ou corrente de pensamento. Por outro lado, a ideia conceitual para
o termo seita, especialmente no âmbito religioso, tem sentido pejorativo, vinculado ao termo heresia e que em geral é atribuído a
grupos que defendem ideias contrárias àquelas comumente aceitas por grupos numericamente maiores, estabelecidos na
sociedade em que estão inseridos. Por outro lado, a análise de Max Weber não se prende ao caráter etimológico da palavra ou ao
sentido pejorativo a que o termo está vinculado, sua análise está voltada para aspectos como o modo de associação ao grupo; o
rigorismo aos candidatos a membro da igreja local; a pretensa santidade de seus adeptos; a exclusividade da salvação; entre
outros.
45 YNGER, Milton. Apud SILVA, Elizete. Protestantismo Ecumênico...Op. cit., p. 39
46 AZEVEDO, Israel Belo de. A Celebração do Indivíduo: a formação do pensamento batista brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro:
Vida Nova, 2004. p.25
47 Ibid. p. 25
48 SILVA, Elizete da. Os Batistas no Brasil ... Op. cit., p. 286
49 Ibid. p. 286
50 WEBER, Max. A Ética Protestante... Op. cit., p.87
51 Sobre a teologia moral utraquista e taborista, explicamos que estas tipologias tiveram origem nos hussitas, seguidores do pré-
reformador Jan Huss, do século XV. As discussões referentes a teologia da moralidade giravam em torno do questionamento
sobre como o cristão deveria agir com relação a assuntos não explicitados na Bíblia. Os utraquistas defendiam que só aquilo que
a Bíblia proibia de forma expressa deveria ser também proibido na vida da comunidade, por outro lado, os taboristas, mais
radicais, argumentavam que tudo aquilo que não estava claramente autorizado pela Bíblia, deveria ser rejeitado ou proibido para
os cristãos. Os calvinistas declaravam-se taboristas e os demais grupos que citamos, eram utraquistas.
52 AZEVEDO, Israel Belo de. A Celebração do Indivíduo... Op. cit. p.
53 NOVAES, Carlos César Peff. Vocação para a Intolerância – controvérsias e cisões na história dos batistas. In SANTOS, Jorge
Pinheiro dos; SANTOS, Marcelo dos. Os Batistas: controvérsias e vocação para a intolerância. São Paulo: Fonte Editora, 2012.
p.09
54 Ibid. p 09.
55 TAYLOR, W. C. Apud AZEVEDO, Israel Belo de. A celebração do indivíduo... Op. cit., p. 12
56 WEBER, Max. A Ética Protestante... Op. cit. p.229-230
57 Para aprofundar o conhecimento a respeito de como é tratado a questão da liberdade pelos Batistas, recomendamos a leitura
da Tese de Doutorada de Marli Geralda Teixeira: “...nós, os batistas...”; um estudo de história das mentalidades. USP. São Paulo,
1983. p. 140-162
58 TEIXEIRA, Marli Geralda. “...Nós, os batistas...”; um estudo de história das mentalidades. Tese de Doutorado - USP. São
Paulo, 1983. p. 144
59 A exclusão ou eliminação de um membro nas igrejas batistas, representa o mais forte mecanismo de coerção de membros.
Trata-se de uma punição pela quebra de regras expressa ou tacitamente estabelecidas pelo grupo e representa a perda dos
privilégios oferecidos pela igreja que vão desde a participação em cerimonias como a Ceia do Senhor, possibilidade da realização
de atividades nos cultos públicos, exercício do direito de votar e ser votado em assembleias da igreja, entre outros. Por outro lado,
o excluído não fica impedido de frequentar cultos e outras atividades como ouvinte e resolvida a sua pendência, pode solicitar
voluntariamente o retorno ao rol de membros. Em alguns casos, as igrejas batistas também concediam Carta Demissória. Nestes
casos, o membro deixava de fazer parte daquela igreja, mas de posse da carta poderia filiar-se a outra Igreja Batista.
60 BETTENSON, Henry. Documentos da Igreja Cristã. Tradução Helmuth A. Simon. São Paulo: Aste, 2014. p. 283.
61 CONVENÇÃO BATISTAS BRASILEIRA. Declaração Doutrinária... Op cit
62 TEIXEIRA, Marli Geralda. “...nós, os batistas...”: um estudo de história das mentalidades. Salvador: Sagga, 2017. p. 49
63 Ibid. p. 52
64 ALVES, Rúbem Azevedo. Protestantismo e repressão. 2. impressão. São Paulo: Ática, 1982. p. 168-199
65 TEIXEIRA, Marli Geralda. “...nós, os batistas...”: um estudo de história das mentalidades. Salvador: Sagga, 2017. p. 52
66 PETERSON, Diogo Seixas. “Uma Igreja de Luta, Resistência e Fé”: A Igreja Batista Nazareth (Salvador-BA, 1970-1990).
Dissertação de Mestrado – UFBA: Salvador, 2016. p. 21
67 PEREIRA, José Reis. Breve História dos Batistas... Op. cit. p. 83
68 Ibid. p. 84-85
69 SILVA, Elizete da. Os Batistas no Brasil... Op. cit. p. 286
70 Ibid. p. 287-288
71 Colportores são pessoas que fazem distribuições de literaturas, em sua maioria religiosas. Os batistas utilizaram-se desse
método de divulgação de suas doutrinas no final do século XIX e início do século XX em grande escala. Os colportores batistas
tiveram papel preponderante na fundação da maioria das igrejas no início dos trabalhos batistas no Brasil e apesar de sua
importância, não há pesquisas históricas sobre o trabalho que os colportores batistas desenvolveram no Brasil.
72 Ibid. p. 288
2. OLIVEIRA, Betty Antunes de. Centelha em Restolho Seco: uma contribuição para a história dos primórdios do trabalho
batista no Brasil. 2 ed. São Paulo: Vida Nova, 2005. p. 376
74 PEREIRA, Jose Reis. História dos Batistas no Brasil (1882-1982). 2. ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1985 p. 10.
75 Ibid. p. 10
76 SANTANA, Jorge Luiz Nery de. Práticas e Representações Étnicas nas Narrativas Religiosas dos Batistas em Feira de
Santana (1947-1988). Dissertação de Mestrado – UEFS: Feira de Santana, 2010. p. 40.
77 Ibid. p. 42
78 OLIVEIRA, Betty Antunes de. Centelha em Restolho Seco:... Op. cit. p. 114
79 SANTOS, Marcelo. O Marco Inicial Batista... Op. cit., p. 13
80 OLIVEIRA, Betty Antunes de. Centelha em Restolho Seco... Op. cit., p. 31
81 Ibid. p. 31
82 Ibid. p. 377
83 Ibid. p. 377
84 SANTOS, Marcelo. O Marco Inicial Batista... Op. cit. p. 73
85 MEIN, David. O que Deus Tem Feito... Op. cit. 16.
86 Ibid. p. 25
87 MUIRHEAD, H. H. Princípios do Trabalho Baptista no Brasil. O Jornal Batista, 11/02/1932, p. 4
88 Ibid. p. 5
89 Ibid. p. 5
90 O Jornal Batista. Primeira Convenção Baptista. 27 de junho 1907. p.3
91 GINSBURG, Salomão. Salomão Ginsburg um Judeu... Op cit. p.70-71
92 PEREIRA, Jose Reis. História dos Batistas no Brasil... Op. cit. p. 11
93 Ibid. p. 11
94 TEIXEIRA, Marli Geralda. Os Batistas na Bahia, 1882-1925: um estudo de História Social. Dissertação de Mestrado - UFBA,
Salvador: 1975. p. 33
95 SILVA, Elizete da. Os Batistas no Brasil... Op. cit. p. 289
96 RAY, T. B. Apresentação da Obra em Inglês. In: GINSBURG, Salomão. Salomão Ginsburg um Judeu... Op cit. p. 13
97 OLIVEIRA, Betty Antunes de. Centelha em Restolho Seco... Op. cit., p. 105-134.
98 MUIRHEAD, H. H. Princípios do Trabalho Baptista... Op. cit. p.6
99 O movimento G-12 atraiu diversos líderes de igrejas com a promessa de conhecerem um método inovador e altamente eficaz
na conquista de novos adeptos e consequente crescimento de suas igrejas. Criado por um pastor colombiano, César Castellanos
Domínguez no ano de 1983, a visão dos 12 foi introduzida no Brasil pelo pastor manauense Renê Terra Nova no início dos anos
de 1990, se espalhando rapidamente por todo o país com adesão de várias igrejas da Convenção Batistas Brasileira, inclusive a
Primeira Igreja Batista do Brasil em Salvador.
100 CRABTREE, A. R. História dos Batistas no Brasil... Op. cit. p. 61
101 Ibid. p. 61
102 Ibid. p. 73-74
103 SILVA, Elizete da. Os Batistas no Brasil... Op. cit. p. 291
104 CRABTREE, A. R. História dos Batistas no Brasil... Op. cit. p. 74
105 SILVA, Elizete da. Os Batistas no Brasil... Op. cit. p. 294
CAPÍTULO II
DA “BAHIA” PARA SANTO ANTÔNIO DE
JESUS: A CIDADE, A IGREJA E
ALGUMAS HISTÓRIAS.
1. UM POUCO DA CIDADE HOJE E
ONTEM
A cidade de Santo Antônio de Jesus, fica localizada na região geográfica denominada
atualmente de Recôncavo baiano, área composta por 35 municípios, muitos deles com relevante
participação na história, cultura e economia da Bahia. Por muito tempo Santo Antônio de Jesus
foi uma grande produtora agrícola, especialmente de mandioca, laranja e fumo. Mas atualmente,
com uma população superior a 100 mil habitantes, tem como principal ramo econômico o setor
do comércio e serviços.
A forte atuação comercial da cidade e a constante busca por produtos e serviços de
consumidores dos diversos municípios circunvizinhos, tem feito com que ostente o título de
“Capital do Recôncavo”, estrategicamente criadopelo comércio e política local, que exalta a
cidade através do slogan: “Santo Antônio de Jesus o comércio mais barato da Bahia”.
Os primeiros registros da região onde a cidade está localizada remontam o meado do
século XVI. De acordo Isaías Alves, “todo o território atual dos Municípios de Castro Alves,
Conceição do Almeida, São Félix, Maragogipe, S. Felipe, Cruz das Almas, Santo Antônio de
Jesus, S. Miguel, Nazaré, Aratuípe e Jaguaripe obedecia à vila de Maragogipe”.2 E acredita-se
que a extensão de terras onde hoje estão organizadas estas cidades, pertenceram a Álvaro da
Costa, que teria recebido como presente através de doação do 2º Governador Geral do Brasil, D.
Duarte da Costa, [pai de Álvaro da Costa] “por carta de sesmaria de 16 de janeiro de 1557”,3
cujas delimitações estão expressas na carta como “as terras situadas entre barra do rio Paraguaçu
e a do rio Jaguaripe, com dez léguas de sertão”.4
Em meados do século XVI a região onde hoje estão os limítrofes da cidade não tinha
sequer um povoado. A pouca ação do homem também não tinha feito alterações significativas na
região, os rios cortavam a Mata Atlântica para desembocar na Baía de Todos os Santos e os
registros existentes sobre a biodiversidade local impressionam.
A região era como um “Jardim do Éden”, um verdadeiro pomar gerado pela natureza. De
tudo tinha, madeiras de lei das mais diversas, e a elas juntavam-se “o cajueiro, a jabuticabeira, a
cajazeira, araçá, muricí, mangaba, baunilha, aipim, mandioca, samambaia, banana (pacoba),
pimenta, feijão, ananás, mamona, ticum, batata doce, limão agreste, taioba, quiabo, jiló, capeba,
mata pasto, bonita, açucena, algodão”,5 e tantas outras, frutíferas ou não, que completavam a
paisagem.
Mas não só a flora, a fauna também era exuberante tamanha a sua variedade, Fernando de
Queiroz expõe que tinha “do mosquito à onça, da formiga às borboletas, das cobras aos lagartos,
dos peixes aos pássaros, dos macacos aos tatus, das cigarras às antas, das aranhas aos veados, dos
grilos e gafanhotos às raposas e tamanduás dos sariguês às perdizes, codornas e nambus”,6
realmente não dá para enumerar a grande lista que formava a fauna da região.
Os primeiros habitantes da terra, “os Paiaiás, Tupinaês e Tupinambás”,7 aos poucos foram
sumindo, ora por mortes em conflitos com os brancos, ora fugindo para áreas mais internas do
país, ou ainda se “integrando” à nova sociedade em formação.
A região pouco a pouco seria mudada e a paisagem bucólica formada apenas pelas matas e
rios, agora habitada por agricultores, dava lugar às casas grandes e senzalas, e como muitas
cidades do Brasil, notadamente as da região do Nordeste, que tiveram suas origens a partir da
edificação de uma capela dedicada a um dos santos católicos, a cidade de Santo Antônio de Jesus
teria seu início com a construção de um oratório para devoção ao Santo Antônio.
1.1 A CAPELA DO PADRE MATEUS E A CRIAÇÃO DA
CIDADE
Foi o padre Mateus Vieira de Azevedo, que em 1776 fez “doação de terras de seu sítio ‘nas
cabeceiras do Rio Jaguaripe, chamado Sururu, roças de Nazaré’, para uma capela com invocação
de Santo Antônio”.8
Ao que parece, o Padre Mateus tinha muito prestígio na região, não só pelo título
eclesiástico, mas por ter se tornando um dos grandes lavradores e produtores de farinha de sua
época.9 Além de ter possuído extensas áreas de terra na região, há indícios de que conseguiu bom
êxito na produção agrícola. No ano de 1789 o padre teria colhido certa de 40.000 covas de
mandioca e 30 alqueires de farinha.10 Isaías Alves afirma que, considerando estes dados e as
determinações constantes na Provisão de 28 de abril de 1767, que estabelecia o limite de
plantação de 500 covas por escravos, pode-se deduzir que o padre Mateus chegou a possuir pelo
menos 80 escravos.11
Entretanto, o padre Mateus entraria para a História Regional, muito mais por ter seu nome
associado ao surgimento da cidade de Santo Antônio de Jesus do que por qualquer outro motivo.
Quase dois séculos e meio já passaram, desde a data atribuída à construção da capela, e ainda se
encontra referências à cidade de Santo Antônio de Jesus, como a Terra do Padre Mateus, título
que para muitos serve como motivo de orgulho. Fernando Pinto de Queiroz, um filho ilustre da
terra, em seu livro publicado em 1995, diz que a cidade “jamais deixou de ser conhecida como a
Capela do Padre Mateus, até mesmo em nossos dias, ao menos para os mais velhos, que
continuamos a nos considerar, orgulhosamente, ‘capelistas’ legítimos, sem desamor aos santo-
antonienses que somos”12.
A História da cidade está diretamente vinculada ao padre e “impõe-se à consideração de
todos aquêles que estudam a história do desbravamento da terra santo-antoniense a figura
respeitável do padre Mateus Vieira de Azevedo”,13 isso porque foi ele quem construiu um
oratório consagrado a Santo Antônio e, posteriormente, em “27 de setembro de 1776, doou, por
escritura pública lavrada na vila de Nossa Senhora da Ajuda do Jaguaripe, as terras do seu sítio
ao citado templo”,14 que deu origem à cidade, “que, por sinal, por mais de um século, ficou
popularmente conhecida como Capela do Padre Mateus”.15
Muito rapidamente o oratório do padre seria promovido a Capela, isso aconteceu logo no
ano seguinte ao que foi erigido. À medida que famílias foram se fixando no entorno da Capela, o
povoado pouco a pouco tomava forma. Por muito tempo ficou sendo “chamado e conhecido
como ‘Capela do Padre Mateus’ ou ‘Capela de Santo Antônio de Jesus’, a cuja expansão se deve
a atual cidade dêste nome”,16 conforme registra a Enciclopédia dos Municípios, elaborada pelo
IBGE.
Percebe-se que na “história oficial”, produzida pelo IBGE, assim como no livro de
Fernando Pinto de Queiroz, escrito em tom apologético, buscam enaltecer o personagem do
Padre Mateus, como forma de resgatar o “mito fundador” da cidade.
Em sua narrativa, que intitulou de “A Capela do Padre Mateus”, Fernando Queiroz
frequentemente associa ao padre a fundação da cidade e muitas vezes utiliza-se do recurso de
letras em negrito, provavelmente para realçar a ênfase e vincular a Igreja Católica como
referencial histórico para o surgimento do município.
Não obstante, Isaías Alves traz uma informação interessante sobre a questão, sugerindo
que a cidade de Santo Antônio de Jesus pode ter sua origem em um outro local, no Bairro São
Benedito. Ele nos diz: “afirmam alguns que São Benedito precede à Capela do Padre Mateus [...]
Não é impossível. Apenas a última progrediu e absorveu a primeira. É fenômeno comum no
progresso das localidades que traz subordinação de locais mais antigos aos novos, que se
desenvolvem”.17
A hipótese levantada por Isaías Alves, entretanto, parece não encontrar subsídios para sua
sustentação, e por isso é aceita como verdadeiras as informações apresentadas pela “história
oficial”. Por outro lado, considerando a possibilidade de algum fundamento nesta informação, é
inevitável não surgir a indagação sobre o porquê da suposta capela fundante [a de São Benedito]
não ser lembrada? Seria por se tratar de um santo negro, padroeiro dos pobres?
Como a questão não está associada aos objetivos desta pesquisa, apenas registramos a
provocação para, quem sabe, despertar o interesse pelo assunto em futuros pesquisadores.
Foram múltiplas as causas que favoreceram o crescimento da Capela, mas sua localização
privilegiada ainda é considerada, nas literaturas existentes, a principal razão de sua expansão até
chegar à elevação de município. Isso porque, desde sua origem, ela está localizada entre diversas
cidades, que a partir da inauguração da estrada de ferro passaram a convergir para o comércio de
Santo Antônio de Jesus, proporcionando um rápido crescimento comparado ao de outras
localidades da circunvizinhança.
A partir da década de 1830 a população teria iniciado um processo de elevação da capela à
categoria de Igreja Matriz. Várias manifestações foram enviadas por representantes locais às
diversas autoridades da época. Há registros de envio de correspondências “à Câmara Municipalde Nazaré, à Assembleia Legislativa Provincial ou ao Arcebispo da Bahia”,18 que correspondem
às reivindicações da comunidade pelo reconhecimento de freguesia e consequentemente de Igreja
Matriz para a Capela de Santo Antônio.
Repetidas vezes essas solicitações foram negadas, tudo indica que isto aconteceu porque a
questão envolvia vários interesses, inclusive disputas de poderes, pois a “pretensão de chegar à
categoria de freguesia constituía um desafio, atingindo os interesses patrimoniais e de prestígio e
poder do vigário de Nazaré, refletindo-se na própria comunidade religiosa”.19
A elevação de uma Capela à categoria de Igreja Matriz não era facilmente aceita,
sobretudo pelas perdas econômicas e políticas que causava à antiga freguesia a que estava
vinculada, neste caso Nazaré. A concessão do título dava um novo status à localidade. Chegando
à freguesia, a Matriz passava a deter poderes políticos e a exercer atividades civis dentro das
demarcações territoriais, independetes das freguesias a que estavam vinculadas anteriormente. É
possível que por estas razões o vigário de Nazaré tenha resistido à ideia de elevação da Capela de
Santo Antônio a um status superior.
Só após dezessete anos de reivindicações, 1835 a 1852, os santo-antonienses conquistariam
seu pleito. Fernando Pinto de Queiroz descreve este período de solicitações pelo reconhecimento
de freguesia como “anos de luta persistente”.20 A declaração do memorialista é uma tentativa de
exaltar os esforços dos cidadãos envolvidos no processo, além de destacar a persistência dos
conterrâneos, pois mesmo diante das diversas negativas de diferentes autoridades, eles não
teriam desistido do pleito.
FOTO 2: ANTIGA IGREJA MATRIZ DE SANTO ANTÔNIO DE JESUS, INÍCIO SÉCULO XX
(Por questões de configurações, DISPONÍVEL APENAS NA VERSÃO IMPRESSA)
Em 1852 lograram o reconhecimento de Freguesia e consequentemente de Igreja Matriz,
cujo templo foi mantido na localidade conhecida como Praça da Matriz, atualmente Praça Padre
Mateus, principal centro comercial da cidade.
Do reconhecimento de capela até a categoria de município muito tempo se passou. Foi “a
Lei número 1 950, de 29 de maio de 1880, [que] elevou, no seu artigo 2.º, a então paróquia de
Santo Antônio de Jesus à categoria de vila e de município, desmembrando de Nazaré”.21 Por fim,
em “30 de junho de 1891, veio, finalmente, o Ato do Govêrno do Estado elevando à categoria de
cidade a então vila, verificando-se a sua solene instalação em 9 de junho do mesmo ano”.22
Mais de um século já tinha passado desde que a cidade começou a ser criada e até o início
da década de 1890 não encontramos nenhum indício da presença de protestantes em Santo
Antônio de Jesus. A fé professada na localidade era essencialmente a fé católica, ao menos para
aqueles que se declaravam cristãos, e nenhum esforço era preciso para que o catolicismo
continuasse a se desenvolver, pois, como declara Isaías Alves, “o movimento social era da
igreja”.23 
A Igreja Católica representava a própria origem da cidade. Ela teria surgido primeiro e,
assim, a Igreja não teria sido construída para a cidade, mas a cidade para a Igreja. Ana Lúcia dos
Passos diz que desde o início, “a capela se projetou no centro do largo, confirmando a
importância e influência da igreja. A organização espacial que vemos hoje, no centro comercial é
em grande parte resultante, (...) das estratégias, articulações e interesses da Igreja Católica”.24
De certo modo a Matriz era “intocável”, detinha a hegemonia do poder espiritual e político.
Talvez por isso, para Isaías Alves naquele tempo, por volta do ano de 1890, “não havia o
problema do protestantismo, e o trabalho católico era rotineiro, mas o número de fiéis crescia
sempre”.25
A afirmação do memorialista representava a ótica dos católicos, isto porque, até a chegada
dos batistas não havia concorrência por fiéis. A fé era monopolizada pela Igreja Católica, que
não necessitava de nenhum esforço ou novidades litúrgicas para dar manutenção e até aumentar
o número de fiéis. Os momentos sociais estavam centrados no catolicismo e todos os caminhos
levavam à igreja, que na época era o principal ponto de encontro da comunidade, tanto pela
oferta de missas para saciar seus anseios espirituais, quanto para outros interesses, como
galantear as donzelas, por exemplo.
Com a presença dos Batistas o espaço da fé passou a ser disputado por dois grupos distinto
e muitas vezes antagônicos, o que foi visto como um problema pelos párocos que começaram a
assistir, ainda que inicialmente em número pequeno, a perda de seus fiéis para um novo credo.
Além de os Batistas, por meio de suas pregações e distribuição de literaturas ter colocado em
xeque a autoridade exercida pela Igreja Católica com relação a religiosidade e questões divinas.
2. SANTO ANTÔNIO [PRECISAVA] DE
JESUS
Pouco depois da organização da Igreja Batista em Salvador, o missionário W. B. Bagby
iniciou suas viagens para evangelização das províncias no sudeste brasileiro, enquanto que o
missionário Z. C. Taylor estava convicto da missão de formar igrejas na Província da Bahia,
expandindo para as várias cidade e povoados próximos à capital. Por isso que no Recôncavo
baiano há algumas igrejas centenárias. O missionário Z. C. Taylor desbravou a região pregando o
Evangelho e logo chegou em Santo Antônio de Jesus. Ele acreditava que a cidade de Santo
Antônio, precisava de Jesus.
Vários fatores podem ter influenciado a chegada dos missionários tão rapidamente a
região. Entre eles, é bem provável que mesmo antes dos missionários iniciarem suas pregações
em Santo Antônio de Jesus uma família de protestante já se encontrava instalada na cidade.
A família Medeiros tinha tido contato anteriormente com os missionários e na
oportunidade se converteram ao protestantismo. A presença desta família na cidade pode ter
influenciado a vinda dos missionários, ou a pedido deles para ajudá-los na organização de uma
Igreja Batista, ou como ponto de apoio para os missionários em suas viagens de evangelização,
vendas e distribuições de Bíblias, nas cidades e povoados vizinhos a Santo Antônio de Jesus.
Outro fator importante era a acessibilidade que a cidade proporcionava naquela época. Ao
contrário da maioria dos municípios, que só era possível ser alcançados montado em animais ou
indo a pé, a cidade de Santo Antônio de Jesus tinha a facilidade do acesso por trens, através da
Estrada de Ferro de Nazaré, que funcionava desde 1875 até o povoado do Onha e mais tarde se
estendeu, chegando no município no ano de 1880. Com a inauguração da estação ferroviária, que
ainda expandiria até a cidade de Jequié, os missionários faziam a primeira parte da viagem
através de barcos saindo de Salvador para Nazaré e seguiam de trem até seu destino.
Com a inauguração da estrada de ferro, “Santo Antônio de Jesus seria ponta de trilho
durante dez anos”,26 ou seja, fim de linha para os viajantes. Isto favoreceu seu crescimento
econômico, pois a produção da cidade podia ser facilmente escoada, além de atrair muitas
pessoas de cidades vizinhas com vista à comercialização de mercadorias, conforme aponta a
imagem capturada por um fotógrafo [foto 3] nas primeiras décadas do século XX.
FOTO 3: FEIRA LIVRE S. A. DE JESUS, SÉCULO XX
(Por questões de configurações, DISPONÍVEL APENAS NA VERSÃO IMPRESSA)
Para os dois principais memorialistas que escreveram sobre o município, o crescimento
econômico de Santo Antônio de Jesus, foi “fruto do ciclo de mandioca ou da farinha de
mandioca”,27 e depois, com a chegada da locomotiva, o “comércio, em um novo surto, alargou-se
e engrandeceu a população”,28 favorecendo a vinda de pessoas de outras províncias e imigrantes
italianos, ingleses e alemães, segundo relato de Isaías Alves.29 A presença de europeus, cuja
cultura era acessível ao protestantismo, também pode ter sido vista como um facilitador para
formação da igreja, apesar de não haver registros de que algum dos imigrantes tenha se
convertido à fé batista.
A foto também aponta para outra questão que pode ter despertadoo interesse dos
missionários norte-americanos: o comércio pujante, que atraia grande fluxo de pessoas para a
compra e venda de mercadorias nos dias de feiras.
Uma imagem fotográfica, quase sempre, traz intentos de quem a capturou. Na foto 3, por
exemplo, parece que seu autor teve a intenção de valorizar o comércio da cidade, representado
pela feira livre. Analisando uma foto da feira livre de Santo Antônio de Jesus no meado do
século XX, que traz semelhanças a esta, Charles D’Almeida Santana captou muito bem a
aparente intenção do fotógrafo, e acreditamos que sua análise serve igualmente para a foto
acima. Ele observa que “o ângulo escolhido e a profundidade de perspectiva na imagem visual
descortinam seu interesse [do fotógrafo] em registrar a pujança da feira de Santo Antônio de
Jesus”.30
O comércio de Santo Antônio de Jesus já atraia transeuntes e formava grandes
aglomerações, permitindo a utilização da principal estratégia dos batistas no início de suas
atividades no Brasil, que era a divulgação de suas doutrinas através de vendas de Bíblias e
distribuição de folhetos para pessoas em viagens de trens ou em grandes centros urbanos.
Bianca Almeida defende que as incursões evangelísticas feitas pelo grupo em Plataforma,
Salvador, ainda na década de 1880, ocorreram muito pelo fato “da existência dos terminais
hidroviários [que] recebia um fluxo regular de pessoas (os quais faziam a travessia para Ribeira),
e ferroviário (cuja linha entrecortava toda sua extensão pelo litoral)”.31
Essa estratégia de divulgação das doutrinas foi bastante eficaz para os Batistas no início
dos trabalhos missionários no Brasil. Dados indicam que em apenas quatro anos de atuação na
Bahia, “a Missão vendera 6.000 Bíblias e publicara e distribuíra 100.000 folhetos”,32 alcançando
um grande número de pessoas com as suas mensagens, tanto na capital quanto no interior baiano.
A cidade de Santo Antônio de Jesus não parava de crescer e os missionários tiveram esta
percepção. O oratório do padre Mateus, cuja finalidade inicial era apenas o de veneração a Santo
Antônio, teria evoluído e atraído milhares de famílias para seu entorno, tanto que, “Santo
Antônio de Jesus contava com 9.654 habitantes, em 1872 e 12.976, em 1892”,33 um crescimento
de quase 35% em duas décadas.
Era uma cidade promissora, com um comércio em ascensão, população crescente e
localização privilegiada, estando no centro de ligação a diversos municípios da região. Os
missionários tanto perceberam a importância da cidade para a expansão dos trabalhos batistas
que mais tarde, em 1909, quando estrategicamente dividiram a Bahia para “espalhar a semente
pelas vilas e cidades”, Santo Antônio de Jesus foi escolhida como uma das bases, aponta Antônio
Mesquita, que indica as cinco sedes da Bahia e suas funções: a) capital e região suburbana,
cabendo-lhes também a direção-geral das demais sedes; Santo Antônio de Jesus, sediava a zona
percorrida pela Estrada de Ferro de Nazaré; c) Alagoinhas, servia como sede da cidade e
arredores. (d) Santa Inês; e) Canavieiras, responsável pelo litoral sul da Bahia.34
2.1 O USO DA MEMÓRIA NA HISTÓRIA DOS BATISTAS
EM SANTO ANTÔNIO DE JESUS
Não foram localizados atas, jornais, relatórios ou outros documentos que pudessem auxiliar
nos estudos do surgimento dos primeiros protestantes na cidade de Santo Antônio de Jesus no
período que antecede a formação da Igreja Batista. A construção da nossa narrativa sobre o
aparecimento dos batistas na região só foi possível graças aos registros da memória da História
Local, feitos por Isaías Alves e pelos missionários norte-americanos Z. C. Taylor, S. Ginsburg35 e
T. B. Ray, os quais se constituíram fontes de grande valor para nossa pesquisa.
Ciências como a Sociologia, Psicologia e Antropologia, se apropriaram da memória não só
como objeto de estudo, mas como fonte de pesquisa. A História, por sua vez, demorou um pouco
mais para utilizar a memória como fonte de consulta em pesquisa. Entretanto, atualmente os
historiadores concordam que a utilização da memória tem seu lugar na construção da História. Le
Goff destaca que “a memória coletiva sofreu grandes transformações com a constituição das
ciências sociais e desempenha um papel importante na interdisciplinaridade”.36
A importância da memória para a História consiste na conservação de informações
normalmente latentes em fontes que comumente chamamos de documentos oficiais. Para Le
Goff, o uso da memória proporciona ao indivíduo a possibilidade de “atualizar impressões ou
informações passadas”,37 além de permitir ao historiador trabalhar com “uma problemática
abertamente contemporânea [...] e uma iniciativa decididamente retrospectiva, a renúncia a uma
temporalidade linear em proveito dos tempos vividos múltiplos nos níveis em que o individual se
enraíza no social e no coletivo”.38
Maurice Halbwachs, em sua abordagem sobre a memória coletiva, diz que “não é na história
aprendida, é na história vivida que se apóia nossa memória. Por história é preciso entender então
não uma sucessão cronológica de acontecimentos e de datas, mas tudo aquilo que faz com que
um período se distinga dos outros”.39
A utilização da memória como fonte, também é vista por Halbwachs com um avanço no
método de pesquisa e para Le Goff “a história dita ‘nova’, que se esforça por criar uma história
científica a partir da memória coletiva, pode ser interpretada como ‘uma revolução da
memória’”,40 sobretudo porque a reprodução tradicional dos fatos históricos, que são escritos
“em livros, ensinados e aprendidos nas escolas, os acontecimentos passados são escolhidos,
aproximados e classificados conforme necessidades ou regras que; não se impunham aos círculos
de homens que deles guardam por muito tempo a lembrança viva”.41 Neste sentido, pode-se dizer
que, em geral, a forma tradicional de transmissão da história por meios didáticos, exclui o
indivíduo comum e de certa forma nega sua memória e existência.
Por fim, como forma de validar a importância da memória como fonte de pesquisa histórica,
mais uma vez nos amparamos nas palavras de Halbwachs: “os historiadores, através de um
trabalho minucioso, podem encontrar e colocar em dia uma quantidade de fatos grandes e
pequenos que julgaríamos definitivamente perdidos, sobretudo se tiverem a oportunidade de
descobrir memórias inéditas”.42
2.2 OS PRIMEIROS BATISTAS CHEGAM NA CIDADE
Por volta do ano de 1885 os missionários batistas vindos dos EUA iniciaram a
evangelização no interior da Bahia, notadamente em cidades do Recôncavo baiano. Cidades
como Alagoinhas, Amargosa, Nazaré e Valença foram os alvos iniciais dos missionários ainda
na década de 1880 e no início da década seguinte, vários povoados e cidades, incluindo Santo
Antônio de Jesus, estavam sendo evangelizadas pelos missionários norte-americanos.
Foi no início da década de 1890 que chegaram os primeiros crentes protestantes na cidade. A
família Medeiros enfrentava dificuldades na Vila de Santana do Camisão, hoje cidade de Ipirá,
por causa de um período de estiagem que assolou o sertão da Bahia no final do século XIX.43 A
seca devastadora teria mudado não apenas a paisagem do sertão da Bahia, mas a própria
perspectiva de vida e a esperança do povo da região.
Em um dos momentos de angustia daquela família, enquanto liam um jornalzinho da cidade
de Santo Antônio de Jesus, D. Cecília de Avelar Medeiros diz para o chefe da família, o Sr.
Manoel Zeferino de Medeiros, um crente batista: “Nós estamos neste sertão seco e devastado.
Vamos para Santo Antônio de Jesus, que Jesus nos protege. – Como vamos para a terra em que
não conhecemos ninguém? – Vamos para casa do professor Narciso”.44
A família Medeiros, que tudo leva a crer, estava em Santana do Camisão em busca de
oportunidades, pois tinha saído da cidade de “Valença, sua terra natal”,45 onde tiveram contato
com as doutrinas batistas e Manoel Zeferino de Medeiros foi “instruído pelo Missionário Z. C.
Taylor na Verdade, com tão bom propósito que se entregou ao Senhor”,46 agora encontrava-se
em uma nova aventura: ocasal, acompanhado de “seis filhos e dois enteados”,47 atravessaram o
sertão, conduzidos em carga de panacum, rumo a uma nova terra e em busca de dias melhores.
Foi a decisão desta família de deixar o sertão que deu início a jornada dos batistas na cidade de
Santo Antônio de Jesus.
Ao chegar na cidade, o tal professor Narciso não pôde acomodá-los, mas providenciou
aposentos em uma casa na vila de Vargem Grande, atual cidade de Varzedo, que na época era
Distrito de Santo Antônio de Jesus. Lá os Medeiros iniciaram suas pregações do Evangelho,
despertando o interesse de Marciano de Almeida, que logo se converteu ao protestantismo. A
conversão de Marciano geraria problemas para os Medeiros e um sério conflito com o Capitão
Egídio, irmão de Marciano.48
Assim que soube da conversão de Marciano seu irmão decidiu arrancar da cabeça dele a
ideia de ter passado para a “lei dos crentes”. Isaías Alves conta que “Egydio subiu a serra com
Marciano, fazendo de tudo por fazê-lo abandonar o novo credo, sem resultado”.49 Mas ele não
podia aceitar uma coisa daquela, sua família sempre foi de “católicos fervorosos”50 e precisava
“tirar do coração de seu irmão o falso ensinamento que ele tinha embebido”,51 o que não seria tão
fácil, afinal, após ter se convertido aos ensinos batistas, para o missionário T. B. Ray, Marciano
se tornou “tão gentil como um cordeiro, mas também era tão corajoso quanto um leão na defesa
do Evangelho”.52
É possível que a referência à coragem de Marciano na defesa de sua nova fé, esteja
associada ao relato de um encontro com o vigário de Santo Antônio de Jesus, levado por Egídio
na tentativa de fazê-lo abdicar da nova crença.
Como não teve êxito em sua primeira tentativa de convencer o irmão a abandonar a ideia de
seguir o novo credo, o Capitão Egídio voltaria em sua casa acompanhado por um padre. Ao
chegarem na casa de Marciano, o padre e Egídio, foram convidados a entrar e “imediatamente o
padre perguntou: ‘o que é isso que eu estou ouvindo de você, Marciano?’ Ele respondeu: ‘Sr.
Padre, eu tenho trinta e cinco anos e você nunca me deu uma Bíblia, a Santa Lei de Deus”.53
Marciano teria acrescentado à sua resposta, que seu acesso à Bíblia só foi possível por
intermédio dos protestantes. Também levantou acusações contra o catolicismo, dizendo que
tomaram seu “dinheiro todos esses anos para a missa, dizendo que tiraria as almas dos nossos
parentes de um purgatório que não existe”.54 Além disso Marciano fez fortes críticas ao
doutrinamento católico e aos meios utilizados para tirar dinheiro dos fiéis, referindo-se aos
padres, teria dito: “ensinaram a adorar ídolos que a Palavra de Deus condena. Vocês batizaram
meus filhos por dinheiro, irão casá-los por dinheiro, e quando eles morrerem vocês ainda
exigirão dinheiro para salvar suas almas de um purgatório imaginário”.55 Diante dos argumentos
de Marciano, o padre teria saído do recinto sem nada dizer, apenas se levantou, despediu-se e
sem uma palavra de explicação deixou o local.
O encontro entre Marciano e o padre com essa riqueza de detalhes só encontramos no livro
de T. B. Ray. Considerando que se tratava de um missionário norte-americano em missão ao
país, para posteriormente apresentar um relatório à Junta de Richmond sobre os trabalhos dos
batistas no Brasil, não é de estranhar seu discurso triunfalista, o que, entretanto, não invalida a
fonte. Enquanto esteve no Brasil o missionário coletou diversas informações com base na
memória coletiva, só em Santo Antônio de Jesus ele permaneceu por cerca de 10 dias e neste
período esteve entre os familiares e amigos de Egídio, Marciano e Medeiros, dos quais ouviu as
histórias.
Os encontros entre a comunidade e o missionário, marcados por longas conversas,
certamente estimularam o povo na reprodução das lembranças envolvendo os personagens da
origem da saga dos batistas na região e conforme observa Halbwachs, “os acontecimentos de
nossa vida que estão sempre mais presentes são também os mais gravados na memória dos
grupos mais chegados a nós”,56 o que facilitou para o missionário na coleta de informações, que
posteriormente compilou e publicou a narrativa em um livro.
Por outro lado, provavelmente o desfeche daquele encontro não tenha sido tão pacífico como
narrou o missionário, não era comum um sacerdote ficar inerte a uma reação como a de
Marciano, demonstrando insubordinação e desrespeito a uma autoridade religiosa e que, em
geral, também possuía grande prestígio e influência política. No caso em questão, o missionário
informa que a visita teria sido feita pelo vigário de Santo Antônio de Jesus, nada menos que “o
Padre Francisco Manoel da Silva, que foi vigário mais de quarenta anos, tornando-se, em tempo
bom chefe político dos elementos que, por casamento se unificaram. Chegou a Monsenhor,
quando a cidade já se consolidava”,57 ou seja, em se tratando de um sacerdote com tamanha
influência, é possível que a discussão ocorrida naquele encontro, não tenha se resumido a um
monólogo de Marciano e o silêncio do Padre.
Não obstante, após contato com as doutrinas batistas, a confrontação de leigos a padres pode
ter ocorrido em determinadas localidades. Parece que com as leituras bíblicas e orientações
teológicas ofertadas pelos missionários, alguns acreditaram que seus conhecimentos estavam em
pé de igualdade com os clérigos e talvez este sentimento tenha movido Marciano a contestar o
vigário. Os conflitos teológicos ou questionamentos da autoridade religiosa, conforme destacado
por Bourdieu, podem acontecer em situações de crise e “a contestação da monopolização
eclesiástica (...) depara-se com interesses anticlericais de uma fração dos leigos e conduz a uma
contestação do monopólio eclesiástico enquanto tal”.58
Após o encontro entre Marciano e o padre, e não tendo êxito na empreitada de fazer o irmão
desistir da nova fé, Egídio retornou para casa indignado. Estava muito aborrecido com a
conversão de seu irmão. De acordo a memória da comunidade, registrada por T. B. Ray, Egídio
chegou a pensar que seu irmão estivesse louco: “ele sentiu pena de seu irmão, pensando que a
mente de Marciano se tornara desequilibrada”.59 Não sabia como iria explicar para a família e
para a sociedade a decisão do irmão em se tornar um protestante. Por esse motivo, enquanto
retornava para casa, por todo o caminho parava para beber. “Ele bebeu muito em todas as
‘quitandas’ em seu caminho e espalhou a notícia sobre a desgraça de sua família”.60
O missionário Z. C. Taylor também fala sobre o mesmo episódio, afirmando que Egídio no
percurso entre a casa de seu irmão e a casa dele, cerca de “20 léguas, bebeu umas 14 vêzes. Em
mais nada podia pensar senão na desgraça de seu irmão ter deixado a religião de seus pais para
meter-se no protestantismo”. 61
Não é de estranhar a reação do capitão Egídio diante da conversão de seu irmão. Como
dissemos, eles vieram de uma família tradicionalmente católica. Além do mais, o normal
naqueles tempos era professar a fé católica, como bem observa Elizete da Silva, quando diz que
“o catolicismo representava a religião consensual, o normal que se esperava de toda pessoa que
partilhava do convívio social, com uma identidade definida pela opção religiosa, na medida em
que ser protestante era algo estranho ao consenso e ao convívio comunitário, uma religião de
estrangeiros, isto é, do outro, do não luso-brasileiro”.62
Egídio também “era um líder político”,63 e “o Capitão da Guarda Nacional”,64 acreditava que
precisava honrar o seu nome e zelar pela família. Tinha que fazer alguma coisa, daí surgiu a ideia
de intimidar os Medeiros. Por isso, teria providenciado alguns jagunços para pôr fim as
pregações dos Medeiros, “invadindo a casa, onde o encontrou numa rede, ordenando-lhe que não
falasse mais em Evangelho. O Pastor respondeu: ‘O senhor pode tirar-me a vida, mas a alma é de
Cristo; não deixarei de falar no Evangelho onde estiver’”.65 Em outras fontes [T. B. Ray; Z. C.
Taylor e Crabtree] encontramos as ameaças feitas pelo capitão Egídio ao senhor Medeiros, e
sempre são citadas comolembranças da memória do próprio Egídio.
Mas a visita de Egídio acompanhada de jagunços parece ter sido apenas para intimidar o
senhor Medeiros, pois nada fez além de ameaçá-lo. Prova disso é que o próprio Egídio é quem
“arranja uma casa em Santo Antônio de Jesus”,66 a fim de instalar a família Medeiros, tudo para
afastar seu irmão Marciano do contato com os ensinos e doutrinas dos batistas.
Sua aversão aos protestantes não tem razão aparente, exceto pelo fato de se tratar de uma
religião considerada contrária à sua fé. Egídio era fiel ao catolicismo, seguia os seus dogmas sem
nenhuma contestação, pois foi a religião que conhecera desde sua infância por intermédio dos
pais. Ao que parece, o que realmente lhe incomodava era a quebra do paradigma por seu irmão,
que decidiu não permanecer na religião que tinha nascido.
A tentativa de impor ao irmão a decisão de desistir de sua nova fé e as ameaças feitas aos
Medeiros, além das motivações religiosas e suas crenças pessoais, podem ter sido motivadas pelo
poder que acreditava ter, emanado de sua patente de Capitão da Guarda Nacional, pois enquanto
autoridade policial que era, pode ter pensado em intervir na proliferação de ensinos religiosos de
uma crença não católica, como aconteceu em várias cidades, onde o uso do aparato policial,
muitas vezes a pedido da Igreja Católica, foi utilizado para impedir a realização de cultos
protestantes em locais públicos, a exemplo da cidade de Salvador, onde houve casos de abuso do
poder como forma coercitiva para impedir a propagação das doutrinas batistas.
Por fim, o protestantismo era algo novo para a comunidade e muitas lendas eram divulgadas
sobre os crentes, como por exemplo que suas Bíblias eram falsas, que eram pessoas do demônio,
etc. Tudo isso pode ter influenciado na conduta de Egídio, afinal, o conhecimento que tinha
sobre o protestantismo era produzido a partir daquilo que ouviu e aprendeu no catolicismo.
Entretanto, como veremos, à medida que conheceu mais sobre os batistas, o próprio Egídio
começou a questionar os dogmas católicos que ele defendia desde a infância.
A saga da família Medeiros, responsável pela conversão de Marciano, continuará e
desembocará na formação institucional da Igreja no ano de 1898; na construção do templo,
concluído em 1904; na cisão da igreja em 1924; e em outros momentos importantes dos batistas
em Santo Antônio de Jesus. Entretanto, cabe aqui uma pausa para uma abordagem mais
detalhada do nosso personagem, o Capitão Egídio.
2.3 CAPITÃO EGÍDIO, “UM PRÍNCIPE EM ISRAEL”67
FOTO 4: CAPITÃO EGÍDIO
(Por questões de configurações, DISPONÍVEL APENAS NA VERSÃO IMPRESSA)
Os relatos que encontramos sobre as várias tentativas de Egídio em fazer seu irmão
Marciano abandonar a ideia de ser um crente batista, indicam que ele mesmo teria se convencido
de que não seria fácil mudar a decisão de Marciano, por isso teria desistido daquela empreitada.
Não se sabe quanto tempo investiu na tentativa de convencer seu irmão e nem mesmo se
houve algum desentendimento maior, além das ameaças aos Medeiros. Mas Egídio teria voltado
ao seu cotidiano e depois de algum tempo, com sua ira já arrefecida, segundo lembranças dos
familiares relatadas ao missionário T. B. Ray, começou a lembrar das conversas que tivera com
Marciano e em certo momento, enquanto observava as várias imagens de santos que possuía em
sua casa, teria dito consigo mesmo: “Bem fez Marciano, em dizer que essas imagens não fazem
nada. Elas não tiram água, não cortam madeira, nem colhem café”.68 E, à medida que refletia
sobre o assunto, teria chegado à seguinte conclusão sobre os santos que venerava: “há os que os
ratos têm roído, e recentemente outro caiu e foi quebrado”.69
T. B. Ray diz que esses questionamentos incomodavam Egídio, até que um dia se lembrou
que havia ganhado uma Bíblia de um crente há algum tempo. Procurou entre outros objetos
esquecidos em algum canto da casa e lá estava. “Ele começou a examiná-la em uma sala
fechada”70 e pouco a pouco se convenceria de que o irmão poderia estar certo. Não levaria muito
tempo até tomar a decisão de se tornar um protestante. Em outubro de 1894 se converteria para
então ser “batizado em 04 de fevereiro de 1895”.71
A sequência de informações na narrativa de T. B. Ray demonstra a influência que suas
crenças têm sobre sua escrita, parece intencionalmente valorizar o poder do Evangelho pregado
pelos batistas em detrimento da fragilidade das imagens dos santos católicos “que nada fazem”,
sequer podiam se defender dos ratos ou de quedas. Para ele, o poder do Evangelho pregado pelos
batistas era tão grande, que nem foi necessário catequizar o capitão Egídio. Ser “vencido” por
seu irmão no conflito que tiveram, foi o bastante para refletir e concluir que o irmão estava certo
e ele era quem deveria mudar.
Apesar da ausência de outras informações que nos auxiliem entender melhor o processo de
conversão de Egídio Pereira, é mais racional supor que após a conversão de Marciano, Egídio se
tornou alvo dos missionários norte-americanos e do próprio irmão no processo de evangelização.
Pois, embora existam relatos de pessoas que se converteram ao protestantismo apenas com
leituras da Bíblia, no caso do capitão Egídio, é provável que tenha ocorrido encontros para o
doutrinamento. Dificilmente, enquanto leigo e sob pressão da liderança católica, apenas a partir
da leitura da Bíblia, sem as interpretações teológicas apresentadas por alguém, chegaria às
deduções que chegou. Zózimo Trabuco destaca, que em geral o convencimento da conversão, o
entendimento teológico e a vocação para um ministério, não ocorrem de forma autodidata, “mas
no cotidiano das congregações, nas atividades religiosas da denominação, no convívio com fiéis
experientes ou igualmente neófitos”.72
Há também muitos relatos sobre a vida do capitão Egídio Pereira na autobiografia do
missionário Z. C. Taylor, a maioria coincide com as informações de T. B. Ray, inclusive quando
trata de sua conversão. Egídio teria ficado com muitas dúvidas sobre a fé cristã e como bom
devoto que era, tentava encontrar em Deus as respostas que buscava, dizia: “Ó Deus, se esta
religião do meu irmão Marciano é mesmo tua, faze-mo saber”.73 Além das informações sobre a
conversão de Egídio, Taylor se ocupa em narrar as experiências de viagens que fizeram juntos.
Ele refere-se ao capitão Egídio como um bom companheiro nas evangelizações pelo interior da
Bahia e um amigo por quem teria grande estima.
Assim como Taylor, T. B. Ray detalha o momento de sua conversão, ele conta que certo
dia, em outubro de 1894, o capitão Egídio recebeu um chamado para atender a uma diligência de
um moço que teria sido vítima de arma de fogo. Enquanto caminhava para a casa da vítima,
erguia seus pensamentos em oração e então “sentiu uma sensação estranha e parecia ter ouvido
uma voz dizendo: ‘Você está salvo’”.74 Convicto de que teria sido visitado por Deus em seu
coração, saiu em disparada em sua montaria, gritando pelo caminho, “Glória a Deus. Eu estou
remido”; “Glória, Aleluia, estou salvo”.75
O capitão foi até o jovem vitimado, porém, incontido de alegria, logo após a visita teria
voltado apressadamente para anunciar sua experiência à família. Ainda montado, gritava de
longe anunciado a sua conversão. Mal chegou em casa, desmontou do cavalo e correu para
abraçar a esposa e filhos. Enquanto sua mãe, que estava sentada no terreio da casa, observava a
cena e ao vê-lo naquela situação não teve dúvidas: “pobre homem crianças, seu pai está louco,
providencie uma tesoura para cortar seu cabelo; vamos esfregar um pouco de linimento sobre sua
cabeça”.76
As narrativas da conversão do capitão Egídio Pereira, nos remete a uma observação de
Willian James muito pertinente. Ao falar da experiência da conversão ele diz que “existe pouca
teologia doutrinária numa experiência dessa natureza, que começa com a necessidade absoluta de
uma ajuda do alto, e termina com a sensação de que ele nos ajudou”.77
No caso da conversão do capitão Egídio fica bem evidenciada a valorização da ajudado
alto, ênfase muito comum nas literaturas Batistas, utilizadas como forma de propagar as
doutrinas da Denominação. Não era raro os batistas divulgarem casos de conversões em suas
literaturas. Alguns casos referentes a pessoas reais, como os abordados por Zózimo Trabuco,78 e
outros fictícios, em literaturas romancistas, como os analisados por Elter Dias Maciel.79 Na busca
por outros vestígios que pudessem corroborar com as narrativas de T. B. Ray, nos esmeramos na
tentativa de localizar dados sobre a morte violenta de algum jovem em outubro de 1894 na
região, mas infelizmente no Arquivo Municipal de Santo Antônio de Jesus, os poucos livros de
registro de óbitos existentes da época, estão incompletos. Por outro lado, o missionário Z. C.
Taylor conviveu com o capitão e supostamente teria ouvido a mesma história do próprio Egídio
para posteriormente registrar em sua biografia.
A experiência daquele dia mudaria definitivamente a relação de Egídio com a crença
protestante. O moço moribundo, antes de falecer, seria o primeiro a ouvir o Evangelho através
dele. Egídio Pereira viveria poucos anos após sua conversão, mas os relatos de seus feitos em
prol da Denominação Batista insinuam ter vivido intensamente a fé que abraçou. Passou a fazer
frequentes viagens com o missionário Z. C. Taylor e trabalhou intensamente para que os outros
membros da família também se convertessem a fé dos batistas, de modo que pouco tempo
depois, na “segunda visita que recebeu de um pastor, treze pessoas de sua família e parentes
foram batizadas”.80 Os esforços de Egídio e seu irmão, tiveram como resultado a organização da
igreja no Distrito de Vargem Grande, no ano de “1894 com 18 membros”.81
Mas o grande legado deixado pelo capitão Egídio foi, sem dúvida, o colégio batista,
inaugurado inicialmente na cidade de Salvador em 1898 e mais tarde, com a doação de um
terreno na Fazenda Casca, foi transferido para a cidade de Jaguaquara no ano de 1922, onde
permanece até hoje. Como forma de homenagear aquele que financiou a mobília e quatro
professoras para o ensino no colégio em Salvador, os missionários acharam por bem que o
colégio recebesse o nome de Colégio Batista Americano Taylor Egídio, mas seu financiador não
o veria inaugurado, “morreu em 30 de março de 1898, aos cinquenta anos de idade”,82 apenas
quatro anos após ter se convertido às doutrinas batistas.
Egídio Pereira de Almeida, que a todo custo teria tentado fazer seu irmão desistir da ideia
de ser um batista e que, sob ameaças, expulsaria a família Medeiros da Vila de Vargem Grande
para a cidade de Santo Antônio de Jesus, poderia ter entrado para a História dos Batistas como o
primeiro, ou o maior perseguidor dos protestantes na região, mas a reviravolta que tivera em sua
fé, mudaria os rumos, e o capitão ficou lembrado entre os batistas brasileiros e norte-americanos,
como um dos maiores expoentes na divulgação das doutrinas batistas na Bahia. Quando morreu,
seu amigo, o missionário Z. C. Taylor, escreveu sobre ele: “um príncipe em Israel caiu. [..]
Convertido apenas há uns quatro anos, fêz uma obra monumental”.83
Seu nome foi lembrando em diversas edições de O Jornal Batista e em quase todos os
livros de memórias produzidos pelos batistas. Na edição de 02/01/1913 do Jornal Batista, o
missionário Ernesto A. Jackson em um relatório de viagem registraria que teria pernoitado “na
fazenda Casca, emocionados com a lembrança do quanto alli luctou e soffreu o pioneiro na
evangelização daquella zona, o coronel Egydio”.84
3. E A IGREJA CRESCIA: O PROCESSO
DE FORMAÇÃO DA IGREJA BATISTA
EM SANTO ANTÔNIO DE JESUS
Como vimos, a família Medeiros chegou em Santo Antônio de Jesus no início da década de
1890, foi para Vargem Grande e algum tempo depois, sob as ameaças de Egídio, fixou residência
na cidade. Continuaram empenhados na proclamação do Evangelho e conquistaram a admiração
de alguns que, aceitando as doutrinas, passaram a apoiar o trabalho de Zeferino Medeiros. Entre
os primeiros cooptados pelos batistas estavam, “Francisco Diniz (Chico Ourives), Durval
Ribeiro, Otaviano Gomes, Cecílio Lopes, que foi ferreiro e se mudou para Jequié, e Paulo, pai de
Idelfonso Moura”.85
Os novos convertidos receberiam o apoio do missionário Z. C. Taylor a partir de 1893
quando “o trabalho foi aberto em Sto. Antônio”,86 ou seja, quando o grupo passou a dar
manutenção a encontros regulares e sistemáticos até que a igreja fosse definitivamente
organizada, com registro em ata no ano de 1898.
Iniciaram os encontros religiosos na residência de Francisco Diniz, “na casa nº 09, da rua
Silva Jardim”,87 hoje Rua Landulfo Alves, que ficava muito próximo da Igreja Matriz, cerca de
cem metros de distância. À medida que as reuniões ficavam mais frequentes e o apoio do
missionário Z. C. Taylor atraia outros curiosos ou interessados na mensagem proclamada pelos
batistas, surgiu o desejo de organizar a igreja. E enquanto a igreja ainda não existia, aqueles que
se declararam batistas foram batizados e filiados a outras igrejas da região, nas cidades de
Valença, Amargosa e Vargem Grande.
Passados quatro anos desde o início dos trabalhos, a igreja ainda não tinha sido oficializada.
Mas os convertidos permaneciam no ideal de organizarem a Igreja Batista na cidade e mesmo
enfrentando dificuldades e resistências, como veremos, conseguiram levar o projeto adiante,
escolheram a data e combinaram o culto para organização da “Primeira Egreja de Christo
Evangélica Baptista em Santo Antônio de Jesus”.88
Tudo foi planejado. “Uma secção extrahordinária por prévia combinação”,89 foi convocada e
com antecedência pediram as cartas de transferências das pessoas que formariam a nova Igreja,
pois estavam filiadas a Igrejas Batistas de cidades da região. É possível que a data para a
organização também tenha sido escolhida de forma intencional, talvez para destacar uma
mensagem comumente associada às viradas de anos: “um novo ano, uma vida nova”.
No registro da ata de fundação, [foto 5, adiante] podemos ver que escolheram um dia de
sábado, ou seja, 01 de janeiro de 1898, e no final da tarde, às dezessete horas, enquanto o pôr do
sol anunciava o fim de mais um dia, alvorecia uma nova Igreja Batista no interior da Bahia,
agora na cidade de Santo Antônio de Jesus, a Terra do Padre Mateus.
A Igreja foi organizada por onze irmãos de fé batista e sob a liderança do missionário norte-
americano, o mesmo que havia organizado a Primeira Igreja Batista do Brasil na cidade de
Salvador, Z. C. Taylor. Na ata encontramos os nomes dos fundadores da igreja: Francisco dos
Passos Diniz, Miguel Thomaz de Andrade, Manoel Rodrigues de Figueredo, Manoel José de
Almeida Andrade, Joaquim Ribeiro Valverde, Cecília de Avelar Medeiros, Umbelina Técla
Diniz, Laura de Aguiar Ribeiro, Mathildes Barreto da Cunha Andrade, Maria Valentina da
Cunha e Maria Andrelina de Andrade.
O documento de organização da Igreja não fornece muitos detalhes sobre os acontecimentos
daquele dia, mas nos permite confirmar fatos significativos da história dos batistas locais. Estava
presente D. Cecília de Avelar Medeiros, o que ratifica a informação do memorialista Isaías Alves
no livro Matas do Sertão de Baixo, validado também pelos missionários T. B. Ray e Z. C. Taylor
que apontam a família Medeiros como sendo os primeiros protestantes da cidade.
Por outro lado, nenhum registro foi encontrado do senhor Manoel Zeferino de Medeiros. A
completa ausência do seu nome, tanto na ata de fundação, quanto nos demais documentos
presentes nos arquivos da Igreja Batista, nos leva a crer que no ínterim entre a chegada da família
e a fundação da igreja, cerca de seis anos, ele tenha falecido. Entretanto, sua existência na cidade
é certa, visto que no Livro de Registro de Matrícula da Escola Pública do Município para
crianças do sexo feminino, consta que teria feito a matrícula de sua filha, Natalina de Avelar
Medeiros.90 No livro, entretanto, seu nome aparece como Zeferino Manoel de Medeiros, o que
deixa dúvidas quanto a ordem do nome, se o apresentado por Isaías Alves ou ode registro no
livro de matrículas.
Realizamos diversas investigações a documentos em busca pela data e possíveis causas de
sua morte, porém nossas tentativas foram frustradas. No Arquivo Municipal os livros de óbito
estão incompletos, há registros até meado de 1896 e depois desta data só foram localizados os
livros com datas a partir de 1906. É possível que fosse bem mais velho que a esposa, por dois
motivos: primeiro porque D. Cecília tinha dois enteados, ou seja, talvez Manoel Zeferino fosse
viúvo, estivesse no segundo casamento; e D. Cecília viveu após suposto falecimento de Zeferino
pelo menos 43 anos, o que nos leva a deduzir que ela era bem mais jovem que ele.
FOTO 5: ATA DE ORGANIZAÇÃO DA PRIMEIRA IGREJA BATISTA EM SANTO ANTÔNIO DE JESUS
(Por questões de configurações, DISPONÍVEL APENAS NA VERSÃO IMPRESSA)
Os registros em ata apontam que o culto, acompanhado por canções e recitativos bíblicos,
seguiu os padrões de liturgia comum às igrejas batistas, culminando com a apresentação de “uma
pregação especial e oração”91 de gratidão pela ocasião. Em seguida foram feitas “muitas
explicações sobre o pacto da Egreja”,92 que se equipara a um juramento de fidelidade às
doutrinas professadas por fiéis das igrejas batistas. 
provável que ao fazer muitas explicações sobre o Pacto de Fé das Igrejas Batistas, o Rev.
Taylor, tivesse a intenção de convencer os fiéis da igreja em formação da importância de
manterem-se firmes no propósito que acabavam de assumir, pois, de acordo o pacto, cada
membro ao ser batizado, assume o compromisso de manter a união entre os filiados das igrejas
batistas; a trabalhar em prol da igreja com vista ao seu crescimento; a dar manutenção aos cultos,
doutrinas e ordenanças; bem como manutenção financeira para suprimento das despesas da igreja
e auxílio aos pobres.
Antes do encerramento do culto, ainda elegeram os primeiros líderes da igreja para
representá-la quando fosse necessário. Na ocasião, pela estrutura simplificada, pois estava em
formação, foram eleitos apenas “dois officiais da Egreja, sendo eleito para Thesoureiro o irmão
Manoel Rodrigues de Figueredo e para o lugar de Secretário o irmão Joaquim Ribeiro
Valverde”.93
O perfil socioeconômico dos fundadores da igreja e a influência que tinham junto à
comunidade, ficou relativamente comprometida porque a maior parte das fontes que tivemos
acesso foram atas tratando de questões como a organização da igreja, relatórios financeiros,
inclusão e exclusão de membros, entre outros. Estas fontes são fundamentais para observar as
questões internas da Igreja, porém dificultam a percepção das questões externas.
Entretanto, as limitações impostas pelas fontes para a análise do perfil socioeconômico dos
membros fundadores, não nos impediu de perceber que em Santo Antônio de Jesus, ao contrário
de muitas igrejas organizadas no período, teve como fundadores pessoas de certo destaque na
sociedade local.
Tomemos por exemplo a Igreja do Garcia em Salvador, organizada em 1910. Lá os
membros eram essencialmente operários de classe baixa, eles mesmos se declaravam “como
crentes destituídos de recursos intelectuais e materiais”,94 a tal ponto que bastava possuir um
emprego fixo ou ser autônomo para ter reconhecimento e prestígio junto à comunidade, como
aponta Elizete da Silva: “Os membros de profissões consideradas de maior prestígio, como uma
professora e um guarda-livros que posteriormente tornaram-se membros da Igreja do Garcia,
tinham um lugar de destaque no seio da comunidade”.95
Por outro lado, ao afirmar que os primeiros membros da Igreja Batista em Santo Antônio
de Jesus tiveram destaque socioeconômico, não significa que se tratava de grandes negociantes
ou pessoas influentes na política local, mas que estavam em condições muito melhores do que a
maioria de membros de outras igrejas batistas da época. Um ou outro, como Francisco Diniz, que
mais tarde doaria uma casa para construção do templo, possuía alguns imóveis e uma vida
aparentemente estável, os demais eram pequenos negociantes no comércio local e senhoras do
lar.
Francisco Diniz, também conhecido como Chico Ourives,96 possivelmente por viver
daquele ofício, como artífice de ouro, era também negociante e tinha algumas posses. Além dos
negócios com metais preciosos, Francisco Diniz possuía pelo menos três casas, uma na Rua Silva
Jardim e outras duas na Rua da Edificadora,97 registradas em Livros de Impostos de Lançamentos
de Décima Urbana, presentes no Arquivo Municipal.98
Joaquim Ribeiro Valverde era escrivão do Cartório de Registros Civis, também atuava
como escrivão do Juiz de Paz,99 vários registros entre 1894 a 1908 são encontrados em livros no
Arquivo Municipal redigidos por ele. Miguel Thomaz era um pequeno negociante, conforme
alistamento eleitoral de 1893.100 Já Manoel Rodrigues de Figueredo, além de negociante, é
possível que atuasse em áreas afins da construção civil, pode ter sido mestre de obras ou possuía
conhecimentos desta área, isso porque em março de 1899, quando houve uma proposta para a
construção de um templo próprio para a igreja, “o irmão Manoel Rodrigues de Figueredo,
offereceu-se para ser administrador da obra gratuitamente”.101
Após a organização da igreja, em seus primeiros anos, com exceção de relatos de
perseguição, não encontramos fatos relevantes nas fontes existentes. Por alguma razão, ao
contrário de outras igrejas batistas organizadas no período, em Santo Antônio de Jesus a igreja
não teria evoluído. Não há nada que demonstre a inserção da igreja na comunidade.
Em um relatório feito no ano de 1919 por Idelfonso Moura, que era membro da igreja,
observa que “nada se conhece dos trabalhos da Egreja, parecendo que ela ficou estacionada até
9bro102 de 1900, quando por proposta do irmão Lauro Simões foi convocada uma Sessão para
tratar-se de sua reorganização(...), parece que havia um grande desânimo”. 103
É possível que tenha ocorrido outros fatores para o não crescimento da Igreja nos primeiros
anos, porém, ao menos três podem ter influenciado: a ausência de um pastor liderando as
atividades, já que inicialmente a igreja ficou sob os auspícios do missionário Z. C. Taylor que
vinha à cidade de tempo em tempo; a ausência de um templo para realização das atividades; e a
resistência da comunidade ao novo credo, como veremos mais detalhadamente adiante.
Pressupõem-se que a falta de um pastor ou missionário fixado na cidade tenha influenciado
o não desenvolvimento do trabalho em seus primeiros anos. Depois de organizada em 1898, a
Igreja ficaria sem um pastor efetivo até o ano de 1906. Mesmo que o missionário Z. C. Taylor
tenha apoiado os trabalhos e envidado esforços, estando presente em várias ocasiões na igreja,
era um homem de muitas ocupações na Denominação e viajava por todo o interior da Bahia no
processo de evangelização, portanto não teria como atender todas as necessidades das igrejas
organizadas, e nesse período a demanda por pastores era maior do que os missionários
conseguiam treinar.
Outra questão que podia estar gerando deficiências na rotina da igreja, em suas áreas
administrativa e social, era a falta de um templo para realização dos cultos, ainda que isso não
seja fator determinante para que uma Igreja exista. Mas, no caso da Igreja Batista em Santo
Antônio de Jesus, a ausência do templo parece ter sido significativa para o não desenvolvimento
dos trabalhos nos anos iniciais, talvez porque as pessoas da época não conseguissem associar o
funcionamento de uma igreja em uma casa residencial, já que frequentemente os conceitos de
igreja e templo são confundidos e a referência de templo para a comunidade era Igreja Matriz.
Cinco anos após a organização da Igreja o número de membros continuava exatamente o
mesmo, embora tivesse ocorrido cinco novas conversões. Idelfonso Moura registrou que “em
uma acta escripta em 18 de janeiro de 1903 nos deixa ver que dos primitivos crentes somente 6
restavam pertencendo a Egreja”, três estavam excluídos do rol de membros, enquanto “D. Maria
Valentina da Cunha e D. MariaAndrelina Andrade já não existiam neste mundo”. 104
Observando os números após fevereiro de 1904, quando o templo foi concluído, nota-se
um expressivo crescimento. O mesmo relatório elaborado por Idelfonso Moura, nos faz ver que
no ano de 1919 existiam 90 membros ativos, 41 excluídos, 39 transferidos para Igrejas Batistas
de outras cidades e 21 mortos, ou seja, um total de 191 pessoas105 que teriam sido batizadas na
Igreja Batista em Santo Antônio de Jesus, no período de 15 anos.
Desde cedo a Igreja percebeu a importância de construir um templo. Logo após sua
organização, em março de 1899 houve a primeira proposta em assembleia para a construção de
um templo. Na ocasião estavam presente os missionários Z. C. Taylor e Ernesto A. Jackson, na
época secretário da Junta Missionária Batista. O missionário Z. C. Taylor chegou a assumir o
compromisso de buscar ajuda financeira junto às Igrejas Batistas da Bahia, mas o projeto não foi
adiante.
Outras tentativas para a construção do templo foram frustradas, tudo leva a crer que o
grande empecilho era a situação financeira da igreja, pois os relatórios financeiros apresentavam
saldos ínfimos, portanto insuficientes para uma construção. Mesmo contando com alguns
membros que eram pequenos comerciantes, o número de pessoas para custear as despesas para
aquisição de um imóvel e construção do templo não parecia favorável e, com base nos relatórios
financeiros presentes em seu arquivo particular, percebe-se que não havia ajuda financeira da
Junta de Missões de Richmond para manutenção da igreja, desde seu início sobreviveu com o
apoio dos membros locais.
Só em março de 1903 o sonho de possuir um templo começou a se tornar realidade.
Francisco Diniz ofertou um de seus imóveis em doação para “edificação de uma Casa de Culto, e
em fevereiro de 1904 completava-se a edificação. 11 meses de esforço Chistão e de trabalho
nobre”.106 Com o templo construído, continuou o problema da ausência de um pastor, pois
dependiam das vindas esporádicas do Rev. Z. C. Taylor para realizações de atividades exclusivas
àqueles que detém o título de pastor nas igrejas batistas, a exemplo das realizações de ceias e de
batismos.107
No início do século XX ainda não havia pastores da Denominação suficientes para todas as
igrejas, algumas passavam por dificuldades pela ausência de um pastor para conduzí-las. Por
outro lado, os Batistas sempre foram bastante criteriosos na questão da ordenação ao ministério
pastoral. Ainda hoje, para exercerem as atividades de pastor, os candidatos devem ter realizado
curso de teologia, preferencialmente em um seminário batista, além de serem submetidos a uma
série de perguntas de conhecimentos teológicos e bíblicos diante de pastores veteranos, em um
encontro chamado de concílio, para então serem ordenados ao ministério pastoral, podendo,
inclusive, o candidato ser reprovado [o que não é comum] se não atender aos requisitos
esperados pelo concílio.
Atualmente existem diversos seminários da Denominação espalhados pelo Brasil e hoje os
batistas são mais flexíveis quanto a formação em seminários de outras denominações ou
interdenominacionais, mas no início do século XX existia apenas um seminário batista, que foi
organizado no dia 1º de abril de 1902, inicialmente chamado de “Seminário Baptista em
Pernambuco, que logo mais recebeu o nome de Seminário Teológico Batista do Norte do
Brasil”.108
Apenas um seminário era insuficiente para o treinamento da demanda de pastores que os
batistas tinham na época. Por outro lado, parece que a ausência de seminários para o treinamento
de obreiros não servia de justificativa para que os batistas aceitassem leigos sem treinamento
exercendo o ministério pastoral. Zózimo Trabuco observa que esses “agentes religiosos
formavam-se no aprendizado com os missionários norte-americanos, através de treinamento de
líderes nas escolas anexas aos templos, em educandários batistas no estado baiano ou em classes
especiais da Escola Bíblica Dominical”.109
Marli Geralda destaca que existia uma classe teológica dirigida pelo missionário Z. C.
Taylor “frequentada por aqueles que se interessavam na carreira pastoral. É provável que essa
‘classe teológica’ não fosse organizada como uma escola, mas funcionasse como explicações,
debates, ‘seminários’ entre orientador e seus alunos”110 e David Mein corrobora com as
informações dizendo que “os primeiros esforços na área de educação teológica foram feitos
através de classes teológicas particulares ministradas pelos missionários. (...) através dessas
classes que vários obreiros brasileiros conseguiram se preparar para o exercício do Ministério da
Palavra de Deus”.111
O primeiro pastor efetivo da igreja foi Manoel Ignácio Sampaio, um jovem santo-
antoniense que ao que tudo indica, se converteu no ano de 1903, pois não há registro em ata de
seu batismo, porém seu nome começa a aparecer nas atas a partir do início de 1904. Certamente
foi um dos alunos do missionário Z. C. Taylor, contudo seu treinamento deve ter acontecido na
própria cidade de Santo Antônio de Jesus, haja vista que existem documentos no Arquivo
Público Municipal que nos garante que ele residia e exercia atividade profissional diariamente no
município. A escolha de Manoel Ignácio Sampaio, aconteceu nos moldes do
congregacionalismo,112 muito comum às igrejas batistas.
FOTO 6: MANOEL IGNÁCIO SAMPAIO
(Por questões de configurações, DISPONÍVEL APENAS NA VERSÃO IMPRESSA)
Em assembleia do dia 07 de janeiro de 1906, Diniz pediu a palavra para dizer que “se
elegesse também um pastor, cuja proposta foi acceita com geral satisfação”.113 Pelo registro em
ata, podemos inferir que havia uma articulação para eleição de M. I. Sampaio na função de pastor
da igreja. Entretanto, parece que a indicação ainda não estava totalmente acertada, isso porque,
de forma incomum, logo após a proposta para eleição do pastor, Francisco Diniz pediu a palavra
de novo e disse que pelo “adiantamento da hora que se suspendesse a sessão para ser reaberta a 4
horas da tarde, o que ficou assentado”.114
O argumento do avançar da hora nos parece infundado, sobretudo quando observado no
registro de ata que apenas doze membros da igreja participaram da votação [só os homens
votaram]. A justificativa provável para aquela atitude é que, Francisco Diniz e outros membros,
usaram o interstício entre a suspensão da sessão e seu retorno, para convencer o jovem M. I.
Sampaio a aceitar o desafio que a igreja estava lhe impondo, talvez porque ainda não se sentisse
preparado para o exercício da função, por se considerar jovem, ou ainda por ser um dos mais
recentes membros da igreja. À tarde, como ficou acordado, a sessão foi retomada às quatro horas
e Manoel Ignácio Sampaio foi eleito o primeiro pastor titular e efetivo da igreja.
A eleição de Manoel Ignácio Sampaio pode ter sido estratégica, pois o mesmo tinha boa
relação política no município. Ele fora nomeado em 01 de janeiro de 1904,115 pelo então
intendente de Santo Antônio de Jesus, Manoel Coelho Lima, para a função de secretário do
Intendente, função que desempenhou até o ano de 1907.
M. I. Sampaio não foi o único membro no primórdio da igreja a ter vínculo com a política
local. Antes dele, um dos primeiros santo-antonienses a converter-se às doutrinas batistas,
Octaviano Pedreira Gomes, também exerceu cargo político. Poucos anos após a proclamação da
República, quando a cidade ainda passava pelas mudanças que o novo regime político exigia, ele
fora eleito para cargo legislativo no Conselho Municipal. Na Enciclopédia dos Municípios
Brasileiro encontramos que “em 15 de janeiro de 1893, em sessão especial do Conselho
Municipal, foram empossados os primeiros intendentes e conselheiros eleitos, com mandatos até
31 de dezembro de 1895: Dr. Joaquim Estêves de Souza Ribeiro – Intendente, e Conselheiros
(...) Otaviano Pedreira Gomes...”116
A despeito do envolvimento de Manoel Sampaio e Octaviano Gomes na política local, os
caminhos na política feitos “pelos batistas baianos no geral, ficaram sempre muito próximas do
princípioda submissão à autoridade e da oração pelos que estão investidos de poder”.117 A ideia
dos batistas quanto à submissão aos poderes e autoridades, conforme aponta Elizete da Silva,
tinha respaldo nos conselhos paulinos, “exarados na carta de Paulo aos Romanos capítulo 13.1 a
7, de obediência e respeito às autoridades ‘porque não há autoridade que não proceda de Deus; e
as autoridades que existem foram por ele instituídas’”.118
Não obstante à posição que os batistas sempre tiveram quanto ao envolvimento da igreja
com a política, encontramos uma matéria em um jornal dos batistas norte-americanos, o Baptist
and Reflector, edição de 30 de agosto de 1894, em que os missionários batistas ufanam seus
prestígios junto a políticos do Brasil. Na matéria publicada nos EUA, os missionários
comemoravam o que eles chamaram de uma conquista alcançada frente aos católicos, pois a
revolta armada sob comando de Saldanha da Gama e Custódio de Melo, iniciada em 06 de
setembro de 1893, chegava ao seu final em março de 1894 com a vitória das tropas do governo.
Segundo o missionário Z. C. Taylor esses oficiais da marinha eram apoiadores declarados
dos sacerdotes católicos, portanto a vitória deles representaria riscos à continuidade dos trabalhos
batistas no Brasil. Mas o que fica em destaque na matéria é a boa relação que os missionários
afirmavam ter com representantes políticos do País.
Podemos ver na matéria do missionário Z. C. Taylor [foto ao lado], ele falando da
felicidade dos missionários pela eleição do presidente e vice-presidente ocorrida em 01 de março
de 1894 na recém-formada República. “O Presidente eleito, Prudente de Moraes é um grande
amigo das missões evangélicas, ele tem falado em celebrações em escolas evangélicas de S.
Paulo. O vice-presidente eleito é um baiano, um amigo pessoal meu, e um inimigo declarado da
antiquada superstição, ignorância, e assim por diante, do Romanismo, é um grande
reformador”.119
Ainda que o discurso Batista com relação ao envolvimento da Igreja, Estado e política,
sempre tenha sido o de separação entre um e outro; do respeito às autoridades legalmente
constituídas, e recomendação de imparcialidade e não envolvimento das igrejas nos pleitos
eleitorais, desde seu primórdio há vários nomes importantes da História Batista com ligações
políticas.
FOTO 7: RECORTE DO JORNAL
(Por questões de configurações, DISPONÍVEL APENAS NA VERSÃO IMPRESSA)
Foi o caso de Joaquim Nogueira Paranaguá, considerado o mais proeminente batista nos
princípios dos trabalhos no Estado do Piauí. Paranaguá teve importante participação política em
seu Estado e no País, chegando a fazer “parte do Congresso Constituinte e por duas vezes
senador federal”,120 destaca A. R. Crabtree. Outro batista envolvido com a política foi Adrião O.
Bernardes. Adrião era santo-antoniense e converteu-se ainda jovem, com 18 anos de idade, na
Primeira Igreja em Santo Antônio de Jesus, durante uma pregação do Rev. Salomão Ginsburg.
Em sua autobiografia, S. Ginsburg diz que ficou tão impressionado com a desenvoltura do
jovem, que logo o encaminhou para o Seminário em Recife e posteriormente “os missionários o
mandaram para os Estados Unidos, onde se formou com grandes honras na Universidade de
Baylor”. Segundo Sandra Natividade, Adrião, era eloquente pastor, “detendor de fácil
convencimento e notável oratória, sua incursão pelos vários estados do país levou-o assumir,
pelo Estado de São Paulo, uma cadeira na Câmara de Deputados.121 Há ainda muitos outros como
Ebenézer Gomes Cavalcanti, Valdívio de Oliveira Coelho, Raymundo Brito e Clériston Andrade,
atuantes políticos na Bahia.122
Com relação ao pastor Manoel Ignácio Sampaio e Otaviano Gomes Pedreira, não se sabe
se encontraram algum tipo de apoio ou oposição da Igreja por estarem vinculados política local,
mas devem ter sido importantes personagens na manutenção da Igreja em seus anos iniciais,
quando a resistência dos Católicos aos Batistas ainda era muito forte.
É possível que não tenha sido apenas uma coincidência, exatamente um ano após a eleição
de M. I. Sampaio ao ministério pastoral, que a igreja decidiu realizar, em 06 de janeiro de 1907,
“uma eleição a fim de ser constituído um para coadjuvar ao Pastor; lançando sorte saiu o nome
do Irmão Octaviano Pedreira Gomes, que por ordem divina ficou legitimamente eleito”.123 A
igreja naquele momento passou a ter um pastor titular e um obreiro para apoiá-lo, curiosamente
foram eleitos aqueles que mantinham uma boa relação com a política local.
É bem provável que eles usaram de seus prestígios junto aos políticos, bem como o
respeito que possuíam da população, pelas funções exercidas, para no mínimo arrefecer os
conflitos existentes entre populares e a igreja. Não obstante, a posição dos batistas com a política
fosse outra, pois como expõem em O Jornal Baptista, edição de 31 de julho de 1919, ao falar da
relação dos oficiais das igrejas batistas com a política, especialmente pastores, indica que “o
Ministro não deve fazer carreira política nem pertencer a uma facção política. Elle deve imitar o
exemplo de Jesus Christo, dos Apóstolos e da Egreja Primitiva. Christo recusou exercer funções
civis”.124
Prova que M. I. Sampaio era bem relacionado e tinha prestígio junto à elite política baiana
é a nota em O Jornal Batista de 1907 parabenizando-o por sua promoção: “Nosso irmão Manoel
Ignácio Sampaio, foi nomeado, por acto do governo estadoal, escrivão dos feitos cíveis e
criminaes do Estado, para o que renunciou o cargo de secretário da Intendencia. Nossos
parabéns”.125
Tendo em vista sua nomeação para trabalhar na capital, o pastor teve uma passagem rápida
no ministério da PIBSAJ. Em Salvador, M. I. Sampaio se envolveria com diversas atividades da
Denominação, demonstrando que era uma pessoa politizada e bem articulada. Ele teve
participação na fundação de vários órgãos importantes da convenção e quando ainda era pastor
em Santo Antônio de Jesus auxiliou e foi um dos organizadores da Convenção Batista Brasileira
em 1907, sendo eleito na primeira assembleia da Convenção para o cargo de segundo secretário.
No mesmo ano, em parceria com outros líderes nacionais, criaria a “Junta da Mocidade
Batista”,126 órgão que tinha como função aproximar a evangelização dos batistas à linguagem dos
jovens a serem alcançados.
Desde sua origem, a Igreja Batista em Santo Antônio de Jesus manteve um envolvimento
muito próximo com a liderança nacional dos batistas, mas ao que parece coube ao pastor M. I.
Sampaio estreitar ainda mais esta relação, medida que participou de importantes conquistas da
Denominação como representante dos batistas santo-antonienses.
Seu envolvimento com a causa batista o levaria ao exercício do ministério pastoral em
outras cidades. Mesquita menciona que o missionário “Z. C. Taylor tinha deixado o pastorado da
Rua do Colégio, e para o lugar tinha convidado o Pastor M. I. Sampaio”.127 A referida igreja
representava a Primeira Igreja Batista da Bahia, onde Manoel I. Sampaio teve uma rápida
passagem no ministério pastoral, durante os anos de 1908 e 1909, indica Marli Geralda.128 Já na
década de 1920, período de 1926-1927, ele foi pastor da Igreja Batista 02 de Julho, também na
cidade de Salvador.
Na edição de O Jornal Batista publicada em 10/01/ 1907, há uma extensa matéria com
vários elogios ao “jovem e activo pastor da Egreja Baptista de S. Antônio de Jesus, Bahia”.129 O
autor da matéria diz que iniciaram uma forte campanha em prol do Jornal Batista e “com o
auxílio valioso do pastor Sampaio arranjamos 50 assignaturas”,130 o texto continua dizendo que o
“pastor Sampaio está fazendo um bom trabalho. É respeitado e amado pela egreja e os de fora.
Este irmão tem costume de escrever seus sermões! Os nossos irmãos pastores tomem nota. Por
isso está se tornando um pregador forte”.131
A referida matéria além de destacar o envolvimento do pastor Manoel I. Sampaio com a
Denominação Batista, ao dizer que era “respeitado e amado pelos de fora”, dá sinais de sua
influência junto à comunidade e reforça nossa hipótese de quetenha utilizado de seu prestígio
pessoal juntos aos munícipes, em favor da igreja batista local.
4. “ESTES QUE TÊM ALVORAÇADO O MUNDO, CHEGARAM TAMBÉM AQUI”
132
:
CONFLITOS, PERSEGUIÇÕES E RESISTÊNCIAS.
Os conflitos, perseguições e resistências, formam um longo capítulo da história dos batistas
e de outras denominações protestantes no Brasil. Muitas dessas desavenças estiveram ligadas
diretamente à liderança católica, porque via no protestantismo uma ameaça ao monopólio da fé;
por acreditarem que a crença dos protestantes era uma distorção da fé cristã e, portanto, um
ensinamento herético; ou ainda como reflexo da propaganda agressiva dos protestantes em geral
e dos batistas em particular.
Embora no século XVII a Colônia tenha vivido um curto período de “boa relação” entre os
diferentes credos, pois “durante o período holandês, especialmente no governo de Maurício de
Nassau (1637-1644), experimentou-se pela primeira vez no Brasil um clima de tolerância
religiosa, católicos, protestantes e judeus conviviam então pacificamente”,133 não foi fácil a
implantação de igrejas protestantes no país, sobretudo porque o catolicismo era a religião oficial
no Brasil Império e a liderança católica usou isto em seu favor.
A permissão para realização de cultos protestantes só foi concedida, e ainda assim com
restrições, a partir da vinda da família real em fuga da iminente invasão de Portugal pelas tropas
francesas comandadas pelo general Jean-Andoche Junot, duque de Abrantes. José Reis Pereira
assinala que quando a corte portuguesa “refugiou-se no Brasil, foi estabelecido um tratado do
Comércio entre Portugal e a Inglaterra, em cujo artigo 12 se determinava que cidadãos ingleses
não seriam molestados na celebração de seus cultos”.134
Mesmo com o Artigo 12 do Tratado de Comércio e Navegação entre Portugal e
Inglaterra135 concedendo aos estrangeiros a permissão para realizações de cultos protestantes em
terras portuguesas, ainda havia limitações. Pois, o referido artigo estabelecia que ao construir
suas capelas, os protestantes não deveriam construí-las com aparências externas que lembrassem
templos religiosos.
Por isso alguns dos principais símbolos cristãos, como a cruz e os sinos, presentes nas
fachadas da maioria dos templos em outros países, incluindo os dos Batistas, notadamente em
países europeus e nos EUA, ainda hoje não serem comuns nas igrejas evangélicas brasileiras.
Muitos cristãos da atualidade, pelo desconhecimento histórico, repudiam alguns desses símbolos,
especialmente a cruz, por associarem à idolatria, contudo, não sabem que sua ausência nas
igrejas evangélicas do Brasil está ligada à antiga proibição da identificação dos templos
protestantes.
A princípio os conflitos giraram em torno das questões cíveis, ligadas ao casamento e
sepultamento de protestantes, pois “o único casamento reconhecido era o religioso, celebrado por
sacerdotes católicos e os cemitérios eram controlados pela Igreja Católica”.136
Na cidade de Salvador, por exemplo, que era “uma cidade oficialmente católica, sede do
Arcebispo do Brasil, as necrópoles existentes eram todas administradas pela Igreja Católica ou
Irmandades Religiosas de origem católica”,137 as quais resistiam na liberação do cemitério para
sepultamentos de pessoas de outros credos, “por isso, antes mesmo de erguerem a capela
anglicana para serviços religiosos, os anglicanos viram-se na iminência de providenciar um
cemitério, desde quando os seus mortos estavam proibidos de receberem sepulturas nos
cemitérios locais”,138 assegura Elizete da Silva.
Por muito tempo os protestantes teriam problemas em quase todo território nacional para
sepultar os seus mortos. Marli Geralda abordou em sua dissertação sobre “a importância dos
cemitérios ingleses existentes ‘em quase todas as cidades importantes do Império’”139 pois eram
deles que muitos protestantes se valiam quando impedidos de sepultarem seus parentes nos
cemitérios administrados pelos católicos.
O privilégio de manifestação de culto protestante no Brasil, que estava inicialmente restrito
aos ingleses por força de acordo entre Portugal e Inglaterra, seria expandido para colonos vindos
de outros países a partir da Constituição de 1824. Após a declaração de independência do Brasil,
o imperador D. Pedro I promulgaria a Constituição Imperial que, apesar de manter a Igreja
Católica como religião oficial, autorizava a manifestação de culto por outros grupos e religiões.
No seu artigo 5º, a Carta Magna declarava que “A Religião Catholica Apostolica Romana
continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto
doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do
Templo”.140
Apesar das limitações, a Constituição de 1824 além de ter possibilitado surgimento de
várias igrejas protestantes, inicialmente luteranas, calvinistas e anglicanas, de certa forma pode
ser vista como o primeiro passo para a liberdade religiosa que o Estado brasileiro alcançaria mais
tarde. Por outro lado, continuavam os problemas de registros de nascimento, casamento e óbitos
dos protestantes, que só a partir de 1861 com o Decreto do Império, nº 1.144, passou a ter efeitos
legais, como aponta o enunciado do Decreto, que tornou “extensivo os effeitos civis dos
casamentos, celebrados na fórma das Leis do Império, aos das pessoas que professarem religião
diferente da do Estado”.141 Além disso, aquele Decreto providenciou a regulamentação dos
“nascimentos e óbitos das ditas pessoas, bem como as condições necessárias para que os Pastores
de religiões toleradas possão praticar actos que produzão effeitos civis”.142
A legalização de direitos civis como o de nascimento e casamento a partir do Decreto do
Império dava novos contornos à vida de imigrantes protestantes no Brasil, mas não dava fim aos
problemas dos funerais, isso porque o “sepultamento de acatólicos, nos cemitérios municipais,
continuaram proibidos pela Igreja Romana, por ela considerá-los de sua propriedade”.143
Seria nesta área o primeiro problema enfrentado pelos batistas no Brasil. Na colônia de
Santa Bárbara, quando morreu uma imigrante batista por nome Beatrice Elisabeth Oliver, não
podendo ser enterrada no cemitério local, “foi inumada em sepultura feita na sua propriedade, no
lugar chamado Campo. Isto ocorreu em 13.07.1868”,144 conforme informa Betty Antunes. Depois
uma das filhas de Beatrice também seria sepultada no mesmo local e à medida que foram
morrendo outros imigrantes na colônia, seus parentes os sepultavam ali “e, assim, aquela área
ficou sendo o Cemitério do Campo, que, até hoje, é conhecido como o Cemitério dos
Americanos”.145
Os conflitos gerados entre protestantes e líderes católicos por causa de sepultamentos
foram frequentes em todo o Brasil. Betty Antunes relata um caso que merece destaque, ela nos
diz que durante sua pesquisa, encontrou casualmente em um jornal de Salvador publicado no ano
de 1867, no acervo do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, notícias sobre um funeral de um
norte-americano na cidade de Sorocaba em São Paulo, que fora sepultado no cemitério municipal
com a autorização do pároco, mas “no dia seguinte, este foi avisado de que o morto era um
protestante. O pároco ordenou a exumação, e consequentemente inumação do morto, do lado de
fora do cemitério”.146 Este não foi o único caso de exumação e retirada de corpos de cemitérios
municipais por tratar-se de protestantes “sepultados inadvertidamente”, a mesma pesquisadora
menciona outros casos semelhantes.
Este tipo de conflito permaneceria em evidencia por longos anos. A Igreja Batista de
Serrolândia, por exemplo, fundada em 1962, também teve problemas com esta questão. Segundo
Jairo Soares, pesquisador em Serrolândia, a ideia de construir o “cemitério dos crentes”, pelos
relatos do senhor Olindino, teria começado com a morte de seu pai, crente no Senhor. Outra
versão dos serrolandenses, entretanto, dão conta de “que a construção fora influenciada pela
recusa em sepultar no Cemitério Municipal uma mulher chamadaUbaldina ou Dona Rôla”.147
Ressalta-se que o caso mencionado por Jairo Soares ocorre na década de 1960, o que nos
leva a pensar que, embora pareça um absurdo, é possível que em comunidades provincianas, com
forte influência Católica, ainda nos dias de hoje encontremos conflitos similares aos do passado,
gerados a partir da chegada de um novo credo nestas comunidades.
A oposição à construção de capelas e a questão envolvendo sepultamentos, seriam apenas
as formas iniciais de resistências ao surgimento de igrejas protestantes no Brasil. Na esfera da
“legalidade” ou uso do poder do Estado, o extremo talvez tenha sido a tentativa de impedir a
tolerância religiosa aos britânicos, promovida pelo Arcebispo de Nisibis, que buscou o apoio,
sem êxito, “do governo de D. João, ameaçando inclusive com a volta da inquisição, ‘para cuidar
dos interesses da religião católica e refrear o progresso dessa heresia entre os brasileiros’”.148
Outros tipos de resistências apareceram ao longo da história e em algumas regiões de
forma bem peculiar: ameaças, violências, divulgação de falsas informações, invasões em templos
ou cultos públicos, incêndios de templos, proibição de venda de alimentos aos crentes, entre
outras, formam uma longa lista, quase sempre relacionadas a Igreja Católica, e exercida “pelo
povo, as autoridades políticas e os padres”,149 segundo o escritor batista, A. R. Crabtree.
Os revides aconteceram, mas em sua maioria parecem ter ficado na esfera do uso do
discurso ou da provocação através de periódicos produzidos pelos protestantes para difusão de
suas doutrinas e propagandas de proselitismo. Os Batistas, em especial, faziam oposição e
combate aos dogmas católicos, através de jornais, folhetos, livros, e pelo O Jornal Batista,
considerado a imprensa oficial da Denominação no Brasil, fundado em 10 de janeiro de 1901 e
ainda em atividade.
Os conflitos entre batistas e católicos aconteceram em todo o território nacional e desde o
início dos trabalhos dos missionários norte-americanos. Pouco tempo depois de organizada a
Primeira Igreja Batista em Salvador, algumas pessoas se converteram e o missionário W. B.
Bagby dirigiu-se a uma praia para realização dos batismos. Lá encontraram um grupo de homens
acompanhados do chefe de polícia, que efetuou a prisão do missionário sob alegação de que
estava perturbando a ordem, pois estava realizando culto de batismos em lugar público.
Este e outros eventos teriam levado a esposa do missionário Bagby registrar em uma de
suas cartas aos pais, o sentimento de temor pela integridade física e suas convicções quanto ao
trabalho que estavam desenvolvendo. Na carta, informaria em tom de consolo para seus pais:
“não temais, se Deus quiser que um dos ministros morra pela Causa, ou que uma das mulheres,
perca um bom e nobre marido, estamos prontos para o sacrifício”.150
À medida que se desenvolveu o trabalho missionário dos batistas na Bahia as perseguições
também aumentaram. Passados dois anos desde a fundação da Primeira Igreja Batista do Brasil,
contavam com cerca de 40 membros, o que despertou a atenção da liderança católica. Naqueles
dias o missionário Z. C. Taylor enviaria relatório à Junta de Missões de Richmond, no qual
informava que “as perseguições nos estão oprimindo em todos os lados agora, os padres deitaram
a pena de lado e pegaram na espada”.151 Quatro soldados que frequentavam a igreja presbiteriana
teriam sido presos e estavam custodiados a mais de um mês. A acusação? Segundo relato do
missionário: “crime de ler a Bíblia”.152
Em seu relatório o missionário Z. C. Taylor acrescentaria ainda que todos os esforços na
tentativa de libertá-los teriam sido inúteis até aquele momento. Na perspectiva do missionário
batista, segundo o mesmo relatório, a liderança católica não ficou limitada aos discursos escritos,
metaforicamente representados pela expressão “deitaram a pena de lado”, teria ido além,
liderando algum tipo de movimento violento, verbalizado pelo missionário como “pegaram na
espada”.
As dificuldades enfrentadas pelos missionários e primeiros batistas na capital da Bahia,
seriam consideradas de certa forma brandas por alguns, se comparadas às que se seguiram no
interior. O escritor batista A. R. Crabtree, afirmou que “foi leve esta primeira perseguição no
tempo do Império em comparação com as estúpidas e cruentas que os batistas sofreram mais
tarde”.153 Marli Geralda acredita que “talvez nas áreas interioranas da Bahia que a expansão dos
batistas enfrentaria as maiores resistências, motivadas por causa de vária ordem”.154
São inúmeros os conflitos entre batistas e católicos, cujos registros são encontrados em
atas, jornais, diários, autobiografias, cartas e outras fontes. Frequentemente os missionários
apontavam como responsáveis pelos conflitos e perseguições a Igreja Católica Romana, e
demonstravam acreditar que todas aquelas reações eram ações do próprio Satanás com o fim de
intimidá-los e fazê-los desistir da pregação do verdadeiro Evangelho.
Em março de 1909, O Jornal Batista noticiava que em uma viagem do Rev. Z. C. Taylor à
cidade de Alagoinhas para realização de pregações do Evangelho, ao chegar na cidade, “já alli
estava Satanás à sua espera: estava com a capa de vigário da freguezia e acobertado pelo manto
misericordioso da política local”.155
A matéria além de fazer menção à perseguição sofrida pelos batistas, parece demonstrar a
tendência do grupo em espiritualizar os fatos, bem como revela algo interessante: a possível
percepção que alguns batistas tinham com relação ao catolicismo, ou seja, que sua liderança não
estava a serviço de Deus. Discurso que foi muitas vezes difundido nas literaturas batistas de fins
do século XIX e início do século XX e que serviram para acirrar ainda mais os ânimos entre
católicos e batistas.
Algumas dessas literaturas receberam os seguintes títulos: A Igreja e o Estado; Três
Razões Porque Deixei a Igreja de Roma; Um Retrato da Virgem Maria no Céu; Como Orar;
Das Trevas Para Luz, e etc. Percebe-se, que desde a escolha dos títulos, muitas tinham um alvo
bem específico a combater: o catolicismo.
Em geral essas literaturas tiverem uma mensagem dura contra líderes católicos e seus
dogmas, causando o sentimento de ofensa e consequentemente gerando alguns confrontos. Em
“Três Razões Porque Deixei a Igreja de Roma”, por exemplo, o ex-padre Antônio Teixeira de
Albuquerque diz que “o véu dos mistérios do Papa foi se rasgando pouco a pouco ao passo que ia
lendo a Bíblia (...) As más doutrinas por si mesmas se condenam: erros, superstições, idolatrias,
contradizem-se à vista da Bíblia e da razão. Vi a condenação da Igreja de Roma”.156
Muitos textos produzidos pelos batistas causaram oposição entre os dois grupos. Em forma
de folheto, “O Retrato de Maria Como Ela é no Céu desencadearia uma agressiva reação por
parte da igreja majoritária”,157 e talvez tenha sido esse texto o que mais gerou revolta entre os
católicos.
Não seria difícil mencionar uma centena de matérias em periódicos, livros ou folhetos
produzidos pelos batistas, que denunciavam aquilo que os missionários chamavam de erros
doutrinários e idolatria católica. Na verdade, como ressalta Elizete da Silva, “o ataque frontal à
Igreja Católica era um dos métodos de evangelização utilizados pelos líderes batistas”.158
O Jornal Batista, por exemplo, em sua edição de 01 de abril de 1909, em matéria com o
título O Senhor Vivo e o Senhor Morto, faria uma comparação antagônica entre o Senhor Vivo
[supostamente pregado pelos batistas] e o Senhor Morto [dos católicos], começando com um
longo discurso sobre o significado da palavra vivo, para em seguida o articulista do Jornal
Batista anunciar o que realmente intencionava, ou seja, o “contraste existente entre o Senhor
Vivo, Rei dos céos, Supremo Juiz, Advogado dos pecadores, ao qual foi dado todo o poder nos
céos e na terra, e o senhor morto que adora a egreja de Roma”.159
4.1 RESISTÊNCIAS E PERSEGUIÇÕES NA TERRA DO
PADRE MATEUS
Como falamos, até 1890 a Igreja Católica tinha em seu favor não só o poderpolítico, mas o
ornamento jurídico em vigor no país. Mas o Decreto 119-A, de 07 de janeiro de 1890, que
determinou ser “prohibido á autoridade federal, assim como á dos Estados federados, expedir
leis, regulamento, ou actos administrativos, estabelecendo alguma religião, ou vedando-a, e crear
differenças entre os habitantes do paiz (...) por motivo de crença”,160 favoreceu as manifestações
religiosas não católicas, e os Batistas avançaram em todo o país.
Conquanto o Decreto possa ter influenciado no avanço de igrejas protestantes no Brasil, ele
não impediu a existência de confrontos entre católicos e pessoas ligadas a outros credos. Nas
cidades em que os batistas chegaram para difundir suas doutrinas no final do século XIX e início
do XX, encontraram muita resistência da população. Em Santo Antônio de Jesus não foi
diferente, os primeiros protestantes enfrentaram diversas formas de oposição.
A primeira notícia que temos de perseguição aos batistas na região, que inclusive já
relatamos, ocorreu a partir da conversão de Marciano de Almeida, no distrito de Vargem Grande.
Segundo a narrativa de T. B. Ray, o missionário Salomão Ginsburg, em uma de suas viagens
missionárias à cidade de Amargosa no ano de 1892 conseguiu convencer o Sr. Guilhermino de
Almeida a comprar uma Bíblia.
Alguns dias depois, retornando a Vargem Grande, Guilhermino resolveu doar a Bíblia ao
seu irmão Marciano. Nela havia indicações de alguns trechos para leituras, entre eles estava
destacado os dez mandamentos da Lei Mosaica. “Marciano leu o livro e ficou particularmente
impressionado com os Dez Mandamentos”.161
O texto que o missionário separou para ser lido demonstra a intenção e uma das estratégias
Batistas, pois no livro de Êxodo em seu capítulo 20, entre outras normas e mandamentos, há a
proibição [na interpretação dos protestantes] da confecção de imagens para adoração, por serem
consideradas representações de divindades, o que caracteriza um ato de idolatria para os batistas.
Durante os séculos XIX e XX, frequentemente os batistas utilizaram como recurso para
alcançar fiéis católicos, a denúncia de prática que eles consideravam erradas. Desta forma, ao
sugerir essas leituras eles tinham por objetivo levar o leitor à reflexão e questionamento dos
ensinos da Igreja Católica, e no caso específico refletirem sobre a veneração aos santos.
A estratégia do missionário S. Ginsburg no caso de Marciano deu certo. Ele se interessou
pelos textos bíblicos destacados e sabendo da chegada de Manoel Zeferino na região, crente
batista, o procurou para saber mais sobre os ensinamentos da denominação e acabou se
convertendo ao novo credo. A família de Marciano era de católicos e tudo indica que o Sr.
Medeiros o orientou a se desfazer dos santos que tinha em casa, pois “ao saber que suas imagens
eram ídolos, Marciano recolheu todos imediatamente e os queimou, para grande desgosto de sua
família e de toda cidade”.162
A decisão de Marciano em se livrar de suas imagens daquela forma revoltou seu irmão
Egídio, dando origem ao primeiro conflito que se tem notícias, enfrentado pelos batistas na
região de Santo Antônio de Jesus. O capitão Egídio, que inicialmente tentou fazer seu irmão
abandonar a ideia, não tendo êxito, investiu contra o crente Manoel Zeferino.
Egídio era Capitão da Guarda Nacional e responsável pela proteção de uma tribo indígena
da região, com a qual mantinha relação pelo trabalho de proteção que realizava para a
comunidade e aparentemente tinha a confiança dos indígenas. T. B. Ray, declara que Egídio teria
dado o seguinte recado ao senhor Medeiros: “Se você continuar colocando essas falsas doutrinas
na cabeça do meu irmão vou enviar um par de índios aqui para arrancar sua cabeça”.163
Esse primeiro conflito, apesar de motivado pela relação de fé que Egídio tinha com o
catolicismo, não é possível atribuir diretamente à liderança da Igreja Católica local, isso porque
os documentos apontam que a iniciativa de retirar a ideia da cabeça de Marciano e de expulsar a
família dos Medeiros foi exclusivamente de Egídio, e mesmo quando aparece em cena a pessoa
do vigário, ocorreu a pedido do capitão.
Não conseguindo fazer com que Marciano mudasse sua decisão com relação a nova fé que
tinha abraçado, e não tendo sucesso com as intimidações que fizera aos Medeiros, Egídio forçou
a saída da família da vila de Vargem Grande os enviando para a cidade. Ainda que ele tenha
providenciado uma morada em Santo Antônio de Jesus para os Medeiros, a atitude de expulsá-
los da vila é um exemplo do uso da força e do poder, exercidos pelo capitão Egídio, pois a saída
dos Medeiros não foi por iniciativa deles, mas sob ameaças.
O próprio Egídio, que se converteria às doutrinas batistas em 1894, enfrentaria
perseguições tanto de familiares como da liderança católica da região e “alguns de seus amigos
do peito se tornaram seus piores inimigos, mas muitos deles foram conduzidos a Cristo e outros
se tornaram, ao menos amigos do Evangelho”.164
Após sua conversão Egídio se tornou um evangelista e ao lodo do missionário Z. C. Taylor
realizou diversas viagens para pregação do Evangelho. Em uma dessas viagens, segundo o
missionário, sofreram uma “perseguição terrível [e Egídio] comportou-se como mártir, não
oferecendo nenhuma resistência nem até na palavra, nem pedindo misericórdia, nem depois
rogava praga sôbre o perseguidor”.165
Outros episódios de perseguições envolvendo o capitão Egídio como vítima, também são
narrados por T. B. Ray. Em uma de suas histórias, diz que “um padre pagou sessenta dólares a
dois homens para ir tirar a vida do capitão”,166 os quais, após ouvirem o capitão falar sobre o
amor de Deus, teriam se arrependido do acordo e desistido de dar cabo de sua vida.
Outro relato do missionário mostra que certo dia, passando pela casa do padre, este teria
reclamado o sumiço de Egídio: - “Capitão porque é que você não para mais por aqui? Você
costumava fazer isso, mas ultimamente você só passa por mim”.167 O padre teria insistido tanto
naquele dia para que ficasse com ele que, constrangido, Egídio decidiu pousar a noite na casa do
padre, o qual “oferecendo-lhe vinho para beber, recusou. Então eles lhe deram café. Naquela
noite, ele sofreu agonia e ficou doente por algum tempo, ao retornar para casa ele tinha certeza
de que havia sido envenenado”.168
Ainda que a narrativa de T. B. Ray possa ser questionada, por ter sido produzida a partir da
perspectiva das supostas vítimas, ela serve para demonstrar qual era o sentimento que Egídio e
outros batistas da região tinham com relação a liderança Católica, ou seja, os viam como
opositores e perseguidores. Nota-se também que seu discurso apologético enfatiza a proteção
divina em favor daqueles que servem a Deus na fé batista, dando-lhes o livramento do mal. Bem
como, parece apontar para a suposta forma do viver cristão, que na ótica dos missionários
representava a expressão da prática da vontade de Deus, de maneira que mesmo perseguidos, os
batistas permaneciam numa conduta exemplar, “não oferecendo nenhuma resistência, nem
depois rogava praga sobre o perseguidor”.
As perseguições não se restringiram a um ou outro indivíduo apenas, houve momentos em
que o alvo era o grupo como um todo. Após fixar residência em Santo Antônio de Jesus, o
senhor Medeiros reiniciou suas pregações e assim que as primeiras pessoas se convertem
“começa a perseguição: pedradas e várias cousas podres que jogavam na casa; os aguadeiros não
botavam água; as meninas recebiam punhados de milho no rosto, havia um Sampaio que era o
maior perseguidor”.169
As narrativas do memorialista demonstram variadas formas de perseguição aos novos
convertidos. Em alguns momentos a hostilidade se manifestou através da violência. O ato de
jogar pedras nas casas dos crentes, além de os expor ao iminente risco de serem atingidos por
esses objetos, possivelmente causaram danos materiais aos imóveis alvejados.
Em alguns casos a conversão tinha um alto custo, pois o convertido ficava sujeito à
privação de suprimentos de necessidades básicaspara sua sobrevivência. Naquela época não
havia água encanada, a água potável disponível para a população provavelmente vinha da fonte
Santo Antônio, que fica próxima à praça Padre Mateus e era fornecida pelos aguadeiros, que
“eram tipos bem populares, carregavam água sobre a cabeça em barris pequenos, ou levavam
grandes barris e pipas em carrinhos”,170 normalmente puxados pelos próprios aguadeiros ou por
um animal de montaria. Não ser atendidos pelos aguadeiros significava ficar sem água ou ter que
providenciar pessoalmente o transporte para suprir suas necessidades.
Segundo as narrativas de Isaías Alves, por causa de suas crenças os primeiros batistas da
cidade tiveram problemas com a prestação do serviço de entrega de água, o que nos leva a supor
que, talvez, os mais hostilizados, tenham encontrado alguma resistência até para aquisição de
gêneros alimentícios nas casas de secos e molhados.
Entretanto, nenhuma forma de perseguição foi tão inusitada quanto a atitude de jogar grãos
de milho nas moças batistas ao passarem pelas ruas. Ao ver esse relato, ficamos interessados em
compreender o significado daquela atitude. Qual seria a “piada” ou bullying? – para sermos mais
atuais. O que estaria por traz da atitude dos rapazes?
Em nossa análise sobre a questão consideramos duas coisas: primeiro que o fato teria
ocorrido em meados da década de 1890; e segundo, conforme narrativa, que as vítimas eram
apenas do sexo feminino, as filhas dos crentes batistas.
No século XX, década de 1980 e 1990, era comum apelidar prostitutas ou “mulheres de
vida fácil” de galinhas e uma ação como a de jogar grãos de milho em uma menina, poderia ser
interpretado como a intenção de insinuar que era uma “galinha”. Mas cem anos antes este
símbolo teria o mesmo significado?
Envidamos todos os esforços para encontrar alguma pista que pudesse nos direcionar para
a compreensão da “piada”. A princípio buscamos nas fontes disponíveis nos arquivos da Igreja e
em outros arquivos na cidade, mas não obtivemos sucesso. Só então tivemos a ideia de investir
na leitura de literaturas produzidas no final do século XIX, e após pesquisar em mais de uma
dezena de romances encontramos a fundamentação para hipótese que defendíamos sobre a
questão, ou seja, que a atitude se tratava, possivelmente, de uma manifestação de ofensa à moral.
No romance O Cortiço, escrito por Aluísio de Azevedo em 1890, o romancista descreve
uma cena em que Leocádia teria sido flagrada pelo marido Bruno, no ato do adultério. Enquanto
o estudante com quem praticava o ato teria escapulido sem ser identificado, Leocádia cairia nas
mãos do marido traído que passou a agredi-la violentamente até que o policial Alexandre
interveio sob ameaça de levar Bruno preso, o qual desabafou: “– Pois você não vê esta galinha,
[grifo nosso] que apanhei hoje com a boca na botija, não me vem ainda por cima dar cabo de
tudo?!... interrogou Bruno, espumando de raiva e quase sem fôlego para falar”.171 Encontramos
ainda no mesmo romance cenas em que outras mulheres recebem o mesmo tipo de ofensa, com a
clara intenção de chamá-las de vadias.
O romance produzindo por Azevedo no final do século XIX serviu para sustentar uma
ideia, ao menos plausível, para justificar a atitude daqueles jovens. Com base no romance, o
apodo galinha atribuído a uma mulher tinha o mesmo sentido atual de vincular a imagem da
ofendida à prostituição. Portanto a atitude dos rapazes que jogavam milho nas filhas dos crentes
batistas em Santo Antônio de Jesus, no final do século XIX, pode ser entendida como uma forma
de perseguição que classificamos como sendo de ofensa à moral.
A ofensa à moral dos protestantes era algo bem presente naquele período, entretanto era
comum através da verbalização com xingamentos e palavrões, mas ao menos em Santo Antônio
de Jesus esta modalidade teria ganhado uma nova forma através da simbologia do lançar grãos
de milhos nas meninas.
Além das formas de resistências mencionadas, o clero local utilizava como estratégia para
inibir a aproximação de seus fiéis ao novo credo, a divulgação de que os protestantes eram
pessoas que serviam ao próprio demônio. Isaías Alves recordava que aos sete anos de idade a
mãe lhe ordenava “que não passasse no passeio da casa, [dos crentes] pois era gente do
demônio”.172 Esse tipo de propaganda católica foi muito difundido causando temor na maioria de
seus fiéis e muitos deles, por medo, evitavam o contato com os protestantes.
Frequentemente líderes da igreja oficial também divulgavam que a Bíblia utilizada pelos
protestantes era falsa e não merecia crédito.173 A tentativa de desqualificar a Bíblia, que ora era
vendida e ora era doada pelos batistas, tinha uma motivação, pois “a Bíblia foi o primeiro tipo de
literatura religiosa utilizada como veículo de propaganda, considerando principalmente os
fundamentos doutrinários da denominação, que tem a Bíblia como única regra de fé e ordem”.174
Por onde os batistas passaram utilizaram a estratégia de conduzir pessoas leigas à leitura da
Bíblia, influenciando na mudança de perfil dos religiosos. Até aquele momento a ideia comum
entre os católicos era que a leitura da Bíblia era tarefa quase que exclusiva dos sacerdotes e a
forma como as missas eram celebradas, no latim, também não estimulava a busca do
conhecimento teológico através da leitura bíblica. Para Pierre Bourdieu, a Igreja Católica além de
sua organização baseada numa hierarquia complexa, utilizava “uma linguagem quase
desconhecida do povo [e detinha] o monopólio do acesso aos instrumentos do culto, textos
sagrados e sobretudo os sacramentos”.175
Na propagação de suas doutrinas, os Batistas estimulavam leigos à realização de leituras
bíblicas, rompendo com a ideia de que o acesso aos instrumentos do culto era restrito aos
clérigos, produzindo assim a sensação de uma maior proximidade entre o homem e Deus.
Zózimo Trabuco nos diz que “os batistas consideravam indissociável a difusão da leitura da
Bíblia e a expansão evangélica (...) e isso significava também que o crescimento da denominação
contribuiria para uma mentalidade bíblica na sociedade”.176
Neste contexto, há outro episódio que chama a atenção. Isaías Alves faz menção às
diversas lembranças que tinha de suas viagens nos trens a vapor entre Santo Antônio de Jesus e
Nazaré. Numa dessas viagens teve como acompanhante um padre jesuíta, “era um Sacerdote
emigrado, português notável, que fora a Santo Antônio de Jesus, fazer três conferências na praça
Matriz, sobre ‘A Bíblia não é um livro sagrado’”.177
A presença do sacerdote e o tema abordado atrairia uma multidão. Naqueles dias o povo
teve endereço certo, todos queriam ouvir os argumentos do padre, que “em três tardes, às cinco
horas, demonstrava que era histórica a função da Bíblia. Era uma palavra fácil, fonética bastante
acessível aos brasileiros e raciocínio comedido e convincente”.178
O episódio mexeu com o brio dos batistas, que produziram uma cena incomum.
Provavelmente souberam com antecedência da vinda do sacerdote e do tema que iria abordar, por
isso organizaram uma ofensiva e “nas noites dos mesmos dias, em frente ao Templo da rua
Edificadora, hoje em frente à rua Landulfo Alves, o Pastor Batista Almeida fazia uma
conferência com sua oração dominadora sobre ‘A Bíblia é um livro sagrado’”.179
O templo da Igreja Batista estava muito próximo da Praça Matriz onde o padre realizava
suas palestras, cerca de cem metros, talvez um pouco mais. A realização dos cultos batistas logo
após o encerramento das palestras do sacerdote, com abordagem de um tema oposto ao que
anunciava, foi uma demonstração de afrontamento às conferências promovidas pela Igreja
Católica.
Isaías Alves ainda relatou que o público da tarde e da noite cresceram significativamente
no segundo e terceiro dia, dando aos ouvintes, excelente clareza sobre o problema apresentado e
concluiria sobre o episódio dizendo que “hoje, não haveria a mesma afirmativa de um sacerdote
católico”,180 ou seja, tudo leva a crer que o tema da palestra estava alinhado com a propaganda
católicacontra a utilização das informações contidas na Bíblia e difundidas pelos batistas.
Tentamos consultar as fontes do outro lado, mas ainda não é fácil o acesso a documentos
em arquivos de muitas Igrejas Católicas, especialmente para uma pesquisa que aborda conflitos
envolvendo católicos e protestantes. Em resposta a nossa tentativa de vista dos documentos da
Igreja Matriz, fomos informados que por causa das condições precárias em que se encontram os
livros do período estudado, não permitem mais que sejam consultados. Quanto a boletins
dominicais, jornais e outras fontes, disseram não existir. Segundo uma funcionária da Igreja, nos
arquivos só existem livros com informações de batismos e nascimentos.
Também não foram localizados jornais ou outros periódicos do período, por isso a maior
parte das fontes utilizadas teve origem em documentos produzidos pelos batistas, embora nossa
análise sobre as formas de resistências ao novo credo tenha respaldo principal nas memórias do
conterrâneo Isaías Alves, que não era protestante.
Por outro lado, sabemos que a não confrontação de fontes dos dois lados pode gerar uma
percepção limitada, apoiada em discursos de apenas um dos grupos. Ainda assim, as fontes que
foram utilizadas serviram para revelar o sentimento dos Batistas com relação ao que
consideraram perseguição e intolerância religiosa na região, e a partir dessas fontes pode-se
pensar que os sacerdotes das Igrejas Católicas da região, de alguma forma influenciaram seus
fiéis para agirem com hostilidade ao novo credo e em defesa de dogmas e tradições da Igreja
Católica.
Os conflitos entre católicos e batistas duraram por muitos anos. Só à medida que o número
de membros da Igreja Batista foi aumentando e novos moradores promoveram um crescimento
populacional, que estes conflitos foram arrefecidos. Em ata de reunião ocorrida em 05 de março
de 1920, um dos fundadores da igreja faria um registro que aponta tanto para as perseguições
iniciais, quanto para o momento de aparente diminuição desses conflitos. Em certo momento da
reunião, quando os presentes contavam suas experiências de fé, pedindo a palavra, Francisco
Diniz falou que “admirava qual a razão dos convertidos de hoje ter receio de batizarem-se,
porque antigamente dentro das águas encontravam-se era cacos de vidros e pedradas e hoje
encontra-se é música e flores”.181
Nos primeiros anos a realização de batismos era em locais públicos, em rios da região.
Pelo relato de Francisco Diniz, é possível que tenha ocorrido conflito violento em pelo menos
uma dessas ocasiões. Problemas com grupos católicos durante a realização de batismos em locais
públicos foram frequentes. Há registros noticiando essas ocorrências com os missionários Bagby
e Taylor na cidade de Salvador e com outros missionários por várias regiões do Brasil.
Percebe-se também na fala de Francisco Diniz, a sua irritação com os novos membros que
resistiam em realizar o rito do batismo, uma vez que não havia mais riscos para os que se
apresentavam como candidatos. Essa ausência de riscos na realização dos batismos aconteceu ou
porque os conflitos já tinham diminuído em Santo Antônio de Jesus, ou porque os batismos não
eram mais realizados em locais públicos, já que desde 1907 a igreja possuía um batistério,
espécie de tanque construído no interior do templo para realização de batismos.
Na década de 1920 a Denominação Batista já tinha alcançado números expressivos de
adeptos em todo o Brasil. Vários estados da Federação possuíam igrejas batistas, e na Bahia os
esforços dos missionários Z. C. Taylor e S. Ginsburg teria alcançado quase todas as áreas
interioranas acessíveis. Mas no final da década de 1910 o pioneiro e principal nome nos
primórdios dos Batistas na Bahia, o missionário Z. C. Taylor, faleceu. Ele estava nos EUA
cuidando da saúde e ansioso para “voltar ao Brasil, ainda que fôsse para aqui morrer”,182 mas não
pode realizar seu desejo, durante uma tempestade na cidade de Corpus Christ, Texas, em
setembro de 1919, morreu de forma trágica: “foi colhido na própria casa por um maremoto,
pereceu juntamente com a espôsa e uma filha”.183
Passado as primeiras décadas desde a chegada dos Batistas em Santo Antônio de Jesus, ao
que tudo indica os conflitos com católicos eram menores, a Igreja estava consolidada e os
batistas conheciam novas preocupações. Outros conflitos surgiram e agora o problema estava
dentro de casa. Uma desarmonia entre pastores brasileiros e missionários norte-americanos dava
início a um movimento que ficou conhecido entre os batistas como a “Questão Radical”.
Este movimento gerou sérios problemas para a Denominação e cisões de igrejas em todo o
Nordeste. O movimento iniciado em Pernambuco se espalhou rapidamente pelo Nordeste e
chegou em Santo Antônio de Jesus com grande força, a ponto de a igreja ser dividida e dar
origem a outra Igreja Batista, como veremos adiante na abordagem sobre o envolvimento de
membros com a “Questão Radical”.
______________
Notas
1 INFOSAJ. Santo Antônio de Jesus, 2015. Disponível em: <http:// w w w. i n f o s a j . c o m . b r / m o b i l e / i n d e
x / n o t i c i a s / i d 1 7 5 7 2 / veja _ com _ antecedencia _ seu _ local _ de _ votacao _ e _ secao _em_santo_antonio_de_jesus>.
Acessado em 12 Abr 2017.
2 ALVES, Isaías. Matas do Sertão de Baixo. Op. cit. p. 15
3 QUEIROZ. Fernando Pinto. A Capela do Padre Mateus. Feira de Santana: SAGRA, 1995. p. 28
4 Ibid. p. 28.
5 Ibid. p. 51
6 Ibid. p. 53
7 ALVES, Isaías. Matas do Sertão... Op. cit., p. 211
8 Ibid. p. 216
9 IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Vol. XXI.
Rio de Janeiro, 1958. p. 300
10 QUEIROZ. Fernando Pinto. A Capela... Op. cit. p. 210
11 Ibid. p. 210
12 Ibid. p. 223
13 IBGE. Enciclopédia dos Municípios... Op. cit. p. 305
14 Ibid. p. 305
15 QUEIROZ. Fernando Pinto. A Capela... Op. cit. p. 312
16 Ibid. p. 305
17 ALVES, Isaías. Matas do Sertão... Op. cit. p. 219
18 QUEIROZ. Fernando Pinto. A Capela... Op. cit. p. 357
19 Ibid. p. 352
20 Fernando P. de Queiroz, dedica um capítulo inteiro para análise de diversos documentos referentes ao processo de ascensão de
Capela à Igreja Matriz. Para ele, interesses políticos e religiosos teriam retardado esse processo, já que o reconhecimento de
Igreja Matriz proporcionaria uma série de privilégios à localidade. Queiroz, concluiria que foram dezessete anos de luta
persistente, isso porque o pedido dos santo-antonienses sucessivamente teria sido negado, contudo, “o espírito de luta não
arrefeceu e a peleja iria continuar, tantos anos quantos fossem precisos, até que alcançado fosse o objetivo alimentado”.
(QUEIROZ, 1995. p. 365)
21 IBGE. Enciclopédia dos Municípios... Op. cit. p. 306
22 Ibid. p. 306.
23 ALVES, Isaías. Matas do Sertão... Op. cit. p. 249
24 PASSOS, Ana Lúcia Santos dos. Santo Antônio de Jesus numa perspectiva geográfica: memórias e paisagens. Dissertação de
Mestrado / UFBA. Salvador: 2010. p. 45
25 Ibid. p. 249.
26 Ibid. p. 248.
27 QUEIROZ. Fernando Pinto. A Capela... Op. cit. p. 139
28 ALVES, Isaías. Matas do Sertão... Op. cit. p. 248
29 Ibid. p. 243-254
30 SANTANA, Charles D’Almeida. Fartura e ventura camponesa: trabalho, cotidiano e migrações: Bahia 1950-1980. São Paulo:
Annablume, 1998. p. 89
31 ALMEIDA, Bianca Daéb’s Seixas. Uma História das Mulheres Batistas Soteropolitanas. Dissertação de Mestrado – UFBA:
Salvador, 2006.
32 CRABTREE, A. R. História dos Batistas no Brasil... Op. cit. p. 87
33 QUEIROZ. Fernando Pinto. A Capela... Op. cit. p. 388
34 MESQUITA, Antônio N. de. História dos Batistas do Brasil: de 1907 até 1935. Vol. II. Rio de Janeiro: Casa Publicadora
Batista, 1962. p. 70
35 Solomon L. Ginsburg era de origem judaica, nascido em Suwalki, Polônia. Portanto, quando nos referimos a ele como
missionário norte-americano, não é uma alusão à sua nacionalidade, mas ao fato dele ter sido um missionário nomeado pela Junta
de Missões de Richmond da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos da América, para as Missões no Brasil.
36 LE GOFF,Jacques. História e Memória. Tradução Bernardo Leitão. Campinas: UNICAMP, 1990, p. 466
37 Ibid. p. 419
38 Ibid. p. 467.
39 HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. Tradução Laurent Léon Schaffter. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais
Ltda, 1990. p. 60.
40 LE GOFF, Jacques. História e Memória... Op. cit. p. 467
41 HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva… Op. cit. p. 80
42 Ibid. p. 80
43 Graciela Rodrigues Gonçalves em sua pesquisa de mestrado faz abordagem sobre as secas que atingiram os sertões da Bahia
no final do século XIX. Ela também menciona o estado de calamidade da Vila de Camisão pelo grande período de estiagem.
GONÇALVES, G. G. As Secas na Bahia do século XIX (Sociedade e Política). Dissertação de Mestrado/UFBA: Salvador, 2000.
44 ALVES, Isaías. Matas do Sertão... Op. cit. p. 261
45 RAY, T. B. Brazilian Sketches. Louisville, Ky. Baptist Word Publishing Company, 1912. p. 72. “Valença, his native town.”
46 Ibid. p. 72. “instructed by Missionary Z. C. Taylor in the truth to such good purpose that the gave himself the Lord”.
47 ALVES, Isaías. Matas do Sertão... Op. cit. p. 261
48 Muito do que narraremos a partir daqui, sobre os personagens Zeferino Medeiros, Marciano e Capitão Egídio, tem como fonte
principal o livro Brazilian Sketsches de T. B. Ray, não obstante tenhamos encontrado várias informações em outras fontes, que
corroboram com as narrativas do missionário. O livro Brazilian Sketches foi publicado nos Estados Unidos em 1912 e não tem
edições publicadas no Brasil. Seu autor, o Rev. T. B. Ray, era Secretário de Educação da Junta de Missões Estrangeiras da
Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos da América. A transliteração do título do livro para o português é Esboços
Brasileiros. Tudo indica que o missionário Ray e sua esposa vieram para o Brasil para fazer relatórios sobre o desenvolvimento
do trabalho Batista. Durante o ano de 1910 o casal viajou por várias partes do Brasil e por outros países da América do Sul. Ao
final de sua jornada, o missionário condensaria as memórias e relatos que ouviu, para transformar numa narrativa que foi
posteriormente publicada. Ao encontrar o livro, chamou-nos a atenção o fato do autor ter dedicado dois capítulos integralmente à
memória dos Batistas na cidade de Santo Antônio de Jesus: capítulo IX, “José Barretto”, narrativas sobre o senhor José Barretto,
um cidadão santo-antoniense, com fama de violento que teria se convertido na fé batista em 1908; e capítulo X “Captain Egydio”
[Capitão Egídio], narrativas sobre a vida e conversão do Capitão da Guarda Nacional. Ainda é possível verificar em outros
capítulos referências a pessoas e localidades próximas a Santo Antônio de Jesus. O livro está disponível na Internet no endereço
<https://archive.org/ stream/braziliansketche00rayt#page/n1/mode/2up>. A tradução do inglês para o português dos trechos
citados deste e de outros livros no decorrer deste livro, foram feitas pelo pesquisador e é de inteira responsabilidade do mesmo.
49 ALVES, Isaías. Matas do Sertão... Op. cit. p. 261
50 RAY, T. B. Brazilian Sketches… Op. cit. p. 71
51 Ibid. p. 73. “to take out of his brother’s heart the false teaching which he had imbibed”.
52 Ibid. p. 73. “as gentle as a lamb, he was also as bold as a lion in defending the gospel.”
53 Ibid. p. 73. “Immediately the priest inquired, ‘What is this I am hearing about you, Marciano?’ He replied, ‘Mr. Priest, I am
thirty-five years old and you never gave me the Bible, God’s Holy Law”.
54 Ibid. p. 73. “money all these years for mass, saying you would take souls of our kin out of a purgatory that does not exist”.
55 Ibid. p. 73. “taught to worship idols which God’s Word condemns. You sprinkle my children for money, marry them for
money, and when they die you still demand money to save their souls from an imaginary purgatory”.
56 HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva… Op. cit. p. 47
57 ALVES, Isaías. Matas do Sertão... Op. cit. p. 260
58 BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas... Op. cit. 62
59 RAY, T. B. Brazilian Sketches… Op. cit. p. 73 “He pitied his brother, thinking that Marciano’s mind had become unbalanced”
60 Ibid. p. 74 “He drank heavily at every grog shop on his way and scattered abroad the News about his family’s disgrace”
61 CRABTREE, A. R. História dos Batistas no Brasil... Op. cit. p. 156
62 SILVA, Elizete. Protestantismo Ecumênico... Op. cit. p. 40
63 RAY, T. B. Brazilian Sketches… Op. cit. p. 74
64 Ibid. p. 75
65 ALVES, Isaías. Matas do Sertão... Op. cit. p. 261. Embora Isaías Alves refira-se a Manoel Zeferino de Medeiros pelo título de
pastor, a referência deve ter ocorrido pelo simples fato de Zeferino ser um protestante e frequentemente homens protestantes que
exercia algum tipo de liderança nas igrejas eram chamados de pastores, sem, contudo, serem pastores de fato. Não há nenhum
registro sobre o senhor Zeferino Medeiros que possa sustentar a informação de que fosse um pastor batista.
66 Ibid. p. 261.
67 Um príncipe em Israel foi um título dado ao Capitão Egídio pelo missionário Z. C. Taylor (CRABTREE, 1962. p. 156)
68 Ibid. p. 74. “Well, did Marciano say these images do nothing. They neither draw water, cut wood nor pick coffee”.
69 Ibid. p. 74. “There is another the rats have gnawed, and recently another fell and was broken”.
70 Ibid. p. 74. “He began to examine it in a closed room.”
71 Ibid. p. 82. “He was converted October, 1894, baptized February 4, 1895”.
72 TRABUCO, Zózimo A. P. O Instituto Bíblico Batista do Nordeste e a Construção da Identidade Batista em Feira de Santana
(1960-1990). Dissertação Mestrado/UFBA: Salvador. p. 139-140.
73 CRABTREE, A. R. História dos Batistas no Brasil... Op. cit. p. 157
74 RAY, T. B. Brazilian Sketches… Op. cit. p. 75 “Suddenly he felt a strange feeling and he seemed to hear A voice saying, You
are saved”.
75 Ibid. p. 76. “Glory to God. I am redeemed”; “Glory, hallelujah, I am saved”.
76 Ibid. p. 76. “Poor man! Children, your father is mad. Get the scissors and let us cut off his hair; let us rub some liniment on his
head”.
77 JAMES, Willian. As Variedades da Experiência Religiosa. Cultrix: São Paulo, 1995. p. 195.
78 O aprofundamento sobre o tema da conversão e vocação dos batistas pode ser realizado através da leitura da Dissertação de
Mestrado de Zózimo Antônio Passos Trabuco que dedicou o capítulo IV – “Esses Encontraram o Caminho: as narrativas de
conversão e a construção da identidade Batista” – para a análise de relatos de vocacionados ingressos no Instituto Bíblico Batista
do Nordeste em Feira de Santana no período de 1960 a 1990. p. 139-181
79 Em O Drama da Conversão: análise da ficção Batista, Elter Dias Maciel, analisa três obras de ficção Batista: “Antes que caiam
as estrelas”; “Outro nome para Mara”; “Tríplice vitória do amor”. Maciel faz uma análise das obras para demonstrar como os
Batistas se valiam da literatura ficcional no processo de doutrinamento e propagação de suas doutrinas e cosmovisão.
80 CRABTREE, A. R. História dos Batistas no Brasil... Op. cit. p. 157
81 Ibid. p. 109. Após a década de 1920, a Convenção Batista Brasileira perdeu o templo e membros dessa igreja histórica em
meio ao movimento conhecido como a Questão Radial, que veremos em um outro capítulo.
82 RAY, T. B. Brazilian Sketches… Op. cit. p. 82. “died March 30th, 1898, at fifty years of age”.
83 CRABTREE, A. R. História dos Batistas no Brasil... Op. cit., p. 156
84 JACKSON, Ernesto A. Uma viagem até a cidade de Jequié. O Jornal Batista, ANNO XIII, nº 1, 02/01/1913. p. 10
85 ALVES, Isaías. Matas do Sertão... Op. cit. p. 261-262
86 CRABTREE, A. R. História dos Batistas no Brasil... Op. cit. p. 108
87 PIBSAJ. Relatório apresentado por Idelfonso Guedes. APPIBSAJ, 1920. p. 01
88 Ata nº 1. Livro de Ata nº 1, Primeira Igreja Batista em Santo Antônio de Jesus, 01/01/1898, p. 01
89 Ata nº 1. Livro de Ata nº 1, Primeira Igreja Batista em Santo Antônio de Jesus, 01/01/1898, p. 01
90 Livro de Registro de Matrícula da Escola Pública Municipal. APMSAJ, 1897.
91 Ata nº 1. Livro de Ata nº 1, Primeira Igreja Batista em SantoAntônio de Jesus, 01/01/1898, p. 02
92 Ibid. p. 02
93 Ata nº 1. Livro de Ata nº 1, Primeira Igreja Batista em Santo Antônio de Jesus, 01/01/1898, p. 02
94 SILVA, Elizete da Silva. Cidadãos de Outra Pátria... Op. Cit. p. 75
95 Ibid. p.75
96 ALVES, Isaías. Matas do Sertão... Op. cit. p. 261
97 Tanto a Rua Silva Jardim, quanto a Rua da Edificadora, eram ruas no centro da cidade. A Rua Silva Jardim, onde tiveram
início os cultos batistas, na casa de número 9, ficava muito próxima da Igreja Matriz, seu acesso era pela praça principal da
cidade. Hoje a referida rua recebe o nome de Rua Landulfo Alves, no centro comercial da cidade. Já a Rua da Edificadora ficava
numa transversal da Rua Silva Jardim, logo no seu início, cerca de 50 metros à direita, atualmente recebe o nome de Travessa 15
de Novembro. Mais tarde, seria nesta rua que a igreja construiria seu primeiro templo.
98 Livro de Impostos de Lançamento de Décima Urbana 1894 - 1897; Livro de Impostos Décima Urbana 1907; Livro da
Intendência Municipal de Santo Antônio de Jesus, 1904. APMSAJ.
99 Livros de Óbitos, 1894 a 1896. APMSAJ
100 Livro de Alistamento. APMSAJ, 1892.
101 Ata nº 5. Livro de Ata nº 1, Primeira Igreja Batista em Santo Antônio de Jesus, 26/03/1899. p. 4
102 O termo 9bro presente no relatório de Idelfonso Moura aparece algumas vezes, em outras versões [7bro, 8bro] em atas da
igreja. Tudo indica que se tratava de uma forma de abreviatura da época. No caso específico, [9bro] significava o mês de
novembro e faz referência a ata de 25/11/1900, quando os membros presentes registraram em ata a necessidade de a igreja ser
reorganizada, o que indica que as atividades religiosas não estavam acontecendo periodicamente.
103 PIBSAJ. Relatório apresentado por Idelfonso Guedes. APPIBSAJ, 1920. p. 01
104 Ibid. p. 01. A expressão “primitivos”, utilizada por Idelfonso Moura, é uma referência aos crentes que iniciaram a igreja na
cidade.
105 Ibid. p. 13
106 PIBSAJ. Relatório apresentado por Idelfonso Guedes. APPIBSAJ, 1920. p. 01
107 Os Batistas reconhecem duas ordenanças cristãs indispensáveis na prática da Igreja e que são de ministração exclusiva das
pessoas investidas no ministério pastoral: Batismo e Ceia do Senhor, respectivamente. Para os Batistas, o batismo cristão só é
permitido a pessoas com capacidade de consciência de seu estado pecaminoso e regeneradas pela fé em Jesus Cristo, sua
realização é feita pela imersão do crente em águas, para manifestação pública de sua fé em Jesus e como símbolo do
sepultamento da pessoa pecadora [ao descer às águas] e renascimento de uma nova pessoa em Cristo ao ressurgir das águas. O
ato do batismo é pré-requisito para um crente batista usufruir dos privilégios da Igreja e para participação da segunda ordenança,
que é a Ceia do Senhor. Por sua vez, a Ceia do Senhor, é um cerimonial realizado pelos batistas que equivale a eucaristia dos
Católicos, apesar das várias diferenças sobre o entendimento do evento entre esses dois grupos. Enquanto os batistas afirmam que
os elementos ali utilizados (pão e vinho) são apenas simbólicos e sem nenhum poder para favorecer bênção aos participantes, os
católicos acreditam que, o pão, representado pela hóstia, se transforma no próprio corpo de Cristo e o vinho seria, em essência, o
seu sangue – é o que chamam de transubstanciação. Quanto a participação da ceia, em geral, os batistas exigem que, para
participar, a pessoa seja membro de uma Igreja Evangélica, contudo não há consenso na Denominação quanto a participação das
pessoas presentes na celebração da Ceia. As Igrejas Batistas locais decidem qual forma acreditam ser a mais bíblica, podendo ser:
1) livre – participam todos os presentes declarados cristãos e batizados por imersão em uma Igreja Evangélica, conforme sua
própria consciência; 2) restrita – apenas membros de Igrejas Batistas podem participar; 3) ultrarrestrita – apenas os membros
batizados da Igreja que celebra o cerimonial da Ceia tem direito a participação.
108 OLIVEIRA. Zaqueu Moreira de. Preciosidades na História Batista do Brasil. Editora Koinonia. Belo Horizonte, 2016. p. 170.
109 TRABUCO, Zózimo Antônio Passos. O Instituto Bíblico... Op. cit. p. 89.
110 TEIXEIRA, Marli Geralda. Os Batistas na Bahia... Op. cit. p. 174.
111 MEIN, David (Coord.). O que Deus Tem Feito. Rio de Janeiro: JUERP, 1982. p. 117.
112 Forma de governo eclesiástico utilizado por algumas Denominações. O congregacionalismo é uma das marcas dos batistas,
tem como princípio a autonomia e independência da congregação local, permitindo que cada igreja individualmente decida os
rumos da comunidade nos seus vários ramos, das reflexões teológicas, investimentos missionários, a cooperação a outras
congregações, até a escolha do pastor da igreja.
113 Ata nº 36. Livro de Ata nº 1, Primeira Igreja Batista em Santo Antônio de Jesus, 07/01/1906, p. 58
114 Ibid. p. 58
115 Livro do Intendente, nº 1. APMSAJ, 01/01/1904. p. 01 116 IBGE. Enciclopédia dos Municípios... Op. cit. p. 310
117 SILVA, Elizete da. Cidadãos de Outra Pátria: Anglicanos e Batistas na Bahia. Tese de Doutorado - USP. São Paulo, 1998. p.
104
118 Ibid. p. 76
119 BAPTIST AND REFLECTOR. p. 7, 1894. Disponível em: http:// m e d i a 2 . s b h l a . o r g . s 3 . a m a z o n a w s . c o m /
t b a r c h i v e / 1 8 9 4 / TB_1894_Aug_30.pdf>. Acesso em: 15 de abr 2017.
120 CRABTREE, A. R. História dos Batistas no Brasil... Op. cit. p. 210
121 NATIVIDADE, Sandra Maria. A Saga dos pioneiros Batistas em Sergipe. Aracaju: Gráfica Editorial J. Andrade Ltda., p. 67.
122 Sobre estes últimos personagens e participação política dos Batistas na Bahia, recomendamos a leitura “Grandes pastores,
grandes políticos... atuação e proximidade dos Batistas com o poder parlamentar e o executivo”, Capítulo II. ALMEIDA, Luciane
Silva de. “O comunismo é o ópio do povo”: representações dos Batistas sobre o comunismo, o ecumenismo e o governo militar
na Bahia (1963-1975). Dissertação de Mestrado – UEFS: Feira de Santana, 2011. p. 89-97.
123 Ata nº 76. Livro de Ata nº 1. Primeira Igreja Batista em Santo Antônio de Jesus, 06/01/1907. p. 82
124 COSTA Tancredo. Religião e Política. O Jornal Baptista, 31/07/ 1919. p. 7
125 O JORNAL BATISTA. Edição de 13/06/1907. p. 6
126 MESQUITA, Antônio Neves. História dos Batistas... Op. cit. p. 49-50
127 Ibid. p. 71
128 TEIXEITA, Marli Geralda. Os Batistas na Bahia... Op. cit. p. 39.
129 O JORNAL BATISTA. Notas de Viagens. 10/01/1907. p. 4
130 Ibid. p. 4
131 Ibid. p. 4
132 Trata-se de uma referência ao texto bíblico registrado no livro de Atos 17.6. O referido texto narra a chegada dos cristãos,
através do Apóstolo Paulo e Silas, na cidade de Tessalônica, onde anunciaram suas crenças em uma sinagoga de judeus, e após a
conversão de vários judeus e gregos, líderes religiosos judaicos intentaram prender Paulo e Silas, e para isso buscaram apoio
entre as autoridades da cidade, dizendo: “Estes que têm alvoraçado o mundo, chegaram também aqui”.
133 SILVA, Elizete da. A Presença Protestante no Brasil. Revista Nossa História, Ano 4, nº 38. Rio de Janeiro, p.15.
134 PEREIRA, José Reis. História dos Batistas no Brasil... Op. cit. p. 57-58
135 O Tratado de Comércio e Navegação de 1810, entre Portugal e Inglaterra, no artigo mencionado preceituava o seguinte:
“Artigo XII: Os súditos britânicos e todos os outros estrangeiros residentes nos domínios de Portugal terão perfeita liberdade
religiosa, lhes sendo permitido construir Igrejas e Capelas, com certas restrições quanto ao aspecto exterior. Qualquer pessoa que
tente converter os católicos ou insulte publicamente a Igreja Católica, será expulsa do País onde o delito for perpetrado”.
(KOSTER, 1978, p. 442). Sobre o Tratado de Paz e Amizade e do Comércio e Navegação, é importante destacar que Portugal
encontrava-se fragilizado e a iminente invasão francesa fez com que se submetesse às propostas da Inglaterra que, em oferta de
proteção à Família Real Portuguesa e apoio contra a invasão de Portugal, teve várias vantagens nos Tratados, dos quais a maior
teria sido a aberturados portos com alíquota alfandegária de 15% sobre mercadorias desembarcadas no Brasil, o que favoreceu a
hegemonia da economia britânica.
136 PEREIRA, José Reis. História dos Batistas no Brasil... Op. cit. p. 58
137 SILVA, Elizete da. Cidadãos de Outra Pátria... Op. cit. p. 367
138 Ibid. p. 367
139 TEIXEIRA, Marli Geralda. Os Batistas na Bahia... Op. cit. p. 28
140 BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil. Rio de Janeiro, 1824. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicao24.htm>. Acesso em 29 mar. 2017.
141 BRASIL. Decreto nº 144, de 11 de Setembro de 1861. Coleção de Leis do Império do Brasil, Brasília, DF. Disponível em:
<http:// www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-1144-11-setem bro-1861-555517-publicacaooriginal-74767-
pl.html>. Acesso em: 29 mar 2017.
142 Ibid.
143 OLIVEIRA, Betty Antunes de. Centelha em Restolho Seco... Op. cit. p. 49
144 Ibid. p. 49
145 Ibid. p. 49
146 OLIVEIRA, Betty Antunes de. Centelha em Restolho Seco... Op. cit. p. 50
147 RIOS JUNIOR, Jairo Soares. Narrativas de Fé e Outras Histórias dos Batistas em Serrolândia. Dissertação Mestrado -
UNEB: Santo Antônio de Jesus, 2012. p. 146
148 SILVA, Elizete. Protestantismo Ecumênico... Op. cit. p. 41-42
149 CRABTREE, A. R. História dos Batistas no Brasil... Op. cit. p. 77
150 Ibid. p. 77
151 Ibid. p. 81
152 Ibid. p. 81
153 Ibid. p. 77
154 TEIXEIRA, Marli Geralda. Os Batistas na Bahia... Op. cit. p. 94
155 MAGALHÃES A. O Jornal Baptista. Anno IX, nº 11, 18/03/1909. p. 6
156 ALBUQUERQUE, Antônio Teixeira de. As Três Razões Porque Deixei a Igreja de Roma. [S.i]: Rio Largo, [1884?]. p. 2.
Disponível em < h t t p : / / b e t t y o l i v e i r a . c o m . b r / h i s t o r i a / a r q u i v o s / TEIXEIRA_Tres_Razoes.pdf>.
Acessado em 17 Set. 2017.
157 SILVA, Elizete da; Os Batistas no Brasil... Op. cit. p. 294
158 SILVA, Elizete da; Os Batistas no Brasil ... Op. cit. p. 294
159 BARRETO, Archiminia. O Senhor Vivo e o Senhor Morto. O Jornal Baptista, anno XIX, nº 13, 01/04/1909. p. 2
160 BRASIL, Planalto do Governo Federal. Decreto nº 119-A, de 7 de janeiro de 1890. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/d119-a.htm. Acessado em 10 de out. 2017.
161 RAY, T. B. Brazilian Sketches… Op. cit. p. 72.
162 Ibid. p. 72. “On learning that his images were idols, Marciano collected all immediately and burnt them, greatly to the
disgust of his family and the whole town.”
163 Ibid. p. 73-74.
164 Ibid. p. 77 “Some of his bosom friends became his worst enemies, but many of them he led to Christ, or at least to a
friendship, for the gospel”.
165 CRABTREE, A. R. História dos Batistas no Brasil... Op. cit. p. 157
166 RAY, T. B. Brazilian Sketches… Op. cit. p. 78 “A priest paid two men sixty dollars to go and take the Captain’s life”. 
167 Ibid. p. 78. “Captain, why is it you do not stop with me any more? You used to do so, but of late you have passed me by.”
168 Ibid. p. 78. “They offered him wine to drink, which he refused. Then they gave him coffee. That night he suffered agony and
was sick for some time after reaching home. He was sure he had been poisoned”.
169 ALVES, Isaías. Matas do Sertão... Op. cit. p. 262
170 ALMEIDA, Soraya. Água pra dar ou vender.
Revista de História da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos-
revista/agua-pra-dar-ou-vender>. Acesso em: 11 de nov 2016.
171 AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. Porto Alegre: L&PM, 1998. p. 74-79
172 ALVES, Isaías. Matas do Sertão... Op. cit. p. 262
173 A estratégia de divulgação de que as Bíblias utilizadas pelos protestantes eram falsificadas e distorcidas era uma prática
antiga dos clérigos. Em sua pesquisa de Mestrado pela UFBA, “Ventos venenosos”: o catolicismo diante da inserção do
protestantismo e do espiritismo na Bahia durante o arcebispado de Dom Manoel Joaquim da Silva (1862-1874), Leonardo
Ferreira de Jesus, em seu Capítulo II, nos faz ver que essa atitude de tentar combater o protestantismo com informações de que as
Bíblias que utilizavam não mereciam crédito e que eram adulteradas foi amplamente utilizada na Bahia pelo arcebispo Dom
Manoel Joaquim da Silva e seus párocos.
174 TEIXEIRA, Marli Geralda. Os Batistas na Bahia... Op. cit. p. 70.
175 BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas... Op. cit. 62
176 TRABUCO, Zózimo Antônio Passos. O Instituto Bíblico... Op. cit. p. 154.
177 ALVES, Isaías. Matas do Sertão... Op. cit. p. 39
178 Ibid. p. 39
179 Ibid. p. 39
180 Ibid. p. 39
181 Ata nº 47. Livro de Ata nº 04, PIBSAJ, 05/03/1920. p. 50
182 MESQUITA, Antônio N. de. História dos Batistas do Brasil... Op. cit. p. 167
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
183 Ibid. p. 167
CAPÍTULO III
NO COTIDIANO DA IGREJA: O
RIGORISMO BATISTA, A LIDERANÇA
MASCULINA E A “QUESTÃO RADICAL”
1. O RIGORISMO BATISTA: INFLUÊNCIAS E INTERFERÊNCIAS NA
VIDA PRIVADA
Como já vimos, a confissão de fé da Denominação Batista declara que a Bíblia é sua única
regra de fé e prática, o que significa dizer que os batistas acreditam que suas doutrinas são
integralmente fundamentadas na Bíblia e que a práxis de seus fiéis, devem materializar os
ensinamentos bíblicos segundo as interpretações apresentadas pela Denominação.
A pretensa materialização dos ensinos bíblicos exigida pelos batistas e por outros grupos
evangélicos, gerou uma classificação das coisas como mundanas1 [ou do mundo] e espirituais.
Neste sentido, segundo a interpretação dos batistas, tudo o que não esteja conforme
ensinamentos bíblicos ou que sejam contrários à Bíblia, são classificados como coisas mundanas
e, portanto, reprováveis para um viver cristão.
Desde o início dos trabalhos no Brasil os crentes batistas são doutrinados a aderir um modo
de viver “santo”, ou seja, não mundano, pautado nas doutrinas bíblicas por eles difundidas. O
próprio termo santo, foi exaustivamente apresentado para seus fiéis como sinônimo de
“separado”, como forma de inculcar que o crente batista deve viver “separado do mundo”, e
fazer distinção entre o mundano e o espiritual. Desta forma, para os batistas, ser santo nada tem a
ver com a realização de milagres, mas com a capacidade de superar e de suportar as tentações
dos prazeres mundanos.
Em alguns momentos essa separação entre o crente e o mundo, sugerida pelos batistas, foi
defendida com tanta ênfase que pode ter influenciado na postura de alguns, como aconteceu em
Santo Antônio de Jesus quando um de seus membros propôs em assembleia “que a Egreja ao
Celebrar a Ceia do Senhor, devia separar-se dos infiéis”,2 embora estas celebrações nas Igrejas
Batistas sempre aconteceram em cultos públicos. Esse discurso de separação entre o viver
sagrado e viver profano, ou santo do mundano, de certa forma autorizava a Igreja interferir
diretamente na vida privada de seus membros [coisa que ainda é bastante comum entre as igrejas
conservadoras], muitas vezes com a exposição pública de suas intimidades, visto que a liberdade
individual no ceio da comunidade Batista é uma liberdade vigiada. Na verdade, como bem
observado por Marli Geralda, para os batistas, “o uso da liberdade individual perante Deus só é
possível se o homem não pertence à igreja. Fora dela, o homem pode aceitar ou não a salvação...
Dentro dela, só lhe resta um caminho: o de anular-se para (...) sua total submissão à instituição”.3
As interferências iam desde casos de problemas no relacionamento conjugal, práticas de
jogos de azar, recusas na realização de batismos, até vedações aos membros da igreja
participarem em eventos sociais, como casamento entre crentes e não crentes.
Essa interferência e exposição da vida privada é possível ser vista em vários casos
registrados em atas da igreja. Como exemplo trazemos um caso ocorrido em maio de 1906
envolvendo o senhor F. P. D. e sua esposa, a senhora U. D.,4 onde a igreja se reuniu cinco vezes
em assembleia em um só mês [06, 08, 13, 20 e 27 de maio de 1906] para tratar da questão.
Na primeira sessão, “oirmão Cyrillo Lopes dos Passos, convidou o irmão F. P. D. a
explicar sua conducta em certos acontecimentos tristes que se propalam”.5 Em seguida houve a
ameaça de exclusão dos nomes dos envolvidos do rol de membros da igreja, caso a questão não
fosse explicada e justificada publicamente.
O senhor F. P. D. disse esperar que o bom senso prevalecesse e “appelou para a
consciência dos irmãos, dizendo que com prudência e oração fizessem o que fosse justo”.6
Adiaram a decisão sobre o caso, encerrando a sessão e convocando a Sra. U. D. para apresentar
suas explicações na assembleia seguinte. Mas os acusados de conduta questionável não
compareceram. Cyrillo Lopes considerou a ausência um desrespeito, “censurou por não terem
comparecido” e “disse mais, que a Igreja necessitava de uma satisfação urgente”, pois acreditava
“ser seu dever, e de todos os Christãos, luctar pela pureza da Igreja”.7
O caso se desenrolaria nas sessões seguintes com explicações, reconhecimento de faltas e
pedidos de perdão, mas não foi o suficiente para convencer a assembleia de que os envolvidos
pudessem sair ilesos, ambos foram disciplinados, ficando “por tempo indeterminado preteridos
da comunhão da igreja”.8
Apesar da “discrição” no tratamento do caso, no que tange os registros em atas, nota-se
que a situação estava ligada a relação conjugal do casal. O senhor F. P. D. teria “confessado sua
culpabilidade”, “confessando suas faltas, mostrou-se compungido. Disse que qual filho pródigo,
supplicava uma reconciliação; e com lágrimas perguntou: Os irmãos acham que Jesus não me
acceita?”9 Enquanto que dona U. D. dissera que “o crime que tentava praticar” teria sido “por
consequências dos erros de seu marido”.10
Embora o registro em ata refira-se à questão como “o crime”, destacamos que o termo foi
comumente utilizado pelos batistas por várias décadas em diferentes casos para representar a
ideia de pecado ou desvio de conduta moral em detrimento dos ensinos bíblicos. No caso em
análise, é possível que o “crime” que intentava praticar fosse o abandono do lar, separação de
corpos ou conjugal, fato que a igreja via como passível de disciplina.
Quanto aos erros que o marido teria cometido, não ficam claros. Mas tudo leva a crer que
não era algo tão grave quanto um adultério, por exemplo, pois em casos públicos de adultério os
Batistas têm como prática a exclusão dos envolvidos sumariamente do rol de membros da igreja.
A inferência a que chegamos é que, mesmo com tantas reuniões para discussão do assunto, tudo
não passava de uma crise conjugal entre marido e mulher, cuja solução poderia acontecer de
forma reservada com o casal e pastor da igreja.
Importante destacar que os envolvidos neste caso eram pessoas que estavam ligadas a
origem da igreja em Santo Antônio de Jesus e deram significativas contribuições para a
continuidade da Igreja até aquele momento. A liderança estava diante de uma situação
complicada, pois não os exortar em público e nem os punir, poderia ser visto como um privilégio
por causa de benefícios que teriam concedido à igreja, e possivelmente esse tenha sido o motivo
da ênfase desproporcional para o caso. Por outro lado, a gratidão pelos benefícios recebidos do
casal pode ter influenciado na morosidade para discipliná-los, já que casos semelhantes foram
decididos em uma única reunião.
Há outros casos envolvendo questões de relacionamento conjugal que foram expostos
publicamente. Em janeiro de 1913 Francisco Sousa, membro da igreja, denunciou um casal de
crentes que enfrentava problemas no lar e por isso “pedio a igreja para exortar o irmão D. e a
irmã D. L., sobre a desunião que estão, esta irmã e o irmão”.11 Na reunião seguinte o casal
compareceu e foram exortados publicamente, demonstrando total sujeição à igreja.
Em geral, os casos relacionados a exortação por questões de má convivência no lar partiam
da observação da liderança da igreja ou de denúncias por terceiros, mas houve casos em que essa
invasão de privacidade aconteceu por autorização dos envolvidos. Uma sessão teria sido
realizada de maneira exclusiva para exortar publicamente dona A. L., pois a igreja teria recebido
“uma carta de seu marido, o irmão F. L., queixando-se a igreja ser muito mal tratado por sua
mulher”.12 A senhora A. L. se defenderia, “disse que nada de offensas faz a seu marido, se tem
algumas horas de zangas elle mesmo é quem faz irrital-a por ser muito impaciente quando está
em casa e que de muito gosto aceita a exortação e promete por sua parte não haver mais
contrariedade”.13
As várias situações envolvendo questões de relacionamento conjugal demonstram que os
Batistas exerceram forte controle sobre o núcleo familiar, muito provavelmente por defenderem a
família, enquanto instituição, como uma criação divina e de todo sagrada, além da importância
de conservar o núcleo familiar ligado às suas doutrinas, pois isso lhes dava certa garantia da
manutenção e crescimento da igreja através da conquista de outros familiares e também dos
filhos em crescimento.
Ao longo do período estudado encontramos diversas situações que podem ser classificadas
como interferências na vida privada de membros da igreja, situações que inclusive não poderiam
ser mensuradas, como o “pedir perdão a Egreja de pensamentos temerários”.14 Participação em
jogos de azar também sujeitava a pessoa a exclusão do rol de membros, e embora não possamos
estabelecer qual ou quais membros estavam envolvidos, podemos afirmar que alguns tiveram a
prática de jogos de “azar”, pois em agosto de 1906, há uma proposta “para que a Egreja tome
uma deliberação seria e decisiva com qualquer irmão que continuar a comprar bilhetes de loteria
e riffa, ou de qualquer espécie que seja considerado jogo”.15
Houve também momentos em que a interferência ocorreu em ocasiões sociais, através de
proibições na participação de eventos. Um caso em especial chama a atenção, quando os
membros da igreja foram proibidos de participar do casamento de uma fiel da igreja.
A senhora A. anunciou sua intenção de casar-se e certamente convidou seus irmãos batistas
para participarem deste momento singular da vida de uma pessoa. Entretanto, durante a
assembleia de 07 de julho de 1907 um dos líderes da igreja pediu a palavra, “e provou ser
incoherente a prezensa de qualquer Christão no casamento da irmã dona A., pelo motivo de ter
ella desobedecido a igreja, em querer cazar-se com um homem adúltero (por elle mesmo
confessado)”.16
A princípio houve moderação na questão, decidiram interromper a sessão e enviar uma
comissão para conversar com aquela irmã na tentativa de fazê-la desistir do casamento, mas
como tiveram a negativa da desistência, a comissão retornou à reunião e reabrindo a sessão
decidiram não só pela proibição na participação na cerimônia de casamento, mas pela exclusão
do nome daquela senhora do rol de membros da Igreja.
O caso além de demonstrar o controle que a Igreja exercia sobre a vida dos membros,
mostra o quanto interferiam ou tentavam interferir na vida privada de seus fiéis. Além disso,
serve para exemplificar o forte apelo dos batistas pela pureza sexual e conduta moral, cercada de
uma rigorosa ética, que incidia de forma mais contundente sobre as mulheres.
Nota-se que mesmo com data marcada para o casamento, em nome da rígida conduta
moral imposta pelo grupo, foram desprezadas todas as questões envolvidas num relacionamento,
desde o compromisso firmado até as questões sentimentais. Uma comissão representada pela
liderança da igreja dirigiu-se à casa daquela senhora, para tentar convencê-la a desistir do
compromisso. Tal atitude representou a mais evidente manifestação de invasão de privacidade e
desrespeito à liberdade individual, encontrada entre as fontes pesquisadas.
Encontramos várias ocorrências em que membros da Igreja se submeteram, aparentemente
sem resistências, a essas interferências na vida privada. Entretanto, mesmo as ocorrências de
obediência à liderança sendo em número muito maior, isto não significa que havia uma
subserviência coletiva ou integral. Houve casosde conflitos em que membros resistiram às
exortações públicas, mesmo sob fortes ameaças de serem excluídos17 “da comunhão das Igrêjas
de Christo, tanto da militante (na terra), como da Triunphante (no céo)”.18
Há alguns casos de resistência às imposições da igreja para que membros pedissem perdão
publicamente. Porém, a nosso ver, o caso mais inusitado aconteceu em agosto de 1919, tendo
como personagens duas fiéis que faziam parte de antigas e tradicionais famílias da Igreja: as
senhoras F. D. e N. M.
Estas irmãs, segundo denúncias, teriam conversado em tom de crítica às atividades que as
crianças estavam realizando durante um culto no templo. Os líderes da igreja reagiram contra a
atitude das irmãs porque consideraram que elas estavam “menosprezando assim a cerimonia que
se fazia em verdade a Deus!”.19
A suposta crítica que elas fizeram à apresentação das crianças foi suficiente para uma
convocação de sessão extraordinária, com o fim exclusivo de exortá-las publicamente e de exigir
retratação das irmãs pela ofensa a Deus. O denunciante da atitude “inaceitável” foi Idelfonso
Moura, ele declarou que “as duas irmãs esquecendo-se de que se achavam na presença de Deus,
criticaram injustamente as creanças que discursavam”. Ainda acrescentou “que lhe parecia
menos culpável o frequentador dos bailes (...), por quanto estes, tudo faz na ignorância”. Em
seguida, na tentativa de se defender a senhora F. D. pediu a palavra para informar que naquela
ocasião, apenas conversava com N. M., “e quem ouviu a sua conversa tratou de fazer enredo”.20
A longa discussão teve a participação de diversos membros. Nenhum registro demonstra
que alguém tenha defendido a causa das senhoras F. D. e N. M., todos os citados em ata pediram
a palavra apenas para reforçar a acusação da prática de um ato digno de exortação pública, a
ponto de um dos presentes, o Sr. Henrique de Andrade, propor “que a irmã F. D. se humilhasse
diante de Deus. Fez igual pedido o irmão Moderador que supplicou às irmãs F. D. e N. M. que de
joelhos implorassem o perdão de Deus”.21
Ainda que estivessem sob forte pressão e ameaças de punições mais severas, como
exclusão do rol de membros, “estas irmãs não accederam”.22 Elas resistiram exigência de se
humilharem até a última instância, e não vendo alternativas, provavelmente por não encontrar
embasamento doutrinário ou bíblico para a exclusão do rol de membros, o moderador decidiu
convidar Henrique de Andrade e Manoel Joaquim Wallancuella “para de joelhos implorarem a
misericórdia de Deus”.23
Conquanto as orações feitas de joelhos seja uma prática comum entre os cristãos, é
possível que o pedido naquela ocasião tenha sido uma forma didática para dar exemplo às
acusadas, pois elas tinham se recusado a colocarem-se de joelhos como forma de humilhação e
demonstração de arrependimento. Em outras palavras, nos parece que o pedido feito pelo
moderador tinha uma mensagem a ser enviada para as sublevadas: enquanto os insubordinados
não atendem a igreja, aqueles que são submissos a Deus não veem humilhação em clamar de
joelhos por misericórdia.
Este e outros casos serviram para evidenciar que não havia uma subserviência de todos.
Muitos questionaram a autoridade da liderança, e na relação entre líderes e liderados houve
momentos conflituosos e tensos. Não obstante, de modo geral as questões foram resolvidas
pacificamente e com a aceitação das sanções estabelecidas pela Igreja.
2. LIDERANÇA MASCULINA: E AS SENHORAS, ONDE ESTAVAM? 
24
A Igreja Batista em Santo Antônio de Jesus teve início com a família Medeiros. O chefe da
casa, Manoel Zeferino, morreu algum tempo depois de chegar à cidade, provavelmente no
período entre os anos de 1895 e 1897. Com a morte do marido, ficou sobre os ombros de D.
Cecília Medeiros a responsabilidade de cuidar da família composta por seis filhos e dois
enteados, quiçá também tenha ficado responsável pela continuidade do trabalho Batista, recém
iniciado por seu marido e que a essa altura já contava com o apoio dos missionários norte-
americanos.
D. Cecília Medeiros não contraiu novo matrimônio, permaneceu viúva e dedicou-se à
família até seu falecimento em dezembro de 1940. Sua influência sobre os filhos pode ser vista
em documentos presentes no arquivo da igreja, pois todos se tornaram membros e contribuíram
por décadas com os trabalhos da Igreja Batista em Santo Antônio de Jesus.
Embora um dos personagens ligados à origem da Igreja seja uma senhora e na ata de
organização conste que dos onze membros iniciais seis eram mulheres, ao analisar os
documentos das primeiras décadas de existência da Igreja, é inevitável não perceber a ausência
quase que total de registros e referências às mulheres. Prender-se apenas aos registros de atas de
seus primeiros anos, poderia levar alguém a imaginar que a Igreja era uma comunidade
constituída somente por homens.
Caso quiséssemos nos contentar com um argumento simplório para explicar a questão, sem
análise de outras vertentes, seríamos tentados a concluir que tal fato deu-se exclusivamente pela
conjuntura sociopolítica, unida ao ornamento jurídico do Brasil na época. Isso porque,
historicamente, durante séculos [e ainda hoje] as mulheres foram discriminadas em várias
questões. No Código Civil de 1916, por exemplo, conforme previsto em seu Artigo 6º, com o
casamento a mulher perdia sua capacidade plena, ficando sujeita à autorização do marido para
que pudesse trabalhar e realizar transações financeiras. O mesmo Código Civil também previa
em seu Art. 36 que o domicílio da mulher casada era o do marido, ou seja, estava impedida de
fixar residência. Além disso, aquela Lei concedia ao homem autorização legal para em até 10
dias “anular o matrimônio contraído com mulher já deflorada”.25 Essas são apenas algumas das
diversas discriminações que o referido Código Civil estabelecia.
De igual modo as mulheres foram colocadas à margem durante muito tempo nas questões
políticas, eram impedidas de votarem e de serem votadas. A Constituição do Império (1824) e a
primeira Constituição da República (1891), excluíam o direito de a mulher votar e ser votada.
Embora haja registros de lutas das mulheres em prol do direito político desde o século XIX, elas
veriam as primeiras décadas de século XX passarem, sem ainda alcançar esse direito. A partir de
1926 com a eleição de Washington Luís para presidente, que trazia em sua plataforma eleitoral a
defesa pelo voto feminino essa conquista parecia certa. Contudo, o projeto no legislativo acabou
não sendo votado e o sonho da participação feminina na política foi adiado. Por fim, uma
reforma no Código Eleitoral no ano de 1932 garantiria esse direito à mulher, podendo a partir
daquele ano votar e ser votada.
Numa análise rápida desse contexto poderíamos concluir que a ausência da participação
feminina nas questões das Igrejas Batistas no período, seria fruto apenas de uma conjuntura
social e cultural em que as igrejas estavam inseridas. Não é possível negar a influência que este
contexto impôs sobre as comunidades batistas no Brasil. Por outro lado, também não podemos
negligenciar que a liderança masculina tem sido uma das marcas da identidade Batista, presente
desde sua origem. Tanto que, ainda nos dias atuais, não há um consenso na Convenção Batista
Brasileira sobre a ordenação de mulheres ao ministério pastoral.
Sobre esta questão, após anos de ampla discussão entre as lideranças nacionais; formação
de comissões de estudos; idas e vindas da temática em encontros convencionais, para a votação
de um parecer definitivo da CBB quanto aceitação ou não da concessão do título de pastora à
mulheres em Igrejas Batistas, – que na prática muitas já exerciam a atividade –, numa
demonstração de omissão, possivelmente para se eximir de explicações e do risco de desfiliações
de igrejas contrárias a qualquer que fosse a decisão e, ao mesmo tempo, para satisfazer as duas
correntes [favoráveis e contrários a ordenação feminina], na Convenção anual realizada em João
Pessoa-PB no ano de 2014 a CBB transferiu a responsabilidade paraque cada convenção
estadual decidisse sobre o tema.
A CBB tinha duas opções, a primeira seria sustentar a posição defendida há séculos, ou
seja, a da não aceitação da ordenação feminina ao ministério pastoral. Enquanto que a segunda
seria figurar entre as denominações históricas, como uma denominação inovadora e
contextualizada, aprovando a concessão de título de pastora às mulheres. Contudo, sua decisão
de transferir para as convenções estaduais a tutela para deliberar sobre o assunto nas esferas
regionais, serviu apenas para dar manutenção a uma controvérsia que vem se arrastando por
longos anos entre as igrejas da Convenção.
Para muitos líderes batistas a decisão da CBB, de certa forma altera uma de suas
referências identitárias, haja vista que, na prática, os Batistas assumiram uma postura de
indefinição sobre o tema, podendo cada convenção regional definir pela aceitação ou não de
mulheres na função de pastora. Até o momento a maioria das convenções estaduais sequer
submeteu a questão em votação, dando manutenção a posição que os Batistas vinham
defendendo ao longo de sua história.
Entre as OPBB – Ordem dos Pastores Batistas do Brasil – que submeteram a votação,
aquelas consideradas de linha conservadora, como a Bahia [berço do trabalho Batista no Brasil],
Pernambuco, Maranhão, Piauí, Minas Gerais, São Paulo e outras, venceu a proposta contraria a
filiação de pastoras à Ordem.
Enquanto realizamos esta pesquisa, das 32 convenções estaduais filiadas à CBB, apenas
oito passaram a reconhecer o ministério pastoral. Curiosamente duas do Rio de Janeiro, a
Carioca e a Fluminense, que em teoria são tidas como conservadoras pela forte influência que
receberam dos missionários norte-americanos e especialmente do missionário Salomão
Ginsburg, organizador de várias igrejas centenárias naquele estado. Além dessas, foram
favoráveis pela aceitação de pastoras as OPBB do Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rio
Grande do Sul, Paraná, Sergipe e Paraíba.
A limitada participação das mulheres nas igrejas no início das Missões Batistas no Brasil
era justificada a partir de interpretações de textos bíblicos pela Denominação e reproduzidas
pelos missionários norte-americanos que aqui se instalaram. O sociólogo e pastor batista, João
Araújo, defende que esses missionários carregavam em suas bagagens muitas práticas aprendidas
em suas terras e transplantadas para as igrejas que eles fundaram aqui: “uma dessas, a proibição
do uso da voz pela mulher na congregação”.26
Essa prática dos Batistas norte-americanos, por sua vez, ainda segundo João Araújo, teria
fundamentação histórica na Europa do século XIII e seguintes com o surgimento da sociedade
burguesa. “A esfera pública burguesa é o local dos homens livres (...) do poder estatal. Por outro
lado, a sociedade dos homens livres é a sociedade possuidora de bens, tanto material como
humano. Neste sentido, a mulher, como as coisas, passam a fazer parte dos bens dos homens”.27
João Araújo defende ainda que em fins do século XIX a voz da mulher era silenciada em
absoluto no ambiente de cultos Batistas. Mesmo quando designadas por seus maridos para
comissões de visitas a outras mulheres que se encontravam ausentes das atividades no templo,
elas eram impedidas de apresentar seus relatórios pois não podia falar. “A saída, nesses casos,
era o homem falar por sua mulher”. “O homem tinha voz de mando, com ele, o direito da
indicação para visitar. Depois, tinha o direito de ser o porta-voz da esposa (...) em dar o relatório
para a igreja”.28
A Convenção Batista não reconhece essa postura, nem assume que fosse esse o tratamento
dado às mulheres. Ao contrário, diz que os Batistas filiados à CBB “não têm restrições quanto ao
trabalho das mulheres nas igrejas”.29 Mas ao explicar as atividades atribuídas às mulheres,
evidencia, ao menos, as limitações de suas participações. José R. Pereira explica que “as
mulheres, nas igrejas, se reúnem para oração, práticas de beneficência, estudam, promovem
reuniões de evangelização ou estudo bíblico nas casas, cuidam das crianças e das moças, (...)
eventualmente pregam e se dedicam a outras atividades, em geral com grande dedicação”.30
Os documentos disponíveis nos arquivos da Primeira Igreja Batista em Santo Antônio de
Jesus, nos faz ver que os homens sempre estiveram à frente da liderança da Igreja. Todos os
cargos eletivos, desde que foi organizada até o ano de 1924, sempre foram ocupados por homens.
Só em 1924 a diretoria da igreja contaria com uma mulher em sua composição. A Sra. Clarice
Ribeiro foi indicada para a função de segunda secretaria, haja vista que Firmino Silveira recusou
a indicação, ou seja, ela não era a primeira opção para o cargo, mas na falta de um homem que
aceitasse ela foi eleita, tornando-se a primeira represente feminina na diretoria da igreja, e a
partir daquele ano a participação feminina fica mais evidente.
Mesmo tendo demorado quase três décadas para uma mulher ser eleita para um cargo na
diretoria da igreja em Santo Antônio de Jesus, o silêncio delas não era absoluto como João
Araújo sugere ter sido nos primeiros anos na PIBB em Salvador. Encontramos registros em atas
em que mulheres puderam se manifestar, em alguns momentos para dar opiniões e em outras
ocasiões para fazer a própria defesa de acusações que as submetiam à proposta de disciplina ou
de exclusão do rol de membros.
Um desses casos aconteceu em 27 de maio de 1906, após a igreja convocá-la para dar
explicações sobre sua conduta, “a irmã U. disse nada ter a confessar”.31 Mais que isso, em
continuação à sua defesa, acusa o esposo de ser o verdadeiro culpado por suas atitudes, “a irmã
U. disse então ser suas faltas consequências dos erros de seu marido, o irmão F. D.”,32 ou seja,
além do direito de voz, teve a “liberdade” de acusar o esposo publicamente.
Semelhantemente a igreja da capital, não há como negar que houve certo silêncio das
mulheres ou que suas vozes foram silenciadas em Santo Antônio de Jesus. Porém, classificar
como absoluto dá uma denotação que se aproxima a de uma subserviência e inércia total nas
atividades de cultos. Mesmo que suas vozes tenham sido silenciadas em assembleias,
participando quase sempre apenas com o voto, elas tiveram vozes noutras atividades
eclesiásticas.
Elizete da Silva menciona que na Primeira Igreja em Salvador, “nas primeiras décadas, as
mulheres participavam do cântico congregacional, do coral e recitando poesias e textos bíblicos,
no entanto nas assembleias (...) as mulheres não podiam falar”.33 Para José Reis Pereira as
mulheres até podiam eventualmente pregar e se dedicar a outras atividades, e Archiminia
Barreto, articulista de O Jornal Batista, em seu artigo publicado em 30 de junho de 1904, nos diz
que “certamente qualquer mulher é convidada a orar e prophetizar34 na egreja se ella
modestamente obedece a sua condição de mulher”.35
Interessante observar que mesmo a Igreja Batista em Santo Antônio de Jesus tendo como
pastor interino, no período de 1898 a 1906, o missionário Z. C. Taylor, que também era o então o
pastor da PIBB em Salvador, não se sustenta a hipótese de um silêncio absoluto das mulheres da
PIBSAJ, muito embora a participação delas registradas em atas de assembleias, tenham ocorrido
em pequenos vultos.
Por outro lado, a permissão para que as mulheres pudessem falar em Santo Antônio de
Jesus e, possivelmente, em outras cidades da região, ainda que eventualmente, pode representar
uma revisão das práticas dos missionários norte-americanos, pois, como destaca João Araújo, no
período de 1880 - 1890 os batistas norte-americanos começaram a experimentar algumas
mudanças no trato das mulheres na igreja, permitindo a criação de “sociedades cristãs de moças e
outras sociedades missionárias femininas. As mudanças iniciais experimentadas quanto ao papel
da mulher nas igrejas norte-americanas ainda estavam começando a dar seus primeiros passos”,36
e aqui no Brasil pode ter demorado um pouco mais porque os missionários ainda não estavam
cientes dessas mudanças ou as resistiram por algum tempo.Sobre a criação de organizações femininas, em 1906, quando o missionário Taylor ainda
era pastor da igreja, as mulheres da PIBSAJ criaram a Sociedade Auxiliadora de Senhoras. Hoje
com o nome de UFMBB – União Feminina Missionária Batista Brasileira –, ela é composta por
outras organizações de participação exclusiva de mulheres das diversas faixas etárias: MCM –
Mulher Cristã em Missão; JCA – Jovens Cristãs em Ação; MR – Mensageiras do Rei; e Amigos
de Missões, tendo como principal objetivo viabilizar a educação cristã missionária nas igrejas
locais, mas também objetivam a interação, socialização e defesa dos interesses femininos junto a
Denominação.
A proposta para a criação da Sociedade de Senhoras da PIBSAJ demonstra a existência do
que é classificado por pesquisadores como o silêncio das mulheres. Ainda que a criação dessa
organização fosse de interesse delas, a proposta para criação foi feita por um homem. Mas
certamente não foi por iniciativa masculina a ideia de organizar a Sociedade de Senhoras,
acreditamos que a voz masculina, neste caso, falava em nome das senhoras, que previamente
deve ter encaminhado o pedido, já que no período não há indicativos de que elas fizessem
propostas em plenárias, daí deduzir que a pedido das senhoras da igreja, “Cyrillo Lopes dos
Passos falou aos irmãos, que achava de summa importância o estabelecimento de uma Sociedade
Auxiliadora de Senhoras”.37
As Sociedades de Senhoras foi um importante mecanismo para o desenvolvimento da
participação das mulheres em diversas atividades da igreja. Pois, não obstante as limitações
impostas a elas, através destas sociedades, conforme observou Elizete da Silva, “encontravam
uma espécie de compensação num espaço que era essencialmente feminino e onde elas
poderiam, desde que tivessem competência e escopo espiritual, transformar-se em líderes com
ativa participação”.38
Mesmo com poucas aparições e participações nas assembleias, e apesar do longo período
para que uma mulher fosse eleita a um cargo da diretoria da Igreja – quase três décadas –,
defendemos que em Santo Antônio de Jesus o silêncio das mulheres não foi absoluto. Diante
disso é inevitável a pergunta: onde estavam as senhoras? Ou, o que as mulheres faziam nas
primeiras décadas de existência da Igreja?
Dado o contexto histórico, bem como a postura dos Batistas com relação a participação
feminina em atividades eclesiásticas, percebe-se que normalmente as mulheres em Igrejas
Batistas realizavam atividades secundárias, como a de limpeza e ornamentação do templo, visitas
às senhoras enfermas ou que estavam ausentes dos trabalhos da igreja e outras atividades que já
mencionamos anteriormente. De fato, elas eram incentivadas a reconhecer a nobreza da
submissão ao marido e das tarefas do lar, como a de educar os filhos e orientá-los nos caminhos
do Senhor. Na concepção batista masculina, o principal papel das mulheres era o de ser
auxiliadoras, e seu ministério primário deveria ser o cuidado do marido, contribuindo na
construção do lar por meio da educação moral e religiosa dos filhos. Elizete da Silva destaca que
nas igrejas batistas, em geral, a função da mulher era de “administradora doméstica e do lar,
cabia à esposa a educação dos seus filhos. Educação esta que deveria ser feita baseada nos
postulados bíblicos, pois só assim as boas esposas contribuiriam para salvar a ‘pátria da podridão
do pecado’”.39
Por outro lado, imaginar que as mulheres não tiveram nenhum destaque, que ficaram em
silêncio absoluto, ou que não deram contribuições significativas para denominação, seria no
mínimo um equívoco. Defender a hipótese de que as mulheres batistas brasileiras do final do
século XIX e início do século XX não passaram de meras espectadoras, pode ter motivações
apenas em satisfazer a expectativa de leitores de importantes temas do momento, como o de
gênero e o do empoderamento feminino, a partir da problemática da necessidade libertária da
mulher. Contudo, ao fazer isso como forma de justificar uma problemática, pode-se desprezar
personagens importantes e suas participações no processo de conquistas que as mulheres
vêm alcançando ao longo dos anos, demonstradas por nossas fontes que apontam suas destacadas
participações na história da Denominação Batista no Brasil.
A. R. Crabtree, referindo-se ao estado de Pernambuco, diz que “entre as mulheres da igreja
destacou-se D. Felicidade Cordeiro. Não obstante ser analfabeta e ocupar uma posição humílima,
constituía um elemento valoroso para a causa santa”.40 As narrativas sobre dona Felicidade
mostram que era uma exímia evangelizadora e voluntariamente realizava um trabalho similar ao
dos missionários. Sozinha ela realizou um trabalho de evangelização notável. Segundo as
narrativas de T. B. Ray, foi ela que na cidade de Nazaré-PE, evangelizou um senhor por nome
Hermenegildo e em seguida levou um grande número de pessoas a converterem-se aos ensinos
Batistas. Através dela muitos “foram levados a Jesus e uma igreja de cerca de cinquenta
membros foi organizada na casa de Hermenegildo”.41
Ao que parece a ausência de nomes femininos na História dos Batistas nas primeiras
décadas da missão no Brasil está mais associada a ausência de fontes e de pesquisas, do que das
limitações que lhes foram impostas. Muitas personagens dessa história ainda estão latentes,
vozes que permanecem silenciadas aguardando por pesquisadores que as revelem. A exemplo
das “irmãs Maria Joaquina e Adelaide Gomes, estas duas representando a fôrça e a atividade das
mulheres”42 na cidade de Vitória no Espírito Santo no início dos trabalhos da Missão Batista.
Por todo o Brasil encontraremos nomes femininos importantes, mas a grande referência
nacional é sem dúvida Archiminia Barreto. Elizete da Silva acredita que “o concurso de D.
Archiminia na expansão e consolidação do trabalho batista no Brasil foi de fundamental
importância”,43 não se limitou à atividade de professora, tornou-se exímia escritora da
Convenção, chegou a colunista com espaço para publicações em todas as edições de O Jornal
Batista. Além disso, A. R. Crabtree diz que ela “era estudante da Palavra de Deus e foi escolhida
por algum tempo como diretora dos cultos da Igreja de Vila Nova na ausência do pastor”.44
Elizete da Silva acrescenta que “a Prof. Archiminia foi uma espécie de intelectual
orgânica, uma assídua militante da Denominação Batista, disposta sempre a levantar a pena e os
seus conhecimentos na argumentação apologética do seu grupo religioso”45 e o missionário W. E.
Entzminger, no prefácio do livro Mythologia Dupla ou religião Católica e Sua Mascára, de
autoria de Archiminia Barreto, a elogia “recomendando o seu nome a posteridade batista
brasileira, como a mais preclara escritora que até aqui tem aparecido nas nossas fileiras”.46
Em Santo Antônio de Jesus as dificuldades de fontes que revelem detalhes da participação
feminina nas atividades da igreja são as mesmas encontradas país afora. As fontes são quase que
na totalidade, atas de assembleias, registradas justamente no ambiente em que o silêncio da voz
feminina pode ser evidenciado. Contudo, a leitura minuciosa nos conduz a sinais e indícios da
presença feminina em várias atividades da igreja.
Em finais do século XIX e início do XX em Santo Antônio de Jesus, como em várias
outras localidades, a atividade de docência ainda era majoritariamente exercida por homens,47
mas quando a Igreja decidiu criar uma escola em março de 1905, coube a uma mulher a
importante tarefa de ensinar em uma classe mista [composta por meninos e meninas], filhos de
pais batistas ou não, já que a escola aceitava qualquer aluno da comunidade.
Os Batistas viram na escola a alternativa de educar seus filhos num ambiente cristão, além
de uma opção para cooptar novos membros para a igreja, por isso “Octaviano fez ver a urgente
necessidade de uma casa de instrução nesta cidade, propoz a creação de uma escola apresentando
para dirigil-a, a irmã D. Luiza Diniz Sampaio, que achava-se presente, por já ter sido ouvida para
este fim”.48 Por vários anos D. LuizaDiniz exerceu a função remunerada de professora da escola
dos Batistas em Santo Antônio de Jesus, ensinando anualmente entre 20 e 30 crianças.
Com exceção do ensino das moças e crianças nas Escolas Bíblicas Dominicais, “papéis
tradicionalmente reservados às mulheres batistas”,49 as atividades de cultos eram quase que
integralmente realizadas por homens, com poucas exceções e ocasionalmente em cultos festivos,
como o de aniversários da igreja em que “as senhoritas também deram brilho a festa com lindos
diálogos, poesias e discursos”.50
Na área da música sacra, entretanto, também houve destaque feminino na Igreja Batista de
Santo Antônio de Jesus. Em uma reunião no ano de 1906, Idelfonso Moura apresentou uma
proposta na qual ele disse “ser um dever da Egreja organizar uma orchestra, mostrando com
outras razões o quanto é útil e proveitoso essa instituição, pois não somente há gozo nos Santos;
mas também haverá uma verdadeira attracção para os pecadores”. A proposta foi aceita com
grande entusiasmo pelos membros da igreja, que imediatamente organizou a orquestra, “sendo
estes que hão de tocarem: Cyrillo Lopes dos Passos, Octaviano Pedreira Gomes, João Ferreira de
Araújo, Francisco Lopes dos Passos e a Senhorita Laura Cazaes Campos”.51 Apesar de não ter
sido identificado qual instrumento seria tocado pela Srta. Laura [possivelmente um órgão], o que
chama a atenção foi que os líderes da igreja escolheram uma jovem para compor a orquestra em
participações públicas da igreja, haja vista que no período era incomum a participação de
mulheres em apresentações musicais públicas.
Poucas mulheres tinham acesso à educação musical, apenas as mais abastardas recebiam
instruções na área da música e quase sempre para tocar piano, com apresentações em suas
próprias casas e encontros familiares. Na sociedade brasileira do século XIX e primeiras décadas
do XX, raríssimas foram as exceções de mulheres atuando na música, a exemplo de Chiquinha
Gonzaga.52
Documentos revelam que nas primeiras décadas os homens dominaram os cargos de
liderança na igreja e que a autoridade exercida por eles era muito superior à das mulheres. Isso
tanto fazia parte da cultura dos Batistas, importadas dos missionários norte-americanos, quanto
do contexto social, cultural e político da época.
Por outro lado, os indícios de que as mulheres tiveram voz em Santo Antônio de Jesus não
podem ser negados, elas contribuíram de diversas formas desde a origem da igreja, inclusive com
participações em atividades geralmente atribuídas aos homens. Infelizmente é de difícil
identificação as várias contribuições e atividades dessas mulheres, tendo em vista que nossa
principal fonte, como já dissemos, são atas de assembleia, ambiente em que raramente puderam
manifestar seus interesses através de propostas, mas isto também não significa que as ideias que
deram rumo à Igreja tenham sido exclusivamente masculinas. Certamente que existiram
propostas elaboradas por mulheres que foram levadas em assembleias por seus maridos, a
exemplo do caso da organização da Sociedade de Senhoras.
Só em novembros de 1918 seria registrado uma proposta em assembleia, apresentada
diretamente por uma mulher. Foi em 17 de novembro de 1918, quando por “proposta da irmã
Eurides Figueira, aprovada pelo irmão Manoel F Bastos”53 ficou definido que a classe de
treinamento de professores da EBD se reunisse nas segundas-feiras a noite. Mas algo chama a
atenção, curiosamente após esta assembleia, frequentemente passaram a ter registros da
participação feminina opinando ou apresentando propostas. Considerando que uma mudança
desta não ocorreria de forma abrupta, ou seja, que a proibição da mulher falar fosse abolida e a
partir dali estivesse liberada sua participação irrestrita, sem que houvesse discussões ou
resistência masculina, podemos supor que elas já atuavam a algum tempo, opinando e até
apresentando propostas, mas o que ocorria era a omissão da voz feminina em atas de
assembleias.
3. A “QUESTÃO RADICAL”: UMA
HISTÓRIA [RE]VELADA
Poucos assuntos na história dos Batistas parecem ser evitados pela Denominação,
entretanto a “Questão Radical”, como ficou conhecido o movimento iniciado por pastores
batistas brasileiros em Pernambuco e que se espalhou por todo Nordeste e teve seu ápice em
meados da década de 1920, quando várias igrejas se dividiram, é uma página evitada pela
Convenção Batista Brasileira. Escritores e memorialistas confessionais tratam o assunto com
superficialidade e em alguns casos alegam não entrar em detalhes a pedido dos próprios Batistas.
Antônio Mesquita, memorialista batista, que também foi personagem no movimento, ao
escrever sobre a história da Denominação no livro História dos Batistas do Brasil de 1907 a
1935, publicado no ano de 1937, quando os resquícios do movimento ainda eram bastante
evidentes, alerta que “na opinião de muitos irmãos, nada deveria ser dito sôbre o citado
movimento”.54 O autor admite que iria se limitar a fazer “apenas alguns apontamentos”, mas pela
importância da questão parece ter se sentido pungido a abordá-lo, ainda que ele fosse
considerado suspeito “para escrever sôbre esta quadra da história, tomando parte ativa como
tomou em alguns de seus lances”.55 Mesmo com as limitações que o próprio Antônio N.
Mesquita reconhece, ainda assim, entre escritores ligados a Denominação, foi o que mais
detalhou o Movimento.
Um outro memorialista Batista, David Mein, ao escrever sobre o assunto no livro “O Que
Deus Tem Feito”, opta pelo silêncio. Ele preferiu dar ênfase, em poucas linhas, nas Bases de
Cooperações criadas a partir de 1925 com a expectativa de pôr fim ao movimento. David Mein
justifica seu silêncio sobre as lutas entre os missionários norte-americanos e os obreiros
brasileiros, sob o argumento de que “estas lutas são discutidas em outros registros históricos; por
isso não trataremos o assunto aqui”.56
No livro de comemoração ao centenário dos Batistas no Brasil, José dos Reis Pereira,
também não trouxe como proposta o detalhamento do assunto, abre o tema afirmando ser “uma
página lamentável da história batista brasileira, que não pode, entretanto, ser omitida”.57 Sua
superficial abordagem foi feita de forma concisa em algumas páginas, concentrou-se
basicamente em citações de personagens, sem, contudo, dar detalhes do envolvimento deles e
suas importâncias em defesa da causa dos brasileiros ou dos missionários norte-americanos.
Inicialmente, Reis Pereira se detém em apresentar o contexto histórico pós Primeira Guerra
Mundial e sugerir algumas hipóteses para o surgimento da questão. Contudo, não considerou os
interesses políticos e sociais que envolveram o mote. Ele conclui com a demonização da Questão
Radical, a partir de suas convicções “de que a obra batista no Brasil é expressão da vontade
divina, o que se deu foi a intromissão das forças diabólicas”,58 e acrescenta: “a ‘Questão Radical’
foi o recurso de que usou o Príncipe das Trevas para deter a marcha de um movimento que ia
ganhando cada vez mais força”,59 pois o número de batistas havia dobrado no período de 1911 a
1920, segundo o mesmo autor.
As declarações de Reis Pereira desprezam a essência da origem das desavenças humanas,
ou seja, a própria natureza humana. José Alves Feitosa, que foi aluno do Colégio Americano
Batista em Recife quando surgiu o movimento e que graduou-se em Teologia pelo Seminário do
Norte em 1922, em seu livro “Breve História dos Batistas do Brasil – Memórias”, ao referir-se
àquele movimento, captou muito bem a questão da natureza humana ao assegurar que os choques
de ideias são inevitáveis, e que mesmo entre cristãos com uma orientação e educação diferente
[aludindo aos ensinos nos Colégios Batistas], “surgem esses choques por certo condenáveis, mas
que são naturais entre humanos”.60
Acredita-se que há muito a ser pesquisado sobre o assunto, o próprio José Reis Pereira diz
que “alguns documentos deixaram de ser examinados ou não puderam ser examinados pelos
historiadores. Referimo-nos a atas e correspondências, aquelas arquivadas nas Instituiçõese estas
existentes na Junta de Richmond, nos Estados Unidos”.61
A dificuldade de acesso a estes documentos indica que se trata ainda de um tema velado
pela Denominação. Prova disso é que passadas várias décadas, enquanto realizávamos esta
pesquisa, um dos líderes batistas em Santo Antônio de Jesus, pessoalmente nos sugeriu a não
abordagem da matéria, alegando ser desnecessário e, portanto, um assunto que não deveria ser
mencionado na pesquisa.
3.1. RAÍZES DO MOVIMENTO NO CENÁRIO NACIONAL
A maioria dos pesquisadores aponta como origem do movimento o sentimento nacionalista
vivido em muitos países, incluindo o Brasil, após a Primeira Guerra Mundial. Para o escritor e
pastor batista, Zaqueu de Oliveira, o movimento “refletiu algo da situação mundial, quando na
ocasião, em vários países houve levantes contra o imperialismo norte-americano”.62 Por outro
lado, o mesmo autor, na obra intitulada “A Palavra Crescia Poderosamente: 80 anos de
crescimento dos batistas de Pernambuco”, sugere como mote principal para o início das
desavenças e consequente surgimento do movimento “a insatisfação com os métodos de trabalho
usado pelos missionários”.63
Já Mesquita, não vê o movimento como uma reação imediata a fatos históricos que o
antecedeu, como o sentimento nacionalista pós-guerra ou um levante contra o imperialismo, para
ele o movimento era iminente e estava fincado em raízes mais profundas e duradouras, “o
movimento apelidado de ‘Radicalismo’ e ‘Construtivismo’ teve suas raízes em atos e fatos muito
antigos, anteriores mesmo a 1910".64
O “Livro de Ouro da CBB – epopeia de fé, lutas e vitórias”, publicado pela Denominação
em 2007, resume as possíveis causas da origem do movimento nas seguintes hipóteses: 1) o
desejo de líderes brasileiros assumirem funções de maior destaque, por sentirem-se capacitados
para tal; 2) o espírito nacionalista pós Primeira Guerra Mundial, com a correspondente rejeição
dos missionários norte-americanos; 3) as restrições que os brasileiros tinham com relação aos
gastos de recursos na área de educação; 4) a dependência econômica que muitos obreiros
brasileiros tinham em relação a Missão Batista da Junta de Richmond; e 5) o desejo de pôr fim
ao controle absoluto que os missionários norte-americanos tinham nas gestões dos projetos,
entidades e igrejas batistas brasileiras.65
Há, entretanto, unanimidade nas pesquisas sobre o movimento no que se refere a questão
doutrinária, ou seja, o movimento não teve cunho doutrinário, não foi motivado por divergências
na interpretação da Bíblia, não era uma luta “espiritual”, era estritamente humana. Antônio
Mesquita assegura que “não havia doutrinas envolvidas na pendência; simples modos de
administrar o trabalho tinham dado causa a uma luta infeliz”.66 O Movimento teve um viés de
independência dos obreiros brasileiros em detrimentos aos missionários norte-americanos.
Entre as possíveis causas para a origem da contenda envolvendo os batistas no Brasil, a
que nos parece mais coerente é a apresentada por Émile Léonard. Embora possamos encontrar
como pano de fundo várias questões que serviram de pretextos para justificar a origem da
“Questão Radical”, acreditamos, conforme defende Émile Léonard, que assim como os
Presbiterianos que passou por crise semelhante,67 “a verdadeira razão é que os batistas já haviam
alcançado o grau de experiência e de maturidade em que, também eles, deviam sofrer uma crise
de emancipação”.68
Desta forma, pode-se inferir que o Movimento foi nacionalista não no sentido que alguns
defendem, gerado a partir do sentimento emergido após a Primeira Grande Guerra. Ele foi
nacionalista porque envolveu o desejo de emancipação, para que líderes nacionais tivessem
participação na gestão de importantes projetos desenvolvidos pelos Batistas no Brasil, gestão dos
recursos financeiros vindos da Junta de Missões de Richmond e daqueles recursos gerados nas
igrejas locais através de doações; também foi nacionalista porque teve como alvo os estrangeiros,
ou seja, os missionários norte-americanos.
Há indícios de que essas questões nacionalistas, ou contra os missionários batistas norte-
americanos, surgiram logo cedo. Apesar de seu auge ocorrer nos anos iniciais da década de 1920,
suas raízes estão em épocas mais remotas. A Missão Batista tinha organizado sua primeira igreja
no ano de 1882, na cidade de Salvador, e em 1885 em Recife-PE converteu-se às doutrinas
batistas um senhor por nome Wandrejasil de Melo Lins, que se tornou pastor logo no ano
seguinte. Ele seria o pivô da primeira contenda que se tem notícias contra os missionários
batistas norte-americanos em território brasileiro.
Descrito por A. R. Crabtree como sendo um “homem de boas qualidades, personalidade
atraente, crente de convicções fortes e pregador eficiente”,69 Wandrejasil era filho de famílias de
grandes fazendeiros de Rio Largo-AL, gozava de grande prestígio pela sua situação social e na
análise de Émile Léonard, tinha “igualmente um caráter difícil e por vezes arrogante”.70 Foi ele
quem protagonizou os primeiros conflitos com os missionários norte-americanos. Há registros de
desentendimentos desde 1888 envolvendo Wandrejasil e os missionários. A situação agravou-se
a ponto de romperem as relações em 1899, “terminando por formar um grupo anti-missionário
nas Alagoas”,71 isso porque ele recusou a intervenção dos missionários em questões
administrativas da igreja que pastoreava ali.
Outros conflitos foram aparecendo. Em Belo Horizonte o personagem envolvido foi o
pastor José Alves, convertido em outra Denominação, mas que se tornou Batista em meados da
década de 1890 e não demorou a envolver-se em questões com os missionários norte-
americanos. Desta vez as contendas, segundo Léonard, tiveram origem “com dois jovens
missionários americanos que havia fundado, na mesma cidade, um colégio batista. A questão
terminou [...] pela saída dos adversários que, abandonando Belo Horizonte, vieram para São
Paulo [...] e pela volta de José Alves à sua denominação primitiva”.72
Já no início do século XX, um novo episódio envolvendo um pastor brasileiro e
missionários norte-americanos aconteceu no Rio de Janeiro, nas cidades de São Fidélis e
Campos, com o pastor Antônio Ferreira Campos, que inicialmente foi peça importante para o
desenvolvimento dos trabalhos batistas naquelas cidades, que estavam sob a direção do
missionário S. Gisnburg. Mas no ano de 1900 o missionário foi coordenar os trabalhos em
Recife, “e ao que parece foi após sua partida que Antônio Ferreira se desentendeu com a Missão,
organizando contra ela, em 1900, a ‘União Batista Fluminense’, de espírito hostil aos
americanos”.73
As controvérsias contra os missionários no estado do Rio de Janeiro não acabaram por aí,
em 1906 foi a vez das igrejas de Engenho de Dentro, Pião e Santa Cruz, estas duas últimas
dissidentes, envolverem-se em “muitas lutas” disseminando “revolta contra a Junta
Missionária”.74 Na ocasião o missionário que estava naquele campo, A. B. Deter, escreveria em
seu relatório algo que demonstra sua percepção da luta dos brasileiros. Em suas palavras seria
inevitável a emancipação no futuro, disse ele: “estamos construindo para gerações futuras e virá
o tempo em que o Brasil terá que ser evangelizado pelos brasileiros”.75
Outras manifestações de líderes brasileiros contra os missionários norte-americanos e a
Junta de Missões de Richmond, continuaram acontecendo em várias regiões. No estado de
Alagoas, entre 1905 e 1910, os missionários enfrentaram oposições motivadas por uma ação
antimaçônica liderada por Carlos Pereira, que anteriormente fizera o mesmo movimento contra
os presbiterianos, quando ele era filiado àquela Denominação, deixando-a para ser Batista.
Na Bahia, em 1910, aconteceria provavelmente o movimento emancipatório mais fecundo
antes da Questão Radical. Elizete da Silva aponta que “um grupo descontente com a liderança
dos missionários norte-americanos separou-se da Primeira Igreja Batista do Brasil e organizou a
Igreja Batista Independente do Garcia”.76 Posteriormente essa igrejadaria origem a Missão
Batista Independente que teve como proposta manter uma liderança absolutamente nacional.
Elizete observa que na Missão Batista Independente “essa tendência nacionalista foi muito
visível, concretizava-se como uma tentativa de nacionalizar o Evangelho (...), que se propunha a
formação do setor batista nacional brasileiro, sem nenhuma ingerência estrangeira”.77
Em 1912 Belo Horizonte voltou à cena, num movimento contrário ao missionário Daniel
Frank Crosland, recém-chegado àquela cidade. Neste mesmo ano, em Pernambuco, o destaque é
o início da “campanha por sustento próprio das igrejas [que] gerou mal-estar entre alguns
pastores brasileiros”.78 Era o embrião da Questão Radical.
As relações começaram a ser abaladas e novas demandas dos pastores brasileiros foram
aparecendo. Zaqueu de Oliveira assegura que “em 1916, o ambiente começou a ser tumultuado,
quando surgiram as primeiras questiúnculas sobre a administração de verbas”,79 os brasileiros
não gerenciavam os recursos, havia total dependência em relação aos missionários norte-
americanos, o que vinha incomodando significativamente os pastores brasileiros.
A insatisfação pelas questões que envolviam a administração dos recursos financeiros e
ordenados dos obreiros brasileiros ganhava força. Havia excessos dos dois lados, ambos
resistiam a qualquer argumento vindo do lado oposto, por isso a harmonia estava comprometida.
Segundo alguns atores do Movimento, não tinha mais como impedir uma divisão, Mesquita diz
que mesmo com os esforços de alguns líderes brasileiros e dos missionários, àquela altura “era
impossível conseguir qualquer resultado em virtude da má vontade dos dois lados”80 e José
Feitosa, recorda que “a paixão, de ambos os lados, era manifesta”,81 a cisão era uma questão de
tempo.
Foi nesse ambiente hostilizado, que durante uma assembleia da Convenção Regional de
1919, os brasileiros encontraram um pretexto [a eleição de Alfredo Freire para professor no
Seminário] para desencadear o Movimento. Consideramos pretexto porque a nosso ver o cenário
já estava montado e as verdadeiras motivações eram outras: emancipação e administração de
recursos financeiros, ou seja, disputa por poder.
Há, entretanto, escritores que não veem desta forma. Zaqueu de Oliveira, por exemplo,
parece acreditar que a contenda por causa da eleição de Alfredo Freire para professor no
seminário não foi um pretexto. Para ele a Questão Radical teve início nesse ponto, ele diz que
“embora alguns considerem simplesmente pretexto, o pomo de discórdia em 1918 no Seminário
foi a eleição de Alfredo Freyre (...) como professor de Latim Eclesiástico, Leituras Expressivas
da Bíblia e Filosofia da Religião Cristã”.82
O questionamento sobre o exercício da docência de Alfredo Freyre no Seminário,
aconteceu porque ele não era um batista confesso, não estava ligado a nenhuma igreja e,
considerando as motivações do movimento, podemos supor que tivesse algum privilégio em
detrimento dos pastores brasileiros. Isto fica de certa forma evidenciado nos registros de
memória de Feitosa, ao dizer que líderes brasileiros presentes naquela assembleia, após a
apresentação do relatório do Seminário que apareceu no corpo docente o nome de Alfredo
Freyre, “um professor que não era membro de igreja, embora pessoa muito estimada e muito útil
à causa em Pernambuco”,83 aproveitando o pretexto, utilizaram-se do expediente “para discutir e
‘desabafar’ de certas injustiças que se vinham praticando pela ‘cúpula’ da administração da
Missão do Norte”.84
Há ainda outra expressão de Feitosa que reforça a ideia de que alguns tinham mais
privilégios e que os missionários não aceitavam ser questionados. Ele nos revela que “corria o
refrão: ‘Quem paga é quem manda’”,85 uma demonstração de que os missionários norte-
americanos atuantes em Pernambuco no período, mantinha uma relação com os obreiros
brasileiros quase que patronal.
Por trás da expressão “quem paga é quem manda”, havia algo ainda mais sério e talvez um
motivo real para o surgimento do Movimento que teve repercussão nacional: O modelo de gestão
exercida pelos missionários norte-americanos rompia radicalmente com um dos princípios
básicos dos Batistas – o congregacionalismo. Significa dizer, que eles interferiam diretamente na
administração da igreja local com a transferência compulsória de pastores e obreiros, “assim as
igrejas perdiam a sua autonomia, desde que os obreiros eram pelos missionários transferidos de
uma para outra igreja, sem o assentimento da mesma, como aconteceu em Moreno em 1917, fato
presenciado, assistido e condenado pelo autor e pela igreja”,86 relata José Feitosa.
Referindo-se às origens do Movimento, Zaqueu de Oliveira aparentemente atenua a
questão quando diz que na assembleia da Convenção Regional realizada em Vila Natan
[Moreno-PE], no ano de 1918, “um discurso pelo missionário na Bahia, embora não tivesse
qualquer intenção negativa, foi mal interpretado”.87 O escritor pode ter optado pela omissão da
informação do nome do missionário que estava na Bahia e o teor de seu discurso. No período
mencionado por Zaqueu, o missionário que coordenava os trabalhos na Bahia era o missionário
M. G. White, que inclusive era o pastor da Igreja Batista em Santo Antônio de Jesus no período
que houve a cisão da igreja em 1924, como veremos detalhadamente adiante.
Ao narrar suas memórias, o pastor José Feitosa, apesar de não mencionar o ano, traz
informações valiosas sobre uma assembleia, que pela sua narrativa nos leva a crer que se trate do
mesmo episódio mencionado por Zaqueu de Oliveira.
Feitosa relata que o pastor Pedro Falcão tinha sido transferido à revelia pela Missão, contra
a vontade da igreja, o que teria causado descontentamento geral. Por conta disso os missionários
reunidos na cidade de Moreno tentaram explicar os objetivos da Missão, mas “o missionário M.
G. White pisou no calcanhar com o pé em riste e apresentou o dilema: ‘os irmãos escolhem agora
ficar com o pastor, sustentando-o, ou exonerá-lo, porque a missão não se responsabiliza mais por
verba para o sustento dessa igreja”.88
O pastor José Feitosa estava presente, lembra que houve muita discussão e ele mesmo
protestou, classificando o ato como um absurdo. As palavras do missionário M. G. White foram
entendidas como uma forma de externar o “refrão” que tanto incomodava os obreiros brasileiros:
“Quem paga é quem manda”.
Nos meses e anos seguintes os ânimos ficaram acirrados e estava cada vez mais clara a
existência de dois grupos. As desavenças entre batistas brasileiros e missionários norte-
americanos cresciam e o partidarismo também. Aqueles que defendiam a causa dos brasileiros
foram nomeados de “Radicais” e os que apoiavam a manutenção da administração pelos
missionários receberam o nome de “Construtivos”.
Os Radicais representavam os interesses dos obreiros brasileiros e lutavam pela
emancipação do trabalho batista no Brasil, com vista à criação de uma liderança com maior
participação de brasileiros e investimentos em projetos que consideravam primordiais para as
suas pretensões. Enquanto que os Construtivos, representados pelos missionários norte-
americanos e apoiados por brasileiros acostumados com aquela liderança, pois desde a origem do
trabalho em 1882 eles estavam à frente das decisões da Denominação, lutavam pela manutenção
do poder e gestão dos interesses da Missão Batista.
Acreditamos que a alcunha Radicais, “emprestada” pelos missionários norte-americanos
aos obreiros brasileiros, teve como objetivo criar um estereótipo, pois, embora o termo radical
possa ser empregado de forma positiva [pertencente a raiz ou à origem; original], a ideia era
pejorativa, ou seja, os simpatizantes à causa eram extremados, afastados do tradicional e usual.
Por outro lado, de maneira propagandista, os missionários se autonomearam de Construtivos – os
que constroem; evoluem –, dando ares de uma gestão progressista. Esse uso simbólico das
palavras certamente foi utilizado para inibir alguns e atrair outros. Nada foi desprezado no campo
dasideias e nos discursos das duas facções.
A partir dali o que se vê nas igrejas e instituições Batistas de Pernambuco e de outros
estados é uma sucessão de conflitos e confrontos até acontecer a cisão das igrejas no ano de
1923, quando os Batistas de Pernambuco passaram a ter “duas convenções – Convenção
Regional e Convenção Batista Pernambucana, dois colégios – Colégio Americano Batista e
Colégio Batista Brasileiro, dois seminários, dois órgãos informativos – O Batista Regional e O
Correio Doutrinal”,89 este último criado pelos missionários para defender-se dos ataques dos
Radicais.
3.2. ENQUANTO ISSO, EM SANTO ANTÔNIO DE JESUS...
Inicialmente queremos fazer uma importante observação: como forma de identificar os
membros e as ações dos grupos, iremos utilizar os nomes que lhes foram atribuídos [Radicais e
Construtivos]. Entretanto, isso não exprime nenhum posicionamento do pesquisador com relação
aos grupos e significados dos adjetivos que lhes foram imputados durante o Movimento do
Norte. Pelo contrário, acreditamos que ninguém tenha conseguido ser tão assertivo quanto José
Feitosa, que vivenciou o Movimento, e alerta àqueles que se propõe à análise da questão, muitas
vezes com paixão e sem o devido aprofundamento, que “as versões diversas e desencontradas os
levam a um julgamento apressado, às vezes temerários, sem se estabelecer a justiça merecida à
verdade em relação aos fatos, para aplicá-los bem, porque em certos casos se condenam a
inocentes”.90
As notícias sobre o movimento em Pernambuco não tardaram a chegar em Santo Antônio
de Jesus. Ainda no ano de 1919 encontramos uma sequência de atas com registros de
assembleias agitadas, muitas vezes por motivações não claras ou obscurecidas pela redação dos
secretários que as redigiu. Mas à medida que as peças se juntam, vai ficando evidente que muitas
das contradições ocorridas nas assembleias eram formas de manifestações, ora a favor dos
brasileiros, ora em defesa dos missionários norte-americanos.
O ano de 1919 começou com muita expectativa para os batistas de Santo Antônio de
Jesus. Nos primeiros dias de janeiro houve uma proposta para a construção de um novo templo
para a Igreja e em menos de um mês realizaram seis assembleias para traçar os planos de
construção. A empolgação do mês de janeiro foi radicalmente mudada a partir do meado de
fevereiro, quando as reuniões passaram a ficar conflituosas, com pedidos de exonerações,
exclusões de membros, mudanças de pastores e etc.
Apesar de não existir nas primeiras atas do ano de 1919 referências diretas ao movimento
que tinha iniciado em Pernambuco, podemos conjecturar que surgiram assuntos incomuns nas
assembleias, isso porque até aquele ano as reuniões administrativas realizadas no templo
ocorriam de maneira pública, mesmo que as propostas, discussões e votos fossem de
exclusividade dos membros da igreja. Mas em 16 de fevereiro de 1919 em uma reunião bastante
conturbada, Idelfonso Moura exigiu que as assembleias passassem a ser restritas, vedando a
presença de não crentes e de menores, filhos dos membros da igreja.
Na ata consta que o irmão Firmino Silveira arguiu contra a proposta, mas Idelfonso
Moura alegou ser “seu dever deffender a honra da Egreja”, e em seguida acrescentou “que a sua
consciência não podia admitir que os interessados, que são pessoas de nenhuma experiência
Christã, tomasse parte em sessões onde quase sempre se tratava de assumptos melindrosos”.91
A análise dos documentos disponíveis no arquivo particular da PIBSAJ revela que
Idelfonso Moura foi um defensor entusiasta dos missionários norte-americanos. Sua presença é
marcante em todas as assembleias da igreja desde o ano de 1904 quando foi batizado, mas no
período de 1919 a 1926, sua participação fica bem mais evidente. Tornou-se um dos principais
personagens, envolveu-se em diversas querelas e assumiu um papel importante de líder da igreja
em vários momentos, sempre se posicionando em favor dos Construtivos.
No ano de 1919 o pastor da igreja era Félix Joaquim de Moraes, um brasileiro que pode
ter estudado no Seminário Batista de Pernambuco. Ele foi empossado no ministério pastoral da
PIBSAJ em 31 de dezembro de 1916. Apesar de não existir informações concretas quanto ao
posicionamento do pastor com relação ao Movimento em Pernambuco, podemos supor que de
alguma forma tenha se manifestado em favor da causa dos pastores brasileiros, isso porque
Idelfonso Moura tornou-se um opositor do pastor Félix Moraes, sem quaisquer questões
aparentes.
Muitos dos queixumes e conflitos liderados por Idelfonso Moura contra o pastor Félix
Moraes e outros membros da igreja no período, indicam possíveis tentativas de combater
qualquer fagulha do Movimento do Norte na igreja em Santo Antônio de Jesus. Assim, quando
Idelfonso Moura, na ausência do pastor, afirmou em assembleia de 04 de fevereiro de 1919 “que
a Egreja amasse o seu Pastor, mas não olhasse tanto para ele, antes cumprisse o seu dever
trabalhando com os olhos fitos em Jesus”,92 lembra à comunidade a humanidade do pastor e
insinua que ele não deveria ser tomado por principal exemplo, pois era passivo de erros.
Na assembleia seguinte, mais uma vez aproveitando a ausência do pastor, Idelfonso
Moura tem uma reação mais hostil, alegando que o “Pastor convidou por sua espontânea vontade
a um Irmão Seminarista para pregar e por carta particular pediu que a Egreja fizesse as despesas
de viagem do referido Seminarista”,93 algo que era bastante comum, Idelfonso propôs que a
igreja se recusasse a realizar o pagamento das despesas.
O argumento para a recusa do pagamento foi a necessidade de contenção de gastos,
porém não parece sustentável. Primeiro porque os relatórios financeiros do período apontam para
o contrário e, segundo, o valor de repasse ao seminarista foi ínfimo. Por isso é mais razoável
pensar que o embaraço surgiu porque o pastor não consultou a Igreja para conceder o púlpito a
um seminarista que, provavelmente, vinha de Pernambuco, onde o Movimento se iniciava. A
proposta apresentada para o caso e aceita por unanimidade determinava que “fosse do ordenado
do Ir. Pastor retirado 20$ [réis] e entregue ao Irmão Seminarista para despesas da sua
passagem”.94 O corte no ordenado do pastor pode ter sido um recado para ele.
É perceptível que a igreja naquele momento já recebia algumas influências do movimento
em Pernambuco. Idelfonso Moura, que possuía várias funções na igreja e exercia com habilidade
a liderança, pode ter se aproveitado de nova ausência do pastor Félix Moraes em 18 de março de
1919, para pedir uma sessão extraordinária, aparentemente para usar como “termômetro” e
avaliar sua popularidade. Disse “que não desejava expor mais os motivos pelos cuais se achava
em grande tristeza e razão esta pela cual pedia a sua exoneração do cargo de 1º secretário da
Egreja”.95
Pelo desenrolar do enredo nas reuniões seguintes, deduzimos que a real intenção de
Idelfonso Moura era a de verificar o apoio que tinha da igreja. Se foi esta a sua intenção, a
estratégia deu certo, isto porque a assembleia recusou o pedido de Idelfonso e lhe sugeriu uma
licença do cargo pelo tempo que considerasse necessário. Assim Idelfonso pode ter uma ideia do
apoio da assembleia com relação aos fatos que dizia lhe causar grande tristeza.
Menos de 15 dias depois acontece um novo conflito envolvendo Idelfonso e o pastor
Félix. O secretário registrou na ata que “dado a um pequeno incidente entre o Irmão Idelfonso e
o Irmão Pastor no começo desta sessão, motivos que deram lugar a este incidente são motivos
que estão bem patentes em todos que assistiram a esta sessão, o irmão Idelfonso (...) pediu para
ser desligado desta Egreja”.96 Idelfonso Moura já sabia do apoio que tinha da igreja, testara
anteriormente sua popularidade e deduzia que provavelmente a igreja negaria seu pedido, o que
poderia deixar o pastor em situação de constrangimento.
A relação entre Idelfonso e o pastor Félix estava ficando insustentável. Considerando o
cenário dos Batistas ligados à Missão do Norte, bem como a ausência dequalquer justificativa
para as constantes desavenças entre os dois, só podemos supor que as discórdias tinham ligações
com a Questão Radical, que a essa altura havia alcançado simpatizantes, em Pernambuco,
Paraíba, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe e Bahia.
A reunião seguinte, de 10 de abril de 1919, foi crucial. Na tentativa de reestabelecer a
harmonia entre Idelfonso Moura e o pastor Félix Moraes, alguns líderes decidiram colocar os
dois frente a frente para resolverem suas pendências. Conforme consta na ata, discursaram e
foram feitas “réplicas e tréplicas pelos dois irmãos”. Os argumentos de Idelfonso giraram em
torno de “algumas irregularidades (...) como a occupação do Púlpito por crentes que não
tivessem as necessárias recomendações aptidões”.97 Por outro lado, o pastor defendeu-se dizendo
que “julgava que se um Irmão podia ou tinha engresso no Seminário também podia exercer
alguns cargos na Egreja e que não via nisso nenhum mal”.98
A iniciativa dos líderes na tentativa de restabelecer a harmonia teve um revés inesperado.
O saldo final daquele encontro, além das farpas trocadas, foi mais um pedido de desligamento da
igreja feito por Idelfonso e o pedido de exoneração do ministério pastoral feito pelo pastor Félix
Moraes. A igreja sabia que ambos estavam movidos pelo calor das emoções e por isso nada foi
decidido sobre os pedidos naquele momento. Mas as consequências seriam inevitáveis, as
intrigas continuaram nos dias seguintes e menos de três meses depois o pastor seria exonerado e
Idelfonso Moura voltaria às suas atividades. Essas sucessivas dissenções no interior da Igreja,
sugerem que a Igreja Batista em Santo Antônio de Jesus tinha sido atingida pela Questão Radical
e as intrigas eram os primeiros sinais da dicotomia partidária.
Nota-se na assembleia seguinte sinais de que parte das discórdias existentes eram
motivadas por ideias do Movimento. Após as discussões acaloradas entre Idelfonso e o pastor,
em 21 de abril 1919, a igreja convocou uma assembleia extraordinária e convidou para
moderador da sessão o missionário M. G. White, coordenador da Missão na Bahia, forte
militante da causa dos Construtivos, quiçá o mais inflexível deles, ao menos no campo baiano.
A longa sessão indica que a vinda do missionário M. G. White, enquanto coordenador da
Missão Batistas na Bahia, foi na tentativa de acalmar a situação e fazer os envolvidos se
reposicionarem. Idelfonso se recusou a comparecer à sessão, enviou uma carta que foi lida em
plenária, porém desconhecemos seu teor. Enquanto o pastor Félix manifestou-se diversas vezes
durante a sessão, ora para defender-se ora para acusar a igreja de agir inadequadamente no trato
com ele. Entre outras coisas, o pastor relembrou que a igreja retirou “dinheiro de seu ordenado
para dar ou coadjuvar as despesas de viagem do irmão Seminarista que para aqui viera passar 2
ou 3 dias, nomeado por elle”.99 Depois de muita discussão, o missionário M. G. White interveio
para dizer “que era preciso algum tempo para pensar pois o momento assim exigia devido o
estado em que se encontrava a Igreja e Pastor (...) ficando bem patente a pouca experiência de
parte a parte”.100
O secretário Manuel Wallancuella foi bastante minucioso na escrita da ata, e os sinais do
Movimento aparecem. O missionário M. G. White disse conhecer as queixas da igreja,
“entretanto deixava de entrar nestas apreciações se bem que notava algumas faltas no pastor, mas
reconhecia o grande desenvolvimento desta Igreja de algum tempo para cá”101 e a reação do
pastor Félix foi imediata, pediu o direito de resposta para dizer ao missionário que “naquelle
momento sentia não ter dito tudo minunciosamente ao Irmão White pois assim seria melhor visto
que ele, White, estava alhi, a maior parte daquellas queixas tornava se mais trabalhosa para
resolução daquelle problema”.102
Ao que parece os membros da igreja agiam com bastante cautela em suas palavras, tanto
ao falar quanto ao escrever, pois a Questão Radical, [como os próprios batistas dizem] causou
muitos escândalos entre os batistas, católicos e a sociedade em geral, que comentavam sobre a
confusão existente entre os crentes. Talvez por causa dessa cautela que nas atas não tenham
deixado explícito que as contendas na Igreja em Santo Antônio de Jesus estavam ligadas aos
acontecimentos de Pernambuco. Contudo, a vinda do missionário M. G. White para uma
assembleia extraordinária quando a Igreja tinha um pastor, além dos principais personagens
serem o pastor [brasileiro e que estava convidando seminaristas supostamente de Pernambuco
para pregar na igreja] e Idelfonso Moura que mostrou-se um fiel defensor dos missionários norte-
americanos, indica que já havia influências vindas de Pernambuco naquele ano de 1919.
Acrescenta-se a isso as falas do missionário e do pastor, o primeiro acusa o pastor de ter
faltas, as conhecia, mas preferia não entrar nos detalhes e o segundo, responde não ter dito tudo,
visto que assim seria melhor pois o missionário estava presente e ligado “a maior parte daquellas
queixas”. Qual seria a ligação entre as queixas e o missionário, senão o próprio movimento e a
divisão entre brasileiros e norte-americanos surgida em Pernambuco?
As assembleias seguintes também apontam para a existência de partidarismo. Decisões
simples como concessão de carta de transferência para Igrejas Batistas em outras cidades,
normalmente aprovadas por unanimidade, passaram a ter votos contrários.
Na sessão de 01 de maio de 1919 encontramos o pedido de carta demissória para filiação
à Igreja Batista em Casca com o registro de ata apresentando rasuras, onde inicialmente se
escreveu que a concessão foi por unanimidade, posteriormente, com outra tinta, foi escrito acima
da palavra unanimidade, as palavras “por maioria de votos”.
Dois dias depois, uma assembleia convocada para exclusão de um membro da igreja
divide opiniões, coisa que até então não tinha acontecido. Uma comissão teria sido formada para
visitar a irmã M. F. e apresentou como parecer a proposta de eliminação da referida irmã,
entretanto “o irmão Wallancuella fez lembrar que esta falta da irmã M. F. podia ou talvez fosse
evitada se os irmãos Diáconos e o Pastor fossem mais cuidadosos ou mais frequentes nas
visitas”,103 por isso ele declarava “absolutamente não concordar com a sua eliminação”.
A manifestação de Wallancuella teve apoio irrestrito de Idelfonso Moura, outro membro,
entretanto, por nome Macário, reagiu dizendo “que alli não era um tribunal para accusar
Diáconos e o Pastor”.104 Várias pessoas participaram da discussão e o pastor preferiu se eximir de
opiniões, dizendo apenas que deixava para a igreja resolver. No final, M. F. foi eliminada por
maioria de votos, sem o consenso da Igreja.
Como em outros registros de atas, o secretário Wallancuella teve o cuidado de dizer que
muitos irmãos e irmãs participaram do debate opinando “de parte a parte, debates estes que
correram na melhor decência e ordem possível”.105 É claro que o ambiente não estava tão calmo,
como tentou descrever o secretário. E quando se observa que nenhum caso semelhante tinha
acontecido até aquela data, pois tanto as eliminações quanto os pedidos de cartas de
transferências eram sempre por unanimidade, fica demonstrado que o pano de fundo era outro. A
questão em jogo não se tratava apenas de avaliar as faltas da irmã se ela era ou não digna de ser
excluída, é possível que as plenárias estivessem sendo usadas como palco para grupos opostos
medirem forças.
Foi numa dessas assembleias em que a pauta era apenas um pedido de transferência,
realizada em 05 de junho de 1919, que aconteceu a discussão mais acalorada entre Idelfonso e o
Pastor. Mediram forças por bastante tempo, argumentaram e contra argumentaram diversas
vezes. No final, a longa história de Idelfonso Moura com a Igreja parece ter arrebanhado a
maioria para seu lado. A assembleia foi interrompida sem conclusão. O pedido de reconciliação e
carta de transferência feito pela Igreja de Caldeirão em favor da irmã Francisca Casaes foi
negado e o pastorFélix Moraes saiu vencido.
O pastor não retornaria à reunião seguinte, preferiu enviar uma carta formalizando seu
pedido de exoneração e de carta demissória para filiar-se a outra Igreja Batista. Idelfonso Moura
foi vencedor naquela peleja, mas o embrião do Movimento dos Radicais estava em
desenvolvimento, outros conflitos surgiriam e as posições partidárias ficariam cada vez mais
claras até chegar a cisão.
Após a saída do pastor Félix Moraes as atas apontam para uma aparente calmaria. As
coisas pareciam ter voltado ao normal, inclusive com o retorno das discussões em torno da
construção do novo templo. Poucas questões tiveram discussões, e sempre o personagem
Idelfonso Moura estava envolvido, mas nenhuma com grande repercussão.
Ainda no ano de 1919, no mês de novembro, assumiu o ministério pastoral o pastor José
Lúcio Pereira. Não se sabe o porquê sua passagem pela igreja foi muito rápida, em menos de seis
meses foi exonerado do cargo. Talvez porque não tenha se adaptado à cidade, ou ainda porque
percebendo a existência de partidarismos, preferiu não entrar em embates e pediu sua
exoneração.
O próximo pastor, Benedicto O. Propheta, seria eleito em setembro de 1920. Enquanto
isso, as atividades continuaram em aparente normalidade e novos indícios de questões ligadas ao
Movimento Radical reapareceram em março de 1920, quando Idelfonso Moura, provavelmente
por temer a perda de recursos financeiros, propôs a igreja “combinar o melhor meio de retirar o
dinheiro que ela tem depositado na caixa predial em Pernambuco e recolher no cofre da sua
thesouraria”,106 pois os recursos que a igreja estava reservando para a construção de um novo
templo foram custodiados em uma entidade batista nominado de “Caixa Predial”, que tinha sede
em Recife-PE.
3.2.1. JOSÉ BARRETTO: UM LÍDER RADICAL EM SANTO ANTÔNIO DE
JESUS
Recorremos mais uma vez ao memorialista e missionário norte-americano T. B. Ray, para
(re)construir outro personagem da História dos Batistas de Santo Antônio de Jesus: José Barretto,
o qual acreditamos que teve participação significativa na cisão da igreja ocorrida no ano de 1924
e estava ao lado dos Radicais.
Antes de se tornar um crente batista, José Barretto criou fama de violento e arruaceiro. Era
um opositor implacável dos protestantes e asseverava que “bateria em qualquer protestante que
entrasse em sua casa”.107 A imagem de José Barretto, capturada pela fotografia do missionário T.
B. Ray quando esteve em visitas no Brasil em 1910, aponta para o tipo “machão”, com expressão
de imponência e autoridade, conferida pela fama de homem valente que adquiriu no passado e
que impunha respeito no presente.
FOTO 8: JOSÉ BARRETTO
(Por questões de configurações, DISPONÍVEL APENAS NA VERSÃO IMPRESSA)
Sua conversão aconteceu por ocasião da visita de um dos seus cunhados, um homem cego
e que há algum tempo não tinha contato com a irmã. A visita do cunhado trouxe alegria àquela
casa e reunidos conversaram por muito tempo. Em certo momento, a esposa de José Barretto
lamentou a tragédia da cegueira de seu irmão, ao que ele lhe respondeu dizendo “que embora
seus olhos estivessem escurecidos, sua alma viu a luz da vida. Sua irmã lhe disse: ‘Você deve ser
um protestante’. Ele respondeu: ‘Sim, graças a Deus, conheço Jesus Cristo’”.108
Na narrativa de T. B. Ray ele diz que ao ouvir a resposta de seu irmão a mulher desmaiou,
pois temeu pela vida dele, tamanha era a oposição do esposo com relação aos protestantes. José
Barretto, entretanto, tratou de recobrá-la o ânimo e em seguida, para acalmá-la disse: “Eu sei que
eu disse todas essas coisas sobre o que faria aos protestantes, mas espero não ser suficientemente
mau para atacar um homem cego e certamente não feriria seu irmão”.109
A visita pernoitou e quando decidiram se recolher para o descanso, pediu-lhes a permissão
para orar, o que foi concedido. José Barretto diria depois que o momento de oração lhe despertou
o interesse em conhecer mais sobre o Evangelho, por isso no dia seguinte foi em busca de um
Novo Testamento que tinha retirado das mãos de um de seus trabalhadores e guardado numa
caixa em sua casa.
O missionário T. B. Ray descreveu José Barretto como “um homem excelente e forte, com
mais de seis pés de altura e pesa, talvez, 250 libras”,110 ou seja, cerca de 1,90 de altura, pesando
aproximadamente 115 quilos. Antes de se converter era superintendente nas Minas de Manganês,
na zona rural, em área próxima à cidade, região que ainda hoje leva o nome de Mina do Sapé.
Além disso José Barretto era muito ativo na política local.111
A sua fama corria na cidade, era conhecido por ser um homem violento, destemido e sem
esperança. Tinha “muitas cicatrizes em seu rosto que eram evidências de muitos encontros
perigosos”.112 E sempre que havia “algum trabalho questionável que precisasse ser feito para
influenciar uma eleição, José era chamado a fazê-lo”,113 tomando posse das urnas, extraia uma
quantidade de cédulas de votos, os destruía e depois selava a caixa e só então devolvia a urna
para que a contagem fosse feita, segundo narrou T. B. Ray.
Depois que o cunhado deixou sua residência, o recomendou a alguns membros da Igreja
Batista, que passaram a visitá-lo e instruí-lo nas doutrinas da igreja. Em 1908 se converteu e foi
batizado, o que lhe custou o emprego nas minas de manganês, por isso tornou-se um comerciante
de café. Pelos registros em atas da PIBSAJ José Barretto teve participação modesta nas
assembleias e raras funções na igreja até o início do ano de 1920, quando assumiu alguns cargos
e também se envolveu em vários conflitos.
A primeira vez que foi ventilada a possibilidade de aquisição de um imóvel para a
construção de um novo templo foi em 1910. Mas só em janeiro de 1919 que o projeto passou a se
tornar uma realidade. Nesse ínterim a igreja chegou a adquirir um terreno na Praça da Estação,
hoje Praça Félix Gaspar, localizada em área nobre do centro comercial da cidade.
Pensando na aquisição de outro imóvel ou demolição do templo para realizar ali nova
construção, a Igreja decidiu na assembleia de outubro de 1919 que venderia o terreno da Praça da
Estação. José Barretto ficou com a responsabilidade de vendê-lo, mas a sua atitude após a venda
surpreendeu a todos. “Tendo vendido por 600$000 a posse que pertencia a Egreja, pagou 71$000
de vendas, entregou 29$000 ao Ir. Firmino Silveira e reservou para si 500$000 allegando
pertencer-lhe por ter offertado esta importância para a construção do novo templo”,114 que até
então não tinha sido iniciado.
A atitude de José Barretto e seu argumento não parece ter razão. Percebe-se que ele apoiou
o grupo dos Radicais, isso também fica comprovado quando ocorre a cisão, pois foi um dos
excluído por carta demissória, o que nos leva à dedução de que havia outras motivações para ter
agido daquela forma. É possível que José Barretto tenha se tornado um ponto de resistência aos
Construtivos e não concordasse com alguns acontecimentos recentes, como a saída do pastor
Félix Moraes, por exemplo.
A leitura de atas do período indica que talvez alguns membros da igreja estivessem retendo
a entrega de dízimos e ao que parece José Barretto assumiu uma atitude similar, ou seja, a de
reaver valores que tinha doado. Como estava responsável pela negociação da venda do imóvel e
tinha realizado doações para a construção do novo templo, viu naquela oportunidade a
possibilidade de recuperar suas contribuições, por não consentir com certas decisões da liderança
da Igreja.
Sua atitude causou grande espanto a todos, foi realmente um escândalo entre os membros
da igreja. Na assembleia que o caso foi notificado diversas pessoas falaram, todas consternadas
com a decisão de Barretto. Mas parece que pressentiram o risco de algo acontecer, talvez o
próprio José Barretto tivesse dado sinais de sua intenção de recuperar suas contribuições, pois na
ata é mencionado que ele deveria lembrar-se do que havia dito sua esposa, “que referindo-se um
dia ao dinheiro offertado assim se expressou: ‘Deus nos livre de nos utilisar deste dinheiro’”115[grifo presente na ata].
Mesmo tendo sido um escândalo, é possível que a decisão de reaver as ofertas que foram
entregues para a igreja, não fosse uma ideia isolada de José Barretto. A leitura minuciosa da ata
traz informações importantes. Palavras como as da irmã Eurides Figueira ao dizer “que quanto a
invalidação das offertas, considerava isto uma offença a Deus, e até um grande pecado”; assim
como a participação da irmã Rosalia Silveira a qual disse “que aquelles que quizessem retirar as
suas offertas, o fizessem dando disto conta somente a Deus!” ,116 dão sinais de que José Barretto
não estava só, outras pessoas também pensavam em ter de volta suas ofertas, ele, porém, tomou a
iniciativa.
No encontro seguinte José Barretto estava presente e quis “justificar-se perante a Igreja ou
fazer defesa da sua acusação, porém este mostrou-se bastante iracivo, terminou deixando grande
desgosto a todos os irmãos presentes”.117 Ele mesmo diria que por “dois ou treis dias depois ele
passou iracundo e teve planos e pensamentos desagradáveis com relação a atitude que havia de
tomar”,118 mas a tempo de fazer algo pior com algum irmão ou com a igreja, ele se reposicionou
e decidiu, em culto público, pedir perdão a todos e reconhecer o seu erro.
O pedido de perdão feito por José Barretto comoveu a igreja a tal modo que, curiosamente,
a igreja decidiu por “unanimidade que o dinheiro em questão na importância de 500$000 mil
reis, que está em puder do Ir. José Barretto, pudesse ficar em sua própria mão, para ir negociando
e de acordo com os lucros ter alguma renda para a Egreja”.119 Além disso, Idelfonso Moura, que
dias antes tivera alguns conflitos com José Barretto, o indicou para a função de Diácono, sendo
eleito por unanimidade. Também foi eleito aos cargos de diretor dos cultos e superintendente da
Escola Dominical, tudo isso no mesmo dia, em uma única assembleia.
É difícil compreender a atitude de Idelfonso e demais membros da Igreja, não se sabe se o
que fizeram foi por ter ficado impressionado com o pedido de perdão de José Barretto ou se a
intenção era arrefecer algum sentimento do Movimento Radical no coração dele, ou ainda uma
tentativa de levá-lo para o lado dos Construtivos.
Mas os esforços para manter a paz e harmonizar as relações entre José Barretto e Idelfonso
Moura foram interrompidos pouco depois. José Barretto se envolveu em nova contenda,
Francisco Lopes diria que “ficou horrorizado com os acontecimentos desses últimos dias”120 e a
Igreja decidiu discipliná-lo. Ao que tudo indica ele teria ido “tirar perguntas” a Idelfonso Moura
e o ofendeu verbalmente, pois quando foi reconciliado ao rol de membros da igreja informou que
“a causa da sua desavença ou desordem para com a Igreja, foram os irmãos Manoel Felipe e
Francisco Lopes, em ir em sua casa dar um apontamento minucioso das faltas cometidas pelo
irmão Idelfonso Moura”.121 Claramente José Barretto não era um homem de levar desaforos para
casa.
3.2.2 A SEMENTE ESTAVA PLANTADA: CRESCIA O PARTIDARISMO
O cenário era de intrigas, desacordos e falta de harmonia. O partidarismo crescia e as
tentativas de conter a expansão dos ideários Radicais não estavam surtindo efeito. Entre outras
iniciativas para evitar o crescimento do número de simpatizantes pela causa dos obreiros
brasileiros, a Igreja decidiu na assembleia de junho de 1920, que “quando chegar nesta cidade
um pastor Evangélico Baptista só poderá conceder-lhe o púlpito de accordo com o Director e a
Comissão”,122 eleitos especialmente para avaliar se o pastor poderia pregar sermões na igreja,
mesmo sendo da Denominação.
Nesse período a igreja estava sem pastor e continuou assim por alguns meses, mas
prevendo o risco de pessoas ligadas ao Movimento terem acesso ao púlpito, foi que, numa visita
a igreja, o pastor Coriolano Costa Duclerc da PIBB em Salvador, [um importante conciliador
entre os pastores brasileiros e missionários norte-americanos quando as bases de cooperação
foram implantadas em 1926] “fez ver em breves palavras a grande necessidade de tratar-se logo
da eleição de um Pastor”.123 Desta forma, foi eleito para a função o evangelista Benedicto Odilon
Propheta, sendo consagrado ao ministério logo em seguida.
O pastor Odilon Propheta parece ter conseguido apaziguar as questões existentes por
algum tempo, pois as atas dos meses seguintes foram de aparente calmaria. As sessões não
demonstram conflitos e os relatos, bem resumidos, trataram apenas de aprovações de relatórios
financeiros e movimentação de membros. Mas em fevereiro de 1922, o pastor Odilon Propheta
se envolveu em algumas questões que o fez pedir exoneração do cargo.
Imediatamente após a saída do pastor Odilon Propheta, vieram à igreja o missionário M. G.
White e o pastor Corialano C. Durclec. A visita teve como objetivo orientar a igreja na
manutenção da momentânea harmonia que o pastor Odilon Propheta havia conquistado entre os
grupos. Curiosamente, após a visita a igreja ficou um período de meses sem registros em atas ou
com registros prejudicados, pois consta apenas cabeçalhos de abertura e encerramentos das
sessões sem informar os assuntos que foram tratados. Só em março de 1923 as atas voltariam a
ser redigidas com informações mais amplas.
O movimento já não se limitava ao estado de Pernambuco e embora a Convenção Batista
Interestadual da Bahia, tenha realizado reunião com os líderes batistas “em abril de 1923 e
deliberou aconselhar a tôdas as igrejas do campo a mais perfeita neutralidade na confusão
pernambucana”,124 a essa altura o partidarismo tinha tomado proporções que era impossível
haver uma neutralidade como a Convenção da Bahia havia orientado.
Naquele mesmo mês o missionário M. G. White, através de carta enviada à PIBSAJ,
apresenta várias recomendações e orienta para que a igreja tivesse uma postura neutra quanto ao
movimento. Ele diz que “infelizmente existe em Pernambuco um grande mal-intendimento entre
os pastores brasileiros e os missionários (...) alguma propaganda deste mal-intendimento tem
vindo a este campo e tem extremecido alguns irmãos e algumas egrejas”.125
Nesse período a PIBSAJ estava sendo auxiliada por João Izidro e ainda que não tenhamos
encontrado nada sobre ele e informações que confirme sua participação no movimento, é
possível que também fosse simpatizante das ideias dos Radicais, isso porque, após o recebimento
da carta da Convenção Interestadual da Bahia, decidiram convidar o missionário M. G. White
para assumir o pastorado interinamente e na mesma assembleia escreveram uma carta “ao Ir.
João Izidro dizendo-lhe não aceitar por hora as suas visitas Pastorais, visto a Egreja contar com o
offerecimento espontâneo dos serviços do Dr. M. G. White”.126
Mesmo com os vários indícios que nos levam supor que desde o ano de 1919 a Igreja em
Santo Antônio de Jesus já tinha simpatizantes Radicais, ao que tudo indica foi a presença do
missionário M. G. White como pastor da Igreja no período de 1923/1924, um dos fatores
principais para o envolvimento tão agudo de alguns membros da Igreja no Movimento. Isso
porque, pelo que se sabe ele foi um grande opositor aos simpatizantes das causas dos pastores
brasileiros, e isso pode ter aflorado sentimentos nacionalistas, tendo em vista que os fiéis tiveram
que decidir entre apoiar os missionários fundadores da Denominação ou seus compatriotas.
Alguns optaram pelo sentimento pátrio e, por conseguinte, pela emancipação dos batistas
brasileiros.
Assim que M. G. White assumiu o ministério pastoral da igreja os membros simpatizantes
dos Radicais reagiram. Na primeira assembleia após a eleição do pastor, em maio de 1923,
Francisco Silveira, fez uma proposta para envio da quantia de 10$000 mil réis para apoiar os
trabalhos de evangelização realizados pelo missionário M. G. White, a qual teve o apoio de
Macário Figueira, que em seguida também fez uma proposta de envio “da quantia de 15$000 mil
réis, para auxiliar nossos irmãos pastores Brasileiros em Recife, Pernambuco”.127
A atitude de Macário nesta e em outras ocasiões, pode ter sido um ato deconfrontação aos
Construtivos. Nossa análise com referência a algumas propostas apresentadas em assembleias no
período de 1919 a 1924 nos leva a acreditar na hipótese de que nem sempre a finalidade era ter a
aprovação da proposta, mas de alguma maneira desestabilizar pessoas ligadas a um ou outro
grupo.
Quando Macário Figueira fez a proposta de apoio financeiro aos pastores brasileiros em
Recife, talvez não esperasse apoio da assembleia e nem acreditasse que fosse aceita. É possível
que sua intenção fosse mensurar mais uma vez, o índice de apoio que tinham os brasileiros e os
missionários norte-americanos, ou simplesmente tumultuar a assembleia, apenas por ser
simpatizante do Movimento que tinha iniciado em Pernambuco.
Como em outras ocasiões, “Idelfonso Moura protestou contra esta deliberação da Egreja
em favor dos pastores brasileiros”.128 Os protestos contra a proposta de Macário de nada
adiantaram, mesmo não constando nesta ata informações sobre a votação da proposta, sabemos
que Macário obteve êxito, pois isso fica evidenciado alguns meses depois, quando há uma
proposta para a interrupção do envio mensal da referida doação em auxílio aos obreiros
brasileiros de Pernambuco.
As ideias “radicais” dos pastores brasileiros já tinham “contaminado” um número
suficiente para o surgimento de pensamentos separatistas. Não havia mais consenso e nem
harmonia no grupo, a tal ponto do pastor missionário M. G. White “sugerir que a Egreja se
definisse aceitando ou não a sua orientação para continuação do trabalho no Campo”,129 e
orientou o envio de representantes da igreja para a convenção estatual que seria realizada em
Caldeirão.
Macário Figueira retrucou contra o pastor M. G. White, o acusou de não ser imparcial nas
suas orientações e recomendou que a igreja não participasse da Convenção, pois era “contra a
Egreja tomar parcialidade acompanhando qualquer grupo de contendores, quer seja dos
missionários americanos, quer seja dos Pastores brasileiros”.130 Macário teve sucesso em
algumas de suas propostas, mas desta vez, inclusive pela presença inibidora do missionário
White moderando a assembleia, a proposta dele foi vencida.
Conquanto o discurso de Macário Figueira se assemelhe à ideia de alguém que buscava
decisões justas e imparciais, sem apoiar um ou outro grupo, contribuindo financeiramente para
ambos, é imperioso dizer que no período ele era o secretário da igreja em exercício e, portanto,
era quem redigia as atas da igreja, o que deve ter influenciado sua redação, além de não deixar
transparente seu partidarismo, porém, outros documentos não deixam dúvida de que ele apoiava
os ideais dos Radicais.
A igreja aprovou as orientações do missionário M. G. White, de modo que se aproveitou da
oportunidade para “sugerir que a Egreja suspendesse os 15$000 mensaes que mandava à missão
brasileira em Pernambuco”.131 Macário Figueira tentou uma última manobra para impedir a
suspensão do envio de recursos, alegando que o quórum era insuficiente para aquela decisão,
mas não conseguiu. Votada a proposta, a maioria dos presentes resolveu pela suspensão do envio
da ajuda mensal a partir daquela data.
Irritado com a assembleia, Macário Figueira disse que “em virtude da attitude francamente
parcial da Egreja a fim dos missionários americanos, contra os pastores brasileiros da mesma fé e
ordem, declarou que deixava de acompanhal-a, considerando-se desde aquelle momento
exonerado”132 dos cargos que ocupava.
É possível que posteriormente ele tenha recebido alguma orientação ou ajuda para
fortalecimento do movimento em Santo Antônio de Jesus por um dos líderes que atuava em
Pernambuco, pois o missionário M. G. White alerta para este risco através de carta enviada para
a igreja em novembro de 1923, onde informa a liderança que “corre por aqui a notícia de que Dr.
Adrião Bernardo pretende passar os dois meses de novembro e dezembro neste campo fazendo
propaganda do seu movimento separatista”.133
Ainda no mês de novembro a igreja recebeu uma longa e abrasada carta assinada pelos
pastores José Félix e José Oliveira, fazendo coro em defesas dos pastores brasileiros. Em tom
propagandista e de acusação, afirmam que “todos os homens estão sujeitos a vaidades e a queda,
sejam crentes ignorantes, sábios pastores ou missionários, todos são humanos e cheios de
fraquesas”.134 Pode não ter sido intencional, mas, ao ler a carta, é quase impossível não perceber
os adjetivos atribuídos aos personagens: crentes ignorantes; sábios pastores; e missionários, sem
adjetivos. De certo modo, o texto pode representar a percepção de quem o escreveu, ou seja, que
só “crentes ignorantes” não podiam perceber que os “sábios pastores” brasileiros lutavam por
uma causa justa contra os missionários norte-americanos.
Dentre todas as fontes que tivemos contato, nenhuma parece ser tão nacionalista,
emancipadora e anti-missionária, como esta carta. Nela encontramos palavras de ordem e
acusações fincadas num forte nacionalismo. Em um dos trechos, seus autores dizem ver “nas
lutas dos missionários contra as Egrejas e pastores, uma mania de domínio, elles dizem que o
povo brasileiro é incompetente, ignorante desonido e nunca as Egrejas poderão libertarem-se
da missão” (grifo nosso).
Na mensagem propagandista com o fim de conquistar novos adeptos ao Movimento, os
autores da carta chegam a semear ódio e discórdia, sugerindo que os missionários norte-
americanos tratavam os pastores brasileiros como “ladrões, ignorantes, imoraes e muitas outras
misérias que contra homens cujas vidas são inteiramente consagradas a causa sacrossanta do
nosso Mestre”. Referem-se aos missionários como “perturbadores” e diz que eles têm como
objetivo tirar “a influência dos obreiros brasileiros” para ter o domínio sobre as igrejas.
Acrescentaram ainda que os pastores brasileiros apenas lutavam por seus direitos:
“queremos tirar do jugo de incrédulos, como é Freyre em Recife, as nossas instituições”. E
concluiu com duras críticas e acusações ao missionário M. G. White, conclamando os brasileiros
a unirem-se para mostrar aos missionários “que temos brio, nacional, social e Chistãos e que não
somos incompetentes e desordenados como elles julgam”.135
3.2.3 O CISMA E SEUS RESQUÍCIOS PERMANENTES
Foi um plano malsucedido dos Construtivos que permitiu aos Radicais reverterem em seu
favor as propostas na assembleia de 23 de março de 1924, que culminaria com a cisão da igreja.
O missionário M. G. White teve o cuidado de elaborar, com riquezas de detalhes, o plano para
pôr fim ao Movimento Radical em Santo Antônio de Jesus. Contudo, os líderes Construtivos não
conseguiram executar a principal etapa, que era a realização de uma assembleia extraordinária
surpresa.
O missionário M. G. White tinha percebido que em Santo Antônio de Jesus a situação
estava insustentável, precisava fazer algo para conter os Radicais o quanto antes. Era necessário
decidir se perderia algumas ovelhas, ou todo o rebanho. O número de simpatizantes pela causa
dos pastores brasileiros estava crescendo, por isso o missionário White escreveu uma carta com
as orientações gerais para erradicar o movimento da igreja, porém a carta foi enviada no dia 20
de fevereiro 1924 e seu destinatário precisava organizar todas as etapas até o dia 24, ou seja, da
emissão da carta até a sessão eram apenas 4 dias e não houve tempo hábil.
A carta orientava os Construtivos se cercarem de todos os meios para evitar desacertos. A
primeira iniciativa foi pedir ao “irmão Diácono Tenente Aurelino Alves” para fazer-se presente
na data da sessão surpresa. Inicialmente se pensou em outra data, mas considerou imprescindível
a presença deste irmão, por isso a sessão foi antecipada, já que na data escolhida ele não poderia
“sahir da cidade por causa do reconhecimento do Governador naquelle dia”.
As palavras do missionário M. G. White, nos faz suspeitar que a participação do Tenente
Aurelino foi solicitada porque temiam alguma reação violenta ou mais exasperada dos Radicais
que seriam eliminados da igreja naquela sessão, isso porque o missionáriogarante que “elle deve
ser muito útil ali em ajudar os irmãos”, “o irmão Aurelino tem a coragem e a força de vontade
suficiente para qualquer circumstancia”. 136
Baseado em experiências vivenciadas tanto na capital quanto em algumas cidades do
interior e cidades de outros estados, o missionário concluiu que a única forma de acabar com o
movimento seria desligar por carta demissória aqueles que estavam unidos aos ideais radicais. O
propósito era retirar o poder dos Radicais nas assembleias, pois, ainda que eles pudessem
permanecer algum tempo na igreja, sem voz nas sessões suas ideias não seriam apreciadas e o
movimento perderia força. Provavelmente sairiam da igreja para organização de outra
comunidade, como vinha acontecendo em toda região do Nordeste. Mas como havia uma
preocupação sobre quem ficaria com o templo, o missionário tratou de tranquilizá-los dizendo
que o templo poderia ficar de posse da maioria, e por isso precisavam “de uma grande sessão”.
Até então a movimentação de membros acontecia por exclusões motivadas por pecados ou
abandono das atividades, e por carta demissória para transferir-se para outra Igreja Batista. O que
estava sendo proposto pelo missionário não era algo comum, daí ele ter esclarecido aos
Construtivos: “nesta sessão precisamos dar cartas demissórias a todos os radicaes... A igreja pode
conceder estas cartas sem as pessoas pedirem e sem receber pedido de outra egreja (...) e declarar
na mesma proposta na acta que ‘desta data em diante estes irmãos não tem connexão alguma
com esta egreja’”.137
O missionário M. G. White também se preocupou com o risco de vazamento das
informações. O movimento poderia ganhar força e conquistar novos adeptos, haja vista que a
trama do missionário e pastor da igreja, não deixava de ser uma traição aos membros
simpatizantes dos Radicais. Sabendo disso, ele chegou a perguntar na carta: “Agora a questão é
esta. O irmão pode arranjar uma sessão da Egreja para Domingo 24 de Fevereiro com a maioria
ou não?”
A preocupação de M. G. White era coerente, ele sabia que quatro dias para disseminar as
informações entre os Construtivos e conseguir reuni-los em uma sessão extraordinária era pouco
tempo e caso o plano falhasse, provavelmente os Radicais teriam acesso ao teor da carta, o que
poderia ser desastroso. Ele mesmo preveniu: “não convem deixar os radicaes saberem o que vão
fazer a respeito delles”. E em suas palavras finais enfatiza a necessidade de serem ágeis, sob
argumento de que era salutar para a sobrevivência da igreja que a ação contra os Radicais fosse
executada. A carta foi concluída com a seguinte recomendação: “faça o que for possível irmão,
para ter a sessão Domingo e livrar a egreja daqueles perturbadores da egreja”.138 Tudo deveria ser
muito rápido, discreto e sem erros. Para o missionário, os “perturbadores” não podiam causar
mais danos à Missão Batista.
A carta foi endereçada a Eumerino Moura, secretário da igreja, e mesmo que o plano tenha
falhado, [possivelmente pelo pequeno lapso de tempo entre o recebimento da carta e a data para a
sessão], seu esforço em atender as orientações do missionário fica bem clarificado. Há
correspondências de membros que estavam em viagens ou residindo em outras cidades,
confirmando o recebimento do comunicado do secretário e informando que mesmo na ausência
autorizavam por carta, algumas inclusive com reconhecimento de firmas em cartório, que seus
votos fossem computados em favor dos missionários.
Virgínio Motta disse que “attentando para a Escriptura Sagrada minha única regra de fé, os
princípios americanos em que fomos instruídos, tenho que concordar com esses irmãos e
permanecer ao lado da Egreja”.139 Natalina Medeiros informou estar ciente da sessão que trataria
“da divisão do trabalho do Senhor entre nós (...) e deliberei vir por meio da presente diser-vos
que estou de pleno accordo e prompta pª cooperar no trabalho do Mestre juntamente com nossos
irmãos Americanos”.140 Outra irmã escreveria dizendo ter ficado “siente do que tem se dado na
nossa Igreja devido os radicaes; por este motivo confesso-me que estou ao lado dos
Americanos”.141 E mais um membro, por nome Bernadino da Paixão, pedindo para que sua carta
tivesse poder de voto, declara “na qualidade de membro em plena comunhão com essa Egreja
que estou de inteiro accordo com nosso trabalho construtivo como cooperador dos nossos irmãos
Americanos”.142
Algumas cartas não chegaram a tempo, outras foram emitidas após a cisão da igreja
ocorrida em março. Elas serviram apenas como manifestação de apoio, seus votos não foram
contados. Entretanto, demonstram o empenho do secretário Eumerino Moura na tentativa de
conseguir o maior número de presentes possível para a sessão que deveria eliminar os partidários
Radicais. Eumerino deve ter usado de todos os expedientes possíveis para convencer os membros
a comparecerem à assembleia, chegando a exigir a presença dos que estavam ausentes da cidade,
conforme demonstra a carta de Virgínio Motta que registrou: “não posso comparecer-me ahi
como exige”.143
Não obstante aos esforços dos líderes Construtivos, não foi possível a realização da sessão
na data prevista e o inevitável deve ter acontecido: Macário Figueira, que tinha saído da
assembleia de 25 de novembro vencido não tinha desistido, e como um bom articulador, parece
ter conseguido inflamar outros membros da igreja com as notícias que chegavam de Pernambuco
e de outros estados.
É possível também que tenha realizado visitas particulares, acompanhado de Adrião
Bernardo, que segundo informações, pode ter divulgado o movimento na região nos meses de
novembro e dezembro de 1923. Além disso, provavelmente, Macário Figueira teve acesso às
informações sobre o plano dos Construtivos e usou isso em seu favor, atraindo pessoas para seu
lado e fazendo com que seus opositores experimentassem do “próprio veneno”, pois na
assembleia de 23 de março de 1924, aproveitando-se da ausência de muitos membros e
percebendo que os Radicais estavam em número maior, surpreendeu os Construtivos com
propostas que favoreciam diretamente ao Movimento do Norte.
Macário teve o apoio de José Barretto em sua proposta que pedia “para ser revogada a
decisão desta Egreja na sessão de novembro pp. na parte que suspendia a remessa de 15$000
mensaes para o Colégio Radical em Pernambuco (...) e que o púlpito desta Egreja seja
franqueado a todos os pastores, missionários, leigos que aqui chegarem...”144
Houve diversas manifestações contrárias e Idelfonso Moura alegou que aquela atitude era
prejudicial a igreja, porque muitos eram contrários à causa dos Radicais. Entre outros
argumentos, Idelfonso disse que a proposta feria a consciência dos irmãos e até apelou aos
simpatizantes do Movimento Radical para que, ao menos, respeitassem a memória do
missionário pioneiro e por isso esperava que a “Egreja se conservasse fiel ao trabalho regular
iniciado há 26 anos nesta Egreja pelo saudoso irmão Missionário Zacharias Taylor”.145
Todo esforço de Idelfonso Moura para impedir aquela proposta foi em vão, ela foi
submetida à votação e Macário com seus correligionários venceram por um voto de diferença,
sendo 16 favoráveis e 15 contrários.
Ao propor que o púlpito da igreja fosse franqueado a todos [pastores, missionários e
leigos], o discurso de Macário Figueira não se assemelha com o dos Radicais pernambucanos,
que desejavam a independência dos brasileiros, mas não parece que a verdadeira intenção de
Macário era a de equidade, tudo indica que sua pretensão era a de conquistar o direito de
concessão do púlpito a brasileiros e pessoas ligadas ao Movimento, pois naquele momento só os
Construtivos estavam autorizados a pregar na igreja, especialmente os missionários norte-
americanos.
A sequência da sessão mostra o retrato da igreja após aquela decisão. O missionário M. G.
White, dizendo sentir-se desprestigiado em seu ministério pastoral, pediu sua exoneração do
cargo; membros antigos e fundadores da igreja como Francisco Diniz e Porphirio Figueiras
pediram desligamento da igreja; váriosoutros falaram e declararam que a igreja se encontrava
dividida e o ambiente não permitia a continuação da reunião, por isso houve uma proposta para
suspender a sessão. A iminente divisão e surgimento de outra Igreja Batista na cidade aconteceria
naquele mesmo dia em sessão extraordinária realizada fora do templo.
Como vimos acima, a sessão contou apenas com 31 membros votantes e após ter sido
suspensa, os Construtivos saíram do templo, envidaram esforços e conseguiram em poucas horas
o que tentaram anteriormente em quatro dias, sem êxito. Talvez tenham conseguido porque já
vinham há algum tempo planejando aquela reunião. Fato é que horas depois, em nova assembleia
extraordinária, desta vez fora do templo, “na residência do Irmão Secretário Eumerino Moura,
achando-se presente a Egreja Evangelica Batista na sua maioria foi aberta a sessão”146 que daria
prosseguimento ao plano elaborado pelo missionário.
Seguindo as orientações estabelecidas anteriormente por carta do missionário, Porphirio
fez a proposta para que fosse “concedido cartas demissórias aos seguintes irmãos: Macário José
Figueira, José Barretto, (...), visto a divergência trazida pelo movimento radicalista, sendo que
desta data em diante estes irmãos não têm mais direitos nesta Egreja e nem esta Egreja tem mais
responsabilidades para com elles”.147
Além de Macário e José Barretto, foram excluídas mais quatorze pessoas, ou seja,
exatamente os dezesseis membros que votaram nas propostas dos Radicais, apresentadas por
Macário na sessão suspensa horas antes. Por outro lado, assinaram a ata da sessão em favor dos
Construtivos e pela manutenção da igreja sob orientações dos missionários trinta e cinco pessoas,
e para garantir a legalidade e autenticidade, todas as firmas foram reconhecidas em cartório na
cidade de Jaguaquara no dia 19 de abril de 1924.
Apesar de os Construtivos terem sido maioria, o que em teoria lhes dava o direito de
requerer o templo da igreja, curiosamente não foi o que aconteceu. Os dezesseis dissidentes
Radicais conseguiram ficar com a posse do templo e provavelmente com recursos financeiros
que estavam em poder de José Barretto, oriundos de economias feitas para uma construção.
A perda do templo não fazia parte dos planos dos Construtivos, pois na sessão que excluiu
os Radicais do rol de membros, Eumerino Moura disse que precisavam providenciar um
ambiente para a realização dos cultos, tendo em vista “ter se deixado nosso templo em poder dos
irmãos Radicaes, provisoriamente”, ou seja, havia a intenção de recuperar o templo. A realização
daquela sessão fora do ambiente usual, o templo da igreja, ou foi para evitar confrontos ou para
que tivessem o êxito esperado, que era a eliminação de membros por cartas demissórias.
A expectativa de recuperar o templo da Rua Edificadora não foi concretizada, mesmo
sendo minoria os dissidentes Radicais permaneceram ali, e a igreja surgida no ano de 1924, hoje
com o nome de Igreja Batista Betânia permanece no mesmo local, onde inicialmente funcionava
a Primeira Igreja Batista. Considerando que os Construtivos eram em número superior ao dobro
dos Radicais, a desistência de requererem o principal patrimônio que a igreja possuía é algo
intrigante. Porém há indícios suficientes para que possamos levantar algumas hipóteses.
A primeira hipótese teria sido a tentativa de diminuir os danos causados à expansão dos
Batistas na região, pois os comentários sobre as brigas existentes entre os crentes brasileiros e
norte-americanos deixaram de ser intramuros e era de conhecimento da sociedade em geral.
Quando eliminaram os Radicais por cartas demissórias, decidiram que não deveriam forçar a
imediata saída deles do templo “a fim de livrar de escândalo o Evangelho nesta cidade”.148
A carta de 25 de julho de 1924 enviada por Laudelina Motta, que em companhia de sua
família era responsável por um templo que a PIBSAJ possuía na cidade de São Miguel das
Matas, reforça a ideia de que não queriam novos escândalos. Ela fala sobre o receio que alguns
tinham de o templo ser tomado pelos “irmãos radicaes”. Informa que se desejassem, poderia
enviar as chaves para a igreja em Santo Antônio de Jesus e acrescenta: “É verdade que o Pastor
Neves pregou duas vezes aqui (...) O povo aqui sabe quase toda dissensão entre nós, se negarmos
o púlpito, elles ainda mais escandalizados ficarão”.149
O relato da Sra. Laudelina revela que o conflito existente entre os batistas havia
transbordado para o resto da sociedade e era impossível negar a divisão da igreja. A tentativa no
momento era a de minimizar os prejuízos de imagem causados pelas intrigas. Como as
divergências não eram doutrinárias e não haveria mudanças em seus ensinos e regras de fé, por
certo não interessava nem aos Construtivos nem aos Radicais um afastamento da sociedade em
relação aos grupos, o que de certa forma justificaria a desistência de brigar pelo templo.
Passados mais de uma década o cisma ainda causava estranheza à população. Em uma
carta escrita pela Igreja dos Radicais e enviada para Primeira Igreja Batista em 02 de outubro de
1938, escreveram que “o povo descrente desta cidade, tem as nossas igrejas separadas, como um
ponto fraco, em nossa vida e doutrina, tendo como prova disto, as murmurações que fazem
quando lhes anunciamos o Evangelho”.150
A segunda hipótese é de que a existência de outros patrimônios pertencentes à igreja pode
ter levado à renúncia do templo. Ainda que o templo da Rua Edificadora fosse o principal bem e
provavelmente o de maior valor, a Igreja possuía outros imóveis: um templo em São Miguel das
Matas, como foi mencionado, um templo e terreno em Vargem Grande e possivelmente um
imóvel na Rua Santo Antônio, onde hoje está edificado o templo da Primeira Igreja Batista, haja
vista que desde o ano de 1910 já existia uma congregação em funcionamento naquela rua,
apontada em ata da sessão de 01 de janeiro de 1911.151 É possível que para evitar um litígio,
tenham desistido do templo da Rua Edificadora, pois ficaram com os demais imóveis.
Embora os Construtivos, depois de algum tempo, tenham desistido de retomar o
patrimônio que ficou com os Radicais, eles se cercaram de meios legais para assegurar a quem
pertencia as propriedades. Em uma sessão realizada em 24 de abril de 1924 decidiram que
deveriam registrar “seu templo à Rua Edificadora e seus prédios em Vargem Grande e São
Miguel da Comarca de Amargosa”.152
Como Francisco Diniz foi o doador do imóvel da Rua Edificadora e continuou com sua
igreja de origem é possível que tenha apresentado algum documento para realização do registro
no Cartório em 30 de abril de 1924. Com o registro, para efeitos legais o templo da Rua
Edificadora continuou pertencendo a Primeira Igreja Batista. Pesquisamos no Cartório de
Registro de Imóveis de Santo Antônio de Jesus para ver o assentamento, seu teor e documentos
anexos, porém não foi localizado,153 mas é certo que o apontamento foi feito pois consta no
Arquivo Particular da PIBSAJ, documento original, com selos de autenticidade da época e
assinaturas do oficial do cartório, que comprovam a realização do registro do templo em nome da
Igreja.
A terceira hipótese que levantamos está associada ao personagem José Barretto, de quem já
falamos um pouco, mas que vale a pena acrescentar outras informações aqui, que servirão para
apoiar nosso argumento.
Como vimos nas narrativas do missionário T. B. Ray, José Barretto era um homem forte e
de porte físico avantajado, antes de se converter alcançou fama de arruaceiro e chegou a fazer
alguns trabalhos questionáveis em favor de políticos locais. Também foi um severo opositor dos
protestantes, ameaçava agir com violência se algum deles se aventurasse apresentar-lhe suas
doutrinas e T. B. Ray lembrava das muitas cicatrizes em seu rosto, fruto de encontros violentos.
A visita de um cunhado protestante teria oportunizado a mudança de vida daquele homem
e ao partir da cidade, seu cunhado procurou um membro da igreja para continuar o processo de
evangelização. O missionário T. B. Ray nos revela quequem ficou com essa missão foi “o chefe
da polícia da cidade, que era cristão e o presidente da União de Jovens Batista”.154 O mesmo teria
declarado ao missionário Ray: “tive medo de ir, porque José se opôs tão violentamente ao
evangelho”.155 Imagine que a fama de José Barretto era tão grande que até o chefe de polícia da
cidade se acovardou em ir à sua casa para apresentar-lhe o Evangelho. Membros da família de
Barretto teriam admitido que se sentiram impulsionados a se converterem ao “perceber que há
algo no cristianismo que pode produzir uma mudança tão notável na vida de um homem tão
violento”.156 Durante os dias que o missionário esteve em Santo Antônio de Jesus e conviveu
com Barretto, pôde ver como ainda era patente sua fama. Em uma de suas caminhadas pela
cidade ao lado de José Barretto, um amigo do passado os encontraram e fez ofensas a sua nova
fé, pelo que ele disse que aquele homem deveria se envergonhar do que estava dizendo pois o
conhecia bem e sabia o como ele era no passado e a vida que agora levava, portanto, uma
religião como a que tinha abraçado não merecia ser exposta ao ridículo. Seu amigo se retirou e T.
B. Ray observou que “reuniram-se ao seu redor uma série de pessoas, porque sabiam o quão
grave era para alguém se opor a ele, e eles esperavam ver algo violento acontecer naquele
dia”157 [grifo nosso].
A narrativa de T. B. Ray demonstra que apesar de passados alguns anos desde a sua
conversão, a população ainda não estava convicta que alguém com o temperamento e caráter de
José Barretto poderia ter mudado tão radicalmente. No mesmo episódio, uma pessoa entre as que
observavam a discussão, teria lançado uma pergunta para Barretto: “suponha que alguém ferisse
a sua face em perseguição, o que você faria”?158
O missionário T. B. Ray viu na resposta de Barretto uma prova cabal de alguém
“convertido ao Espírito de Jesus”. Vemos diferente, a resposta de Barretto parece mostrar muito
de seu caráter, ele respondeu: “Não tenho medo de que isso aconteça, porque me proponho a
viver nesta comunidade com uma vida para ajudar os meus irmãos de maneira que ninguém
jamais deseje me bater na cara”159 [grifo nosso]. O que parece ter dito é que ele se esforçaria
para viver dignamente a fim de que não fosse necessário alguém enfrentá-lo para descobrir sua
reação.
Passados mais de 10 anos, no início da década de 1920, como já vimos, José Barretto
aparece em cena, envolvido em algumas situações conflituosas. Assume uma postura em favor
dos Radicais, vende uma propriedade da igreja e se apossa do dinheiro. Em seguida dirige à
igreja um pedido de perdão onde reconhece que estava vivendo uma “lucta terrível, entre
satanaz, o mundo, e a carne, concorrendo para o fracasso da sua vida espiritual”.160 Declarou
ainda que durante alguns dias ele esteve “iracundo e teve planos e pensamentos desagradáveis
com relação a attitude que havia de tomar”,161 ou seja, Barretto demonstrava que mesmo passado
tanto tempo desde que havia se unido aos Batistas, ainda era capaz de nutrir rancor e ter
pensamentos, possivelmente, de atos violentos contra a Igreja.
Diante da imagem construída a respeito de José Barretto; de sua fama de violento; dos
traços de caráter que trazia do passado e eram manifestos no presente; e por ter ficado ao lado
dos Radicais e de posse do templo da igreja, pode-se levantar como uma hipótese provável para
desistência de retomar o templo, a presença “ameaçadora” de Barretto, bem como a decisão de
evitar um possível confronto, quem sabe violento, entre os dois grupos.
Outra hipótese para a desistência do templo é que a presença do missionário M. G. White
atuando como pastor da igreja pode ter influenciado na decisão dos Construtivos. Primeiro
porque ele tinha garantido que a maioria ficaria de posse do templo, o que não aconteceu. Os
Construtivos sabiam que eram maioria e talvez não avaliaram outras variáveis, como uma
possível resistência de membros mais exaltados, a exemplo de José Barretto, e a negação dos
excluídos de iniciar suas reuniões em outro local. Sem falar que ao tudo indica as chaves do
templo estavam de posse de pessoas ligadas aos Radicais e não se cercaram do cuidado de tomá-
las antes da realização da sessão que culminou com a cisão.
Segundo, o missionário M. G. White apelou para que a Igreja desistisse do templo e
ficassem com os outros imóveis, mesmo depois do templo ter sido registrado em cartório como
propriedade da Igreja. Na assembleia de 17 de agosto de 1924 o pastor M.G. White pediu para
“que a 1ª Egreja aprovasse o accordo feito do Irmão Francisco Pereira com a Egreja Baptista de
Santo Antônio de Jesus que fazem parte os Irmãos Radicaes”.162 É provável que o missionário
tenha agido assim para evitar um litígio entre as igrejas, pois a atitude de registrar o templo
indica a intenção de requerê-lo judicialmente através de reintegração de posse, o que seria um
escândalo na comunidade.
Terceiro, e talvez o que mais tenha influenciado, o missionário M. G. White fez a
promessa de um empréstimo através da Junta de Missões Predial para aquisição de um novo
templo, que era o grande sonho da Igreja desde 1919. Talvez tenham visto naquele compromisso
a oportunidade de concretização de um antigo projeto. Entretanto, o missionário não pode
cumprir com sua promessa.
A expectativa criada pelo missionário pode ter mudado os planos de retornarem ao templo
da Rua Edificadora, tratava-se de uma possibilidade que atendia todos os interesses: a Igreja dos
Radicais teria seu templo, a PIBSAJ conquistaria o objetivo de construir um templo moderno e a
Denominação evitaria o tão indesejado escândalo promovido pelas brigas internas entre os
batistas.
As articulações do missionário M. G. White caminhavam para agradar a todos os
envolvidos. Na sessão de 29 de março de 1925 o início da construção parecia certo, “o irmão
Eumerino Moura disse que não havia contratado a obra da construção com seus pedreiros
Celestino e Luis por haver inconveniência nos seus preços, e que vindo de Nazareth em compª
do Dr. Tumblim, o irmão Silvério Barbosa, empreitou a obra por 4.000$000 entregando pela
chave”.163 
Uma planta do templo chegou a ser projetada pelo senhor Silvério Barbosa que recebeu a
autorização para apresentar o orçamento das despesas totais com a construção do templo. Mas
em 17 de maio do mesmo ano, o então pastor da Igreja, missionário da Junta de Richmond, João
A. Tumblim, trouxe da capital a notícia inesperada: “o Irmão Pastor cientificou a Igreja que não
poude contrahir o empréstimo dos 3.000$000 com a Junta de Missões Predial para a construção
do Templo da igreja pelo motivo de a mesma não se achar em condições de poder pagar o
referido empréstimo”.164
A negativa do empréstimo para a Igreja causou grande descontentamento, a tal ponto de a
igreja decidir cortar relações com o missionário M. G. White e deixar de cooperar com a
Convenção Batista Baiana por alguns meses. O missionário J. A. Tumblim, sentiu-se obrigado a
deixar o ministério e “a Igreja reconhecendo que seu pedido de exoneração era mais uma
ingratidão dos Irmãos Americanos, resolveu conceder a sua exoneração”.165
Presumimos que a desistência de lutar pela retomada do templo tenha um pouco de cada
hipótese, mas independentemente de quais tenham sido as razões finais, a disputa pelo templo da
Rua Edificadora não demorou. Como tinham aceitado a proposta de divisão dos imóveis, mesmo
com a negativa do empréstimo para construção do novo templo, mantiveram a palavra.
3.2.3.1 PATRIMÔNIO IMATERIAL: A QUEM PERTENCE?
O conflito em torno do templo e do valor de aproximadamente 600 mil réis em espécie que
ficou em poder de José Barretto, foi resolvido rapidamente com a proposta de partilha e a
intervenção do missionário para que aceitassem. Contudo, não foi a disputa pelo templo que
gerou as maiores e mais duradoras intrigas entres as duas igrejas. O patrimônio imaterial, ou seja,
o título de Primeira Igreja e a História dos Batistas na cidade, foi o que mais tempo provocou
dissensões.
Desde o evento, quase um século já sepassou e a disputa pelo reconhecimento de
patrimônios imateriais, como o título de primeira igreja e a data de sua organização, ainda parece
estar viva e presente na igreja originada a partir da divisão promovida pela Questão Radical. Na
atualidade essa disputa pela história da igreja ainda pode ser vista em materiais produzidos pela
Igreja Batista Betânia; no discurso de líderes; e na reprodução de um conhecimento historicizado
pelos membros da igreja, sem, contudo, indicação de fontes para fundamentação histórica que
sustente as pretensões.
Em contato com membros da Igreja Batista Betânia, nome adotado em 1972, se
questionados sobre sua história, geralmente informam que ela teve sua origem em 01 de janeiro
de 1898 e foi a primeira igreja evangélica organizada na cidade, embora não possua o nome de
Primeira Igreja. Entretanto, não sabem explicar pormenores da história e nem qual a base
documental e fontes que fundamentam estas declarações. Ao que parece reproduzem um
conhecimento gerado pelo senso comum e difundidos por antigos líderes.
A foto a baixo, disponível em um site de rede social da Igreja,166 faz parte do processo de
propaganda da história como é contada pelos membros. Na foto convidam a comunidade para
participação em culto especial pelos 119 anos de organização.
FOTO 9: DIVULGAÇÃO CULTO ESPECIAL
Em janeiro de 2017 a Igreja Batista Betânia também disponibilizou um vídeo no Facebook
e WhatsApp, em que o Pr. Ely Lourenço, pastor titular da Igreja, afirma que “fundada em 01 de
janeiro de 1898, a Igreja Batista Betânia iniciou a sua história reunindo-se numa casa residencial
cedida por um membro da família Diniz (...) Contou para isso com o apoio da Primeira Igreja
Batista do Brasil, em Salvador”.167
Seu estatuto em vigor também traz a informação de que a igreja foi organização em 01
janeiro de 1898, o que pode ser considerado anacrônico se comparado com os documentos
existentes nos arquivos da igreja e com sua própria origem, a partir de fontes que consultamos.
Cartazes, vídeos, estatuto e discurso da Igreja Batista Betânia, revelam que ainda há resquícios
do Movimento Radical em Santo Antônio de Jesus.
Qual a verdadeira data de organização desta igreja? Porque há essa confusão nos dados
históricos da Igreja dos Radicais? Por que ela não pode ser considerada a Primeira Igreja Batista
em Santo Antônio de Jesus? E quais documentos servem para sustentar respostas para estas
perguntas?
As respostas às duas primeiras questões são curtas e objetivas, portanto não será necessário
aprofundamento e seremos breves em respondê-las. Já a terceira, requer embasamento teórico,
apresentação de fontes utilizadas na pesquisa e análise de documentos, por isso nos deteremos a
ela para maior detalhamento.
A confusão com relação a data de origem pode ter sido criada intencionalmente pelos
Radicais, por terem permanecido no mesmo local, ou seja, no templo que pertenceu a Primeira
Igreja Batista antes da cisão. Com relação a data de surgimento ou organização da Igreja, ela está
associada a ruptura de 23 de março de 1924, com a exclusão por carta demissória de dezesseis
membros que apoiavam os ideais de pastores brasileiros ligados ao Movimento Radical. Desta
forma, pode-se inferir que, historicamente, a igreja que hoje leva o nome de Igreja Batista
Betânia completou 93 anos em 23 de maço de 2017 e não 119 anos, como vêm divulgando.
Quanto o porquê de não poderem reclamar o título de Primeira Igreja Batista, já que
continuaram no templo onde foram iniciadas as atividades dos batistas na cidade, há vários
argumentos. O primeiro, é que ao defender que seriam a Primeira Igreja Batista organizada na
cidade, os Radicais cometeram um equívoco primário, confundindo o conceito de igreja e
templo.
Os Batistas preceituam em sua Declaração de Fé que “Igreja é uma congregação local de
pessoas regeneradas e batizadas após a profissão de fé”.168 Desta forma, a igreja não é o local
[templo/edifício], mas uma instituição representada por seus associados, recebidos em geral por
batismos e/ou cartas de transferências. Logo, se seus associados alteram seu local de cultos, outra
comunidade religiosa que utilize o antigo espaço para suas atividades, obviamente, não poderá
reivindicar a história da antiga igreja.
Entretanto, apenas dizer que a igreja é uma instituição que pode mudar de endereço e levar
consigo sua história não é suficiente para o caso em análise, pois aqueles que continuaram no
templo também fizeram parte da mesma associação. Desta forma, outros subsídios são
indispensáveis para a sustentação do argumento, e no caso em análise há diversos.
Os Radicais também não poderiam reclamar o direito de utilizar o título de Primeira Igreja
Batista porque ficaram em número menor. De acordo aos registros nas duas atas que trataram da
cisão, do total que votaram nas assembleias 16 eram do grupo dos Radicais e 35 pertenciam aos
Construtivos. Não se sabe como os membros ausentes nas assembleias realizadas no dia 23 de
março de 1924 se posicionaram após a divisão da igreja. Contudo, considerando que estava
previamente acordada a exclusão de todos os Radicais, conforme orientações contidas na carta
enviada pelo missionário M. G. White, deduz-se que até aquela data existiam apenas 16
partidários radicais declarados, ou seja, aqueles que foram excluídos.
Sendo em número menor o normal seria que os excluídos do rol de membros deixassem o
templo, mas, por razões cujas hipóteses já foram apresentadas, eles tiveram o benefício de
continuar realizando as atividades religiosas no antigo templo da Primeira Igreja, diferente do
que aconteceu em outras localidades onde também advieram cisões e que os dissidentes Radicais
saíam do templo e formaram novas Igrejas.
Com relação aos 16 dissidentes Radicais, destaca-se ainda que a maioria dos membros da
igreja, reunidos em assembleia [que para os Batistas representa o poder máximo da igreja local],
os excluíram do rol de membros. Em outras palavras equivale dizer que estes deixaram de fazer
parte da Igreja e, portanto, como descrito na ata, “desta data em diante estes irmãos não têm mais
direitos nesta Egreja”, trecho que inclusive já mencionamos anteriormente.
Outra evidência é que todos os documentos pertencentes à Igreja organizada pelos
missionários norte-americanos continuaram em poder dos Construtivos. A Igreja Batista Betânia
só possui documentos a partir de 1933, anterior a esta data não sabemos se redigiam atas, já que
nenhum documento foi encontrado do período de 1924 até meado de 1933. Ao que parece só
após a chegada do pastor Albertino Lyra que a igreja passou a redigir atas ou conservar seus
livros.
Os fundadores e mais antigos membros da Igreja não se filiaram a Igreja dos Radicais, suas
assinaturas constam na ata de 23 de março de 1924, declarando-se fiéis a Igreja originária. Entre
outros, podem ser citados D. Cecília de Avelar Medeiros, que esteve ao lado da igreja desde sua
origem e foi homenageada em sessão solene em 20 de abril de 1930, por ter sido ela a “primeira
do Evangelho nesta terra, (...) o casal Medeiros trouxe a luz do Evangelho a esta terra”;169
Natalina Medeiros, Nelcina Medeiros, Octaviano Pedreira Gomes e Francisco dos Passos Diniz,
que doou o imóvel que servia de templo. Francisco Diniz até foi mencionado no vídeo produzido
pela Igreja Batista Betânia em janeiro de 2017 como sendo um dos fundadores daquela igreja, no
entanto ele jamais esteve ligado à Igreja dos dissidentes, e mesmo tendo doado o imóvel que
continuou servindo de templo para os Radicais, manteve-se na sua igreja de origem, no novo
templo que construíram na Rua Santo Antônio.
Acrescenta-se ainda, que a própria Igreja originada pelo cisma, em seus primeiros anos
parece tentar se distanciar de qualquer imagem que pudesse associar sua origem aos norte-
americanos. Percebe-se nos cabeçalhos de suas atas que inicialmente adotaram o nome de “Igreja
Baptista Brasileira em Santo Antônio de Jesus”. As Igrejas Batistas fundadas pelos missionários
norte-americanos em geral eram nominadasde Primeira Igreja Batista ou apenas Igreja Batista,
seguido do nome da localidade. Aparentemente, movidos pelo sentimento anti-missionários,
acrescentaram o adjetivo pátrio “Brasileira” e essa atitude sugere que a princípio a Igreja dos
Radicais não queria se identificar como originada dos missionários norte-americanos e nem
desejava a vinculação histórica.
Mesmo aspirando esse distanciamento, em algum momento surgiu o interesse de possuir o
status de Primeira Igreja Batista, pois à medida que analisamos atas de diversos anos sequentes,
verificamos que muitas delas foram rasuradas, com letra, tinta e pena diferentes dos originais,
para inclusão do numeral ordinal 1ª, muitas vezes comprimido entre a frase “sessão regular da” e
a palavra “Igreja” que vinha logo em seguida, para que a partir da rasura e inclusão, passasse a
ser lida como “Acta da sessão regular da ‘1ª’ [incluído posteriormente] Igreja Batista Brasileira”
[ver exemplos nos anexos]. 170
Ademais, a Igreja originada a partir da exclusão dos membros ligados ao Movimento
Radical, desvinculou-se das Convenções Batistas criadas no início do século XX pelos
missionários norte-americanos. Na Bahia, a Convenção dos Construtivos ficou com o nome de
Convenção Batista Baiana, enquanto que os Radicais ficaram filiados à Convenção Interestadual,
“que compreendia os campos Baiano, Sergipano e Sertanejo”.171
A Igreja Batista Brasileira de Santo Antônio de Jesus em 1939, quando a questão já era
superada em todo o país, ainda era núcleo de resistência. Mesmo com a orientação de sua
Convenção para que passasse a cooperar com a Convenção Batista Baiana, em 13 de agosto de
1939, após serem orientados a filiarem-se a CBBA, foi dito em sessão que “a respeito do parecer
da Convenção Interestadual, recomendando às Igrejas cooperarem com a Convenção Baiana, a
Igreja votou não tomar nenhuma atitude agora a este respeito, deixando para se pronunciar numa
oportunidade que lhe for mais favorável”.172
De igual modo criaram uma entidade de representação nacional com sede em Recife-PE
que serviu como opção de filiação das igrejas dos dissidentes Radicais. Segundo Mesquita, “os
chamados radicais organizaram a sua convenção geral com o nome de Associação Batista
Brasileira [ABB] e procuraram estender o trabalho a todo o Brasil”.173 A referida Associação foi
organizada em “20 de junho de 1925, com representantes de cinquenta e cinco igrejas que se
separaram da Convenção Batista Brasileira”.174
Seguindo a tendência da época, a Igreja dos Radicais em Santo Antônio de Jesus, até o ano
de 1938, quando foi dissolvida aquela associação, não esteve filiada CBB, mas à ABB, isso pode
ser comprovado em atas da própria igreja, indicando “representante desta Igreja à Associação
Batista Brasileira reunida no Recife”,175 para participar das atividades que ali aconteceram. Além
disso há uma carta escrita pela Igreja e enviada à PIBSAJ em outubro de 1938, onde declararam
que “o motivo que nos separou foi o deixarmos de cooperar com a Convenção Nacional, e
passarmos a cooperar com a ‘Associação Batista Brasileira’”,176 ou seja, como a própria carta
revela, eles teriam se retirado da Convenção Batista Brasileira, enquanto que a outra igreja, que
leva o nome de Primeira Igreja Batista, permaneceu filiada àquela Convenção.
Em suma, embora a Igreja nascida dos conflitos oriundos da Questão Radical tenha
permanecido no templo e não tenha realizado alterações significativas em sua liturgia e nas
convicções doutrinárias, não encontramos base histórica para assegurar que ela é uma
continuidade dos trabalhos organizados pelos missionários norte-americanos. Pelo contrário, o
surgimento de uma nova Igreja Batista na cidade foi fruto da luta contra esses missionários.
Portanto, pelos vários argumentos apresentados, pensamos que os dissidentes não poderiam
reclamar o título de Primeira Igreja Batista da cidade, nem a história de origem dos batistas
locais.
Mas os conflitos entre as duas igrejas ficaram manifestos e bem evidentes durante o
período estudado. Encontramos vários sinais de desavenças em documentos presentes nos
arquivos das duas igrejas. É provável também que a maioria desses conflitos tenham girado
sempre em torno da disputa pela história e status de Primeira Igreja Batista da cidade.
Por outro lado, os dissidentes que ficaram com o templo, mesmo carentes de elementos que
lhes garantissem o direito de exigirem o nome e a história da igreja, tiveram uma vantagem: a
permanência no antigo templo da Primeira Igreja Batista fez com que a sociedade da época
vinculasse eles a ideia de que era a Igreja Batista [na verdade o templo] mais antiga da cidade,
favorecendo a permanência no imaginário do povo e alimentando, ainda hoje, na memória
coletiva da Igreja, a ideia equivocada e reproduzida pelo grupo como a verdadeira história. O que
não é de estranhar, visto que, conforme defende Halbwachs, muito do que lembramos são
recordações dos outros, expressas na memória coletiva, e “quando evocamos um acontecimento
que teve lugar na vida do grupo e que considerávamos; e que consideramos ainda agora, no
momento em que nos lembramos, do ponto de vista desse grupo”,177 inconscientemente tomamos
emprestada a memória do outro e narramos os fatos como se fossem nossos, como se tivéssemos
vivido o momento e presenciado os eventos.
3.2.3.2 ENCONTROS E DESENCONTROS EM UMA RELAÇÃO DE CONFLITOS
Ao que parece os conflitos entre a igreja dos Construtivos e a dos Radicais em Santo
Antônio de Jesus não foram maiores nas décadas de 1920 e 1930 graças aos esforços que fizeram
para não causar escândalos diante da comunidade santo-antoniense, segundo declararam em
vários documentos. Na mesma proporção que avançaram em direção a uma relação amistosa,
distanciaram-se por conflitos gerados ora por mal-entendidos, ora por afrontas entre os dois
grupos.
Se o conflito iniciado pela disputa do templo foi resolvido em pouco tempo através de um
acordo de cavalheiros entre as igrejas, o mesmo não aconteceu com relação a discussão sobre
quem deveria deter o título de igreja mais antiga e consequentemente da história pioneira dos
Batistas na cidade.
O missionário M. G. White teria insistido para que seu rebanho mantivesse uma boa
relação fraternal com os batistas da outra igreja, ele pediu que a “Primeira Egreja fraternizasse
com aquella Egreja [da Rua Edificadora] cumprindo assim o seu dever Christão”,178 mas ele não
ficou o tempo suficiente no ministério pastoral para garantir que isso acontecesse, e talvez por
isso nas duas décadas após a cisão houve momentos de encontros e desencontros.
Algumas iniciativas serviram para a reaproximação dos grupos e outras geraram
aborrecimentos. Em 1926 quando os Construtivos já estavam com seu templo em construção e as
coisas pareciam caminhar para uma relação mais pacífica, os irmãos Radicais receberam em sua
Igreja um membro vindo Igreja dos Construtivos sem solicitarem a carta de transferência. O caso
gerou grande insatisfação, pois a atitude foi considerada pelos líderes Construtivos como uma
afronta à Igreja.
Por alguma razão Porphirio Figueiredo decidiu passar a frequentar a Igreja Batista da Rua
Edificadora e foi recebido como membro sem o pedido de carta demissória de transferência, ao
que Idelfonso Moura afirmou que “protestava este acto da Egreja dos Radicaes, pois achava-se
fora das normas Christans, pois egreja alguma não poderia acceitar membro de outra egreja (...) e
que este acto daquela Egreja importa não querer reconhecer esta 1ª Egreja”.179
As palavras de Idelfonso Moura revelam o sentimento existente sobre a disputa pelo título
de primeira igreja da cidade. Para ele, a atitude dos irmãos da outra igreja era uma forma de não
os reconhecer como Igreja Batista. Este sentimento só era possível porque havia a contestação de
ambas as igrejas quanto a validade da outra ser uma Igreja Batista, já que naquele momento
pertenciam a Convenções distintas, embora suas Convenções defendessem as mesmas bases
doutrinárias e reconhecessem a mesma Declaração de Fé Batista.A resistência à troca de cartas entre igrejas de Radicais e Construtivos parece ter sido uma
prática comum nos primeiros anos após as cisões, a ponto da Associação Batista Brasileira, em
sua convenção de 1926, ter “deliberado recusar [a troca de cartas demissórias entre] as igrejas da
Convenção Pernambucana, bem como a permuta de púlpitos”,180 o que abriu precedentes para as
igrejas começarem a receber novos membros sem a exigência de cartas.
O próprio Idelfonso Moura que tinha criticado veementemente a atitude da Igreja Batista
da Rua Edificadora, e classificado como um ato fora dos padrões cristãos a aceitação de
membros sem a carta de transferência, algum tempo depois apoiaria uma atitude semelhante em
sua igreja. Foi em 20 de maio de 1928, quando João Theodorio, crente Batista oriundo da cidade
de Ruy Barbosa, pediu para tornar-se membro da igreja e alegou não possuir carta demissória
uma vez que saíra de sua igreja por “não querer cooperar com os Radicaes”,181 e os mesmos lhe
negaram a carta, de maneira que, por proposta de Idelfonso Moura, foi “submetido a votação e
foi acceito como membro sem ser preciso a carta demissória”.182
Em setembro de 1932 a Primeira Igreja Batista chegou a enviar carta à sua Convenção para
“chamar a attenção” sobre a disputa pelo nome da igreja, que estava acontecendo entre os dois
grupos. Informaram para a Convenção Batista Baiana que eles tinham registrado em cartório o
nome de “1ª Egreja Baptista de Santo Antônio de Jesus”, enquanto que “os irmãos radicaes
tomaram espontaneamente o nome de Associação Evangélica Brasileira”, entretanto, estes
últimos, “agora estabelece certa confusão usando o título de 1ª Egreja, o que nos leva a fazer esta
declaração a fim de evitar maiores aborrecimentos”.183
Pelo teor da carta e utilização de termos como “queremos chamar a vossa attenção”; “certa
confusão” e “evitar maiores aborrecimentos”, indica que, talvez, este tenha sido o período de
maiores tensões entre as duas igrejas, com possíveis hostilizações de parte a parte.
As tensões continuaram por anos, mas em 02 de outubro de 1938 houve uma tentativa de
reunificação das igrejas. A Igreja Batista Brasileira enviou uma carta à Primeira Igreja Batista, na
qual escreveram que “resolveram por voto unânime, convidar-vos para vos unirdes à referida
Igreja, a fim de juntos trabalharmos melhor para o engrandecimento do Reino de Deus”.184 A
Primeira Igreja Batista recusou a proposta de reunificação, decidindo manter as duas igrejas
batistas na cidade.
A proposta de reunificação das igrejas pode até parecer uma atitude nobre ou o
reconhecimento de que se tratava de uma luta desnecessária, já que a Questão Radical estava
praticamente resolvida em todo o Brasil e as igrejas se reaproximavam graças a criação das bases
de cooperação entre missionários norte-americanos e pastores brasileiros, que foram iniciadas no
ano de 1926 e revigoradas em 1936. Mas na verdade a atitude da Igreja teve como motivação a
extinção de suas convenções, tanto a estadual quanto a nacional.
Passados dez anos desde que as bases de cooperações foram criadas para resolver os
impasses gerados com o Movimento Radical, “as ‘Novas Bases de Cooperação’ votadas pela
convenção de 1936 abriram à volta de tôdas as igrejas da Associação, sendo esta dissolvida, e
restabelecida a harmonia entre os batistas do norte do Brasil”.185 Diante disto, a Igreja da Rua
Edificadora só tinha duas opções: se tornar uma Igreja Batista Independente ou se filiar à CBB.
Como continuaram fiéis às doutrinas Batistas, o caminho mais simples foi o de filiação à
Convenção Batista Brasileira. Por isso, seguindo a orientação da Associação Batista Brasileira,
que estava em processo de extinção, tentaram a reunificação, mas os ânimos das duas igrejas,
ainda enlevados, não permitiu que a reunificação acontecesse, como ocorreu em outras
localidades.
A reunificação significaria também o fim das celeumas oriundas da disputa pela história da
igreja, mas a não aceitação por parte da PIBSAJ impediu que a questão fosse esgotada ali. A
recusa de reunificação das igrejas acabava por vez com a possibilidade da Igreja Batista da Rua
Edificadora utilizar o título de Primeira Igreja Batista. Entretanto, mesmo com a negativa de
reunificação; a extinção da Convenção Interestadual e da Associação Batista Brasileira; e a sua
filiação à Convenção Batista Brasileira e à Convenção Batista Baiana, as intrigas geradas em
torno do nome e história da origem da igreja não acabaram em finais da década de 1930.
As questões em torno do nome da Igreja permaneceram vivas e com certo vigor até a
década de 1970, aparentemente fomentada por líderes ou pelo pastor da igreja durante o período.
Só após a aposentadoria do pastor Albertino Lyra e a chegada do pastor Samuel Barreto Barbosa,
no ano de 1972, ou seja, quase meio século depois da cisão, que houve a disposição de alterar
definitivamente o nome da Igreja. Sob a orientação do pastor Samuel Barreto, em 07 de julho de
1972, a igreja submeteu em assembleia “os novos estatutos da Igreja; e com uma proposta e
apoio, passou por maioria de votos a aceitação dos mesmos; agora, esta igreja passa a chamar-se:
Igreja Batista Betânia de Santo Antônio de Jesus”.186
A ata em referência foi redigida de maneira muito sucinta, parecendo que não houve
sequer discussões sobre as mudanças, porém evidencia que a resistência pela troca do nome da
igreja dava seu último fôlego, manifesto através de votos contrários, pois aquela proposta não
seria aprovada por unanimidade, mas “por maioria de votos”.
Atualmente, superada a questão da concorrência pelo título de Primeira Igreja Batista da
cidade, as igrejas mantêm relação harmoniosa, restando apenas a manutenção do equívoco na
data de organização e nomes de fundadores da igreja. Pois a Igreja Batista Betânia insiste em
divulgar que teve como fundador Francisco Diniz, que sequer esteve arrolado entre os membros
desta igreja em algum momento, e a data de sua organização o dia 01 de janeiro de 1898, quando
o correto seria 23 de março de 1924. Historicamente não encontramos quaisquer possibilidades
de atribuir a mesma data de organização para as duas igrejas, visto que suas origens tiveram
épocas, pessoas e causas distintas. Enquanto uma foi fruto da expansão missionária dos Batistas
norte-americanos na década de 1890, a outra tem origem em um movimento na década de 1920
contra os mesmos missionários, ou seja, com base na análise documental pode-se concluir que a
Igreja Batista Betânia foi a segunda Igreja Batista organizada em Santo Antônio de Jesus, sendo
originada a partir do cisma de 23 de março de 1924. 
______________
Notas
1 Sobre o conceito de “mundanos” e “ex-mundanos”, muito comum na linguagem de adeptos das diversas correntes evangélicas
do Brasil, Jairo Soares Rios Junior, faz uma abordagem com mais aprofundamento, tendo como base a história dos batistas na
cidade de Serrolândia, em sua Dissertação de Mestrado: “Narrativas de Fé e Outras Histórias dos Batistas em Serrolândia”.
2 Ata nº 59. Livro de Atas nº 1. PIBSAJ, 03/04/1906. p. 61.
3 TEIXEIRA, Marli Geralda. “... nós os batistas...”: Um estudo de História das Mentalidades. Tese de Doutorado - USP. São
Paulo, 1983. p. 189
4 Nomes preservados. Nas atas constam os nomes completos das pessoas envolvidas.
5 Ata Nº 60. Livro de Atas nº 1. PIBSAJ, 06/05/1906. p. 62
6 Ibid.
7 Ata nº 61. Livro de Atas nº 1. PIBSAJ, 08/05/1906. p. 63
8 Ata nº 63. Livro de Atas nº 1. PIBSAJ, 20/05/1906. p. 64
9 Ata nº 62. Livro de Atas nº 1. PIBSAJ, 13/05/1906. p. 62
10 Ata nº 64. Livro de Atas nº 1. PIBSAJ, 27/05/1906. p. 66
11 Ata nº 42. Livro de Atas nº 3. PIBSAJ, 08/01/1913. p. 10
12 Ata nº 44. Livro de Atas nº 3. PIBSAJ, 04/02/1913. p. 11
13 Ibid.
14 Ata nº 67. Livro de Atas nº 1. PIBSAJ, 24/06/1906. p. 69
15 Ata nº 68. Livro de Atas nº 1. PIBSAJ, 05/08/1906. p. 70
16 Ata nº 83. Livro de Atas nº 1. PIBSAJ, 07/07/1907. p. 99
17 Sobre o significado de exclusão do rol de membros nas igrejas batistas, ver nota 59, do capítulo I, página 74.
18 Ata nº 83.Livro de Atas nº 1. PIBSAJ, 07/07/1907. p. 99. A mesma expressão: “excluído da comunhão das igrejas na terra e
no céu“, apareceram frequentemente no processo de retirada de nomes de fiéis do rol de membros da igreja, no período entre
1898 e 1930. Embora esta ideia de perda de salvação seja contrária às doutrinas defendidas pelos batistas, tal atitude da igreja em
Santo Antônio de Jesus, parece indicar que acreditavam que ao ser excluído da comunhão da igreja local a pessoa pudesse perder
a salvação, conclusão que podem ter tirado a partir da análise do texto presente no Evangelho de Mateus 18.18 que afirma: “tudo
quanto ligardes na terra será ligado no céu; e tudo quanto desligardes na terra será desligado no céu”.
19 Ata nº 26. Livro de Atas nº 4. PIBSAJ, 12/081919. p. 30
20 Ibid.
21 Ibid.
22 Ibid. A palavra “accederam”, representa a escrita antiga do verbo aceder: aquiescer, consentir, concordar, aderir.
23 Ibid.
24 Sobre a participação das mulheres em atividades nas Igrejas Batistas, mas especialmente em igrejas na cidade de Salvador,
gostaria de recomendar duas leituras indispensáveis: o Livro de Elizete da Silva, “Cidadãos de outra Pátria: Anglicanos e Batistas
na Bahia”, capítulo IV – Mulheres virtuosas e submissas, p. 209-287, onde a autora faz uma análise profunda do tema; e a
Dissertação de Mestrado de Bianca Daéb’s Seixas Almeida, cujo título é “Uma História das Mulheres Batistas Soteropolitanas” e
a pesquisadora estuda o envolvimento feminino nas Igrejas Batista de Plataforma e Batista Sião.
25 BRASIL. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, Lei 3.071, de 01 de janeiro de 1916, Art. 178. disponível em < http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3071.htm>. Acessado em 05 jul 2017.
26 ARAÚJO, João Pedro Gonçalves. Histórias, Tradições e Pensamentos Batistas. São Paulo: Fonte Editorial, 2015. p. 20
27 Ibid. p. 34
28 Ibid. p. 31-32
29 PEREIRA, José Reis. História dos Batistas... Op. cit. p. 217.
30 Ibid. p. 217
31 Ata nº 64. Livro de Atas nº 1. PIBSAJ, 27/05/1906. p. 66.
32 Ata nº 64. Livro de Atas nº 1. PIBSAJ, 27/05/1906. p. 66
33 SILVA, Elizete da. Cidadãos de Outra Pátria... Op. cit. p. 310
34 Como a própria autora explica no artigo, o termo prophetizar [profetizar], que normalmente é entendido como o ato de
predizer o futuro [nas igrejas de avivamento, pentecostal e neopentecostal], segundo interpretação dos Batistas, no Novo
Testamento, profetizar seria o ato de proferir ou declarar ensinos bíblicos, ou seja, a autora ao referir-se a liberdade das mulheres
profetizarem, estava fazendo uma referência à possibilidade de, eventualmente, fazerem exposições públicas de sermões em
templos Batistas.
35 BARRETO, Archiminia. Qual é a posição da mulher na Egreja? O Jornal Batista, 30/06/1904. p.3
36 ARAÚJO, João Pedro Gonçalves. Histórias, Tradições... Op. cit. p. 33
37 Ata nº 68. Livro de Atas nº 1. PIBSAJ, 05/08/1906. p. 70
38 SILVA, Elizete da Cidadãos de Outra Pátria... Op. cit. p. 313
39 Ibid. p. 306
40 CRABTREE A. R. História dos Batistas... Op cit. p. 115
41 RAY, T. B. Brazilian Sketches... Op. cit. p. 86. “Were led to Jesus, and a church of about fifty members was organized in
Hermenigildo’s house”.
42 CRABTREE A. R. História dos Batistas... Op. cit. p. 256
43 SILVA, Elizete da. Cidadãos de Outra Pátria... Op. cit. p. 340
44 CRABTREE A. R. História dos Batistas... Op. cit. p. 166
45 SILVA, Elizete da. Cidadãos de Outra Pátria... Op. cit. p. 340
46 ENTZMINGER W. E. Apresentação a segunda edição da Mythologia Dupla. In Archiminia Barreto. Mythologia Dupla. 2. ed.
Rio de Janeiro: Casa Publicadora Baptista do Brasil, 1926. p.3
47 O memorialista Isaías Alves faz referência a diversos nomes de professores, entre eles: Narciso, Manoel Antônio do Vale,
Ponciano, Vicente de Argolo, Cícero Ponfilo, Viriato Lobo, João Augusto, Martin Vieira Olavo, Joaquim Olavo da Silva Moreira
Junior, Pedro Celestino, Joaquim Silvério, Antônio de Souza Freire, entre outros. E em número bem menor são citados os nomes
de algumas senhoras: Maria Cândida Fernandes Costa (que inclusive, por questões que desconhecemos, houve uma representação
contra ela, solicitando sua remoção do município (ALVES, 2010. p.274), Áurea Chamusca, Etelvina Regis, Francisca Muricy e
Arlinda Mota.
48 Ata n. 24. Livro de Atas nº 1. PIBSAJ, 05/03/1905. p. 41
49 SILVA, Elizete da. Cidadãos de Outra Pátria... Op. cit. p. 340
50 Ata nº 1. Livro de Atas nº 4. PIBSAJ, 01/01/1919. p. 01
51 Ata nº 68. Livro de Ata nº 1. PIBSAJ, 05/08/1906. p. 70
52 Francisca Edwiges Neves Gonzaga (1847-1935), foi uma compositora, instrumentista e maestrina, nascida no Rio de Janeiro,
que se destacou na música e na luta pela liberdade da mulher em uma sociedade altamente patriarcal e preconceituoso quanto à
participação feminina na música brasileira.
53 Ata nº 157. Livro de Ata n 3. PIBSAJ, 17/11/1918. p. 83
54 MESQUITA, Antônio Neves de. História dos Batistas de 1907 até 1935. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1962. p.
170
55 Ibid. p. 170
56 MEIN, David (Coord.). O Que Deus Tem Feito... Op. cit. p. 50
57 PEREIRA, J. R. História dos Batistas... Op. cit. p. 113
58 Ibid. p. 114
59 Ibid.
60 FEITOSA, José Alves. Breve História dos Batistas do Brasil – Memórias. Rio de Janeiro: [s.n.], 1974. p. 60
61 PEREIRA, J. R. História dos Batistas... Op. cit. p. 113
62 OLIVEIRA, Zaqueu Moreira. Um Povo Chamado Batista... Op. cit. p. 165
63 OLIVEIRA, Zaqueu Moreira. A Palavra Crescia Poderosamente: 80 anos de crescimento dos batistas de Pernambuco. Recife:
Kairos Editora, 2010. p. 87
64 MESQUITA, Antônio Neves de. História dos Batistas... Op. cit. p. 170
65 BARBOSA, Celso Aloísio; AMARAL, Othon Ávila (Org.). Livro de Ouro – Epopeia de fé, lutas e vitórias. Rio de Janeiro:
JUERP, 2007. p. 57
66 MESQUITA, Antônio Neves de. História dos Batistas... Op. Cit. p. 181
67 Para melhor compreensão do movimento de emancipação dos Presbiterianos do Brasil, ver capítulo V, “As crises internas do
protestantismo brasileiro – A emancipação do presbiterianismo”. Émile G. Léonard, em “O Protestantismo Brasileiro” p. 139-
183.
68 LÉONARD, Émile G. O Protestantismo Brasileiro. 3ª edição. São Paulo: ASTE, 2002. p. 191
69 CRABTREE A. R. História dos Batistas... Op. cit. p. 147
70 LÉONARD, Émile G. O Protestantismo... Op. cit. p. 186
71 OLIVEIRA, Zaqueu Moreira de. Um Povo Chamado Batista... Op. cit. p. 167
72 LÉONARD, Émile G. O Protestantismo... Op. cit. p. 186. Sobre este caso mencionado por Léonard é importante destacar que
há um equívoco em sua informação ou erro de tradução, já que era francês. Ele menciona que o desentendimento do pastor José
Alves teria ocorrido “com dois jovens missionários americanos”, claramente fazendo alusão ao sexo masculino, entretanto o
episódio em que o pastor José Alves se envolveu foi com duas jovens missionárias norte-americanas – Mary Wilcox e Bertha
Stenger –, podendo, inclusive, o desentendimento ter surgido pelo fato de duas mulheres estarem à frente de atividades
eclesiásticas importantes na cidade em que ele era pastor. O missionário W. B. Bagby relata que fizera uma visita a Belo
Horizonte e lá encontrou-se com “Miss Wilcox e Miss Stenger” (CRABTREE, 1937. p. 174), ele informa em seu relatório que as
missionárias tinham concluído a casa que serviria de residência e de colégio onde elas ofereceriam aulas, foi a missionária
Wilcox que “forneceu o dinheiro para a construção dêste lindo edifício. Essas duas môças cristãs farão um ótimo serviço na
educação e evangelização, se puderem ficar em Belo Horizonte” (CRABTREE, 1937. p. 174-175). As fontes não clarificam quais
eram as desavenças, mas pelo relato do missionário Bagby, os conflitos com o pastor José Alves já existiam, por isso ele
defendeu a possibilidade delas permanecerem em Belo Horizonte, o que foi em vão, pois, além de serem transferidas para São
Paulo, campo de atuação do missionário Bagby, “no ano de 1900 houve diversas mudanças no pessoal do campo. Miss Bertha
Stenger e Miss Mary B. Wilcox voltaram aos EE. UU. e foram exoneradas do serviço missionário” (CRABTREE, 1937. p. 173).
Ainda

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