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Filosofia da Educação Unidade 1 Fundamentos da Filosofia Diretor Executivo DAVID LIRA STEPHEN BARROS Gerente Editorial CRISTIANE SILVEIRA CESAR DE OLIVEIRA Projeto Gráfico TIAGO DA ROCHA Autoria CARMEM SILVIA DA FONSECA KUMMER LIBLIK AUTORIA Carmem Silvia da Fonseca Kummer Liblik Sou formada em Bacharelado e em Licenciatura em História, com Mestrado e Doutorado em História, pela UFPR. Também sou formada em Química Ambiental pela UTFPR, com especialização em Tutoria em EAD pela UNINTER. Tenho experiência profissional na área de ensino e de produção de material didático há 14 anos. Passei por empresas como Uninter, PUC-PR e UFPR. Sou apaixonada pelo que faço e adoro transmitir minha experiência de vida àqueles que estão iniciando em suas profissões. Por isso, fui convidada pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de autores independentes. Estou muito feliz por poder ajudar você nesta fase de muito estudo e de muito trabalho. Conte comigo! ICONOGRÁFICOS Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez que: OBJETIVO: para o início do desenvolvimento de uma nova compe- tência; DEFINIÇÃO: houver necessidade de se apresentar um novo conceito; NOTA: quando forem necessários obser- vações ou comple- mentações para o seu conhecimento; IMPORTANTE: as observações escritas tiveram que ser priorizadas para você; EXPLICANDO MELHOR: algo precisa ser melhor explicado ou detalhado; VOCÊ SABIA? curiosidades e indagações lúdicas sobre o tema em estudo, se forem necessárias; SAIBA MAIS: textos, referências bibliográficas e links para aprofundamen- to do seu conheci- mento; REFLITA: se houver a neces- sidade de chamar a atenção sobre algo a ser refletido ou dis- cutido sobre; ACESSE: se for preciso aces- sar um ou mais sites para fazer download, assistir vídeos, ler textos, ouvir podcast; RESUMINDO: quando for preciso se fazer um resumo acumulativo das últi- mas abordagens; ATIVIDADES: quando alguma atividade de au- toaprendizagem for aplicada; TESTANDO: quando o desen- volvimento de uma competência for concluído e questões forem explicadas; SUMÁRIO Origens e conceito da Filosofia ............................................................. 10 Sócrates – Platão – Aristóteles e seus lugares na história da Filosofia ........................................................................................................... 15 Conhecimento mítico e conhecimento filosófico ..........................24 A questão do saber – o conhecimento e sua tipologia ...............26 Os tipos de conhecimento .......................................................................................................27 Conhecimento empírico .........................................................................................27 Conhecimento filosófico .........................................................................................28 Conhecimento científico .........................................................................................28 Conhecimento teológico ou religioso ..........................................................29 7 UNIDADE 01 Filosofia da Educação 8 INTRODUÇÃO Caro aluno, você, em algum momento, parou para refletir que as pessoas, por viverem em grupos, têm de organizar suas formas de pensamento, para que possam compreender-se mutuamente? Isso está relacionado à função da Filosofia na formação da nossa sociedade, sabia disso? Sendo assim, neste material, explicaremos as dimensões do universo da Filosofia, verificando como surgiu e os primeiros a influenciar o modo ocidental de pensar. Convidamos você, aluno, a estudar Filosofia para, por um lado, fundamentar as suas premissas educacionais, mas, ainda, por outro, para subsidiar as suas premissas de vida. Por foi, como não poderia deixar de acontecer, daremos atenção, ainda, a nomes famosos, como Sócrates, Platão e Aristóteles; e aos filósofos que se dedicaram a refletir sobre educação. Entendeu? Ao longo desta unidade letiva, você mergulhará nesse universo! Filosofia da Educação 9 OBJETIVOS Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 1. Nosso objetivo é auxiliar você no desenvolvimento das seguintes competências profissionais até o término desta etapa de estudos: 1. Explicar o conceito da Filosofia e estabelecer relação com as suas origens. 2. Reconhecer as bases teóricas que fundamentam a história da Filosofia da Educação e registrar os aspectos relevantes. 3. Identificar a diferença entre conhecimento mítico e conhecimento filosófico, destacando suas principais características. 4. Classificar a tipologia do conhecimento e descrever cada um dos tipos. Então? Preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento? Ao trabalho! Filosofia da Educação 10 Origens e conceito da Filosofia OBJETIVO: Ao término deste capítulo você será capaz de explicar o conceito da Filosofia e estabelecer a relação com as suas origens. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! A partir de seu grau de desenvolvimento, de uma perspectiva que considere critérios como acúmulo de riquezas e organização política, as sociedades, de uma maneira natural, voltam-se à prática artística, à prática educacional à prática filosófica e à prática científica. Conosco, do Ocidente, isso teve isso na Antiguidade Clássica, na Grécia, sobretudo desde o século VI a.C. Os primeiros passos da Filosofia estiveram relacionados à necessidade de explicar a realidade e os fenômenos naturais. Os filósofos de então, responsáveis por inaugura a Filosofia que conhecemos atualmente, tornam-se conhecidos como pré-socráticos. IMPORTANTE: Sócrates, de quem falaremos mais adiante, teve uma importância enorme para a Filosofia. Por essa razão, os Filósofos anteriores a Sócrates são chamados de pré- socráticos. Entre as principais preocupações dos pré-socráticos, estava a compreensão do princípio subjacente ao funcionamento de todas as coisas, a arché, talvez o assunto mais antigo a ser debatido de que se tem notícia. Esse tópico, há mais de dois mil anos, gera muita discussão. Por exemplo, para Tales de Mileto (624-546), o mais antigo de todos os pré-socráticos, apostava que o princípio subjacente ao funcionamento de todas as coisas fosse a água. Basicamente, Tales de Mileto e muitos de seus seguidores acreditavam que poderiam, com base em observações, definir a matéria de que o cosmo é feito (arché), reduzindo-a a um elemento mínimo – no Filosofia da Educação 11 seu caso, à água. Assim, essas ideias foram transformadas em um sistema teórico, o monismo, que consistia, justamente, em defender que o universo, como um todo poderia ser decomposto em uma única substância. O ponto mais importante da discussão de Tales de Mileto está no seguinte fato: independentemente de sua grandeza e de sua hierarquia no cosmo, todos os elementos teriam água em sua composição. Atualmente, sabemos que nem tudo o que existe contém água, mas, por outro lado, as teorias científicas modernas comprovaram que o pensamento de Tales de Mileto, em essência, estava correto: de fato, pode-se reduzir os elementos naturais em partículas mínimas. Desde o surgimento do monismo, outros filósofos aventaram, também, a sua solução para o problema da arché: • De acordo com Anaximandro (611-546), que foi seguidor de Tales de Mileto, a arché seria o que chamou de ápeiron, algo de caráter imperscrutável e infinito de que o universo derivou e ao qual retornaria. • Para Anaxímenes (586-525), de maneira semelhante a Tales de Mileto, a arché seria o ar, por intermédio de processos constantes de condensação e de desfazimento. • De acordo com Heráclito (535-470), a arché seria o movimento intrínseco ao universo, uma espécie de devir, conforme enunciou em uma famosa frase: “tudo se move, nada permanece imóvel e fixo, tudo muda”. SAIBA MAIS: É interessantenotar uma diferença entre Heráclito e os demais filósofos citados. Ao contrário dos demais, Heráclito acreditava que o cosmos fosse controlado por uma racionalidade (logos) de caráter divino, o qual definiria a origem do que tem existência, em busca do equilíbrio do universo. A garantia de um equilíbrio se expressaria pela dualidade da natureza (água e fogo, noite e dia, sólido e etéreo), processo que provocaria o constante estado de mudança (movimento) do universo. Filosofia da Educação 12 • na sequência, Demócrito (460-370) e Leucipo (século V a.C.) foram os primeiros a formular que o universo poderia ser decomposto em partes mínimas (átomos) cuja principal característica seria a indivisibilidade e a imutabilidade. O atomismo dos dois filósofos foi muito importante para que as teorias científicas modernas determinassem o comportamento dos elementos químicos e dos componentes. Como se sabe, a Grécia é notabilizada por ser o berço da democracia. O principal evento que marca o estabelecimento da democracia grega é a vitória de Atenas sobre os persas, que aconteceu no 479 a.C. Desde então, a educação dos cidadãos, com a finalidade de prepará-los para atuar na vida pública, tornou-se uma preocupação fundamental da sociedade grega. Entre outros aspectos exigidos dos cidadãos, dois se destacavam: as capacidades de discursar e de argumentar. Os responsáveis por desenvolver essas habilidades dos cidadãos eram os sofistas (sábios), que refletiam, como os filósofos, sobre diversos temas da vida humana (religião, ética e política, por exemplo). Contudo, ao contrário dos filósofos, não interessava aos sofistas se a argumentação de seus alunos seria empregada para fins iníquos, desde que fossem bem remunerados por seu serviço. Nesse contexto em que os sofistas aparecem como figuras de saber, os assuntos intelectuais deixaram de se limitar aos aristocratas. Na condição de professores, os sofistas rejeitaram a ideia de que as virtudes seriam privilégios de poucos, transmitidos, de geração a geração, entre membros de certas famílias. Mesmo assim, muitas das posições dos sofistas eram criticadas. Franklin e Pinheiro (2014) citam as seguintes: 1. Concepção de saber – para os sofistas, qualquer assunto poderia ser transformado em um tópico de ensino. Por essa razão, fizeram importantes reflexões pedagógicas e não se negavam a compartilhar os seus conhecimentos com seus alunos. 2. Moral aristocrática – na Grécia, até a chegada dos sofistas, o conhecimento estava limitado a membros da aristocracia. Como, normalmente, eram estrangeiros, os sofistas vendiam seus conhecimentos, inaugurando o que, hoje, é a função do professor. Filosofia da Educação 13 3. Vida em sociedade – de modo geral, os sofistas não se fixavam em um território. Ao contrário, costumavam vagar pelas terras conhecidas, o que os tornava violadores das premissas das cidades-estado, que Platão e Aristóteles chamariam de estado ideal. Por essa razão, os sofistas são reconhecidos, atualmente, como, propagadores de costumes, de conhecimento e de ideias. 4. Liberdade – para os sofistas, os homens eram livres e não deviam, necessariamente, seguir as normas sociais. Sua crença era a de nós somos capazes de compreender quaisquer tópicos, o que nos faz, de certa forma, independentes. Etimologicamente, “filosofia” é uma palavra composta pelos termos gregos phílos, que significa “amor”; e “sophía”, que significa “sabedoria”. Nesse sentido, filosofia é, literalmente, o “amor à sabedoria”, entendido como a busca pelo conhecimento. Se pensarmos nessa origem etimológica, perceberemos que a filosofia é uma atividade que, todos os dias, praticamos todos os dias, quando refletimos sobre angústias, sobre planos futuros e sobre problemas que temos de resolver, por exemplo. Logo, a atividade filosófica, ao contrário do se pensa, não está restrita aos ambientes acadêmicos. Engana-se quem imagina que a preocupação da filosofia está em responder às perguntas que são propostas. Na verdade, o maior interesse dos filósofos está no processo de reflexão, independentemente de ser conclusivo. Isso deve ser entendido como um estímulo ao uso da racionalidade em quaisquer contextos, evitando que os conhecimentos sejam aceitos com base em argumentos de autoridade. De acordo com Nagel (2001), a filosofia é uma área do conhecimento com características diferentes das da matemática e das ciências. Da matemática, a filosofia se distancia por não apresentar um método formal de verificação; e, das ciências, afasta-se porque não se atém apenas a conhecimentos que possam ser verificados empiricamente. Portanto, a filosofia consiste na reflexão pura e simples, na prospecção de hipóteses e de argumentos. Filosofia da Educação 14 Ao longo da História, a filosofia recebeu muitas definições diferentes. Adotaremos, aqui, a de Luckesi (1993), de acordo qual é um sistema de conhecimentos coerente com origem na necessidade do homem de compreender o mundo que o rodeia, tornando-o inteligível. Nesse sentido, filosofar nos concede a capacidade de analisar questões de tipos muito variados, estendendo-se desde as relações interpessoais até a consistência da matéria do universo. Para Luckesi (1993), não pode rotular a filosofia como uma atividade abstrata e desligada do mundo real. Ao contrário, segundo o autor, uma de suas funções é definir uma cosmovisão (um modo de enxergar e de interagir com a realidade) e nos conduzir à ação. Considerando essa perspectiva, as ações humanas, que são de muitos tipos, são o que conferem sentido à existência. O pensamento ocidental se sustenta, desde a Grécia antiga, em dualismos (bem e mal, certo e errado, virtude e vício). Isso é o que mencionamos, acima, como cosmovisão: é o modo como tendemos pensar e avaliar as coisas e os fenômenos. Dessa preocupação grega, surgem muitas das questões contemporâneas de que os filósofos tratam, como são os casos da relação entre mente e corpo e entre liberdade e autoritarismo. Mais macroscopicamente, o dualismo se reflete nas investigações sobre o cosmos, apontando-nos questões como monismo e dualismo do cosmos e caos e ordem na concepção do universo. RESUMINDO: E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir algo do que vimos. Você deve ter aprendido a explicar o conceito da Filosofia e estabelecer a relação com as suas origens. Filosofia da Educação 15 Sócrates – Platão – Aristóteles e seus lugares na história da Filosofia OBJETIVO: Ao término deste capítulo você será capaz de reconhecer as bases teóricas que fundamentam a história da Filosofia da Educação e registrar os aspectos relevantes. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! Anteriormente, mencionamos Atenas como o berço da democracia. Os filósofos mais importantes da Antiguidade foram, também, atenienses. Falamos de Sócrates, de Platão e de Aristóteles. Embora esse último tenha nascido em outro território, estudou e ensinou em Atenas. Sócrates (469-399 a.C.), que, como dissemos, representou um marco para a filosofia, testemunhou a vitória sobre os persas; e, ainda, a consolidação e o declínio da democracia. No período posterior à vitória, a influência de Atenas se espalhou por todo o território helênico, influenciando-o com seus hábitos, com suas crenças religiosas e com seus preceitos éticos e morais. O apogeu de Atenas acirrou sua rivalidade com outra cidade-estado, Esparta. Ao passo que Atenas se fez conhecida por sua tradição artística e filosófica, Esparta se tornou famosa pela qualidade de seus guerreiros. Em 431 a.C., estabeleceu-se, entre as duas potências, a chamada Guerra do Peloponeso, que durou várias décadas. Perto do fim da vida de Sócrates, em 404 a.C., Atenas, enfim, foi derrotada,e o seu regime democrático se esfaleceu. Isso se deveu, em grande parte, a conspirações e a problemas com corrupção. O próprio Sócrates foi condenado à morte por razões semelhantes, tendo sido acusado de corromper os jovens cidadão e de não acreditar nos deuses cultuados em Atenas. No sistema filosófico socrático, está o embrião de outras escolas de pensamento, como estoica e a cínica. De Sócrates, os estoicos Filosofia da Educação 16 adotaram a virtude como a característica humana mais importante, ao passo que os cínicos lhe tomaram a ideia de que os bens terrenos são desprovidos de valor. Existem registros, como os de Xenofonte, os de Platão e seus discípulos, de que teria ensinado em locais públicos e de que teria sido um orador leigo. Nos registros de Platão, Sócrates aparece, normalmente, como uma figura que busca definir conceitos éticos, como os de justiça, de sabedoria, de amizade e de moderação. Devemos notar, contudo, que, ao mesmo tempo em que busca definir tais conceitos, Sócrates nunca tenta fornecer conclusões imutáveis, demonstrando a importância do processo de reflexão. Maiêutica é o nome dado ao método de ensino criado por Sócrates. Essa palavra significa, de um modo literal, “parir conhecimento”. Basicamente, a maiêutica, consistia em conduzir alguém, por intermédio de raciocínios dedutivos, a algum tipo de conhecimento. Para Sócrates, todos teríamos conhecimentos gravados em nossas almas (psyché), os quais teriam apenas de ser revelados. Essa seria a função da maiêutica. A maiêutica é o principal elemento do sistema de pensamento de Sócrates. Apesar de sua frase mais famosa afirmar que nada se sabe, o filósofo nunca defendeu que o conhecimento não fosse possível para os seres humanos. Na verdade, a frase, que se tornou sua marca, antepõe a busca ao conhecimento, destacando que os erros humanos derivam da falta de conhecimento. Na filosofia grega, bem e conhecimento estão interligados estreitamente: ser bom era sinônimo de ter conhecimento. De modo geral, a tradição cristã mudaria esse pensamento, considerando que um sujeito bom e tolo vale mais do que um mau e douto (RUSSEL, 2013). SAIBA MAIS: Segundo Sócrates, problemas éticos poderiam ser solucionados por meio de diálogos, método conhecido como dialética. Filosofia da Educação 17 Com Sócrates, experimenta-se uma mudança em relação aos problemas de cunho moral, que deixam de ser relegados aos costumes e passam a ser encarados como questões que dependam de racionalidade. Nesse sentido, conhecimento e virtude são tratados como sinônimos, fazendo com o que o campo da ética emerja desse contexto. Isso acontece porque racionalizar problemas de cunho moral implica racionalizar e destacar tudo o que se apresenta como virtude sem o ser, razão pela qual Sócrates seria julgado por e condenado por impiedade. Os propósitos de Sócrates foram os de questionar e de aprender, não os de ensinar e de doutrinar. Mas, à medida que seu sistema de pensamento abalava as certezas frágeis dos cidadãos atenienses, mostrava-lhes, também, que o pensamento deve ser coerente. Para isso, é necessário que adotemos algum método de investigação que nos permita acessar a essência do conhecimento. Em sua perspectiva, isso aconteceria se nos fizéssemos as perguntas certas a respeito de desejássemos conhecer. Figura 1 - Busto de Platão Fonte: Pixabay Platão é, talvez, o mais conhecido filósofo da Antiguidade. Na juventude, com o intuito de se voltar à política, adotou a filosofia como caminho e teve, como mestres, Crátilo, Heráclito e Sócrates. Até hoje, não é um incomum que um sistema filosófico seja comparado ao de Platão, tamanha foi a sua influência sobre os mais de dois mil anos de produção de conhecimento que existiu desde então. Filosofia da Educação 18 Pode-se afirmar que Platão foi responsável pela primeira formalização agregada à filosofia, embora nunca escrito um livro prototípico, visto que todas as suas obras que resistiram ao tempo têm forma de diálogo; e embora nunca tenha aceitado que a filosofia pudesse ser algo como um sistema. As principais obras de Platão estão listadas a seguir, em função da época em que foram produzidas. • 399-387 a.C. (primeiros diálogos): Apologia, Críton, Górgias, Hípias maior, Mênon, Protágoras; • 380-360 a.C. (diálogos intermediários): Fédon, Fedro, A República, O banquete; e • 360-355 a.C. (diálogos finais): Parmênides, Sofista, Teeteto. SAIBA MAIS: Durante a Idade Média, por intermédio de Santo Agostinho, o cristianismo adotou a cultura grega, baseada no pensamento platônico. Santo Agostinho alcançou essa influência por feito uma tradução de A República tida como cristã, a chamada Cidade de Deus. Com a condenação de Sócrates à morte, Platão preencheu a lacuna deixada pelo mestre, registrando, na forma de diálogos, os seus ensinamentos. A primeira vez em que Sócrates aparece em um diálogo platônico é, como se apontou acima, na Apologia, que consiste na descrição da defesa apresentada por Sócrates aos seus detratores. Como se tornará uma constante nos diálogos, é complexo, na Apologia, distinguir o que é pensamento socrático do que é pensamento platônico. É possível que a obra mais conhecida de Platão seja A República, em que é apresentada a sua concepção de Estado ideal. Parte do trabalho consiste em uma reflexão a respeito de valores morais, como justiça e virtude, que apareçam, antes, na obra de Sócrates. A discussão é uma maneira de rejeitar a ideia sofista de que justiça e injustiça são conceitos definidos por convenção. Filosofia da Educação 19 Sócrates havia discordado da concepção sofista, assumindo que justiça e injustiça se confundem porque os seres humanos não conhecem a sua essência, acessando apenas o que veem no mundo dos sentidos, empírico, ilusório e variável. Platão explica, em A República, que haverá justiça se todos os cidadãos forem responsáveis pelas próprias obrigações, sem se meter nos assuntos alheios, vinculando a justiça à ideia de harmonia entre as partes que compõem o Estado. A partir da ideia de que os seres humanos não conheciam a essência da justiça e da injustiça, Platão desenvolveu o que chamou de mundo das ideias ou formas, que, separado do mundo empírico, seria uma espécie de realidade ideal, da qual a nossa seria um distorcido reflexo. Mais do que isso, Platão defendeu que o mundo das ideias ou formas seria, de fato, a realidade, ilustrando a sua concepção com o famoso mito da caverna. Nesse mito, contado em A República, Platão descreve uma caverna escura em que seres humanos estão presos desde quando nasceram. Estão amarrados, de modo a ficar de costas para a entrada do local e de frente para o seu fundo. É impossível que possam olhar para os lados. Como há uma fogueira atrás dos homens; e, também, uma espécie de plataforma entre a fogueira e os homens, sombras se formam na parede para a qual olham sempre que pessoas, desconhecidas dos homens presos na caverna, andam ali e exibem objetos. Se um dia chegassem a ser libertos, os homens da caverna, provavelmente, se sentiriam fascinados e temerosos em relação ao mundo exterior e, de acordo com Platão, retornariam à caverna, à única realidade em que se sentem seguros. Do mesmo modo que as sombras são tudo o que os prisioneiros veem do mundo fora da caverna, o mundo empírico seria tudo o que conseguimos ter acesso do mundo real, o mundo das ideias. Nesse sentido, nossas experiências, obtidas por meio de nossos sentidos, seriam nossas sombras. Isso resultará em uma teoria de acordo com a qual podemos empregar nossos sentidos para tentar apreender a realidade de sombras. Assim, via racionalidade, temos a capacidade obter os verdadeiros conhecimentos, radicados no mundo das ideias ou formas. Filosofia da Educação 20 A postulação de dois mundos permitiu que Platão resolve o dilema de como apontar certezasem mundo inconstante: como o nosso mundo é feito somente de aparências, pode ser transformado, mas o mundo das ideias ou formas, não, e, por isso, obter o verdadeiro conhecimento seria possível. Figura 2 - Stanza della Segnatura, de Rafael Sanzio. Em relação às figuras centrais, Platão está à esquerda, e Aristóteles, à direita Fonte: Pixabay Aristóteles nasceu em 384 a.C., em Estagira, no território macedônio e se tornou, entre os anos 343 a.C. e 340 a.C., tutor do jovem Alexandre, o Grande. Com 17 anos, foi estudar em Atenas, na Academia, escola fundada por Platão, que, na época, tendo por volta de sessenta anos de idade, havia divulgado suas teorias. Apesar dos diferentes temperamentos, a relação de ambos era de muito respeito, e Aristóteles se manteve na Academia até a morte de Platão, em 404 a.C. SAIBA MAIS: Como Platão, Aristóteles influenciou o pensamento cristão. Isso aconteceu por volta do fim da Idade Média, quando seu pensamento, adaptado aos preceitos cristãos, transforma- se, por assim dizer, na doutrina da Igreja Católica. Filosofia da Educação 21 Posteriormente, o pensamento científico, que nascerá na Idade Moderna, combaterá, fortemente, o aristotelismo católico. Mas a influência de Aristóteles vai mais além: até hoje, as suas questões lógicas são tematizas e discutidas por investigadores de vários campos. Ao contrário de Platão, Aristóteles escreveu livro-texto, os quais denotaram preocupação com a escrita literária e foram compostos em forma de diálogo. No entanto, sabemos disso de maneira indireta, por autores como Cícero e Diógenes, visto que a parte da obra de Aristóteles que sobreviveu ao tempo consiste, em sua maior parte, em notas escritas para suas aulas. A seguir, indicamos algumas das suas obras conhecidas mais importantes: • Órganon. • Retórica das Paixões. • A poética clássica. • De anima (Da alma). • O homem de gênio e a melancolia. • Ética a Eudemo. • Física. • Política. • Sobre o Céu. • Metafísica. • Ética a Nicômano. Ao contrário de Platão, Aristóteles não minimizou a observação empírica. Isso, em grande, deveu-se ao seu interesse pela natureza e pelos seres humanos. Por isso, tentou agregar o mundo que Platão chamava de mundo sensível à filosofia. Mas é importante apontar que Aristóteles adotou o conhecimento empírico como um ponto de partida para o conhecimento, não como o conhecimento em si. Filosofia da Educação 22 Desde antes de Aristóteles, os filósofos gregos se preocupavam com a transformação do mundo. Por sua vez, o estagirita desenvolveu as noções de ato (energeia) e de potência (dynamis): enquanto o ato seria o estado de um ser (ingredientes de um bolo, materiais de construção), a potência implica tudo o que pode vir a ser (bolo, casa). Nesse sentido, o movimento do mundo consistiria nas transformações de potência em ato. De acordo com essa teoria, Aristóteles rejeitou que o fundamento do mundo sensível fosse um mundo ideal eterno e imutável: o mundo sensível não seria cópia de formas perfeitas, mas conteria formas cujas essência lhes seria inerente. Por exemplo, não existiria nada como como um homem ideal do qual os homens do mundo sensível seriam cópias, mas, na verdade, a essência humana estaria presente em cada um e em todos os homens. Por essa razão, quando estudamos coisas particulares (o homem X) podemos obter conhecimentos universais (a categoria ser humano). Aristóteles também se dedicou ao problema ético. Sua obra mais importante sobre o assunto é Ética a Nicômaco. Para entender como o problema ético é tratado em seu sistema de pensamento, é necessário compreender que filosofar sobre o assunto tem funções diferentes: em um sentido teórico, teria, como finalidade, a busca pela verdade, mas, em um sentido prático, teria, como finalidade, o agir. Nesse sistema ético, a virtude é encarada como o equilíbrio entre ações justas, de um lado, e impulsos, de outro. O instrumento que nos ajudará a praticar ações justas e a evitar os impulsos é a razão, processo conhecido como justo-meio. Em Ética a Nicômaco, Aristóteles aborda a conduta humana e como se relaciona à busca pela felicidade. Na sua perspectiva, as condutas humanas prospectam o que entendemos, comumente, como felicidade, mas essa não é a sua verdadeira natureza. Para Aristóteles, a natureza da felicidade está relacionada às regras do bem agir. Nesse sentido, praticar a honra, a razão e o prazer na medida correta é o modo de viver com felicidade. A razão, para Aristóteles, é, certamente, um dos aspectos da natureza humana, mas existem outras. Por exemplo, a alma humana pode ser afetada pelos impulsos e pelos desejos, não podendo ser racional Filosofia da Educação 23 por completo. A ética surge, como virtude, nesse contexto, como um controle da parte da alma humana que não é racional, estabelecendo com a repetição de certas ações, até que se tornem hábitos (FRANKLIN; PINHEIRO, 2014). IMPORTANTE: No pensamento de Platão, a dialética se constitui como um debate entre indivíduos preocupados com a busca pela verdade, de modo que o homem pode alcançar o mundo das ideias ou formas e chegar a um conhecimento irrefutável. Por sua vez, no pensamento de Aristóteles, a dialética depende do raciocínio lógico, que, por se basear em ideias prováveis, sempre carrega consigo a possibilidade de ser refutado. Igual a Platão, Aristóteles desenvolveu uma teoria sobre o Estado ideal, na qual a felicidade (eudaimonia) é adotado como o centro das virtudes humanas, foco de seu agir. Pode-se concluir, portanto, que o desejo de felicidade é a origem de todas as condutas humanas. Concluindo esta seção, pode-se afirmar que as concepções Aristóteles e de Platão convergem na forma de preocupações com o ser humano e com as suas condutas, influenciando, cada qual à própria maneira, o pensamento ocidental. Suas considerações sobre cidadania, sobre virtude e sobre conhecimento, assim como as de Sócrates, foram fundamentais para a construção da relação entre filosofia e educação (FRANKLIN; PINHEIRO, 2014). RESUMINDO: E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir algo do que vimos. Você deve ter compreendido como reconhecer as bases teóricas que fundamentam a história da Filosofia da Educação e registrar os aspectos relevantes. Filosofia da Educação 24 Conhecimento mítico e conhecimento filosófico OBJETIVO: Ao término deste capítulo você será capaz de identificar a diferença entre conhecimento mítico e conhecimento filosófico, destacando suas principais características. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! O que é o mito? De maneira geral, pode-se afirmar não passam de uma construção com fantasias oriundas de nosso consciente. Trata-se de história criadas pelos seres humanos, ao longo dos séculos, para explicar o funcionamento do mundo e o sentido da existência, apresentando uma relação clara com crença e com fé. Nas sociedades grega e latina, os mitos tinham valor de dogma e eram considerados explicações reais dos fenômenos da natureza. Por essa razão, foram utilizados como justificativa para a fundação de instituições sociais de muito respeito e inspiraram as obras de muitos artistas, por exemplo. Na Antiguidade, as narrativas míticas substituíam a ciência como método de explicação do mundo. Tudo o que pudesse provocar espanto e temor, fosse bom, fosse ruim, era considerado produto de ações divinas. De acordo com Compreender o conceito de mitologia, de certa forma, é conhecer uma concepção muito diferente da nossa, permeada de superstições e de explicações fabulosas para os fenômenos naturais. Como Commelin (2011), assumimos que a imaginação e a fantasia têm um importante papel nas crenças mitológicas. Cada nova geração aumentouo número de seus deuses, de heróis e de narrativas fantásticas. Os mitos gregos, como a Teogonia, registrada por Hesíodo, explicam como o mundo resultado do caos e como foi divido em partes, até apresentar a forma conhecida naquela época. Para isso, adotou-se uma genealogia de criaturas divinas, “no ritmo dos sucessivos nascimentos, Filosofia da Educação 25 dos casamentos, das intrigas, misturando e opondo os seres divinos de gerações diferentes” (VERNANT, 1990, p. 478). O pensamento de base racional aparece, no universo grego, no século VI a.C, em cidades da Ásia menor. Com isso, nasceria o embrião de um pensamento científico, contestando, pela primeira vez, que as explicações poderiam não estar adequadas à realidade. Essa não foi apenas uma mudança de atitude intelectual, com a troca do mito pelo pensamento racional, mas consistiu, na verdade, em uma mudança completa de cosmovisão. As principais diferenças entre mito e pensamento filosófico-racional estão no Quadro 1. Quadro 1 – Mito e pensamento filosófico racional Mito Pensamento filosófico-racional Explica como o mundo se formou e, para isso, adota a interação entre seres sobrenaturais. Ao contar o passado, emprega causas que possam ser tomadas como causas de todos os acontecimentos que o afastam do presente. Não evita contradições. O incompreensível é tomado como mistério divino. Explica como o mundo se formou com base em elementos do mundo natural. Além de investigar as causas de acontecimentos do passo, prevê e explica acontecimentos do presente e do futuro. Fundamenta-se na razão e adota explicações coerentes. Fonte: Elaborado pelo autor (2021). RESUMINDO: E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir algo do que vimos. Você deve ter compreendido como identificar a diferença entre conhecimento mítico e conhecimento filosófico, destacando suas principais características. Filosofia da Educação 26 A questão do saber – o conhecimento e sua tipologia OBJETIVO: Ao término deste capítulo você será capaz de classificar a tipologia do conhecimento e descrever cada um dos tipos. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! Durante o exercício da docência, é comum que os profissionais não se questionem sobre o conceito de conhecimento. Com o intuito de ensinar adequadamente, é importante que assumamos uma teoria do conhecimento, “um entendimento do que vem a ser o conhecimento, seu processo, seu modo de ser” (LUCKESI, 1993, p. 121). De acordo com Cyrino e Penha (1992), conhecer é um modo de construir uma concepção de realidade. Por isso, seriam necessários três elementos para a produção de conhecimento: • Um sujeito cognoscente. • Algo a ser conhecido. • Uma opinião sobre o algo a ser conhecido criada, mentalmente, pelo sujeito cognoscente. Na medida em que o homem é racional e dotado da capacidade de comunicar-se por linguagem simbólica, pode transmitir seus conhecimentos a seus semelhantes, ao contrário de todas as outras espécies animais. Assim, da relação entre sujeitos e objetos a serem conhecidos, surgem conhecimentos, que nos ajudam a atribuir sentido a tudo o que nos rodeiam, incluindo a nossa própria existência. Filosofia da Educação 27 REFLITA: De uma forma geral, podemos definir conhecimento como os elementos que encontramos em diversas fontes (livros, internet, rádio, televisão) capaz de ampliar a nossa concepção de realidade. Porém, o simples acesso a informações, como a capacidade de possuir uma enorme coleção de livros, por si só, não caracteriza conhecimento. É necessário que as informações sejam aplicadas à compreensão do mundo, por meio de procedimentos racionais, para que se tornem conhecimentos. Portanto, decorar e reunir informações é muito diferente de ter conhecimento. Os tipos de conhecimento De acordo com Carvalho (1997), existem quatro tipos de conhecimento: (1) conhecimento empírico, (2) conhecimento filosófico, (3) conhecimento teológico e (4) conhecimento científico. A seguir, veremos como esses tipos de conhecimento são caracterizados. Conhecimento empírico Também chamado de conhecimento vulgar ou de senso comum, apresenta, como aspecto mais marca, o valor de ser valorativo. Fundamenta-se em elementos como emoções, experiências e estados de ânimo, tendendo a não ser sistemático. É um tipo de conhecimento verificável, uma vez que surge do que é empírico, das experiências cotidianas. De uma forma simples, pode ser entendido como produto das necessidades humanas de sobreviver às demandas diários. Isso explica, por um lado, o porquê de, normalmente, o sujeito colocar-se como espectador da realidade; e, por outro lado, o porquê do conhecimento empírico ser tratado como espontâneo. Filosofia da Educação 28 Conhecimento filosófico No bojo da filosofia, conhecimento é um conjunto de concepções sobre a realidade que sejam coerentes entre si. É necessário porque os seres humanos vivem direcionados a questões específicas, como trabalho e relacionamento, mas isso não significa que serão, sempre, conhecimentos verificáveis. De acordo com Ferrari (1974, p. 12), “as hipóteses filosóficas baseiam- se na experiência e não da experimentação”. Essa definição retrata que as hipóteses filosóficas não podem nem ser confirmados nem ser refutadas, ao contrário das hipóteses de cunho científico, Apesar de ser um conhecimento infalível, porque não pode ser submetido a experimentos, é racional, devido ao encadeamento lógico de seu conteúdo, agregando-lhe coerência e sistematicidade. Nesse sentido, tenta ser um retrato adequado da realidade. Conhecimento científico Ferrari define o conhecimento científico como real, porque deriva de fatos, estando relacionado a toda “forma de existência que se manifesta de algum modo” (FERRARI, 1982, p. 14). Sendo assim, pode ser classificado como um contingencial: a validade de suas hipóteses, ao contrário das do conhecimento filosófico, não pode ser determinada somente por meio da razão, mas dependerá, em grande parte, da experimentação. Por outro lado, também adotará o encadeamento lógico de seu conteúdo, a fim de formar uma teoria (conjunto de conteúdos encadeados logicamente) e, por conseguinte um sistema de pensamentos ou ideias. Como todos os conhecimentos que não foram sujeitos à verificação são descartados, o conhecimento científico é verificável. Ademais, retomando a discussão da seção anterior, hipóteses que não possam ser testadas são recusadas, o que faz desse conhecimento falível. Gaston Bachelard (1884-1962) foi um filósofo francês que se dedicou à filosofia da ciência. De acordo com o autor, o conhecimento humano deve ser estudado historicamente, de forma que essa análise desvele Filosofia da Educação 29 como foi construído. Assim, haveria três momentos no desenvolvimento da ciência ocidental: • O que demarca a Antiguidade, estendendo-se até a época do Renascimento, chamado de pré-científico (BACHELARD, 2005). • O que demarca o período entre os séculos XVIII e XIX, chamado de Estado científico (BACHELARD, 2005). • O que se iniciou no século XIX e vige até o presente, chamado de novo espírito científico (BACHELARD, 2005). Cada momento do desenvolvimento da ciência ocidental, na concepção de Bachelard (2005), é fruto de uma análise do passado, tal como a que propõe, evitando os caminhos que foram tomados até então. Portanto, a ciência apresenta uma descontinuidade quanto à realidade, quanto às experiências imediatas e, de certa, com o seu próprio processo de construção. Isso parece contraditório, mas há uma lógica muito interessante: caso a produção científica fosse somente linear, não seria possível produzir conhecimentos novos. Então, todos os procedimentos partiriam do mesmo raciocínio e chegariam aosmesmos resultados. Por isso, para que a ciência, enquanto corpo de conhecimentos, possa avançar, Bachelard (2005) defende que sua história seja estudada, recusando soluções aventadas anteriormente. Conhecimento teológico ou religioso O conhecimento religioso é composto por doutrinas sagradas, o que torna valorativa e, por ensinamentos divinos, o que o transforma em inspiracionais. Logo, trata-se de um conhecimento que vale como verdadeiro, sendo infalível e incontestável. Uma vez que envolve a ação de entidades sobrenaturais, partilhar dos conhecimentos religiosos depende de fé. Mas, apesar de as suas concepções não serem verificáveis, tem um caráter sistemático e apresenta respostas para a origem do universo e para o sentido da vida. Filosofia da Educação 30 REFLITA: A reação de teólogos à teoria da evolução das espécies, de Charlie Darwin, demonstra como os conhecimentos científicos são diferentes. De modo geral, baseando-se nos textos sagrados, teólogos rejeitaram que, do processo de seleção natural, possa ter resultado o ser humano, aceitando, por ato de fé, a doutrina como verdadeira. Enquanto isso, os cientistas, como é o caso de Darwin, adotam fatos para comprovar e para refutar suas hipóteses sobre a realidade. É importante, ainda, destacar que, em seu processo particular de apreensão da realidade, o sujeito pode adotar uma, duas e, até mesmo, todas as segmentações de conhecimento estudadas. Adotando o ser humano como exemplo, pode-se estudá-lo de uma perspectiva empírica, observando as suas condutas em sociedade e comparando-as com nossas opiniões; de uma perspectiva filosófica, analisando seus estados internos e prospectando sua origem e seu destino; de um uma perspectiva científica, investigando a sua fisiologia e as suas estruturas biológicas; e de uma perspectiva religiosa, adotando, como verdadeiras, as doutrinas de uma religião. Antes de finalizar, confira-se o Quadro 2, em que são sistematizas as características dos quatro tipos de conhecimento (CARVALHO, 1997). Quadro 2 – Características dos quatro tipos de conhecimento (CARVALHO, 1997) Empírico Filosófico Científico Religioso valorativo valorativo real valorativo reflexivo racional contingente inspiracional assistemático sistemático sistemático sistemático verificável não verificável verificável não verificável falível infalível falível infalível inexato exato aproximadamente exato exato Fonte: Elaborado pelo autor (2021). Filosofia da Educação 31 RESUMINDO: E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir algo do que vimos. Você deve ter aprendido a classificar a tipologia do conhecimento e descrever cada um dos tipos. Filosofia da Educação 32 REFERÊNCIAS ABRÃO, B. S. História da filosofia. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Atlas, 2009. BACHELARD, G. O novo espírito científico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995. 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