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Em Levantado do chão (1980), Saramago confirma sua ascendência neorrealista, retomando o problema do conflito rural português. Neste trecho, o autor explica o contexto dessa obra: Acho que do chão se levanta tudo, até nós nos levantamos. E sendo o livro como é - um livro sobre o Alentejo- e querendo eu contar a situação de uma parte da nossa população, num tempo relativamente dilatado, o que vi foi todo o esforço dessa gente de cujas vidas eu ia tentar falar é no fundo o de alguém que pretende levantar-se. Quer dizer: toda a opressão económica e social que tem caracterizado a vida do Alentejo, a relação entre o latifúndio e quem para ele trabalha, sempre foi - pelo menos do meu ponto de vista - uma relação de opressão. A opressão é, por definição, esmagadora, tende a baixar, a calcar. O movimento que reage a isto é o movimento de levantar: levantar o peso que nos esmaga, que nos domina. Portanto, o livro chama-se Levantado do Chão porque, no fundo, levantam-se os homens do chão, levantam-se as searas, é no chão que semeamos, é nos chão que nascem as árvores e até do chão se pode levantar um livro. Fonte [8] MEMORIAL DO CONVENTO (1982) Em Memorial do Convento (1982), no entanto, confirma-se plenamente a maturidade estilística do autor, numa obra que renova o romance histórico numa perspectiva formal e crítica inusitada, colocando no centro da cena histórica as pessoas que não têm direito a aparecerem nos documentos oficiais. Referências históricas e situações fantásticas se mesclam (Blimunda pode ver as vontades dentro das pessoas). A ciência e a magia ainda não se separam no projeto da passarola, máquina de voar movida pelas vontades colhidas por Blimunda, obra inventada pelo padre Bartolomeu de Gusmão. No primeiro trecho, aparece a promessa de D. João V, soberano que é visto sem mitificação, na intimidade; no segundo, a fala de Blimunda a Baltasar: Perguntou el-rei, É verdade o que acaba de dizer-me sua eminência, que se eu prometer levantar um convento em Mafra terei filhos, e o frade respondeu, Verdade é, senhor, porém só se o convento for franciscano, e tornou el-rei, Como sabeis, e frei António disse, Sei, não sei como vim a saber, eu sou apenas a boca de que a verdade se serve para falar, a fé não tem mais que responder, construa vossa majestade o convento e terá brevemente sucessão, não o construa e Deus decidirá. Com um gesto mandou el-rei ao arrábido que se retirasse, e depois perguntou a D. Nuno da Cunha, É virtuoso este frade, e o bispo respondeu, Não há outro que mais o seja na sua ordem. Então D. João, o quinto do seu nome, assim assegurado sobre o mérito do empenho, levantou a voz para que claramente o ouvisse quem estava e o soubessem amanhã cidade e reino. Prometo, pela minha palavra real, que farei construir um convento de franciscanos na vila de Mafra se a rainha me der um filho no prazo de um ano a contar deste dia em que estamos, e todos disseram, Deus ouça vossa majestade, e 57