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ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 1 2 QUÉSIA POSTIGO KAMIMURA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 1ª Edição 2020 3 Copyright©2020. Universidade de Taubaté. Todos os direitos desta edição reservados à Universidade de Taubaté. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio, sem a prévia autorização desta Universidade. Administração Superior Reitora Profa. Dra. Nara Lucia Perondi Fortes Vice-reitor Prof. Dr. Jean Soldi Esteves Pró-reitor de Administração Prof. Dr. Jean Soldi Esteves Pró-reitor de Economia e Finanças Prof. Dr. Francisco José Grandinetti Pró-reitora Estudantil Profa. Dra. Máyra Cecilia Dellu Pró-reitor de Extensão e Relações Comunitárias Profa. Dra. Letícia Maria P. da Costa Pró-reitora de Graduação Profa. Ma. Angela Popovici Berbare Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação Prof. Dra. Sheila Cavalca Cortelli Coordenação Geral EaD Profa. Dra. Patrícia Ortiz Monteiro Coordenação Pedagógica Profa. Dra. Ana Maria dos Reis Taino Coord. de Curso de Administração Prof. Me. André Luís de Freitas Guimarães Supervisão Pedagógica de Objetos de Aprendizagem Profa. Ma. Maria Goretti Menezes Miacci Revisão ortográfica-textual Profa. Esp. Estefanie Aparecida de Oliveira Machado Projeto Gráfico Me. Benedito Fulvio Manfredini Diagramação Bruna Paula de Oliveira Ortiz Siani Autora Quésia Postigo Kamimura Unitau-Reitoria Rua Quatro de Março,432, Centro Taubaté – São Paulo. CEP:12.020-270 Central de Atendimento:0800557255 Polo Taubaté – Sede Rua Conselheiro Moreira de Barros, 203 - Centro Taubaté – São Paulo. CEP:12.010-080 Telefones: Coordenação Geral: (12)3621-1530 Secretaria: (12) 3622-6050 Sistema Integrado de Bibliotecas - SIBi/ UNITAU Grupo Especial de Tratamento da Informação - GETI Kamimura , Quésia Postigo K15a Administração pública [recurso eletrônico] / Quésia Postigo Kamimura – Dados eletrônicos. – Taubaté : EdUnitau , 2020. Formato : PDF Requisitos do sistema : Adobe Modo de acesso : World Wide Web ISBN: 978-65-87859-08-8 (on-line) 1. Políticas Públicas. 2. Modelos em administração. 3. Reforma Administrativa. I. Título. CDD 342.8 Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Maria Ap. Lemos de Souza - CRB-8/9087 4 PALAVRA DA REITORA Palavra do Reitor Como gestora da Universidade de Taubaté (UNITAU), instituição que você escolheu para fazer seu curso superior a distância, tenho a grata satisfação de acolhê-lo na maior Universidade da Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte, a RMVale. Com o compromisso de levar ensino de qualidade e inovador para cada canto desse país, o Ensino a Distância da UNITAU tem como principal diferencial uma equipe qualificada de professores mestres e doutores empenhados em proporcionar aulas dinâmicas, por meio de um material didático com conteúdo rico e abrangente. Nessa perspectiva, este livro-texto aborda conteúdo significativo e coerente à sua formação acadêmica e ao seu desenvolvimento social e profissional. Cuidadosamente redigido e ilustrado, sob a supervisão da nossa equipe de professores, o resultado aqui apresentado visa, essencialmente, fornecer conhecimento atualizado para sua formação teórico-prática. Como Universidade, nossa missão é construir conhecimentos que se intercalem na tríade Ensino, Pesquisa e Extensão, sempre de forma planejada, responsável e pautada no respeito. Temos a certeza de que o presente estudo lhe será de grande valor. Seja bem-vindo à maior Universidade Municipal do Brasil! Bons estudos! Prof. Dra. Nara Lucia Perondi Fortes Reitora 5 6 Prefácio Esta obra pretende cobrir os principais conceitos e princípios da administração pública, em especial na compreensão teórica, em introduzir conhecimentos das suas formas de atuação, as diferenças e semelhanças da gestão no âmbito das organizações públicas e privadas, e assim desenvolver a capacidade de reflexão crítica do processo de gestão do setor público, principalmente na sua aplicação desses conhecimentos no mundo atual. Ao longo do livro-texto são contemplados temas relacionados ao arcabouço que ampara os conceitos introdutórios e fundamentos da administração pública, incluem-se a formação do Estado, governo, os principais modelos de administração pública e suas principais características. As abordagens contemporâneas da administração públicas vão contemplar desde o processo de descentralização, o fortalecimento do poder local e apresentação de novas práticas voltadas à construção da cidadania. Nesse sentido, a importância da formação de gestores e de ampliar as técnicas e as boas práticas em prol de uma sociedade em evolução para a busca de solução dos problemas públicos e a qualidade de vida da população. Muitos de vocês estudantes, provavelmente irão trabalhar ou já trabalham nas áreas de gestão, alguns já atuam ou interagem com serviços públicos federais, estaduais ou municipais, são gestores e outros entre vocês estão se preparando para serem os futuros gestores, nesse sentido, conhecer o processo os conceitos fundamentais da administração pública e ampliar conhecimentos nessa área, pode auxiliá-los, junto do conjunto das demais disciplinas, no tocante ao funcionamento do mundo dos negócios, que incluem as organizações de natureza privada e de natureza privada. O texto apresenta-se de forma simples e resumida e no final de cada Unidade consta um resumo em tópicos, e também, exercícios, indicação de vídeo e/ou atividades para recapitular o que foi estudado e testar conhecimentos. Desejo a todos bons estudos! 7 8 Sobre o autor QUÉSIA POSTIGO KAMIMURA: É economista. Pós-doutora e doutora em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo. Mestre em Desenvolvimento Regional (Unitau). Professora no Departamento de Gestão e Negócios e Docente Permanente do Programa de Pós-graduação em Gestão e Desenvolvimento Regional. Líder do grupo de pesquisa Saúde, Qualidade de Vida e Desenvolvimento Cnpq. 9 10 Caros(as) alunos(as), Caros( as) alunos( as) O Programa de Educação a Distância (EAD) da Universidade de Taubaté apresenta-se como espaço acadêmico de encontros virtuais e presenciais direcionados aos mais diversos saberes. Além de avançada tecnologia de informação e comunicação, conta com profissionais capacitados e se apoia em base sólida, que advém da grande experiência adquirida no campo acadêmico, tanto na graduação como na pós-graduação, ao longo de mais de 35 anos de História e Tradição. Nossa proposta se pauta na fusão do ensino a distância e do contato humano-presencial. Para tanto, apresenta-se em três momentos de formação: presenciais, livros-texto e Web interativa. Conduzem esta proposta professores/orientadores qualificados em educação a distância, apoiados por livros-texto produzidos por uma equipe de profissionais preparada especificamente para este fim, e por conteúdo presente em salas virtuais. A estrutura interna dos livros-texto é formada por unidades que desenvolvem os temas e subtemas definidos nas ementas disciplinares aprovadas para os diversos cursos. Como subsídio ao aluno, durante todo o processo ensino-aprendizagem, além de textos e atividades aplicadas, cada livro-texto apresenta sínteses das Unidades, dicas de leituras e indicação de filmes, programas televisivos e sites, todos complementares ao conteúdo estudado. Os momentos virtuais ocorrem sob a orientação de professores específicos da Web. Para a resolução dos exercícios, como para as comunicações diversas, os alunos dispõem de blog, fórum,diários e outras ferramentas tecnológicas. Em curso, poderão ser criados ainda outros recursos que facilitem a comunicação e a aprendizagem. Esperamos, caros alunos, que o presente material e outros recursos colocados à sua disposição possam conduzi-los a novos conhecimentos, porque vocês são os principais atores desta formação. Para todos, os nossos desejos de sucesso! Equipe EAD-UNITAU 11 12 Sumário Palavra do Reitor .............................................................................................................. 4 Prefácio ............................................................................................................................. 6 Sobre o autor ..................................................................................................................... 8 Caros(as) alunos(as) ....................................................................................................... 10 Ementa ............................................................................................................................ 14 Objetivos ......................................................................................................................... 16 Unidade 1 Formação do Estado e da Burocracia Moderna..................................... 20 1.1 Políticas públicas ...................................................................................................... 20 1.2 Administração pública: conceitos, objetivos e princípios ........................................ 31 1.3 Estado e a burocracia moderna ................................................................................. 35 1.4 Síntese da Unidade ................................................................................................... 39 1.5 Para saber mais ......................................................................................................... 40 1.6 Atividades ................................................................................................................. 41 Unidade 2 Evolução e Modelos de Administração Pública ..................................... 42 2.1 Administração Pública: uma breve evolução ........................................................... 42 2.2 Modelos de administração pública ........................................................................... 46 2.3 Síntese da Unidade ................................................................................................... 65 2.4 Para saber mais ......................................................................................................... 65 2.5 Atividades ................................................................................................................. 66 Unidade 3 A Reforma da Administração Pública no Brasil: Descentralização, Poder Local e Cidadania .............................................................................................. 68 13 3.1 Pressupostos e a Reforma Administrativa ................................................................ 68 3.2 Descentralização, poder local e participação social ................................................. 73 3.3 Participação social .................................................................................................... 77 3.4 Síntese da Unidade ................................................................................................... 81 3.5 Para saber mais ......................................................................................................... 81 3.6 Atividades ................................................................................................................. 83 Unidade 4 Abordagens Contemporâneas para a Administração Pública .............. 86 4.1 Formação de gestores e lideranças ........................................................................... 86 4.2 Modernização da administração pública .................................................................. 89 4.3 Orçamento público ................................................................................................... 95 4.4 Desafios e críticas: os aspectos normativo e reducionista na Administração Pública ............................................................................................................................ 99 4.5 Síntese da Unidade ................................................................................................. 101 4.6 Para saber mais ....................................................................................................... 102 4.7 Atividades ............................................................................................................... 103 Referências .................................................................................................................. 103 14 ORGANIZE-SE! Você deverá dispor de 3 a 4 horas para realizar a leitura de cada Unidade ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Ementa EMENTA Formação do Estado. Formação da burocracia moderna. Impacto na formação social brasileira. Era Vargas. Instrumental crítico e de reflexão da administração. Abordagens de caráter normativo ou reducionista. Formação de lideranças locais. Abordagens contemporâneas para a gestão pública. 15 16 Objetivo Geral Desenvolver a compreensão teórica e a capacidade de reflexão crítica do processo de gestão do setor público. Obj eti vos Objetivos Específicos Introduzir o conhecimento da gestão pública destacando sua variedade de formas de atuação; Discutir as similaridades com outras áreas da administração empresarial; Apresentar as novas práticas voltadas à construção da cidadania. 17 18 Introdução Na Unidade 1, vamos estudar a formação do Estado e a formação da burocracia moderna, vamos conhecer os conceitos introdutórios da administração pública. Para tanto, escolhemos um caminho a partir dos aspectos conceituais de políticas públicas, a apresentação dos conceitos, objetivos e princípios da administração pública. Na sequência, a relação entre Estado, governo e administração pública para uma compreensão da formação do Estado e da Burocracia Moderna, são abordados. A Unidade 2 abordará sobre a formação social brasileira, a Era Vargas e os aspectos críticos e de reflexão da administração pública. Para tanto, vamos aprender como foi o processo evolutivo da administração pública no Brasil, as contribuições da vinda de D. João VI, que trazem com ele o aparato de Estado que era instalado na metrópole. Ainda na Unidade 2, vamos conhecer os modelos de administração pública, com suas respectivas características e sua importância na trajetória da formação social brasileira e da administração pública. A seguir, na Unidade 3, vamos conhecer os pressupostos da reforma administrativa, bem como o processo de descentralização e o fortalecimento do poder local. Nesse contexto, abordaremos sobre o Estado democrático, a participação social e os mecanismos de controle social. Faz parte da Unidade 3, o tema cidadania, no contexto da democracia e os mecanismos de integração social para a capacidade da sociedade de construir cidadania ativa e ainda, os desafios a serem consolidados na sociedade brasileira. É na Unidade 4, que são tratadas as abordagens contemporâneas para a administração pública, incluindo a formação de gestores e de lideranças. A modernização da 19 administração pública e respectivas técnicas, considerando os principais modelos de administração pública. E claro, não poderiam faltar, as reflexões, as críticas e os desafiosnos avanços da administração pública contemporânea. Desejo a todas e a todos, ótimos estudos! 20 Unidade 1 Unidade 1 . Formação do Estado e da Burocracia Moderna Nesta Unidade, vamos estudar a formação do Estado e a formação da burocracia moderna, vamos conhecer os conceitos introdutórios da administração pública. Para tanto, escolhemos um caminho a partir dos aspectos conceituais de políticas públicas, a apresentação dos conceitos, objetivos e princípios da administração pública. Na sequência, a relação entre Estado, governo e administração pública para uma compreensão da formação do Estado e da Burocracia Moderna são abordados. 1.1 Políticas públicas Ao tratarmos da caracterização, conceitos e objetivos da “GESTÃO PÚBLICA”, essa temática remete-nos a abordar sobre políticas públicas e delinearmos as diferenças entre Estado e governo. De forma resumida, vamos considerar que o Estado é um conjunto de instituições permanentes, tais como órgãos legislativos, tribunais, exército, dentre outros que propiciam a ação do Governo. E Governo, podemos entender como sendo um rol de programas e projetos que emergem da sociedade, representada por políticos, técnicos e sociedade civil organizada ou não, e outros; para a sociedade como um todo. E assim, assumindo a orientação política de um determinado governo que assume as funções de Estado por um dado período de tempo. 21 O que são Políticas Públicas então? No contexto exposto acima, podemos entender políticas públicas como “Estado em ação”, é o Estado realizando a implementação de projetos, programas ou ações voltadas para determinado setor da sociedade. Nessa perspectiva conceitual, além da necessidade de uma constante modernização de ferramentas de avaliação de programas, projetos e políticas públicas, destacam-se as questões relacionadas a tomadas de decisão, a escolhas realizadas aos modelos de implementação e avaliação em relação a uma estratégia governamental. Na língua portuguesa, a palavra política expressa mais de uma conotação. Na língua inglesa há uma diferenciação, utilizando os termos politics e policy, que propicia melhor entendimento de políticas públicas. Na língua portuguesa, a palavra política expressa mais de uma conotação e está presente no imaginário das pessoas com diversos sentidos, como por exemplo, “minha sogra não gosta de falar sobre política”, “só de pensar em política sinto enjoo”, dentre outros. Na língua inglesa há uma diferenciação, utilizando os termos politics e policy, que propicia melhor entendimento de políticas públicas. Podemos notar que, muitas vezes, a palavra política em português é entendida na concepção de Bobbio (2002), como sendo uma atividade humana com a intenção de obter ou manter os recursos necessários para exercer poder sobre o homem. Exemplos de expressão: “não gosto de política”, “políticos não prestam”. Outro sentido da palavra política (policy) presente no dia a dia está mais voltado para decisão e ação. Exemplo de expressões: “a empresa construiu uma política de reposição de estoque para atender seus novos clientes”; “a política de vendas da empresa “X” não permite a troca de produtos”. As políticas públicas (public policy) estão ligadas à essa última. Neste livro, o termo políticas públicas trata do segundo sentido da palavra “política”, que em inglês, public policy. 22 Algumas definições de políticas públicas: Nesse sentido, Frei (2000) estipula três dimensões para política, a saber: “é uma diretriz elaborada para enfrentar um problema público [e] possui dois elementos fundamentais: intencionalidade pública e resposta a um problema público.” (SECCHI, 2014, p.1). “é a ciência dos fenômenos referentes ao Estado, um sistema de regras direcionadoras dos negócios públicos, arte de governar os povos, conjunto de objetivos que formatam programas de ação governamental, posição ideológica quanto aos fins do Estado, habilidade nas relações humanas.” FERREIRA (2010, s/p) Polity (dimensão institucional) – faz referência ao sistema político, à cerca do sistema jurídico e à estrutura do sistema político-administrativo. Caracteriza-se nas ações e negociações dos representantes da sociedade nos diferentes fóruns, nas diferentes esferas e poderes. Politics (dimensão processual) - tem caráter de conflito, pois trata das imposições de ideias e objetos aos conteúdos e as decisões. Policy (dimensão material) – trata da configuração dos programas políticos e faz referência às questões de decisão e conteúdo político. 23 Como podemos observar “política” não é o mesmo que “política pública”, a língua inglesa estabelece distinções conceituais. Na abordagem de Sechi (2010), a política pública é considerada como uma diretriz elaborada com o propósito de resolver um problema público. Destacam-se dois elementos fundamentais: a intencionalidade pública (qual o motivo para o estabelecimento de uma política pública?); resposta a um problema público (qual é a resolução e como foi resolvido o problema entendido pela coletividade como importante?). Por problema público (fig. 1.1), vamos entender como a diferença entre uma situação atual indesejada (uma realidade atual) e uma situação futura desejável/possível. Figura 1.1: Exemplo Fonte: Elaborada pela autora. 24 O problema público pode ser identificado quando deparamos com uma situação (status quo) considerada inadequada, indesejada quando, no entanto, existe uma situação ideal e possível para ser realizada, ou seja, alcançar uma situação melhor. O que é que diferencia uma política de uma política pública? A literatura aponta para duas abordagens: a estatista e a multicêntrica. Estatista – é considera política pública somente quando é emanada do Estado, um único protagonista. Multicêntrica – considera no estabelecimento das políticas públicas, as organizações privadas, organizações não governamentais, organismos multilaterais, redes de políticas públicas, em conjunto com atores estatais. É importante salientarmos para quando o problema que se busca enfrentar é publico. Na visão de Souza (2006), as políticas públicas estão ligadas fortemente ao Estado, e este é quem determina como os recursos serão aplicados de forma a prover benefícios a sociedade, e traz também direcionamento de como o dinheiro arrecadado sob forma de impostos deve ser acumulado e de como este deve ser investido, além de como deve ser efetuada a prestação de contas públicas, visando a transparência e a responsabilidade fiscal. Para compreendermos melhor essa dinâmica da ação governamental, vamos olhar para o ciclo de políticas públicas. O que é ciclo de políticas públicas? Dentre as principais fases do ciclo de políticas públicas (fig. 1.2), destacamos: a) O ciclo de políticas públicas é um esquema de visualização e interpretação que organiza a vida de uma política pública em fases sequenciais e interdependentes. (SECCHI, 2010, p.33) 25 identificação do problema; b) formação da agenda; c) formulação de alternativas; d) tomada de decisão; e) implementação; f) avaliação; g) extinção. a. Identificação do problema Um problema é a discrepância entre o status quo e uma situação ideal possível. A delimitação do problema envolve definir quais são seus elementos, e sintetizar em uma frase a essência do mesmo. b. Formação da Agenda A formação da agenda constitui o momento de início da política pública e distingue-se em três principais tipos de agenda: agenda política, agenda formal e agenda da mídia. Agenda política: conjunto de problemas ou temas que a comunidade política percebe como merecedor de intervenção pública. Agenda formal: também conhecida como agenda institucional, é aquela que elenca os problemas ou temas que o poder público já decidiuenfrentar. Agenda da mídia: conjunto de problemas ou temas que recebem especial atenção dos diversos meios de comunicação. c. Formulação de alternativas Figura 1.2: Ciclos de Políticas Públicas Fonte: Adaptado de Secchi (2010). 26 A formulação de soluções passa pelo estabelecimento de objetivos e estratégias. Um mesmo objetivo pode ser alcançado de várias formas, por diversos caminhos. Pode ser feito com o suporte de três técnicas: Projeções: observação de tendências; Predições: uso de teorias ou analogias; Conjecturas: juízos de valor. Os formuladores oficiais de políticas públicas compõem-se pelo Executivo, Legislativo e Judiciário. As decisões são determinadas por valores políticos de cada organização, governamentais, pessoais e ideológicos. Temos também que considerar os atores não oficiais representados pelos partidos políticos, indivíduos, grupos de interesse, entre outros. d. Tomada de decisão É o momento em que os interesses dos formuladores de políticas públicas são balizados e os objetivos e forma estratégica de enfrentamento do problema público sejam explicitadas. e. Implementação A fase de implementação é aquela em que as regras, as rotinas e os processos sociais são expressos em intenções em ações. Trata aqui da fase de execução das diferentes ações de governo para se alcançar os resultados de uma política pública. f. Avaliação A avaliação da política pública é um processo importante que possibilita avaliar quais foram os resultados obtidos com a implementação da política pública. Nas avaliações podem ser consideradas várias óticas, que destacamos três: Eficiência – trata da relação de custo-benefício da política implementada, 27 configura em ações que buscam tornar a Administração Pública mais eficiente. Eficácia – trata de verificar se aquilo que foi previsto na fase de formulação foi alçando na fase de implementação. Efetividade – busca analisar o impacto de uma determinada política na sociedade. g. Extinção A extinção de uma política pública pode estar baseada em três motivações: o problema foi resolvido; os programas foram avaliados como ineficazes; o problema deixou de ser importante. A abordagem de observar as políticas públicas como ciclo nos permite notar que diferentes atores, público (podem decidir sobre o encaminhamento das políticas públicas) e privado (exercem influência no encaminhamento das políticas públicas), participam desse processo, sejam eles políticos, gestores públicos, burocratas, juízes, grupos de interesse, sociedade civil organizada ou não, empresários, trabalhadores, entidades do terceiro setor, mídia, entre outros. Essa abordagem também nos ajuda entender sobre a atuação dos gestores e a complexidade do serviço público. Entre os desafios que permeiam o processo de políticas públicas no Brasil, envolvem Estado, Governo e a Gestão Pública. O que é Estado? O Estado apresenta-se como uma unidade básica social com território definido e com uma nação constituída pela coletividade que habita determinada localidade, genericamente entendida como um povo. 28 O conceito de Estado varia segundo o ângulo em que é considerado: Do ponto de vista sociológico: o É corporação dotada de um poder de mando originário. Sob o aspecto político: o É comunidade de homens fixada sob um território, com poder superior de ação, de mando e de coerção. Sob o prisma constitucional: o É pessoa jurídica territorial soberana. Ainda tratando do Estado, na conceituação do nosso Código Civil: É pessoa jurídica de direito público interno (art. 14, I) Vamos também incluir, que como ente personalizado, o Estado tanto pode atuar no campo do direito público como no do direito privado, mantendo sempre sua única personalidade de direito público. O Estado é constituído de três elementos: POVO: é o componente humano do Estado. TERRITÓRIO: a sua base física. GOVERNO SOBERANO: é o elemento condutor do Estado, que detém e Estado: “consiste na pessoa jurídica de direito público interno e externo, composta pelo povo, território e poder estatal”. (Gama, 2005). 29 exerce o poder absoluto de autodeterminação e auto-organização emanada do Povo. Os Poderes do Estado De acordo com o disposto no artigo 2º da Constituição Federativa de 1988, os poderes são independentes e harmônicos entre si e com suas funções reciprocamente indelegáveis, a cada um deles corresponde uma função que lhe é atribuída com precipuidade. Funções Precípuas dos Poderes: Organização do Estado O Estado, enquanto organização, como um sistema social formalmente estruturado em instituição que organiza a ação coletiva dos cidadãos, por meio da Constituição Nacional, e de todas as demais instituições legais ou jurídicas que cria ou legitima, e que fazem A organização político-administrativa brasileira compreende: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos da Constituição Legislativo Executivo Judiciário Legislativo: elaboração da lei – função normativa. Executivo: a conversão da lei em ato individual e concreto – função administrativa. Judiciário: aplicação coativa da lei aos litigantes - função judicial. 30 Federativa Brasileira de 1988. Quanto à organização e estrutura do Estado, têm-se três dimensões, são elas: forma de governo, sistema de governo e forma de Estado (tabela 1.1), que se classificam: De acordo com a Constituição Federal Brasileira de 1988, organização e estrutura de Estado, no Brasil, dispõem da seguinte forma (fig. 1.3): Assim, Rodrigues (2010) evidencia que a federação brasileira possui descentralização política e no que tange a organização político-administrativa do Brasil, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são caracterizados como entidades autônomas na Constituição Federal brasileira de 1988, a qual visa garantir a distribuição União Estados Distrito Federal Municípios Tabela 1.1: Organização e Estrutura do Estado Forma de Governo República ou Monarquia Sistema de Governo Presidencialismo ou Parlamentarismo Forma de Estado Estado unitário ou Federação Fonte: Elaborada pela autora. Figura 1.3: Organização e estrutura de Estado no Brasil Fonte: Elaborada pela autora. Forma de Governo República Sistema de Governo Presidencialismo Forma de Estado Federação 31 de competências e demonstração de coesão entre todos os entes federados, conforme expressa o princípio da indissolubilidade do vínculo federativo e constitui-se em Estado Democrático de Direito disposto no artigo 1º da CF de 1988 (BRASIL, 1988). O governo configura-se como a instância máxima de administração executiva, cuja atribuição principal é direcionar políticas públicas e regular a sociedade politicamente. Nesse sentido, as políticas públicas compõem a forma pela qual o governo executa suas ações. A gestão das políticas públicas envolve desafios nas suas diversas etapas, na formação da agenda pública, formulação e avaliação, envolvem a interação com diversos atores sociais, como o Legislativo, Judiciário, Ministério Público e outros atores sociais, como conselheiros nacionais, estaduais e municipais. Nessa dinâmica, durante o ciclo das políticas públicas, atores públicos, compreendidos como os gestores públicos, juízes, burocratas, políticos e outras instituições do Governo, participam de diversas formas dos processos de encaminhamento das políticas públicas. Incluem-se, também, os atores sociais privados, como, a mídia, as organizações do terceiro setor, consumidores, empresários, trabalhadores, dentre outros, que têm papel e/ou poder para influenciar ou direcionar a formatação das políticas públicas. 1.2 Administraçãopública: conceitos, objetivos e princípios Ao abordarmos a parte conceitual, um dos questionamentos que surgem é “gestão pública” e “administração pública” são iguais ou são assuntos diferentes? Como podemos definir administração pública? Quais são os seus objetivos e princípios? 1.2.1 Conceitos de administração pública Ao abordarmos a parte conceitual, um dos questionamentos que surgem é “gestão pública” e “administração pública” são iguais ou são assuntos diferentes? 32 Existem vários e diferentes argumentos que tratam gestão e administração. Alguns estudos apontam como diferentes e outros como sinônimos e equivalentes. Na visão de Moore (1984, p.3), “a essência da gestão pública está em conceber e implementar políticas públicas que realizem o potencial de um dado cenário político e institucional”. A administração pública, segundo Moraes (2006), pode ser definida como atividades que o Estado desenvolve para assegurar os interesses da sociedade e também como o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas, aos quais a Lei atribui o exercício da função administrativa do Estado. Para Gemelli e Filippim (2010), a administração pública deve atender ao interesse público e às necessidades da sociedade, utilizando para isso a estrutura administrativa, de forma direta ou indireta, e os meios permitidos pela legislação vigente. Para tanto, é preciso que toda a estrutura administrativa esteja integrada e, além do simples cumprimento das recomendações da lei, procure satisfazer, de forma planejada e organizada, às necessidades do cidadão. Pereira (1998) diz que é premissa da administração pública atender as demandas com eficiência, utilizando racionalmente todos os seus recursos, com eficácia, aumentando a sua capacidade de atingir resultados, e com efetividade, dentro dos limites da ética cívica. Para que esses valores sejam introduzidos na gestão pública, são necessários agentes públicos qualificados com competências técnicas, humanas e gerenciais. Quanto aos objetivos da administração pública O artigo 37 da Constituição Federal de 1988 determina que a administração pública tenha como principal objetivo o interesse público, seguindo os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. 1.2.2 Princípios da administração pública O que é Princípio? 33 A palavra princípio no dicionário significa o início de algo, o que vem antes, a causa, o começo e também um conjunto de leis, definições ou preceitos utilizados para nortear o ser humano. É uma verdade universal, aquilo que o homem acredita como um dos seus valores mais inegociáveis. Os princípios básicos da Administração Pública estão dispostos no artigo 37 da Constituição Federativa Brasileira de 1988, que determina (BRASIL, 1988): Art. 37 A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Para fins didáticos e facilitar nos estudos, utiliza-se a palavra L I M P E, em que cada letra expressa a inicial de cada um dos princípios da administração pública que constam do artigo 37 da Carta Magna de 1988. Legalidade Impessoalidade Moralidade Publicidade Eficiência Princípio da Legalidade A Legalidade está no alicerce do Estado de Direito, no princípio da autonomia da vontade. É um dos mais importantes para a Administração Pública. Baseia-se no Art. 5º da CF, que diz que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei", pressuposto de que tudo o que não é proibido, é permitido por lei. Mas o administrador público deve fazer as coisas sob a regência da lei imposta. Portanto, só pode fazer o que a lei lhe autoriza. Ele não pode se distanciar dessa realidade, caso contrário será julgado de acordo com seus atos. Princípio da Impessoalidade 34 A imagem de administrador público não deve ser identificada quando a Administração Pública estiver atuando. Outro fator é que o administrador não pode fazer sua própria promoção, tendo em vista seu cargo, pois esse atua em nome do interesse público. E mais, ao representante público é proibido o privilégio de pessoas específicas. Todos devem ser tratados de forma igual. Princípio da Moralidade Esse princípio tem a junção de Legalidade com Finalidade, resultando em Moralidade. Ou seja, o administrador deve trabalhar com bases éticas na administração, lembrando que não pode ser limitada na distinção de bem ou mal. Não se deve visar apenas esses dois aspectos, adicionando a ideia de que o fim é e sempre será o bem comum. A legalidade e finalidade devem andar juntas na conduta de qualquer servidor público, para o alcance da moralidade. Princípio da Publicidade Na Publicidade, o gerenciamento deve ser feito de forma legal, não oculta. A publicação dos assuntos é importante para a fiscalização, o que contribui para ambos os lados, tanto para o administrador quanto para o público. Porém, a publicidade não pode ser usada de forma errada, para a propaganda pessoal, e, sim, para haver um verdadeiro controle social. Princípio da Eficiência O administrador tem o dever de fazer uma boa gestão. É o que esse princípio afirma. O representante deve trazer as melhores saídas, sob a legalidade da lei, bem como a mais efetiva. Com esse princípio, o administrador obtém a resposta do interesse público e o Estado possui maior eficácia na elaboração de suas ações. Esse princípio anteriormente não estava previsto na Constituição e foi inserido após a Emenda Constitucional nº 19/98, relativo a Reforma Administrativa do Estado. 35 1.3 Estado e a burocracia moderna Na visão de Bresser-Pereira (2007), para analisar o papel da burocracia pública na história brasileira é necessário: distinguir a burocracia pública do aparelho ou organização do Estado; adotar uma posição clara em relação a um problema que é o da relação entre sociedade e Estado. Dessa forma, o autor apresenta que a burocracia pública foi a responsável pela administração do aparelho do Estado, e, em muitos momentos, é considerado um ator importante na definição de suas políticas. Burocracia Pública x Estado na perspectiva de Bresser-Pereira (2007): Cabe esclarecer que a burocracia pública integra o aparelho do Estado. A burocracia pública é apenas um dos setores sociais que buscam influenciar o Estado. O Estado é muito mais do que um simples aparelho ou organização: é o sistema constitucional - legal - é a ordem jurídica e a organização que a garante. O Estado é o instrumento de ação coletiva da nação. Suas leis e políticas são o resultado de um complexo sistema de forças sociais entre as quais a burocracia pública é apenas uma delas. O Estado não é autônomo. O Estado reflete ou expressa a sociedade. O capitalismo industrial e as democracias que surgem no século XIX configuram-se como importante para o capitalismo a ruptura entre o Estado e o mercado e a democracia só pode existir quando a sociedade se distingue do Estado, controlando-o, e é nesse contexto que se desenvolve um tipo de administração que separasse o público do privado. 36 A administração pública burocrática vem para suprir a administração patrimonialista, separar o patrimônio público e o privado, repreender a corrupção e o nepotismo, que eram características do modelo adotado anteriormente (BRESSER- PEREIRA, 2007). O modelo burocrático weberiano é um exemplo organizacional que desfrutou notável disseminação nas administrações públicas durante o século XX em todo o mundo. É atribuído a Max Weber, porque o sociólogo alemão analisou e sintetizou suas principais características. Karl Emil Maximilian Weber, mais conhecido como Max Weber,descende das famílias alemãs Fallenstein e Weber. Os Fallenstein eram uma linhagem de intelectuais. Já os Weber eram da alta classe comerciante da Alemanha. As conversas diárias com o pai sobre o que acontecia no Parlamento e sobre as políticas do Bismarck também influenciaram diretamente os interesses intelectuais de Weber. De acordo com Marianne Weber (2003), até os doze anos Weber já havia lido Spinoza, Schopenhauer, Kant, Maquiavel e estudado latim. Aos quatorze, produziu um mapa histórico da Alemanha de 1360, um ensaio histórico sobre a relação entre a história da Alemanha e a posição dos imperadores e do Papa e outro ensaio histórico sobre o período imperial romano desde Constantino até a Migração das Nações. Aos quinze, escreveu o texto Observações acerca do caráter étnico, o desenvolvimento e a história nas nações indo-europeias, de 1877. Aos dezesseis, leu os quarenta volumes da edição Cotta das obras de Goethe e estudou hebreu. Em 1882, aos dezoito anos, Weber ingressou na Universidade de Heidelberg para estudar a jurisprudência como matéria principal e a história, economia e filosofia como matérias complementares. Em 1893, Weber candidatou-se à vaga de professor de economia na Universidade de Freiburg e de professor de lei comercial na Universidade de Heidelberg. Figura 1.4: Maximilian Karl Emil Weber 37 A burocracia moderna funciona sob formas específicas (WEBER, 1982). As contribuições de Weber são sintetizadas em tipo de poder, tipos de sociedade e tipos de autoridade. Em relação aos tipos de dominação, o autor identificou a autoridade racional-legal como sendo a fonte de poder nas organizações burocráticas. Dessa forma, entende que o poder emana das normas, das instituições formais, e não do perfil carismático ou da tradição. As principais características (quadro 1.1) do modelo burocrático são: Formalidade; Impessoalidade; Profissionalismo. Quadro 1.1: Características principais do modelo burocrático Características Descrição Formalidade . deveres e responsabilidades aos membros da organização. . hierarquia administrativa, as documentações escritas dos procedimentos administrativos. . formalização dos processos decisórios e a formalização das comunicações internas e externas. . as tarefas dos empregados são formalmente estabelecidas de maneira a garantir a continuidade do trabalho e a estandardização dos serviços prestados, para evitar ao máximo a discricionariedade individual na execução das rotinas. 38 Impessoalidade . a relação entre os membros da organização e entre a organização e o ambiente externo está baseada em funções e linhas de autoridade claras. . o chefe ou diretor de um setor ou departamento tem a autoridade e responsabilidade para decidir e comunicar sua decisão. . o chefe ou diretor é a pessoa que formalmente representa a organização. . a impessoalidade implica que as posições hierárquicas pertencem à organização, e não às pessoas que a estão ocupando. Isso ajuda a evitar a apropriação individual do poder, prestígio, e outros tipos de benefícios, a partir do momento que o indivíduo deixa sua função ou a organização. Profissionalismo . valor positivo atribuído ao mérito como critério de justiça e diferenciação. . as funções são atribuídas a pessoas que chegam a um cargo por meio de competição justa na qual os postulantes devem mostrar suas melhores capacidades técnicas e conhecimento. . o profissionalismo é um princípio que ataca os efeitos negativos do nepotismo que dominava o modelo pré- burocrático. . a promoção do empregado para postos mais altos na hierarquia depende da experiência na função e desempenho. . separação entre propriedade pública e privada, . derivam do profissionalismo: trabalho remunerado, divisão racional das tarefas. E, a separação dos ambientes de vida e trabalho. Fonte: Adaptado de Secchi (2009). O modelo pautado na burocracia moderna também é conhecido na literatura inglesa como Progressive Public Administration - PPA, referindo-se ao modelo que inspirou as reformas introduzidas nas administrações públicas dos Estados Unidos entre os séculos XIX e XX, durante a chamada progressive era (SECCHI, 2009). A burocracia weberiana não está isenta a críticas, muito pelo contrário, são muitas as críticas apontadas, dentre elas, disfunções burocráticas: o impacto da prescrição estrita de tarefas sobre a motivação dos empregados, resistência às mudanças e distanciamento 39 de objetivos provocado pela pura e simples obediência às normas, sem considerar as reais necessidades. Além disso, é identificado que pode haver abuso da senioridade como critério para promoção funcional, redução da competição entre funcionários e ainda possibilitar o corporativismo entre os funcionários, o que pode levar a uma inversão quanto aos interesses dos destinatários/clientes dos serviços da organização. Denhardt (2012) ao criticar o modelo burocrático aponta para uma desconfiança generalizada com relação à natureza humana. O controle procedimental de tarefas e reiteradas preocupações com a imparcialidade no tratamento dos empregados e clientes, pressupondo que os indivíduos, em sua maioria, devem ser coagidos, controlados, ameaçados com punições, para que se empenhem nos objetivos organizacionais, considerando-se que prefiram ser dirigidos, evitando as responsabilidades e apresentem pouca ambição, almejando segurança acima de tudo. 1.4 Síntese da Unidade Nesta Unidade, discutimos a formação do Estado e a formação da burocracia moderna, vamos conhecer os conceitos introdutórios da administração pública. E também, estudamos os principais conceitos de políticas públicas, seus objetivos e princípios da administração pública. Na sequência, a relação entre Estado, governo e administração pública para uma compreensão da formação do Estado e da Burocracia Moderna foram abordados. 40 1.5 Para saber mais Filmes, séries, vídeos Erin Brockovich (2000) Sinopse: Erin Brockovich (Julia Roberts), uma mulher divorciada e com três filhos, passa por um dos piores momentos da sua vida: não tem dinheiro, não tem emprego e nenhum plano concreto para seguir em frente. Livros HOWLETT, M; RAMESH, M; PERL, A. Política Pública: seus ciclos e subsistemas: uma abordagem integral. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. “O livro consiste em um apanhado de teorias, conceitos, abordagens e modelos analíticos que contribuem para a compreensão e a análise das políticas públicas. Ele está organizado em três partes, onde cada uma delas conta com uma série de capítulos e cada capítulo contém diversos subitens, além da indicação de questões para estudo, de maneira que os assuntos são abordados de forma clara, objetiva e pedagógica. Alguns elementos centrais perpassam toda a obra. O principal deles é a percepção de que as políticas públicas são constituídas por três dimensões: os atores envolvidos, as instituições e as ideias. Deste modo, as políticas públicas são compreendidas como subsistemas político-administrativos, ou seja, cada área ou setor das políticas públicas conta com um conjunto articulado de atores, instituições e ideias próprio, constituindo- se, desta forma, como parte de um sistema político e econômico mais amplo”. Fonte: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/pensamentoplural/article/viewFile/5696/4265 41 1.6 Atividades Para aprofundar seu conhecimento sobre o conteúdo desta Unidade, responda as questões a seguir: 1. Descreva quais são as etapas do ciclo de políticas públicas? 2. Em relação aos conceitos de administração pública, eleja um conceito e explique-o. 3. Quais são as principais criticas que você aprendeu que são atribuídas ao modelo burocrático? 42 Unidade 2 Evolução e Modelos de AdministraçãoPública Já entendemos, a partir dos estudos da Unidade anterior, os aspectos relacionados à formação do Estado e da burocracia moderna, os principais conceitos e princípios da administração pública. Nesta Unidade, vamos estudar o respectivo impacto na formação social brasileira, a Era Vargas e o instrumental crítico e de reflexão da administração pública. Iniciamos nossa apresentação com a evolução da administração pública no Brasil e os modelos de administração pública, com suas respectivas características e sua importância na trajetória da formação social brasileira e da administração pública. 2.1 Administração Pública: uma breve evolução A evolução da administração pública no Brasil, nesta Unidade, é apresentada em quatro partes, considerando a administração colonial e os modelos de administração pública patrimonialista, burocrático, gerencial e societal. No Brasil, até 1808, existia uma administração colonial e uma sede do governo geral. A formação do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves e a vinda da família real para o Brasil e respectiva instalação de sua sede na antiga colônia são importantes fatores na constituição de um novo Estado nacional (SECHI, 2009). Com isso, todo um aparato burocrático, transplantado de Lisboa ou formado aqui, em paralelo à antiga administração metropolitana, teve que ser montado para que a 43 soberania se afirmasse, o Estado se constituísse e se projetasse sobre o território, e o governo pudesse tomar decisões, ditar políticas e agir, tornaram-se importantes variáveis para a constituição do Estado nacional. Essa transferência da família real para o Brasil altera a situação colonial instalada anteriormente, criaram-se mudanças no espaço público e na formação da burguesia nacional. A administração colonial, segundo Secchi (2009), era considerada um verdadeiro cipoal de ordenamentos gerais, encargos, atribuições, circunscrições, disposições particulares e missões extraordinárias que não obedeciam a princípios uniformes de divisão de trabalho, simetria e hierarquia. Principais características da administração colonial: (WEHLING e WEHLING, 1999) Centralização; Ausência de diferenciação (de funções); Mimetismo; Profusão e minudência das normas; Formalismo; Morosidade. Essas disfunções decorrem, em grande medida, da transplantação para a colônia das instituições existentes na metrópole e do vazio de autoridade (e de obediência) no imenso território, constituindo um organismo autoritário, complexo, frágil e ineficaz. As decisões eram centralizadas na Coroa Portuguesa, reduzindo o poder dos governadores e juízes, esses tempos também foram marcados por distância do centro de poder, lentidão na comunicação, regulamentos e instruções repetitivas, superpostas e confusas, normas ineficazes, baixo formalismo das regras e corrupção generalizada, pouca atenção às necessidades dos súditos, faziam-se se presentes enquanto 44 características da administração colonial. Essa administração colonial abrangia quatro níveis: as instituições metropolitanas, a administração central, a administração regional e a administração local. Estado Nacional Com a derrocada de Napoleão I, D. João VI em 1821 retorna a Portugal para reassumir o controle político da metrópole e deixa no Brasil o príncipe herdeiro, D. Pedro I, na condição de regente. Em 7 de setembro de 1822 é proclamada a Independência do Brasil. Em 1824 é promulgada a primeira constituição brasileira e são constituídos os quatro poderes: Moderado, Executivo, Judiciário, Legislativo. Após dez anos no poder, D. Pedro I, em meio a crises, abdica o trono e transfere ao seu filho D. Pedro II. E no contexto de crises política, administrativa e divergências, foi proclamada a república no Brasil em 15 de outubro de 1889, iniciando o período conhecido como velha república. Em 1891 é constituída uma nova constituição brasileira e os poderes são alterados para três: Executivo, Legislativo e Judiciário. Essa carta magna foi inspirada na Constituição americana de 1787, consagrou a República, instituiu o federalismo e inaugurou o regime presidencialista. A separação de poderes ficou mais nítida. O Legislativo, representado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, os seus membros passaram a ser eleitos para mandato de duração certa. Ampliou-se a autonomia do Judiciário e foi criado o Tribunal de Contas para fiscalizar a A chegada da família real no Brasil em 1808 e consequente transferência da corte e mais tarde a elevação do Brasil a parte integrante do Reino Unido de Portugal constituíram as bases do Estado nacional, com todo o aparato necessário à afirmação da soberania e ao funcionamento do autogoverno. A elevação à condição de corte de um império transcontinental fez da nova administração brasileira, agora aparelhada, a expressão do poder de um Estado nacional que jamais poderia voltar a constituir-se em mera subsidiária de uma metrópole de além-mar. (COSTA, 2008) 45 realização da despesa pública. As províncias foram transformadas em estados e os seus governantes passaram a serem eleitos, as suas assembleias podiam legislar sobre múltiplos assuntos. Assim caracterizava um sistema de federalismo competitivo (COSTA, 2008). Esse período, denominado como “A Velha República”, se deu entre 1889 (proclamação da República 15 de Novembro de 1889) até 1930, período em que os republicanos foram buscar no Direito Público Norte Americano modelos para nossa Federação. Foi marcado por concentração do Poder (considerados a elite brasileira da época) na burguesia rural e nos políticos adeptos do patrimonialismo (vamos estudar ainda neste capítulo, e também, nos militares e juristas. A Velha República deu-se entre 1889 (proclamação da República em 15 de novembro de 1889) até 1930, período no qual os republicanos foram buscar no Direito Público Norte Americano modelos para nossa Federação. Esse período foi marcado por influência da burguesia na tomada de decisão e defesa de interesses nem sempre convergentes com as demandas da sociedade, principalmente no tocante às políticas sociais. A partir de 1930, num cenário econômico de crise de 1929, enfraquecimento das elites agrárias no Brasil e ascensão ao poder novos grupos oligárquicos, ocorreram mudanças no aparelho de Estado, que contaram com a criação de novas instituições que fizeram parte da instauração de um processo de modernização do aparelho do Estado. Neste período o governo Vargas assume o poder e estabeleceu como objetivos: promover uma alavancagem industrial; promover a racionalização burocrática do serviço público, por meio da padronização, normatização e implantação de mecanismos de controle, notadamente nas áreas pessoal, material e finanças. O texto de Costa (2008) traz que, a partir de 1937, ocorreram mais mudanças no aparelho de Estado. Foram criados inúmeros organismos especializados e empresas 46 estatais, sendo que em 1930 existiam no Brasil 12 empresas públicas; de 1930 a 1945, foram criadas 13 novas empresas, dentre elas, 10 do setor produtivo, incluindo a Companhia Vale do Rio Doce. No mesmo período foram criadas também, 21 agências, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações. Houve centralização da tomada de decisão no poder Executivo federal, dissolução dos corpos legislativos e incorporação de novos atores sociais no âmbito do poder vigente. Em 1930 e 1931, em relação à aquisição de materiais, foram criadas as comissões: comissão permanente de padronização e a comissão permanente de compras, ambas voltadas para a aquisição de material. Em relação à área de pessoal, na Constituição de 1934, introduziu o princípio do mérito. 2.2 Modelos de administração pública Neste item apresentamos os modelos de administração para tratarmos do processo de Reforma doEstado, que teve dentre os seus principais objetivos flexibilizar os princípios da administração burocrática, apresentamos a seguir as principais características e conceitos dos modelos de administração pública. 2.2.1 Modelos de administração pública Patrimonialismo Burocrático Gerencial Societal O modelo Patrimonialismo tem como principais características: 47 Relações de lealdade pessoal; Clientelismo, corrupção e nepotismo; Ausência de carreiras e critérios de promoção; Fronteira nebulosa entre o público e o privado; Casuísmo e particularismo de procedimentos. No modelo patrimonialista, considerado mesmo que de maneira incipiente, é considerado o primeiro modelo de administração pública. Conforme podemos observar nas suas características expostas acima, não se faziam presentes as distinções entre os bens públicos e os bens privados particulares dos gestores, ou seja, o soberano podia utilizar-se dos bens públicos e dos seus bens particulares sem fazer diferenciações e sem prestar contas à sociedade. Neste modelo, as relações eram estabelecidas em critérios de lealdade pessoal e de confiança do soberano, dessa forma a nomeação para os cargos públicos utilizava-se dos mesmos critérios, favorecendo aos familiares e amigos que fossem da confiança do soberano. Elencam ainda, a troca de favores e negociações para os cargos, ao considerar os cargos como se fosse um bem adquirido, considerando até mesmo uma certa hereditariedade na sucessão dos mesmos, e quanto mais importante os cargos maiores eram status e poder aos seus detentores. Não havia plano de carreiras e os critérios de promoção eram estipulados pelos critérios acima expostos. Segundo Paludo (2013), neste modelo o Estado era tido como propriedade do soberano e assim o aparelho do Estado (administração pública) era como se fosse uma extensão de seu poder, tendo a corrupção e o nepotismo como características marcantes. Quanto aos procedimentos, não havia uma organização técnica administrativa e prevaleciam os particularismos de acordo com as próprias características do modelo. 48 As contraposições e críticas ao modelo patrimonialista, às demandas sociais e econômicas incluem como itens importantes no apontamento de que um novo modelo de administração público se fazia necessário – modelo burocrático. Modelo Burocrático Principais bases e características do modelo burocrático no âmbito da Reforma Administrativa: As bases do modelo burocrático foram descritas por Max Weber no início do século XIX e teve como um dos principais objetivos promover a efetiva separação entre público e privado, e superação do modelo patrimonialista. Se pensarmos somente por este ângulo, foi considerada uma conquista da sociedade, ao considerar que por meio da definição prévia de regras e procedimentos, limita a discricionariedade, de maneira com que o Estado sirva ao público e não ao governante. Dentre as principais características do modelo burocrático, começamos por elencar: o Impessoalidade; o formalismo; o divisão do trabalho; o hierarquia functional; o competência técnica baseada em um sistema de mérito e ainda de um rígido controle a priori dos procedimentos adotados pelo administrador público. A impessoalidade refere que as posições hierárquicas pertencem à organização, e não às pessoas que a estão ocupando. Segundo Secchi (2009a), isso evita a apropriação individual do poder, prestígio e outros tipos de benefícios, a partir do momento que o indivíduo deixa sua função ou a organização. O formalismo vai impor deveres e responsabilidades aos integrantes das organizações e a formalização dos processos de decisão e comunicações interna e externas poderão 49 assegurar a continuidade dos serviços prestados e contrapor aos particularismos dispostos no modelo patrimonialista. A divisão do trabalho e a hierarquia funcional, Secchi (2009a) aponta para uma divisão racional das tarefas e separação dos ambientes de vida e trabalho, e para uma hierarquia baseada em competências. O profissionalismo é defendido considerando os critérios de mérito, justiça e diferenciação. Ou seja, para as pessoas chegarem a determinado cargo, elas teriam que concorrer justamente com outras pessoas e demonstrarem suas capacidades técnicas e conhecimento naquele assunto para assumir o cargo. Paludo (2013), acrescenta como características (quadro 2.1): Modelo Burocrático e a Era Vargas A partir de 1930, num cenário econômico de crise de 1929, enfraquecimento das elites Quadro 2.1: Principais características do modelo burocrático Caráter legal das normas O poder decorre da norma legal. Normas e regulamentos descritos de forma exaustiva definem, antecipadamente, o funcionamento padronizado. Caráter formal das comunicações Comunicação escrita e de forma exaustiva, de maneira a assegurar a interpretação unívoca e a compreensão de todas as áreas. Especialização da administração Ter clara distinção entre o público e o privado; entre o político e o administrativo, entre a propriedade pública e a propriedade pessoal. Profissionalismo dos funcionários Os membros da organização são profissionais especializados nas atividades que exercem, recebem salários e constroem sua carreira ao longo dos anos. Previsibilidade de funcionamento Normas e regulamentos escritos preveem antecipadamente as possíveis ocorrências e padronizam a execução das atividades. Fonte: Adaptado de Paludo (2013, p. 64-66). 50 agrárias no Brasil e ascensão ao poder novos grupos oligárquicos, ocorreram mudanças no aparelho de Estado, que contaram com a criação de novas instituições que fizeram parte da instauração de um processo de modernização do aparelho do Estado. Neste período, o governo Vargas assume o poder e estabeleceu como objetivos: o Promover uma alavancagem industrial; o Promover a racionalização burocrática do serviço público, por meio da padronização, normatização e implantação de mecanismos de controle, notadamente nas áreas de pessoal, material e finanças. O texto de Costa (2008) traz que, a partir de 1937, ocorreram mais mudanças no aparelho de Estado. Foram criados inúmeros organismos especializados e empresas estatais, sendo que em 1930 existiam no Brasil 12 empresas públicas; de 1930 a 1945, foram criadas 13 novas empresas, dentre elas, 10 do setor produtivo, incluindo a Companhia Vale do Rio Doce. No mesmo período foram criadas também 21 agências, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações. Houve centralização da tomada de decisão no poder Executivo federal, dissolução dos corpos legislativos e incorporação de novos atores sociais no âmbito do poder vigente. Em 1930 e 1931, em relação à aquisição de materiais, foram criadas as comissões: comissão permanente de padronização e a comissão permanente de compras, ambas voltadas para a aquisição de material. Em relação à área de pessoal, na Constituição de 1934 introduziu o princípio do mérito (quadro 2.2). 51 Em 1936 foi criado o Departamento Administrativo do Serviço Público – Dasp. Nos primórdios, a administração Pública sofre a influência da teoria da administração científica de Taylor, tendendo à racionalização, mediante a simplificação, padronização e aquisição racional de materiais, revisão de estruturas e aplicação de métodos na definição de procedimentos. Em 1937, Vargas deflagra um golpe de Estado instituindo o chamado Estado Novo, sendo o Dasp o órgão central encarregado de comandar as reformas. Os principais objetivos do DASP podem ser assim resumidos: Quadro 2.2: Modelo burocrático e Era Vargas: Marcos históricos Período Marcos históricos 1930 - 1931 Criação das comissões: comissão permanente de padronização e a comissão permanente de compras, ambas voltadas para a aquisiçãode material. 1934 Constituição de 1934, introduziu o princípio do mérito. 1935 Criação da comissão mista de reforma econômico-financeira. 1936 Promulgada a Lei nº 284, de 28 de outubro, a chamada Lei do Reajustamento, que estabeleceu nova classificação de cargos, fixou normas básicas e criou o Conselho Federal do Serviço Público Civil. 1937 Mudanças no aparelho do Estado. Estado Novo 1938 Organização do DASP – Departamento Administrativo do Serviço Público. 1939 Decreto-Lei nº 1.713 - Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União. 1945 1945 Foi eleito o presidente Dutra 1946 Constituição de 1946 1950 Volta o governo Vargas por meio de eleição. 1952 Projeto de lei que previa a reorganização administrativa do ministério e a alteração do código de contabilidade das despesas públicas, abolindo o registro prévio. Fonte: Elaborado pela autora 52 centralizar e reorganizar a administração pública mediante ampla reforma; definir política para a gestão de pessoal; racionalizar métodos, procedimentos e processos administrativos em geral. Num sentido mais amplo, o objetivo era combater as práticas patrimonialistas de gestão. Os objetivos principais da criação do Dasp foram: modernizar a Administração Pública brasileira e suprimir o modelo patrimonialista de gestão. No que diz respeito à administração dos recursos humanos, o Dasp representou a tentativa de formação de uma burocracia brasileira nos moldes weberianos, baseada no princípio do mérito profissional. Entretanto, embora tenham sido valorizados instrumentos importantes à época, tais como o instituto do concurso público e do treinamento, não se chegou a adotar de forma consistente uma política de recursos humanos que respondesse às necessidades do Estado. O patrimonialismo (contra o qual a Administração Pública burocrática se instalara), embora em processo de transformação, mantinha ainda sua própria força no quadro político brasileiro. O modelo burocrático clássico possibilitou a implantação de uma Administração Pública profissional, amparada no poder racional-legal, mediante a instituição de: carreiras, hierarquia, impessoalidade, regras formais e meritocracia. Em 1939, por meio do Decreto-Lei nº 1.713, entra em vigor o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, estabelecendo o concurso público para algumas classes de nível superior; no entanto, o número de servidores contratados sem concurso foi bem maior do que os concursados. A lei dos funcionários públicos civis da União, contudo, somente foi aprovada em 1951 (Lei nº 1.711). Ainda no que se refere aos recursos humanos, o Dasp também fomentava o treinamento dos servidores para o exercício de suas funções. Conforme Denhardt (2012), as críticas ao modelo organizacional burocrático são muitas. Após a II Guerra Mundial, uma onda de confrontação intelectual contra o 53 modelo burocrático foi liderada por vários estudiosos, dentre eles, Simon (1947), Waldo (1948) e Merton (1949). Aspectos críticos Uma das críticas está centrada no modelo racional de administração, que conta como três limitações importantes: Na visão de Matias-Pereira (2012), as principais críticas são: baseia-se em uma visão estreita e restritiva da razão humana; suporta-se em um entendimento incompleto da aquisição do conhecimento; os teóricos que se apoiam no arcabouço do modelo racional não conseguem conectar teoria e prática de maneira adequada. Excessivo racionalismo da burocracia: é super racionalizada e não leva em conta a natureza organizacional, bem como as condições que circundam o ambiente. Dimensão da burocracia: burocracia como um continuum (Richard Hall) Mecanicismo e as limitações da teoria da máquina Conservantismo da burocracia: não leva em conta o crescimento pessoal das pessoas da organização; não possui meios adequados para resolver diferenças e conflitos entre grupos funcionais; os recursos humanos não são plenamente utilizados por causa da desconfiança. Cada membro possui um cargo, cujos poderes e remuneração estão previamente delimitados. 54 Secchi (2009) traz como críticas o excesso da senioridade como critério para ascensão funcional que, pode travar a competição entre funcionários e fomentar um senso de integridade e corporativismo entre os funcionários, causando um destacamento dos interesses dos destinatários/clientes dos serviços da organização. Ademais, a impessoalidade levada ao pé da letra pode levar a organização a não dar atenção as peculiaridades das necessidades individuais. Pereira (1996) apresenta como uma das principais críticas que a administração burocrática não era orientada para o atendimento das necessidades dos cidadãos, apresentava elevado custo e priorizava os contratos e propriedades. Secchi (2009) assevera que a arrogância funcional em relação ao público destinatário (cidadãos), em especial no serviço público, pode ser ainda mais prejudicial em organizações que dependem da criatividade e da inovação, pois, em muitos casos, o funcionalismo público ocupa situação de monopólio na prestação de serviços. Conforme Serafim e Dias (2012), depois de Merton (1949), outras críticas foram feitas e elas podem ser notadas na própria visão pós-modernista do mundo que envolve uma compreensão complexa e multifacetada da humanidade, contendo lições para os administradores nas características dos modelos pós-burocráticos de organização. Assim, Denhardt (2012) sugere que a vida no mundo pós-moderno se torne cada vez mais evidente a dependência entre cidadãos e administradores, o que impulsiona um diálogo público de melhor nível em busca de uma burocracia pública para o desenvolvimento de um senso de legitimidade no campo da administração pública. Nesta perspectiva, destacam-se os modelos da Administração Pública Gerencial (APG), o Governo Empreendedor (GE), e a Governança Pública (GP). Modelo de Administração Pública Gerencial O modelo de Administração Pública gerencial (AGP), ou também denominada como Nova Gestão Pública (NAP), surgiu na segunda metade do século XX. Segundo Santos (2004), tinha-se como argumentos: o Motivação pela busca por mecanismos de enfrentamento da crise fiscal 55 do Estado; o Uma estratégia para reduzir os custos e conseguir eficiência na administração dos serviços estatais; o Apresentar um instrumento de proteção do patrimônio público; o Alternativa para insatisfações a respeito da administração pública burocrática; o Entrega de resultados à população. Esse modelo de administração pública gerencial tem como desafios (quadro 2.3): Quadro 2.3: Principais desafios do modelo de administração pública gerencial. Fonte: Elaborado pela autora com base em Ferlie et al. (1996); Pereira; Spink (1998); GUIMARÃES, (2000). No Brasil, a administração pública gerencial tem como marco o Decreto-Lei nº 200 de 1967, durante o governo Castelo Branco, que apresentou os seguintes pontos principais: Descentralização da administração pública brasileira; Transformar estruturas burocráticas, hierarquizadas em organizações flexíveis e empreendedoras. Aderir ao processo de racionalização organizacional, o que implica em adoção pelas organizações públicas, de padrões de gestão desenvolvidos para o ambiente das empresas privadas, com as adequações necessárias à natureza do setor público. Buscar eficiência e qualidade na prestação de serviços públicos. Romper com os modelos tradicionais de administrar os recursos públicos e introduzir uma nova cultura de gestão. 56 Transferência das atividades de produção de bens e serviços para autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista; Instituição da racionalidade administrativa. Tem-se como principais características: Orienta-se pelas demandas do cidadão; Busca por entrega de resultados (outputs); Incentivo à criatividade e à inovação; Ter mecanismos de controle da gestão pública. Nesse sentido, Guimarães (2000) traz um conjunto de prescrições operativas da APG: desagregação do serviço público em unidades especializadas, e centros de custos; competição entre organizações públicas e entre organizações públicas e privadas; adoção de práticas de gestão provenientes da administração privada; atenção à disciplina e parcimônia; administradores empreendedores com autonomia para decidir; avaliação de desempenho; avaliação centrada nos outputs. A AGP ou NAP acontece em um período considerado a era do conhecimento, em que ocorrem muitas mudanças tanto nas organizações públicas como nas privadas. O setor privado é marcado por competições mais acirradas entre as empresas, novas tecnologias e inovações estão surgindo configurando-se em novos produtos e novos processos. As 57 empresas preocupadas com a própria sobrevivência no mercado, no campo da administração vão aderindo à administração estratégica em busca de vantagem competitiva e lucratividade. Nesse contexto, o setor público tem como desafio a implementação desse novo modelo. Ferlie et al. (1996) inspiram-se na Inglaterra e na literatura de vários países e apresentam quatro modelos de APG percebidos no setor público, que são detalhados a seguir: a. impulso para a eficiência; b. downsizing e descentralização; c. busca da excelência; d. orientação para o serviço público. 1. Impulso para a eficiência Representa uma tentativa de tornar o setor público mais parecido com a iniciativa privada, guiado por noções rudimentares de eficiência. Principais características: Controles financeiros nos ganhos em eficiência; Administração baseada na hierarquia e no controle, no estabelecimento de objetivos, no monitoramento do desempenho e no uso intensivo de registros formais como forma de avaliar o desempenho profissional; Pressupõe uma flexibilização da legislação trabalhista, com a inclusão de formas alternativas de contrato de trabalho (emprego temporário, de tempo parcial, etc.) e a substituição dos acordos de trabalho nacionais por acordos locais; Mentalidade mais voltada para o mercado e para o cliente; 58 Rotatividade dos ocupantes de postos gerenciais e pelo crescimento do poder dos administradores; Generalistas, que substituem os especialistas nos cargos de comando. Adota um certo grau de delegação; Conserva exigências rigorosas de responsabilidade para com os níveis superiores; Marginaliza o papel dos sindicatos e dos representantes eleitos, e Concentra o poder decisório no comando estratégico das organizações. 2. Downsizing e descentralização Surge de organizações grandes, verticalmente integradas e trouxe como resultados para o setor público o desmonte e o downsizing organizacional, a busca por maior flexibilidade, o abandono do alto grau de padronização, a descentralização da responsabilidade pela formulação da estratégia e do orçamento, o aumento da terceirização, e a divisão dos quadros de pessoal entre um pequeno núcleo estratégico e uma grande periferia operacional. Os elementos-chave são: Ênfase nas organizações híbridas, misto de público e privado, com separação entre financiamento público e dotação do setor autônomo; A mudança da gestão hierárquica para a gestão por contrato; A criação, em âmbito local, de organizações com maior nível de autonomia. Estruturas organizacionais tornam-se mais horizontalizadas, com redução de pessoal, tanto nos escalões mais altos quanto na base das organizações. Mudança das formas padronizadas de organização do setor público para um sistema caracterizado por maior flexibilidade. 59 3. Busca da excelência Tem como norte a busca da excelência, dos princípios da escola de relações humanas da teoria administrativa, enfatizando a importância da cultura organizacional e rejeitando a racionalidade do modelo a. Apresenta duas abordagens: ascendente e descendente. Abordagem ascendente: relaciona-se ao desenvolvimento e aprendizagem organizacional, gestão da cultura organizacional e avaliação de desempenho com base em resultados. Abordagem descendente: privilegia o papel da liderança na condução dos processos de mudança. Inclui o gerenciamento da mudança cultural, a utilização de formas carismáticas de liderança, a ênfase em programas de treinamento e valorização da marca corporativa, o estabelecimento de uma missão, de uma estratégia explícita de comunicação, e a valorização da função recursos humanos. 4. Orientação para o serviço público É considerado o menor desenvolvimento em relação aos anteriores, representa adoção de práticas gerenciais bem-sucedidas do setor privado e é passivo de críticas por tratar- se de um contexto diferente, o que demanda uma modelagem própria para o setor público. Também defende a responsabilidade na prestação de serviços públicos para os cidadãos. Principais características: Ênfase na qualidade do serviço e na análise custo/benefício; Busca por excelência dos serviços públicos; Ações visando trazer o poder de volta dos grupos nomeados para os grupos eleitos; Menor valorização do “paradigma do mercado” como elemento norteador da prestação dos serviços públicos; 60 Desenvolvimento do trabalho comunitário, a avaliação de demandas sociais e a garantia da participação popular na formulação de políticas e na avaliação dos serviços públicos. Modelo Societal Segundo Paes-Paula (2005), o modelo societal expressa-se nas experiências participativas de gestão, como os Conselhos Gestores e o Orçamento Participativo. Suas raízes vêm do ideário das mobilizações populares contra a ditadura e pela redemocratização do país, com destaque para os movimentos sociais. A autora supra citada defende que a concretização desse modelo depende da maneira como o Estado e a sociedade brasileira se articulam para determinar seus papéis e espaços. O modelo societal insere-se na perspectiva de uma gestão social, uma vez que defende uma gestão mais participativa, que inclua no processo decisório os diferentes atores sociais. A administração pública societal está ligada ao processo de redemocratização (décadas de 60-70) e na busca por um modelo de administração que aproxime os cidadãos dos processos de tomada de decisão, que seja mais aberto à práticas participativas e voltado às necessidades dos brasileiros e mais eficiente na coordenação da economia e dos serviços públicos. O ambiente de mobilizações da sociedade brasileira por reformas apontava também para O modelo de administração pública societal está relacionado à gestão democrática e participativa. Portanto, pode ser compreendido como um processo gerencial dialógico no qual a autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação, em que todos os atores sociais têm direito vez e voz, sem nenhum tipo de coação. (PEDROSO; CORNETTA; KAMIMURA, 2016, p.142) 61 aspectos socioeconômicos que interferem nas condições de vida da população, dentre eles, saneamento básico, habitação, custo de vida, transportes e saúde. Na década de 1980, no momento da elaboração da Constituinte, diferentes forças políticas ofereciam respostas para formular um novo referencial entre Estado e sociedade. Nesse contexto, aumentavam as mobilizações reivindicando cidadania e maior participação da sociedade civil na condução das políticas públicas e na definição da agenda política, criando, para tanto, instrumentos de controle social (PEDROSO; CORNETTA; KAMIMURA, 2016). Dessa forma, esse modelo oportuniza a criação de canais de participação voltados ao interesse público, espaço para ouvir as necessidades dos cidadãos, nos mais diversos temas (saúde,