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ISBN 978-65-5821-151-8 9 786558 211518 Código Logístico I000643 SANEAMENTOSANEAMENTO SAÚDEe AMBIENTAL SANEAMENTOSANEAMENTO e SAÚDE AMBIENTALAMBIENTAL Patricia Bilotta SAÚDE Patricia Bilotta e AMBIENTAL SAÚDE SANEAM ENTO SANEAM ENTO SAÚDE e AMBIENTAL SANEAM ENTO SANEAM ENTO SAÚDEAMBIENTAL SANEAM ENTO SANEAM ENTO SANEAM ENTO SANEAM ENTO eeee Patricia Bilotta Patricia Bilotta Patricia Bilotta SAÚDEAMBIENTAL SAÚDEAMBIENTAL SAÚDEAMBIENTAL Saneamento e saúde ambiental Patricia Bilotta IESDE BRASIL 2022 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2022 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Anusorn Nakdee/Shutterstock CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ B495s Bilotta, Patricia Saneamento e saúde ambiental / Patricia Bilotta. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2022. 118 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-65-5821-151-8 1. Saneamento. 2. Saneamento - Aspectos ambientais. 3. Água - Uso. I. Título. 22-77929 CDD: 628.5 CDU: 628 Patricia Bilotta Doutora e mestre em Engenharia Hidráulica e Saneamento pela Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP). Especialista em Projetos Sustentáveis e de Mitigação das Mudanças Climáticas pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e em Geoprocessamento pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Graduada em Química Industrial pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Local (PPGDL) e pesquisadora-membro do Núcleo de Estudos em Ecossocioeconomia dos programas de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento e em Desenvolvimento Territorial Sustentável da UFPR. Atua nas seguintes linhas de pesquisa: economia circular (água, energia e resíduos); economia de baixo carbono (mitigação e gestão de emissões de Gases de Efeito Estufa – GEE, estratégias de adaptação às mudanças do clima); e nature based solutions (NBS). Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 Saneamento e saúde 9 1.1 Introdução ao saneamento 9 1.2 Saneamento básico e saneamento ambiental 11 1.3 Doenças de veiculação hídrica 16 1.4 Política Nacional de Saneamento Básico 20 1.5 Saneamento e urbanização 23 2 Controle da poluição hídrica 31 2.1 Instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos 31 2.2 Indicadores de qualidade da água 41 2.3 Parâmetros e limites de qualidade da água 44 3 Sistemas de tratamento de água de abastecimento 52 3.1 Usos múltiplos da água 52 3.2 Tratamento convencional da água 58 3.3 Tratamento avançado da água 62 4 Sistemas de tratamento de efluentes 70 4.1 Origem e características dos efluentes 70 4.2 Tratamento convencional dos efluentes 74 4.3 Tratamento avançado dos efluentes 79 4.4 Reúso de água 84 5 Resíduos sólidos 91 5.1 Introdução aos resíduos sólidos 92 5.2 Origem e classificação dos resíduos sólidos 96 5.3 Tratamento e destinação dos resíduos sólidos 100 5.4 Recuperação de energia e materiais 105 Resolução das atividades 112 Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! Esta obra reúne os elementos fundamentais para a compreensão da importância do investimento dos municípios em saneamento básico, sobretudo em áreas urbanas. O texto está organizado em cinco capítulos: i) Saneamento e saúde; ii) Controle da poluição hídrica; iii) Sistemas de tratamento de água de abastecimento; iv) Sistemas de tratamento de efluentes; e v) Resíduos sólidos. O livro trata de teoria, conceitos e aplicação de soluções práticas para os problemas que envolvem os eixos do saneamento básico e traz recomendações de leituras e vídeos que complementam o conteúdo abordado no texto. O primeiro capítulo contextualizará e descreverá os cinco eixos do saneamento básico, sua relação com as doenças de veiculação hídrica, a poluição ambiental, o processo de urbanização e a importância da Política Nacional do Saneamento Básico (Lei n. 14.026/2020) na mitigação dos impactos ambientais, sociais e econômicos negativos. O segundo capítulo discutirá os instrumentos da Política Nacional dos Recursos Hídricos (Lei n. 9.433/1997) na gestão sustentável das águas brasileiras, apresentará os indicadores de avaliação da qualidade dos corpos hídricos superficiais e subterrâneos e os limites de acordo com os usos múltiplos. O terceiro capítulo descreverá o funcionamento do sistema de abastecimento de água e exemplificará algumas alternativas de tratamento convencional e avançado. O quarto capítulo exporá as principais características das águas residuais (esgoto doméstico e efluentes industriais), segundo a fonte geradora, retratará os principais aspectos do sistema de esgotamento sanitário, as tecnologias de tratamento convencional e avançado de efluentes e o reuso de água. APRESENTAÇÃOVídeo 8 Saneamento e saúde ambiental Por fim, o quinto capítulo caracterizará a geração de resíduos sólidos (origem e classificação) e apresentará as orientações e regulações de manejo sustentável (coleta, tratamento, recuperação de energia e de materiais e destinação) previstas na Política Nacional dos Resíduos Sólidos (Lei n. 12.305/2010). Ao final do estudo, o aluno será capaz de compreender os problemas que resultam da carência de infraestrutura de saneamento básico e suas múltiplas dimensões, de conceber as soluções de gestão e tecnologia atualmente disponíveis e de entender os instrumentos previstos na legislação brasileira, para minimizar os impactos sobre o meio ambiente e a saúde humana. Desejamos que seu estudo seja bastante proveitoso! Saneamento e saúde 9 1 Saneamento e saúde Este capítulo trata da importância do saneamento e sua relação com as quatro dimensões da Agenda 2030 das Nações Unidas (17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS): ambiental, social, econômica e institucional. O conteúdo desta parte está organizado em cinco partes que irão abordar o saneamento básico e ambiental; as doenças de vei- culação hídrica; a política brasileira vigente; e o papel do saneamento no processo de urbanização. O texto também apresenta conceitos e fundamentação teórica, bem como destaca os principais aspectos da legislação brasileira vigente, tra- zendo dados oficiais sobre o saneamento básico no país. Com o estudo deste capítulo, você será capaz de: • apresentar e contextualizar os cinco eixos do saneamento básico; • discutir a diferença entre saneamento básico e saneamento ambiental; • descrever o impacto do saneamento básico na qualidade de vida e na saúde humana; • apresentar os principais aspectos da política nacional de sanea- mento básico; • discutir o papel do saneamento na urbanização. Objetivos de aprendizagem 1.1 Introdução ao saneamento Vídeo O termo saneamento é definido pela Organização Mundial da Saú- de (OMS) como o domínio das condições físicas que podem resultar em impactos negativos para a saúdefísica, mental e social humana (AMA- TO-LOURENÇO, 2019). Em outras palavras, há o reconhecimento de que o saneamento contempla um conjunto de ações socioeconômicas com 10 Saneamento e saúde ambiental o objetivo de assegurar a salubridade ambiental, pois, assim, pode-se minimizar o impacto dos fatores físicos na qualidade de vida humana. O conceito de salubridade ambiental, por sua vez, é compreendido como a “qualidade ambiental capaz de prevenir doenças, que são veicula- das pelo meio ambiente, e de aperfeiçoar as condições favoráveis à saúde da população urbana e rural” (VALVASSORI; ALEXANDRE, 2012, p. 2). Portanto, pode-se concluir que esses dois conceitos se sobrepõem exatamente na dimensão socioambiental, reforçando a importância da qualidade das relações diretas e indiretas existentes entre o ser huma- no e o meio ambiente onde ele está inserido. Nesse sentido, o saneamento – com vistas à salubridade ambiental – pode ser entendido como um instrumento de promoção da saúde da população, seja no meio urbano ou rural, com impacto também na eco- nomia, pois estima-se que cada R$ 1,00 investido no setor de saneamen- to reduz em R$ 4,00 os gastos com a medicina curativa (BRASIL, 2004). Sob uma perspectiva integradora da saúde pública, o saneamento da qualidade ambiental e da sustentabilidade econômica pode ser en- tendido em sua plenitude por meio dos 17 objetivos (ODS) da Agenda 2030 das Nações Unidas (Figura 1). Erradicação da pobreza energia limpa e acessível ação contra a mudança global do clima saúde e bem-estar indústria, inovação e infraestrutura vida terrestre igualdade de gênero cidades e comunidades sustentáveis parcerias e meios de implementação Fome zero e agricultura sustentável trabalho decente e crescimento econômico vida na água educação de qualidade redução das desigualdades paz, justiça e instituições eficazes água potável e saneamento consumo e produção sustentáveis Figura 1 17 objetivos da Agenda 2030 Fonte: ONU, 2022. Assista ao vídeo O que são os Objetivos de Desenvolvi- mento Sustentável da ONU?, do canal ONU Brasil, para entender melhor quais são os 17 ODS da Agenda 2030, por que eles são importantes para o desen- volvimento sustentável e como o saneamento está inserido nesse assunto. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=u2K0F f6bzZ4. Acesso em: 7 abr. 2022. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=u2K0Ff6bzZ4 https://www.youtube.com/watch?v=u2K0Ff6bzZ4 https://www.youtube.com/watch?v=u2K0Ff6bzZ4 Saneamento e saúde 11 1.2 Saneamento básico e saneamento ambiental Vídeo Os conceitos de saneamento básico e saneamento ambiental são, muitas vezes, tratados como sinônimos, entretanto isso é um grande engano. As ações contempladas na esfera do saneamento básico se restrin- gem a um número bastante reduzido de intervenções físicas conside- radas indispensáveis (básicas) para minimizar o impacto dos fatores ambientais sobre a saúde humana. Essas ações englobam um conjun- to de serviços públicos, de infraestrutura e de instalações operacionais que se concentram em cinco eixos de atua- ção, como vemos na Figura 2: Já o saneamento ambiental, por outro lado, é um con- ceito muito mais complexo e abrangente. Ele envolve um amplo leque de serviços direcionados para diferentes setores da sociedade, cujos benefícios são sentidos in- tensivamente pela população, seja de maneira direta ou indireta. Sendo assim, os serviços destinados à promoção do sa- neamento ambiental, apesar de englobarem os mesmos serviços do saneamento básico, vão muito além das ações simplificadas. Esses serviços demandam infraestrutura físi- ca, educacional, legal e institucional (SOARES; BERNARDES; CORDEIRO NETTO, 2002). Em outras palavras, o saneamen- to ambiental se destina a alcançar o estado de salubridade ambiental (AMATO-LOURENÇO, 2019). O Quadro 1 compa- ra o nível de abrangência de cada conceito. Figura 2 Eixos de atuação água potável; águas residuais; resíduos sólidos; drenagem urbana; limpeza pública. Fe el pl us Cr ea to r/ Sh ut te rs to ck Fonte: Elaborada pela autora com base em Brasil, 2020a. As ações previstas nesses objetivos têm como finalidade “acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de pros- peridade” (ONU, 2022). E o saneamento vem de encontro com essas orientações, pois compreende um conjunto de práticas que tem como objetivo proporcionar condições ambientais favoráveis para o pleno desenvolvimento da sociedade humana. 12 Saneamento e saúde ambiental Quadro 1 Saneamento básico e ambiental: serviços Saneamento básico Saneamento ambiental • Abastecimento de água, com garan- tia de qualidade à saúde humana e em quantidade suficiente para as demandas básicas de conforto. • Coleta, tratamento e disposição ade- quada e segura de águas residuárias (efluentes domésticos, industriais e agrí- colas). • Conservação, coleta, tratamento e des- tinação de resíduos sólidos (domésticos, industriais, agrícolas, comerciais, de lim- peza pública). • Coleta de águas pluviais e controle de inundações e alagamentos. • Limpeza de vias públicas. • Abastecimento de água, com garan- tia de qualidade à saúde humana e em quantidade suficiente para as demandas básicas de conforto. • Coleta, tratamento e disposição adequada e segura de águas residuais (efluentes domésticos, industriais e agrí- colas). • Conservação, coleta, tratamento e des- tinação de resíduos sólidos (domésticos, industriais, agrícolas, comerciais, de lim- peza pública). • Coleta de águas pluviais e controle de inundações e alagamentos. • Limpeza de vias públicas. • Controle de vetores de transmissão de doenças (insetos, roedores etc.). • Segurança alimentar (qualidade e quantidade). • Saneamento dos meios de transporte. • Saneamento e planejamento territo- rial. • Saneamento habitacional, laboral, educacional, recreativo e dos serviços de saúde. • Controle da poluição ambiental (água, ar, solo, acústica, visual). Fonte: Adaptada de Amato-Lourenço, 2019. Embora as ações na esfera do saneamento ambiental tragam, sem dúvida, muito mais benefícios sociais, ambientais e econômicos para a sociedade, sua implantação, entretanto, depende de recursos (tecnoló- gicos, orçamentários, profissionais capacitados, políticas públicas e ca- pacidade gestora) que a absoluta maioria dos municípios não dispõem (AMATO-LOURENÇO, 2019). Por isso, o saneamento básico é a solução indicada para promover a salubridade ambiental. Ainda assim, a situação do saneamento básico no cenário brasileiro é muito precária, segundo o relatório do Sistema Nacional de Infor- mações sobre Saneamento (SNIS), órgão subordinado ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) (BRASIL, 2020b). Faça o levantamento de informações a respeito da situação do abaste- cimento de água e da coleta e tratamento de esgoto do município em que você vive, por meio de uma consulta à base de dados do SNIS (http:// www.snis.gov.br/). Analise os resultados, compare- -os com os dados do ce- nário nacional e observe as informações obtidas. Desafio Saneamento e saúde 13 A Figura 3 destaca os principais dados da realidade atual, com dados que se referem ao percentual de serviços realizados nos municípios. Figura 3 Panorama do saneamento básico no Brasil Rede de abastecimento de água potável: 84,1% Rede coletora de esgoto: 55% Tratamento do esgoto coletado: 50,8% Coleta de resíduos sólidos urbanos: 90,5% Coleta seletiva dos resíduos sólidos urbanos: 36,3% Resíduos sólidos domésticos destinados a lixões: 14,6% Resíduos sólidos domésticos destinados a aterro sanitário: 73,8% Infraestrutura exclusiva para drenagem urbana de água da chuva: 45,3%Gestão municipal de risco hidrológico (enchentes e inundações): 28,8% >50% da população residente em áreas de risco de inundação:18 municípios Sistema de alerta de risco hidrológico (chuvas intensas): 15,1% Mapeamento de áreas de risco (deslizamento, desmoronamento etc.): 67,7% Ol lie T he D es ig ne r/ Sh ut te rs to ck Fonte: Elaborada pela autora com base em Brasil, 2020b. Essas informações mostram um cenário bastante preocupante, com graves consequências para a saúde coletiva. Os principais destaques no relatório do SNIS são os seguintes: apenas 25% da população brasileira, aproximadamente, tem acesso a serviços de coleta e tratamento de esgo- 14 Saneamento e saúde ambiental to doméstico (50% do que é coletado pela rede é tratado, o que correspon- de a cerca de 25% do total geral de esgoto produzido no país); somente 28,8% dos municípios possuem um plano de gestão de risco de enchentes e inundações; e 26,2% do lixo urbano coletado (soma dos lixões e dos ater- ros controlados) é destinado para lixões ou aterros controlados. Os piores resultados municipais para infraestrutura de esgotamento e destinação de resíduos estão nas regiões Norte e Nordeste. Si rin tra P um so pa , e Vi ol a, P S tu di o, B es t V ec to r El em en ts /S hu tte rs to ck População total atendida com coleta domiciliar 190,9 milhões População total atendida 114,6 milhões Investimentos em sistemas de esgoto Municípios com cobrança Despesas Totais R$25,25 bilhões R$141,22/hab Custos cobertos pela cobrança 1.851 56,5% 1.851 2019 R$5,33 bilhões R$5,89 bilhões 2020 13,1% Norte 80,7% Norte 30,3% Nordeste 83,1% Nordeste 80,5% Suldeste 96,1% Suldeste 47,4% Sul 91,5% Sul 59,5% Centro-Oeste 91,3% Centro-Oeste Figura 4 Coleta de esgoto e de resíduos sólidos por região brasileira Fonte: Adaptada de Brasil, 2020b. A B O esgoto sanitário é uma das principais fontes de disseminação de doenças humanas e de poluição dos cursos de águas superficiais (rios, riachos, lagos etc.) e águas subterrâneas (lençóis freáticos e poços arte- sianos) (FORESTI, 2012). A Figura 4 apresenta dados da Agência Nacional de Águas e Sanea- mento Básico (ANA) sobre o panorama da capacidade dos corpos hídri- cos do país diluírem esgotos municipais. Os resultados desses dados sinalizam que a maioria dos cursos d’água do Brasil se enquadram na categoria ruim ou nula para diluição de esgoto (ANA, 2017). Portanto, o lançamento de esgoto bruto nesses corpos hídricos deve resultar em um grave impacto ambiental e na perda da capacidade de atendimento da demanda por abastecimento de água potável da re- gião, devido ao comprometimento da qualidade da água. Mapa A – Índice de atendimento total de esgoto. Mapa B – Índice total de coleta de resíduos sólidos urbanos. Saneamento e saúde 15 Figura 5 Capacidade de diluição de esgotos municipais Fonte: ANA, 2017. Os lixões são áreas totalmente inadequadas para descartar resí- duos sólidos porque essas áreas não possuem qualquer infraestrutura de controle e manejo do material ali depositado. Esse tipo de alternativa, ainda utilizada por muitos municípios bra- sileiros, traz diversos impactos negativos para a saúde da população (transmissão de várias doenças; proliferação de insetos, roedores e aves indesejadas; e maus odores) e para a qualidade ambiental (con- taminação do solo; poluição dos lençóis freáticos e poços artesianos; desvalorização imobiliária da região; e poluição visual). 16 Saneamento e saúde ambiental A solução recomendada é a coleta seletiva dos resíduos sólidos, a recuperação de materiais que têm valor econômico (como papel, papelão, plástico, vidro e alumínio) e a destinação dos resíduos orgâ- nicos para aterros sanitários com infraestrutura de recuperação de energia, isto é, produção de biogás por meio da decomposição biológica dos compostos orgânicos (SOUTO; POVINELLI, 2012). A drenagem urbana é outra medida de sanea- mento básico muito importante para promover a saúde humana e ambiental. Chuvas intensas po- dem provocar inundações, alagamentos, erosão e assoreamento, e esses fenômenos causam vários prejuízos, como mor- tes e perda de bens materiais (por enchentes), transmissão de doenças de veiculação hídrica (como a leptospirose), danos e estragos em in- fraestruturas urbanas (parques, asfalto, calçamento, sinalização, pon- tes etc.), tendo maior impacto sobre a população residente em áreas mais vulneráveis. Portanto, obras de engenharia são recomendadas (reservatórios subterrâneos, galerias e canais de água de chuva etc.) a fim de favorecer o escoamento da água em dias de intensa precipitação (CHRISTOFIDIS; ASSUMPÇÃO; KLIGERMAN, 2019). 1.3 Doenças de veiculação hídrica Vídeo Cerca de 15 mil mortes, além de 350 mil internamentos, são regis- tradas anualmente no Brasil em razão da precariedade dos serviços de saneamento básico, e as crianças são as mais vulneráveis (84%), segundo as Nações Unidas (LEMOS, 2020). Essa lamentável realidade é o resultado do panorama precário de atendimento dos serviços de saneamento básico (água, esgoto, resíduos, drenagem, limpeza públi- ca) prestados pelos municípios brasileiros, sendo as regiões Norte e Nordeste as mais impactadas por esse problema. O Quadro 2 destaca as doenças predominantes causadas pelo con- tato direto (consumo) ou indireto (utilização na preparação de alimen- tos e atividades diárias) com águas contaminadas. A diarreia aguda é a principal doença responsável por morbimortalidades no Brasil e em morbimortalidade: relação entre casos de enfermidade/morte e número de habitantes em um lugar e momento. Glossário Dm ytro Falkowskyi/Shutterstock Saneamento e saúde 17 países subdesenvolvidos e a transmissão também ocorre pelo contato com um indivíduo doente (BRASIL, 2010). Quadro 2 Doenças de veiculação hídrica Doenças Origem/consequência Diarreia aguda • Ausência ou precariedade no sistema de esgotamento sanitário (precariedade nos serviços de saneamento básico). • Consumo de água contaminada. • Falta de higiene adequada (corporal, domiciliar, laboral). • Fonte: a) bactérias (staphylococcus aureus, campylobacter jejuni, escherichia coli enterotoxigênica, escherichia coli enteropatogênica, escherichia coli enteroinvasiva, escherichia coli enterohemorrágica, salmonella, shigella dysenteriae, yersinia enterocolitica, vibrio cholerae); b) vírus (astrovírus, calicivírus, adenovírus entérico, norovírus, rotavírus); c) parasitas (entamoeba histolytica, cryptosporidium, balantidium coli, giardia lamblia, isospora belli). Cólera • Ingestão de água contaminada por esgoto sanitário (precariedade nos serviços de saneamento básico). • Consumo de alimentos preparados ou produzidos com água contaminada (exem- plos: irrigação de verduras, moluscos e crustáceos). • Falta de higiene adequada (corporal, domiciliar, laboral). Febre tifoide • Ingestão de água contaminada por esgoto sanitário (precariedade nos serviços de saneamento básico). • Consumo de alimentos preparados ou produzidos com água contaminada (exem- plos: irrigação de verduras, moluscos e crustáceos). • Falta de higiene adequada (corporal, domiciliar, laboral). Verminoses • Ingestão de água contaminada por esgoto sanitário (precariedade nos serviços de saneamento básico). • Consumo de alimentos preparados ou produzidos com água contaminada (exem- plos: irrigação de verduras, moluscos e crustáceos). • Falta de higiene adequada (corporal, domiciliar, laboral). • Fonte: parasitas (amebíase, giardíase). Hepatite A • Ingestão de água contaminada por esgoto sanitário (precariedade nos serviços de saneamento básico). • Consumo de alimentos preparados ou produzidos com água contaminada (exem- plos: irrigação de verduras, moluscos e crustáceos). • Falta de higiene adequada (corporal, domiciliar, laboral). Leptospirose • Ingestão de água contaminada por enchentes (precariedade nos serviços de sanea- mento básico). • Contato com esgoto sanitário lançado em rios e lagos sem tratamento adequado. • Contato com animais contaminados (doentes). •Consumo de alimentos preparados ou produzidos com água contaminada (exem- plos: irrigação de verduras, moluscos e crustáceos). • Falta de higiene adequada (corporal, domiciliar, laboral). • Fonte: urina de rato (transmissão por via cutânea). Fonte: Elaborado pela autora com base em Brasil, 2010. 18 Saneamento e saúde ambiental Entre as formas de contaminação, o esgoto sanitário é a principal fonte de disseminação de doenças por veiculação hídrica. Isso ocorre nos casos de ausência de serviços municipais de esgotamento sanitário (coleta, transporte e tratamento de esgoto) ou mesmo quando as insta- lações existentes são precárias e não operam adequadamente. O efluente sanitário contém uma grande diversidade e elevada con- centração de microrganismos patogênicos (bactérias, vírus, protozoá- rios, vírus e helmintos) expelidos nas fezes de indivíduos doentes. Se esses microrganismos não são eliminados corretamente por alguma técnica de desinfecção – como a cloração em uma estação de trata- mento de esgoto – eles se tornam fonte de contaminação de indivíduos saudáveis que tiveram contato com o esgoto, por exemplo, crianças brincando nos arredores de locais onde o esgoto é despejado no solo, a céu aberto (DANIEL, 2012). A contaminação pode ocorrer também de modo indireto, geralmen- te de maneira imperceptível. Por exemplo, esgoto lançado no rio ou no solo, sem tratamento adequado, pode provocar a contaminação de fontes de água potável (poços artesianos e lençóis freáticos). Isso re- sulta na alteração e no comprometimento da qualidade da água dos reservatórios naturais e põe em risco a saúde da população que utiliza a água desses locais para suas atividades diárias (higiene, alimentação, dessedentação, recreação etc.) (DANIEL, 2012). Da mesma forma, o consumo e a produção de alimentos irriga- dos com água contaminada por esgoto também podem acarretar enfermidades graves para o consumidor e para os produtores agrí- colas e seus familiares. A OMS estabelece medidas para a aplicação segura de esgoto no cultivo de determinadas culturas (WHO, 2006). No Brasil, a Resolução n. 498/2020 define critérios e condições para o uso de lodo de estação de tratamento de esgoto como fertilizante para o solo (BRASIL, 2020c). A Figura 6 descreve o mecanismo de disseminação de doenças por veiculação hídrica. Para aprofundar o conhecimento nesse assunto, é recomendado assistir ao vídeo Doenças veiculadas pela água, do canal Mais ciências – Profa. Rafaela Lima. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=RBB8p 0RbNQE. Acesso em: 9 maio 2022. Vídeo dessedentação: matar a sede de alguém, de algo ou de si próprio. Glossário https://www.youtube.com/watch?v=RBB8p0RbNQE https://www.youtube.com/watch?v=RBB8p0RbNQE https://www.youtube.com/watch?v=RBB8p0RbNQE Saneamento e saúde 19 Excretas (esgoto sanitário) Mãos Vetores Água Alimentos Boca/Pele Doença Figura 6 Transmissão de doenças por veiculação hídrica Fonte: Elaborada pela autora com base em Brasil, 2004. Solo Para evitar o contágio e a transmissão de doenças por veiculação hídrica, são recomendadas as seguintes medidas: • Utilizar sempre água encanada, água fervida ou filtrada (caso o município não disponha de rede de abastecimento de água), ou água mineral (envazada). • Nunca consumir água bruta de procedência desconhecida (rio, mina, poço etc.). • Evitar o contato com água de enchentes e alagamentos (pode ha- ver contaminação por esgoto lançado irregularmente). • Utilizar corretamente a rede coletora de esgoto (água de chuva não pode ser lançada na rede de esgoto) e se a residência não é atendida por esse serviço, utilizar sistema de tanque séptico. • Dar a destinação correta para os resíduos sólidos. Além disso, algumas práticas cotidianas são muito importantes, como lavar bem os alimentos com água filtrada antes de consumi-los e sempre ter hábitos de higiene pessoal (banhos regulares, limpeza bucal etc.) e domiciliar (higienização da residência). 20 Saneamento e saúde ambiental 1.4 Política Nacional de Saneamento Básico Vídeo A Lei n. 14.026, publicada em 2020 pela Secretaria Geral da Presidên- cia da República, atualiza o marco legal do saneamento básico no Brasil e traz alterações em alguns aspectos da lei anterior (Lei n. 9.984/2000). Um ponto bastante polêmico na Lei n. 14.026/2020 é, sem dúvida, a abertura dos serviços de saneamento básico para empresas priva- das. Essa estratégia tem o objetivo de atrair maior investimento para o setor com recursos financeiros privados (BRASIL, 2020a). Porém, a mu- dança na legislação brasileira tem gerado muita preocupação e dúvida com relação ao impacto no valor da tarifa de água e esgoto (TEMÓTEO; ANDRETTA, 2020) além de que parte das companhias de saneamento, as quais atuam no país há décadas e são estatais ou empresas de eco- nomia mista, protestam contra essa legislação. O novo marco do saneamento básico aprova a criação de mecanis- mos legais e administrativos que facilitam a entrada de empresas pri- vadas no setor, mas esse marco também gera vários obstáculos para a participação de empresas públicas na livre concorrência a fim de prestar serviços aos municípios, entre outras determinações (BRASIL, 2020a). A seguir, resume-se os principais pontos da atualização do novo marco le- gal do saneamento básico brasileiro (BRASIL, 2020a; VERDÉLIO, 2020). • Objetivo: universalização do saneamento básico até 31 de dezembro de 2033. • Meta: atendimento nacional de 99% da população com abastecimento de água potável; 90% na cobertura dos serviços de coleta e tratamento de esgoto até 2033 (com possibilidade de prorrogação desse prazo até 2040, se comprovada a inviabilidade técnica ou financeira). • Investimento previsto em 13 anos: aproximadamente R$ 700 bilhões. • Abertura para consórcios participarem nos editais de contratação de ser- viços de saneamento básico, com o objetivo de viabilizar os serviços nos municípios de menor capacidade técnica e financeira, e reduzir custos (plano regional de saneamento básico). “Pode ser estruturado por regiões metropolitanas, por unidades regionais, instituídas pelos estados e cons- tituídas por municípios não necessariamente limítrofes, e por blocos de Para aprofundar o conhe- cimento nesse assunto, é recomendado assistir ao vídeo Webinar ANA – O Novo Marco Legal do Saneamento, do canal AnaGovBr. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=Lamzmo2_ 1SQ. Acesso em: 9 maio. 2022. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=Lamzmo2_1SQ https://www.youtube.com/watch?v=Lamzmo2_1SQ https://www.youtube.com/watch?v=Lamzmo2_1SQ Saneamento e saúde 21 referência criados pelos municípios de forma voluntária para gestão asso- ciada dos serviços” (VERDÉLIO, 2020). • Obrigatoriedade de conter em contrato informações sobre as metas pro- gressivas e graduais e o cronograma para o atendimento dos serviços prestados (isto é, apresentar as condições para expansão dos serviços e sua qualidade), além de descrever as fontes de receitas (por exemplo, fundos internacionais, recursos privados etc.) e os critérios de divisão de riscos (entre usuários, empresas de saneamento e municípios). • Contratos em andamento podem ser mantidos se as empresas presta- doras dos serviços contratados comprovarem sua capacidade econômi- ca e financeira para atender à meta de universalização da nova lei até 2033 (99% da população com abastecimento de água potável, 90% na cobertura dos serviços de coleta e tratamento de esgoto). • Obrigatoriedade de conter em contrato as metas para o controle de per- das na distribuição de água tratada (rede de abastecimento de água dos municípios), “da qualidade, da eficiência, uso racional da água, da ener- gia e de outros recursos naturais” (BRASIL, 2020a). • Estabelece vários critérios para a licitação e a contratação de serviços. • Planos municipais de saneamento podem ser elaborados com base em estudos realizados pelos prestadores de serviço, mas devem ser compa- tíveiscom os planos das bacias hidrográficas e os planos diretores dos municípios participantes. • “As taxas ou as tarifas decorrentes da prestação de serviço de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos considerarão a destinação ade- quada dos resíduos coletados e o nível de renda da população da área atendida, de forma isolada ou combinada, e poderão, ainda, considerar as características dos lotes e as áreas que podem ser neles edificadas, o consumo de água e a frequência de coleta” (BRASIL, 2020a). • Estabelece cronograma para a disposição ambientalmente correta dos resíduos sólidos urbanos para os municípios que possuem plano inter- municipal ou integrado de gestão de resíduos (de acordo com o número de habitantes e características geopolíticas). • Empresas públicas que atuam na área de saneamento básico não po- dem mais ser contratadas diretamente pelo município para prestar ser- viços - agora é necessário realizar licitação com a livre concorrência, inclusive com a participação de empresas privadas. 22 Saneamento e saúde ambiental Em teoria, o objetivo do novo marco legal do saneamento básico brasileiro é viabilizar a universalização dos serviços (água, esgoto, re- síduo, drenagem e limpeza pública) até 2033, por meio da entrada de recursos vindos de empresas privadas, reduzindo os gastos públicos com o setor, caso o Estado fosse obrigado a arcar com o investimento necessário para alcançar a meta. Outro ponto a ser destacado no novo marco do saneamento é a quali- dade dos serviços. Com a implantação dos critérios estabelecidos na Lei n. 14.026/2020, espera-se serviços de melhor qualidade. Por exemplo, o for- necimento de água com regularidade e em quantidade adequada, o lan- çamento de efluentes tratados condizentes com os critérios da legislação ambiental (redução de impacto nos corpos hídricos por contaminação de águas residuais), a minimização de perda de água tratada na rede de abas- tecimento (atualmente estima-se perda superior a 40%) (BRASIL, 2020b). Porém, os críticos da nova lei afirmam que a privatização do se- tor de saneamento deve trazer mais prejuízos do que benefícios, por exemplo, pode encarecer os serviços prestados (água, esgoto, resíduos, drenagem urbana e limpeza pública), recaindo o ônus na população. Nesse caso, o Estado deixará de subsidiar e destinar recursos da União para os municípios, e, desse modo, regiões periféricas podem nunca ser atendidas, pois não são economicamente atrativas para empresas privadas, visto que há baixo retorno do investimento. Os municípios e a agência reguladora (ANA) não dispõem de corpo técnico suficiente para fiscalizar a qualidade dos serviços prestados, entre outros pontos apontados como fragilidades da nova lei. Entende-se iniciativa privada no setor como sendo a economia mis- ta público-privada. Atualmente “6% das cidades são atendidas pela ini- ciativa privada, como nos mostra Temóteo; Andretta (2020). Nas outras 94%, o serviço é feito por companhias estaduais ou municipais, com ajuda do governo federal. Apesar dessa diferença, as empresas priva- das respondem por 20% de todo investimento no setor”. Com a Lei n. 14.026/2020, a ANA passa a atuar ativamente nas nor- mas de regulação desses serviços de saneamento nos municípios do país (BRASIL, 2020a). A seguir, destaca-se as principais atribuições administrativas e re- guladoras da ANA diante do novo marco legal do saneamento básico brasileiro (BRASIL, 2020d). Saneamento e saúde 23 • Definir parâmetros de fiscalização do atendimento das metas. • Estabelecer indicadores de avaliação da potabilidade da água. • Criar critérios de composição de custos pagos pelos usuários finais pelos serviços prestados. • Elaborar mecanismos de subsídios para usuários de baixa renda e de compartilhamento de ganhos de produtividade empresarial com os usuários. • Avaliar práticas regulatórias. • Realizar consultas e audiências com a representação de atores públi- cos municipais e entidades reguladoras/fiscalizadoras dos serviços de saneamento básico. • Declarar situação de escassez hídrica nos rios de domínio da União quando detectado risco por alteração da qualidade ou quantidade de água disponível para abastecimento dos municípios. • Definir regras para o reuso de efluente sanitário tratado. • Fiscalizar a execução das regras de uso da água para as múltiplas finalidades quando declarada situação de escassez. • Elaborar o novo Plano Nacional de Saneamento Básico com ações, objetivos e metas. • Estabelecer normas e metas para a troca de sistemas unitários (tanque séptico) pelo modelo separador absoluto (redes coletoras de esgoto sanitário). Em resumo, a ANA passa a assumir atribuições de regulação das normas que se referem ao saneamento básico no território brasileiro. 1.5 Saneamento e urbanização Vídeo Conforme já discutido anteriormente, existe uma forte inter-relação entre o saneamento, a saúde pública e a qualidade ambiental. Assim, o saneamento deve estar intensivamente presente no processo de urba- nização de um município. 24 Saneamento e saúde ambiental Nesse sentido, deve-se analisar essas questões de maneira integra- da para construir soluções eficientes e sustentáveis, e isso aponta inevi- tavelmente para a escala municipal-urbana, pois é ali que se concentra a maioria da população do país. Segundo levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 84,7% da população brasileira vive nas cidades, sendo o Sudeste a região com o maior per- centual (93%) e o Nordeste com o menor percentual (73%) (IBGE, 2015). Paralelo a isso, tem-se o fato de que a situação atual do saneamento bá- sico nos municípios brasileiros é bastante preocupante na esfera urbana, como mostram os dados oficiais do último relatório do SNIS (Figura 7). Figura 7 Situação do saneamento básico nas cidades brasileiras Ol lie T he D es ig ne r/ Sh ut te rs to ck 97,2 milhões de pessoas não são atendidas em suas residências por coleta e tratamento de esgoto sanitário. 153,6 milhões de pessoas têm acesso ao sistema de coleta de esgoto (redes), porém o esgoto coletado é despejado, sem qualquer tratamento, em rios, lagos, reservatórios de água etc., ou no solo (isso representa cerca de 30,7 milhões de m3 de esgoto bruto por dia). 36,3 milhões de pessoas não recebem água tratada. 20,8 milhões de pessoas não têm coleta domiciliar de resíduos sólidos. 9,8 milhões de toneladas de resíduos por ano são destinados a lixões pelo país. 71,4% dos municípios brasileiros não têm redes ou canais para escoamento de água de chuva. 218,4 mil pessoas foram desabrigadas por eventos hidrológicos. Apenas 30,4% das cidades brasileiras possuem um plano municipal de saneamento básico (previsto na Lei n. 11.445/2007). Apenas 35,6% dos municípios são pavimentados. Fonte: Elaborada pela autora com base em Brasil, 2020b; Amato-Lourenço, 2019. O saneamento básico é um problema histórico no país. As cidades brasileiras cresceram e se desenvolveram de modo desarticulado – isto é, sem planejamento – e a infraestrutura sanitária implantada no passa- Saneamento e saúde 25 do para atender às necessidades da população não foram efetivas. Isso resultou em problemas ambientais e sociais sentidos ainda nos dias de hoje, relacionados à carência de sistemas eficientes de saneamento básico. O “processo de urbanização acelerado tornou inadequada a in- fraestrutura das cidades, sendo os efeitos sentidos no abastecimento de água, transporte e tratamento de esgoto doméstico, drenagem ur- bana e controle de cheias” (VALVASSORI; ALEXANDRE, 2012, p. 2). Em outras palavras, isso mostra a grande dimensão do problema enfrentado pela administração pública (municipal, estadual e federal) para atender o ODS 6 – água potável e saneamento – da Agenda 2030 da ONU nas áreas urbanas. O Quadro 3 reúne os instrumentos utiliza- dos na avaliação do atendimento do ODS 6 para os países signatários nas Nações Unidas, comoé o caso do Brasil. Quadro 3 Meta e indicadores do ODS 6 da Agenda 2030 Meta Assegurar a disponibilidade e a gestão sustentável da água e do saneamento Indicadores 1. Até 2030, alcançar o acesso universal e equitativo à água potável e segura para todos. 2. Até 2030, alcançar o acesso a saneamento e higiene adequados e equitativos para to- dos, e acabar com a defecação a céu aberto, com especial atenção para as necessidades das mulheres e meninas e daqueles em situação de vulnerabilidade. 3. Até 2030, melhorar a qualidade da água, reduzindo a poluição, eliminando o despejo e minimizando a liberação de produtos químicos e materiais perigosos, reduzindo pela metade a proporção de águas residuais não tratadas e aumentando substancialmente a reciclagem e reutilização segura globalmente. 4. Até 2030, aumentar substancialmente a eficiência do uso da água em todos os seto- res, assegurar retiradas sustentáveis e o abastecimento de água doce para enfrentar a escassez de água, e reduzir substancialmente o número de pessoas que sofrem com a escassez de água. 5. Até 2030, implementar a gestão integrada dos recursos hídricos em todos os níveis, inclusive via cooperação transfronteiriça, conforme apropriado. 6. Até 2020, proteger e restaurar ecossistemas relacionados com a água, incluindo mon- tanhas, florestas, zonas úmidas, rios, aquíferos e lagos. 6a. Até 2030, ampliar a cooperação internacional e o apoio à capacitação para os países em desenvolvimento em atividades e programas relacionados à água e saneamento, in- cluindo a coleta de água, a dessalinização, a eficiência no uso da água, o tratamento de efluentes, a reciclagem e as tecnologias de reuso. 6b. Apoiar e fortalecer a participação das comunidades locais, para melhorar a gestão da água e do saneamento. Fonte: ONU, 2022. O novo marco legal do saneamento básico brasileiro (Lei n. 14.026/2020) está perfeitamente alinhado com o ODS 6 da Agenda 2030 ao estabelecer como meta a universalização dos ser- 26 Saneamento e saúde ambiental viços de saneamento básico para toda a população até 2033. Entre- tanto, muitos desafios ainda devem ser superados para que esse objetivo seja alcançado pelo Estado (como políticas públicas, gestão, investimento, tecnologia e capacitação técnica). O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicou em 2015 um estudo direcionado para a avaliação do nível de fragilidade social dos municípios brasileiros, denominado Índice de Vulnerabilidade Social (IVS). No cálculo do índice são consideradas três dimensões (renda, educação e saúde), e o acesso da população a serviços de saneamento básico é um dos critérios analisados pelo IVS (COSTA; MARGUTI, 2015). A Figura 8 mostra o resultado da aplicação do índice (vermelho re- presenta os municípios altamente vulneráveis e azul escuro os municí- pios muito pouco vulneráveis). Quanto maior a vulnerabilidade social de um município, menor é a qualidade de vida da população (em termos de saúde, habitação, educação, infraestrutura urbana etc.). Em termos de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Brasil ocupa a 75ª po- sição no ranking internacional em uma lista de 195 país (PNUD, 2022). Legenda 0,501 - 1 | Muito Alta 0,401 - 0,500 | Alta 0,301 - 0,400 | Média 0,201 - 0,300 | Baixa 0.000 - 0,200 | Muito Baixa Sem dados Legenda 75,500 - 78,640 74,150 - 75,500 72,710 - 74,150 70,620 - 72,710 65,300 - 70,620 Sem dados Figura 8 Mapa da situação social dos municípios brasileiros A – Índice de vulnerabilidade social B – Longevidade da população Fonte: Ipea, 2022a. Para aprofundar o conhe- cimento nesse assunto, é recomendado assistir ao vídeo ODS #6: Água limpa e saneamento • IBGE Explica, do canal IBGE. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=ydH9Y poxpsI. Acesso em: 9 maio2022. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=ydH9YpoxpsI https://www.youtube.com/watch?v=ydH9YpoxpsI https://www.youtube.com/watch?v=ydH9YpoxpsI Saneamento e saúde 27 A Figura 9 apresenta as condições de contorno para cada uma das variáveis que compõem o IVS. É possível notar que 67% dos indicado- res que constituem a dimensão Infraestrutura Urbana são aspectos do saneamento básico, ou seja, resíduo, água e esgoto. Dimensão infraestrutura urbana Dimensão capital humano Dimensão renda e trabalho • Coleta de lixo • Água e esgoto inadequados • Tempo de deslocamento casa- trabalho • Mortalidade infantil • Crianças de 0 a 5 fora da escola • Não estudam, não trabalham e baixa renda • Crianças 6 a 14 fora da escola • Mães jovens (10 a 17) • Mães sem fundamental + filhos até 15 • Analfabetismo • Crianças em domicílio em que ninguém tem o fundamental completo • Renda menor ou igual a R$255 • Baixa renda e dependente de idosos • Desocupação • Trabalho infantil • Ocupação informal s/ ensino fundamental 21 3 1 - J an is A bo lin s/ Sh ut te rs to ck 2 - J ov an ov ic D ej an /S hu tte rs to ck 3 - R as ha d As hu r/ Sh ut te rs to ck 0,400 0,5000,3000,2000 1 Muito Baixa Baixa Média Alta Muito alta Figura 9 Critérios de composição do IVS Fonte: Adaptada de Ipea, 2022b. A análise das áreas com maior vulnerabilidade social (IVS acima de 0,4) (Figura 8, lado A) e menor longevidade (idade de vida inferior a 72,7 anos) (Fi- gura 8, lado B) coincidem exatamente com as regiões mais impactadas pela carência nos serviços de saneamento básico (Figura 4), como era esperado. Portanto, isso reforça a importância da universalização dos serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto doméstico, coleta e destinação adequada e sustentável de resíduos sólidos, drena- gem urbana de águas pluviais e limpeza pública para promover a saúde da população. 28 Saneamento e saúde ambiental CONSIDERAÇÕES FINAIS Existe uma forte inter-relação entre saneamento, saúde humana e qualidade ambiental. Investimentos em saneamento básico são reverti- dos em benefícios sociais (melhoria da qualidade de vida da população), ambientais (redução da poluição, principalmente da água e do solo) e econômicos (promoção do desenvolvimento sustentável e minimização de gastos públicos com a saúde curativa). O processo de urbanização traz consigo grandes desafios para a gestão pública, pois as soluções para as demandas urbanas devem ser adaptadas às necessidades de infraestrutura da população, bem como aos recursos de que ela dispõe na esfera municipal. ATIVIDADES Atividade 1 Explique a diferença entre o saneamento ambiental e o saneamen- to básico e destaque qual deles é o mais eficaz em seu propósito. Atividade 2 Exemplifique duas formas de transmissão de doenças por veicula- ção hídrica e apresente uma solução para os exemplos escolhidos. Atividade 3 Apresente os eixos do saneamento básico e explique sua impor- tância no processo de urbanização de um município. Saneamento e saúde 29 REFERÊNCIAS ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico. Atlas esgotos: despoluição de bacias hidrográficas. Brasília, 2017. Disponível em: https://www.gov.br/ana/pt-br/ assuntos/noticias-e-eventos/noticias/atlas-esgotos-revela-mais-de-110-mil-km-de-rios- com-comprometimento-da-qualidade-da-agua-por-carga-organica/atlaseesgotosdespolui caodebaciashidrograficas-resumoexecutivo_livro.pdf/view. Acesso em: 13 maio 2022. AMATO-LOURENÇO, L. F. Saúde e saneamento ambiental. São Paulo: Senac, 2019. BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Manual de saneamento. Brasília: Fundação Nacional de Saúde, 2004. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_ saneamento_3ed_rev_p1.pdf. Acesso em: 9 maio 2022. BRASIL. Lei n. 14.026, de 15 de julho de 2020. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 16 jul. 2020a Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019- 2022/2020/Lei/L14026.htm. Acesso em: 9 maio 2022. BRASIL. Ministério da Saúde. 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Esse tema é contemplado pelo objetivo 6 da Agenda 2030 das Nações Unidas (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS), que estabelece a meta de universalização dos serviços de acesso a água potável e saneamento para toda a população como uma das me- didas mandatórias para a promoção da saúde humana e da qualidade ambiental (ONU, 2022). As seções a seguir destacam aspectos teóricos e conceituais sobre o tema, trazendo uma interpretação didática da legislação brasileira vigente sobre os recursos hídricos, em uma linguagem descomplicada e objetiva. Ao longo do texto também são sugeridas leituras e atividades comple- mentares para ampliar e fixar o conhecimento sobre o assunto. Com o estudo deste capítulo, você será capaz de: • apresentar e discutir os instrumentos da política nacional dos recur- sos hídricos; • descrever os parâmetros de avaliação da qualidade da água; • descrever os limites de qualidade da água para os diversos usos. Objetivos de aprendizagem 2.1 Instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos Vídeo A primeira legislação brasileira que tratou dos recursos hídricos foi o Código das Águas (Decreto n. 24.643), assinado em 1934. Porém, esse era outro momento, e desde então muitas mudanças surgiram na economia e na organização social do país (por exemplo, a intensiva urbanização, o crescimento populacional, a expansão industrial, a glo- balização das relações de mercado, o aumento do consumo de água 32 Saneamento e saúde ambiental e da poluição etc.), o que tornou necessária a criação de uma política específica para regular a questão do uso das águas no Brasil. A Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) foi instituída pela Presidência da República em 1997, na forma da Lei n. 9.433, conhecida como a Lei das Águas. Os objetivos da PNRH são (BRASIL, 1997): I. garantir a oferta de água para a atual e futuras gerações em quantidade e qualidade compatíveis com os usos pretendidos; II. promover o consumo racional e integrado da água para o desen- volvimento sustentável do território brasileiro; III. planejar ações de prevenção e defesa para o enfrentamento de eventos hidrológicos críticos (principalmente a crise hídrica) em razão de efeitos naturais ou ações humanas; IV. estimular a utilização consciente da água de chuva (águas pluviais). A Lei das Águas é um importante marco na regulação do direito de uso e exploração dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos, em escala municipal, estadual e federal, pois ela considera a água como um elemento estratégico para o desenvolvimento social, econômico e ambiental do país e reconhece que (BRASIL, 1997): I. a água é um bem de domínio público; II. Ia água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico; III. em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais; IV. a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas; V. a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; VI. a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e con- tar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades. A água é elemento essencial para a manutenção da vida humana e de outras espécies no planeta (GOMES, 2011), para a sustentação de to- das as práticas industriais, principalmente no agronegócio, além de ser fonte de recurso para diversas outras atividades, como a navegação, a recreação, a purificação do ar etc. Assim, a gestão planejada dos recur- sos hídricos é estratégica para sanear conflitos de interesse e garantir água em quantidade e qualidade adequada para atender as diversas fi- nalidades (usos múltiplos), pois sua disponibilidade varia muito de uma Controle da poluição hídrica 33 região para outra (efeito da geografia e da poluição) e sofre a influência das condições climáticas (sazonalidade e impacto das mudanças do cli- ma) (ANA, 2021). A Figura 1 mostra a variação da demanda de água no Brasil para atender todas as finalidades de uso. Os valores apresentados na legen- da se referem à vazão de retirada, medida em m3.s–1 (metro cúbico por segundo). As áreas em laranja, vermelho e marrom representam os pontos mais críticos e isso significa que essas regiões concentram ele- vado consumo e, consequentemente, registram cenários de conflitos pelo uso da água. Por isso a importância de uma política nacional bem estruturada e articulada com órgãos ambientais (federal e estadual) para atender a demanda de todos os usuários. Figura 1 Distribuição do consumo de água nos municípios brasileiros Fonte: ANA, 2022e. Demanda total < 0,001 0,001 - 0,005 0,005 - 0,010 0,010 - 0,100 0,100 - 0,500 0,500 - 8,332 A PNRH prevê cinco instrumentos para regular as relações entre oferta e consumo de água e, principalmente, controlar a poluição dos recursos hídricos da PNRH para a gestão planejada da água no territó- rio brasileiro (BRASIL, 1997): 34 Saneamento e saúde ambiental Instrumentos 1. Enquadramento dos cursos d’água; 2. Outorga do direito de uso da água; 3. Cobrança pelo uso da água; 4. Sistema de informações sobre recursos hídricos; 5. Planos de recursos hídricos. O primeiro instrumento da PNRH é o enquadramento dos cursos d’água (rios, lagos, reservatórios, represas etc.), cujos objetivos são: I – garantir água de qualidade compatível com os usos pretendidos; II – reduzir custos com a poluição hídrica, com base em ações preventivas contínuas. A regra para a classificação dos corpos hídricos considera a análise de três fatores básicos: a qualidade atual da água, a qualidade futura desejada e a qualidade possível de ser mantida ou alcançada diante das limitações técnicas, sociais e econômicas da realidade brasileira (ANA, 2019b). Portanto, primeiro é necessário conhecer quais são os usos predo- minantes de determinado curso d’água e, em seguida, observar qual a qualidade exigida para cada finalidade, pois o enquadramento é apli- cado por trecho do curso d’água, de acordo com suas características físicas. Assim, ao comparar essas informações com a condição atual da água será possível estabelecer metas futuras de qualidade e prazos para o seu cumprimento. As condições para o enquadramento dos cursos de águas super- ficiais e subterrâneas são definidas pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), por meio da Resolução n. 357 (BRASIL, 2005) e Re- solução n. 396 (BRASIL, 2008), respectivamente. Os usos da água são divididos em classes e englobam três diferentes categorias: I. água doce (salinidade 0,5‰); II. água salobra (salinidade entre 0,5‰ e 30‰); III. água salina (salinidade 30‰). Quanto maior a classe e menor a qualidade, mais restritivos serão os usos possíveis e maior o nível de tratamento necessário (Quadro 1). Para aprofundar o seu conhecimento desse assunto, assista ao vídeo institucional Planos de Recursos Hídricos e o Enquadramento de Corpos d’Água, do canal anagovbr, sobre os Planos de Recur- sos Hídricos. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=f2Yj9NYID9w. Acesso em: 14 abr. 2022. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=f2Yj9NYID9w https://www.youtube.com/watch?v=f2Yj9NYID9w https://www.youtube.com/watch?v=f2Yj9NYID9w Controle da poluição hídrica 35 Quadro 1 Classes e usos das águas superficiais Classes Usos Ág ua s do ce s Especial Consumo humano (após desinfecção), preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas, preservaçãodos ambientes aquáticos em unidades de conservação de proteção integral. 1 Consumo humano (após tratamento simplificado), proteção das comunidades aquáticas, recreação de contato primário (natação, esqui aquático e mergulho – Conama 274/2000), irrigação (hortaliças consumidas cruas e frutas desenvol- vidas rentes ao solo e ingeridas cruas sem remoção de película), proteção das comunidades aquáticas em Terras Indígenas. 2 Consumo humano (após tratamento convencional), prote- ção das comunidades aquáticas, recreação de contato pri- mário (como na classe 1), irrigação (hortaliças, plantas frutí- feras, parques, jardins, campos de esporte e lazer, com os quais o público tenha contato direto), aquicultura e pesca. 3 Consumo humano (após tratamento convencional ou avan- çado), irrigação (culturas arbóreas, cerealíferas e forragei- ras), pesca amadora, recreação de contato secundário, des- sedentação de animais. 4 Navegação, harmonia paisagística. Ág ua s sa lo br as Especial Preservação de ambientes aquáticos em unidades de con- servação de proteção integral, preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas. 1 Recreação de contato primário (Conama 274/2000), pro- teção das comunidades aquáticas, aquicultura e pesca, consumo humano (após tratamento convencional ou avan- çado), irrigação (hortaliças consumidas cruas e frutas de- senvolvidas rentes ao solo e ingeridas cruas sem remoção de película, parques, jardins, campos de esporte e lazer, com os quais o público tenha contato direto). 2 Pesca amadora, recreação de contato secundário. 3 Navegação, harmonia paisagística. Ág ua s sa lin as Especial Preservação de ambientes aquáticos em unidades de con- servação de proteção integral, preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas. 1 Recreação de contato primário (Conama 274/2000), prote- ção de comunidades aquáticas, aquicultura e pesca. 2 Pesca amadora, recreação de contato secundário. 3 Navegação, harmonia paisagística. Fonte: Adaptado de ANA, 2007. 36 Saneamento e saúde ambiental O curso d’água enquadrado em cada uma das classes está subor- dinado a limites específicos de qualidade, os quais exigem diferentes níveis de tratamento para atender as especificações dos usos preten- didos. Este assunto será tratado com mais detalhes posteriormente. A outorga e a cobrança pelo uso da água são instrumentos admi- nistrativos na PNRH e dependem diretamente do enquadramento do corpo d’água. Esses dois instrumentos devem ser regulamentados pe- los estados, por meio de legislação própria que estabeleça critérios e condições (ANA, 2019b). A outorga é uma licença solicitada pelo usuário (consumidor) e emi- tida pelo órgão público responsável pela gestão do curso d’água onde se pretende fazer a captação. Essa autorização é exigida para todas as seguintes condições: na derivação ou captação direta de água superfi- cial ou subterrânea (por exemplo, uma estação de tratamento de água, uma indústria, uma perfuração de poço artesiano); no lançamento de águas residuais (por exemplo, descarte de efluente de uma indústria ou de efluente de uma estação de tratamento de esgoto); na geração de energia elétrica (represamento de água); ou em outras atividades que in- terfiram na vazão ou na qualidade do curso d’água (BRASIL, 1997). A figu- ra a seguir mostra os possíveis fluxos de autorização para o uso da água. Figura 2 Fluxos de emissão de outorga de direito de uso da água 1. ÁGUAS SUPERFICIAIS (rios, córregos e nascentes) captação e lançamento de efluentes Cadastro de vazão insignificante de água 2. ÁGUAS SUBTERRÂNEAS (poços rasos e profundos) captação Outorga prévia Outorga de direito Anuência prévia para perfuração de poço Cadastro de vazão insignificante de água Outorga prévia Outorga de direito 3. INTERVENÇÕES (obras e serviços) Cadastro de vazão insignificante de água Outorga prévia Outorga de direito el en as av ch in a2 /S hu tte rs to ck Fonte: Adaptado de IAT, 2022. Para aprofundar o seu conhecimento nesse assunto, leia o relatório sobre a outorga e a cobrança dos recursos hídricos no Brasil. Disponível em: www.ceivap.org.br/ ceivap_news/ed105/CEIVAPNEWS- mat3.html. Acesso em: 14 abr. 2022. Leitura Controle da poluição hídrica 37 Como foi dito anteriormente, a outorga depende do enquadramen- to do corpo hídrico. Isso significa que novas licenças de uso (captação de água ou lançamento de efluentes) só serão emitidas ou renovadas se o curso d’água apresentar qualidade e quantidade compatíveis com a solici- tação, considerando-se também a presença de outros usuários no mesmo trecho, isto é, o compartilhamento da demanda (múltiplos usuários). Além disso, a outorga de direito de uso está subordinada à dispo- nibilidade hídrica. Segundo a Lei 9.433, em caso de escassez hídrica, a prioridade é o abastecimento humano e a dessedentação de animais (BRASIL, 1997) e algumas áreas estão sujeitas à restrição de uso, tais como nascentes, margens de rios e lagos e trechos de recarga de aquí- feros (ANA, 2011). A outorga é emitida pelo órgão ambiental estadual responsável ou pela Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA), dependendo do domínio do curso d’água referente à licença que está sendo solicitada (ANA, 2011). Alguns exemplos de órgãos estaduais que emitem outorga para o uso da água são: Instituto Água e Terra do Paraná (IAT), Compa- nhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro (Inea), Secretaria dos Recursos Hídricos do Ceará (SRH/CE). A cobrança pelo uso da água é outro importante instrumento de gestão da água previsto na PNRH. Essa remuneração não é um impos- to, mas uma medida de valoração da água como um bem público. O valor unitário, ou seja, R$.m–3 (reais por metro cúbico) de água utiliza- da, é definido em reuniões participativas (comitês) entre os usuários da água, a sociedade civil organizada e o poder público, sob a orien- tação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH). A legislação brasileira determina que o valor arrecadado na cobrança pelo uso da água deve ser destinado exclusivamente para a recuperação da qualidade da bacia hidrográfica onde o valor foi gerado (BRASIL, 1997). Os objetivos da cobrança são (BRASIL, 1997): I. conscientizar a população sobre o valor da água como um bem público; II. promover o uso responsável da água; III. obter fundos para financiar ações previstas nos planos de recur- sos hídricos. São passíveis de cobrança todos os usos outorgáveis. 38 Saneamento e saúde ambiental Portanto, a cobrança pode ser entendida como um instrumento que complementa a outorga de direito de uso. O Quadro 2 apresenta a si- tuação da implementação da cobrança pelo uso da água no Brasil. Os estados que não aparecem no quadro estão em processo de constru- ção de políticas para a regulamentação da cobrança. Quadro 2 Panorama nacional da cobrança pelo uso da água Estado Cobrança ativa Águas de domínio da União Bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais). Bacias hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (São Paulo e Minas Gerais). Bacia hidrográfica do Rio São Francisco (Minas Gerais, Goiás, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe). Bacia hidrográfica do Rio Doce (Minas Gerais e Espírito San- to). Bacia hidrográfica do Rio Paranaíba (Goiás e Minas Gerais). Bacia hidrográfica do Rio Verde Grande (Bahia e Minas Gerais). Ceará Todas as águas de domínio cearense. Minas Gerais 12 das 36 Unidades de Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos. Paraíba Todas as águas de domínio paraibano. Paraná Somente nas bacias do Alto Iguaçu e afluentes do Alto Ribei- ra. Rio de Janeiro Todas as águas de domínio fluminense. São Paulo 19 das 22 Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Fonte: Adaptado de ANA, 2019a. A outorga e a cobrança pelo uso da água regulam o uso comparti- lhado dos recursos hídricos, pois evitam sua retiradaem quantidade que possa impedir o acesso de outros usuários, assim como minimi- zam o impacto negativo do descarte de águas residuais (efluentes industriais e esgoto doméstico) na qualidade dos cursos d’água, garan- tindo o atendimento de outros usuários e outras finalidades. A seguir, destacam-se as principais vantagens do instrumento de cobrança pelo uso da água (ANA, 2019a). Controle da poluição hídrica 39 Pontos positivos • Internalização das externalidades ambientais nas instalações dos usuá- rios da água, isto é, recai sobre o usuário o custo da conservação da água. • Implantação de tecnologias mais eficientes (por exemplo, reuso de água). • Redução do consumo, pois quanto menor a vazão captada, menor será o pagamento pelo usuário da água utilizada. • Retorno da arrecadação na forma de benefícios para sociedade (recupe- ração da qualidade e oferta de água na bacia hidrográfica). • Distribuição dos custos de acordo com a capacidade de pagamento dos usuários (cobrança diferenciada, por exemplo: geração de energia, agri- cultura, indústrias). É importante destacar que o valor cobrado pelo uso da água não é o mesmo que a tarifa aplicada pela companhia de saneamento no fornecimento de serviços de água tratada e esgotamento sanitário. As empresas de saneamento (estatais ou de economia mista) cobram do usuário o valor correspondente aos custos de operação: tratamento e distribuição (ou entrega) de água potável; e coleta, tratamento e desti- nação de águas residuais. Porém, uma vez que essas empresas necessitam de uma outorga para captação de água e descarte de efluentes, isso significa que elas também são cobradas pelo direito de uso da água e esse valor recai sobre a conta paga pelo usuário final (a população) (DEMAJOROVIC; CA- RUSO; JACOBI, 2015). No caso do uso da água pelo setor elétrico (geração de energia por meio de reservatórios de água), é cobrado 6,75% do valor da energia produzida, que é destinado à ANA (órgão que responde pela gestão do recurso, conforme determina a PNRH) (ANA, 2019a; BRASIL, 1997). O quarto instrumento de gestão das águas brasileiras, segundo a PNRH, é o Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos (SNIRH). Como o próprio nome sugere, ele é o núcleo responsável pela coleta, tratamento e armazenamento de dados de todos os recursos hí- dricos do território brasileiro. Os objetivos do SNIRH são (BRASIL, 1997): I. disponibilizar dados e informações consistentes sobre a situação da qualidade e quantidade de água dos recursos hídricos no país; II. manter a base de dados permanentemente atualizada; III. subsidiar ações e programas voltados à gestão dos recursos hí- dricos no território nacional. 40 Saneamento e saúde ambiental Por meio de pesquisas e estudos realizados nas bacias hidrográfi- cas brasileiras, os dados inseridos no SNIRH são gerados pelos órgãos que o integram: o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH); a Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA); os Conselhos de Re- cursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal (CRH/DF); os Comitês de Bacia Hidrográfica (CBH); os órgãos de gestão de recursos hídricos dos poderes públicos federais, estaduais e do Distrito Federal; e as Agências de Água (BRASIL, 1997). O SNIRH tem um papel fundamental na articulação entre os outros instrumentos, pois fornece os dados necessários para o devido enqua- dramento dos cursos d’água, que, por sua vez, orienta as licenças de outorga e cobrança pelo uso da água. A seguir, é apresentado o portal do SNIRH. Para mais informações sobre esse assunto, aces- se o Portal do SNIRH. O acesso é gratuito e aberto para toda a população. Disponível em: http://www.snirh. gov.br/. Acesso em: 14 abr. 2022. Site Figura 3 Portal do SNIRH Fonte: ANA, 2022d. O último instrumento de gestão das águas brasileiras são os planos de recursos hídricos, que consistem em planos diretores formulados de modo a orientar a implementação da PNRH. Eles são elaborados por bacia hidrográfica segundo o domínio do corpo hídrico (estado ou país) e contemplam projetos, programas e ações a serem executados a longo prazo (BRASIL, 1997). Controle da poluição hídrica 41 Os planos de recursos hídricos incluem (BRASIL, 1997): I. diagnóstico do cenário atual das águas nas bacias hidrográficas; II. projeção de crescimento populacional, econômico e alterações no uso e ocupação do solo (que influenciam na qualidade da água); III. balanço entre oferta e demanda futura e levantamento de pos- síveis conflitos; IV. definição de metas de redução do consumo de água e melhoria da qualidade; V. elaboração de propostas para o atendimento das metas; VI. definição de critérios de cobrança pelo direito de uso da água; VII. criação de áreas de uso restrito da água; VIII. definição de critérios de prioridades para a emissão de outor- gas de captação de água e lançamento de efluentes em corpos hídricos. Os recursos utilizados para financiar as ações previstas nos planos de recursos hídricos são provenientes da arrecadação na cobrança pelo uso de água nas próprias bacias. 2.2 Indicadores de qualidade da água Vídeo De modo geral, os indicadores são ferramentas utilizadas para se extrair informações de determinada situação que se deseja ana- lisar para orientar decisões a serem tomadas (por exemplo, existem indicadores ambientais, econômicos e sociais). Quando os indicado- res são combinados (dois ou mais), eles formam o que é conhecido como índice (SICHE et al., 2007). No caso da qualidade da água, os indicadores são mecanismos de sistematização de dados, cujo objetivo é monitorar e divulgar in- formações sobre os recursos hídricos brasileiros para auxiliar o pla- nejamento de ações e estratégias de gestão da qualidade da água. Em outras palavras, os indicadores medem o nível de qualidade da água para atender aos usos múltiplos (consumo humano, geração de energia, agricultura, recreação etc.) (SICHE et al., 2007). A seguir, resumem-se os principais índices aplicados na avaliação da qualida- de dos recursos hídricos (ANA, 2022b). Para aprofundar o conhecimento sobre o desenvolvimento de indi- cadores de qualidade da água, leia o artigo Análise do desenvolvimento dos principais indicadores da qualidade da água, publi- cado por Boso, Gabriel e Gabriel Filho (2015). Disponível em: https://publicacoes. amigosdanatureza.org.br/index. php/forum_ambiental/article/ view/1265/1285. Acesso em: 14 abr. 2022. Leitura https://publicacoes.amigosdanatureza.org.br/index.php/forum_ambiental/article/view/1265/1285 https://publicacoes.amigosdanatureza.org.br/index.php/forum_ambiental/article/view/1265/1285 https://publicacoes.amigosdanatureza.org.br/index.php/forum_ambiental/article/view/1265/1285 https://publicacoes.amigosdanatureza.org.br/index.php/forum_ambiental/article/view/1265/1285 42 Saneamento e saúde ambiental Principais índices • Índice de Qualidade da Água (IQA) • Índice de Qualidade da Água Bruta para fins de Abastecimento Humano (IAP) • Índice de Estado Trófico (IET) • Índice de Contaminação por Agrotóxico (ICT) • Índice de Balneabilidade (IB) • Índice de Qualidade da Água para a Proteção da Vida Aquática (IVA) Entre os índices apresentados, o IQA e o IB são os mais amplamente utilizados, por isso serão abordados em maior detalhe neste capítulo. O IQA foi criado em 1970 nos Estados Unidos, com o objetivo de auxiliar o monitoramento da qualidade da água bruta captada para o abastecimento humano. Ele é composto por nove parâmetros: oxigê- nio dissolvido, coliformes termotolerantes, pH, demanda bioquímica de oxigênio, temperatura da água, nitrogênio total, fósforo total, turbi- dez e resíduo total. Cada parâmetro recebe um peso específico (entre 0,08 e 0,17) de acordo com a sua importância dentro do índice, e o IQA é o produto ponderado do somatório dos nove parâmetros, que pode variar entre 0 e 100 (ANA, 2022b). Na medida em que o valor do IQA se aproxima de 100, melhor será a qualidade da água. No quadro