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Programa de Financiamento de Bolsas de Mestrado Vinculadas à Pesquisa "Micro e Pequenas Empresas em Arranjos Produtivos Locais no Brasil”. SEBRAE | UFSC | NEITEC | FEPESE| 2004 1 Aspectos conceituais e metodológicos na análise de Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos Locais Prof. Dr. Marco Antonio Vargas1 1. Introdução e objetivos O principal objetivo desta nota técnica consiste em apresentar elementos conceituais e metodológicos que permitam o estabelecimento de um referencial analítico comum para o estudo da dinâmica de desenvolvimento de MPEs articuladas em torno de arranjos e sistemas produtivos locais. A discussão sobre as diferentes formas de articulação de MPEs em torno de aglomerações produtivas territoriais envolve dois eixos prioritários de análise com elevado grau de interdependência. O primeiro remete ao caráter interativo e localizado do aprendizado tecnológico que fundamenta o estudo dos processos de capacitação competitiva e inovativa de empresas articuladas em arranjos e sistemas produtivos. De acordo com essa visão sistêmica da inovação e da competitividade, a capacidade de geração, difusão e utilização de novos conhecimentos consolida-se como um processo que transcende a esfera da firma individual e passa a depender da contínua interação entre firmas e destas com as diferentes instituições que constituem sistemas de inovação em diferentes âmbitos2. Em particular, diante deste quadro que coloca o processo de aprendizado inovativo como principal fonte de vantagem competitiva, a própria questão da competitividade dos arranjos estudados, passa ser compreendida a partir de um referencial sistêmico que contempla não somente a firma individual, mas também as interações entre conjuntos articulados de empresas e demais atores institucionais que integram tais aglomerações. O segundo eixo refere -se ao reconhecimento crescente da importância associada ao papel das micro e pequenas empresas enquanto fonte de dinamismo econômico, e seus reflexos na geração de emprego e renda. Neste aspecto, verifica- se que a articulação de MPEs em torno de arranjos e sistemas produtivos locais tem representado um importante fator de sustentação ao desenvolvimento deste segmento de empresas. Da mesma forma, destaca-se um conjunto de contribuições recentes (Lastres et al 1999; Cassiolato e Lastres 1999; Schmitz 1995; Schmitz e Nadvi 1999) que argumenta que: a) Aglomerações de MPME apresentam uma importância crescente para os países em desenvolvimento e constituem-se num fenômeno comum numa ampla gama de países e setores; 1 Doutor em Economia Industrial e da Tecnologia, IE/UFRJ; Pesquisador Associado do Instituto de Economia da UFRJ na Rede de Pesquisa em Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos. 2 Neste aspecto, assume uma importância crucial as relações de cooperação horizontais e verticais, entre firmas, bem como com seu universo de clientes, fornecedores e demais organizações como centros de pesquisa, escolas técnicas, atores públicos e privados, que desempenham um papel relevante no processo de capacitação de arranjos produtivos. 1 Programa de Financiamento de Bolsas de Mestrado Vinculadas à Pesquisa "Micro e Pequenas Empresas em Arranjos Produtivos Locais no Brasil”. SEBRAE | UFSC | NEITEC | FEPESE| 2004 2 b) A participação neste formato de aglomerações tem auxiliado micro e pequenas empresas a ultrapassar conhecidas barreiras ao crescimento das firmas, a produzir eficientemente e a comercializar produtos em mercados distantes. Esta nota privilegia a discussão sobre os principais elementos conceituais e metodológicos que integram o estudo sobre arranjos e sistemas produtivos e inovativos locais. Tal discussão será apresentada ao longo de três seções, além desta introdução. A próxima seção explora os fundamentos teóricos da discussão sobre mudança tecnológica e sistemas de inovação que têm origem, respectivamente, no enfoque evolucionário e neo-schumepeteriano. A relação entre proximidade, aprendizado e inovação também é discutida na segunda seção, na medida em que constitui-se num elo fundamental para compreensão do dinamismo competitivo e inovativo que é geralmente associado aos diferentes formatos de aglomerações produtivas territoriais. A terceira seção avança na constituição de um referencial analítico para o desenvolvimento dos estudos de caso sobre as distintas formas de articulação de micro e pequenas empresas em torno de arranjos e sistemas produtivos e inovativos locais. A última seção procura detalhar os principais procedimentos metodológicos a serem adotados na pesquisa de campo tendo em vista os diferentes recortes temáticos que são propostos no Termo de Referência do projeto. Dessa forma, a seção apresenta um roteiro de questões que serve de base para coleta de informações junto aos arranjos a serem pesquisados. 2. Referencial teórico: a dimensão sistêmica do aprendizado e da inovação Esta seção apresenta uma sistematização dos principais elementos teóricos e conceituais que integram a análise sobre arranjos e sistemas produtivos e inovativos locais tendo como pano de fundo o enfoque evolucionista sobre mudança tecnológica que tem origem no trabalho pioneiro de Nelson e Winter (1982) e a abordagem neo-schumpeteriana sobre sistemas de inovação proposta por autores como Freeman (1987), Lundvall (1988 e1992). Tais abordagens permitem explorar a importância associada às configurações institucionais no sentido de dar sustentação às trajetórias de capacitação inovativa das firmas ao mesmo tempo em que enfatizam o papel do conhecimento e do aprendizado interativo enquanto elementos centrais no processo de mudança tecnológica. Finalmente, destaca-se os principais argumentos que resgatam a importância de aglomerações produtivas locais no decorrer da década de 80 a partir de uma discussão sobre a relação entre proximidade territorial, aprendizado localizado e inovação. 2.1. Fundamentos do enfoque evolucionário A abordagem evolucionária proposta originalmente por Nelson e Winter (1982) procura enfatizar o caráter endógeno que assume o processo de mudança tecnológica na teoria econômica. Dessa forma, tanto a hipótese de equilíbrio como a de racionalidade dos agentes econômicos, características das premissas neoclássicas, 2 Programa de Financiamento de Bolsas de Mestrado Vinculadas à Pesquisa "Micro e Pequenas Empresas em Arranjos Produtivos Locais no Brasil”. SEBRAE | UFSC | NEITEC | FEPESE| 2004 3 passam a ser refutadas. O comportamento maximizador que determina o processo de decisão na concepção ortodoxa tradicional é substituído por regras ou rotinas que passam a direcionar o processo de decisão nas firmas. Os elementos chave que compõem a abordagem evolucionária são destacados por Malerba (1996:2)3: Inicialmente, o conhecimento encontra-se na base do processo inovativo, e a sua criação e difusão são a fonte básica na mudança econômica e tecnológica. O aprendizado é o mecanismo chave no processo de acumulação do conhecimento, ocorrendo através de formas que apresentam diferentes graus de inércia, contextualidade e complementaridade. O surgimento de alternativas em termos de inovações em produtos, processos, tecnologias, instituições, etc. possibilita o aumento da diversidade ou variedade no sistema e a ocorrência de um processo de mudança qualitativa. O mecanismo de seleção, por sua vez, reduz a variedade da economia e afeta a difusão comparativa dos tipos de atores e comportamentos no sistema econômico. Além disso, as instituições, na medida em que ajudam a moldar o processo de aprendizado, desempenham um papel fundamental na inovação e na evolução industrial, tendendo a evoluir conjuntamente no tempo com a tecnologia, formas organizacionais, estruturas de mercado e com as estratégias das firmas. Na medida em que as firmas se defrontam com situações novas para as quais suasregras diárias não oferecem referências, passam a valer-se de novas estratégias, incorporando-as à sua experiência e diferenciado-se das demais. A adoção de rotinas, por sua vez, reflete a existência de um elevado grau de incerteza no ambiente de decisão das firmas e não existe nenhum mecanismo que assegure uma posição de equilíbrio de longo prazo para a indústria no decorrer do processo que leva a busca de inovações pela firma e a seleção pelo mercado dessas estratégias inovativas (Nelson & Winter, 1982; Dosi e Cimoli, 1994). A diversidade, seja ela técnica, institucional ou organizacional, consiste também num elo fundamental para análise do processo inovativo. Por um lado, a redução na diversidade implica na redução de opções e no decréscimo nas possibilidades de comunicação e interação entre diferentes tipos de qualificações, de conhecimentos e competências (Cohendet e Llerena, 1997; Johnson e Gregersen, 1997). Por outro lado, a heterogeneidade de recursos e qualificações representa o melhor fundamento para construção de competências específicas às firmas e variações entre firmas quanto à sua competitividade. Assim, ao mesmo tempo em que as firmas e organizações ampliam sua base de conhecimento e incorporam novas rotinas, elas também passam a avaliar o quanto a sua estratégia, estrutura e 3 Também cabe destacar que a constituição do arcabouço teórico evolucionário acaba por refletir contribuições oriundas de diferentes disciplinas científicas: i) da teoria dos sistemas e termodinâmica deriva-se a diferença fundamental entre sistemas abertos e fechados, a concepção de mudança qualitativa, indeterminação, irreversibilidade, path dependency e multi estabilidade; ii) da biologia, resgata-se a discussão sobre o conceito de variação que dá origem às novas espécies e de abordagem populacional em oposição à abordagem tipológica proposta pela teoria neoclássica tradicional; iii) da teoria das organizações, introduz-se explicitamente a noção de estrutura organizacional e mediação de conflitos internos (Saviotti, 1997). 3 Programa de Financiamento de Bolsas de Mestrado Vinculadas à Pesquisa "Micro e Pequenas Empresas em Arranjos Produtivos Locais no Brasil”. SEBRAE | UFSC | NEITEC | FEPESE| 2004 4 competências operam no sentido de garantir a sua sobrevivência num determinado ambiente (Mc Kelvey, 1998). Em outras palavras, a incerteza inerente às atividades de criação de novos conhecimentos induz a adoção de procedimentos e rotinas que refletem a interpretação das firmas sobre o sucesso de seus padrões de decisão no passado e que são continuamente reproduzidos e reforçados enquanto se mostrarem eficazes. 2.2. Sistemas de inovação e a importância das configurações institucionais Conforme destacado anteriormente, um dos aspectos chave da abordagem sobre sistemas de inovação reside na constatação de que a inovação consiste num fenômeno sistêmico no sentido de que os processos de inovação que têm lugar no nível da firma são, em geral, gerados e sustentados por relações inter-firma e por uma complexa rede de relações inter-institucionais. Neste contexto, a firma passa a ser redefinida como uma organização voltada para o aprendizado e inserida num contexto institucional mais amplo (Nelson e Winter, 1982; Freeman, 1987; Lundvall, 1992; Edquist, 1997) 4. A percepção sobre a natureza sistêmica e complexa da inovação que emerge a partir do enfoque evolucionário e neo-schumpeteriano contrapõe-se à noção tradicional característica do chamado "modelo linear" que estabelece uma seqüência bem definida que inicia com as atividades de pesquisa básica e desemboca na adoção de novos produtos e processos nas empresas. Assim, a partir da abordagem sistêmica, a inovação deixa de ser encarada como um fenômeno isolado no tempo e no espaço e passa a ser considerada como o resultado de trajetórias que são cumulativas e construídas historicamente, de acordo com as especificidades institucionais e padrões de especialização econômica inerentes a um determinado contexto espacial ou setorial. A firma inova através da interação com outras instituições visando a criação, desenvolvimento e troca de diferentes tipos de conhecimento. Enquanto o modelo linear extrapola o papel da ciência básica e negligencia a necessidade de interação entre os diferentes atores no processo de inovação, o modelo sistêmico destaca a importância de elementos como a interação e a cooperação em tal processo. Ainda que a origem das primeiras abordagens sobre sistemas de inovação esteja relacionada à análise da capacidade inovativa de sistemas tecnológicos e industriais no âmbito de economias nacionais, desenvolvidas por autores como Freeman (1987), Lundvall (1992) e Nelson (1993), a perspectiva da inovação a partir dessa visão sistêmica constitui-se num referencial suficientemente abrangente para permitir a análise desses sistemas a partir de diferentes dimensões. Dessa forma, sistemas de inovação podem apresentar alcance supranacional, nacional, mas também podem ser analisados a partir de sua dimensão setorial, regional ou local 4 É possível destacar também a contribuição de Porter (1990) que, mesmo sem apresentar explicitamente o conceito de sistema nacional de inovação, aponta para diferentes estratégias que afetam a competitividade da indústria nacional. 4 Programa de Financiamento de Bolsas de Mestrado Vinculadas à Pesquisa "Micro e Pequenas Empresas em Arranjos Produtivos Locais no Brasil”. SEBRAE | UFSC | NEITEC | FEPESE| 2004 5 (Edquist, 1997). Esses diferentes recortes apresentam um caráter complementar e a escolha de uma dimensão específica de análise reflete basicamente o tipo de enfoque e objeto de estudo (Vargas, 2002). Em alguns casos as relações entre diferentes atores que integram um sistema podem apresentar maior nexo quando analisadas a partir da sua dimensão setorial, em outros casos tais relações são mais claramente explicadas a partir da sua dimensão territorial ou local. Sob vários aspectos, a discussão sobre o escopo e limites da abordagem sobre sistemas nacionais de inovação proposta por autores como Freeman e Lundvall, apresenta uma clara contraposição aos argumentos que apontam para a crescente globalização dos processos de inovação tecnológica. Ao contrário da visão de autores como Nelson, eles consideram que o elementos e relacionamentos que compõem os sistemas nacionais de inovação podem ser moldados a partir da ação de policy-makers e demais atores e instituições que compõem tais sistemas. Desta forma, destacam a importância da constituição de arranjos institucionais, públicos e privados, que possam contribuir para a criação de competências tecnológicas específicas e para o processo de aprendizagem interativa. A importância atribuída às especificidades locais na constituição de sistemas de inovação também é destacada por Ehrnberg e Jacobsson (1997), que afirmam que um sistema tecnológico local e funcional pode dar à firma um conjuntos de vantagens no processo de superação das descontinuidades tecnológicas. De acordo com esses autores, evidências empíricas demonstram que as firmas e inovações tendem a agrupar-se espacialmente e que as regiões geográficas freqüentemente se especializam em certas áreas industriais ou tecnológicas. O chamado "conhecimento coletivo" relacionado à proximidade territorial tende a conduzir o comportamento de uma região em relação à "como fazer a coisas" significando que o desenvolvimento regional tende a convergir para uma trajetória path dependent. 2.3. Conhecimento tácito e a dimensão localizada e interativa do aprendizado No campo da Ciência Econômica, de um modo geral, a busca de explicações sobre a forma pela qual indivíduos e firmas acumulam e modificam suas bases de conhecimento com vistas a atuar em mercados e organizações deu origema diferentes abordagens teóricas fundamentadas em perspectivas distintas sobre a natureza do conhecimento. Por um lado, a abordagem neoclássica demonstra uma visão empiricista que limita a noção de aprendizado ao acúmulo de informações através da observação e da experiência (Hodgson,1998). Por outro, no decorrer das últimas décadas, as transformações radicais nas relações sócio-econômicas, engendradas pelas novas tecnologias da informação e comunicação, contribuíram para o surgimento de novos enfoques - baseados no referencial teórico evolucionário e neo-schumpeteriano - que destacam a importância do conhecimento enquanto principal insumo do atual padrão de desenvolvimento sócio-econômico e apontam a 5 Programa de Financiamento de Bolsas de Mestrado Vinculadas à Pesquisa "Micro e Pequenas Empresas em Arranjos Produtivos Locais no Brasil”. SEBRAE | UFSC | NEITEC | FEPESE| 2004 6 natureza social e interativa do processo de aprendizado (Lundvall, 1995; Dosi 1996: 84). De acordo com este enfoque não ortodoxo, o processo de aprendizado reflete o uso de informações e a geração e difusão de conhecimentos (tácitos ou codificados), constituindo-se numa atividade coletiva que integra a experiência de indivíduos e organizações. Seu desenvolvimento efetivo encontra-se, portanto, vinculado à natureza das interações entre diferentes atores sociais e ao estabelecimento de canais eficientes de comunicação que, por sua vez, refletem as condições do ambiente social, cultural e institucional (Amin e Wilkinson, 1999: 121). A busca de uma explicação endógena para o processo de transformação do conhecimento aplicado em sistemas econômicos representa o principal desafio do esforço de teorização evolucionário e neo-shumpeteriano. Sob vários aspectos, o desenvolvimento dessas abordagens heterodoxas na análise do processo de mudança tecnológica reflete o desconforto com relação ao referencial ortodoxo onde, tradicionalmente, o processo de criação e acumulação de conhecimento se encontra fora do escopo de análise dos modelos. Assim, um dos maiores avanços da abordagem evolucionária em relação ao enfoque neoclássico consiste, justamente, no reconhecimento da importância desempenhada pelo aprendizado no processo de mudança tecnológica. Neste novo contexto, o aprendizado passa a ser descrito como a forma pela qual as firmas constroem, suplementam e organizam conhecimentos e rotinas em torno de competências e cultura inerentes, ao mesmo tempo em que adaptam e desenvolvem sua eficiência organizacional através da melhoria destas competências (Dodgson, 1996: 55) Conforme é colocado por Johnson e Gregersen (1997: 15), quase todos os processos de aprendizado são sociais e interativos, sendo o conhecimento afetado e transformado através de processos permeados pela interação social e onde as próprias instituições mudam como resultado dessa interação voltada para criação de novos conhecimentos. Dessa forma, as instituições são apresentadas como um elemento básico no processo de evolução social na medida em que propiciam, através do mercado, um ambiente de seleção para as inovações e cumprem um papel relevante na acumulação e transmissão de conhecimentos de um período a outro. Johnson e Gregersen (1997) destacam que na perspectiva evolucionária a importância das instituições e a própria relação entre instituições e mudança econômica torna-se evidente. As configurações institucionais afetam a geração, acumulação, distribuição, uso e destruição do conhecimento na medida em que moldam a percepção e as decisões dos agentes econômicos. Da mesma forma, as instituições também condicionam o processo de geração de variedade e seleção tendo em vista seu papel com relação às transformações técnicas e organizacionais. Assim, a evolução dos padrões de aprendizado constitui-se numa decorrência do contexto institucional e do grau de interação estabelecido entre os diferentes atores no sistema (Thomson, 1993). O processo de aprendizagem encontra-se socialmente embebido e os formatos institucionais e organizacionais condicionam as formas de 6 Programa de Financiamento de Bolsas de Mestrado Vinculadas à Pesquisa "Micro e Pequenas Empresas em Arranjos Produtivos Locais no Brasil”. SEBRAE | UFSC | NEITEC | FEPESE| 2004 7 interação entre os atores econômicos. O contexto institucional pode sustentar ou impedir os estabelecimento de vínculos e interações através das quais os indivíduos desenvolvem processos de aprendizado e traduzem este aprendizado na adoção de inovações. Além da importância associada ao contexto institucional no sentido de moldar processos de aprendizado, a abordagem evolucionária destaca também o papel de dois outros elementos na análise da sua dimensão localizada. O primeiro destes elementos diz respeito ao caráter “path-dependent” das trajetórias de aprendizado que tende a perpetuar rotinas e procedimentos ao longo do tempo. O segundo elemento, refere-se à sua natureza interativa que, por sua vez, introduz o espaço geográfico como uma dimensão de análise a ser considerada (Maskell et al, 1998: 9; Cooke e Morgan, 1998; Maskell e Malmberg, 1999: 180). Neste aspecto, na medida em que se concebe o ambiente local como um conjunto de configurações institucionais e organizacionais inseridas num rol de interações com diferentes atores econômicos, percebe-se a importância que assume a dimensão localizada dos processos de aprendizado e capacitação inovativa das firmas. 2.4. Proximidade territorial, aprendizado e inovação A partir da década de 80, diversas contribuições passaram a enfatizar que os processos de aprendizado interativo evoluem a partir de bases de conhecimento e padrões de comunicação que, muitas vezes, são moldados por configurações institucionais cuja origem e evolução se traduzem na proximidade geográfica entre firmas em aglomerações produtivas. Inspirados numa concepção que remonta ao trabalho pioneiro de Marshall5, tais estudos estiveram pautados, em grande parte, pelo desenvolvimento induzido a partir do dinamismo tecnológico de determinadas aglomerações produtivas. Como exemplos mais clássicos deste tipo de estudo encontram-se os Distritos Industriais na chamada Terceira Itália, o Vale do Silício na Califórnia, ou a região de Baden-Wurttemberg na Alemanha, entre outros. Experiências cujo sucesso logrou resgatar o papel ativo desempenhado pelo ambiente local enquanto instância de organização da produção e locus de importantes elementos relacionados ao aprendizado tecnológico6 (Vargas, 2002). Da mesma forma, este interesse crescente em torno da dinâmica econômica e tecnológica de sistemas produtivos operando em regiões específicas resultou na criação de múltiplas definições e conceitos voltados à análise sobre a importância da dimensão territorial na coordenação e organização de atividades produtivas e 5 Em seus 'Princípios de Economia' (1890), Marshall foi o primeiro autor a utilizar o conceito de 'Distritos Industriais', para descrição de um padrão de organização comum à Inglaterra dos fins do século XIX, onde pequenas firmas concentradas na manufatura de produtos específicos de setores como o têxtil se localizavam geograficamente em grupamentos, em geral na periferia dos centros produtores. 6 Como um elemento comum à maior parte desses enfoques, esteve o debate em torno do crescente esgotamento dos ganhos de produtividade oriundos do modelo fordista de produção em massa e a transição para um novo paradigma tecno-econômico baseado nos avanços advindos de ramos ligados às novas tecnologias como a microeletrônica e a biotecnologia. 7 Programa de Financiamento de Bolsas de Mestrado Vinculadas à Pesquisa "Micro e Pequenas Empresas em Arranjos Produtivos Locais no Brasil”. SEBRAE | UFSC | NEITEC | FEPESE| 2004 8 tecnológicas. Distritos industriais (Brusco, 1990; Becattini, 1990; Piore e Sabel, 1984), clusters industriais (Schmitz,1989; 1995; Nadvi e Schmitz, 1994), millieu inovativo (Aydalot, 1986; Maillat, 1996), sistemas nacionais e regionais de inovação (Freeman, 1987; Lundvall, 1992; Braczik et al.,1998), entre outros, são alguns dos conceitos que procuram captar a diversidade dessas experiências empíricas. Em particular, tais contribuições logram resgatar a importância da diversidade em termos de formatos institucionais e padrões de organização produtiva e tecnológica que refletem a dimensão localizada do aprendizado tecnológico, numa clara contraposição aos argumentos sobre a crescente desterritorialização da economia contemporânea induzida pelo fenômeno da globalização (Vargas, 2002). Dentre as proposições que procuram sistematizar os diferentes modelos e correntes teóricas que analisam a relação entre proximidade e inovação Schmitz (1999), por exemplo, considera que o debate referente à importância da proximidade geográfica nos relacionamentos inter-firmas apresenta quatro linhas de trabalho principais. A primeira, estaria incorporada nos modelos da chamada nova teoria do crescimento e comércio internacional desenvolvidos no escopo da mainstream economics onde destaca-se, particularmente, o trabalho de autores como Krugman (1991; 1995). Uma segunda linha de trabalho estaria representada na contribuição de autores como Porter (1990), que enfatizam a importância dos vínculos e fluxos de conhecimentos que emergem das relações entre agentes locais na conquista de vantagens competitivas. Os estudos de distritos industriais e outras formas de aglomerações industriais ligadas às novas abordagens em Ciência Regional são apontados como uma terceira linha de trabalho. Neste conjunto de contribuições, destaca-se o trabalho de autores como Storper (1995; 1997), Becattini (1990), Brusco (1990), Markussen (1996), entre outros. Finalmente, as diferentes contribuições no campo da literatura da inovação, e em especial os estudos relacionados a sistemas de inovação em nível regional e local (Braczik et al. 1998; Cooke e Morgan, 1998; Edquist, 1997; Cassiolato e Lastres, 1999), compõem uma quarta linha de trabalho relacionada ao estudo das relações entre proximidade e inovação7. 7 Um recorte alternativo é proposto por Larsson e Malmberg (1999) que identificam três grupos diferenciados ligados ao debate em torno do processo de regionalização de sistemas industriais e tecnológicos. No primeiro, encontram-se tanto as contribuições de autores como Brusco (1990), Becattini (1990) e Piore e Sabel (1984) ligadas à abordagem sobre distritos industriais e centrada na noção de especialização flexível e no papel das micro, pequenas e médias empresas (MPEs), bem como as contribuições da escola de geografia econômica da Califórnia. Esta última representada por autores como Scott (1988), que tratam do relacionamento entre inovação tecnológica, organização industrial e espaço através do conceito de novos espaços industriais. Num segundo grupo, encontra-se a extensa literatura sobre millieu inovativo e distritos tecnológicos associada, em sua vertente mais recente, à contribuição de autores como Aydalot (1986) e Maillat (1996). Um terceiro agrupa a literatura sobre economia evolucionária e da inovação - representada por autores como Nelson e Winter (1982), Freeman (1987), Dosi (1988) e Lundvall (1995) – juntamente com o conceito de aglomeração industrial desenvolvido por Porter (1990), na medida em que seriam modelos que discutem a capacidade inovativa de sistemas industriais e tecnológicos de países e regiões. 8 Programa de Financiamento de Bolsas de Mestrado Vinculadas à Pesquisa "Micro e Pequenas Empresas em Arranjos Produtivos Locais no Brasil”. SEBRAE | UFSC | NEITEC | FEPESE| 2004 9 A noção de proximidade territorial apresenta um alcance e uma delimitação diferenciada de acordo com o tipo de abordagem utilizado. Na maior parte dos modelos inspirados na abordagem sobre millieu inovativo, a proximidade é representada através da noção mais genérica de espaço mesoeconômico que denota a exis tência de sistemas produtivos territoriais, mas também abarca sua dimensão organizacional e institucional. Na abordagem sobre clusters industriais a noção de proximidade assume uma clara identificação com a idéia de aglomerações que se originam a partir da concentração espacial e setorial de empresas. Essa visão é compartilhada, em parte, pelos modelos oriundos da abordagem sobre sistemas de inovação que também destacam a articulação entre elementos espaciais e setoriais na definição de sistemas regionais e locais de inovação. Não obstante estas pequenas divergências, existe um consenso entre os diferentes enfoques de que a proximidade territorial representa uma condição necessária para existência de aglomerações produtivas, mas não constitui-se em condição suficiente para a promoção do dinamismo competitivo e inovativo de empresas. O desenvolvimento de processos de aprendizado voltados para a inovação no âmbito de aglomerações produtivas implica não somente na proximidade geográfica, mas na existência de outras formas de proximidade relacionadas a fatores institucionais, culturais e tecnológicos, com vistas à troca efetiva de conhecimentos tácitos e codificados entre agentes (Vargas, 2002). 3. Elementos para constituição de um referencial analítico Esta seção apresenta e discute os principais elementos analíticos a serem considerados nos estudos de caso a serem desenvolvidos no escopo do projeto. Tendo em vista as hipótese e questões de pesquisa apresentadas anteriormente, a delimitação de um referencial comum para análise dos estudos de caso apresenta duas motivações principais. Em primeiro lugar, destaca-se a necessidade de contar com um conjunto de critérios objetivos que permita desenvolver uma análise comparativa entre as diferentes configurações de arranjos e sistemas produtivos locais a serem estudados. Em segundo lugar, coloca-se a possibilidade de verificar as principais formas de inserção e estratégias de desenvolvimento e inovação adotadas pelo segmento de MPEs nestas aglomerações A fim de avançar na delimitação do referencial para o desenvolvimento dos estudos de caso parte-se da definição de arranjos e sistemas produtivos locais proposta pela RedeSist, ao mesmo tempo em que apresenta-se algumas das principais dimensões analíticas associadas a este conceito. O conceito de Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos Locais, refere -se a aglomerados de agentes econômicos, políticos e sociais, localizados em um mesmo território, operando em atividades correlacionadas e que apresentam vínculos expressivos de articulação, interação, cooperação e aprendizagem. Incluem não apenas empresas – produtoras de bens e serviços finais, fornecedoras de insumos e equipamentos, prestadoras de serviços, comercializadoras, clientes, etc. e suas variadas formas de representação e associação - mas também diversas outras 9 Programa de Financiamento de Bolsas de Mestrado Vinculadas à Pesquisa "Micro e Pequenas Empresas em Arranjos Produtivos Locais no Brasil”. SEBRAE | UFSC | NEITEC | FEPESE| 2004 10 instituições públicas e privadas voltadas à formação e treinamento de recursos humanos, pesquisa, desenvolvimento e engenharia, promoção e financiamento. Da mesma fora, o conceito de arranjos produtivos locais - APLs – é utilizado para referenciar aquelas aglomerações produtivas que não apresentam significativa articulação entre os agentes locais e que, portanto, não podem se caracterizar como sistemas. (Lastres e Cassiolato, 1999, Lastres et al 1999; Villaschi e Campos, 2001; Cassiolato e Szapiro, 2002). Apesar de partir de um recorte setorial, a caracterização dos arranjos e sistemas produtivos envolve um referencial de análise mais amplo que inclui elementos relacionados à estrutura setorial dos arranjos, mas abarca também outros aspectos relativos ao sistema local de inovação e seucontexto institucional. Por um lado, a percepção de que processos de inovação transcendem a esfera da firma individual e assumem uma dimensão claramente sistêmica contribuiu, em parte, para identificação de aglomerações produtivas a partir de um recorte tradicional de setores industriais. Por outro lado, a adoção de um enfoque unicamente setorial apresenta limitações, seja no sentido de negligenciar a diversidade associada aos elementos institucionais e históricos que integram sistemas produtivos territoriais, seja pela sua incapacidade de captar a volatilidade de tecnologias ligadas às fronteiras de setores industriais. Essa articulação pode assumir um papel complementar importante na análise da dinâmica inovativa e competitiva de aglomerações produtivas, na medida em que as implicações tecnológicas de cunho setorial sejam consideradas a partir da sua interação com configurações institucionais e organizacionais específicas associadas a sistemas produtivos territoriais (Cassiolato e Szapiro, 2002, Vargas, 2002). Assim, dentre os principais elementos que caracterizam Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos locais destacam-se (Vargas, 2002; Cassiolato e Szapiro, 2002): i) a diversidade de atividades e atores econômicos, políticos e sociais; ii) a sua dimensão territorial; iii) a importância associada ao conhecimento tácito; iv) a existência real ou potencial de processos de inovação e aprendizado interativos; v) as formas de governança inerentes às relações entre diferentes segmentos de atores. Conforme é destacado no termo de referência do projeto, “as aglomerações a serem estudadas podem apresentar diferentes configurações produtivas e incluir agentes de diversos tamanhos de um ou mais setores da atividade econômica, bem como a presença de organizações tecnológicas e de coordenação caracterizando estruturas com diversos graus de densidade. Dependendo das características dos agentes e das relações que se estabelecem no interior de tais estruturas, estas podem apresentar também diferentes formas de governança e graus de centralização. Também variam as características da inserção dos arranjos nos mercados, abrangendo tanto os que atingem os mercados regional ou nacional, como os que 10 Programa de Financiamento de Bolsas de Mestrado Vinculadas à Pesquisa "Micro e Pequenas Empresas em Arranjos Produtivos Locais no Brasil”. SEBRAE | UFSC | NEITEC | FEPESE| 2004 11 vendem para o mercado internacional. Existem, portanto uma diversidade de formas e dinâmicas de funcionamento dos arranjos produtivos localizados, que combina-se também com as especificidades locais que caracterizam o grau de territorialidade e portanto definem vantagens competitivas exclusivas para as aglomerações”. Com relação à organização territorial dos arranjos cabe destacar, em primeiro lugar, que o processo de formação e consolidação de aglomerações produtivas territoriais encontra-se associado a contextos históricos e culturais que geralmente se confundem com a própria trajetória de construção de identidades regionais (Cooke et al., 1997). Essa construção institucional de regiões pode tanto resultar de uma delimitação político-administrativa, como emergir a partir de valores comuns associados a uma mesma base social, cultural, política e econômica. Não obstante a clara interdependência existente entre estes dois tipos de construção institucional de regiões, do ponto de vista da estruturação de aglomerações produtivas locais e regionais, elas representam um critério útil na diferenciação entre aglomerações produtivas que surgem a partir de processos de regionalização marcados por contextos culturais e históricos específicos e experiências induzidas para criação de aglomerações produtivas regionais. Em segundo lugar, a dimensão territorial dos arranjos também deve ser entendida como um fenômeno distinto da mera localização de atividades econômicas num mesmo espaço territorial. Conforme é destacado por autores como Storper (1996), a territorialização é definida como um conjunto de atividades econômicas que é dependente de recursos específicos do ponto de vista territorial. Tais recursos, tanto podem assumir a forma de ativos territoriais específicos (no sentido material), como podem traduzir também ativos relacionais que encontram-se disponíveis a partir de relacionamentos e arranjos inter-organizacionais que envolvem necessariamente a proximidade entre os atores envolvidos. Apesar de ampla, essa definição sobre territorialização destaca claramente a importância da proximidade geográfica na constituição de externalidades positivas (spillover effects) em um sistema de atividades econômicas8. A dimensão territorial por sua vez reflete um dos aspectos-chave na análise sobre o dinamismo competitivo e inovativo de aglomerações produtivas associada à importância do conhecimento tácito. Contraditoriamente, uma das implicações da intensificação da globalização econômica que tem se tornado mais evidente reside na importância crescente que assume o conhecimento tácito enquanto fator de vantagem competitiva de empresas e regiões (Vargas, 2002). Dessa forma, quanto mais fácil torna-se o acesso ao conhecimento do tipo codificado, tanto mais crucial torna-se o domínio sobre formas tácitas de conhecimento. (Maskell, 1996, Maskell e Malmberg, 1999: 172). Por um lado, a intensificação do processo de globalização e o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação têm levado a uma aceleração considerável no ritmo de codificação do conhecimento e, consequentemente, na sua capacidade de transmissão a longa distância de forma 8 De acordo com Storper, 1997: 170:“An activity is fully territorialized when its economic viability is rooted in assets (including practices and relations) that are not available in many other places and cannot easily or rapidly be created or imitated in places that lack them”. 11 Programa de Financiamento de Bolsas de Mestrado Vinculadas à Pesquisa "Micro e Pequenas Empresas em Arranjos Produtivos Locais no Brasil”. SEBRAE | UFSC | NEITEC | FEPESE| 2004 12 rápida e eficiente. Por outro lado, mesmo diante desta tendência de transformação, percebe-se a permanência de formas tácitas de conhecimento que somente podem ser trocadas através da proximidade e interação face a face entre diferentes atores. Na medida em que não se encontra estabelecido de forma explícita, o conhecimento tácito não pode ser facilmente transmitido. A dificuldade de transmissão do conhecimento tácito, por sua vez, contribui para que ele geralmente encontre-se associado a contextos organizacionais ou geográficos específicos o que, apesar de contribuir para sua circulação localizada, dificulta ou mesmo impede o seu acesso por atores externos a tais contextos. Em especial, os arranjos produtivos locais traduzem os benefícios relacionados ao engajamento de empresas em processos de aprendizado interativo. Neste tipo de ambiente o conhecimento tende a se tornar incorporado não somente nas qualificações individuais e nos procedimentos e rotinas das organizações, como também no próprio ambiente local ou nos vínculos de interação entre os diferentes atores e desenhos institucionais. A habilidade das empresas de criar conhecimento vai capacitá-las a interagir com os demais atores locais num processo de aprendizado coletivo no qual conhecimentos que são em parte codificados e em parte tácitos são trocados e utilizados em cada firma. Neste aspecto, capacitações localizadas se refletem no conhecimento incorporado em indivíduos, empresas e na própria estrutura institucional presentes em sistemas produtivos territoriais (Vargas, 2002). Adicionalmente, a análise da dinâmica competitiva e inovativa dos arranjos não pode ser desvinculada das formas de governança inerentes às relações que se estabelecem entre diferentes conjuntos de atores em âmbito local e destes com instânciasexternas ao arranjo. A noção de estruturas de governança refere-se aos diferentes modos de coordenação que envolve atividades interdependentes associadas tanto à organização de fluxos de produção como ao processo de geração, disseminação e uso de conhecimentos9. É importante enfatizar que as relações entre atores que integram aglomerações produtivas são geralmente definidas em termos de fluxos de insumos e produtos através dos vínculos verticais (entre empresas e fornecedores) ou horizontais (entre empresas de um mesmo segmento). Porém, são os fluxos de informação e conhecimento entre atores locais que determinam a incorporação de novos produtos e processos nas empresas. Apesar da clara interação existente entre os sistemas de produção e de conhecimento em arranjos produtivos, a natureza desta interação é variável e geralmente envolve conjuntos diferenciados de atores (Carlsson e Stankiewicz, 1991; Bell e Cassiolato, 1993; Bell e Albu, 1999). A adoção desta diferenciação no escopo do referencial de análise permite explorar a influência de segmentos diversos de atores na organização dos sistemas de produção e na adoção de inovações em produtos e processos produtivos nos arranjos. Conforme destacado anteriormente, a importância associada ao papel das instituições na organização de atividades produtivas e inovativas se apoia na 9 Para uma discussão sobre os diferentes significados e usos do termo ver Williamson (1979); (Jessop, 1998); Schmitz e Humphrey (2000). 12 Programa de Financiamento de Bolsas de Mestrado Vinculadas à Pesquisa "Micro e Pequenas Empresas em Arranjos Produtivos Locais no Brasil”. SEBRAE | UFSC | NEITEC | FEPESE| 2004 13 concepção evolucionária sobre sistemas de inovação, a qual assume que os formatos institucionais contribuem para estabelecer um plano comum para regras cognitivas e padrões de comportamento associados a contextos territoriais específicos. Dessa forma, na medida em que reflete o poder que determinados atores detêm no sentido de influenciar o desenvolvimento de aglomerações produtivas a questão da governança representa um elemento analítico fundamental no desenvolvimento dos estudos de caso. Em particular, permite analisar a influência de atores locais e externos na coordenação dos sistemas de produção e na própria trajetória de desenvolvimento e capacitação produtiva e inovativa das empresas nos arranjos a serem estudados (Vargas, 2002). As implicações decorrentes das diversas formas de coordenação e desenhos institucionais presentes nos arranjos podem ser discutidas a partir de diferentes níveis de análise. Um primeiro nível envolve a identificação daqueles agentes econômicos, locais ou externos, que exercem maior influência na organização e desenvolvimento dos sistemas de produção. Um segundo nível pode estar relacionado ao papel dos desenhos institucionais no sentido de mediar as relações de poder entre diferentes segmentos de atores locais, ou mesmo entre atores locais e externos aos arranjos. A caracterização dos desenhos institucionais parte de uma concepção ampla que abarca tanto o papel de organizações formais (tais como associações de classe), como o conjunto de regras, práticas e rotinas que estão fundadas no próprio contexto cultural e histórico regional ou local. Um terceiro nível de análise pode ser relacionado à importância e papel da infra -estrutura educacional e tecnológica presente nas aglomerações no sentido de organizar e coordenar os fluxos de informação e conhecimento relevantes para o processo de capacitação produtiva e inovativa de atores locais. Da mesma forma, a avaliação sobre o papel e importância da infra-estrutura educacional e tecnológica dos arranjos baseia-se em dois aspectos principais. O primeiro considera a existência de universidades, centros de pesquisa, escolas técnicas, entre outras organizações ligadas ao processo de geração de conhecimento e disseminação de informações nos arranjos. O segundo procura avaliar em que medida tais organizações participam efetivamente na capacitação de atores locais. 4. Procedimentos metodológicos para elaboração dos projetos de dissertações: Caberá ao orientador em conjunto com o aluno bolsista a escolha das questões específicas de pesquisa para a análise de cada um dos arranjos, a partir do conjunto de questões apresentadas no projeto da pesquisa definido no Termo de Referência do programa. Considerando as informações prévias disponíveis sobre os arranjos, a respeito das características dos mesmos quanto à sua configuração e dinâmica, bem como o conhecimento dos pesquisadores sobre as especificidades da realidade local, estes poderão explicitar com precisão quais as questões relevantes de 13 Programa de Financiamento de Bolsas de Mestrado Vinculadas à Pesquisa "Micro e Pequenas Empresas em Arranjos Produtivos Locais no Brasil”. SEBRAE | UFSC | NEITEC | FEPESE| 2004 14 pesquisa para compreender as características de inserção das micro e pequenas empresas no arranjo em estudo. O projeto de pesquisa define dois campos de investigação, o primeiro sobre as características da configuração e da dinâmica dos arranjos, e o segundo sobre as características de inserção das micro e pequenas empresas. A configuração e a dinâmica dos arranjos, que abrange o primeiro camp o de pesquisa, deverão ser objetos comuns de pesquisa para todos os projetos de dissertações. Alem deste, e para a análise das características da inserção das micro e pequenas empresas, que abrange o segundo campo de investigação, o pequisador deverá selecionar as questões relevantes especificas para compreender o fenômeno no arranjo em estudo. 4.1. Para a análise da configuração e dinâmica do arranjo: A seguir apresentam-se as principais variáveis para definição da configuração e dinâmica dos arranjos que devem ser consideradas nos projetos de dissertações. 1. Origem e Desenvolvimento: descrição da origem, principais fatores de sua constituição, trajetória evolutiva, e seu desenvolvimento recente. 2. Principais agentes do segmento produtivo: identificação dos agentes, número, tamanho, origem do capital, composição acionária, localização geográfica; densidade da estrutura produtiva em termos da presença de diferentes elos de uma cadeia produtivo em âmbito local (ex. empresas fornecedoras de insumos e equipamentos), bem como as características dos mercados consumidores. Ênfase na caracterização das formas de inserção de MPEs na configuração produtiva do arranjo 3. Instituições de coordenação: identificação dos agentes (organizações e instituições) com papéis de promoção ou coordenação das interações no sistema produtivo e inovativo (funções e forma de estímulo às relações de cooperação para a capacitação tecnológica). Impactos sobre o segmento de MPEs das formas de governança presentes no arranjo. 4. Interação entre os agentes, formas de cooperação e estratégias competitivas: as relações entre os agentes identificando os fluxos de bens, serviços, informações e conhecimento, bem como as principais estratégias competitivas dos principais agentes locais. Alcance e importância das estratégias de subcontratação envolvendo o segmento de MPEs. 5. Condicionantes dos padrões de concorrência: identificação das características setoriais predominantes presentes no arranjo, origem do capital, escalas de produção e tamanho das empresas, características e segmentação do mercado mundial (países produtores e importadores); características e segmentação do mercado nacional, barreiras à entrada e mobilidade e possibilidades de diferenciação de produtos. 14 Programa de Financiamento de Bolsas de Mestrado Vinculadas à Pesquisa "Micro e Pequenas Empresas em Arranjos Produtivos Locais no Brasil”. SEBRAE | UFSC | NEITEC | FEPESE| 2004 15 6. Tecnologias, bases de conhecimento e inovação: análise da estrutura de produção e utilização de conhecimentosassociados ao conjunto de atividades desenvolvidas pelas empresas no arranjo. Abarca a identificação de atividades chave, técnicas e bases de conhecimentos inerentes à produção industrial. 7. Infra-estrutura de PD&E: mapeamento e identificação do perfil das instituições e organizações que atuam em PD&E no segmento em questão. Esse quadro institucional deve refletir os formatos organizacionais – empresas, IP, universidades – através do qual o conhecimento relevante para o segmento é produzido e disseminado (concretamente, quem desenvolve os insumos de conhecimento relevantes e com quais recursos?). 8. Infra-estrutura educacional e física – mapeamento das instituições e organizações que integram a infra -estrutura educacional e realizam a capacitação da mão-de-obra no âmbito do arranjo, identificando o nível educacional e as áreas de atuação, oferta de vagas, a demanda e os impactos sobre a qualificação da mão-de-obra empregada. 9. Mecanismos de aprendizagem e estratégias inovativas: identificação das principais fontes de informação, formas de aquisição, uso e difusão de conhecimentos, seja através de mecanismos formais e informais de aprendizagem voltada para inovação. Identificação da natureza e intensidade das interações entre empresas e entre estas e os demais agentes do sistema de inovação. Identificação e avaliação das estratégias inovativas adotadas pelas empresas do segmento e sua adequação ao novo contexto competitivo do setor. 10. Políticas para dinamização do segmento de MPEs no arranjo: identificação do perfil das políticas públicas voltadas para o arranjo: políticas industrial, científica e tecnológica que afetaram a formação e/ou o desenvolvimento do arranjo, identificando a área governamental (ou privada) que as executou, a abrangência e natureza das políticas (se verticais ou horizontais), as relações entre os níveis de governo na sua execução. Destaca-se aqui o papel dos orgãos de fomento e as políticas de financiamento existentes voltadas ao segmento de MPEs, impactos sobre emprego, estímulos à ação empreendedora, novos formatos organizacionais e intrumentos de promoção de MPEs no arranjo, entre outros fatores. 4.2. Para a análise das características de inserção de micro e pequenas empresas nos arranjos: A definição das questões de pesquisa sobre as características de inserção das micro e pequenas empresas deverá ser proposta pelos pesquisadores, a partir das questões sugeridas no projeto de pesquisa do termo de referência, quais sejam : 15 Programa de Financiamento de Bolsas de Mestrado Vinculadas à Pesquisa "Micro e Pequenas Empresas em Arranjos Produtivos Locais no Brasil”. SEBRAE | UFSC | NEITEC | FEPESE| 2004 16 1. Em que medida o processo de capacitação tecnológica e organizacional das MPEs nos arranjos decorre de mecanismos interativos de aprendizagem (formais e informais) baseados em fontes locais? 2. De que maneiras a governança e desenhos institucionais presentes nos arranjos influenciam as formas de interação e cooperação entre atores locais e, particularmente, entre micro e pequenas empresas. 3. Qual o papel desempenhado pelas políticas públicas (em diferentes âmbitos) no sentido de promover a capacitação tecnológica e organizacional do segmento de MPEs no arranjo? 4. Qual o papel das redes de subcontratação existentes no arranjo na dinâmica de desenvolvimento e capacitação de MPEs? 5. Quais as principais limitações no tocante ao financiamento de MPEs e quais as formas de apoio no âmbito dos arranjos que possibilitam a superação destas limitações? 6. Qual o papel das MPEs na absorção da força de trabalho e nas características das relações de trabalho no âmbito do arranjo. 7. Qual a trajetória de crescimento das MPEs e como refletem as vantagens de localização proporcionadas por sua inserção no arranjo. 8. Quais as estratégias para participação das MPEs em mercados externos e em que medida estas estratégias refletem as sinergias proporcionadas pela inserção em arranjos produtivos locais. Com relação ao processo de coleta dos dados que servirá de base para realização dos estudos empíricos sugere-se que o mesmo abarque: i) aplicação de questionários nas empresas (em particular junto ao segmento de MPEs) que integram o arranjo local; ii) entrevistas com diferentes segmentos de atores que integram os arranjos locais estudados, iii) utilização de informações oriundas de fontes secundárias. A fim de auxiliar a elaboração de questinários e roteiros de entrevistas para realização dos estudos de caso, apresenta-se em anexo (anexo 1) um roteiro de questões com vistas à caracterização dos arranjos. É importante enfatizar que tal roteiro constitui somente uma ferramenta auxiliar no sentido de apontar um conjunto de questões relevantes para caracterização dos arranjos tendo em vista três dimensões de análise mais amplas que abarcam, respectivamente: i) as formas de capacitação inovativa e processos de aprendizado tecnológico presentes no arranjo, ii) sua estrutura produtiva, padrões de territorialização e mercados; iii) suas formas de governança e desenhos institucionais. 16 Programa de Financiamento de Bolsas de Mestrado Vinculadas à Pesquisa "Micro e Pequenas Empresas em Arranjos Produtivos Locais no Brasil”. SEBRAE | UFSC | NEITEC | FEPESE| 2004 17 Referências bibliográficas AMIN, A.; WILKINSON, F. (1999) Learning, proximity and industrial performance: an introduction. Cambridge Journal of Economics, v.23, n.2, p.121- 125, March. BECATTINI, G. (1990). The Marshallian industrial district as a socio-economic notion In Pyke, F.; Becattini, G.; Sengenberger, W. (eds.) 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Qual a capacidade local de absorção e de geração de tecnologia ? 3. Onde esta capacidade está localizada? Empresas? Instituições de Pesquisa? 4. Qual o grau de heterogeneidade nas capacitações tecnológicas de agentes no segmento produtivo? É possível diferenciar diferentes segmentos de firmas de acordo com este critério? 5. Quais são as principais fontes de informação e conhecimento que servem de base para adoção de inovações em produtos e processos no arranjo (clientes, fornecedores especializados, fornecedores de equipamentos, centros tecnológicos, etc.)? 6. Qual a origem principal destas fontes de informação e conhecimento (locais ou externas aoarranjo)? 7. O perfil de qualificação da força de trabalho é adequado para as necessidades das empresas? 8. Qual o papel desempenhado pela infra-estrutura educacional (e tecnológica) local (inexistente, limitado, pervasivo e importante) em termos dos seguintes fatores: 8.1. Principais organizações locais e externas ao arranjo,( recursos e níveis de qualificação das organizações, principal fonte de formação da mão-de-obra local especializada), 8.2. Características do treinamento/educação formal nas ocupações principais do aglomerado? 9. Qual o papel desempenhado pela infra estrutura tecnológica local(inexistente, limitado, pervasivo e importante) em termos de : 9.1. Principais organizações locais e externas ao arranjo? 9.2. Pesquisa e desenvolvimento em tecnologias críticas para as empresas? 9.3. Investimentos em P&D? 21 Programa de Financiamento de Bolsas de Mestrado Vinculadas à Pesquisa "Micro e Pequenas Empresas em Arranjos Produtivos Locais no Brasil”. SEBRAE | UFSC | NEITEC | FEPESE| 2004 22 10. Como podem ser caracterizados os mecanismos de aprendizado voltados para inovação presentes no arranjo: 10.1. Predominantemente informais (limitados a circulação e disseminação de conhecimento e novas práticas produtivas em âmbito local, interações ente as empresas e com organizações tecnológicas.) 10.2. Predominantemente formais (voltados para criação de conhecimentos tecnológicos e desenvolvidos intencionalmente através de esforços cooperativos de P&D, investimentos em P&D pelas empresas locais) II - Estrutura produtiva, padrões de territorialização e mercados. 11. O arranjo apresenta alguma forma de especialização setorial ? 12. Existem empresas produtoras de equipamentos? 13. Existem fornecedores de insumos especializados? 14. Existem na localidade serviços especializados: 4.1. De extensão tecnológica? 4.2. De apoio à exportação? 4.3. De financiamento 4.4. Outros? 15. Qual o tamanho médio das empresas no arranjo? 16. Quais são os principais canais de comercialização? (locais, regionais, nacional, externo) 17. Qual o alcance geográfico do arranjo (em termos de localidades, municípios ou regiões) 18. Qual o perfil do arranjo em termos de: 18.1. Geração de renda e emprego em âmbito local/regional? 18.2. Impacto ambiental? 18.3. IDH (relativo aos municípios/região que integram seu entorno territorial)? 18.4. Infra-estrutura física e humana ( III - Governança e desenhos institucionais 19. Quais são os principais agentes de coordenação do arranjo? (grandes e médias empresas, MPEs, associações, indivíduos). 20. A principal instância de coordenação do é local ou externa ao arranjo? 22 Programa de Financiamento de Bolsas de Mestrado Vinculadas à Pesquisa "Micro e Pequenas Empresas em Arranjos Produtivos Locais no Brasil”. SEBRAE | UFSC | NEITEC | FEPESE| 2004 23 21. Qual é a infra-estrutura social do arranjos em termos de: 21.1. Associações empresariais e sindicatos? 21.2. Centros tecnológicos e universidades 22. Qual a importância das associações empresariais e sindicatos no sentido de mediar a relação entre agentes no segmento produtivo e promover ações cooperativas em âmbito local (inexistente, limitada ou importante)? 23. Qual a intensidade das relações de interação e cooperação inter-firmas, verticais e horizontais, em âmbito local (nula, baixa, média ou alta)? 24. Qual a intensidade da energia empreendedora no arranjo com relação a: 24.1. Criação de novas empresas por indivíduos de dentro do aglomerado? 24.2. Capacidade do aglomerado de atrais novos empreendimentos? 25. Qual a capacidade das empresas do arranjo em termos: 25.1. Da definição de objetivos comuns? 25.2. Estabelecimento de um visão comum sobre o futuro do arranjo? 23