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ERGONOMIA DO AMBIENTE CONSTRUÍDO Dulce América de Souza Ruídos e vibrações Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar as fontes de ruído. Definir vibrações. Enumerar os efeitos fisiológicos e psicológicos dos ruídos e das vibrações. Introdução Nos ambientes construídos, ocorrem interferências de diversas naturezas. Os ruídos e as vibrações são fenômenos que causam mal-estar e até transtornos de ordem fisiológica e psicológica ao trabalhador que convive por longas jornadas nos espaços destinados ao trabalho. Os arquitetos e demais projetistas devem conhecer esses fenômenos, as normas técnicas que objetivam avaliá-los e as recomendações científicas para reduzir ao máximo os ruídos e as vibrações que podem comprometer o desempe- nho e a saúde do trabalhador no seu ambiente de trabalho. Neste capítulo, conheceremos os limites humanos de tolerância aos ruídos e às vibrações, suas naturezas e os efeitos causados pela ex- posição excessiva e esses fenômenos no ambiente de trabalho. Serão apresentadas as normas técnicas pertinentes às recomendações para os ambientes de trabalho e as relativas às medições de ruídos e vibrações, no sentido de contribuir para soluções de projeto voltadas ao bem-estar e à segurança do usuário no nosso caso de estudo: o trabalhador em seu espaço físico laboral. Identificação das fontes de ruído A diferença entre som e ruído não é física, visto que o som é uma sensação produzida no sistema auditivo humano — é, portanto, sensorial —, já o ruído é considerado um som indesejável ou não harmonioso. O ruído pode provocar desconforto e efeitos nocivos ao ser humano, e, em níveis muito elevados, pode causar: perda da audição e da pressão arterial, denominados efeitos fi siológicos; incômodos, denominados efeitos psicológicos; e danos e falhas estruturais, denominados efeitos mecânicos (BISTAFA, 2011). Iida (2005, p. 269) destaca que existem ruídos de diversas naturezas, os quais tendem a desagradar a percepção de um determinado estímulo: “O termo ruído geralmente é associado a sinais auditivos, mas esse conceito pode ser estendido para qualquer tipo de sinal que atrapalhe a percepção, como os ‘chuviscos’ que ocorrem na tela de TV, as luvas que reduzem a sensibilidade tátil dos dedos ou reflexos que prejudicam a nitidez de uma fotografia [...]”. O autor salienta que as diversas naturezas dos ruídos tendem a degradar a percepção de um estímulo, pelo efeito do mascaramento, que se trata da interferência de um sinal sobre o outro. A interferência tende a ser mais sentida com sinais simultâneos que ocorrem em um mesmo canal, bem como quando há semelhanças entre os sinais. Por exemplo: uma fala interfere mais em outra fala do que a música, ou o ruído da rua sobre a fala. A faixa de audição humana é elástica, compreende todos os tipos de som, desde um murmúrio do vento até o ruído de um avião a jato. Conforme observam Kroe- mer e Grandjean (2005, p. 252): “Para acomodar uma faixa tão grande em escala prática, foi introduzida uma unidade logarítmica, o decibel (dB) [...]”. Sabendo que as pessoas apresentam muitas diferenças quanto à tolerância dos ruídos, o Quadro 1 ilustra os limites toleráveis de ruídos em diversos tipos de atividades. Fonte: Adaptado de Iida (2005). Nível de ruído dB (A) Atividade 50 A maioria considera como um ambiente silencioso, mas cerca de 25% das pessoas terão dificuldade para dormir 55 Máximo aceitável para ambientes que exigem silêncio 60 Aceitável em ambientes de trabalho durante o dia 65 Limite máximo aceitável para ambientes ruidosos 70 Inadequado para trabalho em escritórios (conversação difícil) 75 É necessário aumentar a voz para conversação 80 Conversação muito difícil 85 Limite máximo para a jornada de trabalho Quadro 1. Limites toleráveis de ruídos Ruídos e vibrações2 Em ambientes de trabalho, o ideal é conservar o nível de ruído ambiental abaixo de 70 dB. Conforme orienta IIda (2005, p. 396): “Embora os ruídos até 90 dB não provoquem sérios danos aos órgãos auditivos, os ruídos entre 70 e 90 dB dificultam a conversação e a concentração e podem provocar aumento dos erros e redução do desempenho [...]”. No Brasil, a Norma Regulamentadora n° 15 (NR-15) — Atividades e operações insalubres —, em seu Anexo 1, estabelece os limites de tolerância para ruído contínuo ou intermitente (BRASIL, 2015). O ruído contínuo de 85 dB é considerado o máximo tolerável para uma exposição de oito horas de jornada de trabalho pela NR-15, conforme o Quadro 2. Nível de ruído dB (A) Máxima exposição diária permissível 85 8 horas 86 7 horas 87 6 horas 88 5 horas 89 4 horas e 30 minutos 90 4 horas 91 3 horas e 30 minutos 92 3 horas 93 2 horas e 40 minutos 94 2 horas e 15 minutos 95 2 horas 96 1 hora e 45 minutos 98 1 hora e 15 minutos 100 1 hora 102 45 minutos Quadro 2. Limite de tolerância para ruído contínuo ou intermitente (Continua) 3Ruídos e vibrações Existem estudos internacionais que consideram ruídos de 80 dB como já prejudiciais, e, nesse sentido, as normas estrangeiras fixam o limite máximo de ruído em 80 dB. Acima do nível máximo de tolerância estabelecido pelas normas, a exposição do trabalhador deve ser reduzida gradativamente e devem ser providenciados equipamentos de proteção individual para os ouvidos (IIDA, 2005). Quando falamos de ambiente construído, no Brasil, os níveis de ruído aceitáveis são determinados pelas normas técnicas ABNT NBR 10151:2000 — Avaliação do nível do ruído em áreas habitadas visando o conforto da comunidade — e ABNT NBR 10152:1987 — Níveis de ruído para conforto acústico. A primeira fixa níveis de ruído para ambientes externos, ao ar livre, ao passo que a segunda fixa níveis de ruído para ambientes internos. A NBR 10152:1987 atribui os intervalos adequados de ruído ambiente, de acordo com a finalidade característica do recinto, conforme descrito no Quadro 3, em que dB(A) corresponde à pressão sonora ponderada e NC se refere à curva de avaliação de ruído — método de avaliação de um ruído em um ambiente determinado (ABNT, 1987, 2000). Fonte: Adaptado de Brasil (1978). Nível de ruído dB (A) Máxima exposição diária permissível 104 35 minutos 105 30 minutos 106 25 minutos 108 20 minutos 110 15 minutos 112 10 minutos 114 8 minutos 115 7 minutos Quadro 2. Limite de tolerância para ruído contínuo ou intermitente (Continuação) Ruídos e vibrações4 Fonte: Adaptado de ABNT (1987) Locais dB(A) NC Hospitais Apartamentos, enfermarias, berçários, centros cirúrgicos 35–45 30–40 Laboratórios, áreas para uso do público 40–50 35–45 Serviços 45–55 40–50 Escolas Bibliotecas, salas de música, salas de desenho 35–45 30–40 Salas de aula, laboratórios 40–50 35–45 Circulação 45–55 40–50 Hotéis Apartamentos 35–45 30–40 Restaurantes, salas de estar 40–50 35–45 Portaria, recepção, circulação 45–55 40–50 Residências Dormitórios 35–45 30–40 Salas de estar 40–50 35–45 Restaurantes — 40–50 35–45 Escritórios Salas de reunião 30–40 25–35 Salas de gerência, salas de projetos e de administração 35–45 30–40 Salas de computadores 45–65 40–60 Salas de mecanografia 50–60 45–55 Igrejas e templos (cultos meditativos) — 40–50 35–45 Locais para esporte Pavilhões fechados para espetáculos e atividades esportivas 45–60 40–55 Quadro 3. Níveis aceitáveis de ruído ambientes de acordo com o uso – NBR 10152 Verificamos, a partir do item “escritórios”, no Quadro 3, que os níveis considerados adequados de ruído nos ambientes de trabalho se situam consi- deravelmente abaixo dos 85 dB indicados como limite máximo de ruído para uma jornada de trabalho de oito horas, conforme preconiza a NR-15. 5Ruídos e vibrações No mercado da construção civil, a ABNT NBR 10152:1987 foi apoiada pela ABNT NBR 15575:2013 — Norma de desempenho de edificações —, que enfatiza os níveis de atenuação ou transmissão de ruídos aceitáveis, por meio do desempenho dos sistemas construtivosdas edificações habitacionais, contribuindo para os demais programas arquitetônicos (CAU/BR, 2015). Fontes de ruído As fontes de ruído podem ser tanto externas quanto internas à edifi cação, e os ruídos externos mais impactantes são o tráfego, os advindos das atividades industriais e a vizinhança. Já os ruídos internos mais comuns que ocorrem nos ambientes de trabalho são provenientes das máquinas ruidosas e dos motores, no caso das indústrias, e os ruídos gerados dentro de um ambiente corporativo, como os escritórios, correspondentes aos telefones, computadores, impressoras e pessoas andando e falando (KROEMER; GRANDJEAN, 2005). Os ruídos de rua são fatores externos que perturbam as atividades de trabalho dentro de um escritório, por exemplo. O ruído interno em fábricas pode ser contínuo ou intermitente, podendo soar como um estrondo, assobio, ruído de fala e chocalho. Nos escritórios, as atividades desenvolvidas exigem concentração mental para a compreensão da linguagem, os equipamentos de informática — computadores (sistema de refrigeração e teclado), impressoras, plotters, etc. — são fontes de ruído associadas à fala e à movimentação humana (KROEMER; GRANDJEAN, 2005). Iida (2005) destaca uma fonte de ruído particularmente perturbadora: os ruídos de curtíssima duração, ou ruídos de impacto: Os ruídos de curtíssima duração, também chamados de impacto, são aqueles com duração de apenas alguns segundos. São especialmente prejudiciais quando os picos de energia acústica atingem níveis de 110 a 135 dB. Ocorrem, por exemplo, com as batidas de máquinas em forjarias e estamparias (pren- sas). Podem ser considerados também ruídos de impacto aqueles de natureza inesperada e que se destacam no ambiente, como buzinas, batidas de porta, queda de objetos e gargalhadas repentinas (IIDA, 2005, p. 396). Os ruídos de impacto são os que mais perturbam, isso porque o or- ganismo tem dificuldade de adaptação aos ruídos inesperados. Um som repentino de 100 dB com curtíssima duração provoca susto, resultando em uma reação imediata de defesa. “Nessas ocasiões, o organismo adota uma posição instintiva de máxima estabilidade postural, preparando-se para uma Ruídos e vibrações6 eventual fuga [...]” (IIDA, 2005, p. 396). Essas reações retardam o tempo de reação para outras tarefas, interferindo diretamente na produtividade do trabalho executado. Qualquer edificação pode ser acometida por diversas fontes de ruídos inter- nos e externos, pois o som produzido em um ambiente da edificação se reproduz por vias diretas e indiretas, resultando em ruídos em outros ambientes da edificação. Nos ambientes de convivência, principalmente aqueles destinados às refeições — cantinas, refeitórios e cozinhas —, a acústica é sensivelmente prejudicada, pois geralmente são revestidos de materiais cerâmicos, visando a atender os requisitos de higiene e assepsia. Nesses ambientes, “[...] as paredes propiciam a reflexão das ondas sonoras contribuindo para altos índices de reverberação acústica [...]” (BERZOINI, 2015, p. 53). A qualidade acústica de um ambiente também é influenciada pelo tempo de reverberação acústica, que se refere à persistência do som em um ambiente fechado diretamente relacionado pela reflexão sonora resultante dos elementos construtivos, pois o intervalo de tempo necessário para o som baixar ao nível de 60 dB é definido a partir do seu nível inicial, conforme ilustra a Figura 1 (BERZOINI, 2015). Figura 1. Esquema da reverberação em recintos fechados. Fonte: Berzoini (2015, p. 54) 7Ruídos e vibrações Alguns aspectos da edificação também podem resultar em reflexões do som externo para o interior da edificação, como as formas geométricas projetadas nas sacadas. Em relação ao conforto acústico do ambiente construído, a perda de isolamento acústico resultante do baixo isolamento das esquadrias e frestas ou orifícios nas fechaduras permitem a passagem do som do exterior. Formas de medição dos ruídos A medição da quantidade de ruído é computada em unidades físicas, conside- rando-se todos os fatores acústicos por um determinado intervalo de tempo. O nível do ruído não é o único fator interveniente, também a frequência em que ele ocorre é considerada. Os estudos resultaram em unidades de medida que combinam vários componentes, sendo possível caracterizar a carga de ruído em um determinado ponto por meio de um único dado. Para avaliar o ruído em um ambiente de trabalho, duas unidades são essenciais: “1. O nível equivalente do ruído contínuo (nível de ruído contínuo); e 2. O nível de frequência acumulada [...]” (KROEMER; GRANDJEAN, 2005, p. 256). O nível equivalente de ruído contínuo (Leq) expressa o nível médio de energia sonora durante um dado período de tempo (o nível de energia). Esta quantidade é uma inte- gração de todos os níveis sonoros que variam durante esse tempo, e compara o efeito perturbador dos ruídos flutuantes com um ruído contínuo de intensidade constante. O nível de frequência acumulada é medido como um indicador de nível sonoro e um contador de frequência, operando sobre um dado período de tempo. As unidades comumente usadas na medição de som incluem: L50 (nível médio de ruído): “L50 = 60 dB” indica que o nível de 60 dB foi alcançado ou excedido durante 50% do tempo relevante. L1 (nível do pico de ruído): “L1 = 70 dB” indica que o nível de 70 dB foi alcançado ou excedido durante 1% do tempo. Ambos os níveis, L50 e L1, estão relacionados com o nível de ruído equivalente por meio da seguinte aproximação (KROEMER; GRANDJEAN, 2005, p. 256): Ruídos e vibrações8 A norma ABNT NBR 10151:2000 — Avaliação do nível do ruído em áreas habitadas visando o conforto da comunidade — estabelece os procedi- mentos de medição e a avaliação de ruído, cujas referências normativas são os padrões internacionais regidos pelas normas: IEC-60651:1979 — Sound level meters; IEC-60804:1985 — Integrated averaging sound level meters; e IEC-60942:1988 — Sound calibrators (ABNT, 2000). A norma ABNT NBR 10152:1987 — Níveis de ruído para conforto acústico — fixa os níveis de ruído compatíveis com o conforto acústico em ambientes diversos e determina que sejam consultados os documentos complementares: ABNT NBR 10151:2000; DS/IEC 225 – Octave, half-octave and third-octave band filters intended for the analysis of sound and vibrations; e IEC-651:1979 – Sound level meters. Ambas as normas são utilizadas na medição de ruídos, orientando os pro- cedimentos baseados nas unidades de medida mencionadas por Kroemer e Grandjean (2005). Definindo as vibrações As vibrações podem ser defi nidas como movimentos periódicos, oscilações de partículas, de um sistema de partículas ou de um corpo rígido em torno de uma posição de equilíbrio ou um ponto fi xo. As vibrações que ocorrem no corpo humano são resultantes de movimentos periódicos — regulares e irregulares — de um equipamento, ferramenta, veículo, ou qualquer outro mecanismo. A ação desses agentes desloca o corpo humano da sua posição de repouso (IIDA, 2005; KROEMER; GRANDJEAN, 2005). Segundo Kroemer e Grandjean (2005, p. 272), “O som é uma vibração que afeta nossas células auditivas. ‘Vibrações mecânicas’ são uma preocupação, já que causam mu- danças na posição dos membros do corpo e órgãos importantes [...]”. O corpo humano não é uma estrutura de massa rígida, diferentes partes do corpo oscilam de maneira desigual, e a natureza das vibrações exerce efeitos correspondentes sobre as pessoas. Sete fatores físicos são importantes para compreender as vibrações, são eles: ponto de aplicação no corpo; direção de aplicação; frequência das oscilações; aceleração das oscilações; duração do efeito; ressonância e amortecimento. 1. Ponto de aplicação no corpo. Três pontos, por onde as vibrações entram no corpo, são ergonomicamente significativos: as nádegas e possivelmente os pés (quando dirigindo ou andando em um veículo) e as mãos (quando operando ferramentas vibratórias ou uma máquina. 9Ruídose vibrações 2. Direção de aplicação. A direção da oscilação é importante. Para a maior parte do corpo, a direção está no sentido vertical (da cabeça aos pés). Para a mão e braço, é aproximadamente perpendicular à linha que passa pela mão e braço. 3. Frequência das oscilações. A extensão dos efeitos biomecânicos e geralmente patológico das vibrações é dependente da frequência. As fre- quências particularmente importantes são aquelas na faixa das frequências naturais do corpo e, assim, causam ressonância. Geralmente dinstingue-se uma faixa baixa e alta de frequência. As vibrações dos veículos motores pertencem à faixa baixa, aquelas das ferramentas motorizadas à faixa alta de frequência. 4. Aceleração das oscilações. Dentro da faixa de frequência que é fisiologi- camente importante, a aceleração das oscilações é geralmente tomada como medida da carga vibracional. Uma referência comumente usada é a aceleração pelo efeito da gravidade (g = 9,8m/s²). 5. Duração do efeito. O efeito das vibrações depende muito da sua duração. Seus efeitos danosos aumentam rapidamente com o tempo transcorrido. 6. Ressonância. Todo sistema mecânico, que possui as propriedades ele- mentares de massa e elasticidade, é capaz de oscilar. Cada sistema tem a sua própria frequência natural, com a qual ele vibra após estimulação. Quão mais próxima a frequência da força excitadora chega à frequência natural do sistema excitado, maior será a amplitude das oscilações forçadas. Quando a amplitude das oscilações forçadas excede a da força excitadora, diz-se que o sistema está em ressonância. 7. Amortecimento. As oscilações de qualquer sistema estão sujeitas a amorteci- mento, que reduz suas amplitudes. Por exemplo, quando se está de pé, quaisquer vibrações verticais transmitidas pelos pés são rapidamente amortecidas pelas pernas. As frequências acima de 30Hz são particularmente bem amortecidas pelos tecidos do corpo; portanto, para uma frequência de indução de 35 Hz, a amplitude de oscilação é reduzida a ½ nas mãos, a 1/3 nos cotovelos e a 1/10 nos ombros (KROEMER; GRANDJEAN, 2005, pp. 272-273.) No ambiente de trabalho, em particular nas indústrias, os motores elétri- cos são complexos geradores de vibrações, devido ao fluxo turbulento do ar de refrigeração (GERGES, 1992). Nos ambientes construídos, as vibrações de sólidos e de impacto são transmitidas diretamente sobre a estrutura do edifício, provocando, posteriormente, a vibração do ar (SOUZA et al., 2013). De maneira geral, as fontes de vibração que acometem os edifícios podem se originar internamente — derivadas do funcionamento dos equipamentos, como sistemas de ar-condicionado, elevadores, etc., e até de movimentos hu- manos — ou externamente, associadas ao tráfego e às atividades da construção civil. Devemos considerar também as fontes naturais de vibração, como os tremores de terra, erupções vulcânicas e os ruídos estrondosos resultantes de tempestades (ANTUNES et al., 2016). Ruídos e vibrações10 No interior dos edifícios, as vibrações podem se manifestar de dois modos: vibração perceptível e ruído de baixa frequência. A vibração perceptível é percebida pelos seres humanos através da sensação tátil — frequentes em pisos e paredes — ou por meio de um movimento vibratório audível, como o movimento dos vidros nas janelas. Os ruídos de baixa frequência — geralmente compreendem as frequências entre 10 e 20 Hz e 150 e 200 Hz — resultam da vibração propagada através da fundação e demais estruturas dos edifícios, excitando os elementos de interiores, como paredes, pavimentos e tetos. “Este movimento vibratório origina ondas sonoras que são percebidas pelo ouvido humano como ruído (usualmente designado por ruído estrutural) [...]” (ANTUNES et al., 2016, p. 2). A variação das respostas humanas às vibrações em edifícios compre- ende desde a simples percepção até uma reação de desconforto mais ampla. Amplitudes de vibração mais baixas, quando repetidas, podem conduzir o desconforto ou incômodo. O Quadro 4 apresenta uma relação genérica entre a vibração e a percepção humana. Fonte: Adaptado de Antunes et al. (2016). Valor eficaz (RMS) da aceleração ponderada (m/s2) Percepção < 0,01 Não perceptível 0,015 Limiar da percepção 0,02 Raramente perceptível 0,08 Facilmente perceptível 0,315 Fortemente perceptível > 0,315 Extremamente perceptível Quadro 4. Percepção e amplitudes de vibração Conforme apontado por Kroemer e Grandjean (2005), a sensibilidade humana aos níveis de vibração varia conforme as características do fe- nômeno vibratório, do seu conteúdo de frequência, da direção e da sua amplitude. A norma ISO 2631-1 — Guia para avaliação da exposição humana às vibrações de corpo inteiro — sugere valores como indicativos da sensação de desconforto em relação às amplitudes de aceleração de vibração, conforme o Quadro 5. 11Ruídos e vibrações Fonte: Adaptado de Antunes et al. (2016). Valor eficaz (RMS) da aceleração ponderada (m/s2) Percepção Inferior a 0,315 Não é desconfortável De 0,315 a 0,63 Um pouco desconfortável Entre 0,5 e 1 Razoavelmente desconfortável De 0,8 a 1,6 Desconfortável De 1,25 a 2,5 Muito desconfortável Superior a 2 Extremamente desconfortável Quadro 5. Amplitudes de vibração e reações ao desconforto causado por vibrações (ISO 2631-1) Cabe ressaltar que, de acordo com a ABNT NBR 15575:2013 — Norma de desempenho de edificações — para a avaliação do desempenho acústico de uma edificação, devem ser considerados os impactos e ruídos de equipa- mentos nas premissas de projeto (item 12.4.3). O projeto deve considerar “os ruídos contínuos, variáveis e de impactos, e das vibrações de equipamentos como motores-bomba, elevadores, válvulas de descarga, motores geradores de energia [...]” (ABNT, 2013, documento on-line). Do ponto de vista do conforto humano, é relevante detectar as características dos ruídos e das vibrações que possam provocar desconforto, incômodos e efeitos nocivos à saúde do trabalhador. Esse tema tem se tornado importante para as empresas onde há um número elevado de funcionários expostos a consideráveis níveis de ruídos e vibrações, sem equipamentos adequados conforme orientam as normas de segurança. Efeitos fisiológicos e psicológicos de ruídos e vibrações no ser humano A resposta para a pergunta “Por que o ruído faz mal?” não é simples. A reação do homem perante os ruídos é complexa, pois a orelha humana possui uma grande capacidade de captar sons e ruídos, desde as menores até as altíssimas frequências. Da mesma forma, a reação humana à exposição prolongada às vibrações desencadeia efeitos nocivos ao ser humano, em particular nos ambientes de trabalho. Ruídos e vibrações12 Segundo Iida (2005), a consequência mais evidente da alta exposição ao ruído é a surdez, que pode ser de duas naturezas: a surdez de condução e a surdez nervosa. A surdez de condução se caracteriza pela redução da capacidade de transmissão das variações sonoras da orelha externa para a interno. Ruídos de impacto com alta intensidade podem provocar a surdez de condução, uma vez que podem romper a membrana do tímpano ou danificar a transmissão pela orelha média. A surdez nervosa ocorre na orelha interna, causada pela redução da sensibilidade das células nervosas da cóclea. “Para ruídos de até 80 dB, essas perdas são pequenas, mas tendem a crescer a partir desse nível, chegando a 27% aos 95 dB, principalmente após exposição prolongada a ruídos intensos. As perdas ocorrem nas faixas de alta frequência, acima de 1.000 Hz, sendo maiores em torno de 4.000 Hz, e são irreversíveis [...]” (IIDA, 2005, p. 398). Sob o aspecto ergonômico, um problema comum e recorrente é que o ruído ambiental perturba a compreensão da fala. Kroemer e Grandjean (2005) salientam que a capacidade de identificar um som em particular em meio aos demais sons depende do limiar de audição, que aumenta com a intensidade do som até 80 dB, conforme a Figura 2. Figura 2. Gráfico de sílabas (S) e da frase oude seu sentido (W). Fonte: Adaptada de Kroemer e Grandjean (2005, p. 263). 13Ruídos e vibrações A compreensão da fala em ambientes de trabalho impacta diretamente o conforto ou desconforto do trabalhador. O gráfico da Figura 2 mostra que “[...] com uma compreensão silábica de apenas 20% das sentenças (S = 0,2) ainda é possível entender quase 80% das sentenças; se a metade das sílabas são compreendidas, então cerca de 95% das sentenças são inteligíveis [...]” (KROEMER; GRANDJEAN, 2005, p. 262). No desempenho geral do trabalhador, o ruído também influencia, gerando aborrecimentos devido à interrupção forçada da tarefa, provocando tensão e dores de cabeça. A memória de curta duração também é afetada pela expo- sição excessiva aos ruídos, assim como há redução de concentração mental, pois o pensamento e a reflexão são mais difíceis em um ambiente ruidoso. O estresse fisiológico provocado pela exposição ao ruído pode produzir reações sintomáticas, como aumento da pressão sanguínea, aceleração da frequência cardíaca, contração dos vasos sanguíneos da pele, aumento do metabolismo, redução da velocidade de digestão e aumento da tensão muscular (IIDA, 2005; KROEMER; GRANDJEAN, 2005). As vibrações são subjetivamente percebidas como um incômodo, variando entre um transtorno menor até um transtorno insuportável. “A extensão do transtorno depende, em primeira instância, da frequência de indução, da ace- leração das oscilações e da duração da exposição [...]” (KROEMER; GRAND- JEAN, 2005, p. 275). Os efeitos fisiológicos e psicológicos das vibrações sobre o trabalhador incluem perda de equilíbrio, falta de concentração e visão turva, que diminui a acuidade visual. Contata-se também aumentos do ritmo cardíaco, respiratório e volume de oxigênio consumido. Iida (2005) atribui às vibrações no ambiente de trabalho a produção de fadiga, dores de cabeça, insônia e, em casos extremos, danificação permanente de alguns órgãos humanos. Além disso: As vibrações sobre os braços, mãos e dedos prejudicam a circulação sanguí- nea. Isso ocorre principalmente na faixa de 40 a 125 Hz, embora haja muitas diferenças individuais. Em casos mais graves, os dedos ficam descoloridos, provocando o fenômeno “dedo branco”. Nessa situação, os dedos ficam in- sensíveis e podem sofrer necrose. Em trabalhadores florestais que usam motosserra, há uma degeneração gradativa do tecido vascular e nervoso, causando perda da capacidade manipulativa e do tato das mãos, dificultando o controle motor (IIDA, 2005, p. 405). Nas frequências baixas (de 1-80 Hz), as vibrações são particularmente danosas ao organismo, provocando lesões nos ossos, nas juntas e nos tendões. Nas frequências intermediárias (30-200 Hz), as vibrações provocam doenças Ruídos e vibrações14 cardiovasculares, e, nas frequências altas (acima de 300 Hz), causam dores agudas e distúrbios neurovasculares (IIDA, 2005). Alguns dos sintomas são reversíveis — após um longo período de descanso —, porém são reincidentes no caso de nova exposição às vibrações. As vibrações mecânicas ou acústicas seguem as leis da física; no caso das mecânicas, as sentimos, quando se trata de vibrações acústicas, as ouvimos. As vibrações mecânicas são geralmente um transtorno, ao passo que as vibrações acústicas ou ruídos podem ser uma fonte de informação e prazer, como a música. É fundamental que o arquiteto compreenda as fontes e os efeitos no organismo causados pelos ruídos e pelas vibrações e conduza seus projetos de acordo com as normas, a fim de controlar e minimizar os impactos desses fatores no ambiente construído. 15Ruídos e vibrações ABNT. ABNT NBR 10152:1987. Níveis de ruído para conforto acústico. Rio de Janeiro: ABNT, 1987. ABNT. ABNT NBR 10151:2000. Avaliação do ruído em áreas habitadas, visando o conforto da comunidade. Rio de Janeiro: ABNT, 2000. ABNT. ABNT NBR 15575-3:2013. Edificações habitacionais — Desempenho. Parte 3: Requisitos para os sistemas de pisos. Rio de Janeiro: ABNT, 2013. ANTUNES, S. et al. 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