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MÉRITO E FLEXIBILIDADE
A gestão das pessoas no setor público
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MÉRITO E FLEXIBILIDADE
A gestão das pessoas no setor público
Francisco Longo
EdiçõesFundap
Fundap (Mérito e Flexibilidade) 3 3Fundap (Mérito e Flexibilidade) 3 3 22/2/2007 09:40:2822/2/2007 09:40:28
Governador do Estado
José Serra
Secretário de Gestão Pública
Sidney Beraldo
FUNDAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO ADMINISTRATIVO–FUNDAP
Diretora Executiva
Neide S. Hahn
Coordenação editorial
Carlos H. Knapp
Tradução
Ana Corbisier
Lucia Jahn
Luis Reyes Gil
Paulo Anthero Barbosa
Revisão
Helena Jansen
Revisão técnica
Pedro Anibal Drago
Sandra Souza Pinto
Capa
Cristina Penz
Ilustração da capa baseada na escultura “Le Chariot” (1950), de Alberto Giacometti
Editoração eletrônica
Ricardo Serraino
Fevereiro/2007
© 2004 by Ediciones Paidós Ibérica, S.A.
Reprodução proibida sem a expressa autorização da Fundap.
Dados Internacionais de Catalogação da Publicação (CIP)
(Centro de Documentação da Fundap, SP, Brasil)
Longo, Francisco
Mérito e fl exibilidade: a gestão das pessoas no setor público / Francisco Longo; tradução 
Ana Corbisier, Lucia Jahn, Luis Reyes Gil, Paulo Anthero Barbosa; revisão Helena Jansen; 
revisão técnica Pedro Anibal Drago, Sandra Souza Pinto. – São Paulo: FUNDAP, 2007
246 p.
Tradução de: Mérito y fl exibilidad: la gestión de las personas en las organizaciones del 
sector público.
ISBN 978-85-7285-102-2
1. Administração de pessoal. 2. Administração de pessoal – Setor público. 3. Gestão de pessoas 
– Setor público. I. Fundação do Desenvolvimento Administrativo – Fundap. II. Título.
CDD – 360.1
EDIÇÕES FUNDAP
Rua Cristiano Viana, 428
05411-902, São Paulo, SP
Telefone (11) 3066 5584
Fax (11) 3081 9082
livraria@fundap.sp.gov.br
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Para Alejandro e Alberto Longo
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SUMÁRIO
Agradecimentos
Apresentação da edição brasileira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
1. A gestão das pessoas nas sociedades contemporâneas . . . . 23
2. O que o emprego público tem de diferente. 
A função pública . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
3. Gerir pessoas no setor público: 
um sistema integrado de valor estratégico . . . . . . . . . . . . . . . 77
4. Os grandes subsistemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
5. As tendências de reforma da gestão das pessoas nas 
democracias avançadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
6. Dirigentes públicos profi ssionais:
por que, para que e como . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165
7. Os desafi os do futuro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197
Epílogo: mérito e fl exibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 223
Bibliografi a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227
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AGRADECIMENTOS
Como autor deste livro, tenho uma dívida de gratidão para com muitas 
pessoas. Entre elas está antes de mais nada uma longa lista de gestores públi-
cos que participaram dos programas do IDGP da Esade1 nos quais exerci a 
docência. Tenho consciência de ter recebido, deles, estímulos e ensinamen-
tos muito valiosos. Devo mencionar também os governadores e dirigentes que 
confi aram na minha capacidade de consultor e assessor ao longo destes anos. E 
também os meus alunos de nove promoções de MBA da Esade, que ano após 
ano desafi aram minha capacidade para formar gestores de pessoas. As coisas 
que aprendi com todos eles contribuíram para fi ltrar minhas percepções, apro-
ximar à realidade os meus pontos de vista e melhorar minha habilidade para 
comunicá-los.
Esade, a instituição em que desenvolvo meu trabalho há mais de dez anos, 
deve ser especifi camente destacada neste parágrafo. Sua confi guração aberta e 
horizontal, que oxalá seja capaz de conservar durante muito tempo, proporcio-
nou-me o ambiente estimulante e de cooperação, necessário a todo o trabalho 
intelectual, e o contato com as pessoas cuja contribuição generosa foi básica 
para o meu crescimento profi ssional. Sua cultura humanista e plural facilitou 
o engate de minhas convicções com os valores próprios do ambiente organiza-
cional em que trabalho. Sou consciente do privilégio que isso signifi ca. Nesse 
ponto, dirijo minha gratidão a Lluís Pugès, o diretor que me contratou, e a 
Carlos Losada, que um dia me sugeriu a incorporação e depois, com a respon-
sabilidade atual de diretor geral, manteve sua confi ança em mim.
Dentro do Esade, recebi dos meus companheiros do Instituto de Direção 
e Gestão Pública numerosas contribuições e uma infl uência que, sem dúvida, 
se traduzem naquilo que este livro terá de mais valioso. Em especial a freqüente 
colaboração na docência, na pesquisa e na consultoria de Koldo Echebarría, 
hoje licenciado, foi uma importante infl uência para confi gurar a minha forma 
de entender a gestão pública, como também o foi o estreito contato profi ssional 
que mantive esses anos com Xavier Mendoza, Alfred Vernis, Albert Serra e o já 
citado Carlos Losada. Também expresso meus agradecimentos a Manolo Férez, 
Rafa Jiménez Asensio, Pere Puig, Manel Peiró, Enric Colet, Roberto Quiroga, 
1 NT: IDGP é o Instituto de Dirección y Gestión Pública, instituição da Esade (Escuela Su-
perior de Administración de Empresas), uma das dez mais prestigiosas Business Schools da 
Europa.
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10 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
Sam Husenman, Tamyko Ysa, Eduard Gil, Joat Henrich, Cristina Navarro e as 
demais pessoas que colaboram com o IDGP.
Alguns colegas do departamento de Direção de Recursos Humanos da 
Esade leram trechos do manuscrito e me passaram seus valiosos comentários. 
É o caso de Carlos Obeso e de Ricard Serlavós, a quem devo um reconheci-
mento especial por ser o inspirador do modelo de gestão de recursos humanos 
que adotei na época, apliquei e desenvolvi nos últimos anos e que, adaptado à 
gestão pública, apresento neste livro.
A relação de trabalho com outras pessoas do mundo acadêmico propor-
cionou-me valiosas referências e comentários que benefi ciam o livro. Nesse 
ponto, devo citar Joan Subirats e toda a equipe do IGOV da Universidade 
Autônoma de Barcelona; Manuel Villoria, do Instituto Universitário Ortega 
y Gasset; Manuel Zafra e Frederico Castillo, do CEMCI de Granada; Miguel 
Sánchez Morón, da Universidade de Alcalá de Henares; Alberto Palomar, da 
Universidade Carlos III; Carlos Vignolo, da Universidade do Chile; Regina Pa-
checo, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo; e Oscar Oszlak, da Universi-
dade de Buenos Aires. Agradeço também a Michael Barzelay, da London School 
of Economics, e a Sonia Ospina, da New York University, pelos comentários 
sobre um material prévio em que apoiei uma parte do livro.
Considero a experiência de dirigente público, no meu caso, como uma 
fonte decisiva para o crescimento pessoal e profi ssional. Em particular, os oito 
anos de trabalho na municipalidade de Barcelona foram para mim uma au-
têntica escolade gestão pública, sem a qual este livro não teria sido possível. A 
coincidência entre o período de desenvolvimento do projeto olímpico de 1992 
e uma etapa de transformação urbana sem precedentes, liderada pelo governo 
da cidade, fez daqueles anos uma experiência difícil de se repetir. Eram mui-
tos os que comigo faziam parte da equipe do prefeito Pasqual Maragall e me 
proporcionavam úteis aprendizados. Na impossibilidade de nomeá-los, recor-
ro a um agradecimento genérico dirigido a todos. Personalizarei esta menção 
em Albert Galofré, com quem ainda compartilhei, depois daquela experiência, 
muitas horas de consultoria e amizade. 
Diversos trabalhos encomendados durante os últimos anos pelo Banco 
Interamericano de Desenvolvimento me proporcionaram marcos de estudo 
e experiências que contribuíram para enriquecer várias partes do livro. Em 
particular, a elaboração de um marco analítico para a avaliação de sistemas de 
serviço civil e o acompanhamento de sua aplicação nos diagnósticos institu-
cionais de uma vintena de países da América Latina e do Caribe me brindaram 
com excelentes e raras oportunidades para contrastar os modelos conceituais 
utilizados.
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11AGRADECIMENTOS 
Recebi do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações 
Unidas e do Centro Latino-Americano de Administração para o Desenvol-
vimento o pedido de elaborar um anteprojeto da Carta Ibero-Americana da 
Função Pública e de defendê-lo, como relator, perante a Conferência de Mi-
nistros de Administração Pública e Reforma do Estado, em junho de 2003, 
em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia). Essa tarefa me obrigava a sintetizar e 
enquadrar em formato peculiar as minhas concepções básicas sobre a gestão 
pública do emprego e das pessoas, a fi m de torná-las acessíveis a diferentes 
ambientes institucionais e susceptíveis de serem compartidas por diferentes 
governos. A aprovação da Carta pela cúpula dos chefes de estado e de governo 
e sua conversão em documento ofi cial da ONU pela Assembléia Geral são os 
primeiros resultados, que espero sejam seguidos por iniciativas de aplicação 
de seus princípios nos países da comunidade ibero-americana. Em todo caso, 
é justo que eu faça constar aqui minha gratidão às instituições que confi aram 
em mim para esse trabalho.
Carmen, minha mulher, revisou o manuscrito, como faz habitualmente, 
tratando de polir minha linguagem. Sou grato a ela por isso e, principalmente, 
por tantas outras coisas.
APRESENTAÇÃO DA EDIÇÃO BRASILEIRA
Escrevo estas linhas de apresentação quando acaba de se celebrar, em Bar-
celona, um seminário internacional, auspiciado pelo CIDOB2, sobre a profi s-
sionalização do emprego público na América Latina. Com Carles Ramió, meu 
colega da Universidade Pompeu Fabra, tive o prazer de co-dirigir o seminário, 
que contou com a participação de reputados especialistas de ambos os lados do 
Atlântico. Durante as sessões, como não poderia deixar de ser, os dois grandes 
temas que dão título a este livro, mérito e fl exibilidade, assim como a relação 
entre ambos, foram profundamente abordados e discutidos de ângulos diversos, 
dando lugar a pontos de vista às vezes antagônicos. Retive especialmente dois 
dos temas de debate e me permito comentá-los resumidamente aqui.
O primeiro centra-se na idéia de mérito; mais especifi camente, em suas 
dimensões formal e substantiva, e na conveniência de distingui-las entre si. 
2 NT: CIDOB: Centro de Investigación de Relaciones Internacionales y Desarrollo. Centro de 
Pesquisa de Relações Internacionais e Desenvolvimento.
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12 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
Freqüentemente, o mérito, enquanto atributo do emprego público, é pensado 
fundamentalmente na primeira dessas dimensões. Assim concebido, um sis-
tema de mérito converte-se num conjunto de garantias formais cujos efeitos 
benéfi cos se produziriam – diríamos com fraseologia jurídica – erga omnes, 
ou seja, projetando-se para o exterior dos governos e organizações públicas 
e pensando nas necessidades da sociedade em seu conjunto. Uma vez que a 
sociedade necessita de administrações compostas por profi ssionais capazes de 
emitir decisões conformes com a legalidade e protegidas contra a captura e a 
corrupção, a criação dessas garantias é imprescindível.
Entretanto, para dentro das organizações, isto é, para o governante ou o 
dirigente público, essas garantias operam basicamente como limitações, como 
condicionamentos de suas decisões de manejo do emprego público que res-
tringem sua margem de decisão discricional. A partir disso é fácil concluir 
que essas limitações podem comprometer a efi cácia das decisões e processos 
de gestão das pessoas e que precisam, por isso, ser compensadas por políticas 
fl exíveis que restabeleçam um equilíbrio adequado. Nesta perspectiva, mérito e 
fl exibilidade se situariam no marco de um trade off , de um dilema fundamental 
que confronta os requisitos de profi ssionalidade da ação pública, de um lado, 
com sua pretensão de efi cácia, de outro, de tal modo que os avanços em um 
campo signifi cassem retrocessos no outro e vice-versa.
No meu entender, a questão muda de modo fundamental se abordarmos a 
noção de mérito por sua dimensão material e substantiva. Nessa aproximação, 
as garantias do mérito protegem a profi ssionalidade da administração porque 
conseguem que as decisões de manejo do emprego público persigam e assegu-
rem a idoneidade das pessoas, isto é, o mais alto grau de adequação de todas 
suas capacidades (de suas competências, diríamos no jargão atual dos recursos 
humanos) para o desempenho das tarefas que devem cumprir.
Para conseguir essa idoneidade, os instrumentos de gestão devem garan-
tir adequadamente a busca, a escolha, o estímulo e a recompensa dos melhores 
em cada caso. Deste ponto de vista, as decisões sobre o emprego devem ser 
meritocráticas nos governos e organizações do setor público para proteger os 
cidadãos e os mercados da arbitrariedade e da corrupção. Razões semelhantes 
recomendam os ajustes meritocráticos também em outros tipos de organiza-
ção, inclusive nas empresas do setor privado, para produzir os resultados alme-
jados pelas estratégias e objetivos de cada uma.
Quando contemplamos o mérito dessa forma, a profi ssionalidade dos 
servidores públicos deixa de ser vista como uma limitação à efi cácia dos gover-
nos e se converte, pelo contrário, em seu pré-requisito. A superação do saque, 
do clientelismo e da apropriação de setores e sua substituição por modelos me-
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13AGRADECIMENTOS 
ritocráticos de emprego público não produzem unicamente maior segurança 
jurídica nas sociedades que realizam essas mudanças, mas também mais efi cá-
cia, efi ciência e efetividade em bancos centrais, na fi scalização de arrecadação 
de tributos, nas polícias, nos hospitais e nos serviços sociais. A relação entre 
mérito e fl exibilidade deixa de ser de confronto. Na realidade, se desejarmos al-
cançar a idoneidade das pessoas nos contextos contemporâneos, precisaremos 
de fórmulas cada vez mais fl exíveis no acesso, na carreira, na capacitação e na 
recompensa; e essa fl exibilidade reforçará, em lugar de debilitar, a dimensão 
meritocrática do emprego público.
O segundo dos temas mencionados, não muito distante deste, nos introduz 
mais uma vez no que Bresser Pereira3 denominou “a questão da seqüência”.
Em muitos foros continua viva a idéia, a meu ver falaciosa e ademais 
desmentida pelos fatos, de que na América Latina os esforços reformadores 
devem se concentrar na construção de burocracias weberianas para, depois, 
num futuro indeterminado, incorporar as reformas fl exibilizadoras da gestão 
de recursos humanos que hoje constituemmoeda comum no primeiro mun-
do. É fácil notar que essa visão se apóia na aproximação formalista da idéia de 
mérito que acabamos de discutir. Na obra citada, o ilustre político e acadêmi-
co brasileiro argumenta vigorosamente contra esse discurso. De minha parte, 
depois de concordar com ele, remeto-me modestamente ao epílogo deste livro 
em que se acha uma argumentação sobre esse ponto. Na minha opinião, ela é 
substancialmente válida.
Como se deduz dos parágrafos anteriores, as convicções que me levaram a 
escrever “Mérito e Flexibilidade” continuam vivas, no substancial, no momen-
to de sua publicação em língua portuguesa no Brasil. Não é preciso mencionar 
que esse fato é para mim motivo de profunda satisfação, que agradeço muito 
sinceramente à Fundap e, em especial, ao estímulo da minha admirada amiga 
Evelyn Levy. Ao longo dos últimos anos, desde meus primeiros seminários na 
ENAP de Brasília, têm sido freqüentes os encontros com acadêmicos e gestores 
públicos brasileiros com os quais sempre encontrei um alto grau de sintonia, 
tanto nas preocupações como também, quase sempre, nos enfoques.
Também no Brasil a modernização da gestão dos recursos humanos se 
encontra sistematicamente entre os grandes temas de qualquer agenda de re-
forma da gestão pública. Nós a encontramos quando revisamos o modelo de 
3 Bresser Pereira, L. C., Democracy and Public Management Reform. Building the Republi-
can State. Oxford University Press, 2004.
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14 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
gestão do PPA4 na esfera federal, quando acompanhamos a experiência de ges-
tão dos serviços assistenciais e culturais por meio das organizações sociais do 
Estado de São Paulo ou quando analisamos as carreiras e a avaliação do de-
sempenho nessa apaixonante experiência de reforma conhecida como “Cho-
que de Gestão”, em Minas Gerais. Ela está igualmente presente nas principais 
preocupações dos secretários de gestão reunidos nessa importante plataforma 
de inovação e reforma institucional que é o Consad5.
Também no Brasil, os temas relativos aos recursos humanos são, com 
freqüência, os mais resistentes a reformas; aqueles em que são mais habituais 
as percepções de insatisfação com o logrado. Nada que revele características 
idiossincráticas dos contextos institucionais brasileiros, mas sim, como este 
livro pretende evidenciar, traços comuns das tentativas de melhorar a gestão 
pública das pessoas em qualquer lugar e circunstância. Para o bem ou para o 
mal, o comportamento humano nas organizações é uma variável sobre a qual é 
difícil infl uir. Ao mesmo tempo, exercer essa infl uência constitui uma questão 
central para a efi cácia, efi ciência e efetividade das organizações, que se acentua 
nos serviços públicos e que, portanto, se torna irrenunciável para os inovado-
res e reformadores da gestão pública. A todos eles, felizmente numerosos no 
Brasil, é dedicada em primeiro lugar a edição deste livro em português. Oxalá 
lhes seja útil.
Barcelona, janeiro de 2007
Francisco Longo
4 PPA, Plano Plurianual instituído no governo Fernando Henrique Cardoso.
5 Consad: Conselho Nacional de Secretários de Estado de Administração.
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INTRODUÇÃO
“É mais importante conhecer os temperamentos e características 
das pessoas que os das ervas e das pedras. Esta é uma das coisas 
mais sutis da vida: os metais se conhecem pelo som e as pessoas 
pelo que dizem. As palavras demonstram a retidão, mas os fatos 
muito mais ainda. São necessários, em grau máximo, refl exão, ob-
servação e capacidade crítica.”
Baltasar Gracián, Oráculo Manual y Arte de Prudencia, 1647
Mais de vinte e cinco anos de dedicação à gestão pública, na administra-
ção e no mundo acadêmico, foram fortalecendo minha convicção da impor-
tância crucial do fator humano como chave para explicar os êxitos e fracassos 
dos governos e das organizações do setor público.
Na condição de dirigente, experimentei na primeira pessoa o caráter críti-
co do comportamento humano nas organizações, seu extraordinário peso nos 
resultados de qualquer iniciativa ou projeto, e também a complexidade de suas 
motivações, a fl uidez e pluralidade dos fatores que o infl uenciam, o quanto é 
árdua a tarefa de decifrar as origens e procurar as respostas aos problemas que 
afetam as pessoas no trabalho. Tenho experimentado a difi culdade adicional 
que o ofício de gerir pessoas traz implícito nos ambientes públicos; a ambigüi-
dade das prioridades, seu caráter mutável, a brevidade dos ciclos políticos, a 
reticência para medir e avaliar, o peso imenso da inércia, as numerosas limita-
ções legais e, principalmente, as restrições intangíveis de natureza cultural.
Como docente, o prolongado contato com dirigentes públicos nos pro-
gramas do Instituto de Direção e Gestão Pública (IDGP) do Esade tornou-me 
consciente tanto do interesse com que são abordadas as questões relaciona-
das ao fator humano, como do défi cit de preparação específi ca que pode ser 
constatado na maioria dos casos. Os conhecimentos e habilidades relacionados 
com a gestão das pessoas não são normalmente levados em conta entre os re-
quisitos de capacitação exigidos para exercer responsabilidades de direção no 
setor público. Este fato não impede que, às vezes, nos intercâmbios que caracte-
rizam a formação para dirigentes, afl orem as boas práticas, os casos de sucesso 
e as experiência inovadoras. Em geral, não obstante, a percepção dominante 
entre os gestores públicos combina a crítica dos modelos de gestão existentes 
com uma aguda sensação, próxima do desalento ou do ceticismo, a respeito de 
como é difícil mudá-los.
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16 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
A experiência como consultor de governos e organizações públicas ra-
tifi cou para mim muitas destas percepções e as tornou extensivas a diferen-
tes países e ambientes institucionais. Hoje a gestão do emprego público e das 
pessoas que fazem parte dele preocupa cada vez mais aqueles que dirigem as 
organizações e os sistemas multiorganizacionais do setor público. A demanda 
de idéias, estratégias, metodologias e instrumentos que permitam melhorá-la 
cresceu de modo signifi cativo. Foi fi cando evidente que as mudanças legais, as 
reestruturações organizacionais e a modernização tecnológica, embora sejam 
importantes, não são sufi cientes para mudar em profundidade o funcionamen-
to das organizações públicas. A verdadeira mudança é aquela que consegue 
penetrar nas mentes dos indivíduos e transferir-se para suas condutas. O olhar 
se volta conscientemente para as pessoas e é, na maioria das vezes, um olhar de 
interrogação, dúvida e perplexidade.
Em suma, melhorar a gestão das pessoas é visto em nossos dias como 
um dos desafi os principais da gestão pública e, ao mesmo tempo, como o que 
enfrenta maiores obstáculos e resistências. Dessa dupla convicção sobre a im-
portância e a difi culdade desse empenho nasce este livro.
A QUEM SE DIRIGE ESTE LIVRO E COMO PRETENDE FAZÊ-LO
Este é um livro sobre gestão pública, o que quer dizer no mínimo duas 
coisas. A primeira, que ele assume a orientação pluridisciplinar que caracteriza 
a referida perspectiva e incorpora, sem complexos, contribuições e enfoques 
próprios da economia, do direito, da ciência política, da sociologia e de outras 
disciplinas científi cas. A segunda, que ele se fundamenta numa noção ampla 
do management, que vai além da mera importação de técnicas nascidas no 
mundo empresarial privado. A gestão pública modula seu instrumental analí-
tico partindo da especifi cidade do público e incorpora não só modelos teóricos 
e ferramentas, mas também um conjunto de valores necessários para o bom 
funcionamento e a renovação dos sistemas públicos e suas organizações.O livro tem uma pluralidade de destinatários: os primeiros são os dirigen-
tes públicos, no sentido mais amplo da expressão. Incluímos aí todas as pes-
soas que assumem, nas organizações do setor público, responsabilidades que 
compreendem a direção de equipes humanas; desde aqueles que, no vértice 
estratégico das administrações, adotam decisões que afetam milhares de em-
pregados, até aqueles que gerenciam pequenos centros ou serviços dotados de 
poucas pessoas. Todos eles – seus objetivos, problemas e preocupações – têm 
sido a principal referência inspiradora deste trabalho.
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17INTRODUÇÃO 
O livro pretende ser também útil para aqueles que se ocupam da admi-
nistração pública a partir da refl exão acadêmica ou da consultoria, assim como 
– esperamos – para aqueles que o fazem a partir da política ou do sindicalismo. 
Pode igualmente ser proveitoso para os empregados públicos e para os jovens 
que aspiram fazer da gestão pública sua profi ssão e desejam melhorar seu conhe-
cimento sobre uma parcela básica dela. Não fi ca descartado, inclusive, que possa 
captar o interesse de outros públicos. Afi nal, fala de questões que acabam afetan-
do a vida da maioria. Há tempos estou convencido de que a modernização da 
gestão pública geralmente se produz quando seus temas saem do círculo restrito 
dos especialistas e passam para a esfera do debate público. Acredito que qualquer 
cidadão interessado no funcionamento das organizações públicas encontrará 
nestas páginas algumas refl exões úteis, quer concorde com elas ou não.
Embora minha experiência tenha sido gestada principalmente no am-
biente institucional espanhol, e este fato se transfi ra inevitavelmente para o que 
escrevo, o livro não foi produzido pensando apenas no leitor desse País. Ao 
contrário, tenho tentado fazer com que as análises e refl exões sejam, no fundo 
e na forma, acessíveis e úteis a leitores de outras latitudes. Como poderá com-
provar quem siga adiante, tanto os modelos conceituais como os referenciais 
utilizados caracterizam-se por uma vocação de universalidade e uma orien-
tação comparada. Em particular, teve-se presente a todo momento a possível 
utilidade do livro para os leitores latino-americanos. A freqüência e intensida-
de dos contatos com governos e organizações públicas da Ibero-América ao 
longo dos últimos dez anos tornaram-me particularmente sensível à maneira 
de tratar a questão pública que caracteriza essa parte do mundo, tão distante e 
tão próxima.
A probabilidade de que este livro seja de interesse será tanto maior quan-
to mais aberto à mudança for o espírito com que se empreenda sua leitura. 
No IDGP da Esade adotamos como sinal de identidade um compromisso com 
os inovadores do setor público. Este compromisso está presente no livro, que 
incorpora nossa crença na questão pública, em seu papel insubstituível para 
o bem-estar e o progresso de nossas sociedades, mas também no seu imenso 
potencial de melhora, imprescindível para adaptar-se às exigências de uma de-
manda social intensa e mutante.
O livro aborda um assunto de especial complexidade. Há questões para 
as quais o desenvolvimento científi co e tecnológico acabou criando protocolos 
de respostas predeterminadas. As incidências relacionadas à gestão das pessoas 
costumam pertencer, ao contrário, àquela categoria de problemas que Schuma-
cher chama de divergentes; aqueles que, quanto mais conhecimento especia-
lizado incluem, mais soluções possíveis admitem. Além disso, em matéria de 
Fundap (Mérito e Flexibilidade) 17 17Fundap (Mérito e Flexibilidade) 17 17 22/2/2007 09:40:2922/2/2007 09:40:29
18 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
recursos humanos, essas soluções são quase sempre a médio ou longo prazo, 
o que obriga a adotar decisões cujo êxito ou fracasso não pode ser verifi cado 
imediatamente. Por outro lado, as questões que afetam as pessoas e seu traba-
lho costumam ser objeto de pontos de vista diferentes, que refl etem a diver-
sidade de interesses e valores dos grupos humanos afetados. O confl ito com 
freqüência faz parte da situação. A necessidade de harmonizar na medida do 
possível as preferências e expectativas de uns e outros obriga a assumir uma vi-
são não dogmática das coisas ou, o que dá no mesmo, um enfoque contingente 
das respostas. O peso do contexto, do situacional, é determinante, o que reduz 
o valor prescritivo do precedente e obriga a investir em diagnóstico. A capaci-
dade para ler adequadamente cada realidade concreta, com as singularidades e 
matizes que lhe são inerentes, é uma condição do sucesso.
Toda esta complexidade normalmente aumenta nos ambientes públicos 
pelo peso que a dimensão política tem neles. A gestão pública das pessoas é um 
território intrincado, onde é fácil perder-se. Este livro pretende fornecer ele-
mentos de orientação que tornem mais fácil transitar por esse território, mas 
não a qualquer preço. Não quisemos oferecer ao leitor uma viagem organizada, 
daquelas que levam a passar de um ponto a outro através de um itinerário pré-
fi xado, tornando mais cômoda a vida do viajante à custa de selecionar para ele 
umas poucas porções de realidade e apresentá-las superfi cialmente. Optou-se 
de forma deliberada por outro enfoque: aquele que tenta apresentar as coisas 
em toda a sua complexidade, procurando ao mesmo tempo oferecer as pistas 
e referências possíveis para facilitar uma leitura adequada da realidade nos di-
ferentes contextos. Assim, o livro é mais uma bússola ou, quando muito, um 
mapa, uma carta de navegação, que o viajante-leitor deverá usar segundo suas 
circunstâncias e conveniência.
O QUE O LIVRO CONTÉM E COMO FOI ORDENADO
Meu objetivo principal ao empreender a tarefa de escrever este livro era 
apresentar o modelo global de gestão pública das pessoas que venho utilizando 
e aplicando há anos na docência, na pesquisa e na consultoria, para projetar 
depois sobre ele uma análise das principais tendências de mudança que as or-
ganizações do setor público enfrentam em nossos dias. Na hora de fazer isso, 
deparei-me com a necessidade de contextualizar este propósito num quadro 
mais amplo: o da gestão das pessoas no setor público, qualquer que seja a natu-
reza destas, isto é, incluindo entre elas, de modo bem destacado, as empresas e 
organizações do setor privado.
Fundap (Mérito e Flexibilidade) 18 18Fundap (Mérito e Flexibilidade) 18 18 22/2/2007 09:40:2922/2/2007 09:40:29
19INTRODUÇÃO 
A essa fi nalidade foi dedicado o capítulo 1, cujo objetivo é oferecer uma 
panorama geral, obrigatoriamente sintético, dos aspectos e tendências apre-
sentados pela gestão dos recursos humanos nas sociedades atuais. Para chegar 
a esse ponto, foi necessário abordar primeiro uma série de mudanças cuja na-
tureza, de algum modo, faz com que precedam a gestão como tal; nos últimos 
anos elas transformaram substancialmente o universo do trabalho humano, 
tanto em sua dimensão formal como nos elementos intangíveis que fazem par-
te da relação de emprego. Portanto, em linhas gerais, descrevemos esse cenário 
cheio de paradoxos e claros-escuros, para, a partir dele, explorar as principais 
orientações que podem ser reconhecidas como tendências de fundo de nossa 
época, tanto na literatura da gestão como na prática empresarial. A noção de 
fl exibilidade, característica das abordagens contemporâneas à gestão das pes-
soas, aparece aqui pela primeira vez e nos acompanhará ao longo de todo nos-
so percurso posterior.
A introdução a esses conteúdos nos obrigava, por sua vez, a entrar na 
exploração do que o emprego público tem de específi co. A pergunta é: em que 
se apóiam, na realidade, os aspectos singulares, as diferenças que fazem com 
que as mudanças e as orientações de gestão mencionadas no primeiro capítu-
lo cheguem de forma distinta ou matizada às organizações do setor público? 
Desta questão vamos nos ocupar no capítulo 2, que apresenta e desenvolvea 
noção de função pública (tratada expressamente como sinônimo de “serviço 
civil”, termo mais usado em certas latitudes). Elucidar o que é e o que não é 
função pública nos parecia imprescindível para precisar até que ponto a gestão 
do emprego público e das pessoas que o integram deve ser entendida como um 
território singular.
É aqui que aparece e é desenvolvida a idéia do mérito e da necessida-
de de garanti-lo para tornar possível a existência de administrações profi ssio-
nais. O profi ssionalismo da administração pública é um atributo exigido tanto 
pela segurança jurídica como pela efi cácia dos serviços públicos, e requer um 
conjunto de arranjos institucionais que a preservem e a protejam. Determinar 
onde termina neles a proteção dos bens de interesse geral e onde começa a dos 
privilégios corporativos dos funcionários será uma questão que teremos que 
elucidar em cada caso. Nesse capítulo é examinada a natureza distinta desses 
arranjos em diferentes países e ambientes, e são apresentados assim os traços 
básicos dos diferentes modelos de função pública.
Este parecia o ponto adequado para expor o modelo de gestão que esta-
mos propondo. A isso dedicamos o capítulo 3. Nele, defi nimos a gestão dos 
recursos humanos como um sistema integrado, colocado a serviço da estraté-
gia organizacional, cujo objetivo é produzir resultados que estejam de acordo 
Fundap (Mérito e Flexibilidade) 19 19Fundap (Mérito e Flexibilidade) 19 19 22/2/2007 09:40:2922/2/2007 09:40:29
20 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
com ela. Conseguir essa sintonia estratégica é particularmente complicado nos 
ambientes públicos, cujas características de ambigüidade e instabilidade con-
duzem ao “dilema da estratégia”, que abordamos neste ponto – e que constitui 
sem dúvida o principal obstáculo que o gestor público encontra em sua tarefa.
Por outro lado, falar de resultados obriga-nos a precisar primeiro o alcan-
ce da noção e a explorar depois os elementos que relacionam as pessoas com os 
resultados. As políticas e práticas de gestão das pessoas produzem resultados 
graças a seu impacto sobre duas variáveis principais: o dimensionamento dos 
recursos humanos, de um lado, e o comportamento dos indivíduos, de outro. 
Por sua vez, a infl uência sobre esta segunda variável – a conduta das pessoas no 
trabalho – se desenvolve por meio da gestão de dois fatores básicos: as compe-
tências das pessoas e sua vontade de esforço ou motivação. São desenvolvidas 
nesse capítulo todas estas noções, inseridas nos cenários característicos da ges-
tão pública, e, por último, são descritos, também a partir dessa perspectiva, os 
principais fatores situacionais que exercem infl uência em tudo isso.
A apresentação do modelo continua no capítulo 4, que o desenvolve por 
meio da apresentação de sete subsistemas básicos: os de planejamento, organi-
zação do trabalho, gestão do emprego, desempenho, compensação, desenvol-
vimento e relações humanas e sociais. Foi acrescentada uma parte dedicada à 
organização da função de recursos humanos. Para cada um desses subsistemas, 
descreve-se em primeiro lugar seu objetivo ou fi nalidade fundamental, e de-
pois detalham-se as relações existentes com os demais subsistemas, seguindo 
a orientação integrada à que fi zemos referência. A seguir, identifi cam-se os 
processos e práticas nos quais eles se desdobram para alcançar suas fi nalidades. 
Foi incorporada para cada subsistema uma relação de pontos críticos, enuncia-
dos como proposições de boa prática em cada um dos campos abordados, que 
pode ser utilizada como instrumento de comparação na análise e avaliação de 
experiências concretas de gestão. Finalmente, foram incluídas considerações 
específi cas que a análise de cada subsistema deve levar em conta.
Depois de apresentado o modelo de gestão, o passo seguinte é identifi car 
as tendências de mudança que estão sendo produzidas nos sistemas e organi-
zações do setor público de nossa época. As últimas duas décadas foram o cená-
rio de numerosas transformações na gestão pública das pessoas, especialmente 
nos países do mundo desenvolvido. Dessas reformas, cujo alcance e profundi-
dade têm sido bastante desiguais, assim como das dinâmicas abertas por elas, 
ocupamo-nos no capítulo 5. De novo, o lema da fl exibilidade nos aparece aqui 
como um fi o condutor de boa parte das orientações de mudança. Para apresen-
tá-las, começamos descrevendo o diagnóstico que lhes deu fundamento, cujos 
conteúdos se inserem nas orientações próprias do discurso pós-burocrático 
Fundap (Mérito e Flexibilidade) 20 20Fundap (Mérito e Flexibilidade) 20 20 22/2/2007 09:40:3022/2/2007 09:40:30
21INTRODUÇÃO 
ou gerencialista da chamada “nova gestão pública”. Abordamos depois o sen-
tido das mudanças, detalhando as estruturas e políticas que têm sido objeto 
preferencial das transformações, assim como a direção e o alcance destas nos 
diferentes cenários institucionais, e concluímos com uma série de refl exões a 
título de balanço.
Algumas das mudanças identifi cáveis nas reformas mencionadas conver-
gem para um tema ao qual, por sua especial importância para a gestão pública 
contemporânea, demos um tratamento diferenciado. Trata-se do surgimento, 
desenvolvimento e consolidação da gerência pública ou direção pública pro-
fi ssional. Dedicamos a esse tema o capítulo 6, no qual, depois de descrever o 
fenômeno e seu signifi cado, no contexto das reformas da gestão pública antes 
apontadas, fazemos nosso o modelo de exercício da função dirigente divulga-
do por Mark Moore e seus colegas da Kennedy School de Harvard, e tentamos 
defi nir as bases por meio das quais ele pode ser incorporado ao desenho ins-
titucional dos sistemas públicos. Apresentamos para isso um quadro de res-
ponsabilidade voltado para a direção pública, integrado por quatro elementos 
básicos: um âmbito discricionário, um sistema de controle e prestação de con-
tas, um regime de prêmios e sanções, e um conjunto de valores de referência. 
Abordamos em seguida a nada fácil tentativa de identifi car um espaço dirigen-
te profi ssional, o que nos leva a explorar a delimitação entre cargos políticos e 
dirigentes, para o que propomos um modelo contingente baseado na análise de 
quatro variáveis básicas. O capítulo termina com uma refl exão a respeito das 
áreas nas quais se deveria intervir para alcançar um grau aceitável de institu-
cionalização da gerência pública.
O capítulo 7 e último é dedicado à identifi cação dos principais desafi os 
oferecidos atualmente pela gestão das pessoas nas organizações do setor pú-
blico. Isso obriga a examinar, de saída, uma das situações possíveis: a de uma 
eventual minimização progressiva do emprego público como conseqüência da 
tendência de privatizar a gestão dos serviços públicos, o que sem dúvida tira-
ria importância dos esforços voltados para reformá-lo. Descartada essa opção, 
e argumentada a necessidade decorrente de investir na melhora dos sistemas 
públicos de gestão do emprego e dos recursos humanos, abordam-se alguns 
eixos prioritários de intervenção, ordenados pelos diferentes subsistemas que 
foram descritos anteriormente. Alude-se depois à mudança nas regras do jogo, 
tanto formais como informais, que essas mudanças exigem. Por último, inclui-
se uma parte destinada a explorar os desafi os do futuro, passando em revista 
primeiro as competências que será necessário incorporar e desenvolver nos 
sistemas públicos, para concluir enunciando os temas que estão convocados a 
confi gurar a agenda dos próximos anos.
Fundap (Mérito e Flexibilidade) 21 21Fundap (Mérito e Flexibilidade) 21 21 22/2/2007 09:40:3022/2/2007 09:40:30
22 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
O livro fi naliza com um breve epílogo para onde convergem dois grandes 
eixos, em torno dos quais se dá a refl exão de fundo, ou seja, os dois atributos 
essenciais que, a nosso ver, devem ser incorporados por qualquer sistema pú-
blico de gestão das pessoas: mérito e fl exibilidade. A idéia que articula esta 
refl exão final é que ambos os componentes devem ser tratados como dois prin-
cípios condutores complementares que, longe de competir entre si, se reforcem 
reciprocamente.
Como ler este livro? Para quem disponha de tempo e interesse, a reco-
mendação é que o faça pela ordem em que acabamos de apresentar o conteúdo. 
Afi nal, é a forma pela qual organizamos nossas idéias e construímos o discurso 
subjacente aos diferentes temas. No entanto, não é a única maneira possível de 
fazê-lo e, portanto, sugerimos outras opções.
O leitor interessado em conhecer imediatamente o marco conceitual em 
que se assenta nossa visão do assunto pode começar a leitura diretamente pelo 
capítulo 3 e completá-la com a do 4. A partir daí, fi ca a seu critério, se desejar, 
selecionar, nos demais capítulos que integram o sumário, aquelas matérias que 
despertem especialmente seu interesse, sem que a ordem em que o faça acarre-
te, a nosso ver, maiores problemas de compreensão.
Por sua vez, os leitores cujo interesse principal prescinda dos aspectos 
mais teóricos e se concentre nas tendências de mudança no emprego público, 
podem começar pelo capítulo 5, continuar com a primeira parte do 6 – a que 
apresenta a eclosão da administração pública – e terminar com o 7. Se dispu-
serem de um pouco de tempo, provavelmente lhes será útil ler antes o primeiro 
capítulo, destinado, como dissemos, a situar as mudanças num contexto mais 
amplo que o do setor público em sentido estrito.
Em todo caso, se um leitor, qualquer que seja a seqüência escolhida, de-
seja aprofundar a noção de mérito, que é, como temos dito, um dos elementos 
básicos de qualquer sistema de gestão pública das pessoas nos estados demo-
cráticos de direito, encontrará no capítulo 2 os modelos conceituais e os argu-
mentos correspondentes.
Fundap (Mérito e Flexibilidade) 22 22Fundap (Mérito e Flexibilidade) 22 22 22/2/2007 09:40:3022/2/2007 09:40:30
1. A GESTÃO DAS PESSOAS 
NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS
Este primeiro capítulo destina-se a apresentar um panorama geral das 
principais tendências atuais da gestão do emprego e dos recursos humanos. 
O propósito é caracterizar a situação global em que hoje se situa o emprego 
público, cuja gestão constitui a refl exão principal do livro. Os aspectos e as 
orientações aqui descritos pretendem, portanto, servir de referência ou de con-
traponto a esse assunto central. A necessidade de apresentar uma realidade 
multifacetada e complexa num espaço limitado obriga a desenhar este pano de 
fundo com uma técnica de grandes traços, ou seja, a dar prioridade à síntese 
em lugar da profundidade analítica, à concisão em vez da riqueza expositiva. 
Tudo isso priva inevitavelmente o resultado de desenvolvimentos e de matizes 
que teriam exigido uma extensão maior.
A NOVA PREEMINÊNCIA DAS PESSOAS
Entre os numerosos trabalhos que nos últimos anos tratam de interpretar 
as mudanças sociais, tentando vislumbrar o futuro das sociedades e de suas 
organizações, seria difícil encontrar algum que não tenha destacado o valor do 
fator humano. Na nossa época, pelo menos para aqueles que escrevem sobre 
ela, as pessoas importam. Desde a sobrevivência ou o crescimento empresa-
rial até a própria competitividade das nações, os grandes objetivos de qualquer 
projeto coletivo contemporâneo parecem depender em boa medida da correta 
provisão, desenvolvimento e utilização do capital humano. A preeminência das 
pessoas é destacada por abordagens de caráter muito diferente. Os enfoques 
quantitativos costumam colocar ênfase na magnitude do investimento e na ne-
cessidade de garantir taxas de retorno adequadas. As abordagens qualitativas 
sublinham mais a conexão dos recursos humanos com a produção de vanta-
gens competitivas, destacando seu vínculo com o desenvolvimento do conhe-
cimento, a inovação tecnológica e a gestão da complexidade; fatores, todos eles, 
determinantes do sucesso das empresas e das sociedades atuais.
Os livros e revistas de management repercutem esta coincidência e têm 
sido o veículo de uma abundante produção teórica que revalorizou a gestão das 
pessoas, entronizando-a entre as práticas empresariais de valor estratégico. A 
importância do ativo humano tem fundamentado orientações de mudança que 
Fundap (Mérito e Flexibilidade) 23 23Fundap (Mérito e Flexibilidade) 23 23 22/2/2007 09:40:3022/2/2007 09:40:30
24 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
atravessam a estrutura da empresa em todas as direções. Para cima, aumentan-
do as opções básicas relacionadas com as pessoas no nível das decisões estra-
tégicas. Para os lados, produzindo transferências de responsabilidade a partir 
das unidades especializadas até a linha de comando. Para baixo, por meio de 
processos de delegação (empowerment) destinados a incrementar o poder de 
decisão nos níveis em que se produz a interação com o mercado. Paralelamen-
te, e congruentemente com tudo isso, as políticas de pessoas se orientam para 
a gestão do talento e o compromisso dos indivíduos. Dispor dos melhores a 
cada momento e alinhar seus objetivos vitais com os da empresa passam a ser 
os objetivos centrais.
Sem dúvida, em toda esta explosão há infl uências da moda, como tantas 
vezes ocorre no mundo da gestão empresarial. Com freqüência, as invocações 
retóricas da importância das pessoas maquiam apenas práticas de gestão que as 
desmentem contundentemente. Perto de nós, o número de pessoas em trabalho 
precário e em aposentadoria antecipada e prematura seria uma mostra disso. 
O desperdício desse ativo humano supostamente estratégico é ainda mais evi-
dente nos abundantes exemplos de redução de pessoal ou downsizing que nos 
últimos anos têm proliferado em muitas empresas do mundo desenvolvido.
Freqüentemente, tais processos têm sido menos uma resposta a situações 
de crise, ou medida de estrito saneamento de custos, e mais a conseqüência de 
sucessivas operações de reengenharia destinadas à eliminação de qualquer apa-
rência de gordura, resultante das cifras de pessoal. São fatos que deixam patente 
o sucesso conseguido por uma visão de “empresa fl exível”, que interioriza uma 
obsessão por converter todas as pessoas, e a todo momento, em custo variável. 
A vinculação dos incentivos (compensação, carreira etc.) da alta direção das 
empresas à rentabilidade econômica a curto prazo, característica da fi losofi a de 
gestão que coloca ênfase na “criação de valor para o acionista”, ou a utilização 
de técnicas contábeis EVA (Valor Econômico Agregado), que ponderam nos 
resultados o custo de oportunidade dos ativos fi xos utilizados, criaram nos ges-
tores a tendência a evitar qualquer investimento de caráter estrutural (Cappelli 
e outros, 1997, p. 38 e seguintes.), acentuando assim essas tendências.
Em geral, a tensão entre a visão de médio e de longo prazo exigida pelas 
políticas de recursos humanos e a lógica reativa e a curto prazo com que são 
adotadas habitualmente as decisões nos turbulentos ambientes empresariais de 
nossos dias é uma fonte de difi culdades para aqueles que querem situar as pes-
soas no centro do cenário. Por sua vez, explica porque essa nova preeminência 
das pessoas não é tanto uma característica comum, generalizável às empresas 
atuais, e sim um traço diferenciador daqueles projetos empresariais com autên-
tica vocação de sustentabilidade. Só quando se busca o sucesso a longo prazo é 
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25A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS 
que se está disposto a avaliar adequadamente investimentos que, como ocorre 
com freqüência com os de capital humano, oferecem um retorno consideravel-
mente demorado no tempo.
Ainda mais contraditórias com as alegações de centralidade do capital 
humano são as operações de cirurgia de dotações, cuja fi nalidade é puramen-
te o incremento conjuntural da capitalização na bolsa. Como soube ver Sen-
nett (2000, p. 52), o mero anúncio da reorganização de uma empresa eleva 
o valor da ação.Quando se incluem drásticas reduções de pessoal, a efi cácia 
do fenômeno é ainda maior. O acesso a cotas estratégicas da propriedade 
das empresas por parte de “investidores institucionais” – cujo interesse não 
é promover projetos empresariais sustentáveis mas especular a curto prazo 
nos mercados de capitais – favorece a ampliação do fenômeno. Assim, temos 
observado às vezes, nos últimos anos, como esses anúncios de redução são 
impudicamente divulgados, justamente nas épocas de maior bonança nos re-
sultados empresariais.
De qualquer modo, sem negar o quanto de contraditório tem a situação 
exposta, a centralidade estratégica das pessoas nas organizações contempo-
râneas abre caminho para além da retórica do fashion management e de seu 
aproveitamento por mero interesse. O volume de recursos de diversas origens 
aplicado pelas empresas à gestão dos recursos humanos cresceu signifi cativa-
mente. A posição interna da função de recursos humanos cresceu de nível e 
status organizacional. A consultoria estratégica de recursos humanos tem se 
consolidado como um setor de serviços profi ssionais em alta, para além das 
oscilações conjunturais derivadas do ciclo econômico. Novas práticas de ges-
tão, impregnadas dessa atribuição de valor ao ativo humano, abrem caminho 
na realidade de muitas empresas.
Quais são essas orientações emergentes da gestão das pessoas? Até que 
ponto questionam paradigmas enraizados no funcionamento e na cultura das 
organizações? Antes de tentar um esboço de resposta a estas questões, parece 
necessário examinar algumas mudanças importantes produzidas, ao longo dos 
últimos anos, no mundo do trabalho.
AS MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO
Um conjunto de mudanças de amplo alcance alterou ao longo das duas 
últimas décadas, nas economias e nas sociedades do mundo desenvolvido, o 
contexto do trabalho humano (Bridges, 1995; Giarini e Liedtke, 1996; Brews-
ter e outros, 1997; Cappelli e outros, 1997; Fundación Encuentro, 1998; Pfeff er, 
Fundap (Mérito e Flexibilidade) 25 25Fundap (Mérito e Flexibilidade) 25 25 22/2/2007 09:40:3022/2/2007 09:40:30
26 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
1998b; Navarro, 1999; Sennett, 2000; Beynon e outros, 2002). São transforma-
ções que não advêm, no entanto, de uma causa única. O vertiginoso desen-
volvimento tecnológico, especialmente o produzido no campo da informação 
e das comunicações, mas também aquele que afetou a biogenética e as fontes 
energéticas, tem sido sem dúvida um dos fatores decisivos. A mundialização 
dos intercâmbios de toda ordem, a maciça incorporação das mulheres ao tra-
balho, assim como a crise dos valores da modernidade, que desde a revolução 
industrial e durante muitas décadas formaram o substrato cultural das empre-
sas e das sociedades, são também fatores poderosos de mudança, amplamente 
destacados pela literatura sociológica contemporânea.
As transformações às quais nos referimos afetaram tanto a estrutura das 
relações no ambiente de trabalho (entendendo como tal o conjunto de elemen-
tos formais ou formalizáveis dessas relações), como a cultura subjacente, isto é, 
os aspectos intangíveis: modelos mentais, valores dominantes, normas de con-
duta etc. São mudanças de amplo espectro, que afetam as formas pelas quais as 
pessoas têm acesso ao mercado de trabalho, a sua experiência sobre o processo 
de trabalho e suas expectativas sobre segurança no emprego (Beynon e outros, 
2002, p. 297). Enunciamos a seguir alguns dos aspectos que nos parecem mais 
destacáveis.
O contrato de trabalho: em direção ao fi m do taylorismo
A uniformidade e padronização que caracterizava a relação de emprego 
da era industrial tornou-se em nossos dias diversidade e fl exibilidade. Os pro-
dutos ou serviços podem ser produzidos e distribuídos através de redes globais 
(Giarini e Liedtke, 1996, p. 194), o que criou uma tendência à redefi nição e 
descentralização do lugar de trabalho. Os desenhos empresariais na rede esti-
mulam o surgimento de novas modalidades de articulação das relações entre a 
organização e o trabalhador. O trabalho itinerante ou a distância abre caminho 
como uma fórmula que pode ser útil para ambas as partes. A redução de custos 
empresariais em infra-estrutura e espaço físico combina-se, para o trabalha-
dor, com a disponibilidade fl exível do próprio tempo, tão conveniente para os 
novos modelos de vida pessoal e familiar.
Freqüentemente, essa remodelação do tecido contratual se fundamenta 
numa distinção entre trabalhadores essenciais, os que são vitais para produzir 
a vantagem competitiva a longo prazo e a sobrevivência da organização, e que 
portanto devem estar permanentemente empregados; e trabalhadores periféri-
cos, aqueles cujos postos são menos importantes para a empresa e cujas habi-
Fundap (Mérito e Flexibilidade) 26 26Fundap (Mérito e Flexibilidade) 26 26 22/2/2007 09:40:3022/2/2007 09:40:30
27A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS 
lidades podem ser compradas com maior facilidade externamente (Hegewish, 
1999, p. 115), o que os sujeita com freqüência a políticas de alta rotatividade.
Como conseqüência de tudo isso, o binômio dependência/autonomia do 
trabalho por conta alheia começa a ser conjugado de formas muito diversas. 
Múltiplos tipos de relação de emprego, nos quais os mecanismos de prestação e 
contraprestação se diversifi cam, substituem o contrato de trabalho tradicional. 
Os contornos dessas relações se esfumam e dão lugar a fi guras – o trabalhador 
autônomo, o emprego em tempo parcial, o trabalhador designado através de 
uma empresa de trabalho temporário, o consultor de processos – que coexis-
tem no ambiente de trabalho com os empregados que mantêm relações formais 
mais convencionais. O diretor de recursos humanos de nossos dias começa a 
não saber com clareza quem deve ser convidado para a festinha de fi m de ano.
O enfraquecimento do emprego estável
Esse novo contrato de trabalho tende a perder uma parte considerável 
da estabilidade que o caracterizava. As conseqüências deste fato são de grande 
importância. Para compreender todo o seu alcance, é preciso recorrer à noção 
de “contrato psicológico”, entendido como o equilíbrio intangível subjacente à 
articulação formal da relação de emprego, e que se materializa no conjunto de 
percepções tácitas que são interiorizadas pelas partes dessa relação.
O contrato psicológico subjacente à relação de trabalho da era industrial 
podia ser esquematizado como “lealdade em troca de segurança”. O trabalha-
dor entregava seu esforço e se comprometia com os interesses e objetivos de 
sua empresa, que em contrapartida lhe assegurava trabalho estável e perspecti-
vas de progresso profi ssional. Certamente, esse esquema básico admitia modu-
lações em função do tipo e da cultura da empresa, que acentuavam ou diluíam 
o substrato paternalista do modelo, mas o núcleo deste podia ser considerado 
comum. A aspiração do trabalhador era encontrar “uma boa empresa”, ou seja, 
aquela que mais se ajustava ao padrão defi nido. Por sua vez, o empregador se 
esforçava por estimular no trabalhador o sentido de pertinência que caracteri-
za uma relação deste tipo.
Em nossos dias, esse edifício contratual desabou estrepitosamente. O 
trabalho para toda a vida praticamente desapareceu do horizonte de nossos 
trabalhadores, em especial dos mais jovens. A expectativa temporária de uma 
vida de trabalho se torna muito mais duradoura que o primeiro posto de tra-
balho, e provavelmente mais que a própria empresa na qual se encontra o 
primeiro emprego. O ajuste entre a pessoa e o emprego se descentraliza, passa 
Fundap (Mérito e Flexibilidade) 27 27Fundap (Mérito e Flexibilidade) 27 27 22/2/2007 09:40:3122/2/2007 09:40:31
28 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
a ser uma responsabilidade transferida exclusivamente ao indivíduo. Já se fo-
ram os dias – afi rma Supiot (2001) – em que as organizações empregadoras 
aceitavam de bom grado que, como compensação por assumir o controle e 
a direção da vida das pessoas, elas deviamassumir alguma responsabilidade 
sobre o emprego futuro e a segurança salarial de seus empregados. As pessoas 
encaram o trabalho, cada vez mais solitariamente, como um itinerário no qual 
a mudança de empregador será inevitável, o que provavelmente implicará ad-
ministrar várias vezes, no percurso, processos de ajuste que terão o mercado 
de trabalho como cenário.
O conceito que para alguns (Waterman e outros, 2000, p. 403) simbo-
liza a nova relação, e redefi ne o contrato psicológico entre as organizações e 
seus empregados é o de empregabilidade, que signifi ca (Pfeff er, 1998b, p. 162) 
que as empresas proporcionam trabalhos interessantes que ajudarão o traba-
lhador a desenvolver sua capacidade, mas não prometem uma permanência 
a longo prazo no posto. Em seu lugar, a única promessa é que a experiência e 
as habilidades adquiridas irão abrir-lhe melhores possibilidades de encontrar 
emprego quando tiver necessidade de um novo. Como afi rma Bridges (1995, 
p. 76), nessa nova relação a esfera do posto de trabalho, de ambos os lados da 
fronteira da organização, converte-se num mercado; manter alto seu valor de 
mercado será uma preocupação fundamental do trabalhador nos cenários do 
futuro. As “boas empresas” de nossos dias não seriam já as que prometem uma 
estabilidade que não está ao seu alcance, mas aquelas que garantem a manu-
tenção e o desenvolvimento de uma alta empregabilidade, ou que pelo menos 
facilitam, caso necessário, a recolocação de seus empregados excedentes, utili-
zando para isso os numerosos serviços de outplacement que começaram a ser 
oferecidos pela consultoria de recursos humanos. A capacidade de adquirir 
novos conhecimentos e habilidades será um ingrediente básico da emprega-
bilidade. Processos contínuos de aprendizagem e desaprendizagem serão, por 
isso, consubstanciais em tais cenários.
Do homo faber ao homo sapiens
A entrada na sociedade do conhecimento pressupôs a conversão do ta-
lento das pessoas num ativo crucial para as organizações (Obeso, 1999, p. 23 
e seguintes). Este fato implica, por um lado, uma perda de peso do trabalho 
menos qualifi cado, que tende a mecanizar-se ou a ser providenciado fora. Por 
outro lado, tornou prioritária a captação e o desenvolvimento de trabalhadores 
qualifi cados, freqüentemente portadores da vantagem competitiva, cuja gestão 
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exige formas e métodos muito diferentes dos que têm caracterizado as buro-
cracias empresariais da era industrial. A capacidade de atrair, reter e motivar o 
talento impõe-se como um fator diferenciador da gestão contemporânea dos 
recursos humanos. A construção de uma boa “marca de empregador” con-
centra já os esforços daquelas empresas que perceberam que é necessário ser 
competitiva no mercado do trabalho qualifi cado para sê-lo também naquele 
mercado para o qual produzem seus bens ou serviços.
O que acabamos de dizer não pode nos levar a ignorar, se não quere-
mos incorrer numa evidente simplifi cação da realidade, a existência de nu-
tridos mercados periféricos de trabalho, nos quais se realizam as transações 
que afetam a mão-de-obra de inferior qualifi cação. A necessidade de gerenciar 
adequadamente tanto a relação com esses mercados como as pessoas que nu-
trem esse segmento dos recursos humanos não pode ser ignorada. Esquecer 
dos “normais” – lembra Serlavós (1996, p. 10) –, sobre os quais descansa a res-
ponsabilidade de assegurar e dar continuidade aos “primeiros da classe”, é um 
erro pelo qual os gestores de pessoas costumam pagar muito caro.
Por isso, a idéia, amplamente difundida e divulgada, de que as empresas 
começaram a travar uma “guerra pelo talento”, não está isenta de contestações. 
Pfeff er (2001, p. 249 e seguintes) chama atenção para elas, destacando os se-
guintes possíveis efeitos negativos dessa orientação: a) a ênfase no rendimento 
individual (glorifi car as “estrelas”) pode criar concorrência interna destrutiva 
e enfraquecer o trabalho de equipe; b) exaltar os talentos dos de fora pode su-
bestimar os de dentro; c) pode produzir um efeito de profecia auto-cumprida, 
conseguindo fazer com que certas pessoas cheguem a ser menos capazes de-
pois de terem recebido sistematicamente menos atenção e recursos; d) tende a 
minimizar a importância das questões de ordem sistêmica e cultural e dos pro-
cessos empresariais freqüentemente mais importantes para o sucesso do que 
o fato de encontrar o melhor, e e) pode desenvolver uma atitude arrogante e 
auto-satisfeita (já ganhamos a guerra, o melhor pessoal é o nosso) que deteriore 
signifi cativamente a capacidade de percepção objetiva da própria organização.
De qualquer modo, é indiscutível a afi rmação de que em nossa época 
o talento das pessoas conta. Especialmente se não limitarmos nossa visão do 
talento à mera posse de conhecimento. O verdadeiro homo sapiens de nossos 
dias é aquele que, além de possuir conhecimento, dispõe da capacidade para 
contextualizá-lo, recriá-lo, aplicá-lo, codifi cá-lo, difundi-lo e compartilhá-lo. 
O que nos leva a um paradoxo, mais um, num universo como o do trabalho 
contemporâneo, repleto deles: nunca o conhecimento foi tão importante como 
hoje, e nunca como hoje, por contraditório que possa parecer, os componentes 
propriamente cognitivos do talento humano precisam ser, no entanto, mati-
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zados e relativizados. Os conhecimentos devem estar vinculados à posse de 
qualidades sem as quais não produzem sucesso no trabalho. Como veremos a 
seguir, nas situações de trabalho atuais a noção de qualifi cação se enriquece, 
deixa de identifi car-se com os conhecimento técnicos especializados e se es-
tende (Dalziel, 1996, p. 32 e seguintes) a um conjunto mais amplo de compe-
tências, no qual outras características humanas, especialmente as que possuem 
uma dimensão relacional, adquirem, cada vez mais, um signifi cado determi-
nante (Longo, 2002).
Os paradoxos de um mercado de trabalho global
Os países europeus têm vivido nos últimos anos um crescimento signifi -
cativo do desemprego, que se converteu na principal preocupação dos governos 
(Conselho Europeu, 1997). Alguns países, dos quais a França é o exemplo mais 
destacado, desenvolveram planos nos quais o setor público desempenhava um 
papel relevante nos processos de aprendizagem e inserção no trabalho, ligados 
a novas oportunidades de emprego. Ainda hoje, na Espanha, o desemprego é, 
de longe, como revelam as pesquisas, a principal preocupação dos cidadãos.
Paralelamente, e de modo paradoxal, o crescimento da demanda de em-
pregados qualifi cados excedeu, às vezes muito, a capacidade do mercado de 
trabalho para provê-los. A crise generalizada dos sistemas educacionais acen-
tuou esse desajuste que, embora tenha afetado principalmente os trabalhadores 
do conhecimento, acabou estendendo-se a setores de qualifi cação média da 
indústria e dos serviços, insufi cientemente nutridos pelos sistemas regrados 
de educação profi ssional. Estudos recentes (Jiménez e outros, 2002) prognosti-
cam para a Espanha, em poucos anos, como conseqüência principalmente da 
queda demográfi ca, um excedente de postos de trabalho oferecidos em todos 
os setores da atividade econômica. Se isso for certo, estaríamos, por contra-
ditório que possa parecer em relação ao quadro atual, diante de uma situação 
iminente de endurecimento da concorrência entre as empresas no mercado 
de trabalho, especialmente no que se refere, como já dissemos, à captação de 
pessoal qualifi cado.
Esta concorrência se desenvolve num mercado cada vez mais global, o 
que acentua seus aspectos mais paradoxais. Embora em alguns casos vejamos 
um acirramento, como apontávamos, da concorrência entre empregadores 
pela captação e retenção de talento, emoutros – onde a interface entre tarefas 
e qualifi cações o permite – o que fi ca acirrado é a concorrência entre países e 
territórios pela captação das empresas, utilizando o custo do trabalho como 
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elemento diferenciador. As práticas do que vem sendo chamado de dumping 
social (manutenção de salários baixos e condições de trabalho precárias para 
atrair investimentos) e os processos de “des-localização” de empresas (mudan-
ças de sedes e de pessoal, à procura de custos de trabalho mais baixos) são fe-
nômenos característicos dessas situações. Alguns especialistas têm destacado o 
efeito de tudo isso sobre o recorte dos direitos trabalhistas e o enfraquecimento 
da posição dos sindicatos (Giarini e Liedtke, 1996, p. 223).
A reordenação do tempo de trabalho
A dimensão temporal do emprego passou para o centro do cenário, re-
estruturando as relações de trabalho (Supiot, 2001). No contexto empresarial 
fala-se de um novo sistema de concorrência centrado na economia do tempo, 
que leva em conta o tempo empregado para produzir bens, para inovar e para 
comercializar novos produtos e serviços (Beynon e outros, 2002, p. 122).
A importância do tempo de trabalho vem se fundamentando num conjun-
to de dinâmicas diferentes, e nem sempre interrelacionadas, que afetam tanto o 
sistema produtivo como o sistema social. Por um lado, os novos ambientes da 
empresa vêm exigindo, cada vez mais, uma capacidade fl exível de resposta que 
as regulações padronizadas da jornada de trabalho não facilitam (Brewster e 
outros, 1997). As jornadas anualizadas – os contratos fazem constar um núme-
ro anual de horas de trabalho, permitindo certas fl utuações no horário mensal 
ou semanal para adaptar-se aos fl uxos de demanda, estoques etc. –, as reservas 
de horas para trabalho imprevisto ou sazonal, a compensação de horas extras 
por tempo livre ou simplesmente o prolongamento não remunerado da jorna-
da de trabalho – a mais comum e freqüentemente esquecida (Hegewish, 1999, 
p. 125) das modalidades de fl exibilidade temporária – têm sido, entre outras, as 
fórmulas cada vez mais utilizadas nessa direção. Por sua vez, a reordenação do 
tempo de trabalho abriu caminho para melhoras de produtividade que funda-
mentaram algumas tentativas de redução da jornada de trabalho, nos moldes 
das políticas públicas de luta contra o desemprego. Um modelo de novo pacto 
social chegou a desenhar-se em torno da organização de tempo de trabalho. A 
França foi o país que apostou mais forte nisso, embora as mudanças políticas 
tenham levado a uma certa reconsideração da iniciativa.
Os processos de mudança neste campo foram acelerados, por outro lado, 
por fenômenos como a maciça incorporação da mulher ao trabalho, ou as ne-
cessidades, que têm aumentado, de conciliar o trabalho com a vida pessoal e 
familiar, que estimularam modalidades de trabalho em tempo parcial, a dis-
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tância, e outras (Fundación Encuentro, 1998, p. 174; Giarini e Liedtke, 1996, 
p. 236 e seguintes). Esta não foi, no entanto, uma tarefa fácil. Para alguns es-
pecialistas, os trabalhadores devem se esforçar hoje mais por conservar seus 
empregos e por manter seu próprio tempo privado e familiar separado daquele 
que oferecem ao seu empregador (Perrons, 1998). Por sua vez, Sennett (2000, 
p. 61) destacou o caráter contraditório da fl exibilização do tempo de trabalho, 
aparentemente desenvolvido de forma mais livre, mas igualmente controlado, 
embora de forma diferente: “Nas instituições, e para os indivíduos, o tempo 
foi liberado da jaula de ferro do passado, mas está sujeito a novos controles e a 
uma nova vigilância vertical”.
Tudo isso levou, nesse terreno, a processos de ajuste, nem sempre fáceis, 
entre as necessidades empresariais e as preferência pessoais dos trabalhadores, 
cujo resultado tem sido, em geral, uma ampla diversifi cação e fl exibilização dos 
modelos de jornada, que perderam uma boa parte da uniformidade e imuta-
bilidade que caracterizava a ordenação dos tempos de trabalho nas empresas 
da era industrial.
A empresa diversa, multicultural e individualizada
A globalização rompe as barreiras e intensifi ca os movimentos da força de 
trabalho através das fronteiras nacionais. Esta intensifi cação dos fenômenos mi-
gratórios está transformando aspectos substanciais das sociedades contemporâ-
neas, especialmente no primeiro mundo. A plena incorporação das mulheres ao 
trabalho se une ao surgimento de minorias sociais em atividades produtivas que 
antes lhes eram vedadas. Numerosas e diferentes identidades grupais coabitam 
nos mesmos ambientes de trabalho. A Divisão de Assuntos Econômicos e So-
ciais das Nações Unidas inclui, na noção de diversidade social na esfera do tra-
balho, as diferenças de gênero, raça, etnia, religião, orientação sexual e aptidão 
psicofísica, assim como as que emanam do substrato e dos status familiar, eco-
nômico, educacional e geográfi co (Undesa-IIAS, 2001, p. 1). Certamente, não 
estamos mais falando apenas de fatos que afetam os níveis baixos da estrutura 
de tarefas das organizações, mas que começam a apresentar, como é inevitável 
num mundo globalizado, traços que se introduzem na gestão de profi ssionais e 
dirigentes e que atravessam toda a organização do trabalho.
Estas situações transferem para a gestão das pessoas novas perguntas, a 
saber: como minimizar os aspectos negativos da diversidade sobre a capaci-
dade dos grupos humanos para satisfazer as necessidades de seus membros e 
funcionar com efi cácia? Como, paralelamente, maximizar os efeitos positivos 
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da diversidade sobre a criatividade, a qualidade das decisões e a maior partici-
pação na governabilidade organizacional? Como reduzir as diferenças entre os 
grupos de identidade concorrentes no lugar de trabalho e destacar os interesses 
comuns, ao mesmo tempo em que se avaliam e se apreciam as contribuições 
originadas justamente da diversidade social? Como assegurar uma adaptação 
rápida e sufi ciente das políticas e práticas de pessoal a fi m de garantir que o tra-
balho se converta num ambiente acolhedor para empregados que no passado 
fi cavam excluídos? (Ospina, 2001, p. 21).
A gestão da diversidade passa a converter-se assim num imperativo orga-
nizacional e num novo desafi o para os gestores. Por sua vez, incorpora novas 
oportunidades, que não devem ser ignoradas. A fl exibilidade funcional exigi-
da pela empresa atual, como assinalaremos mais adiante, requer a diversidade 
funcional, ou seja, a diversifi cação de características humanas relevantes para 
o desempenho, tais como as diferenças em conhecimentos, habilidades, capa-
cidades, valores, atitudes, personalidade e estilos cognitivos e de conduta. Pois 
bem, alguns especialistas têm destacado que a diversidade funcional se nutre 
em boa medida da diversidade social, enquanto a resistência a admiti-lo reduz 
as oportunidades de encontrar as pessoas mais adequadas no momento devido 
(Schneider e Northcraft , 1999).
Trata-se de fenômenos que, como outros que temos apontado, não só 
requerem uma atenção específi ca e o desenvolvimento de um instrumental 
de gestão ad hoc, como, principalmente, uma mudança de modelos mentais. 
Provavelmente, a própria noção de identidade grupal começa a fi car para nós 
insufi ciente para explicar a verdadeira diversidade da empresa contemporânea. 
A expressão “empresa individualizada” (Ghoshal e Bartlett, 1997) fala-nos de 
um passo a mais: o necessário para destacar o indivíduo como o verdadeiro 
protagonista da diversidade no trabalho. No fundo,o que está acontecendo é 
que o trabalho humano deve começar a ser visto como um território povoa-
do por pessoas, cada uma das quais – sem prejuízo das múltiplas identidades 
de grupo, freqüentemente assimétricas e sobrepostas, e dos aspectos comuns 
que as assemelham em certas coisas – apresenta características próprias. Cada 
trabalhador expressa interesses e preferências que se desprendem especifi ca-
mente dessa individualidade. Podemos colocar isso da seguinte forma, embora 
soe redundante: as organizações de nossos dias necessitam cada vez mais de 
uma gestão personalizada das pessoas. Talvez a biogenética resolva um dia o 
problema da diversidade da força de trabalho, mas por enquanto o mundo do 
trabalho se tornou cada vez mais fl uido, paradoxal, fragmentado, heterogêneo; 
e sua gestão, forçosamente, tende a se tornar cada vez mais fl exível, individua-
lizada e complexa.
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34 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
AS NOVAS ORIENTAÇÕES DA GESTÃO DAS PESSOAS
Agora, sim, é o momento de nós nos perguntarmos sobre a infl uência 
de todas estas mudanças nas convicções e nas tendências que caracterizam 
a gestão contemporânea das pessoas. Trata-se de uma pergunta que não tem 
resposta fácil. Não existe atualmente um modelo indiscutível, um paradigma 
dominante ao qual possamos nos referir; pelo contrário, a teoria da gestão de 
recursos humanos apresenta a aparência de um fórum ou ágora na qual se en-
trecruzam debates e propostas de feição diferente. Apesar de tudo, é possível, 
sim, apontar para algumas tendências que, pela intensidade e extensão com 
que parecem estar infl uenciando as práticas reais das organizações, podem ser 
vistas como enfoques que transcendem as modas do management e merecem 
por isso ser consideradas como orientações de fundo no período em que vive-
mos. Vamos a seguir apontá-las de modo breve e sistemático, advertindo que 
não se tratam de enfoques antagônicos, mas freqüentemente complementares, 
embora não isentos de certos elementos contraditórios. A forma pela qual os 
apresentamos obedece à pretensão de introduzir uma sistemática que facilite a 
leitura, mas não implica desconhecer as abundantes inter-relações e sobrepo-
sições que existem entre eles.
O lema da fl exibilidade
Se uma única palavra pudesse servir como lema das orientações contem-
porâneas do emprego e dos recursos humanos, e isso tanto na literatura sobre 
gestão como nos ambientes acadêmicos e empresariais, essa palavra seria sem 
dúvida “fl exibilidade”. Flexibilidade é um termo carregado de signifi cados pos-
síveis que, como costuma ocorrer, entram às vezes em confl ito. Vale a pena, por 
isso, fazer um esforço para esclarecer de que coisa, ou melhor, de que coisas 
estamos falando quando o utilizamos neste campo.
O debate contemporâneo sobre a fl exibilidade no trabalho inicia-se na 
Europa no fi nal da década de 1970 e no início da de 1980 (Farnham e Horton, 
2000, p. 7), ligado a um conjunto de fatos sociais entre os quais se encon-
tram: 1) a mudança nos mercados mundiais e o incremento da concorrência 
global; 2) a mudança tecnológica, especialmente a registrada no campo da 
informação e das comunicações; 3) a volatilidade dos mercados de produto; 
4) o desemprego crescente, e 5) o trânsito da economia industrial para a cha-
mada era pós-industrial. São cenários que afetam diversos atores sociais, em 
torno de um conjunto de questões como a educação e a formação continuada, 
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a legislação social, os sistemas salariais, a jornada de trabalho, a igualdade de 
oportunidades e a fl exibilidade das organizações de serviço público (Comis-
são Européia, 1997).
O paradigma da “empresa fl exível” (Atkinson e Meager, 1986, p. 2-11), 
supostamente capaz de fazer frente ao conjunto de desafi os que derivam de tais 
cenários, incorpora diversos tipos de fl exibilidade no que se refere à gestão dos 
recursos humanos.
A fl exibilidade numérica, defi nida como a capacidade das companhias para 
ajustar o número de trabalhadores ou de horas de trabalho às mudanças 
ocorridas na demanda.
A fl exibilidade funcional, ou capacidade de reorganizar as competências 
associadas aos empregos, de maneira que os titulares dos postos possam 
desenvolvê-las através de um leque de tarefas ampliado horizontalmente, 
verticalmente ou em ambos os sentidos.
O “distanciamento”, concebido como a substituição de contratos de trabalho 
por contratos mercantis ou pela subcontratação, a fi m de concentrar a orga-
nização na vantagem competitiva ou encontrar fórmulas menos onerosas de 
administrar as atividades não nucleares.
A fl exibilidade salarial, que se identifi ca com a capacidade da empresa para 
conseguir que suas estruturas de retribuição estimulem a fl exibilidade fun-
cional, se revelem competitivas no que respeita às competências mais escas-
sas no mercado de trabalho e recompensem o esforço e desempenho indi-
vidual dos empregados.
Implícitas neste conjunto de enunciados (em sentido similar, Institute of 
Personnel and Development, 1994), encontramos duas visões da fl exibilidade, 
presentes, em doses variáveis, nos processos e discursos de mudança dos siste-
mas de gestão das pessoas. Embora não se tratem, em sentido estrito, de visões 
reciprocamente excludentes, elas costumam corresponder aos enfoques domi-
nantes de gestão adotados em cada caso.
A primeira dessas visões da fl exibilidade ancora-se numa percepção do-
minante das pessoas como restrição e se centra na redução dos custos de pes-
soal. Ela combina com os discursos empresarias da reengenharia, da redução 
de pessoal (downsizing), das competências-chave e da empresa em rede, e se 
orienta principalmente para a detecção e eliminação de excedentes e para a 
conversão dos custos de pessoal, fi xos em variáveis. A segunda visão tende a 
perceber as pessoas mais como oportunidade, e coloca a ênfase na fl exibilida-
de da Gestão de Recursos Humanos (GRH) como apoio à criação de valor por 
parte das pessoas. Sintoniza-se com os discursos empresariais da qualidade 
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total (Fundação Européia para a Gestão da Qualidade, 1999), do nivelamento 
de estruturas e da promoção de autonomia pessoal para decidir (empower-
ment), ou com as práticas de alto desempenho (Pfeff er, 1998b, p. 44 e seguin-
tes), e se orienta principalmente para a melhora qualitativa das políticas de 
recursos humanos, especialmente das mais relacionadas com o envolvimento 
e o compromisso das pessoas. Em sentido análogo, faz-se distinção entre uma 
gestão de recursos humanos “dura”, caracterizada por uma aproximação mais 
instrumental e uma ênfase clara na minimização dos custos, e uma “bran-
da”, integrada pelo conjunto de políticas destinadas a maximizar a integração 
organizacional, o compromisso dos empregados e a qualidade do trabalho 
(Storey, 1995).
Sob um prisma diferente, o das preferências e expectativas dos atores em 
jogo, outras duas visões são possíveis e necessárias (Ridley, 2000, p. 33). De um 
lado, do ponto de vista dos interesses das organizações, a fl exibilidade se rela-
ciona com os mecanismos por meio dos quais se consegue que as estruturas 
organizacionais, os processos de trabalho e as práticas de pessoal incrementem 
o controle dos gestores sobre os recursos humanos. De outro, a partir da pers-
pectiva das pessoas, a fl exibilidade tem a ver com as mudanças que habilitam 
os trabalhadores a exercer maior controle sobre suas vidas, como ocorre, para 
citar um só exemplo, com a relação entre a maternidade e o uso do emprego 
em tempo parcial.
Levando em conta esta ambivalência, afi rmou-se que o desenvolvimentodas novas modalidades de emprego fl exível pode ser considerado em parte 
como o resultado da mútua interação de fatores situados no lado da oferta e 
no da demanda (Beynon e outros, 2002, p. 123). Ambas as dimensões contri-
buem, em proporções a serem determinadas em cada caso, para as mudanças 
nos sistemas de GRH. Em algumas ocasiões, são perspectivas compatíveis e 
complementares que se reforçam reciprocamente. Às vezes, no entanto, en-
tram em confl ito e obrigam os gestores a defi nir opções que privilegiam uma 
ou outra.
Seja como for, a orientação dos sistemas de gestão do emprego e dos re-
cursos humanos para a fl exibilidade não deve se dar à custa da perda de conti-
nuidade e coesão. Um excesso de fl exibilidade pode produzir danos (Lund blad 
e outros, 1996), como um comportamento organizacional anárquico, uma li-
derança enfraquecida pela difi culdade de exercê-la sobre pessoas cujo vínculo 
com o posto é fraco ou por uma cultura organizacional dispersa, fragmentada 
e pouco comprometida com o propósito comum. Mayrhofer (1996) utilizou 
o exemplo da coluna vertebral para tornar visível a necessidade de que as or-
ganizações adaptáveis combinem, em proporções adequadas, elementos fl exí-
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veis e rígidos. Richards (1995, p. 16) nos lembra por sua vez que a fl exibilidade 
não equivale à pura reatividade diante de estímulos externos, nem pressupõe 
a carência de uma estratégia de recursos humanos. Ao contrário, devem ser 
levadas em consideração as necessidades da política de pessoal a longo prazo 
e integrar as diferentes partes da gestão de recursos humanos num sistema 
mais fl exível. Por isso, “[...] fl exibilidade e estratégia não se contrapõem: se 
dão a mão”.
A gestão por competência
As idéias sobre a gestão por competência impregnaram a GRH ao longo 
das duas últimas décadas, a ponto de alguns autores chegarem a falar de uma 
mudança de paradigma que substituiria uma organização baseada no posto 
por uma organização baseada nas competências (Lawler, 1994).
A noção de competência aparece na gestão contemporânea dos recursos 
humanos a partir de uma série de estudos empíricos desenvolvidos nos Esta-
dos Unidos em princípios da década de 1970. Um artigo de McClelland em 
Th e American Psychologist, do ano de 1973, é considerado por alguns como 
o momento fundacional dessa orientação. Esses estudos constatam o víncu-
lo existente entre o sucesso no trabalho (resultados obtidos pelas pessoas no 
trabalho) e a prática reiterada de uma série de comportamentos observáveis 
no contexto de sua atividade produtiva. A exploração e identifi cação desses 
comportamentos, assim como sua análise por meio de certas técnicas, os re-
lacionam com a posse de determinadas qualidades ou características pessoais. 
É descoberta transcendente que tais qualidades vão além dos conhecimentos 
técnicos especializados, tradicionalmente considerados determinantes da qua-
lifi cação profi ssional, para penetrar em motivos, traços de caráter, conceitos 
de si mesmo, atitudes ou valores, habilidades e capacidades cognitivas ou de 
conduta. Isso leva McClelland a desqualifi car os exames e provas tradicionais 
como prenunciadores do sucesso no trabalho. A McBer Associates, consultoria 
criada por McClelland, elaborou para diferentes companhias norte-america-
nas modelos de competências baseados neste enfoque.
Em 1982, um dos membros da McBer, Richard Boyatzis, desenvolveu por 
encomenda da American Management Association uma pesquisa cujo objetivo 
era identifi car as competências que diferenciam os managers excelentes dos que 
produzem resultados meramente aceitáveis, e estes últimos dos menos bem-
sucedidos. Participaram deste estudo 1.800 dirigentes, titulares de 41 postos 
diferentes e pertencentes a 12 companhias. A publicação desse estudo contém 
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a defi nição, já clássica, das competências como “características subjacentes a 
uma pessoa, causalmente relacionadas com uma atuação de sucesso num posto 
de trabalho” (Boyatzis, 1982). Embora a pesquisa identifi casse dezenove com-
petências genéricas que os dirigentes deveriam possuir (mais tarde esse dicio-
nário genérico seria refi nado e ampliado por seu autor), Boyatzis enfatizou 
desde o primeiro momento o peso do contexto, sublinhando a necessidade de 
defi nir modelos de competências próprios de cada organização.
Em estreita relação com este enfoque encontra-se a noção de “inteligência 
emocional”, popularizada pelo best-seller de Goleman (1996). A inteligência 
emocional foi defi nida como “uma forma de inteligência social que inclui a ca-
pacidade de manejar os sentimentos e emoções próprios e os dos outros, fazer 
distinção entre eles e usar essa informação como guia dos próprios pensamen-
tos e ação” (Salovey e Mayer, 1990). Num desenvolvimento mais recente, em 
que esta noção foi aplicada à análise da liderança, sustentou-se que 80 a 90% 
das competências, que permitem distinguir os líderes que se sobressaem, per-
tencem ao domínio da inteligência emocional, e não às capacidades cognitivas 
(Goleman, Boyatzis e McKee, 2002, p. 306).
A gestão por competência pressupõe sua utilização como um padrão ou 
norma para a seleção de pessoal, o planejamento de carreiras e a sucessão, a 
avaliação do desempenho e o desenvolvimento pessoal (Hooghiemstra, 1992). 
Este enfoque converte as competências num eixo central dos sistemas de ges-
tão das pessoas, tal como hoje são entendidas e praticadas num número cres-
cente de empresas e organizações de todo tipo. Como já apontamos, entramos 
numa época em que os conhecimentos especializados adquiridos num certo 
momento vêm sua vida útil se reduzir progressivamente, enquanto os proces-
sos permanentes de aprendizagem e re-qualifi cação são vistos como inerentes 
ao sucesso no trabalho. Parece razoável pensar que as competências genéricas, 
que tornam possíveis esses processos de ajuste, podem chegar a ter tanta ou 
mais importância que o grau de saber técnico específi co possuído num mo-
mento dado. Se esta é uma refl exão importante para os indivíduos, já que está 
ligada à sua empregabilidade, não o é menos para as empresas, cujo ativo hu-
mano será com freqüência tanto mais valioso quanto mais adaptável.
Gerenciar por competências implica dedicar uma atenção prioritária aos 
elementos qualitativos do investimento em capital humano. Neste enfoque en-
contram seu fundamento conceitual algumas inovações importantes da gestão 
dos recursos humanos em nossos dias. Referimo-nos a orientações que afetam 
os sistemas de organização do trabalho, como é o caso do desenho de pos-
tos em banda larga (broadbanding); os de incorporação, como se detecta no 
uso crescente da entrevista de incidentes críticos ou dos centros de avaliação 
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39A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS 
(assessment centers); os de desenvolvimento de pessoas, como ocorre com os 
modelos de carreira horizontal, ou os de compensação, que incorporam cres-
centemente os planos de retribuição por competências. A todas elas iremos nos 
referir mais adiante.
O capital intelectual como vantagem competitiva
Embora a gestão por competência centre sua atenção, como vimos, nas 
pessoas e em suas qualidades e características individuais, a noção de compe-
tência serviu de base para orientações de gestão baseadas na dimensão coletiva 
daquelas, e em sua difusão e interiorização por parte da organização. Os con-
ceitos de “competência distintiva” ou “competências-chave” (core competences), 
extensamente difundidos, entre outros, por Pralahad e Hamel (1990, 1995), 
transferem do ambiente exteriorpara o interior da empresa, e fundamental-
mente para as pessoas, a refl exão sobre a vantagem competitiva. Aquilo que a 
organização sabe fazer melhor que seus concorrentes é a chave do sucesso. Em 
comparação com os produtos que a empresa é capaz de obter e lançar no mer-
cado, suas competências-chave são mais estáveis e não diminuem com o uso. 
Pelo contrário, nas palavras dos autores citados, as competências aumentam 
quando são aplicadas e compartilhadas. A concorrência real entre as empresas, 
chega a dizer Hamel (1991, p. 83), numa frase que em espanhol parece um 
jogo de palavras, é a concorrência entre competências (NT)6. Ou, o que vem 
a dar na mesma: diferentemente do que ocorre quando a concorrência é entre 
produtos, a concorrência entre as empresas está diretamente relacionada com a 
aquisição, posse, difusão e aplicação de conhecimentos e habilidades.
A criação e manutenção de uma vantagem competitiva concebida desta 
forma depende não só da qualidade da soma dos recursos humanos individuais 
reunidos pela empresa, mas da própria capacidade desta última para aprender 
coletivamente. Os mesmos Pralahad e Hamel (1990, p. 82) identifi cam a core 
competence com “a aprendizagem coletiva, em especial sobre como coordenar 
diversas habilidades na produção e integrar fl uxos múltiplos de tecnologias”.
Por isso é importante que as empresas consigam converter-se em organi-
zações que aprendem (learning organisations), em empresas capazes de criar 
conhecimento. Durante a década de 1990, obras como as de Senge (1992) 
e Nonaka e Takeuchi (1995) desenvolveram esse enfoque de gestão tendo a 
6 NT: em espanhol, competencia entre competencias.
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aprendizagem organizacional como centro. Considerando que a aprendiza-
gem, sem discutir sua dimensão grupal e seu impacto organizacional, é um 
fenômeno protagonizado sempre por indivíduos, a relação dessas orientações 
com a gestão das pessoas fi ca evidente e estreita. As companhias que desejem 
ser “organizações que aprendem” deverão propor a si mesmas e desenvolver 
um conjunto de políticas e práticas de gestão cujo centro sejam as ações e rela-
ções humanas no interior da organização.
Em estreito contato com tudo isso está a noção, difundida mais recente-
mente, de “capital intelectual”. Como assinalou Stewart (1997, p. 55), quando 
os mercados de capitais avaliam as companhias três, quatro ou dez vezes acima 
do valor contabilizado de seus ativos, estão dizendo simplesmente o seguin-
te: os ativos materiais de uma empresa baseada no conhecimento contribuem 
muito menos para o valor de seu produto ou serviço fi nal do que os ativos 
intangíveis, ou seja, os talentos de seu pessoal, a efi cácia de seus sistemas de 
gestão, o caráter das relações com seus clientes etc. Estas coisas são, considera-
das em conjunto, seu capital intelectual. Este capital deve ser gerenciado e sua 
gestão vai muito além do armazenamento e da manipulação de dados. Pode 
ser defi nida (Azúa, 1999, p. 67, citando Marshall e outros) como a “tarefa de 
reconhecer um ativo humano enterrado na mente das pessoas, e convertê-lo 
num ativo empresarial que possa ser acessado e que possa ser utilizado por um 
maior número de pessoas, de cujas decisões depende a empresa”. Em outras 
palavras, a inteligência se torna um ativo quando adquire uma utilidade exter-
na ao livre fl uxo das idéias no cérebro; quando se dá a ela uma forma coerente 
(um banco de dados, uma listagem postal, a agenda de uma reunião, a descri-
ção de um processo); quando ela é capturada de uma forma que permita sua 
descrição, compartilhamento e exploração, coisas que seriam impossíveis se 
permanecesse dispersa. O capital intelectual é conhecimento útil empacotado 
(Stewart, 1997, p. 67).
Como gerenciá-lo? Obeso (1999, p. 35 e seguintes), citando Davenport e 
Prusak, enumera quatro enfoques reconhecíveis na prática empresarial:
a) armazéns de conhecimento: o conhecimento é catalogado como algo “exter-
no” aos seus criadores, e armazenado em documentos físicos ou eletrônicos;
b) acesso e transferência de conhecimentos: centrados no desenho de procedi-
mentos para favorecer a transmissão de conhecimentos entre possuidores e 
usuários potenciais;
c) ambientes favoráveis ao conhecimento: centram-se em criar consciência e re-
ceptividade cultural a respeito do uso e da transmissão de conhecimento;
d) projetos de medição e melhora: sua ênfase está nas técnicas de avaliação do 
conhecimento disponível.
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41A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS 
Sem dúvida, a gestão do capital intelectual tem um aspecto “duro” (hard), 
que está ligado ao uso das tecnologias: procedimentos de comunicação on-line, 
de prospecção de dados, sistemas especialistas etc. Sem prejuízo disso, seu centro 
se encontra muito próximo da gestão das pessoas, especialmente daquela gestão 
que se desenvolve em organizações de profi ssionais. Nahapiet e Ghoshal (1998) 
relacionaram os bons resultados das organizações na gestão do capital intelec-
tual com sua riqueza em capital social interno – amplitude e densidade das redes 
internas de intercâmbios de conhecimento baseados na confi ança interpessoal e 
na existência de normas de reciprocidade. Essa aproximação realça os elementos 
próprios da gestão das pessoas como chave do sucesso. Afi nal, nenhuma intranet 
será capaz de criar conhecimento ali onde este não exista, ou de difundi-lo em 
contextos organizacionais nos quais os incentivos existentes estimulam mais a 
sua apropriação com exclusividade do que seu compartilhamento.
As práticas de alto desempenho
Sob o lema de “alto desempenho” ou de “alto compromisso” (Lawler e 
outros, 1995) podemos agrupar um conjunto de orientações, políticas e práti-
cas empresariais de gestão dos recursos humanos que tenham como objetivo a 
obtenção do máximo possível de alinhamento, envolvimento e produtividade 
dos empregados. O fi o condutor dessas políticas é a busca de maior grau de 
identifi cação entre as expectativas e preferências individuais e os objetivos de 
desempenho derivados da estratégia de empresa. O que faz da empresa um lu-
gar atraente para os empregados? Basicamente, a alta qualidade de três relações 
interconectadas: a relação entre os empregados e seus trabalhos; a relação dos 
empregados entre si, e a relação entre eles e suas chefi as (Great Place to Work 
Institute, 2003). Agrupamos aqui, sem pretensão de sermos exaustivos nem 
sistemáticos, algumas práticas de gestão destinadas a satisfazer essas aspirações 
e melhorar assim os resultados empresariais.
O enfoque do empowerment
Transferir para as pessoas uma esfera tão ampla quanto possível de poder 
de decisão, e responsabilizá-las por isso, surge como conseqüência tanto da 
adoção de determinadas teorias sobre o comportamento humano, como de 
refl exões derivadas da própria evolução do trabalho e das tecnologias, especial-
mente nos ambientes apropriados dos serviços.
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Assim, por um lado, uma crescente tendência de incorporar à gestão das 
pessoas aquelas teorias sobre a motivação que acentuam a identifi cação com a 
tarefa (Hackman e Oldham, 1975, 1979) leva a salientar na medida do possível 
o signifi cado do posto de trabalho para a pessoa, assim como a percepção desta 
de ser responsável pela execução da tarefa e dos resultados da referida execução. 
Isso, por outro lado, mostra coerência com o incremento do peso dos serviços 
na economia produtiva, que implica a generalização de processos nos quais a 
produção e a distribuição se concentram e são protagonizados pelo indivíduo, 
em direta interação com o mercado. A própria qualidadedo serviço prestado 
requer nesses casos uma ampliação signifi cativa da margem de decisão das pes-
soas. Nas organizações de profi ssionais que caracterizam a economia do conhe-
cimento, essas exigências são sentidas de maneira particularmente intensa.
A criação de equipes de trabalho autodirigidas (Pfeff fer, 1998b, p. 83) é 
uma das modalidades de empowerment que combina a descentralização da de-
cisão com o estímulo da interação grupal. O trabalho em equipe, sem dúvida 
outro dos mitos de nossa época, revela-se particularmente necessário quando 
a complexidade do ambiente exige articular a combinação multifuncional de 
diferentes saberes técnicos em contextos não hierárquicos, como mecanismo 
adequado para produzir respostas de qualidade. Nonaka e Takeuchi (1995, 
p. 160 e seguintes), entre outros, destacaram a relação das equipes com a pro-
dução de inovação.
Quer tendo como destinatários indivíduos, quer equipes de trabalho, a 
descentralização do poder de decisão, substituindo o controle hierárquico pela 
autodireção, relaciona-se estreitamente com uma destacada tendência contem-
porânea do desenho de estruturas organizacionais, que consiste na eliminação 
de níveis de hierarquia intermediária. Essa eliminação de camadas (delayering) 
nas cadeias de autoridade formal das organizações expressa, ao mesmo tempo, 
a infl uência do enfoque do empowerment e a preferência por estruturas planas. 
Nestas, os fl uxos de informação ascendente, descendente e lateral circulam com 
maior velocidade e facilitam por isso a agilidade da resposta estratégica das or-
ganizações às mudanças cada vez mais freqüentes do ambiente empresarial.
A gestão do desempenho
Atualmente os enfoques sobre o desempenho das pessoas no trabalho 
tendem a superar as abordagens tradicionais, centradas na medição do rendi-
mento, assim como os correspondentes debates em torno das técnicas e méto-
dos de avaliação mais confi áveis e válidos, e vão introduzindo orientações de 
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gestão de caráter mais relacional, centradas no crescimento profi ssional das 
pessoas. Estes novos enfoques do desempenho são coerentes, por um lado, 
com a desconfi ança, própria de nossa época, nos artefatos centralizados pró-
prios das burocracias taylorianas; por outro lado, se assentam em concepções 
dinâmicas do desempenho, que o vinculam ao desenvolvimento do potencial 
das pessoas.
Em concordância com tudo isso, a gestão do desempenho profi ssional 
tende a ser vista cada vez mais como uma forma de estimular as competências 
e a motivação dos empregados para a obtenção de melhoras de desempenho 
(Spencer e Spencer, 1993, p. 264 e seguintes), e não apenas como um conjunto 
de técnicas de medição cuja utilidade é facilitar a aplicação de medidas admi-
nistrativas (retribuir, promover, punir etc.).
Nestes enfoques, o dirigente de linha ou supervisor imediato passa a 
desempenhar um papel fundamental, já que recai sobre ele a transforma-
ção das prioridades organizacionais em padrões e objetivos de desempenho 
individual dos empregados sob sua esfera de autoridade, assim como a ade-
quada comunicação dos padrões e objetivos e a obtenção do compromis-
so das pessoas em torno da sua consecução. As melhoras do desempenho 
consensuadas entre ambas as partes constituem o eixo de uma relação sus-
tentada na qual são postas à prova as habilidades interpessoais e sociais dos 
dirigentes. A obtenção de melhoras no desempenho decorre, cada vez mais, 
do crescimento profi ssional das pessoas, ou seja, do desenvolvimento de suas 
competências, especialmente daquelas que apareçam em cada caso como de-
fi citárias. O coaching, ou atividade destinada a orientar, facilitar e apoiar esse 
desenvolvimento, converte-se às vezes, nesse contexto, em parte da função de 
dirigir equipes humanas.
A ênfase em vincular a apreciação do desempenho ao desenvolvimento 
das pessoas produz, sem prejuízo do papel fundamental dos comandos hie-
rárquicos, que temos destacado, a extensão de novos métodos de avaliação, 
que ampliam o universo de atores que participam da mesma. Em particular, a 
avaliação de 360 graus, que converte em avaliadores os superiores, subordina-
dos, colegas e inclusive os clientes e fornecedores, internos ou externos, é uma 
prática utilizada já por um número crescente de empresas, freqüentemente no 
contexto de experiências de gestão da qualidade. Sua utilidade reside princi-
palmente no potencial identifi cador de áreas de melhora e de desenvolvimento 
pessoal e profi ssional que oferece às pessoas e às equipes de trabalho.
Todas essas práticas exigem cenários de trabalho distintos dos que carac-
terizavam as burocracias empresariais da era industrial. Para seu enraizamento 
e difusão, são necessárias culturas organizacionais mais horizontais e partici-
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pativas, cujo surgimento não pode ocorrer de uma hora para outra. Neste mes-
mo capítulo faremos referência a esses novos modelos de cultura empresarial.
A retribuição vinculada ao desempenho
O que dissemos não é obstáculo para constatar, como característica das 
práticas de gestão das pessoas em nossa época, um incremento apreciável do 
uso dos mecanismos de retribuição variável ou contingente. Um grande núme-
ro de empresas, seguindo uma evolução ascendente nos últimos anos (Esade, 
2000), incorporaram mecanismos de retribuição variável aos seus sistemas de 
compensação. A obtenção de maior eqüidade, entendida como equilíbrio entre 
a contribuição e o salário, o incentivo do esforço individual ou de grupo e o 
reforço da percepção de pertinência e envolvimento com o projeto empresarial 
são os objetivos subjacentes à generalização dessas práticas e que se manifes-
tam nas diferentes formas que assumem.
Em muitas ocasiões, a remuneração se vincula à consecução de determi-
nadas metas de desempenho individual, como incentivo ao esforço. Embora 
esta seja uma prática generalizada na compensação do trabalho de diretores 
e em outras áreas da empresa, como as comerciais, alguns autores (Pfeff er, 
1998b, p. 199; Serlavós, 1996, p. 8) destacam os perigos que com freqüência 
aparecem na sua aplicação, devido à interdependência e ao caráter multidi-
mensional que o desempenho humano costuma apresentar no trabalho, às 
grandes difi culdades para realizar uma avaliação objetiva, à obstinação em 
converter em custo variável a retribuição antes de criar as condições necessá-
rias para isso e aos riscos de deterioração das relações interpessoais no am-
biente de trabalho.
Esses problemas, unidos às características da organização do trabalho ou 
às limitações dos sistemas de contabilidade analítica, assim como à pretensão 
de estimular a cooperação para se obter resultados, levam à crescente adoção 
da remuneração variável de caráter grupal, prática que converte as equipes de 
trabalho, e não os indivíduos, em destinatárias da avaliação e compensação por 
desempenho. Embora esses incentivos sejam às vezes vulneráveis ao compor-
tamento oportunista (free riding), revelam-se geralmente de mais fácil aceita-
ção e aplicação do que as recompensas de caráter individual.
A vinculação da compensação aos resultados de uma unidade organiza-
cional ou divisão, ou então aos resultados globais da empresa (participação nos 
lucros), são outras fórmulas de retribuição variável em alta. Sua lógica subja-
cente é reforçar o vínculo das pessoas com o projeto empresarial, assim como 
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permitir o pagamento de salários altos e competitivos nos momentos em que 
isso é compatível com a conta de resultados.
A ênfase na formaçãoAs empresas dedicam à formação de seu pessoal um volume crescente 
de seus recursos. Embora os orçamentos de formação continuem sendo em 
muitos casos os que sofrem os primeiros cortes em momentos de difi culdade 
fi nanceira, o aumento do peso da formação entre as práticas de gestão de re-
cursos humanos é um fato verifi cado (Esade, 2000).
Em parte, esse fato se deve à necessidade de adaptar as habilidades e des-
trezas dos empregados à evolução das tecnologias, ao surgimento de novas 
demandas ou simplesmente à necessidade de garantir as mais altas cotas de 
qualidade nos produtos ou serviços. Em particular, a aceleração da mudança 
tecnológica está sendo nos últimos anos um impulso decisivo para o aumen-
to da despesa das empresas em formação. Tudo o que foi dito antes sobre as 
competências como vantagem competitiva pode servir de pano de fundo para 
esse fenômeno. Práticas como o mentoring, que consiste no emparelhamento 
de empregados com tutores especializados que podem transferir-lhes sua ex-
periência, habilidades e hábitos de trabalho (Murray, 2001, p. 66), estão come-
çando a se enraizar em algumas empresas, e se aplicam ao desenvolvimento 
profi ssional, à atualização de habilidades técnicas, ao planejamento da suces-
são e a outros campos da gestão das pessoas.
O indubitável crescimento do peso da formação não nos deve levar a ig-
norar que algumas tendências do ambiente atual desempenham às vezes um 
papel mais minimizador ou restritivo do esforço empresarial neste sentido. 
Assim, a própria rapidez da mudança tecnológica, com suas constantes de-
mandas de atualização, pode reduzir a utilidade do investimento interno em 
formação e estimular ao contrário a compra de habilidades externamente. Por 
outro lado, o crescente uso da contratação temporária e a defi nição, em certas 
partes da estrutura das empresas, de políticas de alta rotação, tendem a reduzir 
em alguns casos o retorno do investimento em formação, desestimulando o 
esforço empresarial neste campo (Beynon e outros, 2002, p. 117; Cappelli e 
outros, 1997, p. 123).
Outro ângulo da questão tem a ver com a necessidade de satisfazer as ex-
pectativas dos empregados em obter o nível mais alto possível de qualifi cação. 
Em contextos nos quais, como vimos, o emprego estável tende a ser substituído 
pela empregabilidade, a empresa se converte para muitas pessoas na escola em 
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que podem aprender e desenvolver competências de alto valor no mercado, e 
onde têm garantida uma atualização das habilidades que permitem manter a 
própria competitividade individual (Groot e Maassen, 2000). Do ponto de vista 
da imagem transmitida pelas companhias, o investimento em formação pode ser 
visto como uma aposta em manter o valor do capital humano da empresa, em 
lugar de opção por políticas de alta rotatividade, baseadas na procura constante 
no mercado de trabalho das competências que estejam faltando. Da perspectiva 
do envolvimento das pessoas, isto constitui um sinal de que esse novo contrato 
psicológico, de que falávamos, não é simplesmente um slogan vazio, invocado 
pelas empresas para embelezar um contexto de precariedade de trabalho.
A empresa participativa e aberta
A necessidade de atrair, reter e motivar as pessoas de alta qualifi cação 
profi ssional – com freqüência possuidoras de seu próprio projeto individual 
de carreira – em cenários nos quais aumenta a concorrência pelo talento nos 
mercados de trabalho, caracteriza nossos tempos e é cada vez mais considerada 
pelas empresas da economia do conhecimento. Em alguns casos, tais percep-
ções estão começando a transformar as pautas da relação das companhias com 
esses profi ssionais, muitas delas de modo ainda incipiente e não extensível à 
maioria das empresas, mas palpáveis como tendência de fundo.
Alguns especialistas têm destacado a relação entre estas transformações e 
a orientação para a fl exibilidade trabalhista, coerente, como temos visto, com 
o novo “contrato psicológico”. A elasticidade do emprego perseguida pelas em-
presas tem suas contrapartidas. Num ambiente fl exível, as pessoas “têm o di-
reito de minimizar o risco de se verem num beco sem saída, ou num emprego 
inseguro” (Waterman e outros, 2000, p. 410). Isso implica facilitar o acesso 
à capacitação e às oportunidades de trabalho necessárias para se manter em 
dia. Essa orientação implica não apenas, como apontamos antes, um aumen-
to signifi cativo do investimento em formação, mas também uma ampliação 
da esfera de decisão das pessoas sobre como dirigir o uso da oferta formativa 
e aplicá-la ao seu próprio desenvolvimento profi ssional e a suas perspectivas 
de carreira. A gestão autônoma das carreiras se vê potencializada quando a 
empresa incorpora e coloca à disposição de seus empregados mecanismos de 
avaliação de sua competência e de seu potencial, ajudando-os a identifi car as 
linhas de desenvolvimento mais adequadas.
Este enfoque é coerente com um signifi cativo aumento da transparência 
com que a empresa deve confi gurar suas relações com os empregados. Tratá-
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los como adultos implica às vezes compartilhar com eles informação sensível, 
de um modo que se choca com percepções convencionais da gestão do pessoal. 
Algumas vezes, essa abertura informativa afeta questões relacionadas com o 
andamento do negócio, questões tradicionalmente reservadas a círculos muito 
próximos da direção. Alguns dirigentes de empresa começaram a se dar conta 
de que exagerar no âmbito do confi dencial equivale a passar para os emprega-
dos a mensagem de que o projeto empresarial é, no fundo, de alguns poucos. O 
contrário tem, é claro, seus riscos, mas muitas vezes é inevitável quando se dá 
prioridade ao fortalecimento e extensão do compromisso dos profi ssionais.
Por razões similares, algumas empresas começaram a colocar à disposi-
ção de seus empregados, ou de alguns deles, informações relacionadas com a 
possibilidade de desempenhar outros trabalhos disponíveis no interior da pró-
pria empresa, e a facilitar processos de formação cruzada (crosstraining) que 
permitam o acesso a eles. Tais práticas complicam a gestão interna do emprego 
e a mobilidade, ao incrementar a parte desta que gravita em torno de decisões 
autônomas dos empregados, mas ao mesmo tempo facilita para eles a gestão de 
suas próprias carreiras, e contribui para aumentar a satisfação no trabalho.
Mais contra-cultural ainda se mostra a política, adotada incipientemente 
por certas companhias, de facilitar aos seus empregados informação disponível 
sobre oportunidades de emprego no exterior e apoiar até as iniciativas que per-
seguem uma melhora profi ssional fora da empresa. Deve a empresa favorecer 
o progresso profi ssional de seus trabalhadores à custa de perder, talvez, os me-
lhores? Algumas contribuições recentes respondem afi rmativamente, indican-
do que as organizações podem sentir em certos casos a necessidade de com-
pensar os empregados pela carência de oportunidades de promoção interna, 
oferecendo-lhes oportunidades de desenvolver sua empregabilidade, mesmo 
quando essa política ajuda os indivíduos a deixar a organização e encontrar 
outro emprego, e considera esse enfoque como uma estratégia de recrutamento 
que favorece a posição da empresa no mercado de trabalho (Beynon e outros, 
2002, p. 121). Pode-se dizer que as empresas que agem assim – elas são, é claro, 
uma exígua minoria – admitem que as perdas concretas assim produzidas são 
compensadas por uma queda das cifras agregadas de rotação, por uma parte, 
e por um aumento na capacidade de atração de novos empregados, por outra, 
como conseqüência da melhora na imagem da empresa como empregadora.
A construção dessa imagem de marca (employerbranding) é, como dis-
semos, uma das tendências do momento. A construção de uma boa reputação 
no mercado de trabalho, capaz de atrair e reter o talento (Echeverría, 2002, 
p. 195), é construída combinando políticas de gestão das pessoas que satisfa-
çam preferências dos empregados. O sucesso recente dos chamados planos de 
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compensação à la carte, que personalizam a retribuição combinando percep-
ções salariais e extra-salariais segundo a vontade do receptor, responde a esta 
lógica. Em suma, a autonomia, a fl exibilidade, a transparência, a participação, 
o desejo de crescimento profi ssional, a percepção de poder conseguir uma alta 
empregabilidade, são, nas empresas da sociedade do conhecimento, algumas 
das expectativas individuais que a gestão das pessoas deve levar particular-
mente em conta.
A redefi nição da função de recursos humanos
A confi guração e o papel da função de recursos humanos nas organizações 
são um dos temas recorrentes na literatura especializada (Fitz-Ens, 1990, 1997; 
Ulrich, 1997; Mohrman e Lawler, 1998). Nas empresas, vai se consolidando de 
maneira desigual o que costuma ser chamado de trânsito da administração de 
pessoal para a gestão dos recursos humanos (Beer, 1998). A primeira descre-
ve uma função indireta, de segunda ordem, concebida como um mero apoio 
às atividades empresariais verdadeiramente criadoras de valor: a produção, as 
fi nanças, as vendas. O administrador de pessoal realiza atividades necessárias 
– pagar a folha e os seguros sociais, contratar, exercer o controle de presença, 
organizar as férias e licenças – porém meramente aplicativas e despojadas de 
substância própria. Quando muito, deve enfrentar a solução de alguns confl i-
tos interpessoais ou coletivos, ou até cuidar das relações trabalhistas comuns, 
mas mesmo nesse caso a fi nalidade é evitar os problemas que impeçam o fun-
cionamento normal da organização, não lhe cabendo incorporar ao acervo es-
tratégico grandes iniciativas e políticas de pessoal.
A superação desse estado de coisas, é preciso insistir nisso, é desigual. Em 
muitas organizações encontraríamos ainda versões da função de dirigir pes-
soas que reproduzem em boa medida o modelo descrito. No entanto, há dados 
reveladores de uma tendência para a potencialização da função de recursos 
humanos. Entre eles, cabe citar:
a) um desenvolvimento notável do instrumental técnico produzido neste cam-
po e à disposição dos gestores. Algumas de suas manifestações concretas fo-
ram mencionadas anteriormente;
b) um incremento, exigido pelo anterior, da qualifi cação profi ssional dos espe-
cialistas em recursos humanos. Esta evolução trouxe consigo novos requisi-
tos de multidisciplinaridade;
c) uma conexão crescente das políticas e práticas de gestão das pessoas com as 
prioridades estratégicas das empresas;
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d) uma elevação do posicionamento interno das unidades especializadas de re-
cursos humanos na estrutura de autoridade formal das organizações.
Atualmente, e partindo dessa evolução, a literatura especializada parece 
concordar na existência de um desafi o aplicável à maior parte das situações 
reais: o de superar uma visão dos departamentos de recursos humanos e dos 
profi ssionais que os integram como “especialistas alheios ao negócio”, necessá-
rios para resolver problemas e enfrentar decisões, com freqüência importantes, 
em âmbitos que só eles conhecem, mas afastados em boa medida do fl uxo prin-
cipal de ações e decisões centrais da organização. A superação dessa situação 
tenderia a se produzir por meio de processos que podem ser vistos como uma 
dupla aproximação, de sinal inverso mas coincidente, por meio da qual a fun-
ção de recursos humanos se aproxima do mencionado eixo central do manage-
ment da empresa e por sua vez este eixo central se desloca, aproximando-se da 
função de gerenciar pessoas.
No que se refere à primeira aproximação, torna-se cada vez mais evidente 
não só que as políticas de gestão do emprego e das pessoas têm de ser coerentes 
com as prioridades estratégicas da organização, como também que a própria 
defi nição destas últimas deve se basear em análises dinâmicas da capacidade 
interna, nas quais a dimensão humana é freqüentemente a variável fundamen-
tal. A defi nição do caminho que deve ser seguido a cada momento precisa 
levar em conta os cenários presentes e futuros de disponibilidade, quantitativa 
e qualitativa, de capital humano. A presença da perspectiva de recursos huma-
nos no interior mesmo dos processos de refl exão estratégica se confi gura assim 
como uma chave do sucesso empresarial.
Esta aproximação conduz os profi ssionais de recursos humanos a um grau 
cada vez mais alto de vinculação ao negócio, o que implica tanto um maior co-
nhecimento como um envolvimento pessoal maior no andamento do negócio. 
A expressão “sócio estratégico”, que proliferou no jargão mais recente do ramo, 
traz implícita essa consideração dos especialistas em gestão das pessoas como 
verdadeiros homens e mulheres de empresa, comprometidos com a conta de 
resultados e plenamente integrados à tripulação que pilota o projeto coletivo. 
Como afi rmam com eloqüência Beatty e Schneier (1998, p. 83), “devem estar no 
campo, no jogo [...], não nas linhas laterais treinando [...], e menos ainda do ou-
tro lado das portas do estádio, contando o número de pessoas presentes”. Pfeff er 
(1998a, p. 214) encara-os como encarregados da conexão entre o pessoal e os 
lucros, o que os distancia de uma prática de “atuar como policiais, reforçando 
leis e políticas”, mas adverte que no futuro eles não serão meros servidores das 
fi nanças e que contribuirão com sua própria visão das coisas.
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50 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
Quanto à segunda das aproximações citadas, podemos dizer que os diri-
gentes de linha da organização, desde o vértice estratégico até o escalão inferior 
de sua cadeia hierárquica, precisam abraçar a gestão de recursos humanos, as-
sumi-la como sua. Num ritmo não espetacularmente rápido, mas sustentado, 
vai aumentando a responsabilidade da cadeia de direção de linha nas decisões 
sobre pessoal (Esade, 2000, p. 9 e seguintes). Um dirigente é cada vez mais 
visto e valorizado como líder de uma equipe humana, o que implica que deve 
assumir a responsabilidade pelos resultados cuja conquista requer gerenciar 
o desempenho das pessoas sob seus cuidados. Por sua vez, isso vai exigir que 
a competência e a motivação dessas pessoas sejam maximizadas, não só por 
especialistas situados a distância e por meio de um repertório de instrumentos 
globais e impessoais, como, principalmente, por meio de um jogo de relações 
articuladas a partir da proximidade. A gestão das pessoas foi se convertendo 
numa função diretiva.
Para entender totalmente as implicações desse fato, devemos levar em 
conta que hoje a direção de pessoas é uma atividade não só mais importante, 
mas também mais difícil do que jamais foi. A direção de pessoas deve propor-
se a maximizar o talento e o compromisso dos empregados mais qualifi cados 
e autônomos, cuja percepção de pertinência se tornou mais difusa, e fazê-lo 
dentro de ambientes de incerteza, instabilidade, risco e reciprocidade atenua-
da, que não são nada fáceis de manejar. Esses cenários tornam a tarefa difícil 
e também exigem dos dirigentes a aquisição de competências que implicam, 
de um lado, o conhecimento de um instrumental básico de gestão das pessoas 
e, de outro, e principalmente, o desenvolvimento de habilidades interpessoais 
e sociais que não faziam parte do elenco de qualidades que tradicionalmente 
eram consideradaspróprias da função de dirigir.
Essa evolução, a respeito da qual existe um amplo consenso entre os espe-
cialistas, obriga a reformular o elenco organizacional da função de recursos hu-
manos nas organizações. O novo protagonismo dos dirigentes exigirá que avo-
quem uma boa parte das tarefas anteriormente assumidas pelo departamento 
de recursos humanos. Ulrich (1997), baseando-se num estudo que projeta um 
modelo de atribuições de recursos humanos sobre várias experiências empre-
sariais, mostrou como em quase todos os casos os supervisores diretos foram 
assumindo parcelas crescentes da função de gerenciar pessoas. Essa função se 
estende, como o próprio autor destaca, aos próprios empregados, que devem 
ser cada vez mais considerados como “proprietários” daqueles subsistemas de 
gestão que lhes incumbem diretamente, como os que afetam seu próprio de-
senvolvimento, sua carreira profi ssional e portanto a empregabilidade de que 
falávamos antes. Além destes, outros atores foram sendo incorporados a esse 
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51A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS 
elenco, como os consultores de processo, as empresas que fornecem serviços 
especializados de gestão de recursos humanos em regime de outsourcing, ou as 
próprias tecnologias de informação e as comunicações, que substituem hoje os 
profi ssionais de recursos humanos naquelas tarefas mais padronizadas e repe-
titivas, do mesmo modo que ocorre em outras áreas da gestão empresarial.
Esse novo elenco da função de gerenciar pessoas levou a uma redefi nição 
do papel dos diretores e departamentos de recursos humanos nas organiza-
ções. Mais que gestores diretos de políticas, processos e práticas de pessoal, 
eles deverão ir se convertendo em provedores de serviços especializados que 
têm como destinatários os dirigentes, transformados por sua vez em “clientes 
internos”. Os novos lemas com que a literatura do management tem batizado a 
função de recursos humanos expressam essa dimensão de apoio (consultor in-
terno), de assessoria (assessor de investimento em capital humano) e de estímulo 
à inovação (agente de mudança).
Os processos de descentralização da função de gerenciar pessoas que são 
inerentes a tudo isso manifestam-se na realidade de forma muito heterogênea, 
e são afetados por diversos fatores de contingência (o tamanho da organização, 
sua história e cultura, a tecnologia utilizada para produzir, o ambiente etc.), 
mas refl etem orientações profundas de nossa época. Nesse contexto, a gestão 
dos recursos humanos ganha um novo valor, já que se converte num ingre-
diente básico da função de dirigir as organizações, do alto até a base. Talvez por 
isso, Bill Hewlett, um dos dois fundadores da empresa Hewlett Packard, defi nia 
já há muitos anos a missão de seu departamento de recursos humanos como a 
de “melhorar a qualidade da direção”.
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2. O QUE O EMPREGO PÚBLICO TEM DE 
DIFERENTE. A FUNÇÃO PÚBLICA
Até que ponto a situação e as tendências indicadas no capítulo anterior são 
o resultado de sua aplicação às administrações públicas e, em geral, ao conjunto 
das organizações do setor público? Mais adiante, no capítulo 5, buscaremos pas-
sar em revista as orientações atuais da gestão pública das pessoas nas democra-
cias do mundo desenvolvido. Podemos adiantar que boa parte das tendências 
descritas estão presentes nos processos e nos discursos de mudança produzidos 
no setor público. As transformações no mundo do trabalho infl uem, de for-
ma inquestionável, no emprego público, ainda que em maior ou menor grau. 
Os novos enfoques de gestão de recursos humanos nas empresas alimentam os 
planos de modernização da gestão pública. A literatura da gestão empresarial é 
cada vez mais conhecida e valorizada pelos gestores públicos. A globalização da 
informação aumenta a simultaneidade e a uniformidade com que as novidades 
são conhecidas e compartilhadas em contextos nacionais diferentes e distantes, 
inspirando linhas de intervenção frequentemente coincidentes. A expansão das 
fórmulas de colaboração público-privadas na gestão pública contemporânea 
acentua essa intercomunicação. Por tudo isso, o panorama esboçado no pri-
meiro capítulo pode ser visto como um pano de fundo onde os especialistas em 
gestão pública de recursos humanos reconheceriam algumas de suas aspirações, 
linhas de trabalho ou, simplesmente, preocupações.
No entanto, uma aguçada consciência da diferença continua caracterizan-
do, em muitos casos, aqueles que se ocupam desses temas no âmbito público, 
seja a partir da própria gestão, seja do ponto de vista da refl exão acadêmica que 
tem a administração como objeto. Uma parte da explicação pode ser provavel-
mente atribuída ao caráter ainda emergente que, em muitos países, caracteriza 
o management público. O tratamento predominante dos grandes temas do se-
tor público nutre-se, em alguns países, de disciplinas que analisam a realidade 
de pontos de vista e com instrumentos muito diferentes. Concretamente, na 
Espanha, a perspectiva do direito público, predominante, confere à maior par-
te das análises que versam sobre a realidade das administrações públicas uma 
dimensão formalista, que se nutre de um constructo teórico nascido precisa-
mente da afi rmação da diferença entre o público e o privado. Trata-se de uma 
contraposição radical, no sentido mais próprio do adjetivo: pertence à raiz das 
coisas e, ainda que nascida como elaboração teórica, acabou por impregnar 
profundamente a cultura administrativa dominante.
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54 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
Um exemplo servirá para ilustrar o que afi rmamos. A metáfora gover-
nment is a business (o governo é um negócio), utilizada por Michael Barze-
lay (1995, p. 17), foi difundida nos Estados Unidos durante a presidência de 
Woodrow Wilson, por aqueles que não queriam o spoils system e se opunham 
ao favorecimento nas contratações, à liberalidade nos controles fi nanceiros ou 
à debilidade dos mecanismos de prestação de contas. Pois bem, na Espanha, 
para expressar tais valores, costuma-se utilizar justamente a metáfora oposta: 
“o governo não é um negócio”. Como dissemos em outro lugar (Longo, 1995, 
p. 7), o paradoxo, além de provocar um sorriso, conduz à refl exão. Aquilo que 
é empresarial, tido em princípio como sinônimo de rigor, responsabilidade, 
controle e profi ssionalismo, parece satanizado em nosso contexto, como equi-
valente ao contrário. A concepção do que é público como um universo regido 
por valores próprios, substancialmente distintos, e mesmo opostos, daqueles 
que regem a atividade das organizações privadas, constitui um refl exo cultural 
profundamente arraigado em nossa cultura administrativa. À margem das di-
ferenças que possam existir entre os dois mundos, o que muda habitualmente 
é o olhar com que contemplamos cada um deles.
Nem tudo se reduz a isso, sem dúvida. Em parte, a consciência da diferen-
ça baseia-se também na comprovação da distância realmente existente entre as 
duas esferas, privada e pública, em especial na forma como em uma e na outra 
interage o binômio estabilidade/mudança. Constatam-se assim fatos como a 
forma diluída com que muitas tendências de mudança são interiorizadas e vi-
vidas no âmbito público, o predomínio da retórica sobre o desejo de inovação 
ou a difi culdade e a lentidão com que os sistemas e as organizações públicas 
evoluem. A aceleração das mudanças é uma característica das sociedades con-
temporâneas, que o mundo do trabalho humano viveu, como já vimos, com es-
pecial contundência. Ao lado do ritmo vertiginoso das transformaçõessociais, 
o movimento das organizações públicas é, em geral, consideravelmente mais 
lento e gradual. O que faz com que, em alguns aspectos, como a estabilidade 
do emprego ou a rigidez na defi nição das tarefas, a brecha entre o emprego pú-
blico e o privado seja hoje, pelo menos em alguns países, muito maior do que 
alguns anos atrás. Como diria a rainha de copas de Alice, os sistemas públicos e 
suas organizações não correram sufi cientemente depressa para poderem man-
ter-se no mesmo lugar.
Na consciência social, esta percepção da diferença está difundida de-
sigualmente, e pensamos que sem exceção, em todo o mundo. A visão dos 
funcionários públicos como trabalhadores privilegiados e pouco produtivos 
faz parte do imaginário popular de todos os países. Faz parte habitual dessa 
imagem a impressão de que as regulamentações, de um lado, e a primazia da 
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55O QUE O EMPREGO PÚBLICO TEM DE DIFERENTE. A FUNÇÃO PÚBLICA 
política, de outro, confi guram um mundo em que a efi cácia e a efi ciência das 
políticas e práticas de pessoal são difíceis e estão particularmente ausentes.
A explicação mais consistente para tudo isso fundamenta-se na existência 
de um marco institucional próprio do emprego público, com o que as demo-
cracias contemporâneas lhe atribuem determinadas características específi cas. 
Esse marco institucional é chamado, na Espanha e em outros países da Europa 
continental, “função pública”, enquanto que, no mundo anglo-saxão e, por ex-
tensão, em outras regiões, como em muitos países da América Latina, utiliza-se 
a expressão “serviço civil”. Dedicaremos este capítulo a analisar em que con-
siste esse marco institucional, adotando para isso, de preferência, a expressão 
função pública, mas tratando-a como sinônimo e alternativa a serviço civil.
O QUE É A FUNÇÃO PÚBLICA
Possíveis aproximações ao conceito
O primeiro problema que nosso objetivo propõe é o de precisar a que nos 
referimos quando falamos de função pública. A expressão é freqüentemente uti-
lizada com signifi cados diferentes. Esta circunstância obriga-nos a aludir breve-
mente às diferentes acepções do conceito, para precisar aquela que adotaremos.
Para isso, começaremos por passar em revista as principais tentativas de 
encontrar base conceitual para a delimitação entre a função pública e o em-
prego que carece de tal condição e que fi caria situado, portanto, fora do marco 
institucional cuja natureza buscamos precisar.
O critério da natureza das normas
Uma primeira aproximação, de nítido conteúdo jurídico e sobretudo rela-
tiva à Europa continental, identifi ca o conceito atendendo ao caráter das regu-
lamentações que lhe servem de fundamento. Seria função pública aquela parte 
do emprego público regulamentada por normas de direito público, diferentes 
das leis civis ou trabalhistas que regulamentam o resto do trabalho por conta 
de terceiros na sociedade. Esta é a abrangência com que se concebe na Espanha 
(Palomar, 2000; Sánchez Morón, 1996) e na França (Ziller, 1993; MAP, 1997) 
a função pública, regida por um estatuto próprio, distinto do que se aplica ao 
emprego comum.
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56 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
Essa aproximação parece ter pouca utilidade para nossos propósitos, já que é 
meramente formal. Ao não precisar os conteúdos, ela omite a dimensão, a intensi-
dade e a extensão com que tais regulamentações singulares se distanciam das civis 
ou trabalhistas, razão pela qual o conceito carece de efi cácia delimitadora. De fato, a 
noção nos levaria a incluir na suposição tanto os modelos de emprego público que, 
como no caso espanhol, se baseiam em um extenso código de regulamentações 
específi cas, elaboradas sobre pautas muito distintas daquelas que regem o emprego 
comum, quanto por exemplo o holandês (Van der Krogt e outros, 2000), onde a 
proximidade material entre as regulamentações dos dois regimes é considerável. 
De outro lado, o emprego público de natureza trabalhista, nos casos em que existe a 
distinção, não deixa de estar normalmente submetido a regulamentações as quais, 
como garantia de princípios constitucionais aplicáveis a todo o emprego público, 
tornam sua gestão semelhante à daquele que teria caráter propriamente funciona-
rial, o que contribui para tornar ainda mais confuso o critério delimitador.
O critério da natureza da relação de emprego
Uma segunda via, próxima à anterior, leva-nos a distinguir o caráter nor-
mativo do caráter contratual da relação existente entre o empregador e o em-
pregado. Assim, caracterizaríamos a função pública como um sistema no qual 
os conteúdos dessa relação estão estabelecidos legalmente, e são administrados 
pelo empregador público, em boa parte, de forma unilateral. Fora dele fi cariam 
os pressupostos, normais no mundo do trabalho, nos quais o conteúdo da re-
lação de emprego se estabelece contratualmente, mediante negociação indivi-
dual ou coletiva entre o empregador e os empregados.
A distinção perdeu, em nossos dias, boa parte da força delimitadora que 
pode ter tido em seu momento. Nas últimas décadas a interpenetração dos uni-
versos jurídicos do direito administrativo e trabalhista levou a uma confi guração 
consideravelmente híbrida do emprego público (Cassese, 1994, p. 206). Como 
veremos mais adiante, o incremento da participação sindical e a negociação das 
condições de trabalho fazem parte das tendências predominantes nos países do 
mundo desenvolvido e coexistem com marcos normativos estatutários em que 
os diversos elementos da relação de emprego são defi nidos pelo legislador. De 
outro lado, como acabamos de dizer, também o emprego público trabalhista 
contém, sem prejuízo de sua substância contratual, áreas nitidamente regula-
mentadas. Na Espanha, esse caráter híbrido da relação funcionarial é uma rea-
lidade amplamente constatada, que introduziu uma considerável ambigüidade 
no sistema de fontes, como mostra a jurisprudência recente.
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57O QUE O EMPREGO PÚBLICO TEM DE DIFERENTE. A FUNÇÃO PÚBLICA 
O critério da natureza das funções desempenhadas
Uma terceira forma de abordar a questão leva-nos a ver a função pública 
como o sistema de emprego próprio de uma parte dos empregados públicos: 
aqueles que desempenham funções relacionadas com o exercício de poderes pú-
blicos, diferentemente de outros, cujas funções não lhes exigem tais faculdades. 
O caso típico seria o dos Beamte alemães7, únicos aos quais se aplicam os “prin-
cípios tradicionais do serviço civil profi ssional” (Röber e Löffl er, 2000, p. 117) e 
que representam, aproximadamente, 40% do emprego público na Alemanha.
A distinção é importante por várias razões. Primeiro, porque a noção de 
poder público ou imperium foi historicamente relevante para construir a ar-
quitetura jurídica da administração profi ssional. De outro lado, na União Eu-
ropéia, o exercício de poderes públicos é o critério consagrado pelo Tribunal 
Europeu do Luxemburgo como limite para a livre circulação de trabalhadores 
entre as administrações dos países membros. Além disso, a partir de pontos de 
vista neo-institucionalistas sobre a reforma do Estado (Prats, 1995), defi niu-se 
a noção de função pública limitada ao “núcleo estratégico do Estado”, em que 
o sistema de mérito opera em sua plenitude, como garantia institucional para 
a governabilidade dos países, e que seria distinta do “emprego público”, noção 
mais ampla, onde caberiam relações de emprego diferentes, mais próximas da-
quelas do âmbito empresarial.
No entanto, essa noção de função pública continua sendo insatisfatória 
para nosso propósito. Em primeiro lugar, porque só seria aplicável, e mesmo 
inteligível, naqueles países que possuem modelos duais de empregopúblico, o 
que deixaria de fora uma parte muito signifi cativa dos sistemas públicos das de-
mocracias contemporâneas. Em segundo lugar porque, mesmo nesses países, a 
parte do emprego público que não está diretamente relacionada ao exercício de 
poderes públicos (ou assim parece, já que é notável a imprecisão deste critério 
delimitador no Estado de nossos dias)8, é qualitativa e quantitativamente muito 
importante. Por último, porque quando se analisa o conteúdo real das normas, 
7 NT: Beamte = servidor público.
8 Em alguns países, como é o caso da Espanha, funções que incorporam evidentes cono-
tações de imperium (por exemplo, a inspeção técnica de veículos, ou a de elevadores, ou 
determinados serviços de segurança de equipamentos públicos) são desempenhadas não 
por empregados públicos em regime trabalhista e sim por trabalhadores de empresas pri-
vadas contratadas ou habilitadas para tanto. Paralelamente, serviços públicos de natureza 
nitidamente profi ssionais, como saúde e educação, são prestados por empregados deten-
tores da condição, estatutariamente atribuída, de funcionários públicos.
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58 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
estruturas e políticas, o alcance da distinção é, frequentemente, mais formal do 
que substantivo.
O critério do nível de governo
Uma quarta e última aproximação do conceito identifi ca-o com o sistema 
aplicado aos empregados do governo ou administração central, isto é, excluí-
dos os outros níveis de governo: o local e, nos estados federais ou compostos, o 
dos estados, regiões ou comunidades intermediárias. Esta noção é exclusiva de 
um país: o Reino Unido (Ziller, 1993; Horton, 2000) assim como daqueles que 
reproduziram mimeticamente suas instituições. Trata-se precisamente daquele 
país em que nasceu e foi cunhada a expressão civil service, a partir do qual se 
desenvolveu uma das tradições mais vigorosas e infl uentes de respeito à confi -
guração do emprego público, o que faz com que esse critério delimitador deva 
ser levado em conta.
Apesar disso, também não podemos reter essa acepção e adotá-la, pois o 
âmbito de nossa refl exão integra todo o emprego público, incluindo, portanto, 
deliberadamente, os diferentes níveis de governo e administração.
A noção adotada
Acreditamos que nosso propósito exige que partamos de uma noção de 
função pública que se estenda à totalidade do emprego público, o que não 
ocorre em nenhuma das acepções analisadas. Por outro lado, nem todo tipo 
de emprego público é função pública; apenas o é quando o emprego ocorre em 
determinados contextos institucionais: os que tornam possível a existência e a 
proteção de uma administração profi ssional. Consideraremos que esta existe 
quando as instituições públicas dispõem de uma série de atributos que lhes 
permitam dispor de pessoal com as aptidões, atitudes e valores requeridos para 
o desempenho efi ciente e efi caz de suas atividades. Entre outras coisas, isso 
signifi ca poder garantir ao público o profi ssionalismo e a objetividade dos ser-
vidores públicos e uma conduta que respeite a institucionalidade democrática; 
também obriga a respeitar em sua gestão os princípios de igualdade, mérito e 
capacidade (Oszlak, 2003, p. 213).
Portanto, o propósito de tornar viável e defender a existência de uma ad-
ministração profi ssional é aquilo que está subjacente às articulações institu-
cionais que caracterizam a função pública e lhe outorga a especifi cidade que a 
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59O QUE O EMPREGO PÚBLICO TEM DE DIFERENTE. A FUNÇÃO PÚBLICA 
diferencia do emprego comum. Dado que este propósito não se impõe espon-
taneamente, é necessário um conjunto de regras do jogo, formais e informais, 
para garanti-lo. Será a efi cácia prática dessas regras que determinará a existên-
cia efetiva de um regime de função pública. Só nos contextos institucionais, 
nacionais ou sub-nacionais, naqueles em que essa efetividade seja verifi cável, 
estaremos diante de modelos de gestão do emprego público a que possamos 
atribuir a natureza de função pública.
Propomos, portanto, uma noção de função pública que a defi ne como o 
sistema de articulação do emprego público mediante o qual determinados países 
asseguram, com enfoques, sistemas e instrumentos diversos, certos elementos bá-
sicos para a existência de administrações públicas profi ssionais.
Os elementos básicos desta noção são os seguintes.
Entendemos por administração profi ssional uma administração pública di-
rigida e controlada pela política, conforme os princípios democráticos, mas 
não patrimonializada pela política, o que exige a preservação de uma esfera 
de independência e imparcialidade em seu funcionamento, por razões de 
interesse público. Os partidos políticos dirigem a partir do governo a ad-
ministração, mas não a possuem nem a conformam como bem lhes apraz, 
como ocorre nos sistemas de saque político. A noção de função pública im-
plica, neste sentido, a existência de um instrumental de proteção do empre-
go público frente a práticas de apadrinhamento, de clientelismo político ou 
de tentativas de apropriação por interesses particulares.
A existência e preservação de uma administração profi ssional exigirão de-
terminadas regulamentações específi cas do emprego público, mas a noção 
de função pública que propomos transcende a dimensão jurídica em um 
duplo sentido:
1. a mera existência das normas pode não ser sufi ciente para garantir uma 
articulação efetiva das garantias que tornam possível uma administração 
profi ssional. Essa articulação real é a única que, para nós, permite falar de 
função pública;
2. o grau de intensidade no uso das regulamentações pode variar notavel-
mente, dependendo dos diferentes contextos institucionais. Em alguns ca-
sos – entre os quais a Suécia, como veremos, é o exemplo mais marcante 
– as garantias de funcionamento da função pública não são predominan-
temente jurídicas.
Os sistemas de função pública podem incluir um ou mais tipos de relação de 
emprego. A uniformidade ou diversidade das estruturas e políticas de gestão 
do emprego público expressam apenas a existência de diferentes modelos 
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60 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
nacionais ou sub-nacionais de função pública, e não têm porque afetar a 
essência do modelo, sempre que estejam presentes os outros elementos que 
o constituem.
A noção de função pública que utilizamos engloba pressupostos em que 
o grau de singularidade de suas regulamentações próprias com relação ao 
marco jurídico regulamentador do trabalho comum por conta de terceiros 
pode ser muito diverso, indo desde uma considerável distância até a virtual 
identifi cação9.
Origem histórica e razão de ser da função pública 
no estado democrático de direito
Os sistemas contemporâneos de função pública têm sua origem na ins-
tauração dos regimes constitucionais na Europa e na América, a partir do fi m 
do século XVIII. O funcionário público (Sánchez Morón, 1996, p. 25) deixou 
de ser um servidor pessoal da coroa para transformar-se em funcionário do 
Estado, entidade impessoal regida pelas leis. Por outro lado, a supressão dos 
privilégios estamentais e a proclamação do princípio da igualdade perante a lei 
permitiram, pelo menos em teoria, que qualquer cidadão pudesse ter acesso a 
cargos públicos. Neste sentido, o célebre artigo 6 da Declaração dos Direitos do 
Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, proclamou esta igualdade dos 
cidadãos para serem admitidos a “todo tipo de dignidades, cargos e empregos 
públicos, segundo sua capacidade e sem outra distinção senão a de suas quali-
dades e seus talentos”. A fórmula histórica combina os dois pilares em que iria 
se fundamentar a identidade da função pública: a igualdadee o mérito.
De fato, em outros países, (Ziller, 1993, p. 381; Palomar, 2000, p. 117 e 
seguintes), tem prioridade o princípio de recrutamento por mérito. O primeiro 
deles foi, no princípio do século XVIII, a Prússia, onde Frederico Guilherme o 
impôs, mediante uma ordenança de 1713. O sistema de mérito generalizou-se 
no Reino Unido ao longo do século XIX. Em 1853, Northcote e Trevelian, co-
9 Esta noção de função pública foi adotada pela Carta Ibero-Americana da Função Pública, 
aprovada pela V Conferência Ibero-Americana de Ministros de Administração Pública 
e Reforma do Estado, celebrada em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia), em junho de 2003. 
O anteprojeto da Carta foi elaborado pelo autor deste livro, a pedido das Nações Unidas, 
e do Centro Latino-Americano de Administração para o Desenvolvimento (CLAD). O 
texto da Carta Ibero-Americana da Função Pública está acessível ao público no site do 
CLAD: www.clad.org.ve
■
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61O QUE O EMPREGO PÚBLICO TEM DE DIFERENTE. A FUNÇÃO PÚBLICA 
missionados por Gladstone para realizar uma pesquisa sobre a função pública 
inglesa, manifestaram-se a favor da implantação de um sistema de concurso, 
aberto a todos, para o recrutamento dos servidores públicos, transferindo para 
a metrópole o sistema que já era aplicado naquele mesmo ano ao recrutamen-
to para o serviço na Índia. Uma Order in Council, de 21 de maio de 1855, 
é a verdadeira certidão de nascimento do serviço civil. Criava a Civil Service 
Commission e nomeava três comissionados, encarregados de examinar todos 
os candidatos, a fi m de avaliar sua idoneidade para o cargo.
A origem da função pública moderna foi relacionada (Becke e outros, 
1996) ao acontecimento histórico de cinco fenômenos: 1) a separação entre 
o público e o privado; 2) a separação entre o político e o administrativo; 3) o 
desenvolvimento da responsabilidade individual; 4) a segurança no emprego, 
e 5) a seleção por mérito e igualdade. A concretização destes princípios na 
legislação de cada país (Sánchez Morón, 1996) foi um processo longo e desi-
gual, intimamente ligado à evolução social e às concepções políticas e culturais 
dominantes.
A Espanha foi o primeiro país a adotar um estatuto geral da função públi-
ca, em 1852. A Itália, depois do precedente de uma lei de 1853, que estabelecia 
uma carreira administrativa, elaborou seu primeiro Texto Único, em 1908. A 
Holanda fez o mesmo em 1929 e a Bélgica em 1937, bastante infl uenciada pelo 
modelo britânico. Na França, embora parte de seu modelo – em particular o 
sistema de corpos – tenha se delineado na era napoleônica, o primeiro estatuto 
não foi promulgado antes de 1941, sob o regime de Vichy. Nos Estados Unidos, 
o Pendleton Act, de 1883, supôs a abolição do sistema de despojos ou de saque 
político e deu origem ao serviço civil. Embora alguns presidentes, e especial-
mente Roosevelt, que fi zera parte da Comissão do Serviço Civil, tenham po-
tenciado o sistema de mérito, o marco normativo permaneceu imutável até o 
Civil Service Reform Act, de 1978, no mandato do presidente Carter, que defi ne 
o modelo atual.
Por que e para que nasce a função pública
Qual é a razão de ser da função pública no Estado contemporâneo? A 
que propósito substantivo obedece a necessidade de um marco institucional 
próprio do emprego público, relacionado, como dissemos, à proteção de uma 
administração profi ssional?
Para Prats (1995, p. 26 e seguintes), ela surge como uma criação evoluída 
do constitucionalismo moderno, estreitamente associada à ordem liberal do 
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62 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
mercado, já que se trata de uma instituição-chave do valor econômico e social 
fundamental que é a segurança jurídica, razão pela qual “é um dado que pode 
ser observado em todas as economias de mercado bem-sucedidas, e em ne-
nhuma das economias planejadas ou de substituição de importações, indepen-
dentemente da natureza autoritária ou democrática de umas ou outras”.
Na mesma linha de pensamento, Evans e Rauch (1999) acrescentam, ba-
seando-se em um ambicioso projeto de pesquisa, que a substituição de um 
sistema de apadrinhamento por uma burocracia pública profi ssional é uma 
condição, não sufi ciente, mas necessária, para o desenvolvimento dos países. 
Esta burocracia “weberiana” exigiria (Rauch e Evans, 2000) a ocorrência de três 
características institucionais-chave: a) recrutamento por mérito, mediante pro-
vas competitivas; b) procedimentos específi cos – não políticos – para contratar 
e demitir, e c) carreira profi ssional baseada na promoção interna.
Trata-se de condições de certo modo próximas a outras que puseram ên-
fase no profi ssionalismo do emprego público como variável mais importante 
para a redução da corrupção. Etzioni-Halevy, citado por Villoria (2000, p. 144), 
explica a corrupção sobretudo em função das relações entre as elites política e 
burocrática e a cultura política que as governa. Onde as regras do jogo separam 
a burocracia da elite política, conferindo-lhe um poder que lhe permite neu-
tralidade política, a corrupção declina e os processos democráticos são mais 
puros.
Esses argumentos tenderam a pôr ênfase, com indiscutível solidez, em 
um dos elementos fundamentais da função pública como instituição criadora 
de valor: a segurança jurídica. No entanto, a realidade do Estado e das socieda-
des contemporâneas obriga-nos a complementar esta perspectiva com outra: 
aquela que parte das exigências de efi cácia da própria ação de governo (Parejo, 
2000). Embora a segurança jurídica esteja na base das exigências de imparciali-
dade e de transparência no comportamento dos servidores públicos (a igualda-
de no acesso e a concorrência aberta são, nesse sentido, elementos essenciais), a 
efi cácia do governo e da administração é o bem jurídico protegido – em alguns 
países, como a Espanha, pela própria constituição – pelos requisitos de profi s-
sionalismo e capacidade, características de um sistema de mérito.
Não nos parece fácil transferir esse enfoque para um sistema que faça 
distinção entre parcelas da institucionalidade pública, considerando que o pri-
meiro tipo de valor pode ser atribuído à parte da administração que exerce 
poderes e o segundo aos setores que produzem, que são provedores de serviços 
públicos (o que estaria na base dos modelos duais já mencionados). De um 
lado, porque a efi cácia deve ser um valor central da ação pública em qualquer 
circunstância (por acaso não é crucial para as sociedades contemporâneas a 
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63O QUE O EMPREGO PÚBLICO TEM DE DIFERENTE. A FUNÇÃO PÚBLICA 
efi cácia do regulador?). De outro, porque as exigências de eqüidade e de neu-
tralidade no comportamento dos empregados públicos são também impres-
cindíveis nos processos de provimento dos serviços públicos como educação, 
saúde ou assistência social.
Segurança jurídica e efi cácia da administração são, portanto, os princí-
pios que estão na base dos sistemas de função pública, enquanto instituições 
criadoras de valor no estado democrático de direito. Para torná-los efi cientes, 
os países que perseguiram sua materialização e proteção se obrigaram a efe-
tuar um conjunto de articulações institucionais cujo objetivo é garantir que o 
comportamento dos empregados públicos obedeça a certos padrões. Se, para 
enunciá-los tomarmos como referência o civil service britânico, encontrare-
mos (Cabinet Offi ce, 1993) os seguintes quatro princípios básicos fundacio-
nais: 1) acesso aberto e transparente; 2) promoção por mérito; 3) integridade, 
objetividade e imparcialidade, e 4) não politização. O desafi o de nossos dias 
é, precisamente (World Bank, 2000), conseguir uma base fi rme para que esses 
princípiossejam traduzidos em prática, mas sem rigidez excessiva. Mais adian-
te voltaremos ao assunto.
MODELOS DE FUNÇÃO PÚBLICA
Essas articulações institucionais, que pretendem garantir na função pú-
blica os princípios básicos que destacamos, não são as mesmas em todos os 
países que estamos analisando. Pelo contrário, a unidade do objetivo contrasta 
aqui com a considerável diversidade dos caminhos escolhidos para alcançá-lo. 
Por isso, parece imprescindível referir-nos, ainda que sucintamente, a essas di-
ferenças, buscando na medida do possível sistematizá-las e ordená-las.
A função pública e o contexto institucional
Nosso propósito é mais descrever as diferenças do que analisá-las; no en-
tanto, parece inevitável começar por questionar sua origem. A função pública 
não é senão uma parte da institucionalidade dos sistemas político-administra-
tivos. Parece lógico pensar que as diferenças entre modelos de função pública 
ou serviço civil devam ser coerentes com as que cabem, mais globalmente, a 
esses sistemas em seu conjunto. Pollitt e Bouckaert (2000, p. 52 e seguintes) 
aplicam, entre outros, à sua análise dos regimes político-administrativos, o 
critério da cultura administrativa dominante, cujo desenvolvimento descreve 
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64 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
dois modelos culturais genéricos, que podem lançar alguma luz sobre a ques-
tão que estamos nos propondo.
Chamam o primeiro desses modelos de “perspectiva do Rechtstaat”10, 
onde a principal força integradora da sociedade é o Estado, cujas preocupações 
básicas são a elaboração das leis e o uso da coerção necessária para aplicá-las. 
Os valores típicos deste modelo cultural são a segurança jurídica, o respeito ao 
precedente e a preocupação com a eqüidade, pelo menos no sentido de igual-
dade diante da lei. O segundo modelo, denominado de “interesse público”, atri-
bui ao Estado – ou melhor, ao governo – um papel muito menos signifi cativo: 
seus poderes em nenhum caso devem ir além do necessário. Aqui a lei está 
mais subjacente do que em primeiro plano. O processo de governar baseia-se 
na busca do consenso – ou, pelo menos, do assentimento – para a adoção de 
iniciativas de interesse geral. Aceita-se que existam diferentes grupos sociais 
cujos interesses competem entre si e se preconiza para o governo um papel de 
árbitro, mais do que de tomada de partido. A imparcialidade, a transparência, 
a fl exibilidade, o pragmatismo e a harmonização de interesses são valores que 
precedem a capacidade técnica e mesmo a legalidade estrita.
No primeiro destes modelos, os funcionários tendem a ser vistos como 
investidos de poderes, razão pela qual o direito é o eixo central de seus pro-
cessos de capacitação. Alemanha, França e Espanha seriam, entre outros, os 
países em que essa cultura predomina nitidamente. Na segunda perspectiva, os 
servidores públicos são vistos como simples cidadãos que trabalham para or-
ganizações governamentais, e não como uma classe ou casta especial, investida 
da elevada missão de representar o Estado. Sua formação técnica tende a ser 
multidisciplinar. Os países anglo-saxões estariam neste âmbito cultural. Ou-
tros, como a Holanda ou a Suécia, teriam evoluído de um modelo basicamente 
legalista para marcos culturais mais próximos aos do segundo tipo, razão pela 
qual dispõem de uma consistente dimensão consensual no que diz respeito aos 
processos de elaboração das políticas públicas, mantendo ao mesmo tempo um 
forte senso de centralidade do Estado.
Um outro estudo comparado, recente, limitado à análise das tradições 
administrativas do Reino Unido e da Alemanha, Knill (2001, p. 59 e seguintes) 
chega também a conclusões sensivelmente parecidas com as que foram descri-
tas para cada um dos modelos citados.
Embora tais modelos culturais genéricos sejam de indubitável utilidade 
quando se trata de explicar e demarcar as estruturas e políticas dos sistemas 
10 NT: Rechstaat (alemão): estado de direito.
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65O QUE O EMPREGO PÚBLICO TEM DE DIFERENTE. A FUNÇÃO PÚBLICA 
nacionais de função pública ou de serviço civil, acreditamos que seu peso não 
deve ser exagerado. Com freqüência, características próprias de cada um dos 
contextos internos dispõem de maior força explicativa para analisar as distin-
tas peculiaridades nacionais. Vamos nos referir, neste sentido, aos casos da Ho-
landa, do Japão e da Suécia.
Na Holanda, constitui uma peculiaridade marcante (Van der Krogt e ou-
tros, 2000, p. 190) o fato de que, há muitos anos, os principais serviços sociais, 
como educação, saúde e assistência social, vêm sendo prestados aos cidadãos 
por organizações sem fi ns lucrativos, regulamentadas e fi nanciadas pelo gover-
no central ou pelos governos locais. De fato, a relação entre estas organizações 
não lucrativas e os poderes públicos era tão intensa que as regulamentações de 
pessoal, incluindo salários e pensões, chegavam a ser praticamente as mesmas 
que as dos funcionários públicos. Como é lógico, dada essa situação inicial, 
as privatizações da década de 1980 afetaram o sistema público holandês em 
menor escala que em outros países. Por outro lado, a descentralização da ges-
tão de recursos humanos que, como veremos, caracteriza a maior parte das 
reformas da função pública, teve na Holanda um sentido peculiar. Mais do que 
criar novas organizações às quais transferir autonomia e recursos, ela consistiu 
em modifi car as regras da relação entre o Estado e o setor não lucrativo, que 
deixou de se reger por subvenções para fazê-lo por contratos de serviço. Neste 
contexto, uma das conseqüências foi o relaxamento das regulamentações de 
pessoal e a tendência à diferenciação entre as diversas organizações prestado-
ras de serviços.
Quanto ao Japão, seria difícil (Ikari, 1995, p. 81) entender seu modelo 
de emprego público sem considerar as práticas de gestão de recursos huma-
nos no setor privado, peculiares e diferentes das que caracterizam a maior 
parte dos países do resto do mundo. A interpenetração dos dois setores evi-
dencia-se na existência das mesmas características dominantes: contratação 
vitalícia, ausência de recrutamento exterior no meio da carreira, promoção 
interna, mobilidade freqüente, antiguidade, formação no posto de trabalho, 
uniformidade das condições de trabalho e inexistência de sistemas de nego-
ciação coletiva.
A Suécia é um caso especial. Os funcionários públicos suecos estão su-
jeitos à legislação trabalhista comum. Uma lei especial (Murray, 2000, p. 171 
e seguintes) limita-se a acrescentar algumas regulamentações específi cas em 
matéria de excedentes, regime disciplinar e poucas outras. Cada empregado é 
contratado por uma organização específi ca (ministério, agência, governo lo-
cal), e só estabelece relação de trabalho com ela. Não existe nenhum tipo de 
concurso ou exame estabelecido para esse processo de recrutamento. Se uma 
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66 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
agência fecha, seus empregados perdem o posto de trabalho. Tendo em vista 
tudo isso, parece, à primeira vista, duvidoso que na Suécia ocorram os elemen-
tos e as garantias necessários à existência de um sistema de função pública tal 
como aquele a que nos referimos no item anterior.
O caso sueco é o mais representativo de um enfoque diferente e alternati-
vo no que diz respeito à construção do marco institucional preciso para garan-
tir e salvaguardar o sistema de mérito. Nos enfoques tradicionais, amplamente 
dominantes, o alicerce do referido marco é a legalidade. Criando um conjunto 
de garantias jurídicas, de um lado, e de restrições ao poder discricionário dos 
tomadores de decisões, de outro, a norma propõe-se a modular o comporta-
mento dos diversos atores. Atéa década de 1960, este era também o sistema 
na Suécia, desde quando, há mais de três séculos, Gustavo Adolfo II garantiu 
a estabilidade dos servidores do governo central. A partir de 1965, no entanto, 
as regras do jogo mudaram drasticamente. Paralelamente ao reconhecimento 
do direito de greve dos funcionários públicos, uma reforma total da função 
pública criou a nova institucionalidade a que correspondem as características 
descritas no parágrafo anterior.
Para o governo sueco, o objetivo de preservar uma administração profi s-
sional se mantém. O que muda é o instrumental que a garante. O novo marco 
institucional apóia mais no projeto de organização – e no conjunto de incen-
tivos articulados por ele – do que na legalidade a missão de estruturar sua 
função pública e de preservar, portanto, a existência de uma administração 
profi ssional. A implantação social e institucional do modelo de agências, na 
Suécia, é o ponto de partida. Nele irão se introduzindo medidas destinadas a 
conseguir que um formato tão descentralizado não implique em perda de inte-
gridade e controle. Não é o momento de descrever em detalhes essa arquitetura 
institucional, que combina elementos de contratação, atribuição de recursos, 
prêmio/sanção, capacitação, socialização, introdução de forças de mercado e 
controle dos gestores por outros atores sociais.
Como identifi car modelos de função pública
De tudo que foi dito depreende-se a difi culdade que implica reduzir a 
diversidade dos sistemas de função pública nos diferentes países em que exis-
tem uns poucos modelos defi nidos com precisão. De fato, além dos arquétipos 
genéricos, que manteriam a descrição num nível excessivo de abstração, os 
sistemas nacionais de função pública combinam as articulações institucionais 
que os caracterizam de forma peculiar, fruto sem dúvida de suas respectivas 
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67O QUE O EMPREGO PÚBLICO TEM DE DIFERENTE. A FUNÇÃO PÚBLICA 
histórias, tradições próprias e outros elementos que os singularizam. As seme-
lhanças entre dois países, quanto a um elemento concreto, convertem-se em 
diferenças em outro, o que, por sua vez, daria lugar a novos alinhamentos e 
comparações.
Apesar de tudo, a conveniência de sistematizar a descrição leva-nos a apre-
sentar essa realidade consideravelmente heterogênea, identifi cando e agrupan-
do os modelos nacionais em torno de quatro cortes transversais, que coincidem 
com os elementos centrais básicos de um marco institucional de função pública 
ou serviço civil. Eles são os seguintes:
a) os sistemas e instrumentos de acesso, isto é, o conjunto de mecanismos esta-
belecidos para o recrutamento e a seleção dos funcionários públicos;
b) a organização da carreira profi ssional, que parte da distinção básica entre 
sistemas de carreira e de emprego;
c) o conjunto de direitos e de deveres estabelecidos para os funcionários públicos;
d) a administração do sistema, que se refere fundamentalmente ao grau de cen-
tralização ou de descentralização com que o sistema funciona.
Os sistemas de acesso: modelos francês, alemão e britânico
Todos os países que dispõem de sistemas de gestão do emprego público 
que possamos caracterizar, de acordo com a noção adotada, como de função 
pública, compartilham um mínimo de formalização que distingue o acesso ao 
emprego público do sistema do setor privado (Siedentopf, 1990; Ziller, 1993; 
Klingner e Nalbandian, 1994; Férez, 1995; MAP, 1997; OCDE, 1999a). Pois 
bem, naquilo que ultrapassa esse mínimo, são notáveis as diferenças quanto 
ao grau de formalização. Uma das exigências foi defi nida (Ziller, 1993, p. 392) 
como o “mínimo comum” dos sistemas europeus da função pública (podemos 
estendê-la ao resto dos países do âmbito examinado). Trata-se da obrigação de 
tornar públicos os cargos vagos.
A partir de um edital público, alguns países, como a Suécia – cujo caso 
já mencionamos – a Holanda ou a Dinamarca (todos eles podem ser incluídos 
no que mais adiante descreveremos como sistemas de emprego) dão ao res-
ponsável pelo órgão, agência ou unidade recrutadora uma ampla margem de 
liberdade para selecionar.
Outros países e, em especial aqueles possuidores de sistemas de carreira, 
incorporam mecanismos adicionais para assegurar a preservação dos princí-
pios de igualdade e mérito. O instrumental difere em cada país, mas pode ser 
agrupado, para simplifi car a descrição, em três grandes modelos, cujos padrões 
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68 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
básicos costumam ser identifi cados com os sistemas da França, da Alemanha 
e do Reino Unido.
O modelo francês
A administração francesa faz do concurso o eixo dos procedimentos de 
recrutamento e seleção. A noção de concurso, na França, exige a existência de 
pelo menos quatro requisitos (Ziller, 1993, p. 398): a) um número de cargos 
vagos (no concurso típico o número costuma ser alto), determinados com pre-
cisão; b) uma banca julgadora independente do poder político, dos candidatos 
e dos dirigentes das unidades em que existem vagas; c) uma classifi cação dos 
candidatos admitidos por ordem de mérito (normalmente feita depois da rea-
lização de um exame sobre matérias de um programa previamente conhecido 
e composto, pelo menos em parte, por provas escritas anônimas), e d) a obri-
gação da autoridade respeitar a classifi cação resultante.
O recrutamento por concurso é a norma, em diferentes modalidades 
(MAP, 1997), na Bélgica, na Espanha (onde é preferencialmente chamado de 
“oposição”), na Itália (onde continua depois da reforma “privatizante” de 1993) 
e no Japão, assim como, ainda que dentro de outro modelo de garantias, no 
Reino Unido.
Outro traço próprio do modelo francês de recrutamento é o papel que 
nele é atribuído às escolas de funcionários. De fato, o que normalmente a ad-
ministração central francesa recruta não são diretamente funcionários, mas 
alunos de uma escola especializada, em que serão formados os futuros funcio-
nários. Esta é uma característica própria (muito ligada ao sistema de corpos a 
que nos referiremos adiante) que teve difusão muito menor do que o concurso. 
Entre os países analisados, só a Espanha e ainda assim, muito limitadamente, 
tem usado essa modalidade.
O modelo alemão
Na Alemanha, o acesso à condição de funcionário baseia-se num siste-
ma muito formalizado de seleção por etapas, que combina teoria e prática. No 
serviço superior, uma primeira seleção (exame de Estado), posterior à gradua-
ção universitária, dá lugar a um serviço preparatório, de dois anos de duração, 
que combina a formação teórica com estágios práticos de trabalho, diferen-
tes segundo a especialidade. Esse serviço culmina com um segundo exame de 
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69O QUE O EMPREGO PÚBLICO TEM DE DIFERENTE. A FUNÇÃO PÚBLICA 
Estado, a cargo de uma banca independente, cuja aprovação habilita o candi-
dato para o desempenho de função pública; nessa função ele fi ca em condição 
probatória por três anos, sem estabilidade. Esta é alcançada depois de um pro-
nunciamento favorável dos titulares dos órgãos em que o serviço foi prestado. 
Nos outros três níveis de serviço, abaixo do superior, as regras básicas são as 
mesmas, embora o primeiro exame seja substituído pela certifi cação escolar e 
alguns prazos sejam reduzidos.
O recrutamento propriamente dito fi ca a cargo dos responsáveis minis-
teriais e dos Länder, que escolhem os mais adequados dentre os funcionários 
habilitados que tenham se candidatado. A participação dos representantes do 
pessoal nessa seleção é um fator que limita signifi cativamente a possibilidade 
de escolha discricionária por parte dos dirigentes.
Trata-se de um modelo original de recrutamento e seleção que não se 
difundiu por outrospaíses, com a única exceção do Luxemburgo, que o adotou 
parcialmente para a seleção de seus funcionários graduados. A crítica de que o 
modelo tem servido para a manutenção do monopólio dos juristas na função 
pública (Ziller, 1993, p. 395) é uma das mais freqüentemente citadas.
O modelo britânico
O sistema do Reino Unido caracteriza-se por encarregar o recrutamen-
to a um órgão central independente, não submetido às pressões dos eleitores. 
Trata-se da Comissão do Serviço Civil, criada, como vimos, em meados do 
século XIX, e formada por três comissionados (commissioners), nomeados pelo 
governo para recrutar e selecionar os empregados necessários aos ministérios, 
fazendo que compitam em concurso aberto. A tradição britânica de funcio-
nários generalistas, diferentemente do que ocorre no modelo francês, leva a 
concursos muito abertos, centrados em entrevistas destinadas a avaliar as qua-
lidades e a personalidade dos candidatos, sem privilegiar nenhuma formação 
universitária específi ca, o que também diferencia o sistema, nitidamente, da 
seleção no modelo alemão. A administração fi ca cerceada pelas escolhas da 
Comissão, não podendo nomear senão candidatos que disponham da certifi -
cação que ela fornece.
Além do Reino Unido, a Irlanda, o Canadá, os Estados Unidos e o Japão 
empregam uma comissão independente para proteger o sistema de mérito. Tam-
bém a Bélgica inspirou-se diretamente no modelo britânico ao criar, em 1937, 
uma secretaria permanente para o recrutamento. Na Alemanha, um sistema si-
milar existe para selecionar os candidatos que, em certos casos, postulam direta-
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70 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
mente um emprego, sem pertencer à carreira de funcionário, não tendo passado 
pela seleção prévia antes descrita. As principais críticas ao sistema da comissão 
independente assinalam (World Bank, 2000) os riscos de distanciamento entre 
os critérios da comissão e os dos gestores de linha, condenando, nas palavras de 
Ziller (1993, p. 396) um excesso de independência da comissão.
Resumindo, poder-se-ia dizer que os três modelos descritos pretendem 
garantir a igualdade e o mérito nos sistemas de função pública ou serviço civil 
mediante um instrumental de garantias que apresenta alguns elementos co-
muns e outros específi cos, mas que certamente enfatizam elementos diferentes. 
Os países que adotam o modelo francês acentuam o papel dos instrumentos de 
seleção, criando sistemas de garantias fundamentalmente formais. O modelo 
alemão, também muito formalizado, busca assegurar a capacitação teórico-
prática ao longo de um processo prolongado. O modelo britânico, mais fl exível 
nos instrumentos, insiste, sobretudo, no profi ssionalismo e na independência 
dos órgãos de seleção.
A organização da carreira: sistemas de emprego e de carreira
A carreira é um elemento freqüentemente utilizado para distinguir siste-
mas de função pública. Esse elemento permite distinguir (Ziller, 1993; Férez, 
1995; Sánchez Morón, 1996; Palomar, 2000; World Bank, 2000) os sistemas de 
emprego (position based) dos sistemas de carreira propriamente ditos.
Os sistemas de emprego
Estão organizados a partir das necessidades de pessoal, a curto prazo, da 
administração. O recrutamento é realizado para um emprego ou cargo e não 
para integrar um agrupamento profi ssional mais amplo que habilite o candida-
to para ocupar certos cargos. É, normalmente um sistema aberto, em que qual-
quer cargo pode ser ocupado por candidatos externos à administração, embo-
ra, em certos casos, possa haver condições distintas para candidatos internos 
e externos. A Suécia, os países nórdicos da Europa e a Holanda têm sistemas 
de emprego. Também é este o sistema que se aplica em muitos países euro-
peus ao emprego contratual, cobrindo funções (técnicas, braçais, subsidiárias 
ou temporárias) ou setores (o governo local no Reino Unido; a função pública 
territorial francesa) não afetados pela reserva funcionarial. A amplitude dessa 
parte do emprego público em certos países permite que se fale (Ziller, 1993, 
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71O QUE O EMPREGO PÚBLICO TEM DE DIFERENTE. A FUNÇÃO PÚBLICA 
p. 412) de sistemas mistos, quando é preciso se referir à Alemanha e à Bélgica, 
além dos casos citados. Com semelhante fundamento, a Espanha poderia ter 
sido incluída nesse grupo.
Os sistemas de carreira
Esses modelos baseiam-se numa estrutura hierarquizada dos cargos pú-
blicos. Nela os funcionários, recrutados para um determinado nível de empre-
go, podem, com o tempo, percorrer uma trajetória ascendente passando por 
uma série de níveis, até chegar ao nível máximo que lhes compete. Os planos 
de carreira pressupõem, portanto, que existam certos postos considerados de 
acesso, reservados para recrutamento externo, e que o resto dos postos corres-
pondentes a níveis superiores sejam preenchidos mediante promoção interna.
Em todo plano de carreira existe, pois, um determinado número de di-
visões horizontais (categorias, escalas, graus, classes, grupos ou outras deno-
minações) que refl etem a hierarquização dos empregos e cujos limites são, de 
um lado, os pontos ou escalas em que se realiza o recrutamento externo e, de 
outro, os que marcam o nível máximo a que pode chegar a promoção interna. 
O normal é que essa hierarquização leve em conta o nível formal (reconhecido 
por um título ou diploma) dos conhecimentos especializados exigidos para o 
acesso. Fundamentalmente, e sem prejuízo dos pressupostos mistos já men-
cionados, os sistemas de carreira e os sistemas de função pública ou serviço 
civil da França, Reino Unido, EUA, Japão, Alemanha, Bélgica e Espanha, entre 
outros, são sistemas de carreira.
Em certas ocasiões, junto com a citada estratifi cação horizontal, os planos 
de carreira incluem divisões verticais. Em certos casos, respondem ao dese-
jo de limitar a mobilidade entre setores ou organizações do sistema público, 
como ocorre na Alemanha, para preservar o princípio constitucional de auto-
nomia ministerial em matéria de gestão de pessoal. Em outros casos, trata-se 
de mecanismos de organização da carreira, como ocorre no sistema corporati-
vo, nascido na França e adotado também, com certos matizes, na administra-
ção central espanhola. Em síntese, uma corporação é um grupo profi ssional 
que reúne um conjunto de funcionários recrutados especifi camente para si e 
chamados a exercer um determinado número de empregos, próprios de sua 
área de qualifi cação. É no quadro da corporação que estes funcionários desen-
volvem sua carreira. Os estatutos particulares das corporações complementam 
o estatuto geral da função pública. Na administração francesa existem cerca de 
mil corporações de funcionários.
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72 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
Como síntese, pode-se afi rmar que a distinção fundamental entre os dois 
sistemas de função pública apresentados consiste em sua relação com o merca-
do de trabalho. No primeiro caso, as necessidades quantitativas e qualitativas 
de pessoal são basicamente satisfeitas mediante ajuste externo, isto é, recorren-
do ao mercado. No segundo, mediante o recrutamento para os postos defi ni-
dos como de acesso. A criação de um ou mais mercados de trabalho internos 
(Hondeghem e Steen, 2000, p. 65) fará com que os gestores de pessoal operem 
preferentemente neles para atender o restante de suas necessidades.
Os direitos e os deveres
Em todos os sistemas de função pública examinados (MAP, 1997; Zil-
ler, 1993), o direito ao cargo ou estabilidade (tenure) protege, em maior ou 
menor grau, o funcionário público da demissão arbitrária, como mecanismo 
de garantia para a manutenção de um comportamento independente e profi s-
sional. Em todos eles, também, estácontemplada a possibilidade da demissão 
por razões disciplinares. A distinção fundamental, nesta matéria, está entre os 
sistemas que normatizaram a extinção da relação de emprego por causas or-
ganizacionais ou econômicas, e os que não o fi zeram desse modo. Voltaremos 
a esse ponto mais adiante, já que incidem às vezes sobre essa questão extrema 
os processos de reforma. Seja como for, os analistas concordam em que tanto a 
cultura tradicional das organizações, quanto o peso das organizações sindicais 
em seu interior, sempre dotam o emprego público de uma estabilidade consi-
deravelmente superior à do emprego privado.
Os sistemas de função pública coincidem ao exigir dos funcionários pú-
blicos um dever de lealdade à nação e a suas instituições básicas, assim como 
o dever de reserva com relação a assuntos a que tenham acesso em função do 
cargo. Regulamentam, também, em geral, as incompatibilidades dos servidores 
públicos com a realização de outros trabalhos ou o desempenho de atividades 
políticas, embora aqui a dispersão dos regulamentos nacionais quanto ao grau 
de liberalidade seja muito grande, não sendo possível vislumbrar nenhum pa-
drão que permita sistematizá-la.
Quanto aos direitos coletivos, o reconhecimento do direito de greve dos 
funcionários públicos divide os sistemas de função pública. É expressamente 
proibido na Bélgica e na Alemanha e plenamente reconhecido na França e na 
Itália. Também na Espanha, onde apenas constituem exceção as corporações 
da polícia. Na Holanda e no Reino Unido o direito não é reconhecido formal-
mente, mas seu exercício não dá lugar a sanções. Os direitos de participação e 
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73O QUE O EMPREGO PÚBLICO TEM DE DIFERENTE. A FUNÇÃO PÚBLICA 
negociação coletiva das condições de trabalho foram consideravelmente con-
solidados e ampliados, ao longo das últimas décadas, com algumas exceções. 
Aludiremos a eles em um item posterior.
A administração do sistema
Os sistemas político-administrativos contemporâneos tendem à comple-
xidade e à fragmentação. Isso desencadeia tendências contrárias: de um lado 
no sentido da diversifi cação, necessária para a adaptação a contextos comple-
xos; de outro, no sentido da integração, imprescindível para manter a coesão 
geral e o controle. Vários países respondem à questão de uma forma que se 
relaciona, em geral, com contextos institucionais mais amplos. Os sistemas de 
função pública não estão alheios a essas pressões.
De fato, pode-se pensar que os denominados sistemas de emprego res-
pondem às pressões diversifi cadoras e adaptadoras, enquanto os modelos de 
carreira identifi cam-se mais com as necessidades de coordenação interna e de 
coesão. A distinção parece-nos pelo menos duvidosa. De um lado, a capaci-
dade dos gestores para adaptar a gestão de pessoal às necessidades concretas 
dos serviços depende – mais do que da existência de um sistema de emprego 
enquanto tal – de um projeto de organização que lhes confi ra a autonomia ne-
cessária. De outro lado, os modelos de carreira abrigam freqüentemente uma 
considerável fragmentação. Isso ocorre pelo menos em três casos: a) quando a 
heterogeneidade do aparelho estatal e de sua carteira de serviços impõe de fato 
estatutos de emprego (carreiras) diferenciados para setores distintos (educação, 
saúde, polícia, administrações territoriais etc.); b) quando há uso abundante do 
recurso de criar entidades e organismos diferenciados, excluídos do regime 
comum, e c) quando as divisões verticais a que nos referimos, em especial as 
corporações, aumentam as tendências fragmentadoras, chegando a introduzir 
elementos de concorrência interna para a apropriação de parcelas do aparato 
estatal.
Não há dúvida de que a fi gura do empregador público (um departamento 
ou organismo central, ou então os ministérios e agências) pode parecer mais 
centralizada, nos casos em que predominaram as tendências integradoras e 
de coesão, ou mais descentralizada, quando predominaram as pressões para 
a adaptação. Assim (OCDE, 1999a , p. 21), podemos dizer que França, Japão, 
Canadá e Espanha dispõem de modelos consideravelmente centralizados, en-
quanto EUA, Suécia, Holanda, Nova Zelândia e Austrália utilizam sistemas de 
emprego e gestão de recursos humanos mais descentralizados.
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74 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
Como se verá mais adiante, uma das mais poderosas orientações de re-
forma dos sistemas de função pública no âmbito da OCDE é precisamente a 
descentralização das decisões sobre pessoal. Nos últimos anos, a idéia de que 
a melhora das estruturas políticas de recursos humanos exige um projeto des-
centralizado dos sistemas de tomada de decisões obteve, além mesmo das ini-
ciativas concretas de mudança em cada país, um amplo consenso.
FUNÇÃO PÚBLICA: UMA OU MUITAS?
Chegados a este ponto, parece fi car claro que a função pública fi ca mais 
inteligível como um propósito do que como uma forma determinada de torná-
lo realidade. A fi nalidade está clara, e é compartilhada enquanto tal em dife-
rentes contextos institucionais: organizar o emprego do setor público de modo 
a tornar possível a existência de administrações profi ssionais. Tanto a seguran-
ça jurídica como a efi caz prestação dos serviços públicos exige organizações 
públicas não apropriadas pela política nem capturadas por interesses particula-
res. É necessário para isso que existam mecanismos, incentivos, regras do jogo, 
formais e informais, que permitam alcançar esse objetivo. Tais composições 
institucionais implicam, em maior ou menor medida, um certo grau de singu-
laridade da gestão do emprego público, diferente do que se desenvolve e pratica 
nas empresas do setor privado da economia.
Ora, quando penetramos na natureza desses acertos nos diferentes paí-
ses, como pretendemos fazer neste capítulo, a unidade do propósito traduz-se, 
como vimos, em diversidade dos meios utilizados para materializá-lo. A fun-
ção pública transforma-se em realidades muito distintas, nas quais a infl uên-
cia das culturas e tradições nacionais fi ca evidente. Voltando à pergunta com 
que começamos o capítulo, um panorama tão heterogêneo permite defi nir de 
algum modo as diferenças que a função pública apresenta com relação à ges-
tão contemporânea do emprego e das pessoas, tal como dissemos no capítulo 
anterior?
Algumas dessas diferenças são comuns à imensa maioria dos sistemas 
de função pública, em que pese a diversidade assinalada. Em trabalho recente, 
referindo-se ao contexto espanhol, Castillo Blanco (2003, p. 32) defi ne essas 
peculiaridades em quatro extremos:
a) maior estabilidade da relação, como conseqüência da rigidez para a demissão;
b) maior impacto das normas, dada a vigência do princípio de vinculação ju-
rídica positiva que impera no direito público, assim como a necessidade de 
acatar exemplarmente as decisões judiciais;
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75O QUE O EMPREGO PÚBLICO TEM DE DIFERENTE. A FUNÇÃO PÚBLICA 
c) maior rigidez nos procedimentos, especialmente evidente na seleção e nas po-
líticas disciplinares, como conseqüência da estabilidade inerente às normas;
d) maior difi culdade para medir o desempenho em zonas de defi nição de polí-
ticas, o que cria obstáculos para certas práticas de retribuição.
Este é um inventário sucinto de elementos que diferenciam e que pode-
ríamos estender, sem medo de errar, à maior parte dos contextos institucionais 
de função pública. Contudo, devemos ter em conta – e nisso insistiremos no 
capítulo fi nal do livro – que o distanciamento que a função pública apresenta 
com relação ao emprego comum não se explica apenas considerando as regras 
formais, como também, e principalmente, pela forma em que estas interagem 
com as convicções,valores e modelos mentais que povoam o inconsciente cole-
tivo das organizações do setor público. Trata-se de uma interação que se reforça 
mutuamente, que consolida este olhar diferente sobre a realidade, a que aludi-
mos ao iniciar este capítulo, e que se traduz em diferentes maneiras de fazer.
Na realidade, as diferenças entre os modelos nacionais de função pública 
não se encontram fundamentalmente nos diagnósticos sobre seu funciona-
mento e na conseqüente identifi cação das áreas de melhoria. De fato, como ve-
remos no capítulo 5, as tendências atuais de reforma da gestão pública favore-
cem a realização de diagnósticos comuns sobre os problemas de gestão pública 
do emprego e dos recursos humanos, aplicáveis à imensa maioria de países 
dotados de sistemas de função pública ou serviço civil. O que muda, em muitos 
casos, é o ponto de partida. Dependendo das características das composições 
institucionais incorporadas pelos diferentes sistemas político-administrativos, 
os esforços para corrigir suas disfunções e colocá-las a serviço de uma gestão 
pública mais efi caz e efi ciente deverão iniciar-se em momentos ou estágios de-
terminados, com itinerários específi cos, adaptados às características, tradições, 
contextos sócio-políticos e culturas sociais dos diversos países.
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3. GERIR PESSOAS NO SETOR PÚBLICO: UM 
SISTEMA INTEGRADO DE VALOR ESTRATÉGICO
Nos capítulos precedentes, abordamos a situação e as tendências da gestão 
das pessoas, assim como as peculiaridades que a dotam de uma grande espe-
cifi cidade quando se desenvolve no seio das organizações do setor público. No 
presente capítulo, apresentaremos um modelo integrado de gestão do emprego e 
dos recursos humanos. Este modelo será desenvolvido depois no capítulo 4, des-
tinado à apresentação dos vários componentes ou subsistemas que o integram.11
Com que alcance utilizamos o termo “modelo”, para os fi ns deste capítu-
lo? Um modelo não é senão um instrumento que o estudioso elabora, sobre 
uma realidade complexa, com a fi nalidade de descrevê-la e de aprofundar o 
conhecimento que se tem dela e dos fatores que a compõem. Constitui uma 
aproximação específi ca àquela realidade, entre outras possíveis. O modelo é 
menos que uma hipótese, porque não pretende ser a formulação de uma ver-
dade que quer ser provada. É também menos que um paradigma, porque este 
alude geralmente a um quadro explicativo usado e aceito de maneira muito 
geral ou por uma parte muito importante da comunidade científi ca, o que não 
é o caso quando se fala de modelos. Assim, um modelo justifi ca-se basicamente 
por sua utilidade explicativa e analítica. Não pretende fornecer a única explica-
ção possível de uma realidade complexa, mas facilitar o acesso a ela.
Tal é a fi nalidade do modelo que descrevemos a seguir: facilitar a com-
preensão do propósito principal, as fi nalidades associadas, as áreas básicas de 
intervenção, os fatores situacionais relevantes e os critérios de avaliação aplicá-
veis a um sistema de gestão do emprego e dos recursos humanos.
O modelo que apresentamos não é, em essência, exclusivo do setor públi-
co, mas sim resultante da sua aplicação à gestão de recursos humanos (GRH) 
em qualquer organização, pública ou privada. De fato, acreditamos que as es-
pecifi cidades próprias do quadro institucional do emprego público, mencio-
nadas no capítulo anterior, aparecerão, sobretudo, na descrição dos subsiste-
11 O modelo apresentado neste capítulo e desenvolvido no seguinte serviu de base para um 
Marco Analítico para a Avaliação de Sistemas de Serviço Civil, elaborado pelo autor deste 
livro a pedido do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para o diagnóstico 
institucional de realidades nacionais da América Latina e do Caribe. Para uma apresenta-
ção da metodologia e uma síntese das conclusões dos primeiros diagnósticos, vide Longo, 
2003c. O Marco Analítico pode ser acessado no portal do BID www.iadb.org
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78 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
mas, cujo desenvolvimento será objeto do capítulo seguinte. Apesar disso, na 
apresentação de cada um dos elementos do modelo, que iniciaremos a seguir, 
tomaremos o setor público como referência para sua aplicação. Em todo caso, a 
aplicação desses quadros conceituais à prática docente e à consultoria, durante 
muitos anos, e especialmente a exposição deles a um grande número de diri-
gentes públicos, leva-nos a pensar que o enfoque que propomos é perfeitamen-
te aplicável às principais questões que a gestão das pessoas nas organizações 
públicas coloca e que são o objeto central de nossa refl exão.
A GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS AGE COMO UM NEXO 
ENTRE A ESTRATÉGIA E AS PESSOAS
A fi gura 1 mostra uma aproximação inicial e global – poder-se-ia dizer 
que numa visão panorâmica – dos elementos básicos do modelo teórico pro-
posto. A GRH apresenta-se como um sistema integrado de gestão, cuja fi na-
lidade básica ou razão de ser é a adequação das pessoas à estratégia de uma 
organização ou sistema multiorganizacional12 para a produção de resultados 
que estejam de acordo com as fi nalidades perseguidas.
12 Doravante, para maior simplicidade expositiva, as referências ao termo “organização” de-
verão ser entendidas como estendidas – a menos que não se indique o contrário – tanto a 
organizações individuais como aos sistemas ou complexos institucionais multiorganiza-
cionais de que façam parte.
Figura 1. Modelo integrado de gestão estratégica de recursos humanos
Fonte: Adaptado de Serlavós.
PESSOAS
ESTRATÉGIA
RESULTADOS
Gestão de 
recursos 
humanos
AMBIENTE
marco legal
mercado de 
trabalho
outros
CONTEXTO 
INTERNO
estrutura
cultura
outros
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79GERIR PESSOAS NO SETOR PÚBLICO: UM SISTEMA INTEGRADO DE VALOR ESTRATÉGICO 
Pessoas e resultados
Falamos de resultados, isto é, de produtos avaliáveis das políticas e prá-
ticas de gestão das pessoas, que possam ser confrontados com determinados 
parâmetros ou metas. Assumimos portanto uma perspectiva que avalia a GRH 
por suas conseqüências e não simplesmente pela qualidade do instrumental 
de gestão utilizado. Neste sentido, o referencial fi nal de avaliação da gestão de 
recursos humanos, implícito no modelo, vai além dos critérios baseados em 
regras de boa prática, como por exemplo, os que utilizam os modelos de gestão 
da qualidade, quando se aplicam à GRH13. Com isso não estamos negando a 
utilidade desses instrumentos de avaliação. De fato, no capítulo seguinte vamos 
percorrer os subsistemas da GRH que incorporam um conjunto de critérios de 
boa prática. Limitamo-nos a esclarecer o enfoque global proposto e a destacar 
sua orientação fi nalista. São os resultados, enfi m, e não apenas a adequação das 
políticas a certas pautas, que determinarão o êxito de um sistema de gestão do 
emprego e das pessoas.
Mas, a que resultados estamos nos referindo? A pergunta não é ociosa. 
Poderíamos estar nos referindo a êxitos específi cos em matéria de recursos 
humanos tais como, por exemplo, determinadas cifras de absenteísmo ou ro-
tatividade, ou quaisquer outros dados relacionados com o emprego ou com 
o comportamento humano que pudessem ser confrontados com parâmetros 
universalmente aceitos. Também poderíamos medir até que ponto se alcan-
çam determinadas metas defi nidas especifi camente para a área de recursos hu-
manos, como por exemplo a redução de prazos em matéria de recrutamento, 
ou a melhora do clima do ambiente de trabalho evidenciada em uma pesquisa 
de satisfação. Nem é preciso dizer que estaríamos frente a êxitos importantes, 
dignos de serem medidose considerados, mas, mais uma vez, o modelo que 
propomos comporta um grau de exigência maior: avaliar globalmente a ges-
tão de recursos humanos obriga a considerar os resultados da organização em 
seu conjunto.
13 Assim, o modelo europeu da EFQM (Fundação Européia para a Gestão da Qualidade, 
1999) concentra-se, em seu critério 7, nos êxitos alcançados pela organização em relação 
às pessoas que a integram, para o que defi ne medidas de percepção e indicadores de 
desempenho relacionados a certos critérios de boa prática, como “igualdade de opor-
tunidades”, “reconhecimento”, “envolvimento com equipes de melhora” ou “efi cácia da 
comunicação”.
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80 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
A questão poderia ser enunciada assim: um sistema concreto de GRH só 
cria valor para a organização se representar uma contribuição efetiva para a 
obtenção dos resultados em que se realizam suas prioridades. Se este vínculo 
não estiver claro, não tem sentido buscar justifi cativas na correção teórica dos 
instrumentos ou na obtenção de metas parciais. Em outras palavras, a GRH 
não obtém êxito em organizações que não alcançam seus objetivos.
Certamente, os resultados de uma organização sofrem também a infl uên-
cia de fatores alheios às políticas e práticas de GRH. Algumas destas infl uências 
emanam de outras áreas de gestão, como a da produção, a econômico-fi nan-
ceira, a comercial e outras. É evidente que a GRH não pode ser considerada a 
única responsável pelos resultados alcançados pela organização, o que nos leva 
a perguntar até onde chega sua responsabilidade. A resposta só pode ser esta: 
o que pode ser imputado à GRH é a parte em que os resultados da organização 
dependem das pessoas.
Sem dúvida, precisar esse alcance é um assunto que deve ser elucidado 
mediante uma análise nitidamente situacional, isto é, examinando a etiologia 
específi ca dos resultados obtidos e ponderando os diversos fatores de infl uên-
cia existentes. O grau de infl uência das pessoas nos resultados pode oscilar em 
grande parte, dependendo de fatores como o setor de atividade (por exemplo, 
industrial ou de serviços), o sistema técnico (mais ou menos regulador ou me-
canizado, mais ou menos sofi sticado), o contexto (mais ou menos complexo, 
dinâmico, hostil)14 ou a própria estratégia da organização (por exemplo, tende-
rá a infl uir menos, previsivelmente, no contexto de uma estratégia empresarial 
de custos do que em uma de diferenciação). Então, como indicávamos no ca-
pítulo 1, a transcendência atualmente atribuída à gestão de recursos humanos 
deriva, precisamente, de que, em nossos dias, diferentemente de outras épocas 
e de outros paradigmas, generalizou-se a percepção de que, sem desconhecer 
essas diferenças, as pessoas são de qualquer modo cruciais para que as organi-
zações alcancem os resultados que almejam.
Chegando a este ponto, a pergunta obrigatória é: em que sentido e com que 
alcance podemos afi rmar que os resultados organizacionais dependem das pes-
soas? O modelo que propomos responde a esta pergunta da seguinte forma: os re-
sultados a alcançar relacionam-se causalmente com as pessoas de duas maneiras:
a) de um lado, acham-se infl uenciados pelo grau de adequação do dimensiona-
mento, quantitativo e qualitativo, dos recursos humanos em relação às fi nali-
14 Para esclarecer melhor essas dimensões do sistema técnico e do contexto da organização, 
ver Mintzberg, 1984, p. 289-329.
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81GERIR PESSOAS NO SETOR PÚBLICO: UM SISTEMA INTEGRADO DE VALOR ESTRATÉGICO 
dades pretendidas. Por conseguinte, o suprimento de capital humano deverá 
ajustar-se sempre às necessidades da organização, evitando tanto o excesso 
como a falta, e gerindo com a maior agilidade possível os processos de ajuste 
necessários. Em organizações intensivas em recursos humanos, como são a 
maioria das que pertencem ao setor público, essa é uma área extremamente 
relevante;
b) de outro lado, serão conseqüência da conduta das pessoas em seu trabalho, 
aspecto que abordaremos mais adiante.
Assim, a GRH é compelida a interferir em ambas as variáveis: o dimen-
sionamento de capital humano e a conduta das pessoas. A avaliação global de 
um sistema de GRH deve ser referida, portanto, à medida que essa incidência 
for de sinal positivo, nos dois campos, e se traduza em resultados efetivos.
As políticas e práticas de gestão de recursos humanos
Essa incidência da GRH nos dois campos mencionados ocorre mediante 
a defi nição e implementação de políticas e práticas de gestão do emprego e dos 
recursos humanos (círculo central da fi gura 1, p. 78). Vale a pena deter-nos um 
momento para precisar de que estamos falando.
Quando falamos de uma política (do inglês policy) em determinada área 
da gestão, referimo-nos a um propósito organizacional consciente e razoável 
de proceder de uma determinada maneira e de fazê-lo de forma constante, 
enquanto não haja motivos para reconsiderá-lo, naquela área. As políticas de 
GRH podem ser entendidas, portanto, como o conjunto de critérios gerais e 
maneiras de fazer que, em um contexto organizacional determinado, orientam 
as decisões que afetam a gestão do emprego e das pessoas.
Por práticas de GRH entendemos as decisões e atividades de fato ado-
tadas e desenvolvidas nesse campo e que exigirão com freqüência a aplicação 
de políticas de GRH previamente defi nidas, ou pelo menos interiorizadas pela 
organização, embora nem sempre ocorra assim. Em determinadas ocasiões, as 
práticas de pessoal manifestam-se em decisões de caráter reativo ou errático, 
que não respondem a padrões estáveis de conduta, isto é, não podem ser iden-
tifi cadas com políticas de GRH.
Fala-se, freqüentemente, de “política de recursos humanos” no singular, 
e se discute, por exemplo, se determinada organização dispõe dela, ou não. 
Freqüentemente, no âmbito público, atribui-se uma série de incoerências ou 
problemas de pessoal à carência de uma política de recursos humanos. Como 
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82 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
se encaixa esta noção com o conceito de “políticas” que acabamos de defi nir? 
Poderíamos dizer que uma organização dispõe de uma política de recursos 
humanos quando em sua atividade podemos reconhecer um conjunto de po-
líticas de GRH (no sentido como as defi nimos) coerentes entre si. Pelo con-
trário, careceria de uma política de recursos humanos a organização em que 
esses padrões estáveis de comportamento não fossem identifi cáveis (compor-
tamento errático) ou então, fossem contraditórios entre si (comportamento 
incoerente).
As políticas de GRH podem ser explícitas e estar formalizadas, o que 
sem dúvida favorece o fato de que sejam reconhecidas por quem observa e 
analisa o funcionamento da GRH em dada organização. Entretanto, deve ser 
levada em conta a possibilidade de que existam incoerências entre a políti-
ca adotada e proclamada formalmente e as práticas de pessoal efetivamente 
constatadas em determinada organização. Também pode acontecer, e isso é 
bastante freqüente na prática organizacional, que as políticas de pessoal não 
estejam formalizadas e nem mesmo explicitadas. Reconhece-se a existência 
de uma política de GRH quando pode ser inferida – da reiteração de uma 
determinada prática, em determinado contexto, durante um período longo 
de tempo – a existência de um critério estável de atuação e um propósito de 
aplicá-lo.
Não se deve confundir a análise acerca da existência ou inexistência de 
uma política de GRH com a avaliação que ela possa merecer. Pensemos, por 
exemplo, em uma organização que destine ano após ano determinados fundos 
orçamentários à formação de seu pessoal, administrando-os estritamente por 
demanda, isto é, fi nanciando,dentro da margem disponível, aquelas atividades 
formativas externas solicitadas por seus empregados, sem que existam critérios 
nem prioridades estabelecidos que realizem as preferências organizacionais a 
respeito. Provavelmente, esse tipo de prática poderia ser criticada, com funda-
mento, a partir de diferentes pontos de vista, mas não impediria a verifi cação 
de que existe, nessa organização, uma política, boa ou má, de formação de 
pessoal.
A coerência estratégica e o dilema da estratégia
O exemplo que acabamos de utilizar serve para abordar a questão seguin-
te. Parece lógico pensar que a política de formação de pessoal de uma orga-
nização deve estar articulada com um conjunto de orientações resultantes de 
suas prioridades e fi nalidades principais. Imaginemos que de tais fi nalidades 
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83GERIR PESSOAS NO SETOR PÚBLICO: UM SISTEMA INTEGRADO DE VALOR ESTRATÉGICO 
pudéssemos concluir que a melhor maneira de gerir a formação fosse descen-
tralizá-la completamente, transferindo as decisões sobre capacitação para os 
indivíduos que irão recebê-la, sem começar a avaliar outras questões. Um ex-
cessivo esforço de imaginação? Talvez bastasse pensar, por exemplo, em uma 
empresa em fase de liquidação, que tivesse como uma de suas prioridades a 
recolocação de seu pessoal. Nesse caso, a política de formação enunciada como 
exemplo poderia ter um fundamento estratégico. Se esse não fosse o caso, o 
exemplo mostraria, pelo contrário, uma gestão claramente inefi ciente quanto 
à formação, cujo defeito fundamental seria a falta de conexão com a estratégia 
da organização.
Ou seja, a gestão das pessoas não conseguirá realizar uma contribuição 
signifi cativa para a obtenção de resultados valiosos para a organização se o 
conteúdo das políticas de GRH não estiver devidamente alinhado e articulado 
com a estratégia organizacional. A coerência estratégica é um traço fundamen-
tal do modelo que propomos. Isso signifi ca que a qualidade da GRH, tanto a 
de cada uma de suas políticas ou práticas como a do sistema de gestão em sua 
totalidade, não pode ser julgada à margem de sua conexão com a estratégia da 
organização.
O que entendemos por estratégia? Depreende-se do que foi dito até aqui 
que estamos aplicando ao conceito de estratégia o mais amplo de quantos sig-
nifi cados lhe são comumente atribuídos na teoria da gestão, identifi cando-a 
com o conjunto de fi nalidades básicas ou prioritárias da organização. Fazem 
parte desta noção ampla de estratégia: a) a missão, ou razão de ser da orga-
nização; b) suas linhas de ação ou orientações prioritárias, e c) seus objetivos 
operacionais.
Utilizamos o termo estratégia para referir-nos tanto aos pronunciamentos 
explícitos da organização, seja qual for o grau de formalização que se lhes te-
nha atribuído, quanto – o que é muito freqüente nos contextos públicos – para 
referir-nos a preferências implícitas dos dirigentes que fazem parte da cúpula 
estratégica da organização, sempre que possamos deduzi-las razoavelmente 
das decisões adotadas. Desta afi rmação cabe inferir uma premissa importante. 
Embora seja freqüente que as prioridades das organizações não se defi nam me-
diante procedimentos formalizados (e nem é indispensável que assim seja) po-
demos dizer que, quanto maior o grau de clareza e de explicitação do mandato 
estratégico, mais fácil será a articulação entre as prioridades organizacionais e 
a gestão de recursos humanos.
Neste ponto tropeçamos com uma das maiores difi culdades que a gestão 
das pessoas nos contextos públicos enfrenta; uma difi culdade a que podemos 
nos referir como o “dilema da estratégia”. Trata-se, na realidade, de um dile-
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84 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
ma fundamental da gestão pública, que poderíamos reconhecer em diferentes 
áreas ou parcelas do âmbito público. Mantendo-nos no campo específi co da 
gestão do emprego e das pessoas, podemos formulá-lo da seguinte maneira: de 
um lado, exigimos da GRH sua coerência estratégica, isto é, seu alinhamento 
à estratégia da organização. Não poderíamos agir de outro modo: a qualidade 
das políticas e práticas de pessoal depende disso. De outro lado, no entanto, 
essa estratégia freqüentemente não existe, ou pelo menos, relativizando, são 
consideráveis as difi culdades que os gestores de pessoas muitas vezes encon-
tram para detectar, nas organizações públicas, estratégias consistentes e reco-
nhecíveis como tal.
Indicamos esquematicamente alguns dos problemas mais freqüentes. 
Muitas vezes competem numa mesma organização perspectivas diferentes e 
até contraditórias, sem que fi que clara a opção da direção por uma delas e a 
exclusão da outra. Há vezes em que a ambigüidade é deliberada. No fundo, já 
foi dito, esclarecer objetivos é adequado do ponto de vista gerencial, mas po-
liticamente irracional (Behn, 2001, p. 107). Os políticos aprenderam que, com 
freqüência, dá mais votos ser ambíguo em matéria de prioridades do que pecar 
por excesso de precisão. Essa ambigüidade traduz-se, às vezes, em decisões 
pouco coerentes quanto à distribuição de recursos: por exemplo, nas contradi-
ções entre as declarações (retóricas?) dos programas de governo e as dotações 
orçamentárias, ou na garantia de créditos de orçamento para fi nalidades con-
fl itantes. Por sua vez, a turbulência do ambiente, a brevidade dos ciclos polí-
tico-eleitorais e a freqüente volatilidade das preferências políticas conferem à 
estratégia, quando esta pode ser constatada, uma extrema instabilidade. O que 
hoje é uma prioridade, em pouco tempo deixa de sê-lo. A freqüente debilida-
de dos sistemas de planejamento retroalimenta essa natureza pouco nítida e 
volátil da estratégia, favorecendo a formação reativa das agências públicas, às 
vezes a reboque daquelas reivindicações da demanda social que adquirem em 
determinado momento maior notoriedade, em especial por seu acesso mais 
fácil aos meios de comunicação.
Não existe uma receita para resolver o dilema da estratégia. Não há ata-
lhos que permitam avaliar positivamente a gestão das pessoas quando não 
existe uma vinculação de suas políticas com a estratégia organizacional. Como 
dissemos, tal dilema não é senão uma manifestação da complexidade que ca-
racteriza a gestão pública. No capítulo 6 veremos como os dirigentes públicos 
são chamados a enfrentar permanentemente essa complexidade, agindo como 
gestores estratégicos, isto é, assumindo uma atitude proativa diante do dilema 
da estratégia e dando consistência a seu referencial estratégico mediante a ges-
tão das relações com seu contexto político.
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85GERIR PESSOAS NO SETOR PÚBLICO: UM SISTEMA INTEGRADO DE VALOR ESTRATÉGICO 
A GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS INCIDE SOBRE AS VARIÁVEIS 
DECISIVAS DO COMPORTAMENTO HUMANO NO TRABALHO
Infl uir sobre as condutas das pessoas para adequá-las, tanto quanto pos-
sível, à estratégia da organização é, como vimos anteriormente, uma das duas 
fi nalidades principais da gestão de recursos humanos. Esta afi rmação baseia-se 
nos dois pressupostos básicos seguintes.
O comportamento humano é uma variável essencial dos resultados da or-
ganização. Será assim em qualquer circunstância e contexto organizacional? 
Certamente, como víamos há pouco, o grau de vinculação causal entre as 
condutas dos empregados e os resultados pode variar em função da ocor-
rência de certos fatores, como o tipo de produto ou serviço, a tecnologia 
utilizada, o grau de qualifi cação do trabalho, a autonomia de sua execução 
ou a proximidade entre produtor e destinatário. No entanto, a infl uência re-
levante do comportamento das pessoas sobre os resultados da organização 
difi cilmente pode ser negada.
O comportamento humanopode ser gerido, isto é, a organização pode pro-
duzir deliberadamente um conjunto de políticas e de práticas de GRH desti-
nadas a estimular determinados comportamentos (aplicação, aprendizado, 
colaboração etc.) e evitar outros (absenteísmo, rotatividade, confl ito etc.).
Se partirmos, com o modelo proposto, destas duas convicções, o passo 
seguinte será encontrar aqueles fatores em que coincidam as duas característi-
cas seguintes:
a) que constituam variáveis relevantes de que dependam as condutas seguidas 
pelas pessoas no trabalho, e
b) que sejam sensíveis à defi nição e ativação de políticas e práticas de recursos 
humanos.
A aplicação destes dois critérios leva-nos a identifi car dois grandes fatores 
que constituem, ao mesmo tempo, como indica a fi gura 2, variáveis fundamen-
tais do comportamento humano no trabalho e, por isso, nas áreas principais de 
intervenção para a gestão de recursos humanos: falamos das competências e da 
vontade das pessoas.
As competências
As competências são, como vimos no capítulo 1, aquelas qualidades hu-
manas das quais deriva a idoneidade para desempenhar determinada tarefa. 
■
■
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86 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
Recuperando a defi nição de Boyatzis (1982) que mencionamos, podemos con-
siderar a competência como uma característica subjacente em uma pessoa, e 
que está causalmente relacionada com o êxito de sua atuação em determinado 
posto de trabalho.
Figura 2
Hoje, é notável o grau de concordância, entre os especialistas em GRH, 
quanto ao caráter limitado, como precursor de êxito no trabalho, que tem o 
mero conhecimento técnico especializado. A aproximação baseada nas compe-
tências pressupõe, como já dissemos no capítulo 1, um enfoque mais amplo e 
integrador no qual, para identifi car a idoneidade profi ssional e possibilitar sua 
gestão efi caz, são consideradas, além do conteúdo de conhecimentos técnicos, 
outras características das pessoas:
as habilidades interpessoais,
as capacidades cognitivas e de conduta,
o conceito ou percepção de si próprio, traduzido em atitudes e valores,
os motivos ou estímulos que selecionam e orientam a conduta, e
os traços de personalidade ou caráter.
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■
■
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G R H
DIMENSIONAMENTO 
DE RH CONDUTA DAS PESSOAS
RESULTADOS
competências vontade
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87GERIR PESSOAS NO SETOR PÚBLICO: UM SISTEMA INTEGRADO DE VALOR ESTRATÉGICO 
A gestão das competências é uma parte fundamental da GRH. Enquan-
to as competências constituem uma variável essencial do comportamento das 
pessoas no trabalho, a gestão de recursos humanos deve levá-las em conta e 
propor-se a infl uir nelas, a fi m de adequá-las às necessidades organizacionais.
As pessoas adquirem e desenvolvem suas competências fora da organi-
zação e dentro dela. Quando a qualifi cação das pessoas no trabalho dependia 
quase exclusivamente de seus conhecimentos ou recursos técnicos e a “vida 
útil” destes era muito dilatada no tempo, o peso da competência adquirida 
externamente era incomparavelmente maior: boa parte do êxito baseava-se em 
encontrar a pessoa adequada para a tarefa. Hoje, levamos em conta competên-
cias de difícil aquisição externa; por outro lado, as tarefas mudam constante-
mente. As pessoas vêem-se obrigadas a desenvolver e atualizar sua competên-
cia permanentemente, para estar à altura das demandas do trabalho. Tudo isso 
aumentou notavelmente a importância daquelas competências que são adqui-
ridas e desenvolvidas depois da incorporação da pessoa à organização.
Os dois tipos de competências são de extraordinária importância para a ges-
tão de recursos humanos. As competências adquiridas fora da organização são 
levadas em consideração pelos subsistemas de planejamento e organização do 
trabalho; elas constituem o eixo dos processos de incorporação e mantêm de fato 
sua relevância ao longo de todo o ciclo de gestão do emprego, como veremos no 
capítulo seguinte. Por seu lado, a evolução interna das competências concentra os 
processos e atividades próprias do subsistema de gestão do desenvolvimento.
A fi gura 3 mostra-nos as dimensões do desenvolvimento de competência 
no trabalho (Ledford, 1989). O desenvolvimento em profundidade implica a 
aquisição de um grau de domínio ou destreza superior sobre uma mesma área 
de conhecimentos ou destrezas. O desenvolvimento horizontal, ou em ampli-
tude, supõe a incorporação de competências que permitem ampliar o leque 
de tarefas, qualifi cando a pessoa para trabalhar de forma valiosa em diversas 
áreas. O desenvolvimento na vertical implica na aquisição de competências 
que permitem infl uir no comportamento no trabalho de outras pessoas. Essa 
terceira dimensão não se esgota com a posse de competências relacionadas ao 
comando, mas inclui qualidades e aptidões não hierárquicas como as de for-
mador de outros empregados, ou as de facilitador de equipes multifuncionais.
Não é difícil depreender do que foi dito duas conseqüências importantes 
para a gestão das pessoas: a primeira é a extraordinária importância que o 
desenvolvimento das competências dos empregados pode ter para a organi-
zação. Basta pensar em campos tais como a otimização de recursos huma-
nos, a fl exibilidade para adaptar-se aos fl uxos de demanda ou a mudanças 
no contexto, a inovação de produtos, tecnologia ou processos de trabalho e o 
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88 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
desenvolvimento de capacidades internas de direção. A segunda é que, para 
estimular o desenvolvimento de competências nas linhas de maior interesse 
estratégico para a organização, será necessário que entrem em jogo pratica-
mente todos os subsistemas da GRH que descreveremos no capítulo seguinte. 
É nesse sentido que hoje se fala, como dizíamos no primeiro capítulo, de “ges-
tão por competência”.
A vontade
A vontade é o segundo fator básico de infl uência sobre a conduta huma-
na no trabalho, fator que a GRH deve estimular mediante políticas e práticas 
adequadas a cada situação. A competência não esgota as variáveis que infl uem 
na conduta humana. Pessoas dotadas de competências similares podem de-
senvolver comportamentos diferentes e até antagônicos, como conseqüência 
da adoção de padrões volitivos diferentes. Uma mesma pessoa, sem evidenciar 
mudanças apreciáveis em sua competência, pode manifestar ao longo de um 
período de tempo essas diferenças de comportamento por causa de oscilações 
na vontade de esforço ou dedicação à tarefa. A abundante produção teórica 
sobre a motivação oferece as referências básicas para entender essas condutas 
e tentar, a partir da gestão das pessoas, mover-se com razoável acerto no com-
plexo mundo das motivações humanas no trabalho.
Figura 3. Dimensões do desenvolvimento de competências
Fonte: Ledford (1989).
Na vertical
Em profundidade
Em amplitude
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89GERIR PESSOAS NO SETOR PÚBLICO: UM SISTEMA INTEGRADO DE VALOR ESTRATÉGICO 
A motivação é o nível de esforço que as pessoas estão dispostas a dedicar 
a seu trabalho (De Quijano e Navarro, 1998, p. 195). Todos somos freqüentes 
testemunhas de como certas pessoas, em determinados momentos, decidem 
realizar o esforço necessário para fazer seu trabalho da melhor maneira pos-
sível e conseguir um alto desempenho. Diversas teorias tentaram explicar os 
mecanismos que fundamentam tais comportamentos e assim ajudar a defi nir 
políticas de GRH capazes de estimulá-los. O dinheiro (Taylor), a satisfação 
de certas necessidades (Maslow, Alderfer, McClelland), as relações sociais no 
trabalho (Mayo), o sentimento de eqüidade (Adams), as metas ou os objetivos 
(Locke), as expectativas de recompensa(Vroom), a gratifi cação resultante do 
trabalho em si mesmo (Hertzberg) e a percepção de ser capaz de fazer bem as 
coisas (Bandura) são alguns dos fatores identifi cados pelos especialistas como 
agentes da motivação. As escolas teóricas enfatizaram tanto o conteúdo da 
motivação quanto o processo que a provoca e explica, ressaltando às vezes os 
agentes motivadores intrínsecos da tarefa e em outras vezes as causas extrín-
secas. Este não é o momento de nos determos em analisar pormenorizada-
mente tudo isso. Todas as teorias contribuem com elementos valiosos. Mais 
do que competir entre si, “buscam explicar diferentes coisas em diferentes 
níveis de análise” (Schein, 1982, p. 70). Em todo caso, mais do que tentar ex-
plicar os mecanismos da motivação, interessa-nos analisar pela ótica da GRH 
a interface entre comportamentos e organização (Pallez, 2003, p. 141) ou, em 
outras palavras, explorar as condições e práticas organizacionais que tornam 
possível a motivação.
Como acontecia com as competências, as políticas de gestão de recur-
sos humanos que podem ser enquadradas em cada um dos subsistemas que 
percorreremos no capítulo seguinte dispõem de um potencial estimulador da 
motivação, que pode ou não pode ser levado em conta, que é suscetível de 
aproveitamento ou de desperdício e que pode até ser aplicado em sentido ne-
gativo, provocando descontentamento, apatia ou desmotivação.
Não é difícil perceber como a estrutura dos postos de trabalho pode in-
corporar, em determinados casos, orientações de enriquecimento de tarefas ou 
empowerment, maximizando os fatores motivacionais intrínsecos. A gestão do 
desempenho irá se apoiar nos fatores mais relacionados com a motivação pelos 
resultados (goal setting). O quadro de estruturas salariais buscará, como vere-
mos, a eqüidade interna e externa. Será fácil relacionar as políticas de compen-
sação variável ou de promoção com os pressupostos conceituais e os requisitos 
da teoria das expectativas. As diferentes aproximações teóricas serão úteis para 
iluminar o quadro e a implementação de políticas de GRH moduladas para 
maximizar seu potencial motivador. Em suma, a motivação, a ativação conti-
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90 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
nuada da vontade de esforço das pessoas é um dos principais objetivos da GRH 
e deve inspirar suas diferentes práticas e iniciativas.
Uma observação fi nal, antes de concluir esta epígrafe. Se existe uma cons-
tante na imagem proposta do funcionário público, há mais de um século, em 
todo o mundo, ela é a de sua desmotivação (Duvillier e outros, 2003, p. 35). O 
imaginário coletivo de todos os países está repleto de imagens do funcionário 
abúlico e pouco predisposto ao esforço de trabalho. Algumas aproximações 
recentes (Pallez, 2003; Cooper, 2003) ressaltam o peso dos fatores de reco-
nhecimento social sobre a motivação, ou melhor, sobre a desmotivação das 
pessoas que trabalham no setor público. Um efeito de profecia auto-cumprida 
ocorreria neste sentido: a deterioração de sua imagem pública desmotivaria os 
funcionários, cujo comportamento corroboraria aquela imagem negativa que, 
por sua vez, incrementaria a desmotivação etc.
Certamente, parece provado que o grau de prestígio social de qualquer 
função, ao infl uir sobre a percepção do signifi cado (Hackman, 1977) do traba-
lho que se realiza, tem um impacto, maior ou menor, dependendo dos casos, 
sobre a motivação. O que nos parece menos plausível é relacionar, como fazem 
alguns autores (Chanlat, 2003, p. 51 e seguintes), o défi cit de reconhecimento 
social com as reformas gerencialistas da administração, culpando a penetração 
do management na gestão pública por uma suposta crise de desmotivação dos 
funcionários, para concluir que o estímulo à motivação destes, mais do que a 
exigência de técnicas gerenciais, aconselha a recuperação de algo que vem a ser 
defi nido, não sem ambigüidade, como o impulso ético do serviço público, e que 
estaria sendo deteriorado pelas reformas inspiradas na “nova gestão pública”.
No nosso entender, sem negar experiências concretas em que as reformas 
gerencialistas produziram tais efeitos – por exemplo, aguçando a crise de certas 
profi ssões públicas, como se constatou no setor da saúde (Mendoza, 1999) – o 
défi cit de reconhecimento social é, como já dissemos e parece evidente, mui-
to anterior. A imagem de perda de uma administração povoada de diligentes 
funcionários, imbuídos de um grande impulso ético e socialmente gratifi ca-
dos com a consideração pública reservada às elites, parece-nos um produto da 
imaginação. Tem, portanto, pouco fundamentado o desejo de recuperar algo 
que provavelmente nunca existiu ou, se existiu, não teve um impacto claro, 
evidente e positivo na motivação dos servidores públicos, ou na percepção que 
deles prevalecia na sociedade.
Nossas sociedades têm necessidade de desenvolver e reforçar os valores 
éticos do serviço público, construindo o novo profi ssionalismo público que 
constitui um dos desafi os atuais da gestão pública (OCDE, 2001b), como será 
abordado no capítulo 7. No entanto, a questão da motivação dos funcionários 
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91GERIR PESSOAS NO SETOR PÚBLICO: UM SISTEMA INTEGRADO DE VALOR ESTRATÉGICO 
está basicamente situada em outra esfera: a das políticas e práticas de gestão das 
pessoas, isto é, justamente, a do management. Desta perspectiva, não existem, 
a nosso ver, diferenças substanciais entre os funcionários e os demais traba-
lhadores. Não se motiva uns de uma forma e outros, de outra. Os elementos 
de contexto (o grau de estabilidade da organização, do contexto e do empre-
go, as características do trabalho, os modelos culturais, a disponibilidade de 
incentivos de um tipo ou de outro etc.) suscitarão diferenças, como é lógico, 
no momento de escolher os instrumentos mais adequados para buscar esti-
mular a motivação, mas não mudam a natureza dos mecanismos – complexos 
e freqüentemente ambíguos –, que ativam ou desativam a vontade de esforço 
das pessoas. As organizações do setor público compartilham com as empresas, 
neste campo, desafi os que não diferem no essencial.
FATORES SITUACIONAIS DE INFLUÊNCIA A CONSIDERAR
O conjunto de políticas e práticas de pessoal a que chamamos de GRH 
não constitui a única fonte de infl uências sobre as duas variáveis expostas (di-
mensionamento e conduta). Além disso, é preciso levar em conta o peso de 
outros fatores situacionais infl uentes, que tanto podem ser identifi cados no in-
terior como fora da organização.
Tais fatores situacionais infl uem sobre os recursos humanos, seja dire-
ta ou indiretamente. A infl uência é direta quando afeta de maneira imediata 
o comportamento das pessoas no trabalho: vale lembrar, por exemplo, uma 
pauta de conduta culturalmente interiorizada. A infl uência é indireta quando 
é exercida condicionando as políticas e práticas de GRH (como uma mudança 
legal), ou mesmo a própria estratégia da organização (por exemplo, uma con-
juntura orçamentária crítica).
Fatores internos
No contexto organizacional interno, numerosos elementos podem ser 
considerados fatores infl uentes, nos dois sentidos mencionados. Entre eles po-
demos mencionar a situação política interna, o contexto orçamentário, a tec-
nologia utilizada, os sistemas de trabalho, a estrutura sociológica dos quadros 
de pessoal, os estilos de direção etc. Em cada situação poderão ser identifi ca-
dos uns ou outros como determinantes de infl uências relevantes. De qualquer 
modo, há dois fatores que em todo tipo de contexto devem ser obrigatoriamen-
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92 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
te considerados, por incidirem signifi cativamente, direta e indiretamente, no 
comportamento humano:a estrutura e a cultura organizacionais.
A estrutura da organização é um deles. Entendemos, como Mintzberg 
(1984, p. 26), que a estrutura de uma organização é o conjunto das formas em 
que dividimos o trabalho nas diferentes tarefas, para poder, depois, coordená-
las. Divisão e coordenação do trabalho, ou, nos termos de Lawrence e Lorsch 
(1973), diferenciação e integração, são os pólos entre os quais se realizam as 
opções de projeto estrutural.
Sistematizamos os parâmetros de projeto de estruturas organizacionais dis-
tinguindo, como o autor canadense, quatro blocos seqüencialmente ordenados:
a) o projeto da estrutura dos postos, que implica dotá-los de determinado grau 
de especialização e de formalização do comportamento, assim como defi nir 
os requisitos de preparação e de socialização requeridos de seus ocupantes;
b) o projeto da superestrutura, que fi xa os critérios de agrupamento dos postos 
em unidades dotadas de um único comando hierárquico e defi ne o tamanho 
da unidade ou span de controle de seu diretor;
c) o projeto dos vínculos laterais, que defi ne a tipologia dos sistemas de plane-
jamento e controle, assim como os dispositivos de contato, necessários para 
abrigar as interdependências laterais ou transversais;
d) o projeto do sistema de decisão, que estabelece o grau em que as diversas 
decisões permanecem centralizadas ou se descentralizam, vertical ou hori-
zontalmente.
O conjunto de decisões que decorrem do projeto de estruturas constitui 
um fator situacional da maior relevância para a GRH; suas conseqüências es-
tendem-se praticamente a todos os subsistemas. O grau de homogeneização 
do comportamento mediante normas ou descrição de tarefas, o tamanho da 
pirâmide hierárquica, o funcionamento dos sistemas de planejamento, os tipos 
de controle e o grau de centralização/descentralização na tomada de decisões, 
são, entre outros, dados estruturais relevantes para a gestão das pessoas.
A cultura organizacional é também um fator situacional de extraordinária 
importância. Adotamos o enfoque de Schein (1999, p. 29), que defi ne a cultura 
como o conjunto de “assunções assumidas”, compartilhadas, subentendidas, 
que um grupo humano interiorizou, num processo de aprendizagem, ao longo 
de sua história.
Com freqüência, os modelos mentais e valores interiorizados no contex-
to organizacional constituem uma chave para explicar o comportamento das 
pessoas, assim como das próprias políticas e práticas de GRH desenvolvidas 
dentro de uma organização.
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93GERIR PESSOAS NO SETOR PÚBLICO: UM SISTEMA INTEGRADO DE VALOR ESTRATÉGICO 
Distinguiremos, segundo o mesmo autor, três níveis de tratamento da 
cultura organizacional:
1. o nível dos artefatos, ou estruturas e processos organizacionais visíveis (códi-
gos de apresentação ou relação ou de solução de confl itos, horários, reuniões, 
comunicações, ritos, eventos sociais etc.);
2. o nível dos valores adotados (fi losofi as, metas, orientações explícitas etc.);
3. o nível das presunções assumidas tacitamente e compartilhadas (valores pra-
ticados, modelos mentais, convicções implícitas).
Só chegando ao terceiro dos níveis citados é possível captar, em toda sua 
dimensão, a cultura organizacional, já que só nele encontramos elementos cul-
turais (intangíveis) que atuam como verdadeiros motores do comportamento 
humano na organização. Com freqüência, aparecem também, entre os níveis 
2 e 3, abundantes incoerências que refl etem o distanciamento entre as percep-
ções e declarações explícitas e as pautas informais e os valores efetivamente 
interiorizados. Quando isso ocorre, encontramo-nos normalmente diante de 
um desafi o de mudança cultural.
Em nossos dias, é muito freqüente vermos a GRH abordando objetivos de 
mudança cultural, especialmente quando falamos do setor público. Trata-se, 
sem dúvida, de um dos desafi os mais difíceis, já que a cultura organizacional 
é, como dissemos, um repositósito de convicções lentamente interiorizadas e 
aprendidas. Mudar obriga a desaprender, o que priva as pessoas de elementos 
que lhes conferiram identidade e certeza durante anos e mesmo décadas, e 
isso ocorre antes que possam substituí-los por novas convicções e certezas. A 
mudança cultural produz nas pessoas um sofrimento que precisa ser mitigado 
e gerenciado. Deve ser visto como um processo gradual e longo que se nutre, 
entre outras coisas, de políticas de recursos humanos (emprego, desenvolvi-
mento, compensação, relações humanas etc.) adequadas ao objetivo e dotadas 
de estímulo e perspectiva de longo prazo.
Fatores externos
Fora da organização são igualmente numerosos os fatores situacionais 
infl uentes. Entre outros, a situação sociopolítica, a economia, a evolução tec-
nológica, as expectativas dos usuários dos serviços públicos, os formadores de 
opinião, a mídia etc. Também neste campo dois fatores relativos ao contexto 
devem ser considerados, por sua importância para a gestão das pessoas: as nor-
mas jurídicas aplicáveis e o mercado de trabalho.
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94 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
O marco jurídico é um poderoso elemento do contexto; sua infl uência, 
normalmente introduzindo limitações ao funcionamento dos sistemas de 
GRH, é inquestionável. No âmbito público, a extensão e a intensidade das re-
gulamentações aumentam sua importância. Do marco legal derivam algumas 
das principais singularidades e restrições que a GRH deve assumir nos siste-
mas públicos.
A localização do marco jurídico nesta posição do modelo que propomos 
deve ser destacada, já que se trata de uma opção não isenta, no âmbito público, 
de uma certa carga de contracultura. Afi rmar que a lei é um elemento do con-
texto contradiz aproximações burocrático-jurídicas à gestão pública dos recur-
sos humanos, mais ou menos presentes em uma parte dos sistemas de função 
pública analisados no capítulo anterior. Para esses enfoques, a norma, mais do 
que um marco limitador externo, é uma diretriz. A função do gestor de recur-
sos humanos é, sobretudo, cumpri-la, isto é, tomar decisões mais próximas do 
possível de uma correta interpretação da legalidade. Como é sabido, para a 
burocracia weberiana, a aplicação impessoal da legalidade (Echebarria, 1993) 
transforma-se no eixo condutor de uma boa administração. Na realidade, com 
esse paradigma, o marco jurídico ocuparia o lugar que no diagrama da fi gura 1 
(p. 78) atribuímos à estratégia da organização.
Vista desse modo, a realidade da gestão pública do emprego e dos recur-
sos humanos tende a confundir-se com o marco jurídico que a regulamenta. 
Em conseqüência lógica, qualquer melhora de gestão tende a encontrar na 
mudança normativa o veículo obrigatório. A reforma legal aparece como o 
eixo de toda mudança signifi cativa, embora qualquer exame, ainda que su-
perfi cial, o desminta. Identifi car a mudança de norma com a da realidade 
constitui apenas um passo a mais, plenamente coerente, na mesma direção. 
A função pública e o emprego público convertem-se em algo parecido com 
as realidades virtuais, para cuja análise conta a forma e não o conteúdo ou o 
fundo material das coisas.
Diante de tudo isso, o modelo que propomos considera a legalidade jus-
tamente como um marco, em cujo interior devem ser produzidas e postas em 
prática as políticas e decisões relativas ao pessoal, nas organizações dos estados 
de direito. Essa aspiração não pode desconhecer nem as chaves metajurídicas 
de muitos elementos da gestão das pessoas, nem as margens que freqüente-
mente as normas outorgam à adoção de decisões de gestão. Dentro da lega-
lidade, o norte das políticas e práticas de GRH é a estratégia organizacional. 
O marco jurídico é um poderoso fator do contexto, que pode condicionar em 
muitos casos a gestão das pessoas, mas que, em nenhum caso, a dirige e muito 
menos a suplanta.Fundap (Mérito e Flexibilidade) 94 94Fundap (Mérito e Flexibilidade) 94 94 22/2/2007 09:40:3922/2/2007 09:40:39
95GERIR PESSOAS NO SETOR PÚBLICO: UM SISTEMA INTEGRADO DE VALOR ESTRATÉGICO 
O mercado de trabalho constitui também um referencial da maior impor-
tância para o traçado e o funcionamento de políticas e práticas de gestão de re-
cursos humanos. Como se verá mais adiante, o mercado de trabalho é um fator 
situacional de indubitável transcendência em campos como o provimento de 
recursos humanos, o controle da rotatividade ou as políticas de compensação, 
entre outros.
Trata-se de um campo em que, como vimos no capítulo 1, nossas socieda-
des viveram mudanças notáveis. Para o gestor público de recursos humanos, o 
conhecimento e acompanhamento de sua evolução e de suas fl utuações consti-
tui cada vez mais um recurso imprescindível.
UTILIZAÇÃO DO MODELO PARA FINS DE DIAGNÓSTICO
A visão global e panorâmica do modelo proposto, apresentada até aqui, 
já fornece alguns elementos úteis para o diagnóstico de sistemas de gestão do 
emprego e dos recursos humanos. Na verdade, pode ser utilizada como um 
mapa, capaz de proporcionar indicações quanto ao local de origem ou a raiz 
dos problemas e disfunções que forem sendo detectados no funcionamento de 
um determinado sistema de GRH.
Assim, uma disfunção detectada (por exemplo, uma escassa adequação 
entre pessoa e cargo, excesso de rigidez na mobilidade ou promoção, ou a ini-
qüidade da retribuição) pode ser simplesmente devida ao inadequado projeto 
de uma política de pessoal ou a práticas de GRH contra-indicadas, como tam-
bém à falta de uma estratégia de recursos humanos minimamente precisa e co-
erente; a desajustes do projeto estrutural; a restrições jurídicas; a contratações 
no mercado de trabalho; a modelos mentais ou pautas culturais dominantes, 
ou a quaisquer outros fatores situacionais internos ou do contexto.
Detectar a área-raiz do problema (ou as áreas, já que com freqüência esta-
remos frente a mais de uma) é imprescindível para o que poderíamos chamar 
“acertar no alvo”, ou seja, para que o diagnóstico aponte as soluções corretas. 
Para dar um único exemplo do contrário: se para resolver um problema de 
origem predominantemente cultural, o que se preconiza é uma reforma legal, 
provavelmente a disfunção tenderá a perpetuar-se.
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4. OS GRANDES SUBSISTEMAS
Neste capítulo trataremos de desenvolver o modelo integrado de gestão 
apresentado no capítulo precedente. O modelo aparece aqui desdobrado nas 
principais políticas e práticas de gestão das pessoas, que aparecem, por sua vez, 
agrupadas em subsistemas, tal como apresenta a fi gura 4.
Foram incluídas, neste capítulo, notas que esclarecem alguns dos concei-
tos que mencionamos antes.
A GRH DESDOBRA-SE EM DIVERSOS SUBSISTEMAS
Se, voltando ao capítulo anterior, imaginarmos que um mecanismo fo-
tográfi co de zoom nos aproxima ao círculo central do diagrama da fi gura 1 
(p. 78), onde havíamos situado a GRH, de tal maneira que pudéssemos ob-
servar detalhadamente seu interior, o que encontraríamos é o conteúdo da 
fi gura 4.
Esta apresenta-nos a GRH como um sistema integrado de gestão que se 
desdobra em diversos componentes, os quais operam como subsistemas daque-
le, e aparecem ligados e inter-relacionados na forma indicada pelas fl echas.
A parte superior da fi gura 4 mostra-nos de novo o marco estratégico. 
No diagrama da fi gura 1 abordamos a estratégia organizacional, enquanto 
aqui apontamos para uma derivação ou subproduto daquela: uma estratégia 
de recursos humanos. Podemos defi ni-la como um conjunto de prioridades ou 
objetivos básicos que orientam as políticas e práticas de GRH, para colocá-las a 
serviço da estratégia organizacional.
A existência, mais ou menos explícita e formalizada, de uma estratégia de 
recursos humanos é imprescindível para:
a) atingir o que antes chamávamos de coerência ou sintonia estratégica do sis-
tema de GRH, ou seja, o alinhamento entre as políticas e práticas de pessoal 
e as prioridades da organização;
b) dotar de sentido e de valor as políticas e práticas de GRH, que do contrário 
tenderão à mera administração de pessoal, uma atividade rotineira e inercial, 
apenas de manutenção daquilo que já existe, privada de impulso próprio;
c) tornar possível a inovação nas políticas e práticas de GRH, bem como a 
adaptação desta às exigências decorrentes das mudanças no ambiente das 
organizações públicas.
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98 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
Figura 4. Subsistemas da gestão de recursos humanos
ESTRATÉGIA
Planejamento
Gestão da 
compensação
Organização do 
trabalho
Gestão do 
emprego
Gestão do 
desempenho
Retribuição monetária e 
não monetária
Projeto de postos
Defi nição de perfi s
Incorporação
Mobilidade
Desvinculação
Planejamento
Avaliação
Gestão do 
desenvolvimento
Promoção e carreira
Aprendizado individual 
e coletivo
Gestão das relações humanas e sociais
Clima laboral Relações laborais Políticas sociais
Fonte: elaboração própria, adaptado de um esquema de Serlavós (2000).
A fi gura 4 nos apresenta a GRH integrada por sete subsistemas interliga-
dos, colocados verticalmente em três níveis.
No nível superior, o planejamento de recursos humanos, que constitui a 
porta de entrada em qualquer sistema integrado de GRH e permite antecipar 
a defi nição de políticas coerentes nos subsistemas restantes, com os quais está 
conectado.
No nível intermediário estão cinco subsistemas, ordenados horizontal-
mente em quatro blocos, obedecendo a uma seqüência lógica: no primeiro, a 
organização do trabalho, que prevê e concretiza os conteúdos das tarefas e as 
características das pessoas chamadas a desempenhá-las; no segundo, a gestão 
do emprego, que compreende os fl uxos de movimento, a entrada e saída das 
pessoas; no terceiro, a gestão do desempenho, que planeja, estimula e avalia a 
contribuição das pessoas; no quarto, por um lado, a gestão da compensação, 
que retribui a contribuição e, por outro, a gestão do desenvolvimento, que cuida 
do crescimento individual e coletivo das pessoas na organização.
Fundap (Mérito e Flexibilidade) 98 98Fundap (Mérito e Flexibilidade) 98 98 22/2/2007 09:40:4022/2/2007 09:40:40
99OS GRANDES SUBSISTEMAS 
Por último, no nível inferior encontra-se a gestão das relações humanas 
e sociais, que integra a dimensão coletiva da GRH e se relaciona, por sua vez, 
com todos os subsistemas mencionados anteriormente.
São três os requisitos imprescindíveis para que um conjunto de políticas 
e práticas de GRH funcione, em uma organização determinada, como um sis-
tema integrado, capaz de acrescentar valor e contribuir para alcançar os obje-
tivos organizacionais.
1. Em primeiro lugar, é preciso que todos os subsistemas enunciados estejam 
operativos, ou seja, que haja um conjunto mínimo de políticas e práticas de 
pessoal coerentes, permitindo inferir racionalmente a existência e operacio-
nalidade de cada subsistema. Se não for assim, ou seja, no caso de que haja 
vazios ou lacunas no campo ocupado por alguns subsistemas, toda a integra-
ção sistêmica da GRH fi caria enfraquecida. Assim, por exemplo, se não hou-
ver uma avaliação do desempenho minimamente formalizada, os processos 
de promoção e carreira fi carão privados de insumos básicos para desenvol-
ver-se adequadamente. A tendência será realizar promoções arbitrárias, ou 
então baseadas na antiguidade ou no merecimento puramente formais.
2. Os subsistemas da GRH deverão, além disso, funcionar interligados, na for-
ma indicada pelas fl echas da fi gura 2 (p. 86), como explicaremos adiante, 
mais detalhadamente. Assim, para dar também um exemplo, se não existeinterligação operativa entre o projeto dos postos e perfi s e os processos de 
incorporação de pessoal (ou seja, se cada subsistema opera isolado) difi cil-
mente se conseguirá idoneidade nas atribuições das pessoas às tarefas.
3. Por último, todos os subsistemas devem ser vistos como aplicações de uma 
estratégia de recursos humanos, derivada da estratégia organizacional, e 
através dela mantidos coesos. Uma política ou prática de pessoal não pode 
ser julgada, como já dissemos, à margem desta coerência básica. Por exem-
plo, se uma política de retribuição variável ligada ao desempenho remunera 
objetivos que não coincidem com claras prioridades organizacionais, mes-
mo que aja de forma tecnicamente irrepreensível, estará contribuindo para 
desviar indevidamente a conduta dos empregados e causando, na realidade, 
um prejuízo à organização.
DESCRIÇÃO DOS SUBSISTEMAS
A seguir, vamos abordar a descrição dos subsistemas apresentada pela fi -
gura 4, que acabamos de enunciar. O objetivo deste tópico não é fazer uma aná-
lise aprofundada das políticas e práticas de GRH em cada um dos âmbitos em 
Fundap (Mérito e Flexibilidade) 99 99Fundap (Mérito e Flexibilidade) 99 99 22/2/2007 09:40:4022/2/2007 09:40:40
100 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
que são defi nidas e aplicadas. Nosso objetivo é mais no sentido de facilitar uma 
visão da extensão de cada um dos subsistemas, que permita compreender:
o papel de cada um deles num sistema integrado de GRH;
a contribuição de cada um para obter uma GRH adequada;
o conjunto de elementos básicos que tornariam possível uma avaliação das 
políticas e práticas de GRH em cada campo.
De acordo com esta fi nalidade, incluiremos na descrição de cada subsis-
tema os seguintes conteúdos:
a) o objetivo ou fi nalidade básica, isto é, a razão de ser ou contribuição princi-
pal do subsistema em questão às fi nalidades genéricas da gestão do emprego 
e os recursos humanos;
b) a identifi cação de outros subsistemas com os quais se relaciona e o sentido e 
signifi cado dessa relação;
c) os processos e práticas de GRH em que se desdobra para atingir seus objetivos;
d) os pontos críticos que devem ser levados em consideração por todos que 
pretendam aplicar o modelo à análise de realidades concretas de gestão do 
emprego e das pessoas. Serão formuladas como propostas de boa prática 
que, adotados conjuntamente, caracterizariam uma GRH correta em cada 
um dos campos que vão sendo descritos;
e) algumas considerações específi cas, úteis para uma melhor compreensão do 
subsistema em questão, assim como para a utilização do modelo como pa-
drão analítico no exame de realidades organizacionais concretas.
Após a descrição dos sete subsistemas, acrescentaremos uma menção ao 
projeto da organização da função de recursos humanos, necessária para com-
pletar a visão geral do funcionamento da GHR em qualquer organização.
Subsistema 1: planejamento de recursos humanos
a) Objetivo
Mediante o planejamento de recursos humanos (PRH), uma organização 
realiza a análise de suas necessidades quantitativas e qualitativas de recursos 
humanos a curto, médio e longo prazo, compara as necessidades detectadas 
com suas capacidades internas e identifi ca as ações que devem ser empreendi-
das para cobrir as diferenças entre umas e outras.
O objetivo da PRH é facilitar a disponibilidade das pessoas que a organi-
zação necessita, no momento adequado e ao menor custo. Trata-se do subsiste-
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Fundap (Mérito e Flexibilidade) 100 100Fundap (Mérito e Flexibilidade) 100 100 22/2/2007 09:40:4022/2/2007 09:40:40
101OS GRANDES SUBSISTEMAS 
ma que facilita a coerência estratégica das diversas políticas e práticas de GRH, 
conectando-as às prioridades da organização. Podemos dizer, por isto, que se 
trata da “porta de entrada” em um sistema integrado de GRH.
b) Relação com outros sistemas
Como conseqüência do que dissemos acima, o PRH é chamada a relacio-
nar-se, tal como indicam as fl echas da fi gura 4 (p. 98), com a totalidade dos sub-
sistemas da GRH. A existência desta relação será o elemento determinante para 
que as políticas e práticas de pessoal respondam a prioridades e objetivos previa-
mente defi nidos, e não a comportamentos meramente inerciais ou reativos.
Para quem pretenda comparar a dimensão estratégica de um sistema de 
GRH, a comprovação das interligações se dará preferencialmente quando exa-
minamos cada um dos diversos subsistemas, sendo formulada, na análise de 
cada um deles, a seguinte pergunta:
Até que ponto as políticas, as decisões e as práticas de GRH, neste campo 
concreto, obedecem a intenções premeditadas conscientemente em um pro-
cesso de PRH?
c) Processos
Em um subsistema de PRH podemos distinguir, como mostra a fi gura 5, 
os processos enumerados a seguir.
1. A análise das necessidades brutas de recursos humanos, consistente na previ-
são das necessidades quantitativas (quantas pessoas, quanto tempo) e quali-
tativas (quais competências) fornecerá dados específi cos, para fazer o quê e 
em que momento.
2. A análise das disponibilidades, atuais e futuras, destinada a identifi car a situa-
ção que se produziria de forma previsível no campo objeto de análise, caso 
não se agisse de forma a corrigir a evolução vegetativa dos recursos existen-
tes. Para a efi cácia desta análise, será preciso dispor de um grau adequado de 
desenvolvimento dos sistemas de informação de pessoal.
3. A análise das necessidades líquidas de recursos humanos, resultado da compara-
ção entre os dois tópicos anteriores, irá fornecer, em geral, nos diversos âmbitos 
em que se dá o planejamento, diferenças por defi ciência (défi cit de caráter quan-
titativo ou qualitativo) ou por excesso (empregos ou aptidões desnecessárias).
4. A programação de medidas de cobertura, mediante a qual buscamos identifi -
car e prever as ações que devem ser realizadas para satisfazer as necessidades 
líquidas detectadas e que podem afetar a qualquer dos subsistemas da GRH, 
já que podem ser medidas de organização do trabalho, de gestão do emprego, 
da compensação etc.
Fundap (Mérito e Flexibilidade) 101 101Fundap (Mérito e Flexibilidade) 101 101 22/2/2007 09:40:4022/2/2007 09:40:40
102 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
d) Pontos críticos
Existência e integridade do sistema
Pode ser verifi cado um desenvolvimento adequado de todos os processos que 
fazem parte de um sistema de planejamento de recursos humanos (PRH).
Coerência estratégica
As previsões do planejamento de pessoal originam-se, de modo geral, em 
prioridades e orientações estratégicas da organização. O grau de adequação 
entre umas e outras normalmente é alto.
Os mecanismos de PRH tornam possível uma adaptação fl exível das práti-
cas de pessoal às mudanças estratégicas da organização.
Informação de base
Os sistemas de informação sobre o pessoal permitem um conhecimento ra-
zoável das disponibilidades quantitativas e qualitativas de recursos huma-
nos existentes e previsíveis no futuro, nos diversos âmbitos organizacionais 
e unidades.
Efi cácia
As políticas e instrumentos de PRH utilizados permitem, em geral, a oti-
mização dos efetivos, a correta distribuição dos recursos e uma repartição 
adequada da carga de trabalho entre as unidades.
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Figura 5. Esquema do processo de planejamento de recursos humanos
PROJETOS EMPRESARIAIS ANÁLISES DE CONTEXTO PREVISÕES DE QUADRO 
DE PESSOAL
Necessidades 
de pessoal
Disponibilidades 
de pessoal
ANÁLISE DA DIFERENÇA
MEDIDAS DE COBERTURA
Necessidades 
líquidas
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103OS GRANDES SUBSISTEMAS 
Não existem, em geral, excedentes ou défi cit de pessoal signifi cativos nas 
diversas unidades ou partes da organização.
O custo global do quadro de pessoal situa-se dentro de parâmetros razoá-
veis e compatíveis com a economia da organização.
As operações de redistribuição de efetivos são realizadas com efi cácia sem-
pre que necessário.
A tecnificação das dotações é adequada a um ambiente de sociedade do 
conhecimento. Há um peso signifi cativo do trabalho qualifi cado na compo-
sição do quadro de pessoal.
Administração
As previsões do PRH são objeto de acompanhamento e atualização para 
que, caso necessário, possam ser ajustadas às mudanças de estratégia do 
ambiente.
As direções de linha conhecem as previsões do PRH e participam em sua 
elaboração e acompanhamento.
e) Considerações específi cas sobre o subsistema de planejamento
Na análise do PRH, podem distinguir-se conceitualmente dois momentos 
ou níveis: o do exame dos instrumentos, mecanismos e decisões próprias 
do planejamento de pessoal, e o de avaliação da operacionalidade des-
tes, constatando seu grau de infl uência nas diversas políticas, práticas e 
decisões de GRH. Deve ser levado em consideração, portanto, que só se 
obterá uma visão completa do PRH quando se houver analisado o con-
junto dos subsistemas que integram o modelo em uma realidade organi-
zacional determinada.
No âmbito público, não é raro encontrar áreas orgânicas ou funcionais em 
que as decisões são em geral inerciais ou reativas, junto a outras em que, 
normalmente por terem sido impostas prioridades estratégicas contunden-
tes, foi desenvolvido um instrumental planejador apreciável. Alguém que 
pretenda avaliar o funcionamento desse subsistema numa determinada or-
ganização deverá ter isto presente para evitar que uma parcela venha a ser 
tomada como sendo a totalidade.
Como foi dito antes, a brecha ou gap em que se baseia a identifi cação de 
necessidades líquidas pode acontecer por defi ciência (constata-se um défi cit 
de pessoas ou de capacidades) ou por excesso (existe um excedente quanti-
tativo ou qualitativo). No âmbito público, é necessário um posicionamen-
to fi rme em relação a esta segunda possibilidade, para evitar as dinâmicas 
incrementalistas que não questionam a necessidade daquilo que já existe. 
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104 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
Estas dinâmicas são seguidamente facilitadas, como veremos no próximo 
capítulo, pelas difi culdades existentes em muitos espaços públicos para ad-
ministrar de forma fl exível os excedentes de pessoal.
Normalmente, o desenvolvimento do PRH está relacionado, ainda que de 
forma causal, com o dos sistemas de informação sobre o pessoal. A qualida-
de de tais sistemas costuma ser um pré-requisito de efi cácia do PRH.
Na ausência de instrumentos mais elaborados e específi cos, os orçamentos 
contêm elementos de planejamento de pessoal que devem ser considerados. 
Em qualquer caso, um sistema de PRH precisa, para estar completo, refl etir-
se nas decisões de determinação de recursos, bem como de mecanismos e 
decisões de execução e de controle orçamentário.
Nos dias de hoje, o caráter dinâmico do contexto tende a encurtar a valida-
de temporal das previsões oriundas de qualquer processo de planejamento. 
No âmbito público, o PRH também é afetado por este fato, o que leva a 
criar e manter especialmente ativos os mecanismos de acompanhamento 
e atualização.
Subsistema 2: organização do trabalho
a) Objetivo
O subsistema de organização do trabalho integra o conjunto de políticas 
e práticas de GRH destinadas a defi nir as características e condições de exercí-
cio das tarefas, bem como os requisitos de idoneidade das pessoas chamadas a 
desempenhá-las.
b) Relação com outros subsistemas
Em um sistema integrado de GRH, a organização do trabalho aparece 
ligada ao planejamento, do qual recebe os subsídios necessários (pelo menos, é 
o que acontece quando o PRH é de médio/longo prazo; entretanto, quando se 
planeja a curto prazo, a organização do trabalho existente tende, com freqüên-
cia, a operar como variável independente, difi cilmente alterável pelo processo 
planifi cador).
As interligações mais transcendentes acontecem com o subsistema de 
gestão do emprego. O projeto adequado dos postos e dos perfi s funciona como 
um pré-requisito para uma correta gestão dos processos de incorporação das 
pessoas, possibilitando a qualidade do ajuste entre as necessidades da organi-
zação e o mercado de trabalho (quer seja o mercado laboral geral ou o mercado 
interno).
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105OS GRANDES SUBSISTEMAS 
c) Processos
Em um subsistema de organização do trabalho, são dois os processos di-
ferenciados que devem ser contemplados:
1. O projeto dos postos de trabalho, que implica na descrição das atividades, 
funções, responsabilidades e objetivos que a direção atribui ao posto e que, 
conjuntamente, representam o padrão em que o ocupante deste posto deve-
rá desenvolver sua contribuição e obter os resultados esperados.
Uma boa descrição do posto deveria conter a menção precisa de: a) 
a missão ou razão de ser do posto; b) sua situação específi ca na cadeia de 
autoridade formal da organização; c) suas dimensões ou magnitude bási-
ca dos recursos que administra; d) suas funções e tarefas principais; e) o 
alcance da responsabilidade que corresponde às decisões do titular, e f) 
as fi nalidades do posto ou área nas quais devem ser obtidos os principais 
resultados.
O projeto dos postos supõe realizar opções importantes sobre:
o grau de especialização.15
o grau de formalização do comportamento (padronização da conduta do 
ocupante) que se estabelece.
15 Especialização: os postos podem especializar-se (Mintzberg, 1984, p. 99 e seguintes) em 
duas dimensões. Em primeiro lugar, a de seu âmbito ou amplitude (quantas tarefas diver-
sas contém cada posto e que amplitude ou limitação têm tais tarefas). Em um extremo, 
o empregado é um curinga polivalente; no outro, repete sempre uma mesma tarefa. A 
segunda dimensão se relaciona à profundidade ou controle exercido sobre o próprio tra-
balho. Em um extremo, o empregado limita-se a obedecer instruções ou normas precisas; 
no oposto, controla cada aspecto de sua atividade, além de realizá-la. A primeira dimen-
são aponta para a especialização horizontal do posto. A segunda, para a especialização 
vertical. Seus contrários seriam a ampliação horizontal e vertical deste.
 A favor da especialização (a horizontal, do trabalhador especializado em um âmbito redu-
zido, ou a vertical, de quem realiza um trabalho muito controlado externamente) operam 
razões de melhoria da produtividade e a coordenação empiricamente demonstradas em 
muitos casos; contra, razões de desmotivação devido à rotina, rigidez diante das exigências 
de mudança e perda de qualidade do trabalho, sobretudo em ambientes de alta qualifi ca-
ção. As técnicas de enriquecimento de tarefas (job enrichment) nasceram precisamente 
para fazer frente a estes excessos de especialização e se baseiam na ampliação horizontal e/
ou vertical do posto. Na mesma linha fala-se, mais recentemente, de empowerment, aludin-
do basicamente a processos de ampliação do posto, em sua dimensão vertical. O estudioso 
de postos deve conjugar em cada caso o binômio especialização/ampliação, produzindo 
um equilíbrio adequado aos fatores de contingência que se apresentem, entre os quais, a 
tecnologia utilizada e as características do contexto do posto, são determinantes.
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106 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
2. A defi nição dos perfi s16 dos ocupantes dos postos, consistentes na identifi ca-
ção das capacidades básicas que estes devem reunir.
d) Pontos críticos
Existência e integridade do subsistema
Pode ser constatado um desenvolvimento adequado dos processos que 
fazem parte de um sistema de organização do trabalho, tal como foram 
descritos.
Qualidade técnica e fl exibilidade do projeto dos postos
O projeto dos postos obedece a critérios de gestão, mais que a considera-
ções legais ou acordoscoletivos. O padrão legal e os acordos trabalhistas 
limitam-se a estabelecer um padrão amplo, dentro do qual o trabalho se 
organiza em relação às necessidades organizacionais.
A descrição dos postos é realizada com precisão, de tal forma que a estrutu-
ra de responsabilidades fi que clara. Cada empregado sabe ao quê responde 
e porquê sua contribuição será valorizada.
A precisão na descrição das tarefas não é tão exaustiva que venha a difi cultar 
a adaptação às circunstâncias mutantes ou não previstas, ou legitime com-
portamentos defensivos do ocupante diante das exigências de mudança.
O projeto de postos tende a enriquecer ou a ampliá-los, horizontal ou verti-
calmente, naquilo que seja possível, para produzir ganhos de qualidade do 
trabalho e motivação das pessoas, sem perdas graves de produtividade ou 
coordenação.
A classifi cação e hierarquização dos postos respondem a critérios racionais 
e adaptados a cada meio organizacional.
16 Perfi s de capacidades: um perfi l de capacidades é uma seleção das aptidões básicas para 
garantir a idoneidade do titular de um posto de trabalho. Poderíamos dizer que é um 
“retrato modelo” do ocupante ideal.
 Dispor de um bom perfi l do ocupante do cargo é imprescindível para assegurar uma 
gestão correta dos processos de incorporação das pessoas, mas também para o funciona-
mento de outras áreas da GRH, como as políticas de avaliação e desenvolvimento, na me-
dida em que as orientam para a melhoria das capacidades mais relevantes das pessoas.
 Um bom perfi l, especialmente em seu papel orientador do recrutamento e da seleção, 
deve estar formado por poucas qualidades, e todas elas consideradas chave para um de-
sempenho bem-sucedido. A conjunção dos dois requisitos permite aceder ao mercado de 
trabalho com garantias razoáveis de êxito, planejar processos de incorporações efi cazes a 
custos razoáveis e dispor de um conjunto de requisitos com alta probabilidade de aproxi-
mar-se da idoneidade desejada.
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107OS GRANDES SUBSISTEMAS 
Qualidade da defi nição dos perfi s
Os perfi s de idoneidade dos ocupantes dos postos vão além dos requisitos 
de titulação ou especialização técnica e dos de méritos formais, e identifi -
cam outras qualidades baseadas em habilidades, atitudes, capacidades cog-
nitivas, motivações e traços de personalidade.
Os perfis de aptidões são definidos após estudos técnicos a cargo de 
especialistas.
Os perfi s incluem a seleção das capacidades que sejam consideradas funda-
mentais para o êxito no desempenho do titular do cargo.
Existe, em geral, uma coerência razoável entre as exigências das tarefas e os 
elementos que constituem o perfi l dos cargos.
Administração
O projeto dos postos e a defi nição dos perfi s são periodicamente revistos 
para adaptação à evolução das tarefas e suas novas exigências.
Os diretores de linha têm participação destacada no projeto dos cargos e 
perfi s, na parte que lhes afeta.
e) Considerações específi cas sobre o subsistema de organização do trabalho
Um elevado número de organizações públicas dispõe de descrições dos car-
gos. No entanto, a existência de descrições não garante que estas estejam 
efetivamente em uso. Com alguma freqüência, a descrição não se relaciona 
com as práticas correspondentes a outros subsistemas da GRH, como as de 
recrutamento, atribuição, mobilidade ou formação.
Uma boa organização do trabalho deve combinar a precisão, necessária 
para esclarecer as responsabilidades e valorizar a contribuição, com a fl e-
xibilidade que permita adaptar a tarefa às mudanças no contexto do cargo. 
Um adequado equilíbrio entre ambas características será um dos elementos 
determinantes da qualidade do subsistema.
No que diz respeito aos perfi s de capacidades, uma avaliação completa 
de sua utilização efetiva exigiria explorar o funcionamento do subsistema 
de gestão do emprego. A avaliação dos resultados das práticas de recru-
tamento e seleção (quantidade e qualidade das candidaturas, idoneidade 
dos selecionados) fornecerá informações valiosas sobre o uso e a efi cácia 
real destas.
Na hora de valorizar a efi cácia deste subsistema em uma realidade organi-
zacional concreta, nenhum material documental substitui as informações 
fundamentadas dos diretores de linha, protagonistas principais do uso efe-
tivo dos instrumentos de organização do trabalho.
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108 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
Subsistema 3: gestão do emprego
a) Objetivo
Este subsistema da GRH incorpora o conjunto de políticas e práticas de 
pessoal destinadas a gerir os fl uxos através dos quais as pessoas entram, se mo-
vimentam e saem da organização. É um subsistema complexo, dentro do qual 
há espaço para algumas das áreas mais relevantes da GRH.
b) Relações com outros subsistemas
A gestão do emprego se ocupa em pôr as pessoas em contato, ao longo de 
sua trajetória laboral, com as tarefas que, em cada momento, lhes são atribuí-
das. Por isso, suas conexões principais são as estabelecidas com o subsistema 
de organização do trabalho. O planejamento de cargos e perfi s constitui a base 
para um correto funcionamento deste subsistema da GRH.
Por sua vez, a gestão do desempenho será uma fonte de informações rele-
vantes para um conjunto de decisões que afetam a mobilidade das pessoas no 
interior da organização ou, eventualmente, a sua saída desta.
c) Processos
Neste subsistema é preciso distinguir três áreas principais de gestão:
1. A gestão da incorporação, que compreende as políticas e práticas referen-
tes ao acesso das pessoas ao posto de trabalho (o que pode também impli-
car seu acesso à organização). Nesse campo, cabe distinguir três tipos de 
processos:
O recrutamento, que compreende as políticas e práticas de GRH visan-
do procurar e atrair candidatos aos postos de trabalho que devem ser 
preenchidos.
A seleção, que compreende a escolha e aplicação de instrumentos preci-
sos para escolher corretamente, e as decisões para atribuição das pessoas 
aos cargos.
A recepção, socialização ou indução, que compreende as políticas e práti-
cas destinadas a receber as pessoas adequadamente e acompanhá-las em 
seus primeiros passos no posto e em seu contexto.
2. A gestão de mobilidade, que afeta os movimentos das pessoas entre os postos 
de trabalho da organização, e na qual é preciso distinguir entre:
Mobilidade funcional, que implica apenas mudança de tarefas, e
Mobilidade geográfi ca, que implica também transferência do local de tra-
balho, com mudança de endereço.
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109OS GRANDES SUBSISTEMAS 
3. A gestão da desvinculação, que integra as política e práticas de GRH rela-
cionadas à extinção da relação de emprego, quer seja por razões discipli-
nares, por inadequação ou baixo desempenho, ou por razões econômicas, 
organizacionais ou tecnológicas. Cabe incluir aqui as políticas e práticas de 
correção disciplinar, mesmo que as sanções sejam de caráter menos grave e 
não cheguem a se traduzir em demissão.
d) Pontos críticos
Preparação
Antes de decidir o preenchimento de uma vaga, analisa-se o cargo e se con-
sideram as possibilidades alternativas existentes: amortizá-lo, fundi-lo com 
outro, redistribuir tarefas, contratar temporariamente, terceirizar a ativida-
de etc.
Uma vez tomada a decisão, avalia-se se o recrutamento deve ser realizado 
interna ou externamente. No primeiro caso, são levadas em consideração 
razões de ampliação do universo de escolha ou a conveniência de incorpo-
rar perfi s diversos; o segundo tipo de decisão é adotado quando prevalecem 
considerações de custo, segurança na escolha, integração cultural da pessoa 
ou de estímulo à promoção interna.
Igualdadee merecimento no acesso
O recrutamento para preenchimento dos postos de trabalho é aberto, de 
fato e de direito, a todos os candidatos que reúnam os requisitos exigidos, 
estabelecidos por razões de idoneidade, avaliados de forma técnica, não 
arbitrariamente.
Existem procedimentos e mecanismos de garantia necessários para evitar a 
arbitrariedade, a politicagem e as práticas de apadrinhamento ou de cliente-
lismo ao longo de todo o processo de incorporação.
Há um número limitado e razoável de cargos cobertos por pessoal designa-
do segundo critérios e mecanismos de tipo político.
Existem e se aplicam mecanismos para garantir a efetiva igualdade e a não-
discriminação, orientados à superação das diferenças de sexo, etnia, cul-
tura ou origem, nos procedimentos de acesso e de progressão no emprego 
público.
Qualidade do recrutamento
Os meios utilizados para a procura, comunicação e atração de candidatos 
produzem em geral um número adequado de candidaturas válidas aos car-
gos que devem ser preenchidos.
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110 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
Qualidade da seleção
A seleção baseia-se na defi nição prévia de perfi s de capacidades (vide nota 
16, p. 106) dos ocupantes dos cargos que devem ser preenchidos.
Os instrumentos de seleção utilizados são, em geral, adequados aos perfi s 
previamente defi nidos e seu planejamento responde a critérios, tecnicamen-
te comprovados, de efi cácia na identifi cação da idoneidade profi ssional.
Os órgãos de seleção estão projetados com critérios de profi ssionalismo e 
experiência técnica, e são formados por pessoas dotadas das capacidades 
necessárias, que atuam com independência no exercício de suas funções.
As decisões de incorporação são adotadas obedecendo a critérios de mere-
cimento e capacidade profi ssional tecnicamente comprovados.
Qualidade da recepção
Existem, e são aplicados, procedimentos adequados para receber os emprega-
dos, facilitar-lhes a entrada na organização, se for o caso, e seus primeiros pas-
sos no cargo e seu contexto, bem como para transmitir-lhes princípios e nor-
mas básicas de conduta que devem conhecer no momento de se integrarem.
Existem, e são aplicados, procedimentos adequados (períodos probatórios 
ou similares) para assegurar o acerto na incorporação e permitir a adoção 
de medidas corretivas, caso necessário.
Mobilidade
Os mecanismos de mobilidade, funcional e geográfi ca, permitem responder 
com fl exibilidade às necessidades de redistribuição de pessoal.
Absenteísmo
Os índices de absenteísmo são, em geral, satisfatórios, comparados com os 
de uso geral no setor de atividade em questão.
Disciplina
Os procedimentos disciplinares efetivamente aplicados permitem corrigir com 
efi cácia, agilidade e exemplarmente as condutas inadequadas dos empregados.
Desvinculação
Não existem dispensas ou rescisões de emprego que, afetando postos de tra-
balho de caráter profi ssional, se devam a meras razões de mudança da cor 
política dos governos.
Existe a possibilidade de dispensa por incapacidade manifesta ou baixo de-
sempenho, objetivamente comprovados.
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111OS GRANDES SUBSISTEMAS 
Existe a possibilidade de rescindir a relação de emprego por razões técnicas, 
econômicas ou organizacionais comprovadas objetivamente, que levem à 
extinção de postos de trabalho.
Não existem segmentos ou setores de postos nos quais se detecte uma exces-
siva rotação, de acordo com os padrões geralmente admitidos em seu setor 
de atividade e contexto.
e) Considerações específi cas sobre o subsistema de gestão do emprego
Em matéria de gestão do emprego, é imprescindível, mais que em qualquer 
outra área da GRH, diferenciar entre o marco normativo e o funcionamento 
real das coisas. Freqüentemente, serão encontrados regulamentos que pro-
jetam uma realidade desmentida pelas políticas e práticas efetivas. Como 
foi dito antes, a análise da efi cácia real do subsistema deve centrar-se basi-
camente nestas últimas.
A freqüência com que, na esfera pública, começaram a ser usados os meca-
nismos de fl exibilidade contratual, aos quais logo iremos nos referir, compe-
le-nos a considerar que o funcionamento efetivo deste subsistema se esten-
de, a rigor, a diversas modalidades formais de emprego, que podem incluir 
contratos temporários de serviços profi ssionais, autônomos, pessoal cedido 
por empresas de trabalho temporário etc.
No emprego público, a mobilidade das pessoas é, como veremos no capítu-
lo seguinte, uma das áreas preferenciais de reforma. Em geral, procura-se 
estimulá-la eliminando as barreiras que possam existir e conseguir que, ao 
mesmo tempo, a mobilidade voluntária se equilibre com a existência de me-
canismos de transferência obrigatórios que facilitem a adaptação das atri-
buições de tarefas às mudanças.
A estabilidade que caracteriza, em geral, o emprego público, tende a limi-
tar o alcance dos processos de desvinculação. Também aqui encontraremos 
orientações relevantes de reforma, cujo objetivo é tornar possível, além da 
dispensa disciplinar reconhecida de forma geral em todas as latitudes, a res-
cisão da relação de emprego por motivos técnicos, econômicos ou organi-
zacionais.
A qualidade do subsistema de gestão do emprego vê-se afetada, como se 
percebe na relação anterior de pontos críticos, pelas taxas de rotatividade e 
absenteísmo registradas. A taxa de rotatividade de pessoal mede a quanti-
dade dos abandonos voluntários do emprego ao longo de um período anual, 
expressa em porcentagem sobre o emprego total. Uma cifra alta de rotativi-
dade (turnover) é sintoma de falhas na gestão de pessoal e refl ete especial-
mente uma baixa competitividade de salários e condições de trabalho. Uma 
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112 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
cifra extremamente baixa poderia ser interpretada negativamente, como 
falta de uma renovação mínima. A taxa de absenteísmo mede a quantidade 
de baixas laborais temporárias e outras ausências do trabalho, referenciadas 
em modelos internacionalmente estabelecidos. A existência de cifras ele-
vadas denota uma gestão inefi ciente dos recursos humanos, que pode ter 
origem em uma multiplicidade de motivos.
Subsistema 4: gestão do desempenho
a) Objetivo
A gestão do desempenho é o subsistema da GRH que tem por propósito 
infl uenciar no desempenho das pessoas no trabalho, para alinhá-lo às priori-
dades da organização e mantê-lo no nível mais elevado possível, propiciando 
uma melhora sustentada da contribuição dos empregados para alcançar os 
objetivos organizacionais, bem como para obter informações valiosas para a 
tomada de decisões de GRH em diversos campos.
b) Relação com outros subsistemas
A gestão do desempenho ocupa uma posição central num sistema inte-
grado de GRH, como pode ser visto na fi gura 6 (p. 113). Por sua infl uência no 
funcionamento do sistema em seu conjunto, podemos destacar sobretudo suas 
conexões com os subsistemas de compensação e desenvolvimento.
Sua relação com o primeiro se produz quando o sistema de compensação 
incorpora o pagamento de retribuições variáveis vinculadas ao desempenho, 
o que constitui, apesar das críticas freqüentes a seu funcionamento real, uma 
tendência signifi cativa dos sistemas de GRH, privados e públicos, em quase 
todo o mundo.
A conexão com a gestão do desenvolvimento se dá em dois sentidos:
Mediante o fornecimento de insumos imprescindíveis aos processos de pro-
moção e carreira, sem os quais estes tenderão a se basear na antiguidade e 
em merecimentos formais, com a conseqüente perda de qualidade.
Mediante a detecção, nas pessoas, das necessidades de desenvolver competên-
cias, o que é básico para o planejamentode políticas efi cazes de formação.
c) Processos
A gestão do desempenho pode ser vista como um ciclo que inclui:
1. O planejamento do desempenho, que se traduz na defi nição de pautas ou 
padrões de desempenho em sintonia com a estratégia e objetivos da orga-
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113OS GRANDES SUBSISTEMAS 
nização (vide fi gura 6), a comunicação efi caz de tais expectativas aos em-
pregados e a obtenção de aceitação e compromisso por parte destes para 
adaptar seus desempenhos às expectativas.
2. O acompanhamento ativo do desempenho, ao longo do ciclo de gestão, ob-
servando e apoiando o desempenho das pessoas.
3. A avaliação do desempenho, comparando os modelos e objetivos do desem-
penho com os resultados. Pode estar vinculada, como indicado antes, a ou-
tras políticas ou práticas de GRH.
4. A retroalimentação ou feedback ao empregado, e a elaboração de planos de 
melhora do desempenho, que se ligariam ao ciclo seguinte, em sua etapa de 
planejamento.
d) Pontos críticos
Planejamento e acompanhamento
Normalmente, a direção defi ne as pautas ou padrões do desempenho espe-
rado das pessoas, de acordo com as prioridades e estratégias da organização. 
Em conseqüência, os empregados conhecem os aspectos de sua contribui-
ção pelos quais serão especifi camente avaliados em um determinado perío-
do de tempo.
Os objetivos do desempenho são fi xados no quadro dos planos de melhora 
resultante da avaliação do desempenho do ciclo de gestão anterior.
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Figura 6. Esquema de gestão do desempenho
Estratégia
Objetivos da organização
Objetivos da unidade/direção
Gestão do desempenho
Resultados do desempenho individual
Resultados da unidade
Resultados da organização
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114 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
Os objetivos de desempenho são comunicados aos empregados como forma 
de facilitar a obtenção de sua aplicação e comprometimento.
Ao longo do ciclo de gestão, a direção acompanha, observa e apóia ativa-
mente as melhorias do desempenho das pessoas, fornecendo recursos e eli-
minando obstáculos quando necessário.
Avaliação
O desempenho das pessoas é avaliado pela organização mediante compara-
ção com os padrões de desempenho esperado.
Os critérios de avaliação e as práticas de aplicação destes permitem distin-
guir efi cazmente as diferenças de desempenho entre as pessoas.
Os critérios de avaliação do desempenho são percebidos como confi áveis e 
objetivos pelas pessoas que participam de sua aplicação.
A retroalimentação (ou feedback) do desempenho dá-se de forma constru-
tiva, orientada à melhora, num contexto de relação aberta e franca entre 
avaliador e avaliado.
Administração
Os diretores de linha, responsáveis pelas unidades de trabalho nos diversos 
níveis hierárquicos, assumem papel protagonista na gestão do desempenho 
dos empregados a seu cargo.
Os diretores recebem treinamento adequado nas habilidades profi ssionais 
e sociais necessárias para gestionar adequadamente o desempenho de seus 
colaboradores.
e) Considerações específi cas sobre o subsistema de gestão do desempenho
Ao analisar os sistemas públicos de GRH, o observador deveria levar em 
conta algumas considerações relacionadas à gestão do desempenho. Por exem-
plo, estas.
Em todas as organizações existem elementos de gestão do desempenho, 
mesmo que sejam práticas informais baseadas em apreciações intuitivas. 
Um grau mínimo de formalização é, no entanto, imprescindível para que o 
subsistema possa ser considerado operativo.
Para os diretores e responsáveis de recursos humanos das organizações públi-
cas, dispor de um sistema formal de avaliação do desempenho converte-se, às 
vezes, numa marca emblemática de inovação e modernidade do sistema de 
GRH, o que, algumas vezes, leva a subestimar as condições organizacionais 
(fi nalidades claras, clima propício, sistemas de planejamento efi cazes, direto-
res preparados e dispostos etc.) necessárias para que o sistema tenha êxito.
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115OS GRANDES SUBSISTEMAS 
A mera existência de um sistema formalizado (como, por exemplo, um 
procedimento obrigatório de defi nição de objetivos, entrevistas e avalia-
ção do desempenho, acompanhado de questionários e outros documentos 
impressos) não signifi ca, por si só, que a prática real inclua os elementos 
próprios de uma GRH adequada neste campo (provavelmente, o mais difí-
cil), e não é raro que o sistema acabe por converter-se em simples trâmite 
burocrático.
Alguns pontos frágeis aparecem nos sistemas de gestão do desempenho 
com freqüência. Eles são:
a ausência de compromisso dos dirigentes chamados a ter um papel pro-
tagonista na administração do sistema, assim como a falta de tempo e 
o défi cit de capacitação no uso efi caz do instrumental de gestão (estas 
estão geralmente entre as principais causas);
uma utilização colocada a serviço de concepções autoritárias de chefi a;
a tendência de avaliar de forma homogênea os colaboradores a fi m de 
escapar do confl ito interpessoal;
a falta de confi abilidade técnica e de objetividade dos instrumentos de 
medição.
Subsistema 5: gestão da compensação
a) Objetivo
Este subsistema da GRH inclui a gestão do conjunto de compensações 
retribuitivas (salariais e extra-salariais) e não retribuitivas que a organização 
presta a seus empregados, como contrapartida à contribuição destes aos obje-
tivos da organização, expressa através de seu trabalho.
b) Relação com outros subsistemas
As conexões mais relevantes são as que se estabelecem com dois subsiste-
mas da GRH, já descritos:
A organização do trabalho – e, mais especifi camente, o projeto dos postos 
de trabalho – constitui, como diremos em seguida, a base para o planejamento 
de estruturas salariais.
A gestão do desempenho e, concretamente, a avaliação do mesmo, forne-
ce informações imprescindíveis para a aplicação de:
retribuições variáveis ligadas ao desempenho, se for o caso;
mecanismos de reconhecimento monetário.
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116 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
c) Processos
1. Projeto de estruturas salariais: o projeto da estrutura de retribuição fi xa ou 
básica (vide fi gura 7, p. 117) parte, na maioria das organizações, do projeto 
de postos de trabalho. Alcançar a eqüidade salarial17, interna e externa, leva 
a desenvolver os seguintes processos:
A valorização dos cargos, atribuindo a cada um uma compensação de 
acordo com sua contribuição relativa aos resultados organizacionais e co-
erente com os referenciais salariais de mercado que lhe forem aplicáveis.
A classifi cação dos cargos, por níveis ou grupos salariais, coerentes com a 
citada valorização e capazes de permitir uma progressão salarial adequa-
da e uma gestão racional das retribuições.
O projeto de retribuições variáveis, quando estas são estabelecidas, im-
plica escolher o conceito a ser retribuído (vinculado ao desempenho, par-
ticipação em lucros ou conexão com resultados globais etc.), o destinatário 
(indivíduo ou grupo) e a dimensão da faixa de retribuição.
2. Benefícios extra-salariais: a aplicação de compensações não monetárias (seguros 
de vida ou de acidentes, ajudas e empréstimos, complementos de pensão etc.) 
exige defi nição de políticas vinculadas a uma estratégia de retribuição global.
17 Eqüidade salarial: entendemos por tal a qualidade de uma estrutura de retribuição, con-
sistente na existência de um duplo ajuste ou equilíbrio.
a) Por um lado, equilíbrio entre o que cada empregado aporta e recebe da organização, 
levando em consideração, ao mesmo tempo, como operar tal balanço contribuição/
compensação para os diversosempregados e grupos de empregados.
b) Por outro lado, entre as retribuições satisfeitas pela organização e as de seus merca-
dos de referência.
 No primeiro caso indicado, falaremos da eqüidade interna da estrutura salarial. O objeti-
vo de uma GRH adequada é traduzir-se numa percepção de eqüidade interiorizada pelos 
empregados.
 No segundo caso, falaremos da eqüidade externa. A eqüidade externa de um sistema re-
tribuitivo inclui as notas de competitividade e efi ciência retribuitiva.
 Um sistema salarial é competitivo quando permite à organização atrair e manter os em-
pregados de que necessita. Os índices de atração e rotatividade são a medida da competi-
tividade salarial. Um sistema salarial é efi ciente quando a competitividade é alcançada a 
um custo não superior ao dos mercados de referência.
 A tensão entre a eqüidade interna e externa é um problema clássico da GRH. Acontece, 
sobretudo, quando a elevação no valor de mercado de certas especializações, profi ssões ou 
perfi s de competências, quaisquer que sejam suas causas, obriga a organização – para não 
perder competitividade salarial – a elevar a remuneração de alguns empregados acima das 
que são fruto da valorização de cargos, aplicando critérios meramente internos. Em geral, 
essa tensão produz tendências à opacidade dos sistemas de administração de salários.
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117OS GRANDES SUBSISTEMAS 
3. Projeto de mecanismos de evolução: pressupõem o estabelecimento de políti-
cas de compensação em dois campos:
o da evolução global, que implica realizar opções e também vinculá-las à 
infl ação prevista ou sobrevinda, aos resultados etc.
o da evolução individual, onde se opta por vinculá-la à antiguidade, ao 
desempenho etc.
Em ambos os casos, a correção das opções adotadas será determinada 
por seu grau de adequação à estratégia organizacional.
4. Administração de salários: implica defi nir políticas que afetam basicamente 
o grau de centralização ou descentralização das decisões sobre retribuições 
e o grau de transparência ou opacidade dos salários.
5. Reconhecimento não monetário: inclui as políticas e os instrumentos defi -
nidos e aplicados pela organização, conforme o caso, para reconhecer os 
benefícios que não têm efeitos salariais.
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Figura 7. A projeção das estruturas de compensação
Classifi cação 
dos postos
Valorização 
dos postos
Projeto dos 
postos de 
trabalho
Contraste com 
o mercado
Retribuição 
variável
Estrutura de 
retribuições 
básicas
Retribuição 
monetária total
Benefícios 
extra-salariais
EQ
Ü
ID
A
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E IN
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N
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Ü
ID
A
D
E EXTER
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118 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
d) Pontos críticos
Existência de uma estratégia de compensação
A estrutura salarial e as políticas de retribuição respondem a um conjunto 
de prioridades e objetivos vinculados à estratégia organizacional e não a 
simples práticas inerciais ou de resposta reativa a reivindicações e confl itos 
trabalhistas.
Eqüidade interna
As pessoas, em geral, têm a percepção de receberem da organização com-
pensações de todo o tipo, de acordo com sua contribuição.
As pessoas percebem que as compensações que recebem os demais empre-
gados são eqüitativas, comparadas com as que eles próprios recebem.
A classifi cação dos cargos por níveis de retribuição facilita uma progressão 
fl exível e vinculada ao desempenho e ao aprendizado.
O leque salarial tem uma amplitude razoável. As diferenças verticais de re-
tribuição são adequadas à natureza dos cargos.
Há um equilíbrio adequado entre as retribuições aplicadas a níveis similares 
de cargos nos diversos setores e âmbitos do serviço.
Eqüidade externa
A estrutura de retribuições é adequada para atrair, motivar e manter pessoas 
dotadas das capacidades necessárias, nos diversos tipos de cargos que a or-
ganização necessita.
Os custos salariais não são excessivos, em relação aos de mercado, em ne-
nhum setor ou nível de cargos.
Efi cácia das políticas de compensação
Os mecanismos de retribuição utilizados estimulam nas pessoas o esforço, 
o desempenho individual ou de grupo e o aprendizado e desenvolvimento 
das competências.
Administração
As decisões relacionadas à administração de salários são adotadas de acordo 
com critérios preestabelecidos e de forma coerente com os parâmetros de 
projeção estrutural da organização.
Não são detectáveis, nas decisões salariais, práticas de arbitrariedade, busca 
de desempenhos ou clientelismo político.
Os sistemas de informação sobre o pessoal contêm toda informação atualizada 
acerca das retribuições necessárias para a correta gestão do sistema salarial.
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119OS GRANDES SUBSISTEMAS 
Outras compensações
Os benefícios extra-salariais aplicados são efi cazes, avaliados em termos de 
custo/benefício.
O regime de pensões dos empregados é adequado para seus fi ns de previ-
são social, goza de solidez fi nanceira, não cria privilégios exorbitantes em 
relação a outros grupos sociais e não supõe uma carga excessiva sobre a 
economia da organização.
Na organização existem políticas e instrumentos úteis de reconhecimento 
não monetário das conquistas das pessoas.
e) Considerações específi cas sobre o subsistema de gestão da compensação
Como na análise de outros subsistemas, é importante distinguir aqui a reali-
dade de seu aspecto formal. As retribuições são aquelas defi nidas, indepen-
dentemente de qual seja a regulamentação existente sobre a matéria. Com 
alguma freqüência, na realidade concreta da organização existem estruturas 
salariais informais ou atípicas. Quando isto ocorre, devem ser evidenciadas, 
analisadas e avaliadas.
A existência de uma valorização dos postos de trabalho, feita através da apli-
cação de um instrumental confi ável e válido, constitui elemento determi-
nante para a análise de sistemas de compensação.
Sem uma valorização corretamente atualizada, é muito provável que ve-
nham a existir desajustes na eqüidade interna e externa.
A compressão vertical dos salários é um dos indicadores quantitativos utili-
zados pelo Banco Mundial para a avaliação dos sistemas de emprego públi-
co. Consiste na medida da diferença entre a retribuição total recebida pelos 
empregados de nível salarial superior e a dos de nível inferior da escala de 
retribuição. Para expressá-la, costuma-se usar o salário inferior como base 
1. A existência de uma compressão muito forte (problema freqüente na Es-
panha) reduz os incentivos de carreira e o desempenho dos empregados. 
Uma excessiva descompressão é sintoma de que o sistema está cativo de al-
gumas elites e refl ete um grau mais ou menos elevado de iniqüidade interna 
da estrutura de compensação.
A compressão horizontal dos salários mede o grau em que se produzem 
decisões discricionárias em questão salarial, acima ou abaixo do salário-
base fi xado em caráter geral para um determinado nível. Quando excede a 
relação 1:1.2 implica, de acordo com o Banco Mundial, riscos de corrupção 
ou busca de alternativas.
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120 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
Subsistema 6: gestão do desenvolvimento
a) Objetivo
O objetivo das políticas e práticas de gestão do desenvolvimento é esti-
mular o crescimento profi ssional das pessoas, de acordo com seu potencial, 
fomentando o aprendizado necessário e defi nindo itinerários de carreira que 
conjuguem as necessidades organizacionais com os diversos perfi s, expectati-
vas e preferências individuais.
b) Relação com outros subsistemas
A gestão do desenvolvimento se relaciona preferencialmente com outros 
três subsistemasda GRH.
Interage com a gestão do emprego, defi nindo de forma articulada o fl uxo 
de movimento das pessoas na organização.
Mantém uma ligação próxima com a gestão do desempenho, da qual re-
cebe informações imprescindíveis para defi nir tanto as necessidades de apren-
dizado como as oportunidades de promoção.
Deve coordenar-se com as políticas de compensação, especialmente no 
que diz respeito aos mecanismos de progressão salarial, ligados às diversas pro-
jeções de carreira.
c) Processos
A gestão do desenvolvimento engloba duas áreas básicas de políticas de 
GRH:
1. As políticas de promoção e de carreira, que articulam os processos por meio 
dos quais as pessoas progridem, tanto em sua contribuição (isto é, o tama-
nho de sua contribuição em prol das fi nalidades da organização), como no 
reconhecimento dessa contribuição pela organização (constituído por tudo 
aquilo que a organização oferece em troca).
2. As políticas de formação, destinadas a garantir o aprendizado individual e 
coletivo necessário às fi nalidades da organização, desenvolvendo a capaci-
dade dos empregados e estimulando sua progressão profi ssional.
d) Pontos críticos
Efi cácia das políticas de promoção
As pessoas, em geral, são satisfeitas em suas expectativas razoáveis de pro-
moção na organização.
Existem planos de carreira e sucessão que harmonizam as expectativas indi-
viduais com as necessidades previsíveis da organização.
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121OS GRANDES SUBSISTEMAS 
Qualidade da projeção de carreiras
Os critérios e mecanismos de promoção vinculam-na ao desempenho, ao 
potencial e ao desenvolvimento de capacidades, e não ao mero transcurso 
do tempo.
A organização administra fl exivelmente o progresso das pessoas, sem um 
excesso de barreiras ou limitações formais.
Há fórmulas alternativas às carreiras estritamente hierárquicas, como as 
carreiras horizontais ou no cargo, baseadas no reconhecimento da exce-
lência profi ssional, sem necessidade de aumentar a autoridade formal dos 
afetados.
Qualidade da formação
As pessoas recebem da organização a capacitação adequada para com-
plementar sua formação inicial ou de acesso, adaptar-se à evolução das 
tarefas, enfrentar o défi cit de desempenho e apoiar o próprio crescimento 
profi ssional.
A formação apóia o desenvolvimento do aprendizado coletivo, que consoli-
da avanços na capacidade organizacional para enfrentar problemas e ofere-
cer respostas efi cazes.
A formação apóia de maneira efetiva os processos de inovação e mudança 
cultural.
Gestão da formação
A formação baseia-se em diagnósticos confi áveis de necessidades.
O investimento em formação se dá mediante planejamento baseado no 
diagnóstico de necessidades e é concebido para apoiar prioridades claras 
da organização.
A formação é objeto de avaliação, que se estende à satisfação proporcionada 
aos participantes, à relação entre resultados e custos e ao impacto produzido 
sobre o desempenho das pessoas no posto de trabalho.
e) Considerações específi cas sobre o subsistema de gestão do desenvolvimento
As políticas de promoção e carreira constituem, junto com as de recruta-
mento e seleção, as áreas mais sensíveis à vulnerabilidade do princípio de 
mérito. A ascensão em função do desempenho e da capacidade, e não das 
proximidades políticas ou pessoais, ou da mera arbitrariedade, é requisito 
básico que qualquer sistema de gestão pública das pessoas deve atender an-
tes de qualquer outro.
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122 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
É freqüente, principalmente no âmbito público, que as organizações iden-
tifi quem a carreira com a ascensão hierárquica. Quando acontece assim, 
a necessidade de satisfazer expectativas e demandas de promoção leva ao 
inchaço artifi cial de estruturas, perniciosa sob muitos pontos de vista. O 
planejamento de carreiras horizontais, não hierárquicas, tem por objetivo 
solucionar este problema.
Convém ressaltar que a carreira é uma das áreas em que, com maior intensi-
dade, os reformadores dos sistemas de gestão pública de recursos humanos 
tentaram incorporar elementos de fl exibilidade, como fi cará claro no pró-
ximo capítulo.
Existe a mais ampla concordância entre os especialistas acerca do valor 
crucial da formação na moderna GRH. Para que um sistema satisfaça estas 
expectativas, convém lembrar que é imprescindível que a atividade de for-
mação esteja a serviço da estratégia organizacional e não constitua um mero 
catálogo de ofertas de capacitação, administrado pelos próprios empregados 
em função apenas de suas preferências e interesses pessoais.
Com alguma freqüência, uma vez que não costuma gerar resistências, a for-
mação converte-se em política utilizada para enfrentar qualquer problema 
de pessoal, inclusive aqueles para os quais ela não é o instrumento mais 
adequado. É preciso levar em consideração, no entanto, que a formação não 
soluciona por si só as carências em áreas mais “duras” da GRH, como po-
dem ser a gestão do desempenho ou das retribuições.
Para evitar tais desvios, é necessário superar as difi culdades intrínsecas e 
criar um instrumental de avaliação do investimento em formação. Esse ins-
trumental deve ir da mera verifi cação de atividade e custo e chegar, na me-
dida do possível, a avaliar o impacto sobre o desempenho das pessoas no 
trabalho.
Subsistema 7: gestão das relações humanas e sociais
a) Objetivo
Este subsistema da GRH se dedica à gestão das relações estabelecidas en-
tre a organização e seus empregados em torno das políticas e práticas de pes-
soal quando, por razões várias, estas adquirem, em um determinado contexto, 
dimensão coletiva.
Essa dimensão é alcançada quando o interlocutor da direção não é o em-
pregado individual, nem uma unidade organizacional ou grupo de trabalho 
específi co, como acontece nas relações comuns de trabalho, e sim a totalidade 
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123OS GRANDES SUBSISTEMAS 
do pessoal, ou então um ou vários grupos de empregados vinculados entre si 
por identidades laborais ou profi ssionais mais ou menos genéricas, mas que 
transcendem normalmente um âmbito funcional específi co de trabalho.
b) Relação com outros subsistemas
Como indica sua localização no diagrama, a gestão das relações humanas 
e sociais se relaciona com a totalidade dos subsistemas da GRH. De fato, as 
relações coletivas que constituem seu objetivo podem se desenvolver no marco 
de qualquer outra área da gestão das pessoas, desde o planejamento até a car-
reira, passando pela compensação e pela gestão do desempenho.
Precisamente, se o conteúdo temático das relações coletivas, num deter-
minado sistema de gestão pública dos recursos humanos, afetar mais a algumas 
questões de pessoal do que a outras (as retribuições, por exemplo, em relação 
às políticas de quadro de pessoal) esse fato irá constituir um elemento qualifi -
cador do modelo de relações coletivas existente.
Figura 8. Esquema de funcionamento das relações laborais
Direção
DRH
Supervisores
Empregador
Sindicatos
Órgãos de representação
Mediador
ATORES
Negociação coletiva
Acordos
Comitês e comissões
Reclamações e queixas
Participação
Relações de trabalho
Mediação-arbitragem
Relações informais
Confl ito trabalhista
Retribuição direta
Retribuição indireta
Condições de trabalho
Condições de emprego
Políticas de GRH
Normas
Clima de trabalho
Objetivos
Valores
Poder
ENTRADAS PROCESSO SAÍDAS
CONTEXTO
Econômico Tecnológico Legal Político Social 
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124 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
c) Processos
Dentre as diversas opções de sistematização possíveis num campopar-
ticularmente amplo, adotamos uma classifi cação em três blocos ou áreas de 
gestão:
1. A gestão do clima organizacional18, na qual cabe localizar, em destaque, as 
políticas e práticas de comunicação, em sentido tanto ascendente quanto 
descendente, bem como um amplo elenco de políticas de pessoal destinadas 
a manter e melhorar a percepção da satisfação coletiva dos empregados.
2. A gestão das relações trabalhistas (vide fi gura 8), que inclui a negociação co-
letiva dos salários e as condições de trabalho, no espaço em que ela integra 
as práticas de pessoal estabelecidas, bem como todo o conjunto de relações 
entre a direção da organização e os interlocutores sociais (sindicatos, grê-
mios, associações etc.) que representam os empregados ou grupos destes. As 
relações trabalhistas se estenderão aos órgãos representativos da base eleti-
va, nos contextos institucionais em que estes existam. As relações trabalhis-
tas reproduzem os objetivos, os valores e as aspirações de poder das partes, 
desenvolvem-se mediante processos de acordo, negociação ou confl ito de 
diversas naturezas e provocam impacto sobre diversas áreas da GRH.
18 Clima organizacional: em uma obra clássica, Litwin e Stringer (1968, p. 66) defi nem o 
clima como a soma das percepções dos indivíduos que trabalham em uma organização. 
Esse estado de ânimo coletivo ou percepção global compartilhada tem repercussões na 
conduta dos empregados e, portanto, interessa à GRH.
 O clima organizacional normalmente é medido através de questionários que avaliam as 
percepções dos empregados, tomando por base um conjunto de dimensões. A medição 
do clima serve para melhorar as políticas e práticas de GRH relacionadas às áreas que 
estejam defi citárias.
 Weinert (1985, p. 176) reconhece no clima organizacional cinco componentes ou dimen-
sões principais, que constituem o denominador comum dos diversos instrumentos de 
medição propostos:
a) a autonomia individual, ou liberdade dos indivíduos para decidir por si mesmos 
sobre o trabalho;
b) o grau em que foram elaborados e fi xados com clareza os métodos e objetivos e no 
qual o superior os dá a conhecer;
c) o sistema de recompensa e retribuição e o grau em que apresenta uma relação clara 
com o desempenho produzido e recebido;
d) a atenção, o apoio, o interesse e o “calor” que mostram os superiores em relação aos 
subordinadose, e
e) a cooperação e capacidade para resolver confl itos.
 Como pode ser observado, trata-se de elementos que, em boa medida, afetam as relações 
verticais (superiores/subordinados) e por isso são especialmente suscetíveis de serem con-
templados e incorporados pelas políticas e práticas organizacionais de gestão das pessoas.
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125OS GRANDES SUBSISTEMAS 
3. A gestão das políticas sociais, entre as quais as de saúde laboral, ocupam um 
espaço proeminente e se estendem ao conjunto de políticas e práticas cujo 
objetivo é facilitar benefícios coletivos e auxílio a indivíduos ou grupos es-
pecialmente necessitados, dentro do coletivo de empregados.
d) Pontos críticos
Gestão do clima
A organização trata de conhecer o clima laboral, avaliando-o periodicamen-
te através do uso de instrumentos confi áveis.
As avaliações do clima são levadas em consideração para a revisão e melho-
ra das políticas e práticas de GRH.
Efi cácia da comunicação
A organização dispõe de mecanismos, e verifi ca-se que os usa com freqüên-
cia, para conhecer as iniciativas, reivindicações, sugestões, informações e 
opiniões procedentes dos empregados.
Em geral, as decisões da direção, em seus diversos níveis, bem como as infor-
mações relevantes de todos os tipos, geradas em instâncias superiores, circu-
lam pela organização com fl uidez e chegam com precisão a todos os afetados.
A organização dispõe de instrumentos específi cos de comunicação desti-
nados a reforçar a percepção de pertencimento e o comprometimento dos 
empregados no projeto organizacional global.
Equilíbrio e qualidade das relações trabalhistas
Nas relações trabalhistas, cada parte representa, sem exceder seus limites, o 
papel que lhe é devido e cujo exercício é reciprocamente reconhecido e aceito.
Existe, em geral, um equilíbrio razoável entre as posições de poder da dire-
ção e os empregados. As negociações entre as partes normalmente refl etem 
tal equilíbrio.
As relações trabalhistas se orientam, em geral e preferencialmente, à nego-
ciação e ao acordo, e não ao confronto ou à desqualifi cação do adversário.
As relações trabalhistas intermediadas (as que são protagonizadas por ins-
tâncias de caráter representativo) não excluem as relações diretas ou perso-
nalizadas da direção com os empregados, quando é conveniente mantê-las.
Gestão do confl ito trabalhista
O grau de enfrentamento trabalhista não é excessivo, seja pelo número de 
confl itos, por seus efeitos ou pela contundência dos meios utilizados.
Existem mecanismos efi cazes para a gestão e solução pactuada dos confl itos.
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126 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
Gestão das políticas sociais
As práticas de saúde laboral são satisfatórias.
Os cuidados e benefícios sociais para os empregados são adequados; não 
excedem àqueles que são próprios ao contexto em que opera a organização 
e são apreciados por seus destinatários.
e) Considerações específi cas sobre o subsistema de gestão 
das relações humanas e sociais
Na exploração desta área da GRH seria conveniente levar em considera-
ção o seguinte.
A percepção de défi cit em questão de comunicação interna é comum à maior 
parte das organizações e às situações por elas vividas. As pessoas podem 
descrever com palavras similares situações muito diversas. É imprescindí-
vel, portanto, quando se analisa este campo, tentar contrapor as opiniões 
com o maior número possível de dados objetivos.
Na esfera pública, as relações trabalhistas sofrem freqüentemente de uma 
considerável reatividade: pensa-se nelas somente quando surgem as reivin-
dicações ou confl itos, fi cando geralmente a iniciativa com os interlocutores 
representativos. Essa ausência de estratégia trabalhista torna, em geral, a 
direção das organizações públicas particularmente vulnerável ao confl ito e 
propensa a respostas a curto prazo e, além disso, tende a enfraquecer seu 
poder de negociação.
O fato anterior se acentua em contextos em que o papel dominante da re-
presentação e das decisões, dentro do bloco “patronal”, é assumido pela di-
reção política das organizações, o que caracteriza os modelos politizados de 
relações trabalhistas, nos quais, freqüentemente, se dá uma interpenetração 
partidos/sindicatos. Alguns países, como veremos no próximo capítulo, ten-
dem exatamente para o sentido contrário, defendendo uma crescente pro-
fi ssionalização dessa parcela.
É interessante descobrir em que medida já existem ou é possível acionar fór-
mulas de mediação ou arbitragem para a solução dos confl itos trabalhistas.
No que se refere à determinação das condições de trabalho dos empregados 
públicos, foram detectadas em alguns países (o caso espanhol seria um deles), 
zonas importantes de ambigüidade nas regulamentações. A crescente pre-
sença e a importância do acordo coletivo não eliminam, mas se sobrepõem 
à fi xação unilateral das condições de trabalho através de normas ou decisões 
da autoridade pública, criando, em algumas ocasiões, práticas contraditórias 
e uma considerável confusão. O grau de clareza normativa é, nesse ponto, 
uma variável relevante para o bom funcionamento do subsistema.
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127OS GRANDES SUBSISTEMAS 
O planejamento de políticas de benefícios e atenções sociais no âmbito pú-
blico deve, em princípio,evitar que estes possam entrar em contradição com 
considerações de política fi scal ou fi nanceira, ou constituir privilégios dos 
empregados públicos em relação a outros trabalhadores ou usuários dos 
serviços públicos.
Organização da função de recursos humanos
Esta panorâmica dos subsistemas que integram a GRH deve ser comple-
tada com a descrição dos mecanismos de administração do sistema e, con-
cretamente, com o da distribuição das decisões sobre o pessoal por parte dos 
diversos atores responsáveis.
Alcance da análise da organização da função de recursos humanos
Qualquer valorização da organização da função de recursos humanos no 
contexto de um sistema público de gestão das pessoas deve analisar duas di-
mensões fundamentais do planejamento organizacional deste, que são:
a) o grau de unifi cação/fragmentação das responsabilidades em matéria de 
GRH, e
b) o grau de centralização/descentralização da tomada de decisões que afetam 
o pessoal.
Pontos críticos na organização da função de recursos humanos
Os seguintes extremos podem ser considerados, nesta matéria, como 
pontos críticos:
se os dirigentes dispõem, em geral (e se assim não for, em que casos) da 
margem de autonomia necessária para desempenhar adequadamente o pa-
pel de gestores dos recursos humanos atribuídos a suas unidades;
se os dirigentes recebem a capacitação necessária para o desempenho de 
tais funções;
até que ponto os dirigentes interiorizaram e exercem adequadamente suas 
responsabilidades como gestores de pessoas, e
em que medida os serviços centrais responsáveis pelo sistema de SC são per-
cebidos pelo restante da organização como uma instância que agrega valor 
à consecução dos objetivos comuns.
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5. AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO 
DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS
Como evolui a gestão dos recursos humanos nas organizações e sistemas 
multiorganizacionais do setor público? Qual é o grau de coincidência de tal 
evolução com as tendências de fundo que descrevemos no capítulo 1? Até que 
ponto e em que áreas elas refl etem singularidades derivadas do padrão insti-
tucional específi co que defi nimos no capítulo 2? Quais elementos do modelo 
esboçado no capítulo 3 são especialmente afetados? Quais são, dentre os des-
critos no capítulo 4, os subsistemas nos quais se concentram as mudanças e em 
que sentido elas estão acontecendo? Até que ponto há coincidência na evolu-
ção registrada em uns e outros países? Quais são, conforme o caso, os fatores 
que explicam as diferenças no conteúdo ou no processo das reformas?
Estas são as principais perguntas que nos propomos a responder neste 
capítulo, em que nos dedicaremos a apresentar um panorama das tendências 
percebidas no campo da gestão pública do emprego e dos recursos humanos, 
tomando como referência os dados e projetos relacionados a um grupo de 
países do mundo desenvolvido19. Nossa pesquisa se estende às duas últimas 
décadas, nas quais se concentraram processos de mudança de amplo alcance 
em alguns desses países. Em todos eles, sem exceção, os sistemas de função 
pública ou serviço civil e sua reforma estiveram em debate público, produzin-
do, em muitos casos, transformações de escala e intensidade muito variadas, 
mas de interesse para nosso propósito. Em todos os casos, centraremos aten-
ção especialmente nas mudanças que ocorreram do início da década de 1990 
até hoje.
AS NECESSIDADES DE MUDANÇA
Antes de tratarmos do conteúdo das mudanças, que constituem o tema 
central deste capítulo, é preciso que nos detenhamos por um momento no 
19 Foram utilizados, fundamentalmente, dados e análises relacionados ao seguinte grupo de 
países: Alemanha, Bélgica, Canadá, Espanha, Estados Unidos, França, Holanda, Itália, Ja-
pão, Reino Unido e Suécia. Haverá menções a outras experiências nacionais, sobre as quais 
encontramos referência na bibliografi a utilizada, e que nos pareceram relevantes. Nesse 
sentido, devem ser destacados os casos da Austrália e Nova Zelândia, países que, como se 
sabe, experimentaram reformas profundas em seus sistemas político-administrativos.
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130 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
diagnóstico que converteu as mudanças em necessidade e que, de alguma for-
ma, as tornou possíveis. Para identifi car os aspectos dos sistemas de função 
pública considerados em determinado momento como disfuncionais, é preciso 
localizar esse diagnóstico no amplo movimento de reforma dos sistemas públi-
cos que caracterizou a maior parte dos países do âmbito analisado durante as 
duas últimas décadas do século passado.
As transformações da gestão pública
As reformas da função pública não surgiram isoladamente mas, pelo con-
trário, num contexto de aberto questionamento dos paradigmas aos quais os 
sistemas político-administrativos do mundo desenvolvido vinham ajustando 
seu funcionamento. A crise fi scal, combinada com a expansão qualitativa e 
quantitativa da demanda de serviços públicos, introduziu pressões nesses siste-
mas, freqüentemente de sinal contraditório, que desencadearam movimentos 
de mudança (Barzelay, 1998; Clarke e Newman, 1997; Dunleavy e Hood, 1994; 
Metcalfe, 1993b; OCDE, 2000a; Pollitt, 1993 e Bouckaert, 2000), subverten-
do boa parte dos padrões estabelecidos. Duas orientações ou megatendências 
(Longo, 1999a, p. 214) orientam esses movimentos. Por um lado, uma orien-
tação efi cientista, amplamente dominante, direcionada à luta contra o défi cit 
e pela redução dos gastos, e muito infl uenciada pelas teorias econômicas do 
public choice (Schwartz, 1994) e pelas convicções políticas da “nova direita” 
(apesar de que, na prática, a transversalidade política das iniciativas e discursos 
de reforma acabará por ser notável). Por outro lado, uma orientação “de servi-
ço público”, caracterizada pela ênfase na qualidade do serviço, a visão do cida-
dão como cliente e a consecução da “receptividade” da administração (OCDE, 
1988, p. 37).
Que eixos ou elementos centrais deram conteúdo a essas reformas? Alguns 
falaram (Barzelay, 1998, p. 173 e seguintes) num novo paradigma pós-burocrá-
tico, chamado a mudar o foco das convicções e comportamentos dos atores pú-
blicos, deslocando-os da obediência às regras à criação de valor; de um genérico 
interesse público à produção de resultados tangíveis; da administração à produ-
ção; da responsabilidade imposta à prestação de contas; e do controle ao apego a 
normas compartilhadas. Para Horton (2000, p. 212), o novo paradigma prefere 
a descentralização à centralização, a diversidade à uniformidade, o desempenho 
à rotina administrativa e a vontade empreendedora à consistência.
Clarke e Newman (1997, p. 29) destacam a dispersão como estratégia po-
lítica para a reforma do Estado, na qual incluem diversos tipos de sistemas e 
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131AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS 
mecanismos: a introdução de forças de mercado, a expansão de outros setores 
não-estatais e o desenvolvimento de processos de centralização/descentraliza-
ção, bem como a externalização e privatização de serviços públicos. O “geren-
cialismo” seria a ideologia que dá sentido a um planejamento tão fragmentado 
do poder, em que a discricionariedade gerencial (o invocado “direito a gestio-
nar”) aparece como uma questão central.
Todo esse conjunto de orientações pode se inscrever num contexto de 
irrupção do management na administração pública (Echebarria, 1993). Entre 
um amplo setor de estudiosos de tal fenômeno consolidou-se, para nos referir-
mos a ele, a expressão “nova gestão pública”.Barzelay (2001, p. 11) atribui sua 
aparição ao efeito combinado de mudanças nos âmbitos da imagem (aceitação 
da idéia de que as organizações governamentais são inefi cientes), do domí-
nio (o da gestão pública – public management policy domain –, que se unifi ca 
mediante regras institucionais que afetam os recursos, as pessoas e os proce-
dimentos, integrando-os) e da jurisdição (a das agências centrais responsáveis 
pelo orçamento, que se amplia e inclui a responsabilidade sobre as políticas 
globais de gestão pública).
Dunleavy e Hood (1994, p. 9) descreveram da seguinte forma os princi-
pais traços de conteúdo da Nova Gestão Pública:
a) transformação dos orçamentos para torná-los transparentes do ponto de vis-
ta contábil, atribuindo os custos não aos inputs, mas sim aos outputs, e men-
surando estes através de indicadores de resultado;
b) visão das organizações como uma cadeia de relações principal/agente de 
baixo custo, em conjuntos de contratos que vinculam os incentivos ao 
desempenho;
c) desagregação de funções que podem ser separadas em formas quase con-
tratuais ou de quase-mercado, especialmente através da introdução de dis-
tinções fornecedor/cliente, e substituindo as estruturas de planejamento e 
provisão de recursos, antes unifi cadas;
d) abertura das funções de provisão à concorrência entre agências ou entre 
agências públicas, empresas e organizações não lucrativas;
e) desconcentração dos papéis de provedor em agências do tamanho mínimo 
viável, permitindo aos usuários mais opções de “saída”, de um provedor para 
outro, e confi ando mais nestas opções que nas de “voz”20, para garantir a 
infl uência daqueles nas formas de provisão dos serviços.
20 Segundo a conhecida terminologia de Albert Hirschmann, 1970.
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132 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
Todos os autores citados destacam a ampliação da discricionariedade dos 
dirigentes que tais mudanças provocam. Uma das questões discutidas é, pre-
cisamente, se essas reformas signifi caram verdadeiramente um deslocamento 
dos limites entre política e gestão e, se foi assim, em que sentido. Para alguns 
(Clarke e Newman, 1997), o management invadiu a política e ocupou espaços 
do território político. Para outros (Richards, 1994; Halligan, 1997), pelo con-
trário, a reforma gerencial foi o veículo através do qual os políticos do governo 
obtiveram maior controle sobre seus funcionários. Provavelmente, ambas aná-
lises estão corretas. Como sublinharam Pollitt e Bouckaert (2000, p. 146), os 
gestores obtiveram nova autoridade de várias maneiras e, ao mesmo tempo, o 
controle político sobre a gestão pública fortaleceu-se na maioria dos casos. Não 
existe contradição, acreditamos, entre as duas coisas, uma vez que os governos, 
buscando exatamente esse maior controle sobre os aparelhos administrativos, 
precisaram recorrer a planejamentos descentralizados que, ao mesmo tempo, 
aumentaram a discricionariedade gerencial.
Como tentaremos exemplifi car mais adiante, esse conjunto de orientações 
de mudança tinha por objetivo exercer uma forte infl uência na transformação 
dos sistemas de gestão pública do emprego e dos recursos humanos em todo 
o âmbito contemplado, apesar de tal infl uência dar lugar a reformas de ambi-
ção e conteúdo bastante desiguais. A OCDE (2001a, p. 5 e seguintes) explica 
as diferenças devido à infl uência de seis variáveis principais: a) a situação da 
economia; b) o padrão de relações trabalhistas no setor público; c) a percepção 
pública sobre o papel do governo e da administração; d) as culturas adminis-
trativas; e) as prioridades nacionais, e f) os acordos constitucionais existentes.
O diagnóstico gerencial das disfunções da função pública
Apesar da diversidade de modelos de função pública e das especifi cidades 
nacionais, a análise da literatura especializada (Ziller, 1993, p. 419; U.S. Natio-
nal Performance Review, 1993; Longo, 1995, p. 10; Rouban, 1997; Ridley, 2000, 
p. 30-31; Horton 2000, p. 210 e seguintes; Ruffi ni, 2000, p. 137; Hondeghem 
e Steen 2000, p. 64 e seguintes) revela um alto grau de concentração e coinci-
dência no momento de identifi car, a partir da perspectiva da reforma gerencial 
da administração, as principais disfunções dos sistemas de gestão pública dos 
recursos humanos. Passamos a resumi-las de forma bem sucinta.
Um excesso de uniformidade nos padrões reguladores do emprego público 
reduz a capacidade de adaptação a ambientes plurais e dinâmicos e de rea-
ção diante das mudanças.
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133AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS 
Há regulamentos em demasia, o que provoca um alto e excessivo grau de 
padronização das práticas de pessoal.
A gestão está excessivamente centralizada. Os dirigentes dispõem de pouca 
autonomia para o exercício de suas responsabilidades na gestão de seus re-
cursos humanos.
A organização do trabalho (estruturas e postos) está engessada e fragmen-
tada. Com freqüência, deriva da lei ou de acordos coletivos centralizados e 
não de decisões adotadas em função de gestão. Há excesso de especifi cação 
das tarefas, introduzindo rigidez na atribuição do trabalho.
A mobilidade é baixa, tanto em sua dimensão interna como externa. A mo-
bilidade interna fi ca difi cultada pelo excesso de regulamentação de tarefas, já 
mencionado, e às vezes pela existência de barreiras horizontais e verticais.
Os sistemas de recrutamento e seleção são longos, complexos e excessiva-
mente formalizados. Neles, é atribuído peso excessivo aos conhecimentos e 
méritos formais.
Constatamos um excesso de segurança (percepção de estabilidade garanti-
da) no trabalho.
A ascensão é difi cultada pela existência de barreiras de graduação que difi cul-
tam as promoções. Com freqüência, é atribuído peso excessivo à antiguidade.
A retribuição se dá freqüentemente pela graduação ou categoria e não pelo 
cargo, não vinculando o salário à responsabilidade assumida e às cargas de 
trabalho reais. As graduações podem converter-se, além disso, em barreiras 
para a progressão salarial.
Existe separação quase absoluta entre o desempenho no cargo e o funciona-
mento dos sistemas de promoção e retribuição. As experiências de retribui-
ção ao desempenho chocam-se com a inexistência de mecanismos efi cazes 
de avaliação.
Os sistemas se ressentem da baixa capacidade de produção de competências 
e de perfi s diretivos.
Os estilos dirigentes tendem ao paternalismo. Freqüentemente adotam con-
dutas mais de apoio ao pessoal do que de exigência.
Impera o coletivismo nas relações laborais, entrando em colisão com as ne-
cessidades crescentes de segmentação e personalização das práticas de pes-
soal. Às vezes, detecta-se uma tendência a um alto grau de confl ito.
Como é lógico, apesar da coincidência apontada, o peso de cada uma 
dessas disfunções é distinto nas diversas realidades nacionais contempladas, 
em cada uma das quais encontraríamos, além disso, matizes não incorporados 
a uma relação tão esquemática como a anterior. Em conjunto, o diagnóstico 
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nos apresenta uma situação caracterizada pela abundância de elementos de ri-
gidez. Seria preciso acrescentar que esses elementos agem de forma diferente, 
de acordo com o modelo de função pública que se observe. Se recorrermos aos 
modelos descritos no capítulo 2, podemos afi rmar que a rigidez do sistema é 
vivida com maior preocupação nos modelos de carreira do que nos de em-
prego, se bem que estes tampouco estão isentos de críticas semelhantes às que 
acabamos de resumir.
O SENTIDO DAS REFORMAS
Neste tópico, vamos abordar, primeiro, as orientações de mudança mais 
globais ou genéricasque se verifi cam nos sistemas de função pública ou serviço 
civil do âmbito contemplado. Aludiremos, depois, a alguns fatores que expli-
cam as diferenças observadas na amplitude ou intensidade de tais reformas.
Principais objetivos e tendências de mudança
Antes de mais nada, as reformas da função pública signifi caram uma 
revalorização da gestão dos recursos humanos, que passou a ser reconhecida 
(Horton, 2000, p. 212) como a função principal da direção nas organizações 
de serviços públicos. A infl uência, neste sentido, de tendências semelhantes no 
setor privado, que descrevemos no capítulo 1, parece inquestionável. Uma par-
te dessa reconsideração teve origem na orientação efi cientista, já mencionada, 
das reformas do setor público, fortemente inclinadas ao ajuste e à economia de 
recursos. A enorme proporção que o gasto de pessoal assume no gasto total das 
organizações do setor público reforçou a importância de uma gestão efi ciente 
desse ativo fundamental. A redução do gasto com pessoal converteu-se em ob-
jetivo fundamental para os governos (OCDE, 1999a, p. 25).
Mas, a relevância alcançada pela GRH não foi apenas conseqüência da 
necessidade de redução de custos. Também teve relação com uma reconsi-
deração da própria função diretiva ou gerencial e com o reconhecimento de 
seu papel no sistema público. Essa irrupção do management, e a lógica des-
centralizada que carrega consigo, produziu uma tendência generalizadora de 
transferência de autonomia e ampliação da discricionariedade dos gestores 
em matéria de GRH (OCDE, 1999a, p. 20; Pollitt e Bouckaert, 2000, p. 72 e 
seguintes; Ruffi ni, 2000, p. 138-9; Horton, 2000, p. 212 e seguintes; Th omp-
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135AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS 
son e Cachares, 2000, p. 239), a qual constitui uma das orientações globais 
mais intensas e compartilhadas das reformas. Por sua vez, fez do fortaleci-
mento da função gerencial e do desenvolvimento diretivo uma prioridade 
que se traduziu com freqüência (Butler, 1993; Pollitt e Bouckaert, 2000, p. 74) 
na defi nição de estruturas e políticas de pessoal específi cas para o segmento 
diretivo da função pública, como descreveremos mais detidamente no pró-
ximo capítulo.
Nos países que analisamos, a função pública evoluiu, em geral, de um sis-
tema uniforme para outro mais pluralista (Ridley, 2000, p. 32), no qual, frente 
ao tradicional engessamento e padronização da relação entre empregadores 
e empregados, foram surgindo diversas formas de emprego e padrões diver-
sifi cados de trabalho (Horton, 2000, p. 213) que se traduziram em diversas 
modalidades contratuais e de organização do tempo de trabalho. A infl uência 
exercida pelas mudanças sociais apontadas no capítulo 1 é inquestionável.
Em geral, a permeabilidade às infl uências do setor privado constitui outro 
traço comum nos processos de mudança. Bach (1999, p. 177), ironicamente, 
salientou que no Reino Unido (mas, com certeza, poderíamos estender este 
dado a muitos outros lugares) “nenhum relatório anual ou plano de negócio de 
qualquer órgão ou agência estará completo se não incluir o mantra: as pessoas 
são nosso principal ativo. Como no setor privado, houve ênfase semelhante no 
desenvolvimento de um enfoque estratégico da gestão das pessoas, transferin-
do a responsabilidade às direções de linha e demonstrando que os especialistas 
em pessoal agregam valor a suas organizações”.
A utilização do emprego privado como referência trouxe consigo a ten-
dência de questionar o excesso de estabilidade e proteção do emprego público 
(Pollitt e Bouckaert, 2000, p. 73; Th ompson e Cachares, 2000, p. 240). Na Itália, 
a orientação “privatizante” protagonizou, em 1993, uma reforma global que 
pretendeu enfrentar as disfunções da função pública por meio de mudança 
de seu regime jurídico (Martínez Bargueño, 1995, p. 32; Ruffi ni, 2000, p. 138). 
Essa reforma reconduziu o emprego público ao direito civil e trabalhista co-
mum, estabelecendo que as relações e condições de trabalho passassem a ser 
regulamentadas através de contratos individuais e acordos coletivos, tuteladas 
pelos tribunais trabalhistas comuns.
A transcendência desse tipo de reformas foi questionada pelos que viam 
a mudança numa dimensão meramente formal. Entre eles, Ridley (2000, p. 28) 
advertiu que o emprego contratual pode ou não oferecer maior fl exibilidade 
que o estatutário, já que ambos podem vir a gozar da mesma estabilidade e pro-
teção e das mesmas condições salariais e de trabalho. A experiência da Espa-
nha, em cujas administrações existe um amplo uso contratual sujeito ao direito 
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trabalhista comum (Longo, 1995), permitiria confi rmar essa advertência. Na 
verdade, as práticas de gestão das pessoas sujeitas a um ou outro tipo de regu-
lamentação tende, na maioria das vezes, a coincidir. Com isso, as modalidades 
contratuais de emprego público, com o tempo, acabam por adquirir a rigidez 
e a proteção que caracterizam as de natureza pública ou estatutária. A “labo-
ralização”, que na década de 1980 se tornou um lema para os reformistas na 
Espanha, há muito deixou de ser vista como uma reforma capaz de solucionar, 
por si mesma, os problemas mais importantes da gestão pública dos recursos 
humanos.
O aumento da mobilidade das pessoas é outro dos objetivos comuns 
(OCDE, 1999a, p. 19-20). A mobilidade interna, tanto funcional quanto geo-
gráfi ca, é um requisito, necessário, por um lado, para obter o máximo de apro-
veitamento do quadro de pessoal, o que a faz imprescindível em situações de 
ajuste. Por outro lado, permite adaptar os recursos às mudanças de contexto 
ou de demanda, cada vez mais freqüentes nas situações atuais. O estímulo à 
mobilidade, tanto horizontal quanto vertical, leva à eliminação das barreiras, 
característica, como vimos, de muitos sistemas de função pública. Por sua vez, 
a mobilidade externa, isto é, a que se produz além das fronteiras da organiza-
ção, é uma característica específi ca de orientações que, como as que estamos 
analisando, dão destaque a uma maior abertura e permeabilidade entre os se-
tores público e privado.
Estimular a mobilidade em todos esses sentidos e direções demanda su-
perar visões que a consideram como um mecanismo estritamente voluntá-
rio, baseado no direito subjetivo do trabalhador público (Longo, 1995, p. 8), 
porém é virtualmente impossível compelir a sua realização por necessidades 
organizacionais. É nesse sentido que se encaminham algumas das reformas 
da função pública. Entretanto, esse objetivo pede, ademais, várias políticas 
de recursos humanos, de orientação mais fl exível que as tradicionais. Serão 
abordadas mais adiante, especifi camente, as áreas da GRH em que essas novas 
políticas se concretizam.
Por último, outro dos grandes âmbitos sobre o qual incidem as reformas 
da função pública é o dos modelos de relações trabalhistas. Os empregadores 
públicos (Horton, 2000, p. 213) tiveram de aprender a combinar, por um lado, 
os canais da negociação coletiva, tentando fazer prevalecer os comportamentos 
“de acordo” em lugar dos “de enfrentamento”, com encaminhamentos menos 
formais e intermediados das relações coletivas, por outro lado. Nestas, a comu-
nicação direta com as pessoas ou com grupos concretos de empregados é vista 
como uma pauta normal, num marco de crescente personalização das diversas 
políticas e práticas de GRH.
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Diferenças em amplitude e intensidade
Sem prejuízo da coincidência genérica nos conteúdos, as reformas da ges-
tão pública do emprego e dos recursoshumanos apresentam entre si diferenças 
signifi cativas em relação ao alcance das mudanças nos vários países que esta-
mos analisando. São dois os pólos extremos, neste sentido: por um lado, o Rei-
no Unido, Austrália e Nova Zelândia, países que podem ser considerados como 
cenário típico da Nova Gestão Pública, viveram na realidade transformações 
de intensidade singular, em todos os sentidos apontados no tópico anterior. No 
outro extremo, a Alemanha é, provavelmente, o país onde as tradições da fun-
ção pública se mantêm mais inalteradas e onde as reformas se orientaram bem 
mais para a racionalização e para a economia do que para o questionamento 
das estruturas políticas de GRH. No meio, o restante das realidades nacionais 
que observamos se aproximam mais a um ou outro destes pólos, mas sem che-
gar aos extremos de cada um deles.
São vários os fatores que podem explicar as diferenças. Citaremos, entre 
eles, os seguintes (Pollitt e Bouckaert, 2000, p. 39 e seguintes; Ridley, 2000, 
p. 24; Horton e Farnham, 2000, p. 322 e seguintes).
As diversas percepções sobre o papel e signifi cado dos servidores públicos, 
assentadas nas visões do Estado a que nos referimos no capítulo 2.
A natureza das constituições e dos sistemas políticos, que favorecem em al-
guns casos (Estados unitários, sistemas majoritários) as mudanças em gran-
de escala e de alto a baixo e, em outros casos (Estados federais ou compostos, 
poderes fragmentados) promovem aproximações mais parciais e baseadas 
no consenso. As diferenças entre as reformas britânica e estadunidense se-
riam explicáveis, em boa parte, por esses diversos contextos institucionais.
A cultura política. Na França e na Alemanha, o peso dos valores de conti-
nuidade, regularidade e neutralidade prevalece sobre os de receptividade às 
demandas de políticos e cidadãos, que tendem a ser, em troca, prevalecentes 
no contexto anglo-saxão.
Os sistemas legais, que implicam restrições de maior ou menor relevância, 
cuja mudança implica esforços de signifi cado também diferente.
Os equilíbrios de poder existentes no campo das relações trabalhistas no 
setor público. O peso dos sindicatos na França é consideravelmente maior, 
por exemplo, do que no Reino Unido (Rouban, 1997). O mesmo acontece 
com as questões culturais que predominam em tal padrão de relações. Na 
Itália e na Espanha o sindicalismo de confronto é, no setor público, bem 
mais habitual do que na Suécia, onde os sindicatos assumiram, em geral, 
posição de apoio às reformas.
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138 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
ESTRUTURAS E POLÍTICAS QUE FORAM OBJETO DAS REFORMAS
Tentaremos defi nir neste tópico o conteúdo das reformas dos sistemas de 
gestão pública do emprego e dos recursos humanos, sistematizando-as em três 
grandes áreas. A primeira, mostra o planejamento organizacional da função 
dos recursos humanos nos sistemas públicos, e se traduz basicamente numa 
opção por projetos descentralizados, baseados na transferência de responsabi-
lidades à linha executiva. A segunda, inclui as reformas destinadas a introduzir 
maior fl exibilidade nas várias práticas de gestão das pessoas. A terceira refere-
se às mudanças ocorridas no campo das relações laborais. Deixaremos para o 
próximo capítulo a descrição e análise das mudanças importantes que afetam a 
confi guração e o desenvolvimento da função diretiva pública.
A organização da função de recursos humanos.
O impulso para a descentralização
Neste ponto, a tendência fundamental foi, como mencionamos antes, a 
descentralização dos sistemas de função pública. A conveniência de transferir 
responsabilidades da GRH dos departamentos centrais para as organizações 
individuais, e das instâncias técnicas especializadas para a linha executiva, con-
verteu-se num desses consensos que ninguém discute ao se falar de reforma 
administrativa. Nesta questão, pode ser apreciada uma clara infl uência de ten-
dências atuais da GRH no setor empresarial privado, tal como salientávamos no 
capítulo 1. Entretanto, ao se comparar esse discurso à realidade, o alcance efeti-
vo dos processos descentralizadores mostra diferenças notáveis entre os países.
Assim, por um lado encontramos um grupo de países que desenvolveram 
ambiciosos processos descentralizadores. Como vimos, talvez a Suécia seja o 
caso mais contundente. No modelo sueco (Premfors, 1998; Murray, 2000), o 
diretor executivo dispõe de autoridade para organizar sua agência do modo 
que lhe pareça mais efi ciente. Essa autoridade inclui autonomia para escolher 
seu pessoal, o que implica contratação, pagamento e demissão (Gustaff son, 
1995a). Como dissemos, um elaborado sistema de incentivos (prêmio/sanção), 
cuja base é a responsabilidade pelos resultados, fundamenta o sistema sueco de 
garantias frente à arbitrariedade e outros eventuais desvios.
Entre os países deste primeiro grupo, ainda que em nível ligeiramente in-
ferior de ambição descentralizadora, devemos incluir também o Reino Unido. 
Os diretores das agências executivas britânicas dispõem de autonomia para re-
crutar todo seu pessoal, mas somente abaixo das categorias que correspondam 
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ao serviço civil superior. Podem promover, formar e desenvolver os emprega-
dos, determinar a classifi cação de cargos e salários, e gerir a dispensa e a dis-
ciplina. Na realidade, somente as agências maiores dispõem deste elenco total 
de possibilidades, enquanto que as de tamanho menor adotam, em geral, as 
políticas de pessoal de seus ministérios (Horton, 2000, p. 217). No mesmo gru-
po de países com sistemas fortemente descentralizados de função pública estão 
(OCDE, 1999a, p. 21 e seguintes) a Austrália, Nova Zelândia e Finlândia.
No outro extremo, ou seja, nos países em que a descentralização da fun-
ção pública foi bem mais uma questão de discurso que de realização efetiva, 
encontraríamos a França, onde a lógica descentralizadora dos Centres de Res-
ponsabilité teve, em matéria de GRH, força muito inferior a dos países antes 
citados e onde, além disso, afetou de forma bastante desigual os diversos mi-
nistérios (Trosa, 1994). Também formariam parte deste grupo (OCDE, 1999a, 
p. 21; Horton e Farnham, 2000, p. 320; Kim, 1996) países como a Alemanha, 
Bélgica, Espanha, Canadá e Japão.
Em posição intermediária estaria a Holanda, onde as reformas descentra-
lizadoras se relacionam sobretudo com a aparição de um certo tipo de organis-
mos semi-autônomos (os ZBOs), cujo grau de generalização e consolidação foi 
muito inferior ao dos modelos de agências britânicas ou suecas. Algo parecido 
poderia ser dito dos APEs belgas. Quanto aos Estados Unidos, a descentrali-
zação do serviço civil aconteceu de forma desigual e heterogênea (Th ompson 
e Cachares, 2000, p. 239 e seguintes), já que, no governo federal, se baseou nos 
poderes conquistados por algumas agências, como a Federal Aviation Admi-
nistration ou o Internal Revenue Service, através de negociações bilaterais com 
os respectivos comitês de supervisão do Congresso, mas sem que tenha exis-
tido um processo generalizado para o conjunto de agências governamentais. 
No âmbito dos Estados norte-americanos, a desagregação também foi regra e 
podemos encontrar experiências bem diferenciadas, desde modelos de GRH 
muito centralizados, até casos como o da lei de 1966, da Geórgia, que descen-
tralizou e desregulamentou o recrutamento até o limite que poderia questionar 
a própria sobrevivência do sistema de merecimento.
A descentralização da gestão pública do emprego e dos recursos humanos 
implicou, onde foi efetiva, uma importante mudança de papel dos serviços centrais 
de pessoal (Longo, 1995; Th ompson e Cachares, 2000), passando de uma função 
de controle para a de consultor;sócio ou, quando menos, fornecedor interno de 
serviços, na linha das tendências de caráter geral que descrevemos no capítulo 1. 
Em boa medida, seu maior desafi o foi exatamente o de articular em cada contexto 
organizacional um novo conjunto de valores e de práticas de GRH capazes de 
interiorizar e reforçar as novas realidades impostas pelas orientações de reforma 
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140 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
da gestão pública (Bach, 1999, p. 182). A aceitação desse novo papel por parte 
das tecno-estruturas especializadas em recursos humanos ou, pelo contrário, sua 
resistência em assumi-lo, constituíram variáveis relevantes de infl uência sobre a 
rapidez das reformas e, especialmente, sobre a consolidação destas.
A introdução de fl exibilidade nas políticas e 
práticas de gestão das pessoas
As conotações de rigidez que, como já dissemos, caracterizam o diag-
nóstico global do emprego público na quase totalidade dos países, dotou as 
orientações de mudança de uma consistente orientação para a fl exibilidade. 
Na verdade, a palavra “fl exibilidade” foi o lema cunhado pela OCDE (OCDE, 
1995) e reiterado em todas suas publicações e foros nesse campo, para sin-
tetizar orientações inovadoras na gestão pública do emprego e dos recursos 
humanos dos países membros.
Trata-se, como vimos, de uma orientação também dominante entre as 
grandes tendências de fundo, do período, no âmbito da gestão das pessoas. 
No contexto institucional que caracteriza a função pública, a intensidade das 
normas jurídicas tende a conferir conotações específi cas às reformas orienta-
das para a fl exibilidade. A ênfase desordenadora é muito maior, já que com 
freqüência é preciso revisar e modifi car padrões normativos para alcançar os 
resultados almejados. Convém não esquecer, no entanto, que a mudança nor-
mativa por si só pode não ter impacto fl exibilizador. Pelo contrário (Ridley, 
2000, p. 34), às vezes a fl exibilidade das regulamentações de pessoal pode ser 
facilitada por mudanças prévias nos processos de trabalho, por meio dos quais 
“a desburocratização do trabalho preceda a desburocratização das pessoas”.
Classifi cando as práticas fl exíveis da GRH em cinco grandes áreas, apresen-
tamos a seguir as principais tendências de mudança que esta orientação genérica 
à fl exibilidade produziu na gestão pública do emprego e dos recursos humanos. 
Como veremos, falamos de mudanças que afetam praticamente a totalidade dos 
subsistemas da GRH que sistematizamos e descrevemos no capítulo anterior.
1. A fl exibilidade numérica: a dimensão quantitativa do emprego público
Praticamente todos os países da OCDE (OCDE, 1999a, p. 24, OCDE, 
1999b) tentaram reduzir o volume do emprego público, ou ao menos controlar 
e conter seu crescimento, por volta do fi nal da década de 1980 e durante a de 
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1990. A magnitude e intensidade deste esforço foram, no entanto, bem diferen-
tes nos diversos países, como mostram os seguintes exemplos:
O Reino Unido foi um dos casos mais impressionantes de downsizing. En-
tre 1979 e 1998 (Horton, 2000, p. 214 e seguintes), o total do Civil Service baixou 
de 732 mil empregos para 480 mil, o que representou uma perda de quase 35% 
do emprego. No governo local britânico, os empregos passaram, no mesmo 
período, de 3 milhões de pessoas para 2,1 milhões (30% a menos). Na Austrália 
e Nova Zelândia (Schwartz, 1994, p. 70-71) foram registradas, nos últimos anos 
da década de 1980, fortes reduções. O governo federal australiano reduziu 10% 
de seu pessoal entre 1985 e 1990. Na Nova Zelândia, que é provavelmente a 
experiência mais radical de redução de efetivos, a redução afetou nesse período 
80 mil empregos e representou 29% de redução no núcleo central do serviço 
público. Se estendermos o período analisado até 1997, a soma da redução fi ca 
próxima de 50% do pessoal permanente. Se incluirmos o pessoal temporário, 
a porcentagem de redução se aproxima de 67% (Gregory, citado por Ingraham 
e outros, 2000, p. 394). Os países oceânicos fi zeram, em boa medida, a reestru-
turação de seu setor público nesses anos, sendo que a partir de então o número 
de seus efetivos se mantém constante (OCDE, 1999a).
Nos Estados Unidos, as políticas de redução de emprego também se de-
senvolveram com vigor apreciável, sobretudo concentradas na década de 1990. 
Entre 1994 e 1999, o número de empregos na administração federal caiu 13% 
(Th ompson e Cachares, 2000, p. 246), se bem que no conjunto do setor público 
norte-americano, a taxa anual de redução tenha sido inferior: não chegou a 
1% no período 1990-1997 (OCDE, 1999a). Uma das características neste caso 
foi o caráter seletivo dos ajustes, de acordo com as prioridades da National 
Performance Review, que converteu os postos de controle (não fi nalísticos) no 
objetivo principal das reduções, recomendando um corte de 50% nestes. De 
acordo com tal recomendação, e talvez para servir de exemplo, a US Offi ce of 
Personnel Management passou, entre 1993 e 1998, de 6.900 para 3.600 empre-
gados, realizando uma redução de 48%.
Mas, pelo contrário, no outro extremo, o Japão limitou-se à contenção 
do crescimento de sua folha de pessoal público, sem envolver-se em políticas 
signifi cativas de redução. Entre 1990 e 1995, sua média de variação anual era 
(OCDE, 1999a) de 0,16%, equivalente à manutenção de efetivos. Na Itália, a 
evolução foi semelhante (Ruffi ni, 2000, p. 141), onde, inclusive no âmbito lo-
cal, foi detectado um pequeno crescimento. Semelhante também é o caso da 
Espanha (Parrado-Díez, 2000, p. 155), onde o Fundo Monetário Internacional 
detectava, em um Relatório de 1996, a duplicação de serviços nos níveis admi-
nistrativos por falta de transferência de pessoal da administração central para 
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142 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
as comunidades autônomas. França, Canadá e Holanda apresentam cifras de 
redução superiores, porém modestas, com taxas anuais de variação negativas, 
inferiores a 1% para períodos similares, entre 1990 e 1997 (OCDE, 1999a). 
Algo superiores são as cifras de corte na Finlândia e Noruega, no mesmo perío-
do. Na Suécia (Elliot, 1998), a redução entre 1985 e 1995 chegou a 9,9%.
Na Alemanha encontramos uma experiência interessante, que não che-
ga ao nível de contundência das reduções efetuadas nos países indicados no 
início, mas refl ete a prioridade que, como dissemos antes, foi dada naquele 
país à política de racionalização e economia, no campo das reformas da função 
pública. Entre 1991 e 1997 (Röber e Löffl er, 2000, p. 126), o conjunto das ad-
ministrações alemãs reduziu 11% de seus cargos. O esforço foi desigualmente 
repartido: enquanto os Länder reduziram 5% de seus efetivos, os governos lo-
cais cortaram 15% e o governo federal 19%, o que representa uma redução de 
fato signifi cativa.
Se nos referirmos ao grau de planejamento desenvolvido para pôr em prá-
tica essas políticas, também encontraremos diferenças notáveis entre os países 
(OCDE, 1999a). Em alguns casos, a redução de empregos foi enquadrada em 
planos específi cos, incentivados pelos governos. É o que aconteceu nos Esta-
dos Unidos – onde, como vimos, a National Performance Review contemplava 
especifi camente objetivos quantifi cados de corte – e no Canadá. Esses planos 
determinavam as metas ou objetivos específi cos de redução em determinados 
segmentos da estrutura de pessoal, acusando também sensíveis diferenças de 
enfoque entre os países. Assim, no Canadá, o principal atingido foi o alto esca-
lão do serviço civil. Em compensação, nos Estados Unidos o foco dos progra-
mas de redução, ainda que com êxito algoduvidoso, foi colocado nas posições 
hierárquicas intermediárias, enquanto que nas reformas alemãs o pessoal ad-
ministrativo de apoio foi o objetivo preferencial.
Na maior parte dos países, no entanto, as reduções de pessoal não con-
fi guraram um propósito planejado de forma consistente. Como destacam In-
graham e outros (2000, p. 394), o planejamento estratégico, princípio básico 
da nova GRH, introduzido pelas reformas, é freqüentemente subordinado a 
outras necessidades. As reduções surgem, então, como conseqüência de um es-
forço coletivo e generalizado, baseado numa mudança de valores e incentivos, 
cujo eixo é a melhora da efi ciência do sistema mediante a redução de custos. 
Como veremos no próximo tópico, a introdução de novas modalidades contra-
tuais responderá, em boa medida, a essa lógica.
Se nos referirmos aos instrumentos utilizados, no Reino Unido (Hor-
ton, 2000, p. 214), os cortes foram realizados através da combinação de 
transferência de funções e pessoal ao setor privado, redundância de vagas, 
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143AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS 
aposentadoria antecipada e demissão. Na maior parte dos países, foram uti-
lizados métodos indiretos, tais como restrições nas dotações orçamentárias 
(Austrália, Alemanha), planos de aposentadoria antecipada (Espanha) e me-
didas de não-reposição, como na Itália. Também na Espanha (Palomar, 1997, 
p. 48) foi adotado a partir de 1997, com o caráter de norma básica, isto é, de 
obrigatório cumprimento para todas as administrações públicas, um limite 
de reposição dos postos vagos, fi xado anualmente pela Lei do Orçamento do 
Estado. Fixado em 25%, o limite signifi ca que apenas uma em quatro vagas 
podia ser preenchida.
2. A fl exibilidade contratual: modulações na estabilidade 
e proteção do emprego público
O objetivo das reformas neste campo foi reduzir, na medida do possível e 
sem afetar as garantias próprias dos sistemas de função pública ou serviço civil 
já defi nidos antes, a hiperproteção do emprego público e a conseqüente garan-
tia de estabilidade (tenure), considerada um elemento de rigidez que difi culta o 
funcionamento efi caz das administrações. As mudanças tomaram dois rumos. 
Por um lado, em alguns casos, foram redefi nidos os estatutos de emprego dos 
servidores públicos, incorporando a possibilidade de aplicar rescisões da rela-
ção de emprego em determinadas situações. Por outro, foram introduzidas ou 
ampliadas modalidades contratuais mais fl exíveis.
Dissemos no capítulo 2 que em todos os modelos e sistemas nacionais 
de função pública existe a possibilidade de dispensa por razões disciplinares. 
É claro que essa possibilidade não é sufi ciente para responder às necessidades 
de supressão de postos de trabalho por razões organizacionais, técnicas ou eco-
nômicas. O caráter dinâmico dos contextos atuais de muitos serviços públicos 
torna cada vez mais freqüentes as necessidades desse tipo. Por isso em alguns 
países as reformas da função pública visam regulamentar essas possibilidades. 
Em alguns casos, como o da Suécia, já examinado, essa linha de reforma era des-
necessária, uma vez que seu modelo de emprego público contemplava a possi-
bilidade desde o ano de 1965. Em outros, formou parte do pacote de mudanças 
introduzido. Também nesse campo, Austrália e Nova Zelândia (Schwartz, 1994; 
Boston e outros, 1997) marcaram a linha mais contundente, com reformas que 
aproximaram substancialmente a relação de emprego público ao setor privado, 
destinadas a outorgar aos dirigentes a faculdade de contratar e demitir.
No caso oposto, estariam, entre outros, França e Japão (OCDE, 1999a, 
p. 22), onde continua não existindo a possibilidade do empregador pôr fi m à 
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144 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
relação de emprego por motivos que não sejam disciplinares. Na Espanha, a 
situação é semelhante. Uma lei de 1993 abriu caminho à possibilidade de su-
primir cargos por motivos organizacionais, mediante um procedimento com-
plicado que é a re-designação de efetivos resultante de um plano de emprego; 
ele conferia legitimidade à administração para iniciar um processo de recolo-
cação, mas sua complexidade o mantém praticamente inédito.
Pelo contrário, em alguns países, como os Estados Unidos, Canadá ou 
Holanda, a demissão por razões desse tipo é possível. Na Itália também, pelo 
menos teoricamente, (Martínez Bargueño, 1995, p. 39). Nesse país, a reforma 
de 1993, na falta de um dispositivo expresso nesse sentido e considerando a 
legislação trabalhista, abre caminho para a demissão empregando as mesmas 
regras aplicadas no setor privado. No Brasil, uma emenda constitucional de 
1998 tornou possível a demissão de funcionários públicos por insufi ciência de 
desempenho ou excesso de despesa com pessoal (Pacheco, 2003, p. 69).
Toda a literatura especializada concorda em que a estabilidade do empre-
go público continua sendo, na grande maioria dos países, muito superior a do 
emprego privado. Duas ordens de razões contribuem para isso. Por um lado, 
fatores de natureza cultural: as tradições do setor público continuam tendo 
um peso importante. Por outro, em muitos países, a força dos sindicatos, que 
desempenharam um importante papel, impedindo na prática o questionamen-
to real de tais tradições. No âmbito municipal alemão (Röber e Löffl er, 2000, 
p. 125), onde a estabilidade legal continua considerável, apesar de muitos go-
vernos locais sofrerem severas pressões fi nanceiras, o sindicato de empregados 
públicos (OTV) impõe às autoridades a assinatura de “acordos de proteção” 
aos trabalhadores, tendo em vista os possíveis efeitos negativos das reformas. 
Na Suécia, onde as demissões de empregados públicos são relativamente fre-
qüentes, o Estado e os sindicatos criaram (Gustaff son, 1995b, p. 59) uma agên-
cia para administrar em conjunto a recolocação.
A outra grande linha de fl exibilização nesse campo vem sendo, como in-
dicávamos, a utilização de modalidades contratuais que não implicam em es-
tabilidade no emprego. Na Bélgica, por exemplo, onde a nomeação estatutária 
é norma fi rmemente assentada, 21% dos empregados dos ministérios mantêm 
relação contratual com o governo (Hondeghem e Steen, 2000, p. 68).
Em alguns países, como o Reino Unido, a adoção de contratos de duração 
temporária acompanhou as reformas do serviço civil superior, abrindo cami-
nho a fórmulas de contrato de duração limitada para empregos diretivos, no 
marco dos estatutos singulares para o pessoal que desempenha funções geren-
ciais superiores que, como veremos no próximo capítulo, foram criados num 
bom número de sistemas político-administrativos contemporâneos.
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145AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS 
É prática generalizada, em todos os países examinados, o uso maciço da 
contratação temporária. Geralmente pensada como recurso para enfrentar pi-
cos de excesso de trabalho, sobrecargas sazonais, necessidades incidentais de 
trabalho especializado ou avaliação independente, campanhas ou projetos de 
duração limitada ou incidências semelhantes, a contratação temporária tende 
a converter-se (OCDE, 1999b; Horton, 2000, Parrado-Díez, 2000) em recurso 
para solucionar necessidades permanentes, eludindo em alguns casos a rigi-
dez dos sistemas de função pública e, em outros, as próprias limitações orça-
mentárias ou as restrições derivadas dos programas de redução de quadros de 
pessoal.
A Holanda foi um dos países em que o uso de modalidades contratuais 
fl exíveis aconteceu com mais destaque (Van der Krogt e outros, 2000, p. 193), 
abarcando fórmulas de contratação laboral ou mercantil, de duraçãoprede-
terminada ou não, bem como o recurso generalizado a empresas de trabalho 
temporário. Uma experiência original desse país foi a dos pools internos de 
trabalho temporário, organizados para enfrentar sobrecargas temporárias de 
trabalho, e associados, algumas vezes, a políticas destinadas a facilitar empre-
go a determinadas categorias de demandantes (jovens, imigrantes ou pessoas 
desempregadas há muito tempo). Existem vários pools interministeriais, desti-
nados a facilitar a colaboração fl exível entre departamentos; um deles pratica 
a colaboração entre unidades de auditoria interna de cinco ministérios dife-
rentes. No Reino Unido, é notória a generalização dos contratos de duração 
determinada, que chegou a ser considerada (Hegewish, 1999, p. 117) como um 
fenômeno típico do setor público, empregando 27% da população ativa britâ-
nica, mas incorporando 53% da totalidade desse tipo de contratos.
A fórmula extrema utilizada para enfrentar os problemas da rigidez con-
tratual dos sistemas de função pública foi a subcontratação ou externalização 
de serviços (outsourcing), mediante a qual uma atividade, conservando seu fi -
nanciamento público, passa a ser realizada, mediante contrato com a adminis-
tração titular, por entidades ou empresas do setor privado, com emprego de seu 
próprio pessoal. Tais processos de externalização se generalizaram em todos 
os países, sob a infl uência das novas concepções de gestão pública que faziam 
eco ao conhecido lema de Osborne e Gaebler (1994): uma administração que 
maneje o leme; não os remos. Ainda que a justifi cativa explícita mais freqüente 
dos processos de externalização não tenha sido esta, os especialistas coincidem 
em diagnosticar a busca de fórmulas mais fl exíveis de emprego e GRH como 
o motivo predominante de muitas experiências. Entre os países analisados, a 
Suécia, Holanda e Reino Unido são (Horton e Farnham, 2000, p. 317) os que 
fi zeram maior uso da subcontratação.
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3. A fl exibilidade funcional: novos instrumentos de organização do 
trabalho e gestão do emprego
A fl exibilidade funcional no setor público foi defi nida como a capacidade 
dos empregados, obtida através de seus conhecimentos, habilidades e acordos 
trabalhistas, para responder rápida e fl exivelmente aos novos desafi os apresen-
tados por seu meio (Hegewish, 1999, p. 128). Abordamos aqui as mudanças 
relacionadas com as tentativas de eliminar ou reduzir a rigidez dos mecanis-
mos de recrutamento, seleção, planejamento de cargos e funções, avaliação, 
promoção e mobilidade que caracterizam, como já indicamos, os sistemas bu-
rocráticos de função pública.
No recrutamento e na seleção, o objetivo das reformas está centrado em 
superar os mecanismos baseados estritamente em conhecimentos técnicos es-
pecializados ou em méritos simplesmente formais, característicos dos proces-
sos tradicionais da função pública. Falamos aqui tanto dos sistemas de acesso à 
condição de funcionário público, próprios dos sistemas de carreira, quanto dos 
que se aplicam ao acesso ao posto de trabalho; seja atuando nos mercados de 
trabalho exteriores à administração, seja mediante a promoção interna. Em am-
bos os casos, as tendências dominantes de mudança apontam para a introdução 
de modelos baseados em competência. Esta orientação, à qual já nos referimos 
amplamente, exige o desenvolvimento de um instrumental técnico inovador, 
desconhecido pela administração tradicional dos recursos humanos.
A inclusão da gestão por competência nos sistemas de função pública 
refl ete a infl uência das orientações que atualmente prevalecem na gestão das 
pessoas, desenvolvidas no setor privado (Dalziel, 1996) e por nós referidas 
no capítulo 1, e também as outras pressões sofridas pelos gestores públicos. 
Entre estas, podemos citar a difi culdade em obter e reter pessoal num contex-
to mutante, e a procura de competência para assumir novos papéis, como os 
de regulador ou facilitador, mais necessários do que o de provedor direto de 
serviços, conseqüência das novas orientações da gestão pública (Hondeghem, 
2002, p. 173).
A gestão por competência foi aplicada especialmente no Reino Unido, 
onde 95% das organizações dependentes do governo central utilizam modelos 
de competências (Farnham e Horton, 2002). Isto levou o conjunto do serviço 
civil britânico a começar a ser visto (Horton, 2000, p. 216) como uma organi-
zação capaz de identifi car as qualidades-chave necessárias em cada nível e em 
cada setor do serviço. As competências convertem-se na base para recruta-
mento, desenvolvimento e avaliação (Cabinet Offi ce, 2002). Inicialmente de-
senvolvido pelo Civil Service College como apoio à formação do serviço civil 
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147AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS 
superior, esse enfoque estendeu-se rapidamente ao conjunto dos níveis do ser-
viço civil no Reino Unido.
Em rápida expansão nos países de infl uência anglo-saxônica, a gestão por 
competência está em alta em países como a Bélgica, Holanda e Finlândia, e, em 
bem menor medida, em outros ambientes institucionais, como a Alemanha e 
França, onde as tradições administrativas difi cultam sua introdução. Precisa-
mente na França, o apego aos instrumentos tradicionais de gestão de pessoal, 
como o concours, mencionado no capítulo 2, introduz uma tensão especial en-
tre os velhos e os novos enfoques (Jeannot e Lichtenberger, 2002). Na Espanha, 
os enfoques de administração de pessoas baseados em competência foram re-
centemente adotados e existem de forma ainda muito incipiente, embora al-
gumas experiências recentes de âmbito local (Longo, 2002) se destaquem. Um 
dos principais desafi os neste campo, como mostra, entre outras, a experiência 
holandesa, é conseguir que as chefi as de linha entendam a gestão por compe-
tência como um enfoque que, de fato, agrega valor à organização – e não signi-
fi ca apenas mais uma tramitação burocrática (Van Vulpen e Moesker, 2002).
No que se refere ao recrutamento e seleção, a introdução desses enfoques 
exige inovações signifi cativas nas seguintes esferas: a) na defi nição dos perfi s 
dos titulares dos postos, que devem se basear, como dissemos, no somatório de 
qualidades pessoais, muitas delas não consideradas pelos sistemas habituais; b) 
nos instrumentos de seleção, que devem ser ampliados, adaptados aos vários 
perfi s a serem explorados, e incorporando o conjunto de técnicas já utilizadas 
pelas empresas, e c) nos órgãos de seleção, que devem ser técnicos e especiali-
zados, planejados de forma a incorporar especialistas na administração desses 
instrumentos (Ingraham e outros, 2002).
Com alguma freqüência, essas novas orientações aparecem combinadas 
com tendências a uma gestão mais descentralizada das funções de recruta-
mento e seleção. A alteração em diversos Estados norte-americanos (Th omp-
son e Cachares, 2000, p. 248) da tradicional “regra de três” (a escolha se dá 
mediante entrevista dos três candidatos que obtiveram a melhor pontuação 
nas provas ofi ciais de conhecimentos), ampliada a dez ou vinte candidatos, 
mostra a mudança.
O planejamento de postos de trabalho é a segunda grande área de modifi -
cação nesse campo. A orientação aqui vai no sentido da ampliação da descrição 
dos cargos nos dois sentidos: a) horizontal, aumentando o número de funções 
atribuíveis ao titular do posto, caso a organização venha a necessitá-las, ou en-
tão reduzindo a especialização e padronização a um mínimo compatível com 
a efi ciência e qualidade do trabalho; b) vertical, o que signifi ca ampliar o leque 
de níveis ou faixas em que se classifi cam as funções que possam vir a ser exigi-
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148 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
das do ocupante do cargo. Com freqüência, esta segunda ampliação traz consi-
go mudanças na previsão das estruturas salariais, às quais aludiremos adiante. 
Geralmente implica também um nivelamento das estruturas organizacionais 
que leva à redução de níveis hierárquicos.
O objetivo dessas transformações parece claro: aumentar a versatilidade 
dos postos e, conseqüentemente, a fl exibilidade com que a organização pode 
dispor de seus recursos humanos em contextos de mudança, permitindo um 
melhor aproveitamento dos mesmos. Exemplo dessas orientações são as es-
tratégias de mixed skilling, no Serviço Nacional de Saúde britânico, que se 
propõem cruzar transversalmente, em alguns casos, as fronteiras entre os 
campos médico, paramédico e de enfermaria, em matérias como a pequena 
cirurgia, o emprego de certas tecnologias de diagnóstico etc. (Horton, 2000, 
p. 221). Na Holanda, um número cada vez maior de governos locais vem 
utilizando a designação de pessoal “em serviço geral”, caracterizada por uma 
fl exibilidade funcional mais ampla que a ordinária (Van der Krogt e outros, 
2000, p. 205).
A ampliação de faixas permitiu a redução e simplifi cação dos sistemas de 
classifi cação de postos, característicos de muitas burocracias públicas, e basea-
dos na defi nição exaustiva das funções, freqüentemente usados (Longo, 2001, 
p. 202) para preservar redutos funcionais baseados na rotina e protegidos de 
qualquer demanda mínima de versatilidade. Só o serviço civil da Califórnia 
inclui 4.500 classifi cações de postos, das quais 1.600 se referem a cinco empre-
gados ou menos (Th ompson e Cachares, 2000, p. 247). No Estado de Washing-
ton, um novo sistema de classifi cação consolidou 750 classifi cações em apenas 
quatro faixas amplas. No serviço civil britânico, o âmbito dos novos sistemas 
de classifi cação oscila entre as quatro bandas largas de alguns departamentos e 
agências até os quarenta níveis da Casa Real (Institute of Professionals, Mana-
gers and Specialists, 1997).
Todas essas orientações em direção à multifuncionalidade são portado-
ras de novas necessidades em outros campos da GRH. Por um lado, incorpo-
ram uma grande necessidade de investimento em formação, confi gurando-a 
como uma atividade planejada e essencial para as organizações (Cabinet Offi -
ce, 1996). Por outro, tendem a aplicar sistemas de avaliação do desempenho 
menos formais, mais personalizados e cada vez mais dirigidos ao apoio do 
desenvolvimento de recursos humanos e à identifi cação das necessidades de 
capacitação.
Em matéria de promoção e carreira, a ênfase das reformas (OCDE, 1999a) 
foi colocada na redução do peso da antiguidade e na vinculação das promoções 
ao desenvolvimento de capacidades e ao alto desempenho no cargo (World 
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149AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS 
Bank, 2000). Como é lógico, essa preocupação é praticamente exclusiva dos 
países com sistemas de função pública ou serviço civil de carreira, onde os 
procedimentos tradicionais de promoção se revelam pouco funcionais, e che-
gou até ao Japão (Ingraham e outros, 2002), onde a antiguidade vinha sendo, 
como vimos no capítulo 2, o critério prevalecente. Apesar de tudo, a antigui-
dade continua a ter muito peso no desenvolvimento das carreiras profi ssionais 
nesses modelos. Por outro lado, a carência de instrumentos de avaliação, tanto 
da capacidade como do desempenho, difi culta sensivelmente, de forma geral, a 
introdução de novas orientações.
Outra linha de reforma foi, em alguns casos, a introdução de formas de 
promoção horizontais ou “no posto”, que supõem o reconhecimento (através 
de diversas fórmulas, inclusive a retribuitiva) da excelência profi ssional de 
um empregado, sem necessidade de que este assuma o comando hierárquico 
de uma unidade organizacional. Como mencionamos antes, essas formas de 
carreiras são mais coerentes com os processos de nivelamento das estruturas 
organizacionais, que inevitavelmente reduzem as possibilidades de ascensão 
hierárquica. Assim, por exemplo, as “carreiras fi nanceiras” introduzidas na 
Bélgica em todos os âmbitos administrativos (nacional, estatal e local), fo-
ram criadas para compensar as perdas de categoria e graduação provocadas 
pela simplifi cação das estruturas e escalas de cargos (Hondeghem e Steen, 
2000, p. 72).
Uma preocupação absolutamente generalizada nos países analisados é a 
mobilidade. Trata-se de uma questão em que as dimensões individual e orga-
nizacional da fl exibilidade, das quais falamos no capítulo 1, se destacam clara-
mente. Um planejamento correto da mobilidade (Longo, 1995, p. 8) é aquele 
que busca compatibilizar as necessidades e estratégias da organização, levando 
a um ótimo aproveitamento de seu capital humano, com as aspirações e os in-
teresses do pessoal orientados para a realização do trabalho nas condições mais 
satisfatórias e gratifi cantes do ponto de vista individual. Ambas perspectivas 
estão presentes, como veremos, nas experiências examinadas.
A articulação de políticas de estímulo da mobilidade exige, antes de tudo, 
a eliminação ou superação das barreiras que, como vimos, caracterizam certos 
sistemas de função pública de carreira. Não é de estranhar que na França se 
desenvolvam, desde 1990 (de acordo com Durafour), tentativas de reduzir o 
número de órgãos (Burnham, 2000, p. 108), quer seja fundindo os existentes 
(o único exemplo de esforço sustentado em tal sentido foi o do Ministério da 
Agricultura) ou criando (Ministérios de Educação e de Juventude e Esportes) 
grupos profi ssionais intercorporativos mais amplos, nos quais a mobilidade é 
possível.
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150 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
Uma parte dos esforços dos governos nesse campo foi dirigida à criação 
de mecanismos capazes de impor a mobilidade forçada por razões organiza-
cionais. Na Alemanha (Röber e Löffl er, 2000, p. 127) foram defi nidas transfe-
rências obrigatórias por estas causas, com um limite de cinco anos caso não 
contassem com o consentimento do interessado. Com alcance semelhante ope-
ram os détachements, na França (MAP, 1997). Na Espanha (Palomar, 1997), os 
“planos de emprego” de 1993, já mencionados, foram criados para possibilitar, 
entre outras coisas, a mobilidade forçada, tanto funcional como geográfi ca, 
dos funcionários. Um mecanismo similar (Martínez Bargueño, 1995, p. 37) foi 
criado na Itália na mesma época. Outros instrumentos acionados para permi-
tir a mobilidade forçada são, no setor local holandês, os bureaux de mobilidade 
(Van der Krogt e outros, 2000). Eles assumem a re-designação de empregados 
que, no caso de organizações pequenas, agem coletivamente facilitando trans-
ferências entre diversos governos locais, no que contam às vezes com o apoio 
de agências privadas de emprego.
As experiências analisadas permitem afi rmar que nem sempre dispor do 
mecanismo signifi ca articular na prática processos verdadeiros de mobilidade 
obrigatória. Na realidade, o peso das tradições pode se impor e a aplicação do 
mecanismo se torna mais exceção do que prática habitual. O caso espanhol 
pode ser usado como exemplo dessa inércia.
Uma segunda linha de trabalho foi a utilização de instrumentos desti-
nados a estimular a mobilidade voluntária, entendendo que também por esta 
via se facilita a fl exibilidade e, ao mesmo tempo, se incentivam outros avanços 
em capacitação, polivalência, visão global etc. Neste sentido, foi implantada na 
Suécia (Murray, 2000, p. 179) uma política cujo objetivo é aumentar a mobili-
dade no governo central e também entre o governo central, os governos locais 
e as empresas privadas. Até agora, as iniciativas obtiveram pouco sucesso. Na 
Alemanha (Röber e Löffl er, 2000), alguns Länder estabelecerama rotativida-
de entre os postos como requisito para as ascensões hierárquicas. O governo 
central holandês criou (Van der Krogt e outros, 2000, p. 296) um “banco de 
mobilidade” que concentra todas as vagas, acessíveis a todos os empregados 
e não apenas aos que possam ter sido declarados excedentes. Os processos de 
formação necessários para facilitar a reciclagem dos empregados que desejam 
mudar, ou que são obrigados a isso, são fi nanciados por um “Fundo de Edu-
cação e Emprego”. Também existe um programa de intercâmbio entre os Mi-
nistérios de Agricultura, Território e Água, que facilita atribuições temporárias 
a postos de mesmo nível em outro ministério, com a fi nalidade de melhorar 
relações, intercâmbio de informação, aprendizado e melhoria da empregabili-
dade do pessoal.
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151AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS 
4. A fl exibilidade salarial: mudança nos 
sistemas de compensação e incentivo
Mesmo que em certas ocasiões as reformas em matéria de retribuição 
tenham sido vinculadas à redução de custos de pessoal, inclusive atribuindo 
à reforma salarial, quanto a isto, um efeito algo superior à própria redução de 
quadros de pessoal (OCDE, 1997), as evidências nesse sentido não chegam 
a ser conclusivas. Parece-nos que as melhorias de custo, quando avaliáveis, 
são acima de tudo conseqüência indireta da introdução de fórmulas de fl exi-
bilidade salarial, que modifi cam algumas pautas de administração retribui-
tiva próprias das tradições das burocracias públicas, e dessa forma tornam a 
gestão dos salários mais efi ciente e adaptada às prioridades organizacionais. 
No nosso entendimento, as tendências adotadas pelas tentativas de reforma 
da GRH nas organizações do setor público podem ser agrupadas em três 
grandes orientações.
A primeira delas consiste em reduzir a uniformidade com que as políti-
cas salariais tendem a ser aplicadas nos sistemas públicos, sobretudo nos mo-
delos de função pública ou serviço civil de carreira, como conseqüência da 
centralização das decisões, especialmente da negociação dos salários com as 
organizações sindicais em escala nacional. Essa uniformidade converte-se em 
um importante fator de rigidez na hora de enfrentar situações que podem ser 
bastante heterogêneas em cada organização individual. Iniciativas na França e 
Alemanha no sentido de reduzir a escala das negociações foram testadas, mas 
não tiveram sucesso em conseqüência, em boa parte, das resistências sindicais 
(Burnham, 2000, p. 109 e seguintes; Röber e Löffl er, 2000, p. 128-130).
Um segundo tipo de esforços reformadores se orientou no sentido de mo-
difi car os mecanismos de progressão salarial dos empregados públicos. Nos 
sistemas tradicionais de função pública, estes mecanismos se baseiam, fun-
damentalmente, na antiguidade. No máximo, alguns méritos formais ou uma 
versão rotineira e burocratizada da avaliação do desempenho (a notation fran-
cesa) convivem com ela.
Embora as novas orientações retribuitivas tendam a dar mais destaque à 
pessoa do que ao cargo (White, 1998), em algumas ocasiões a preparação foi 
necessária. Assim, na Itália, o primeiro objetivo foi passar, a partir de 1993, do 
salário por graduação ou categoria à retribuição por cargo, após a implantação 
de um sistema de valorização de postos, aplicado inicialmente aos cargos dire-
tivos (Ruffi ni, 2000, p. 144). Na Espanha procedeu-se do mesmo modo, abran-
gendo a totalidade dos cargos das administrações públicas nos anos seguintes 
à reforma legal de 1984.
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152 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
Os critérios que os reformadores pretendiam vincular à progressão sa-
larial, substituindo a antiguidade e os critérios tradicionais são, por um lado, 
o desenvolvimento de competência e, por outro, o alto desempenho. Os dois 
critérios implicam mudanças consideráveis na estratégia de compensação, 
descritas como “a substituição de sistemas de retribuição baseados no cargo, 
com descrições detalhadas destinadas a assegurar um tratamento eqüitativo 
dos empregados, por sistemas bem mais fl exíveis, baseados na pessoa, nos 
quais os empregados são avaliados por sua competência e agrupados em fa-
mílias de postos, que representam escalas ou categorias ampliadas (broadly 
banded grades)” (White, 1998, p. 84). Assim, o desempenho e o aprendizado 
possibilitam avançar através de faixas salariais que, em alguns casos, como no 
SCS britânico (Horton, 2000, p. 17), proporcionam fl exibilidade ainda maior. 
Na Itália (Ruffi ni, 2000, p. 146) foram criadas quatro faixas amplas, que subs-
tituem as graduações anteriores, cada uma delas integrando entre quatro e 
seis escalões. Em algumas agências norte-americanas (Th ompson e Cachares, 
2000, p. 242) a criação de escalões em cada uma das faixas foi evitada, para 
que o itinerário de progressão não fi casse preestabelecido, permitindo dessa 
forma maior fl exibilidade. Entretanto, a aplicação de sistemas de pagamento 
por competência, no sentido estrito (Ledford, 1989) não chegou às organi-
zações públicas nesse formato. Apesar de sua aplicabilidade ter sido destaca-
da em alguns serviços públicos, como na administração escolar ou policial 
(Sharref, 1994, p. 68 e seguintes), seu uso nos sistemas públicos, inclusive no 
Reino Unido, que é, como vimos, o país mais adiantado no uso do enfoque 
da competência, permanece bem longe das experiências de aplicação no setor 
privado (Hondeghem, 2002, p. 176).
A terceira grande linha em matéria salarial consiste na introdução de 
fórmulas de retribuição variável associada ao desempenho (performance rela-
ted pay). A experiência é absolutamente generalizada, tanto no que se refere 
à extensão das tentativas de implantar essas práticas salariais, como na valo-
rização pouco otimista ou, pelo menos, muito matizada, de seus resultados 
efetivos (White, 1998; World Bank, 2000; Horton e Farnham, 2000). Assim, 
na França, Alemanha, Espanha e Itália, a percepção generalizada é de que 
sua capacidade para distinguir os níveis de desempenho foi extremamente 
limitada (Ruffi ni, 2000, p. 145). No Reino Unido (Horton, 2000, p. 218), onde 
o pagamento por desempenho muito se difundiu, assim como nos Estados 
Unidos, ele é fortemente criticado pelos empregados públicos, embora conti-
nue sendo apoiado por um número não desprezível de dirigentes. Contudo, 
alguns estudos destacam diferenças de percepção quanto ao sucesso desses 
esquemas de retribuição e mostram que no setor público se acredita menos 
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na possibilidade de que gerem resultados benéfi cos do que no setor privado 
(Institute of Personnel and Development, 1998). A maior parte das experiências 
de retribuição por desempenho é de caráter individual. Bastante menor foi a 
penetração, no setor público, dos incentivos por equipe ou as bonifi cações 
por resultados organizacionais globais. Na Grã-Bretanha, apenas uma dúzia 
de agências executivas implantou, até fi ns do século, esse tipo de fórmulas de 
compensação (White, 1998, p. 88).
O Banco Mundial (World Bank, 2000) destacou, como principais pro-
blemas sofridos por essas tentativas, a escassez de valores, o longo intervalo 
entre apreciação e pagamento, a tendência a eludir o confl ito que resulta da 
distinção entre empregados, e as carências em outras áreas da GRH, como 
o planejamento dos postos ou a capacitação para avaliação do desempenho. 
Em sentido análogo, Pollitt e Bouckaert (2000, p. 119) apontam os riscos de 
divisão interna e manipulação, bem como a escassa motivação quando os va-
lores são excessivamente baixos. A experiência na Espanhamostra, também, 
que os incentivos salariais ao desempenho costumam fracassar nas organi-
zações do setor público se não vierem precedidos pelo desenvolvimento de 
capacidades internas e de culturas organizacionais que permitam avaliar as 
pessoas de forma adequada. Como já mencionamos ao falar da experiência 
brasileira, a avaliação do desempenho é um campo no qual a legislação avan-
çou muitas vezes mais depressa do que a cultura do setor público (Pacheco, 
2003, p. 57).
5. A fl exibilidade no tempo de trabalho: novos esquemas de jornada
Como vimos no capítulo 1, numerosas mudanças sociais favorecem uma 
reconsideração dos esquemas tradicionais de jornada e tempo de trabalho e 
estão ligadas tanto à possibilidade de melhorar a produtividade, como com as 
aspirações das pessoas de conciliar a vida pessoal e familiar com o trabalho. 
Essa reconsideração chegou claramente, ainda que de forma desigual, aos sis-
temas de função pública dos países aos quais nos referimos.
Um dos países em que as questões relacionadas ao tempo de trabalho 
tiveram o maior destaque foi a Holanda (Van der Krogt e outros, 2000, p. 94 
e seguintes). Nesse país, a redução legal da jornada laboral para 36 horas se-
manais na totalidade do emprego no país foi abordada, no âmbito da função 
pública, como o cenário idôneo para lograr o ajuste entre as necessidades da 
gestão e as preferências pessoais dos empregados. As 36 horas de trabalho se-
manal foram adotadas como uma média aritmética que, em cada organização 
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154 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
e unidade organizacional, devia abrir um processo negociado que conduzisse 
à fi xação de horários por dias, semanas ou períodos mais amplos, de acordo 
com as características específi cas do trabalho e levando em consideração as 
preferências e interesses apresentados. Parece que a redução da jornada não 
produziu um aumento no número de empregos, um dos resultados pretendi-
dos pelos sindicatos.
Uma das tendências mais consistentes nesse campo é o aumento do tra-
balho em tempo parcial. Fora o caso da Holanda (é especial, porque se trata 
do país no mundo em que esta modalidade laboral constitui, destacadamen-
te, a maior porcentagem no conjunto de emprego), em quase todos os países 
observados foi detectado algum aumento dessas formas de trabalho. Certa-
mente, em casos como Itália e Espanha (Horton e Farnham, 2000, p. 318), sua 
presença na função pública é praticamente imperceptível. Em outros, como 
Reino Unido (Horton, 2000), seu crescimento foi bem mais notório, tanto no 
Civil Service como no Serviço Nacional de Saúde, mas, sobretudo, nos gover-
nos locais, onde, em 1998, o número de empregados em tempo parcial era 48% 
da totalidade do emprego público. Se a cifra é, em si, espetacular, talvez mais 
ainda seja o fato de 13% dos dirigentes locais trabalharem em tempo parcial; o 
que leva a supor o dobro da proporção no âmbito nacional.
Uma variante britânica, que afeta 25% dos empregados em tempo par-
cial, é a modalidade chamada short hours, que signifi ca trabalhar menos de 10 
horas por semana. Ela é reservada ao mais jovens e aos mais velhos, para que 
possam combinar trabalho e estudo ou suplementar a pensão. Também é notó-
ria, no Reino Unido, a ampliação das fórmulas de trabalho compartilhado (job 
sharing), onde se dá a relação mais clara entre emprego em tempo parcial e as 
políticas de igualdade de oportunidades (Hegewish, 1999, p. 123-124). O uso 
dessas modalidades contratuais na administração britânica duplica as cifras 
registradas no setor privado.
Na França, onde o trabalho em tempo parcial também se ampliou no 
setor público de forma signifi cativa (Burnham, 2000, p. 103), uma das mo-
dalidades estabelecidas permite a redução de horas de trabalho à metade 
quando o empregado se aproxima da idade da aposentadoria, sendo que um 
terço dos possíveis afetados tem feito uso desta opção. Geralmente, o trabalho 
em tempo parcial pode ser recusado pelo chefe da unidade sob alegação de 
“necessidades de serviço”, o que, de algum modo, tem contido o avanço da 
medida. Um problema apresentado na administração francesa foi o acúmulo 
de pedidos de uma modalidade concreta de trabalho (80% e não trabalhar às 
quartas-feiras) desde que foi adotado o fechamento das escolas nas tardes das 
quartas-feiras.
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155AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS 
Outras formas de fl exibilização merecem ser mencionadas. O horário fl e-
xível ou fl exitime, mediante o qual os empregados podem variar os horários de 
entrada e saída sem prejuízo de um período nuclear de presença obrigatória 
para todos, é a mais difundida das fórmulas de fl exibilização do tempo de tra-
balho também no setor público (Brewster e outros, 1997, p. 167-168; Horton e 
Farnham, 2000). O trabalho a distância, em suas diversas formas, está avançan-
do neste momento com muito mais rapidez na administração norte-americana 
do que nos países europeus, nos quais continua sendo, em geral, uma fórmula 
pouco utilizada (Hegewish, 1999, p. 127).
O redirecionamento das relações laborais
Uma das características generalizáveis do período analisado foi a ex-
pansão e intensifi cação da participação sindical e a utilização de negociação 
coletiva para determinar as condições de trabalho. Certamente, há diferenças 
notáveis entre o caso, muito incipiente do ponto de vista da capacidade con-
tratual das partes, do Japão, onde os representantes sindicais do setor público 
podem negociar mas não concluir acordos, e o direito de greve está proscrito; 
e os casos da Austrália e Nova Zelândia, onde a legislação estimula a plena li-
berdade de associação e representação, e onde a administração está habilitada 
a concluir acordos múltiplos: com o trabalhador individual, com um sindicato 
ou com um grupo destes (OCDE, 1999a, p. 23-24). A tendência à ampliação 
assinalada é, no entanto, bastante consistente e geral.
De fato, essa mudança na fi xação das condições de trabalho do âmbito 
legal para o convencional foi o caminho seguido, em alguns casos, para uma 
aproximação entre a gestão pública e a privada. Já nos referimos ao caso da 
Itália, país onde essa orientação deu lugar à grande reforma do governo Amato, 
em 1993 (Rebora, 1994; Sánchez Morón, 1996; Ruffi ni, 2000). A Ordem 29/93 
determinou a “privatização” do emprego público, que passou a ser regido pela 
lei civil comum. Apenas alguns elementos, como o recrutamento, permanece-
ram submetidos ao direito administrativo, e apenas alguns empregados fi ca-
ram excluídos do novo padrão, em particular os juízes, diplomatas e as forças 
armadas. As relações de emprego, inclusive os contratos individuais, são agora 
defi nidas através de negociação coletiva.
Na Suécia, um processo similar teve origem no ano de 1965, quando, 
como comentamos no capítulo 2, os empregados públicos, incluindo a po-
lícia e os militares, conquistaram o direito de greve, o que foi demarcado 
num amplo debate público que provocou a redefi nição global do modelo 
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(Murray, 2000, p. 173). Os empregados públicos suecos, em troca do poder 
contratual que compreendia a negociação coletiva recém-conquistada, per-
deram antigos privilégios e garantias próprias do estatuto público. O direito 
de greve fi cou compensado, como é habitual no setor privado, com o do 
lock-out patronal, e tudo isto supôs a substituição total de um modelo de 
emprego por outro.
Fora o caso sueco, a “laboralização” dos sistemas de função pública que 
assinalamos no início deste tópico não teve, em geral, nem mesmo no caso ita-
liano, o efeito de substituição de um modelo ou regime de empregopor outro. 
Na verdade, as novas pautas de funcionamento contratual vieram se somar aos 
procedimentos e garantias do direito público, o que deu lugar a modelos varie-
gados e com tendência à ambigüidade, nos quais os atores sociais dispõem de 
uma margem ampliada de busca da via ou norma que lhes seja mais benéfi ca. 
Na Espanha, uma sentença judicial que, invocando um acordo coletivo prévio 
com os sindicatos, condenou o governo a anular o congelamento salarial im-
posto por lei em 1997, deixou clara essa situação ambígua em que faculdades 
do poder legislativo chegam a colidir com acordos entre o governo e os repre-
sentantes dos servidores públicos.
O aumento da contratualidade nas relações laborais e a extensão da fi xa-
ção negociada das condições de trabalho dos empregados públicos poderiam 
dar a entender que o peso das organizações sindicais representativas do pessoal 
público passou a ser maior. No entanto, existem a este respeito diferenças bas-
tante signifi cativas entre uns países e outros.
Nas economias do mundo desenvolvido, em termos de cifras de fi liação, 
o setor público continua sendo, em geral, o setor mais sindicalizado. Entretan-
to, em alguns países, especialmente naqueles que constituem o arquétipo da 
Nova Gestão Pública (Reino Unido, Nova Zelândia, Austrália), produziu-se 
abertamente uma reconsideração por parte dos governos sobre seu próprio 
papel como “empregadores modelo”, que implicava uma importante presença 
sindical na tomada de decisões sobre o pessoal. Fruto de uma evolução do 
padrão de relações laborais, pode-se dizer que as reformas trouxeram consigo, 
em todos esses países, uma signifi cativa perda de peso e de poder dos sindica-
tos de empregados públicos.
Algumas orientações das reformas, já mencionadas, favoreceram essa 
perda de peso das organizações de representação de interesses coletivos. 
Assim, a tendência à personalização da GRH, patente em políticas como 
as de gestão do desempenho ou o pagamento por desempenho, tende a en-
fraquecer a dimensão coletiva da representação sindical (e explica, diga-se 
de passagem, a radical e generalizada oposição sindical a essas práticas em 
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todos os países). Por outro lado, a descentralização da gestão do emprego 
público, especialmente onde se consolidou o modelo de agências, alterou 
o padrão tradicional das relações laborais, eliminando a fi gura do governo 
como empregador e interlocutor único (Ingraham e outros, 2000, p. 408 e 
seguintes), o que enfraquece o poder negociador das grandes centrais sindi-
cais do setor público.
No entanto, em outros países, como no Canadá (como mostrava o pro-
grama La Rélève) e na Dinamarca, os reformadores vincularam as organizações 
sindicais aos projetos de mudança. E, em países como a França, Espanha e Itá-
lia, que neste campo se situam no extremo oposto dos três exemplos já mencio-
nados, o peso e o poder dos sindicatos de empregados público continua sendo 
considerável, e se viu inclusive fortalecido por um maior poder contratual na 
determinação das condições de trabalho. De fato, em alguns destes países, os 
confl itos trabalhistas mais signifi cativos dos últimos anos foram conduzidos 
pelos sindicatos do setor público, em claro contraste com a queda generalizada 
dos confl itos trabalhistas no setor privado da economia.
Nesse contexto de fortalecimento dos elementos de contratualidade e ne-
gociação, os governos seguiram a tendência de reforçar sua capacidade como 
empregadores. Uma das fórmulas, utilizada nos casos italiano e sueco, foi a 
criação de uma agência pública para representar o governo na negociação co-
letiva. Na Itália (Rebora, 1994; Ruffi ni, 2000), a agência assume a representação 
do governo central, das autoridades locais e dos outros órgãos públicos, e con-
centra todo o poder de negociação que deriva do uso de fundos centralizados 
pelo Tesouro. Na Suécia (Murray, 2000, p. 172), a Arbetsgivarverket, AgV, foi 
criada com o objetivo de que o governo, como tal, pudesse se eximir totalmen-
te das negociações salariais, deixando-as sob responsabilidade exclusiva das 
agências. A AgV é propriedade das demais agências, que a fi nanciam, elegem 
seu conselho diretivo e o diretor geral, e a encarregam da negociação com os 
sindicatos.
Esse desenho, em lugar de aumentar e concentrar o poder contratual dos 
empregadores públicos, pode provocar um excesso de centralização das rela-
ções laborais. Por isso, os objetivos atuais (alcançados mais na Suécia do que 
na Itália) procuram fazer com que a negociação coletiva no âmbito central seja 
apenas um marco, cujo desenvolvimento efetivo corresponda aos acordos lo-
cais no âmbito das organizações individuais. Na Holanda (Van der Krogt e 
outros, 2000, p. 200), onde a negociação se desenvolve em três âmbitos, na-
cional, setorial (oito setores funcionais ou territoriais) e local, o processo foi 
transferindo pautas de negociação para âmbitos mais próximos, apesar de a 
negociação setorial continuar desempenhando o papel determinante.
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158 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
OS PROCESSOS DE REFORMA
Vamos nos referir de forma breve, no último tópico, a algumas questões 
relacionadas aos processos de implementação das reformas da gestão pública 
do emprego e dos recursos humanos, no âmbito que vínhamos analisando. Di-
gamos, para começar, que se não existe, nas realidades nacionais examinadas, 
um padrão único de reforma quanto aos conteúdos, ele tampouco existe do 
ponto de vista dos procedimentos para sua implantação e consolidação.
Algumas reformas caracterizaram-se por dispor de estratégias delibera-
das, apoiadas em diagnósticos globais dos problemas que devem enfrentar, e 
em visões transformadoras consistentes. O caso mais representativo, e prova-
velmente o mais conhecido, é o do Reino Unido (Pollitt, 1993; Metcalfe e Ri-
chards, 1989), caracterizado também por uma liderança política fortemente 
centralizada e ideologizada (Metcalfe, 1993b) que manteve continuidade per-
sistente ao longo de mais de uma década de governo. Talvez um dos traços mais 
marcantes da experiência britânica seja o alto grau alcançado na institucionali-
zação das mudanças, evidenciado especialmente nos últimos anos, uma vez re-
alizada a alternância política que levou o partido trabalhista ao governo, que só 
questionou abertamente aspectos periféricos do modelo de reforma (Cabinet 
Offi ce, 1998). Algumas análises deram ênfase, nesse sentido, às linhas de con-
tinuidade verifi cáveis na manutenção das instituições de relações trabalhistas, 
as políticas salariais, o recurso ao provimento privado de serviços públicos e o 
controle das profi ssões públicas (Corby e White, 1999, p. 20 e seguintes).
As reformas nos países oceânicos coincidem em muitos dos traços do 
processo registrados no Reino Unido, ainda que com duas características pró-
prias. Uma delas é sua extraordinária concentração no tempo: as mudanças se 
acumulam na segunda metade da década de 1980. A outra, como destacaram 
muitos observadores (Schwartz, 1994; Boston e outros, 1997; Halligan, 1997), 
foi o peso extraordinário do papel desempenhado, nesses casos, pelo serviço 
civil superior, especialmente pela burocracia fi scal, comprometida com a ne-
cessidade de mudanças no sentido da efi ciência, centrada na redução do défi cit 
público.
Os casos apontados constituem, como dissemos antes, situações-modelo 
das reformas, inspiradas no que foi chamado de a Nova Gestão Pública. Neles, 
coincidem a profundidade do conteúdo das mudanças, o enfoque deliberado e 
global e uma estratégia de cima para baixo (top down) de implantação, baseada 
numa liderança forte e protagonizada pelo governo central. A análise recente 
dos processos de reformado serviço civil atribui essas características ao excep-
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159AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS 
cional vigor da liderança política que se deu nas experiências britânica, aus-
traliana e neozelandesa, e, depois de constatar os inúmeros fracassos colhidos 
por orientações semelhantes em outros países, defende justamente um enfoque 
contrário, baseado na redução da escala das reformas, sua implantação gradual 
e uma fi losofi a centralizada que procura converter os dirigentes de linha em 
“proprietários” das inovações (Polidano, 2001). Esta foi também a orientação, 
batizada como “incrementalismo estratégico”, adotada pelo Banco Mundial 
para as reformas nas situações em que as capacidades iniciais são baixas, como 
é o caso de muitos países do terceiro mundo (World Bank, 2003, p. 180).
Nos Estados Unidos, o planejamento aparente do processo de reforma no 
período examinado não se afastaria em muitos pontos daquilo que caracteriza 
os três países citados. No âmbito federal (U. S. National Performance Review, 
1993), como também no estatal e local (National Commission on the State and 
Local Public Service, 1993), desenvolveram-se visões sistêmicas das reformas 
e, no âmbito federal, a visualização de uma liderança política presidencial ma-
nifestou-se de forma clara, com o vice-presidente Al Gore assumindo nesse 
sentido um papel específi co. Em 1995 (Th ompson e Cachares, 2000, p. 240), 
um projeto legislativo estava pronto para implantar as principais recomenda-
ções da NPR quanto à reforma do serviço civil, incorporando faixas amplas 
para substituir as velhas graduações, eliminando requisitos de antiguidade e 
facilitando a remoção de empregados de baixo desempenho, junto com ou-
tras medidas de mudança. A oposição do Congresso impediu sua aprovação, 
fazendo que o enfoque global e “de alto a baixo” tivesse que dar lugar a outros 
procedimentos (Pollitt e Bouckaert, 2000, p. 82), menos contundentes.
Como dissemos, a reforma nos Estados Unidos adotou uma trajetória 
desagregada (Kamarck e outros, 2003). As agências que puderam ou soube-
ram fazer uso de seu poder negociador com o respectivo comitê do Congresso 
foram autorizadas a realizar reformas signifi cativas, às quais já nos referimos. 
Da mesma forma, ainda que com mais lógica, por causa de sua autonomia, os 
Estados e os governos locais protagonizaram mudanças de alcance bastante 
desigual e fragmentado.
A Suécia – país onde, como vimos, também se desenvolveram mudanças 
signifi cativas – fugiu, em geral, dos estilos ruidosos de implementação das re-
formas (Pollitt e Bouckaert, 2000, p. 265), sendo esta uma das características 
genericamente atribuídas aos países nórdicos europeus. Nesses países, pelo 
contrário, se impuseram procedimentos, habituais nesses contextos culturais, 
nos quais se incentiva o diálogo com os setores e corporações interessadas nas 
diversas matérias, e se usam intensivamente as estratégias de acerto/erro e dos 
planos-piloto para testar as mudanças antes de implantá-las em caráter geral. 
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Fez parte desta orientação para o consenso um grande esforço para minimizar 
as demissões obrigatórias de funcionários públicos. O mesmo tipo de processo, 
predominantemente gradual e seletivo, caracterizou (Pollitt e Bouckaert, 2000, 
p. 248) as reformas na Holanda.
Uma característica das reformas na Alemanha, que foram mais difíceis do 
que em outros países devido às restrições do seu marco constitucional e legal 
(Siedentopf, 1990), foi uma orientação de baixo para cima (bottom-up), no que 
se referia ao papel desempenhado pelas diversas instâncias da administração. 
Para Klages e Löffl er (1996, p. 134), faltaram virtualmente ao governo federal 
as iniciativas reformadoras, tanto que alguns Länder se mostraram incentiva-
dores de reformas, mas seus verdadeiros empreendedores foram os governos 
locais. Algumas experiências na Espanha apontariam na mesma direção.
O problema dos enfoques fragmentados, de baixo para cima, é que eles 
prejudicam as soluções das difi culdades de macro-reformas, imprescindíveis 
quando existem regras de jogo globais que devem ser revistas ou substituídas. 
Isto não deve ser entendido como sobrevalorização da dimensão jurídica das 
reformas. Talvez o caso mais adequado para se refl etir sobre esse extremo seja a 
Itália. Como indicamos antes, a Ordem 29/93 incorporou uma reforma global, 
profunda, da função pública italiana, sob as premissas da “privatização” ou la-
boralização, que se situa no campo daquilo que Sánchez Morón (1994) chamou 
de uma “revolução constitucional”. Até que ponto a nova legislação modifi cou 
as coisas, transformando, de fato e produndamente, o statu quo? Para Ruffi ni 
(2000, p. 139), “os novos regulamentos não foram plenamente aceitos e postos 
em prática. Para desenvolver uma nova e mais efetiva gestão das pessoas é pre-
ciso, primeiro, desenvolver as competências dos dirigentes e mudar o ethos da 
gestão, no interior da administração pública”. Esta refl exão nos parece valiosa 
e plenamente aplicável, em especial as culturas político-administrativas que, 
como as européias do sul, tendem a pensar nas leis sobretudo na hora de mu-
dar as coisas, de forma que convivem com graus de não-cumprimento muitas 
vezes notáveis.
BALANÇO E PERSPECTIVAS
Anotaremos, para concluir este capítulo, algumas refl exões sugeridas por 
esta exploração de tendências de mudança.
A primeira delas é que as reformas da gestão de recursos humanos no 
setor público, das quais falamos, eram e são necessárias, isto é, respondem a 
necessidades e demandas sociais efetivas. Os sistemas burocráticos tradicio-
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161AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS 
nais de função pública apresentavam, nos países examinados, uma série de 
dissonâncias que comprometiam o bom funcionamento dos sistemas públi-
cos. Trata-se de uma generalizada reação frente às disfunções acumuladas por 
modelos de funcionamento carentes de mudanças profundas, à margem das 
infl uências, quase sempre presentes, da ideologia e da moda. É mais que isso, 
como apontam Ingraham, Peters e Moynihan (2000, p. 417): as reformas que 
afetam a gestão dos recursos humanos “emergem como a chave do sucesso a 
longo prazo da reforma do setor público”.
A segunda refl exão é que tais reformas foram postas em prática, pelo me-
nos em alguns casos, em um grau de profundidade bastante signifi cativo. Em 
alguns dos países analisados, os sistemas de gestão pública do emprego e dos 
recursos humanos são hoje muito diferentes, e em aspectos muito importantes, 
daqueles que existiam há apenas duas décadas. Certamente (e esta é outra con-
clusão que não deixa dúvidas), em outros contextos nacionais analisados as mu-
danças permaneceram bem mais no terreno do discurso ou da retórica, sem se 
aproximar de forma signifi cativa da realidade. O diagnóstico que formulamos, 
páginas atrás, a respeito das disfunções dos modelos burocráticos tradicionais 
de função pública, segue gozando, nesses casos, de uma vigência quase total.
O claro/escuro das reformas
Embora a avaliação, como tal, dos resultados das mudanças não seja aqui 
o nosso propósito principal, parece necessário introduzir algum elemento de 
valorização das reformas a que nos referimos. Pollitt e Bouckaert (2000, p. 97 
e seguintes) destacaram as difi culdades de empenho e os escassos dados con-
fi áveis em boa parte dos casos. Com referência aos países em que as inovações 
foram mais signifi cativas, é comum que as análises ressaltem a aparição de ga-
nhos de produtividade, resultantes da melhora na relação

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