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APG 13 ESTASE VENOSA CRÔNICA Magny Emanuele Lima – Medicina 1. Revisar a fisiologia do retorno venoso; 2. Descrever a etiologia, epidemiologia e a fisiopatologia da estase venosa crônica; 3. Compreender o diagnóstico, tratamentos e manifestações clínicas/consequências da estase venosa crônica. Fisiologia do retorno venoso Veias Embora sejam compostas pelas mesmas três túnicas que as artérias, as espessuras das túnicas das veias são diferentes. A túnica íntima das veias é mais fina do que a das artérias; A túnica média das veias é muito mais fina do que a das artérias, com relativamente pouco músculo liso e fibras elásticas; A túnica externa das veias é a mais espessa e é composta por colágeno e fibras elásticas. As veias não têm a lâmina elástica interna ou externa encontrada nas artérias. São distensíveis o suficiente para se adaptar às variações de pressão e ao volume de sangue que passa por elas, mas não são concebidas para suportar altas pressões. As veias frequentemente parecem achatadas quando seccionadas. A pressão sanguínea média nas veias é consideravelmente mais baixa do que nas artérias. A diferença de pressão pode ser observada quando o sangue flui de um vaso seccionado. O sangue sai de uma veia seccionada em um fluxo lento e contínuo, mas jorra rapidamente de uma artéria seccionada. A maioria das diferenças estruturais entre as artérias e as veias reflete esta diferença de pressão. Por exemplo, as paredes das veias não são tão fortes quanto as das artérias. As válvulas unidirecionais dos pequenos vasos anastomóticos possibilitam que o sangue passe das veias superficiais para as veias profundas, mas evitam que o sangue passe no sentido inverso. Esta anatomia tem importantes implicações no desenvolvimento das veias varicosas. Em alguns indivíduos, as veias superficiais são vistas como tubos azulados que passam sob a pele. Como o sangue venoso é vermelho escuro, as veias parecem azuis porque suas paredes finas e os tecidos da pele absorvem os comprimentos de onda de luz vermelha, possibilitando que a luz azul passe para a superfície, onde as vemos azuis. Retorno venoso O sistema venoso nas pernas é composto por dois componentes – as veias superficiais (veia safena e suas veias tributárias) e as veias profundas. As veias perfurantes, ou comunicantes, conectam esses dois sistemas. O sangue da pele e dos tecidos subcutâneos nas pernas é coletado pelas veias superficiais e, em seguida, transportado pelas veias comunicantes até as veias mais profundas, para o retorno até o coração. Contrariamente ao sistema arterial, o sistema venoso é equipado com válvulas (pregas finas de túnica íntima) que evitam o fluxo sanguíneo retrógrado. Essas válvulas desempenham um papel importante na função do sistema venoso. A quantidade de válvulas venosas e a sua APG 13 ESTASE VENOSA CRÔNICA Magny Emanuele Lima – Medicina competência estrutural diferem entre as pessoas. Tais fatores podem ajudar a explicar a predisposição familiar ao desenvolvimento de varizes. A ação dos músculos da perna ajuda a mover o sangue venoso dos membros inferiores até o coração. Quando uma pessoa caminha, a ação dos músculos da perna aumenta o fluxo nas veias profundas e retorna o sangue venoso para o coração. Essa função dos músculos da perna (gatrocnêmios e sóleos dos membros inferiores) pode ser comparada à ação de bombeamento do coração, sendo por isso denominada bomba muscular esquelética. Durante a contração muscular, que é semelhante à sístole, as válvulas nas veias comunicantes se fecham para evitar o fluxo retrógrado do sangue para o sistema superficial, conforme o sangue nas veias profundas é movido adiante pela ação dos músculos que se contraem. Durante o relaxamento muscular, que é semelhante à diástole, as válvulas comunicantes se abrem, possibilitando que o sangue nas veias superficiais se movimente até as veias profundas. Na posição ortostática, tanto as válvulas venosas mais próximas do coração (válvulas proximais) quanto aquelas mais distantes (válvulas distais) nesta parte do membro inferior estão abertas, e o sangue flui para cima em direção ao coração. Embora a sua estrutura possibilite que o sistema venoso atue como uma área de armazenamento de sangue, ela também torna o sistema suscetível a problemas relacionados com estase e insuficiência venosa. Esta seção enfoca três problemas comuns do sistema venoso – varizes, insuficiência venosa e trombose venosa. Bomba respiratória: também é baseada na compressão e descompressão alternadas das veias. Durante a inspiração, o diafragma se move para baixo, o que provoca uma diminuição da pressão na cavidade torácica e um aumento da pressão na cavidade abdominal. Como resultado, as veias abdominais são comprimidas, e um maior volume de sangue se move das veias abdominais comprimidas para as veias torácicas não comprimidas e então para dentro do átrio direito. Quando as pressões se invertem durante a expiração, as válvulas das veias evitam o refluxo do sangue das veias torácicas para as veias abdominais. Varizes As varizes, ou veias dilatadas e tortuosas nos membros inferiores, são comuns e muitas vezes levam a problemas secundários de insuficiência venosa. As varizes podem ser descritas como primárias ou secundárias. As varizes primárias têm origem nas veias safenas superficiais, enquanto as varizes secundárias resultam do comprometimento do fluxo nas veias profundas. Aproximadamente 80 a 90% do sangue venoso dos membros inferiores são transportados pelas veias profundas. O desenvolvimento de varizes secundárias é inevitável quando o fluxo nessas veias profundas está comprometido ou bloqueado. A causa mais comum de varizes secundárias é a trombose venosa profunda (TVP); outras causas incluem fístulas arteriovenosas (AV) congênitas ou adquiridas, malformações venosas congênitas e compressão das veias abdominais produzida por gestação ou por um tumor. Epidemiologia A incidência de varizes aumenta com o avanço da idade, atingindo uma prevalência de 50% nas APG 13 ESTASE VENOSA CRÔNICA Magny Emanuele Lima – Medicina pessoas com mais de 50 anos. A condição é comum em mulheres de 30 a 50 anos de idade, especialmente se houver uma forte predisposição familiar. Observa-se ainda uma incidência aumentada em obesos, devido ao aumento na pressão intra-abdominal, bem como em pessoas que permanecem de pé durante a maior parte do dia em função de sua ocupação. Etiologia A permanência em pé por longos períodos e o aumento da pressão intra-abdominal são fatores de contribuição importantes para o desenvolvimento de varizes primárias. A permanência em pé por longos períodos aumenta a pressão venosa, causando dilatação e estiramento da parede dos vasos. Um dos fatores mais importantes na elevação da pressão venosa é o efeito hidrostático associado à posição ortostática. Quando uma pessoa está em posição ereta, todo o peso das colunas de sangue venoso é transmitido para as veias da perna. Os efeitos da gravidade são mais graves nas pessoas que permanecem em pé por longos períodos sem usar os músculos da perna para auxiliar no bombeamento do sangue de volta para o coração. Como não existem válvulas na veia cava inferior nem nas veias ilíacas comuns, o sangue nas veias abdominais depende do apoio das válvulas localizadas nas veias ilíacas externas ou femorais. Quando a pressão intra-abdominal aumenta, como ocorre na gravidez, ou quando as válvulas nessas duas veias são inexistentes ou defeituosas, o estresse sobre a junção safenofemoral aumenta. A alta incidência de varizes em gestantes também sugere um efeito hormonal sobre o músculo liso venoso, contribuindo para a dilatação e a insuficiênciavalvular. O levantamento de peso também causa aumento da pressão intra-abdominal e diminui o fluxo de sangue pelas veias abdominais. Profissões que exigem levantamento de peso repetido também predispõem ao desenvolvimento de varizes. A exposição prolongada ao aumento da pressão causa insuficiência das válvulas venosas, que deixam de se fechar adequadamente. Quando isso ocorre, o refluxo de sangue causa um aumento venoso ainda maior, que separa os folhetos das válvulas e provoca mais insuficiência valvular em seções de veias distais adjacentes. Outra consideração no desenvolvimento de varizes é o fato de as veias superficiais serem suportadas apenas pela gordura subcutânea e fáscia superficial, enquanto as veias profundas contam com suporte dos tecidos muscular, ósseo e conjuntivo. A obesidade reduz o apoio proporcionado pela fáscia superficial e pelos tecidos, aumentando o risco de desenvolvimento de varizes. Manifestações clínicas Os sinais e os sintomas associados às varizes primárias são variados. Muitas mulheres com varizes superficiais se queixam de seu aspecto desagradável. Em muitos casos pode haver dor e edema nos membros inferiores, especialmente depois de longos períodos em pé. O edema normalmente cede à noite, quando as pernas são elevadas. Os sintomas são mais comuns com a insuficiência das veias comunicantes. Diagnóstico e tratamento O diagnóstico de varizes em geral pode ser estabelecido após a obtenção do histórico e de um exame físico completo, especialmente com a inspeção dos membros envolvidos. O exame do fluxo por ultrassom com Doppler também pode ser utilizado para avaliar o fluxo nos vasos de grande calibre. Exames angiográficos com meio de contraste radiopaco podem ser úteis para avaliar a função venosa. Após o estiramento repetido das veias e a instalação da insuficiência valvular, pouco pode ser feito para restabelecer a normalidade do tônus e da função venosa. Idealmente, devem ser adotadas medidas para evitar o APG 13 ESTASE VENOSA CRÔNICA Magny Emanuele Lima – Medicina desenvolvimento e a progressão das varizes. Isso inclui perda de peso e medidas para evitar atividades que produzam elevação prolongada da pressão venosa, como a longa permanência em pé. O objetivo das medidas terapêuticas para varizes é melhorar o fluxo venoso e prevenir a lesão tecidual. Quando corretamente colocadas, as meias elásticas comprimem as veias superficiais e evitam a distensão. A prescrição de meias de tamanho adequado possibilita o controle mais preciso. A pessoa deve vestir as meias antes de se levantar, quando as veias das pernas estão vazias. A escleroterapia, utilizada com frequência no tratamento de pequenas varizes residuais, envolve a injeção de um agente esclerosante nas veias superficiais colapsadas para induzir fibrose do lúmen vascular. O tratamento cirúrgico consiste na remoção das varizes e das veias perfurantes insuficientes, entretanto, seu uso é limitado às pessoas com veias profundas desobstruídas. Insuficiência venosa crônica O termo insuficiência venosa se refere ao efeito fisiopatológico da hipertensão venosa persistente sobre a estrutura e a função do sistema venoso dos membros inferiores. Epidemiologia A insuficiência venosa crônica (IVC) de membros inferiores, principal distúrbio responsável pelo aparecimento dos sinais varicosos, acomete até 80% da população mundial nos casos de grau mais leve, de 20 a 64% em grau intermediário e até 9% nos casos mais graves. Geralmente, suas causas relacionam-se com alguns hábitos de vida, como a postura e o tempo que as pessoas permanecem em pé (ortostase) no ambiente laboral. Etiologia e patogênese A causa é multifatorial, incluindo fatores como aumento da pressão venosa hidrostática (como permanência em pé por longos períodos), insuficiência das válvulas nas veias, obstruções venosas profundas (TVP), diminuição da função das bombas musculares esqueléticas, processos inflamatórios e disfunção endotelial. Com a insuficiência venosa, o fluxo sanguíneo unidirecional efetivo e o esvaziamento das veias profundas não ocorrem. Se as bombas musculares forem ineficazes, o sangue pode seguir na direção retrógrada. A insuficiência secundária das veias comunicantes e superficiais torna os tecidos subcutâneos sujeitos a pressões elevadas. Manifestações clínicas As manifestações clínicas estão associadas ao comprometimento do fluxo sanguíneo. Contrariamente à isquemia causada pela insuficiência arterial, a insuficiência venosa leva à congestão tecidual, ao edema e ao comprome- timento da nutrição dos tecidos. O edema é exacerbado pela permanência prolongada em pé. Pode ocorrer necrose dos depósitos de gordura subcutânea, seguida de atrofia cutânea, sendo ainda comum a presença de uma pigmentação marrom na pele, causada pelos depósitos de hemossiderina que resultam da degradação de hemácias. Pode haver insuficiência linfática secundária, com esclerose progressiva dos vasos linfáticos decorrente do aumento da demanda por remoção do líquido intersticial. Pessoas com insuficiência venosa de longa duração também podem apresentar enrijecimento da articulação do tornozelo, além de perda de massa e de força muscular. Explicação: Com a continuação da hipertensão venosa, a reabsorção proteica e a absorção do sistema linfático passam a ser menores que o extravasamento, provocando o edema conhecido com inchaço. Nessa etapa, o edema envolvido com resposta inflamatória de neutrófilos, APG 13 ESTASE VENOSA CRÔNICA Magny Emanuele Lima – Medicina fagócitos e macrófagos aumenta a permeabilidade capilar, ocorrendo um extravasamento, acompanhado de componentes maiores do sangue, como as hemácias. Pela explicação imunológica, na tentativa de absorver macromoléculas, os macrófagos viabilizam a produção de grânulos citoplasmáticos com radicais livres, potencializando a resposta inflamatória. Com o progressivo aumento de pressão no interstício, diminuem-se a oxigenação e as trocas metabólicas, ocorrendo a lise das hemácias, e, com a liberação da hemoglobina, há produção de hemossiderina, que irrita os tecidos. Por causa do ressecamento, há descamação e diminuição da espessura da pele, aumentando a atividade oncótica e fibrose, o que se apresenta como estágio de úlcera varicosa. De todas as suas formas, a mais grave IVC possui ulceração e lesões inflamatórias que geralmente evoluem para tratamentos cirúrgicos convencionais. Na insuficiência venosa avançada, o comprometimento da nutrição tecidual causa dermatite por estase e desenvolvimento de úlceras por estase ou ulceração venosa. A dermatite por estase é caracterizada pela presença de uma pele fina, brilhante, marrom- azulada, com pigmentação irregular e descamação, sem suporte de tecidos subcutâneos subjacentes. Lesões menores levam a ulcerações relativamente indolores, mas de difícil cicatrização. A perna é particularmente propensa ao desenvolvimento de dermatite por estase e úlceras venosas. A maior parte das lesões localiza-se medialmente, acima do tornozelo e na parte inferior da perna, com mais frequência logo acima do maléolo medial. A causa mais comum de úlceras nas pernas é a insuficiência venosa. O tratamento da insuficiência venosa crônica inclui terapia compressiva com curativos e bandagens inelásticas ou elásticas. Insuficiência venosa de longa duração no membro inferior. Pigmentação castanho-escura da pele e dilatações varicosas das veias no dorso do pé e no tornozelo. Corte histológico da pele mostra macrófagos carregados de hemossiderina na derme profunda. A insuficiência venosa predispõe à trombose venosa profunda, agravando a hiperemia passiva. Resumo dos conceitos: Afunção de armazenamento do sistema venoso o torna suscetível à insuficiência venosa, à estase e à formação de trombos. As varizes ocorrem com a distensão e o estiramento prolongados das veias superficiais, como consequência da insuficiência venosa. As varizes podem surgir quando há defeitos nas veias superficiais (varizes primárias) ou comprometimento do fluxo sanguíneo nas veias profundas (varizes secundárias). A insuficiência venosa reflete a estase venosa crônica resultante da insuficiência valvular, e está associada à dermatite por estase e à presença de estase ou de úlceras e à presença de estados de hipercoagulação. Os trombos podem se desenvolver em veias superficiais ou profundas (estase do APG 13 ESTASE VENOSA CRÔNICA Magny Emanuele Lima – Medicina fluxo venovenosa descreve a presença de trombos em uma veia e a associada resposta inflamatória na parede vascular. Está relacionada à lesão dos vasos, à venosas. A trombose TVP). A formação de trombos em veias profundas é precursora da insuficiência venosa e da formação de êmbolos.