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HISTÓRIA DO DIREITO História do Direito é uma disciplina propedêutica, destinada a conhecer o passado do direito, ou ciência jurídica, e preparar o aluno para interpretar normas e ter consciência crítica. Precisamos de um direito justo (no conceito jurídico), equivalente, equilibrado. Sua importância é aperfeiçoar o direito, preparar o aluno para enfrentar a realidade, seja como advogado, juiz, promotor, etc. A tarefa da História do Direito é para sabermos discernir que cada época tem um direito que lhe é próprio, e conhecer a origem dos entes jurídicos que temos. Segundo John Gilissen, “a história do direito visa fazer compreender como é que o direito atual se formou e desenvolveu, bem como de que maneira evoluiu no decurso dos séculos” E ainda conforme Luiz Carlos Azevedo “... se alguém aspira a empenhar-se com afinco ao estudo do Direito, empregando-o e utilizando-o para o exercício de sua atividade profissional, não pode reduzir-se a leitura sistemática dos textos legais vigentes, aplicando-os mecanicamente na medida em que possam se ajustar aos casos concretos; a tarefa é sobremaneira ingente: compreensão e explicação; sugestões e ideias; experiência e interpretação, são qualidades que se integram a este trabalho; e no qual se insere, por sua vez, a História do Direito, pois ela ensina que o Direito não surgiu espontaneamente ex nihilo, mas sempre esteve condicionado a incontáveis ordens da realidade, nunca estáticas, mas dinâmicas, e que se alternam conforme igualmente se modificam outros inumeráveis fatores que a vida continuamente proporciona”. Métodos e tarefas da história no direito. Questão de método na História do Direito Como o direito a história pode cumprir, nos momentos de mudança, um papel legitimador do “estatus quo”, um papel restaurador e reacionário, ou ainda um papel crítico. Para desempenhar este último deve adquirir uma atitude de suspeita permanente para suas próprias aquisições. Com o passar do tempo à história deixa de lado o estudo do estado e passa em focar na vida material. Ou seja, dá certa ênfase aos bens materiais. “A história só é história na medida em que não consente nem no discurso absoluto, nem na singularidade absoluta, na medida em que o seu sentido se mantém confuso, misturado... A história é essencialmente equívoca, no sentido de que é virtualmente fatual [episódica, événementielle], e virtualmente estrutural” (RICOEUR, 1968). Nem a história das estruturas conta tudo, nem a história dos episódios ou dos grandes feitos. Para fazer a história total é preciso estar atento a ambas. E para isto, deve levantar suas suspeitas. Lopes, José Reinaldo de L. O Direito na História: Lições Introdutórias. Disponível em: Minha Biblioteca, (7th edição). Grupo GEN, 2023. SUSPEITAS. SUSPEITA DO PODER Seu objeto é sempre um elemento do poder, o exercício da autoridade formalizada pelo direito. SUSPEITA DO ROMANTISMO A história do direito que se fez antes foi uma história romântica. Idealizada por savigny, pois se tem que a história não foi econômica ou social e não tampouco sociológica ou jusnaturalista. Ela foi antes de tudo nacionalista e tradicional. O propósito reitor de Savigny com a história romântica restringe-se a combater as pretensões dos legisladores alemães que se inspiravam na legislação francesa. E ainda rejeitava a um só tempo o afrancesamento do direito dos povos de língua alemã e a elevação da lei ao caráter de fonte primária do direito. Em seu lugar acreditava que deveria contar o espírito do povo. SUSPEITA DAS CONTINUIDADES “O tempo verdadeiro é por sua própria natureza um contínuo. É também mudança perpétua”, dizia Marc Bloch. Para escapar de uma história legitimadora do status quo, é indispensável pensar que fomos precedidos por gerações diferentes de nós e seremos sucedidos por gerações diferentes de nós. “Os homens não têm o hábito de trocar de vocabulário toda vez que trocam de costumes”, dizia outra vez Bloch (1990:31). Uma história crítica mostra que as coisas foram diferentes do que são e podem ser no futuro também muito diferentes. Lopes, José Reinaldo de L. O Direito na História: Lições Introdutórias. Disponível em: Minha Biblioteca, (7th edição). Grupo GEN, 2023. ESCRAVIDÃO NO BRASIL Em primeiro lugar lembremos o que foi a escravidão no Brasil. A história demonstra que ela foi uma invenção muito particular. Falar em escravos na América portuguesa e no Brasil novecentista pouco tem a ver com a escravidão do mundo antigo: para começar a escravidão do mundo antigo não se envolve na produção do excedente colonial e não é etnicamente exclusiva. Depois, lembremos que, quando se começa a fazer a escravidão americana, o regime servil já havia desaparecido de fato na Europa ocidental, ou pelo menos havia desaparecido quase que de fato. Logo, a legitimação da presença de escravos faz-se aqui com elementos jurídicos muito diferentes dos tradicionais. Quando os juristas debatem entre nós, na segunda metade do século XIX, a abolição, o tema proeminente do debate é o direito de propriedade dos senhores. A constituição imperial, entre os direitos individuais inalienáveis, registrava o direito de propriedade: como abolir a escravidão sem indenizar os senhores pelo seu “direito adquirido”? O que não falar da história da família? Nada mais natural, dizem alguns, do que a união de homem e mulher. Sim, mas em termos. Que os homens sejam atraídos pelas mulheres e vice-versa e que desta atração mútua surjam amores e filhos, pode-se dizer que é uma regularidade da natureza. Mas que o “casamento” ou o “matrimônio” sejam por isto mesmo sempre a mesma coisa em toda parte e em todo o tempo é uma afirmação que um historiador não pode fazer. O casamento em Roma, por exemplo, não criava família. A família romana é uma unidade produtiva, os pais de família comandam os outros membros e tornam-se gerentes de um fundo patrimonial. O modelo de família que conhecemos é outro, a família é uma unidade de consumo, não de produção, sobretudo na família operária, um subsistema previdenciário. Da regular união de homem e mulher e do uso continuado da palavra família podemos pensar muita coisa, mas temos de estar atentos para o fato de que a continuidade do uso da palavra pode esconder a descontinuidade das práticas. Atente que a igualdade entre homem e mulher é defendida de forma veemente no nosso ordenamento jurídico. Por ex: o art. 5º, I, da CF nos diz que: homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Obs.01 Indaga-se essa regra é absoluta? Não. Porque perceba que a própria constituição permite que se faça distinção. Ex: mulher tem direito a licença maternidade por 120 dias enquanto o homem tem apenas 5 dias de licença paternidade. Obs.: A legislação aumenta de cinco para 20 dias o período para os pais acompanharem os primeiros momentos dos filhos. De acordo com o texto, colaboradores de empresas vinculadas ao Programa Empresa Cidadã poderão solicitar o aumento da licença paternidade para 20 dias. Caso contrário, só terá direito a cinco dias. Obs.02 Anota-se que o nosso ordenamento quando fala em igualdade adotou a teoria valorativa. Igualdade --- teoria paritária – diz que a lei não pode fazer distinção (revolução francesa); Teoria valorativa – diz que a lei pode fazer distinções desde que justificadas. SUSPEITA DA IDEIA DE PROGRESSO E EVOLUÇÃO. O futuro é contingente e aberto. Como vai ser ele? Em geral acreditamos que será o presente de forma ampliada. Imaginamos que o futuro será simples continuação de nosso tempo? E da mesma forma imaginamos que nosso presente é um puro desenvolvimento evolutivo e natural do passado que nos precedeu? AS TAREFAS DA HISTÓRIA DO DIREITO: A tripartição simplificada de Lawrence Friedman:o direito pode ser visto como ordenamento, isto é, como o conjunto de regras e leis (estudar direito seria então estudar leis e princípios); pode ser visto como uma cultura, um espaço no qual se produz um pensamento, um discurso e um saber; e pode ser visto como um conjunto de instituições, aquelas práticas sociais reiteradas, as organizações que produzem e aplicam o próprio direito. A história do direito pode então cruzar todos os recursos da nova história com estes três elementos do universo jurídico. Abre-se então para nós um universo de questões que podem e devem inquietar os historiadores de profissão, mas que também são semente de inquietação de qualquer um que se dedique a estudar o direito e depois a fazer dele sua profissão. O direito pode ser visto como: 1. Ordenamento – isto é como um conjunto de regras e leis, estudar direito seria então estudar leis e princípios; 2. Cultura – significa que o direito é um espaço aonde se produz um pensamento, um discurso e um saber; 3. Instituição – no sentido de existir organizações que produzem e aplicam o próprio direito. Observa-se que a história do direito pode então cruzar todos os recursos da nova história com estes três elementos do universo jurídico. O DIREITO DOS POVOS SEM ESCRITA A tarefa de conceituar e explicar o direito dos povos sem escrita é árdua, uma vez que não há registros (obviamente). Há vestígios de moradia, armas, cerâmica... etc, no entanto, reconstituir a pré-história jurídica deixa de ser impossível a partir do momento em que nos lembramos que os povos entraram na história onde a maior parte das instituições jurídicas já estavam entre nós, como a propriedade, o casamento e sucessão, apesar da confusão entre direito, moral e religião da época. A fonte de direito utilizada por esses povos eram os costumes, e os precedentes que também constituíam fonte de direito (julgamentos de acontecimentos concretos das relações interpessoais dentro dessa sociedade). O chefe da tribo era quem resolvia e solucionava os conflitos entre as pessoas dessa pequena sociedade, através das regras costumeiras. Importante lembrar que civilizações sem escrita, como os Incas (América do Sul) e os Maias (América Central), atingiram níveis de desenvolvimento extraordinários e até superaram o nível da evolução jurídica de povos que já conheciam a escrita. As principais características dos direitos dos povos sem escrita podem ser assim definidas, como pontua John Gilissen53: a) Por não serem direitos escritos, os esforços de formulação de regras jurídicas abstratas são bastante limitados. Observe-se que mesmo os escritos, como o Código de Hamurabi, praticamente não possuíam regras abstratas, sendo praticamente uma compilação de casos concretos. b) Como cada comunidade tinha o seu próprio costume, pois vivia isolada, praticamente sem contato com outras comunidades, há grande diversidade nesses direitos. c) A diversidade acima apontada acaba por ser relativa. Tendo em vista que a base de organização social humana era semelhante, há inúmeras coincidências entre os vários direitos que surgem. Mas as diferenças também existem, influenciadas por vários itens, como clima, recursos naturais, número de indivíduos etc. d) Direito e religião ainda estão umbilicalmente entrelaçados. Como há grande temor em relação aos poderes sobrenaturais, é ainda difícil distinguir o que vem a ser regra religiosa e o que vem a ser regra jurídica. Não existe distinção entre religião, moral e direito, estando essas funções sociais bastante interligadas e confundidas. e) São direitos ainda em formação, em gestação, longe das instituições que conhecemos e que são definidas nos sistemas romanistas ou do Common Law, que estudaremos adiante. Não há definição do que é justiça, regra jurídica etc. Alguns autores defendem que nesse estágio não podemos falar em regras jurídicas, em direito propriamente dito. É o caso de Marx e Engels, por exemplo, que consideram o direito ligado ao Estado, e afirmam não existir direito nos grupos sociais que não atingiram o estádio de organização estatal. Atualmente, admite-se caráter jurídico dos povos sem escrita, levando-se em conta que existiam meios de constrangimento para assegurar o respeito às regras de comportamento. Maciel, José Fabio, R. e Renan Aguiar. Manual de história do direito. Disponível em: Minha Biblioteca, (10th edição). Editora Saraiva, 2022. Quadro comparativo: Em contraste com a nossa ideia contemporânea de Estado de Direito, pode- se traçar um quadro comparativo: Idade Média Pluralismo de jurisdições – nenhum grupo controla todos os aspectos da vida civil. Rejeição da legislação pelo desuso (desuetudo), participação direta negativa na legislação. Ideologia do direito natural como controle substancial das leis abusivas. Subordinação do superior aos direitos tradicionais dos inferiores Costume como fonte de direito – a lei pode corrigir os costumes não racionais ou razoáveis. Bem comum – impedimento de interesses particulares como justificação de decisões relativas a qualquer grupo Idade Contemporânea Tripartição dos poderes – nenhum poder exerce sozinho a jurisdição Legislação por representantes eleitos, participação indireta na atividade legislativa Ideologia dos direitos fundamentais Subordinação a um contrato social expresso ou hipotético Lei como fonte de direito – lei como expressão de uma vontade (geral, da maioria, do soberano etc.) . Partidos políticos – poliarquia – conflito de interesses que se controlam reciprocamente Lopes, José Reinaldo de L. O Direito na História: Lições Introdutórias. Disponível em: Minha Biblioteca, (7th edição). Grupo GEN, 2023. Caros Acadêmicos, o material disponibilizado consiste apenas em uma compilação retirada da bibliografia apresentada no plano de ensino.