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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
“Se Torcer Sai Sangue”:
Uma Análise das Representações
Sobre Religiosidade Afro-Brasileira
No Jornal O DIA
Marcelo Vidaurre Archanjo
Orientação: Profa Dra Maria Lina Leão Teixeira
Rio de Janeiro
1997
Marcelo Vidaurre Archanjo
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações 
Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
Dissertação de Mestrado em Sociologia apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Sociologia, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Sociologia.
Orientadora: Profa Dra Maria Lina Leão Teixeira
Banca Examinadora:
_______________________________________________
Profa Dra Maria Lina Leão Teixeira (presidente)
_______________________________________________
Prof Dr José Reginaldo Santos Gonçalves
_______________________________________________
Profa Dra Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti
_______________________________________________
Profa Dra Elina Gonçalves da Fonte Pessanha (suplente)
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
Marcelo Vidaurre Archanjo
2
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
Marcelo Vidaurre Archanjo
3
ARCHANJO, Marcelo Vidaurre
“Se Torcer Sai Sangue: Uma Análise das 
Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira 
no Jornal O DIA”. PPGS/IFCS/UFRJ, 1997, 
Tese: Mestre em Ciências (Sociologia)
1. Jornal 2. Macumba – Religiões Afro-Brasileiras 
3. Estereótipos 4. Teses
I. Universidade Federal do Rio de Janeiro – IFCS
II. Título
“Se tua existência cotidiana te parece pobre,
não culpes a ela, mas a ti mesmo. Percebe
que não és poeta o suficiente para dela
extrair riquezas, pois aos olhos do criador não
existe pobreza, não existe lugar pobre e sem atração.”
R. M. RILKE
À memória de minha avó
Doresny Junger Vidaurre,
com saudades
SUMÁRIO
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
Marcelo Vidaurre Archanjo
4
 Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 06
 Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 08
 Introdução: “Como Ler um Jornal” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 11
 Capítulo 1: “Uma Visão de Modernidade e a “Cidade Maravilhosa” ” . . . . . pág. 25
 Capítulo 2: “Os Sentidos da “Macumba” ” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 45
 Capítulo 3: “Manchete do Dia: “Macumba” da Grossa” . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 57
 Capítulo 4: “Festas, Disputas, Federações: o Outro Lado das “Macumbas” ”. pág. 99
 Considerações Finais: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 131
 Referências Bibliográficas: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 136
RESUMO
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
Marcelo Vidaurre Archanjo
5
O objetivo deste trabalho é perceber os estereótipos negativos imputados aos
grupos religiosos afro-brasileiros em um jornal popular durante a década de 50 na
cidade do Rio de Janeiro (jornal “O DIA”). Através da análise e comparação de dois
“espaços” distintos e complementares do jornal (notícias policiais e artigos
umbandistas) foi possível entender como se estruturam e se mantém crenças e atitudes
que reforçam o preconceito racial e religiosos no Brasil. O eixo condutor desta pesquisa
foi a compreensão de que o termo “macumba” pode ter múltiplos significados, segundo
o grupo social que o utiliza.
ABSTRACT
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
Marcelo Vidaurre Archanjo
6
The objective of this work is the understanding of the negative stereotypes
imputed to the afro-brasilian religious groups in a popular newspaper during the 50’s in
Rio de Janeiro (“O DIA” newspaper). Through the analysis and comparison of two
distinct and complementaries “spaces” of this newspaper (police news and umbandista
articles), was possible to understand how believes and attitudes that reforce the racial
and religious preconception are made. The conductor axis of this work was the multiple
social utilization of the term “macumba”.
AGRADECIMENTOS
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
Marcelo Vidaurre Archanjo
7
“Por que todo este fasto verbal num texto? O luxo da linguagem faz parte das riquezas excedentes, do
gasto inútil, da perda incondicional? Uma grande obra de prazer (a de Proust, por exemplo) participará da
mesma economia que as pirâmides do Egito? O escritor será hoje em dia o substituto residual do
Mendigo, do Monge, do Bonzo: improdutivo e no entanto alimentado? Análoga à Sangha búdica, a
comunidade literária, qualquer que seja o álibi que apresentar, será mantida pela sociedade mercantil, não
pelo que o escritor produz (não produz nada) mas pelo que ele queima? Excedente, mas de modo algum
inútil? . . . é a própria inutilidade do texto que é útil, a título de potlach.”
(ROLAND BARTHES – “O Prazer do Texto”)
Este trabalho não seria possível sem a ajuda e o apoio de muitas pessoas e
instituições. Inicialmente sou grato à Coordenadoria de Aperfeiçoamento do Pessoal de
Nível Superior - CAPES – que me concedeu os recursos financeiros necessários para a
realização deste trabalho.
Na Biblioteca Nacional encontrei todo o material de pesquisa, agradeço a todos
os funcionários do setor de microfilmes.
Sou grato a todos os meus professores do Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais e do Laboratório de Pesquisa Social da UFRJ, que ao longo de todos esses anos
de graduação e de pós-graduação me deram o privilégio de assistir a suas aulas, sempre
mantendo o ambiente intelectual aberto a discussões. Sou especialmente grato a alguns
professores com os quais descobri o meu prazer no estudo das Ciências Sociais e em
particular no estudo da Antropologia. Um agradecimento especial à Marco Antonio
Teixeira Gonçalves, José Reginaldo Santos Gonçalves, Maria Laura Viveiros de Castro
Cavalcanti . . . muito obrigado.
Não sei e talvez não tenha como agradecer a minha orientadora, Profa Dra Maria
Lina Leão Teixeira. Sua ajuda, estímulo, (muita) paciência, respeito e amizade foram
essenciais em todos esses anos. Seu exemplo de professora e pesquisadora ajudou a
fixar em mim o “vírus” da antropologia.
Ao Prof. Ismael Pordeus da UFC, pelo espaço em Canindé/Ceará em 1993 e no
GT sobre Etnografia Afro-Brasileira na ABA 1994. Sou grato pelas suas críticas e
sugestões.
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
Marcelo Vidaurre Archanjo
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Agradeço a ajuda das “meninas” da Secretaria do PPGS, Cláudia, Denise e
Estela. Também pude contar, sempre que precisei, com o auxílio de Cláudia e Sheila,
ambas do LPS.
Aos colegas do Mestrado: as aulas, os bate-papos na sala de computadores, as
angústias quanto ao futuro, as alegrias das conquistas e os nossos almoços foram
momentos muito agradáveis que dividimos juntos. Obrigado a todos: Alexandre Brasil,
Euler Siqueira, João Carlos Colaço, Luciana Barão, Luciana Gonçalves, Manuel Macia,
Marcelo Senna, Maria Domênica, Vanessa Dias.
Ao carinho das amigas: Ana Cristina Mandarino - que me trouxe para esse
“campo” - e Laura Moutinho - pelas conversas sobre o ensino da antropologia. 
Com Júlio Vascopude conversar algumas vezes sobre a profissão de jornalista,
foram poucas porém de grande valia . . . valeu.
Alguns amigos foram essenciais em todos esses anos, propiciando um ambiente
de Interesse, Sintonia e Confiança, indispensáveis ao meu desenvolvimento pessoal.
Juntos procuramos construir uma vida com Equilíbrio e Harmonia. Agradeço a todos o
apoio e a amizade.
Duas pessoas muito me influenciaram na escolha desta profissão. A elas eu serei
sempre grato; Elizabeth Vidaurre Franco que me disse que a sociologia era “linda” e
Emanuel Teodoro Rosa Santos pela oportunidade de todos os “papos-cabeça”.
Aos meus pais, Pedro Archanjo e Magali Junger, pois sem a ajuda deles eu não
estaria aqui. E a minha família, com quem sempre dividi momentos de muita alegria e
que sempre esteve ao meu lado nos momentos mais difíceis.
Agradeço ao irmão Luis Dias, que certo dia me disse que eu tenho “livros muito
estranhos”. E ao amigo Eduardo Mattos, que sabe como cultivar uma amizade.
E como diz Roland Barthes: “Estar com quem se ama e pensar em outra coisa:
é assim que tenho os meus melhores pensamentos, que invento melhor o que é
necessário ao meu trabalho”.
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
Marcelo Vidaurre Archanjo
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O terreiro da Tia Ciata, ou Tia Aciata, ficava localizado na na rua Visconde de Itaúna,
perto da Praça Onze. Era muito conhecido no final do século passado e início deste. Esta
ilustração de Caribé representa a ida de Macunaíma ao terreiro a fim de pedir ajuda a Exú para
matar o Gigante. No desenho, aparecem no alto uma constelação de deuses, e embaixo na
assistência estão diversas pessoas. São gente pobre, gente direita, jornalistas, advogados,
garçons, pedreiros meia-colheres, deputados, gatunos, enfim o mundo variado dos que
recorriam a Exú e às divindades da religião afro-brasileira, para a obtenção de vantagens e de
vinganças.
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
Marcelo Vidaurre Archanjo
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INTRODUÇÃO
“Como Ler um Jornal”
“Todo jornal, da primeira à última linha, não passa
de um tecido de horrores, guerras, crimes, roubos,
impudicícias, torturas, crimes de príncipes, crimes de nações,
crimes de particulares, uma embriaguez de atrocidade universal.
É deste aperitivo repugnante que o homem civilizado
Acompanha sua refeição cada manhã.”
(Charles Baudelaire)
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
Marcelo Vidaurre Archanjo
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O 
objetivo central desta dissertação é perceber como se processou a construção social da
“macumba”, por um meio de comunicação de massa, na Capital Federal durante a
década de 50. Um jornal foi eleito - O Dia1 - como veículo através do qual foram
levantados modelos de “ver” e de “ler” as “macumbas” e os “macumbeiros”. A partir
da identificação de certos estereótipos2 imputados à religiosidade afro-brasileira durante
este período, mostrarei que eles também se encontram presentes entre os próprios
adeptos das religiões afro-brasileiras na década de 90. 
A história desta pesquisa começou quando, ainda estudante de graduação em
Ciência Sociais no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, participava como
bolsista de iniciação científica da pesquisa desenvolvida pela Profa Maria Lina Leão
Teixeira sobre religiões afro-brasileiras. A minha pesquisa, portanto, estava inserida
dentro da pesquisa que Teixeira (1994:05) desenvolvia para sua tese de doutoramento,
centrada nas “representações da [lou]cura em Terreiros de Candomblé, partindo do
discurso do povo-de-santo e da observação de rituais considerados terapêuticos pelos
participantes de comunidades religiosas localizadas na cidade do Rio de Janeiro e na
Baixada Fluminense”. Através de trajetórias de indivíduos que fazem parte do povo-de-
santo, a autora procurou perceber possíveis correlações entre, de um lado, determinadas
políticas de saúde e o exercício de cidadania, e de outro lado, os preconceitos raciais e
religiosos que incidem ou são introjetados pelos adeptos das religiões afro-brasileiras.
Um dos objetivos era perceber como se dava a utilização das categorias “macumba” e
“macumbeiro”, seja pelo povo-de-santo ou pela sociedade mais ampla. Neste sentido
era muito importante perceber como os meios de comunicação de massa utilizavam
estas mesmas categorias, e se contribuíram para a disseminação de estereótipos,
preconceitos e atitudes.
1 O título da dissertação foi tirado de uma expressão de uso corrente no senso comum para definir o tipo
de jornalismo realizado pelo “O DIA”, assim como o de outros jornais populares que seguem a mesma
linha. Esses jornais focalizam principalmente a morte como um espetáculo sanguinolento. A expressão
usada para definir o “O DIA” dizia que : ‘Se torcer sai sangue. . . .’
2 Segundo a definição de Jahoda (1987:419), um estereótipo “designa convicções pré-concebidas acerca
de classes de indivíduos, grupos ou objetos, resultantes não de uma estimativa espontânea de cada
fenômeno, mas de hábitos de julgamento e expectativa tornados rotina . . . um estereótipo é uma
convicção que não está alicerçada por uma hipótese apoiada na evidência, mas é antes confundida – no
todo ou em parte – com um fato estabelecido”. 
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
Marcelo Vidaurre Archanjo
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A escolha da década de 50 foi feita com base na idéia de que neste momento
profundas transformações sociais e econômicas ocorriam na sociedade brasileira. O
projeto nacional pretendia inserir definitivamente o país na modernidade, sendo a
construção de uma Capital Federal no então inabitado planalto central o seu ponto
máximo; realização plena de um sonho e de um projeto político. A urbanização e a
industrialização crescentes eram os sinais de que o Brasil se desenvolvia; e mais do que
isso, de que alcançava o futuro. Caminhando junto com tudo isto, podemos perceber que
a crença no “feitiço como operador lógico dessa classificação metonímica que no
Brasil hierarquiza e relaciona grupos” (Maggie; 1992:30), se intercalava no ethos e na
visão de mundo (Geertz:1978) das diferentes classes sociais no Brasil.
Utilizarei as noções de Geertz (1978:143-144) sobre ethos e visão de mundo,
que são assim definidos:
 “os aspectos morais (e estéticos) de uma dada cultura, os elementos
valorativos, foram resumidos sob o termo “ethos”, enquanto os
aspectos cognitivos, existenciais foram designados pelo termo “visão
de mundo”. O ethos de um povo é o tom, o caráter e a qualidade de
sua vida, seu estilo moral e estético e sua disposição, é a atitude
subjacente em relação a ele mesmo e ao mundo que a vida reflete. A
visão de mundo que esse povo tem é o quadro que elabora das coisas
como elas são na simples realidade, seu conceito de natureza, de si
mesmo, da sociedade. Esse quadro contém suas idéias mais
abrangentes sobre a ordem”.
Muito provavelmente todo habitante da cidade de São Sebastião do Rio de
Janeiro já teve algum contato com a religiosidade afro-brasileira; seja ou não adepto
dessas religiões, alguns objetos com os quais já cruzou nas esquinas das ruas, nas praias
ou nas cachoeiras foram prontamente identificados como pertencentes a elas. O
“respeito”, o “medo” ou a “evitação” mantida em relação a esses objetos representa a
existência de certos significados comuns tanto aos iniciados como aos não iniciados
nessas religiões. Maggie (1992:21) expressa muito bem esta relação de evitação com
determinados objetos, reconhecidos como pertencentes às “macumbas”, na seguinte
cena:
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das RepresentaçõesSobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
Marcelo Vidaurre Archanjo
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“Não há pessoa que passe pelo Rio de Janeiro sem reparar nos
despachos, velas e oferendas nas praias, cachoeiras e parques. As
oferendas insistem em estar presentes, apesar de quase sempre às
escondidas. As mães não deixam os filhos pequenos mexerem
naquelas coisas perigosas. Ninguém esquece o medo infantil ao ver
vela, galinha preta, pele de cobra seca, alguidar com farofa, panos
vermelhos e pretos, garrafas de cachaça na esquina de casa.”
A existência do reconhecimento de que certos objetos são de “macumba”,
também quer dizer que certos conhecimentos e linguagens são partilhados por diferentes
extratos da população. No dizer de Berger e Luckmann (1987:57), “o destacamento da
linguagem consiste muito mais fundamentalmente em sua capacidade de comunicar
significados que não são expressões diretas da subjetividade “aqui e agora””.
Podemos, através da linguagem, tornar presentes e falar de assuntos dos quais nunca
tivemos experiência direta. Isto ocorre em razão da participação comum no “acervo
social disponível do conhecimento” (idem; idem:62). 
Quando iniciei essa pesquisa, o meu conhecimento sobre religiões afro-
brasileiras se dava principalmente através dos meios de comunicação de massa (filmes,
jornais, revistas, livros), ou então das festas de final de ano nas praias cariocas, onde
inevitavelmente acabava vendo alguns religiosos em transe (mesmo sem “entender”
nada do que estava acontecendo, mas evidentemente tecendo considerações e
representações).
Certo dia me perguntei sobre a origem das opiniões que possuía a respeito dessas
religiões, já que nunca tinha ido a nenhum centro ou terreiro antes de iniciar as
pesquisas. Percebi então a existência daquilo que Velho (1978) denomina como
familiaridade e que distingue de conhecimento. Em uma sociedade complexa como a
nossa, onde a “vida social é fragmentada e totalmente plural” (Maffesoli; 1984:11), e
onde diversos grupos coexistem próximos uns aos outros, inevitavelmente temos a
ilusão de conhecer aqueles dos quais estamos fisicamente próximos ou com os quais
estamos familiarizados. 
Park (1970:169-171) distingue entre o que ele define como “conhecimento de”
e “conhecimento acerca de”. O primeiro tipo de conhecimento é o que adquirimos no
dia-a-dia com o mundo em que vivemos, “é o conhecimento que adquirimos mais
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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através do uso e do hábito do que de qualquer espécie de investigação formal ou
sistemática”. O outro tipo de conhecimento é formal, racional e sistemático; ‘baseia-se
na observação e no fato, mas no fato verificado, rotulado, sistematizado e, finalmente,
ordenado nesta e naquela perspectiva, segundo o propósito e o ponto de vista do
investigador”.
Usualmente os meios de comunicação de massa, e em especial os jornais, nos
dão a impressão de que conhecem aqueles sobre os quais estão falando, quando na
maioria das vezes apenas transmitem estereótipos. Eles se utilizam justamente de um
estoque de conhecimento que é comum aos membros de uma determinada sociedade,
para transmitir informações que atinjam e que sejam compreendidas pelo maior número
possível de pessoas (no caso específico leitores), promovendo o que denomino de
“cristalização de estereótipos”.
É muito comum considerar os meios de comunicação de massa como detentores
de um enorme poder de persuasão. Sempre se imagina e tenta-se medir o tamanho e a
eficácia deste poder. Poder este que é representado como dotado de grande capacidade
de convencimento. Uma das questões colocadas diz respeito a entender se, no caso de
um jornal, esse convencimento - entendido como formação de opiniões - realmente
estaria sendo exercido sobre questões do dia-a-dia de uma determinada população, de
acordo com o perfil e o gosto do seu público leitor. De acordo com Thompson
(1995:12) existe um estrito relacionamento entre as formas simbólicas e os contextos
sociais dentro dos quais elas são produzidas, transmitidas, recebidas e interpretadas.
Na análise de um jornal deve-se considerar antes de tudo que toda notícia é uma
mercadoria consumida no momento de sua leitura. E “para ser consumido como
mercadoria que é, o jornal tem que atender às necessidades de seus leitores, tem de
falar de coisas que os leitores queiram saber, e, lendo, sejam capazes de compreender”
(Dantas, 1989: 10); além de poderem abalizar suas “certezas” e pontos de vista.
Existem muitas maneiras possíveis de se analisar um determinado material
jornalístico, segundo o objetivo a que se almeja chegar.
Uma maneira possível de se ler um jornal é através da abordagem que o
considera como um registrador de fatos que acontecem no dia-a-dia da cidade e do
mundo; tomá-lo como um puro banco de dados (idem; idem:13). Através dessa leitura o
jornal informa, imparcialmente, sobre aquilo que aconteceu ou está acontecendo na
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
Marcelo Vidaurre Archanjo
15
sociedade. Busca justamente “apresentar a realidade dos fatos”, colocando-se como um
mero meio que amplia os órgãos sensórios, perceptivos e experienciais do leitor.
Um outro tipo de abordagem, como por exemplo em Goldenstein (1987; 1992),
analisa o material jornalístico utilizando o conceito de “Indústria Cultural” - Adorno e
Horkheimer - , procurando com seu uso compreender “o processo pelo qual um
determinado jornal se torna parte da indústria cultural” (Goldenstein; 1987:30).
Segundo o ponto de vista que utiliza, o desenvolvimento dos meios de comunicação de
massa, assim como o desenvolvimento de seus produtos, estão submetidos “às
determinações mais amplas da sociedade capitalista em seu movimento histórico”
(idem; idem:22).
A primeira pergunta que ela faz frente ao material que analisa é a seguinte: Qual
a natureza da relação entre a mensagem jornalística e a empresa? Se a mensagem estiver
submetida à lógica da empresa, é um caso típico da indústria cultural. Se, por outro
lado, é a própria mensagem que articula os demais componentes do jornal, pergunta
sobre a configuração social em meio à qual surge o jornal, como se imbrica nela e a
relação estabelecida entre o destino do jornal e o movimento da sociedade.
A autora define “Industria Cultural” como “um conjunto de complexos
empresariais, altamente concentrados do ponto de vista técnico e centralizados do
ponto de vista do capital, que produzem e distribuem em grande escala, empregando
métodos muitas vezes (mas nem sempre) marcados por um alto grau de divisão do
trabalho, baseados em fórmulas, e tendo em vista a rentabilidade econômica, objetos
culturais” (idem; 1992:18).
É possível também abordar um determinado material jornalístico a partir da
maneira como ele molda os acontecimentos sociais. Herzlich e Pierret (1992) realizam
uma pesquisa sobre a construção, por determinados jornais franceses, do “fenômeno
social AIDS”. Seu objetivo é acompanhar a maneira como é anunciada à sociedade o
surgimento de uma nova patologia, e perceber os efeitos da circulação de informações
entre grupos que pouco a pouco se consideraram afetados e se mobilizaram a partir
dessas informações. O que importa inicialmente às autoras é reconhecer o papel
fundamental da comunicação de massa: “o de criar um acontecimento na consciência
dos atores sociais e, mais amplamente, o de cristalizar as relações que se instauram a
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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16seu respeito” (idem; idem:10). Para as autoras, um elemento essencial na compreensão
do fenômeno estudado é sua dimensão temporal.
Dentre essas diferentes formas de abordagem a um material jornalístico, a que é
utilizada por Dantas talvez seja a que mais se aproxima da que tentarei utilizar nesse
trabalho. Para Dantas (1989:14):
“Um jornal contém mais do que fatos e construções políticas de fatos.
Um jornal é produzido para ser consumido. E este consumo se dá no
momento em que o indivíduo, através da leitura, absorve seu
conteúdo. Existe, portanto, entre o jornal e o leitor uma linguagem
que tem de ser comum a cada um dos lados, para que ocorra a
comunicação. A comunicação acontece porque o jornal codifica uma
determinada realidade em sinais que por sua vez são decodificados
pelo leitor, permitindo, assim, a esse último a reconstrução mental da
realidade transmitida. . . . Para haver a comunicação é necessário
que haja um consenso jornal/leitor não apenas no que se refere aos
sinais (a língua), mas aos seus significados, ou seja, é necessário um
consenso simbólico, uma linguagem comum”.
Particularmente importa na mensagem jornalística o que se pode perceber sobre
a sociedade que a produz, através da própria mensagem; a notícia sendo, antes de tudo
uma representação3, uma manifestação cultural, um produto coletivo a nos informar
sobre o ethos e a visão de mundo dessa sociedade, ou pelo menos do público
consumidor de determinado jornal.
Pode-se então utilizar o jornal como manancial e veículo de representações que
a própria sociedade constrói de si mesma, e que são “cristalizadas” em forma impressa.
Acredito que o poder desse veículo de comunicação de massa está justamente em sua
capacidade de captar as representações elaboradas pela sociedade ou por determinado
grupo social, mas que se encontram difusas no ethos e na linguagem, e em dar-lhe uma
forma que é altamente valorizada na sociedade contemporânea, a escrita.
3 Em Durkheim (1994:41): “A sociedade tem por substrato o conjunto de indivíduos associados. O
sistema que eles formam, unificando-se, varia segundo sua própria disposição sobre a superfície do
território, a natureza e o número de vias de comunicação, tudo o que constitui a base sobre a qual se
edifica a vida social. As representações, que são sua trama, originam-se das relações que se
estabelecem, tanto entre os indivíduos, de tal forma combinados, quanto entre os grupos secundários que
se interpõem entre o indivíduo e a sociedade total.”
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
Marcelo Vidaurre Archanjo
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Becker (1994:137) se refere aos modos de representação dizendo que eles
passam a fazer mais sentido quando são visto num “contexto organizacional”, ou seja,
“como maneiras que as pessoas usam para contar o que pensam que sabem, para
outras pessoas que querem sabê-lo, como atividades organizadas moldadas pelo
esforço conjunto de todas as pessoas envolvidas”. Esta definição de Becker é
interessante por relativizar justamente a idéia de que os meios de comunicação
subordinam seus usuários com idéias e imagens. Ao invés disso, os meios de
comunicação dialogam com seus usuários, porque falam, ou procuram falar, do que eles
querem saber. 
A essa valorização da escrita acrescente-se a prática cotidiana da leitura do
jornal, ritual ao qual recorre-se para saber das “coisas que se passam”. Isto acontece
graças ao “efeito de apresentação da realidade” que é criado pelo jornal ao “colocar-se
como “meio” através do qual os fatos seriam transmitidos ao público” (Serra;
1980:17).
Como diz Rui Barbosa (1990:37-38), em conferência editada no ano de 1920, e
que representa bem a maneira como intelectuais e políticos do começo do século
pensavam o papel a ser desempenhado pelos meios de comunicação de massa na
construção de um Brasil moderno: “a imprensa é a vista da Nação. Por ela é que a
Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe . . .Sem vista mal se vive. Vida
sem vista é vida no escuro, vida na soledade, vida no medo, morte em vida . . .Mas a
imprensa, entre os povos livres, não é só o instrumento da vista, não é unicamente o
aparelho do ver, a serventia de um só sentido. Participa, nesses organismos coletivos,
de quase todas as funções vitais. É, sobretudo, mediante a publicidade que os povos
respiram . . . Entre as sociedades modernas, esse grande aparelho de elaboração e
depuração reside na publicidade organizada, universal e perene: a imprensa”.
Neste mesmo sentido de pensar, Alceu Amoroso Lima (1990) em texto
publicado em 1958, pretende ver a prática jornalística através de seus aspectos estéticos
e literários. O autor quer entender o jornalismo como um gênero literário, uma espécie
de literatura em prosa de apreciação de acontecimentos (idem; idem: 41). Koshiyama
(1990:11) chama a atenção para o fato de que as definições de Alceu Amoroso Lima
sobre o jornalismo, deveriam abrir “nossos olhos para a observação do fenômeno
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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jornalismo enquanto atividade quotidiana”. Atividade que oferece “a ilusão de saber e
está presente de modo dominante em nossas vidas cotidianas” (Koshiyama; 1990:21).
No final do século passado, Nina Rodrigues já chamava a atenção para a
maneira como eram tratados pela imprensa, não só da Bahia como também de outros
Estados, os cultos afro-brasileiros. Para ele a imprensa revelava uma desorientação não
só no modo de tratar o assunto, como também nas atitudes que defendia a serem
tomadas pela polícia (Rodrigues; 1988). Nina Rodrigues (idem:239) em texto publicado
em 1933 lamenta que:
“. . . a imprensa local revele, entre nós, a mesma desorientação no
modo de tratar o assunto, pregando e propagando a crença de que o
sabre do soldado de polícia boçal e a estúpida violência de
comissários policiais igualmente ignorantes hão de ter maior dose de
virtude catequista, mais eficácia como instrumento de conversão
religiosa do que teve o azorrague dos feitores”.
O conjunto de notícias que Nina Rodrigues diz possuir, cobrem os anos de 1896-
1905, e constituiriam apenas um pequeno extrato do total que recolheu na imprensa de
diversos pontos do país.
Depois dele, em 1904, o cronista carioca João do Rio reuniu em sua obra
“Religiões do Rio” uma série de reportagens sobre as religiões existentes na então
capital federal. Dedica nesta obra cinco capítulos aos cultos afro-brasileiros. Em suas
próprias palavras, “não há ninguém cuja vida tivesse decorrido no Rio sem uma
entrada nas casas sujas onde se enrosca a indolência malandra dos negros e das
negras” (Rio; 1951:34). É em torno do feitiço, “o nosso vício, o nosso gôzo, a
degradação” (Rio; 1951:35), que se constitui uma intrincada rede de relações sociais
envolvendo diferentes segmentos da sociedade carioca. Em João do Rio já podemos
perceber que as representações sobre os cultos afro-brasileiros eram compartilhados por
toda a população carioca (Maggie, 1992 e Teixeira,1986).
Contins e Goldman (1984) acompanham o noticiário sobre um assassinato
ocorrido na cidade do Rio de Janeiro que relaciona os cultos afro-brasileiros e a
sociedade abrangente. A partir da observação das repercussões deste caso em dois
jornais cariocas de grande circulação (“O DIA” e “O GLOBO”) realizam um trabalho
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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de análise de discursos. Do ponto de vista dos autores, esses discursos são parte
constituinteda relação entre os cultos afro-brasileiros e a sociedade como um todo.
A hipótese básica dos autores é que a ambigüidade da Umbanda, “incorporada
como elemento de autodefinição de uma certa “identidade nacional”. . . encontra a
contrapartida dessa função nas constantes acusações a que é submetida, encarada
como manifestação de certos problemas sociais (“primitivismo”, “selvageria”,
“atraso”, etc. . .) ou mesmo individuais (perturbações mentais, desajustes psico-
sociológicos, etc. . . ) . . . . responde pelo caráter incerto e também ambíguo de sua
classificação socialmente atribuída no Brasil.” (idem; idem:123).
Acredito que para uma melhor compreensão deste tipo de notícia, presente em
jornais brasileiros desde o século passado, é necessário compreender os significados
socialmente construídos em torno da “macumba”. Pois é principalmente em relação
com esse termo (“macumba”) que se constróem as notícias onde os cultos afro-
brasileiros de uma maneira genérica são percebidos como atividades criminosas e/ou
como sinônimo de atraso e degenerescência (Capítulo II).
Entendo que para compreender o significado do que vem a ser a “macumba” no
Rio de Janeiro, não se pode deixar de relacioná-la com o surgimento e a organização da
Umbanda. Foi na cidade de Niterói que em meados da década de 20 se fundou o
primeiro centro de Umbanda. Em 1938 este centro se mudou para a área central da
então Capital Federal. Seus membros “provinham predominantemente dos setores
médios. Trabalhavam no comércio, na burocracia governamental, eram oficiais de
unidades militares; o grupo incluía também alguns profissionais liberais, jornalistas,
professores e advogados, e ainda alguns operários especializados” (Brown; 1985:11).
Brown considera que a umbanda servia como meio para a classe média expressar seus
interesses de classe, suas idéias sociais e seus próprios valores.
A primeira Federação de Umbanda foi fundada por Zélio de Moraes e outros
líderes umbandistas em 1939, com o nome de União Espírita Umbandista do Brasil
(UEUB) e tinha como objetivo principal dar proteção aos centros a ela filiados. Em
1941 essa Federação organiza o primeiro Congresso de Umbanda no Rio de Janeiro. Em
1949 esta mesma Federação lança uma publicação mensal, o “Jornal de Umbanda”, que
dava cobertura a eventos nacionais e regionais de umbanda, apresentava artigos e
debates sobre doutrina e ritual, além de fazer resenhas de livros e periódicos sobre
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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Umbanda, que começavam a aparecer em grande número neste período. Durante as
décadas de 50 e 60 este jornal foi o principal órgão de divulgação da umbanda. 
Ainda durante a década de 50, seis outras federações foram criadas na capital da
República. Uma dessas federações (Federação Espírita Umbandista), sob a liderança de
Tancredo da Silva Pinto, defendia uma “forma de umbanda de orientação africana”, e
sua liderança era composta basicamente por pessoas provenientes das camadas sociais
mais baixas, muitos deles sendo negros e mulatos.
Tancredo da Silva Pinto foi, junto com outros líderes de federações de umbanda,
autor de diversos livros sobre umbanda de estilo africano. Neste período ele consegue
uma coluna semanal em um dos jornais de maior circulação no Rio de Janeiro, “O
DIA”. De propriedade do político populista Chagas Freitas, o jornal é utilizado como
meio de propaganda para captação de eleitores; e a umbanda, com seus milhares de
fiéis, é uma excelente fonte de eleitores.
Dirigido para a grande massa de trabalhadores do município do Rio de Janeiro,
as reportagens do “O DIA” versavam principalmente sobre violência e criminalidade.
No “O DIA”, o cotidiano da cidade de São Sebastião é profundamente marcado por uma
atmosfera caótica e sanguinolenta. 
O jornal “O DIA”, além de reservar um lugar especial para a divulgação da
doutrina umbandista, também possuía um lugar próprio para as “macumbas” - as
páginas policiais. O que temos observado em diversos meios de comunicação de massa
no Brasil, ao longo deste século, é a constante associação da religiosidade afro-brasileira
com a criminalidade e/ou com a violência (Archanjo; 1995). Jornais, revistas, livros,
filmes; textos que nos mostram as “macumbas” como locais privilegiados para irrupção
da desordem.
Não se trata, enfim, de analisar o jornal como se constituísse um conjunto, uma
obra, mas antes como uma “cena” presente no imaginário social brasileiro. Pode-se
observar esta “cena” em materiais literários, jornalísticos, na música, nos sonhos; nas
sombras das esquinas nas metrópoles brasileiras, no alto dos morros e nas periferias.
Essas imagens são conjugadas a fim de imprimir um misto de horror e fascínio ao
brasileiro morador nos grandes centros urbanos. A “cena da macumba” implica
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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necessariamente na realização de algum tipo de sortilégio4, de um crime, uma morte,
enfim, algum tipo de ação que é considerada como transgressora. 
Os estereótipos incidentes tanto sobre as religiões afro-brasileiras como sobre a
população negra, na visão de Teixeira (1995:45-46), são uma maneira da sociedade
brasileira pensar e classificar-se:
“É óbvio que ser negro é diferente de ser do Santo ou
“macumbeiro”, porém existem elementos que aproximam ambas
as identidades, contribuindo para um conjunto comum de
experiências. Esta comunhão de caráter amplo e contrastivo é que
delimita um lugar social adequado, tanto para a primeira, quanto
para a segunda identidade; isto é, ajuda a evidenciar diferença(s)
e erigir fronteiras. Fronteiras estas que, para os do Santo,
especialmente grupos e indivíduos do Candomblé, se encontram
marcadas pelas seguintes características atribuídas, assumidas
e/ou introjetadas:
- objeto de discriminação enquanto forma religiosa anímica e
atrasada, coisa de negros boçais, capaz de produzir efeitos
nefastos nos adeptos (escola N.Rodrigues) e de contribuir para a
patologia social, sobretudo no que diz respeito a distúrbios
mentais (eclosão de várias perturbações como a histeria, vista
como diretamente relacionada à possessão);
- objeto de perseguições, por estar em oposição ao credo
hegemônico católico e contribuir para a organização e revolta de
segmentos importantes da população das grandes cidades como
Salvador (Reis, 1986;1988) e Rio de Janeiro (Maggie,
1988;1992), o que faz com que os participantes das comunidades
de culto se digam católicos, escondendo sob esse rótulo suas
crenças);
4 “Sortilégio II (mistério negro de Zumbi redivivo)” é o título do livro de Abdias do Nascimento (1979),
fundador e diretor do Teatro Experimental do Negro, no Rio de Janeiro, entre os anos de 1944 a 1968.
Este livro foi escrito em 1951, mas só estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 1957 após longa
batalha com a censura da época. Nele Abdias conta a história do Dr. Emanuel, advogado, jovem e negro,
que acaba de assassinar sua jovem esposa, a branca Margarida, após descobrir que ela o traía. Após matar
a esposa, Emanuel fugindo da polícia sobe o morro e acaba se vendo no meio de uma “macumba”, de
onde só sairá depois de morto. Achei interessante observar que Abdias reúne neste drama elementos que
também se encontram no “O DIA” - a relação direta entre “macumba”, favela, negro e assassinato.
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- objeto de medo, pois a crença no feitiço e na potencialidade
mágica das religiões afro, genericamente denominadas de
“macumba”, é algo disseminado emtodo imaginário social, como
mostrado por Rio (1904/1951), Marques (1897) e vários outros
literatos, e mais recentemente, por Maggie (1988) quando analisa
os processos de curandeirismo na justiça carioca. Além disso, o
medo também é decorrente da massa liberta em 1888, que vai
estar presente no cenário dos grandes centros urbanos e
potencialmente ameaça o poder da elite branca minoritária
(Azevedo, 1987).”
Minha hipótese principal é a de que os meios de comunicação de massa
mostram como a sociedade brasileira se pensa; as representações que ela constrói sobre
sua dinâmica sócio-cultural, na tentativa de explicar para si mesma suas desigualdades
e diferenças. Fazendo assim com que sejam “cristalizados” determinados preconceitos e
estereótipos negativos incidentes principalmente (mas não exclusivamente) sobre a
população negra. 
De acordo com o que exposto até aqui, os capítulos subsequentes desta
dissertação tratam das seguintes questões.
No primeiro capítulo abordarei os sentidos da modernidade, procurando
entender de que forma e atendendo a quais imperativos a modernidade toma corpo na
“Cidade Maravilhosa”. Serão discutidos os diferentes aspectos das interrelações entre a
noção de progresso e o ambiente urbano, vendo de que forma essas noções exprimem
hierarquias e conflitos sociais, assim como marcam as diversas identidades religiosas.
O segundo capítulo é uma “leitura” da produção acadêmica sobre a religiosidade
afro-brasileira, enfocando principalmente os diferentes sentidos dados ao termo
“macumba”.
O terceiro e quarto capítulos tratam especificamente do material recolhido no
jornal “O DIA” da década de 50 que faz referência às religiões afro-brasileiras; os dois
capítulos são uma etnografia do material jornalístico, analisada à luz da teoria
antropológica.
Finalizarei esta dissertação com um breve capítulo de Considerações Finais onde
aponto algumas possíveis continuações deste trabalho. 
Após este capítulo estão as Referências Bibliográficas consultadas. 
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CAPÍTULO 01
“Uma Visão De Modernidade 
e a ‘Cidade Maravilhosa’ ”
“E a novidade que seria um sonho
O milagre risonho da sereia
Virava um pesadelo tão medonho
Ali naquela praia, ali na areia . . “.
(GILBERTO GIL – “A Novidade”)
P 
ara Giddens (1991:11), modernidade “refere-se a estilo, costume de vida ou
organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que
ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência”. Segundo
Rouanet (1994:11) podemos tomar como ponto de partida da modernidade
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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contemporânea “as duplas revoluções, a Industrial Inglesa e a Política Francesa, nos
fins do século XVIII”. Característica desta modernidade é a sua capacidade de
“mundializar-se”. Rouanet parte da definição de Weber de que a modernidade
corresponde a uma “construção estritamente sistêmica e descritiva” (idem:41), de que
ela “é aquilo que é, e não aquilo que deveria (ou não deveria) ser” (idem:42). Uma
situação onde não existe nenhum elemento normativo. Rouanet define então a
modernidade não só como um sistema que funciona de maneira ótima, mas antes de
tudo como “aquela configuração histórico-social, onde, além de haver um desempenho
sistêmico satisfatório, há, também, uma estrutura de fins” (idem:42). Assim, a
modernidade não se caracteriza apenas por ser um sistema que funciona bem, mas antes
de tudo por ser um modelo, “um objetivo ideal, ligado a uma estrutura de fins”
(idem:43).
No entender de Rouanet (idem:45-46) o sistema weberiano enfatiza
principalmente o conceito de eficiência funcional. A idéia de Rouanet é introduzir na
discussão um conceito de modernidade que possua aspectos normativos e teleológicos, e
não simplesmente funcionais. Ele pressupõe que a proposta iluminista de modernização
do mundo dê conta dessa estrutura de fins que faltaria em Weber. O iluminismo propõe
entre outras coisas: que o sistema econômico moderno seja funcional; que seja abolido o
sistema monárquico de governo, devendo ser substituído por um sistema de maior
eficiência; e a existência de liberdade de crítica cultural frente à religião. “Em todas as
dimensões onde Weber via apenas o conceito de eficiência sistêmica, a ilustração
acrescenta o objetivo da autonomia, tanto para o homem como para a sociedade como
um todo”.
O importante para a modernização de uma sociedade é perceber se ela possui um
“telos, um ideal, uma virtualidade, que não se concretizou ainda. A modernidade não é
o que já somos, mas tudo aquilo que poderemos ser - o que ainda não ocorreu, mas que
depende de nós que venha a ocorrer” (idem; idem:46).
Definindo desta forma a modernidade como um tipo de relação social que
fundamentalmente depende da ação humana, ou seja, os acontecimentos do mundo não
seriam mais a expressão de uma tutela divina.
A definição de Alain Touraine (1995:09) expressa este pensar:
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“A idéia de modernidade, na sua forma mais ambiciosa, foi a
afirmação de que o homem é o que ele faz, e que, portanto, deve
existir uma correspondência cada vez mais estreita entre a
produção, tornada mais eficaz pela ciência, a tecnologia ou a
administração, a organização da sociedade, regulada pela lei e
a vida pessoal, animada pelo interesse, mas também pela
vontade de se libertar de todas as opressões.”
A correspondência de cultura científica, sociedade ordenada e indivíduos livres
só se torna possível graças a existência de uma razão triunfante. Mas triunfo sobre o
que? Sobre tudo aquilo que vem a ser designado como “tradição”, e que é igualado à
“dócil escravidão” (Berman; 1986:24). Para Berman, estariam amontoadas de um lado
todas as tradições da humanidade, e de outro, fazendo oposição, uma modernidade
concebida como libertadora.
Boaventura de Sousa Santos (1996:77-78) diz que a modernidade se assenta
basicamente sobre dois pilares - o pilar da “regulação” e o pilar da “emancipação”. O
pilar da regulação é constituído por três princípios, formulados a partir das obras e das
idéias de três grandes pensadores modernos (princípio do Estado - Hobbes; princípio do
mercado - Locke; princípio da comunidade - Rousseau). O outro pilar, da emancipação,
“é constituído por três lógicas de racionalidade: a racionalidade estético-expressiva da
arte e da literatura; a racionalidade moral-prática da ética e do direito; e a
racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e da técnica”. As infinitas
possibilidades da modernidade, estariam calcadas justamente nas correspondências e
interrelações entre os dois pilares e seus respectivos princípios ou lógicas. Em razão
disso, uma das características mais marcantes da modernidade é justamente o seu
excesso de promessas conjugado a um sempre presente déficit de cumprimento.
No entender de Giddens (1991:45) o que usualmente é chamado de “razão
libertadora” ele vem a designar como “reflexividade”: 
“A reflexividade da vida social moderna consiste no fato de que
as práticas sociais são constantemente examinadas e
reformadas à luz de informação renovada sobre estas próprias
práticas, alterando assim constitutivamente seu caráter.”
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações SobreReligiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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Por isso mesmo, a modernidade é percebida como um conjunto de
descontinuidades, de constantes rupturas com tipos de ordens sociais identificadas como
tradicionais. Para Alain Touraine (1991:11):
“A modernidade pode ser definida pela destituição das ordens
antigas e pelo triunfo da racionalidade objetiva ou
instrumental.”
É a partir desta razão instrumental que serão planejadas as mudanças no
panorama das cidades que pretendem acolher a modernidade. Com princípios
totalmente diferentes dos que organizavam as cidades pré-modernas, o urbanismo
moderno surgiu como uma nova maneira de conceber e ordenar o espaço e o tempo.
Uma nova perspectiva se mostrava para os homens: terem o poder de planejar e
construir o seu próprio futuro. 
“É no espaço urbano que ganha universalidade o sentido da
cidadania. É na cidade portanto que se discute, se critica e se
vivencia a experiência da modernidade.” (Bomeny; 1991:149)
As cidades modernas são o palco onde se operam todas as principais
transformações sociais que designamos por modernidade. Produto da intervenção
humana sobre a natureza, as cidades modernas registram em sua história os valores e
aspirações da modernidade. Na visão de Bomeny (idem:150), as cidades modernas
representam “uma decisão do espírito de empreendimento que registra na paisagem
virgem a mão do homem.”
Apesar de ser o local privilegiado para o exercício de uma razão planificadora, a
cidade moderna também pode ser percebida como o lugar de manifestação do
inconsciente, uma vez que no mundo contemporâneo os discursos se voltam cada vez
mais para a construção da interioridade pessoal. Basta percebermos a proliferação de
discursos sobre a alma, a psique, durante o decorrer do século XX. Discursos que visam
tratar ou então oferecer soluções para “o mal-estar na civilização”; mal-estar que se
observa principalmente no dia-a-dia das grandes metrópoles. O diagnóstico de Hillman
(1993:110) sobre a polis moderna é muito interessante; ele aponta que:
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“O que uma vez já foi o ‘inconsciente’, manifestando-se como um ato
falho, agora está na boca do povo. Onde somos mais incapazes,
aquilo do que mais sofremos e pelo que mais nos anestesiamos, isto é
reprimimos – com protetores de ouvido, trancas nas portas, álcool,
aparelhos eletrônicos de alta-fidelidade, café e consumismo -, é o
mundo exterior, a polis. Retiramos a psique de lá e ficamos
inconscientes no que diz respeito a ela; a polis é o inconsciente.
Tornamo-nos pacientes e analistas superconscientes, indivíduos muito
atentos e extremamente interiorizados, e cidadãos muito
inconscientes”. 
Essa inconsciência do cidadão das cidades modernas transforma-o em massa,
esse “referente esponjoso, . . . realidade ao mesmo tempo opaca e translúcida, . . . esse
nada” (Baudrillard; 1993:10), que tem como características principais a de não ser boa
condutora nem do social, nem do político, nem do sentido em geral. “Tudo as
atravessa, tudo as magnetiza, mas nelas se dilui sem deixar traços” (idem). Para
Baudrillard, é enquanto instância que se caracteriza mais pelo que absorve, por ser força
de inércia, neutra, que as massas são vistas como característica da nossa modernidade.
O poder de intervir cada vez mais sobre a natureza torna-se a principal referência
para o habitante da cidade moderna. Um poder que não é, contudo, exercido por esse
habitante enquanto cidadão, mas sim por aqueles que detêm o poder de decidir e de
expressar publicamente sua decisão – dos que falam, em oposição a essa “maioria
silenciosa” de que nos fala Baudrillard (idem). Ainda assim, “o ideal do progresso
considerado em si, afastando os aspectos contraditórios de todo progresso, fez da
dominação da natureza o novo referente maior” (Maffesoli; 1981:141). Portanto a
noção de progresso, tornada a “fábula fundamental do Ocidente” (Durant; 1975 in
Maffesoli; idem:141) vai direcionar toda e qualquer mudança que venha a ocorrer na
cidade, em suas ruas e construções. Não é sem razão que o século XX pode ser visto
como o período que apresenta um enorme crescimento das cidades em todo o mundo.
A complexa organização das cidades modernas reside basicamente na divisão do
trabalho. A interdependência dos homens torna-se vital nas sociedades industriais
modernas. Cada indivíduo exerce sua especialização e ocupa o seu lugar a partir das
suas atividades. “O século XVIII exigiu a especialização funcional do homem e seu
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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trabalho; essa organização torna um indivíduo incomparável a outro e cada um deles
indispensável na medida mais alta possível. Entretanto, esta mesma especialização
torna cada homem proporcionalmente mais dependente de forma direta das atividades
suplementares de todos os outros” (Simmel; 1976:11). 
Para Lévi-Strauss (1980:62) a definição da noção de progresso pode ser feita
observando-se que os “saltos não consistem em ir sempre mais longe na mesma
direção”; não é tanto um somatório de avanços contínuos, de ganhos crescentes, mas
sim - à maneira do jogo de xadrez - lances que quando dados implicam ao mesmo
tempo em ganhos e perdas.
A noção de progresso vai intervir não só sobre a nossa percepção do espaço
urbano, mas também (e principalmente) sobre a nossa percepção e vivência das relações
humanas. O “outro” urbano é sempre referido, de alguma forma, ao grau de integração
com as próprias atividades exercidas pelo eu. “Os relacionamentos e afazeres do
metropolitano típico são habitualmente tão variados e complexos que, sem a mais
estrita pontualidade nos compromissos e serviços, toda a estrutura se romperia e cairia
num caos inextrincável. Acima de tudo, esta necessidade é criada pela agregação de
tantas pessoas com interesses tão diferenciados, que devem integrar suas relações e
atividades em um organismo altamente complexo” (Simmel;1976:14-15).
A cidade moderna tem muitas vozes, “uma multiplicidade de vozes autônomas
que se cruzam, relacionam-se, sobrepõe-se umas às outras, isolam-se ou se
contrastam” (Canevacci; 1993:17). Ela é polifônica, e como conseqüência permite
diversos e diferentes modos de percebê-la, segundo a posição no tempo e no espaço do
observador. Isto acaba por gerar uma multiplicidade de representações possíveis; entre
elas temos, por exemplo, as que são difundidas através dos meios de comunicação de
massa (jornais, rádios, televisão, etc).
É possível dizer que existe nas cidades modernas uma “fé no futuro” que mede
todas as coisas (e pessoas) através do grau de utilidade na realização desta mesma fé. O
progresso é apreendido como a manifestação, “até as últimas conseqüências, da razão
humana na construção da cidade” (Maffesoli; 1981:146). Na cidade moderna, a divisão
do trabalho implica em que todos dependem em algum grau do outro.
“O ideal de cidade moderna constrói-se sobre um princípio de
autonomização de relações, e inclusive no fato de que seu
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habitante é um homem que não supre suas necessidades com o
cultivo próprio.” (Bomeny; 1991:149).
Através da transformação das coisas em redor e da autotransformação pessoal, a
modernidade perpassa todas as dimensões da existência social; “um tipo de experiência
vital - experiência de tempo e espaço, de si mesmo e dos outros, das possibilidades e
perigos davida” (Berman; 1986:15). Ao mesmo tempo que desejamos a mudança, se
possível uma mudança contínua, nos sentimos por diversas vezes invadidos pelo terror
de um mundo que se desfaz diante de nossos olhos. O panorama da modernidade é
muito bem desenhado por Berman (idem:16) na introdução de seu livro “Tudo que é
sólido desmancha no ar” com as seguintes palavras:
“O turbilhão da vida moderna tem sido alimentado por muitas
fontes: grandes descobertas nas ciências físicas, com a
mudança da nossa imagem do universo e do lugar que
ocupamos nele; a industrialização da produção, que transforma
conhecimento científico em tecnologia, cria novos ambientes
humanos e destrói os antigos, acelera o próprio ritmo da vida,
gera novas formas de poder corporativo e de luta de classes;
descomunal explosão demográfica, que penaliza milhões de
pessoas arrancadas de seu habitat ancestral, empurrando-as
pelos caminhos do mundo em direção a novas vidas; rápido e
muitas vezes catastrófico crescimento urbano; sistemas de
comunicação de massa, dinâmicos em seu desenvolvimento, que
embrulham e amarram, no mesmo pacote, os mais variados
indivíduos e sociedades; Estados nacionais cada vez mais
poderosos, burocraticamente estruturados e geridos, que lutam
com obstinação para expandir seu poder; movimentos sociais
de massa e de nações, desafiando seus governantes políticos ou
econômicos, lutando por obter algum controle sobre suas vidas;
enfim, dirigindo e manipulando todas as pessoas e instituições,
um mercado capitalista mundial, drasticamente flutuante, em
permanente expansão.”
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Segundo a concepção de Balandier (1991:24-25), a modernidade é produzida
pelo movimento de “uma passagem aos extremos”, ela “embaralha as cartas”, isto é,
ela é desconcertante por tudo aquilo que ela faz surgir de inédito, ao mesmo tempo que
reage ao passado. Ela (a modernidade) faz coexistir formações sociais e culturais de
idades diferentes, porque acelera as mudanças e os processos que regem a vida das
sociedades. Os “geradores de mudança” da ordem social (tecnologia; ciência;
organização; cultura), tornam-se cada vez mais operantes, ao mesmo tempo em que
impõe-se a necessidade de constantemente escolher um dentre os futuros possíveis
(Idem; 1976).
No decorrer do século XX, esse conjunto de circunstâncias que caracterizam a
modernidade assumiram contornos específicos em relação à diferentes nações. De uma
forma geral o capitalismo mundial se expandiu vorazmente e levou as transformações e
os problemas do mundo moderno para os países periféricos, alterando suas estruturas
sócio-culturais. 
No Brasil do final do século XIX e começo do século XX, mais especificamente
na sua Capital Federal, profundas transformações foram realizadas no ambiente urbano.
Abertura de amplas avenidas, derrubada de morros para realização de aterros,
demolição de prédios, transferências de populações para áreas mais afastadas do centro
comercial e financeiro; tudo isso com o objetivo de dar a cidade do Rio de Janeiro uma
imagem dita moderna. É o tempo dos grandes projetos urbanísticos.
 “. . . os grandes alargamentos, rasgos e transformações que
deram ao Centro a cara que tem hoje aconteceram neste
século.” (Torres; 1996:30).
Fleiuss (1928:227), historiador do Instituto Histórico Brasileiro, descrevia o Rio
de Janeiro do final do século passado como um lugar “maravilhoso”, “pintado pelo
próprio Architecto da Natureza”, mas que possuía “ruas estreitas e tortuosas e as
antigas casas de estylo feio e forte”. Do ponto de vista do referido autor, após passar
por todas as reformas, “tantos foram os melhoramentos, que a cidade do Rio de Janeiro
ficou inteiramente transformada, embellezada e saneada”.
O Rio de Janeiro, como nos diz Fleiuss (1928:227-228), com uma população de
811.443 habitantes em 1906 (censo de setembro de 1906), em 1920 atingia a marca de
1.157.873 habitantes (censo de setembro de 1920). Ou seja, de 1906 para 1920 a
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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população havia aumentado em 43%. Deste total, 790.874 habitantes residiam na zona
urbana em 81.312 domicílios; 356.874 residiam nos subúrbios, em 48.487 domicílios; e
10.876 residiam a bordo de navios da marinha mercante e da marinha de guerra.
No período de um século, a população total do Rio de Janeiro havia se tornado
dez vezes maior. Somente algumas capitais norte-americanas - New York e Chicago -
realizaram o mesmo feito. Cidades como Paris e Londres, no mesmo período,
multiplicaram a sua população quatro vezes. A cidade do Rio de Janeiro, porém, não
acompanhava o crescimento de sua população, deixando de oferecer serviços básicos ao
seu bem estar. 
A população economicamente ativa (segundo dados do Censo 1920), cerca de
482.365 pessoas (41,6% da população), se distribuía nesta época entre as seguintes
atividades: Indústria - 154.397 (32%); Comércio - 88.306 (18%); Serviços Domésticos -
71.572 (14,9%); Transportes - 44.107 (9,1%); Administração - 35.355 (7,3%);
Exploração do Solo e Subsolo - 30.664 (6,4%); Profissões Liberais - 27.219 (5,6%);
Força Pública - 24.835 (5,2%); Capitalistas e pessoas que viviam de rendimentos -
5.910 (1,2%) .
O número de ruas e edificações também crescia rapidamente. “Em 1922, ao ser
commemorado o primeiro centenário da Independência, as ruas da cidade, que em
1828, eram em numero de 90, attingiram a cerca de 3.000. Em 1920, estavam
edificados 129.632 prédios, contra 84.375 existentes em 1906” (Fleiuss; idem:231). 
A cidade era o principal porto exportador de matérias-primas do país, além de
sede industrial, comercial e bancária. As reformas que seriam realizadas durante as
administrações dos prefeitos Pereira Passos, Amaro Cavalcanti, Paulo de Frontin e
Carlos Sampaio, foram na perspectiva de Fleiuss (idem:226), “as mais fecundas, pela
importancia e extensão das obras emprehendidas e realizadas em período
relativamente exíguo”. Estas obras visavam transformar a estrutura da cidade,
capacitando-a para receber investimentos de capital financeiro internacional que aqui
chegariam na forma de investimentos industriais.
Além de ser considerada “atrasada” para cumprir seu papel na administração
federal, a cidade do Rio de Janeiro era um foco constante de epidemias. As péssimas
condições de moradia de grande parte da população que residia nos cortiços do centro
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constituíam um ambiente propício ao desenvolvimento e à propagação de doenças
infecto-contagiosas.
Desde o ano de 1850, a febre amarela estava presente e matando na cidade do
Rio de Janeiro. Segundo ainda Max Fleiuss (idem:228), a febre amarela aqui chegou à
bordo de um navio americano procedente de Nova Orleans. No exterior, o Rio de
Janeiro se fazia conhecido como uma cidade insalubre e cheia de doenças.
O número de óbitos por febre amarela no Rio de Janeiro no ano de 1894 foi de
4.892 mortes. Esse número permite visualizar um pouco a situação precária das
condições sanitárias da cidade. Em 1903 o número de óbitos por febre amarela já tinha
diminuído para 584 pessoas. No ano de 1909 já não existiam mais mortos por febre
amarela na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. 
As obras realizadas no início do século na cidade do Rio de Janeiro,
popularmente conhecidas como “bota-abaixo”, tinham como objetivos principais:
“. . . à remodelação do porto da cidade, facilitando seu acesso
pelo prolongamento dos ramaisda Central do Brasil e da
Leopoldina; à abertura da avenida Rodrigues Alves; à
construção da Avenida Central, atual Rio Branco, unindo
diagonalmente, de mar a mar, as partes sul e norte da península
e atravessando o centro comercial e financeiro do Rio, que seria
reconstruído e redefinido funcionalmente como parte das
transformações; a melhoria do acesso à Zona Sul, que se
configura definitivamente como local de moradia das classes
mais prósperas, com a construção da avenida Beira-Mar; a
reforma do acesso à Zona Norte da cidade, assegurada pela
abertura da avenida Mém de Sá e pelo alargamento das ruas
Frei Caneca e Estácio de Sá. Além disso, inúmeras ruas
menores são abertas ou alargadas, a reforma da cidade se
completando com a ampliação dos serviços urbanos, com a
pavimentação da cidade, e com a realização de uma importante
campanha de saneamento e combate epidêmico realizada por
Osvaldo Cruz, conjugada com grandes demolições realizadas
principalmente nos bairros centrais.” (Moura; 1995:47)
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Antônio Torres (1996) também relaciona as principais transformações por que
passou esta região da cidade na primeira metade do século XX. Entre 1903-1906
ocorreu a abertura da avenida Central (atual avenida Rio Branco) com a conseqüente
desapropriação de mais de 600 prédios e o desalojamento de cerca de 14 mil pessoas. É
desse período o surgimento das primeiras favelas na cidade. Durante os anos de 1920-
1921 é derrubado o Morro do Castelo com o objetivo de realizar aterros. Em 1940 se
deu a abertura da avenida Presidente Vargas, onde também são demolidos mais de 600
prédios, tornando-se uma obra rival da avenida Rio Branco. 1955 foi o ano da derrubada
do morro de Santo Antônio. Muitas obras com um único objetivo: tornar o Rio de
Janeiro uma cidade “moderna”, um centro econômico e político atrativo aos
investimentos internacionais. A reforma do centro da cidade estava diretamente
associada com essa idéia de construção e implementação de uma sociedade “moderna”.
A proposta de tornar o Rio de Janeiro uma cidade moderna implicava
necessariamente na expulsão de grande parcela da população que residia no centro da
cidade. População essa percebida como “potencialmente perigosa, . . . eram ladrões,
prostitutas, malandros, desertores do Exército, da Marinha e dos navios estrangeiros,
ciganos, ambulantes, trapeiros, criados, serventes de repartições públicas, ratoeiros,
recebedores de bondes, engraxates, carroceiros, floristas, bicheiros, jogadores,
receptadores, pivetes . . . E, é claro, a figura tipicamente carioca do capoeira . . .
Morando, agindo e trabalhando, na maior parte, nas ruas centrais da Cidade Velha,
tais pessoas eram as que mais compareciam nas estatísticas criminais da época,
especialmente as referentes às contravenções do tipo desordem, vadiagem, embriaguez,
jogo” (Carvalho; 1987:18).
As reformas do Centro do Rio de Janeiro também expressavam o desdém com
que o Governo Republicano concebia a população. Percebida como uma multidão
agitada e propensa a tumultos, “socialmente heterogênea, indisciplinada, dividida por
conflitos internos não podia dar sustentação a um governo que tivesse de representar
as forças dominantes do Brasil agrário” (Idem; 1987:33). O governo se preocupava
especialmente com as possibilidades dessa população vir a mobilizar-se contra ele.
Carvalho (idem:38-39) aponta justamente para essa “outra” cidade que existia
“ao largo do mundo oficial da política”, uma cidade com múltiplas faces, fragmentada,
e que podia ser encontrada nas grandes festas populares ou então nas comunidades
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étnicas, locais ou habitacionais. Dá como exemplo a vida cotidiana dos cortiços, com
suas regras próprias, quase uma “pequena república”, e que não se via integrada em
uma “república maior que abrangesse todos os cidadãos da cidade”.
As reformas que foram feitas acabaram dando à cidade do Rio de Janeiro um ar
de belle époque, de cidade francesa nos trópicos, sonho e desejo da elite local. “Com a
eficiência e rapidez permitidas pelo estilo autoritário e tecnocrático inaugurado pela
República” (Idem; 1987: 40), as reformas foram executadas e a população teve que se
deslocar para áreas mais afastadas do centro da cidade.
O senso comum do século XX recorrentemente estabelece relações entre a
estrutura urbana e o grau de modernidade de uma determinada sociedade. Como aponta
Helena Bomeny (1991:150), as “cidades são expressões de estágios de modernidade.
Se sujas, sinuosas, apertadas, em caracóis (e por que não dizer barrocas?), revelam o
quão distantes podem estar do ideal de infinitude e universalismo próprio dos centros
metropolitanos”.
As mudanças ocorridas na estrutura urbana do Rio de Janeiro eram também uma
forma de apaziguar ânimos contrários à manutenção da capital de uma república que se
pretendia moderna em uma cidade cujo ambiente era percebido pelas elites do país
como “poluído e amoral”. O surgimento de largas avenidas e o desaparecimento dos
cortiços com seus miseráveis habitantes, eram sinais (para essa mesma elite) de que a
“Cidade Maravilhosa” estava se modernizando.
A modernização de uma parte da cidade - Centro e Zona Sul em expansão - de
acordo com padrões da “grande cidade ocidental moderna”, ou seja, das cidades
européias, caminha junto com a favelização de uma outra parte da cidade, que retirada
de seus antigos locais de moradia sobe os morros em torno do Centro, espalha-se pelas
zonas Sul, Norte e Oeste, pelas localidades servidas pela Central do Brasil e pela
Leopoldina, assim como pelo território hoje denominado de Baixada Fluminense.
É deste período o surgimento de uma hierarquização do espaço público que vai
classificar aqueles que sobem os morros ou se deslocam para a periferia em oposição
aos que moram nas partes mais privilegiadas da cidade. Segundo Velloso (1991:126) a
ideologia que surge neste período vem até os dias de hoje, incorporando-se ao nosso
quotidiano de uma maneira tão “natural” que temos dificuldades em percebê-la como
uma elaboração política.
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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“Retomando a distinção que opõe alto e baixo, temos ainda um
outro aspecto interessante: a hierarquização do espaço público.
Explicando melhor: constrói-se uma espécie de topografia da
cidade, onde se delimita o espaço a ser ocupado pelo ‘baixo’ e
pelo ‘alto’.”
A população que habita o alto dos morros e áreas periféricas, marginalizada e
discriminada, passa a ser percebida como produtora de um modo de vida que não se
adequa às exigências da modernidade nos trópicos. Suas formas de expressões culturais
serão relacionadas ao “atraso”, ao “corporal”, ao “baixo”, com uma valorização
extremamente negativa. 
“Essa hierarquização do espaço estava diretamente ligada à
oposição que se pretendia estabelecer entre a chamada arte
“espiritual” e a arte “sensorial”. A primeira pertencia ao alto
domínio - incluindo-se aí os artistas e os intelectuais -, enquanto
a segunda era alocada no “baixo”, no puramente corporal, que
diz respeito ao mundo da matéria (pernas, rostos, malícia).”
(idem:127).
Uma outra região que também começava a abrigar essa população praticamente
expulsa de suas casas eram os subúrbios da cidade. A melhoria dos transportes
caminhou junto com a ocupação dessas áreas pela população mais carente. E é ao redor
das estações de trem que se formaram os principais núcleosurbanos da periferia. Sobre
a vida no subúrbio, são de Lima Barreto as palavras do livro “Feiras e Mafuás” citadas
em Moura (1995:59):
“Na vida do subúrbio, a estação da estrada de ferro representa
um grande papel: é o centro, é o eixo dessa vida. . . é em torno
da estação que se aglomeram as principais casas de comércio
do respectivo subúrbio”.
 Os loteamentos multiplicavam-se por toda a periferia, constituindo-se até hoje
no local de moradia para a grande massa de trabalhadores que quotidianamente se
deslocam para seus trabalhos na região do centro da cidade e proximidades.
Nascendo sem um plano urbanístico, a cidade do Rio de Janeiro e mais
particularmente o seu centro passou por diversas transformações até chegar ao aspecto
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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que tem hoje em dia. Todas essas transformações se realizaram basicamente atendendo
e correspondendo ao ethos e à visão de mundo das camadas dominantes (profissionais
liberais, intelectuais, políticos, etc).
Se no começo deste século as atenções estavam voltadas para a remodelação da
cidade/capital do Rio de Janeiro, a década de 50 vai ser marcada por uma outra
cidade/capital; a construção de Brasília. Surgindo no meio do planalto central, Brasília,
assim como o Rio de Janeiro anteriormente, mobilizou toda a vida nacional para a
realização de um projeto específico e influenciou as noções básicas e o estilo de vida
nas e das cidades brasileiras. Utopia tornada concreto, Brasília foi a concretização de
um sonho (para uns) e de um pesadelo (para outros).
De qualquer forma a década de 50 ficou gravada na memória coletiva como os
“anos dourados”5. Período associado a um “projeto de crescimento e “modernização”
econômica do país, conhecido como “desenvolvimentismo”” (Gomes; 1991:03). Uma
das pré-condições para a realização de tal projeto, era que tudo aquilo que estivesse
relacionado com as “forças do atraso” fosse sobrepujado. O governo JK, através do seu
Programa de Metas, tinha como objetivo principal modernizar o país principalmente
através da implantação de indústrias de base e de bens de consumo duráveis. 
O projeto desenvolvimentista de JK pretendia também construir uma nova nação
afinada com a modernidade dos países industrializados e contraposta ao seu recente
passado agrário. Essa polarização moderno/tradicional, urbano/rural, vai se infiltrar em
todos os setores da sociedade, permeando os diversos discursos que se produzem sobre
o significado do termo do “nacional”.
O Rio de Janeiro do começo da década de 50 era uma cidade com 2.303.063
habitantes. No começo da década de 60 ela já tinha cerca de 3.307.163 habitantes. Uma
grande parte desta população era composta de migrantes de diversas regiões do país,
atraídos para a cidade grande através da expectativa de “melhorar de vida” (Dias;
1993:72). Apesar de exercer um enorme fascínio sobre a população em geral, com sua
imagem sempre sendo relacionada à “alegria” e ao “movimento” (Dias; idem:72), a
cidade do Rio de Janeiro já era uma metrópole com grandes problemas. O poeta Ferreira
Gullar escrevia em uma crônica sua no ano de 1958: “Os ônibus farfalham, tilintam,
5 Essa expressão nomeou uma novela de enorme audiência no início da década de 90 na qual se pode
perceber as diferentes representações associadas a esse período por parcela significativa da população
urbana carioca. Um período que é caracterizado como sendo de ingênua e radiante esperança no futuro.
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rosnam; bondes chiam e estridem; buzinas, explosões, batidas, apitos - estou em plena
cidade brasileira. Sair de casa cansa mais que trabalhar. Uma cidade de 3 milhões de
habitantes, perdoem o paradoxo, é inabitável” (Ventura; 1994:34).
Os dados sobre a época indicam o aumento populacional das cidades grandes
(Rio de Janeiro e São Paulo principalmente), e o crescimento das indústrias com o
conseqüente aumento de empregos.
“Em 1950, 36% da população viviam nas cidades, a década
terminará com 45% da população aglomerada nas zonas
urbanas. Este processo - industrialização/urbanização - fôra
deflagrado já na década de 40. Entre 1940 e 1950, o aumento
geral de empregos foi de 17%, sendo que o aumento específico
de mão-de-obra industrial foi de quase 80%. Enquanto a
população aumentou em 45%, as indústrias de bens de consumo
no mesmo período tiveram um aumento de 196%. Em 1940,
80% da mão de obra empregada trabalhava na agricultura; em
1950 este número reduziu-se para 72,6%, e a indústria passa
para 18% da mão-de-obra empregada. Estes dados explicitam a
grande virada industrial que se deu no período.” (Dias;
1993:72). 
Apesar do crescimento da indústria e do aumento da mão-de-obra empregada
nessas indústrias, o mercado de trabalho deixava de absorver grande parte da população
que vinha do interior, assim como das novas gerações urbanas. 
“Para uma população ativa que cresceu em cerca de 40%, entre
as décadas de 50 e 60, o número de autônomos aumentou em
65%. Tais dados indicam-nos que as empresas não puderam
absorver o afluxo ao mercado de trabalho urbano” (Dias;
1993:80)
O processo de exclusão social que vimos ocorrer no Rio de Janeiro de fins do
século XIX e começo do século XX, com a expulsão de parcela significativa de sua
população mais carente para áreas afastadas do centro comercial e financeiro da cidade,
é um fenômeno que tem continuidade durante as décadas de 50 e 60. Novas áreas da
periferia do Rio, genericamente conhecidas como Baixada Fluminense, absorvem neste
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período uma população de baixa renda que migrando de diversas regiões do país vem
“tentar a sorte” na cidade grande.
“Grande parte da população do Distrito Federal passa a ser
formada por nordestinos (205.000), mineiros (192.000),
paulistas (47.000), paranaenses (16.000) e migrantes do
próprio Estado (102.108)”. (Dias; 1993:73)
 Esses migrantes habitavam principalmente esta região improvisada que é a
Baixada Fluminense, com falta de serviços básicos para a população (como calçamento,
água, esgotos, luz, educação, segurança). A Baixada Fluminense era uma região de
grandes fazendas produtoras e exportadoras de laranja, que durante e após a segunda
grande guerra entra em crise. A multiplicação de loteamentos clandestinos fez esta
região crescer enorme e desordenadamente, criando uma série de problemas para a
população que aí reside. Considerada como uma das regiões mais pobres e violentas do
país, a Baixada Fluminense tem em 1953 uma população de cerca de 300 mil pessoas,
que se distribuem nos municípios de Duque de Caxias, Nilópolis, Nova Iguaçu, São
João do Meriti e Belford Roxo.
Outras regiões também recebem migrantes: as favelas no alto dos morros que
pontilham os diferentes bairros da cidade. Em 1950 a população das favelas representa
7% da população total do município do Rio; no final da década ela já é mais de 9% da
população total. “A favela é encarada como quisto, algo que deve ser extirpado da
paisagem urbana, e sua população é estigmatizada, vista como marginal e bandida”
(Dias; 1993:78). No ano de 1952 a Comissão Nacional de Bem-Estar Social concluía
que “as favelas constituíam um problema nacional, e deveriam ser vistas a partir de
seu aspecto social, econômico e legal” (Leeds; 1978:205). Apesar disso, já era moda
entre uma certa parcela da classe média e alta subir os morros para se divertir nas rodas
de samba e consultar os “especialistas religiosos” (mães e pais-de-santo) afro-brasileiros
(Teixeira; 1986).
A percepção da violênciacomeçava a mostrar-se maior. Entre os anos de 1946 e
1949 as ocorrências de crimes tinham se elevado em 40%. Tancredo Neves, então
Ministro da Justiça, se alarmava com a existência de cerca de “10 mil criminosos soltos
pelas ruas da cidade com sentenças já transitadas em julgado” (Ventura; 1994:26). A
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penitenciária de Bangú, com capacidade para 1.200 detentos estava para ser construída,
apesar de não ter capacidade para abrigar todos os criminosos soltos na cidade.
Dias (1993:79) chama a atenção para a mudança da imagem que se tem sobre a
cidade do Rio de Janeiro no cinema, que em fins dos anos 50 e início dos 60 com o
aumento das contradições sociais causado pelo inchaço das cidades e pelo desemprego,
começava a aparecer como “uma cidade delimitada em áreas onde nem todos são bem
vindos, ou até mesmo têm acesso”. 
Em todo o mundo economicamente desenvolvido este período (década de 50) é
conhecido como a “Era de Ouro”. “A Era de Ouro foi um fenômeno mundial, embora a
riqueza geral jamais chegasse à vista da maioria da população do mundo” (Hobsbawn;
1996:253). A indústria se desenvolvia em toda a parte; as camadas médias dos países
periféricos, que até esse momento se achavam à margem do mercado internacional,
agora podiam desejar adquirir uma variedade maior de produtos manufaturados.
“A produção mundial de manufaturas quadruplicou entre o
início da década de 1950 e o início da década de 1970, e, o que
é ainda mais impressionante, o comércio mundial de produtos
manufaturados aumentou dez vezes.” (idem; idem:257)
Os principais ícones do consumismo como a geladeira, a lavadora de roupas, o
telefone, o rádio, o automóvel; alguns produtos que há pouco tempo eram artigos de
luxo, tornavam-se o desejável como padrão de vida médio dos países economicamente
desenvolvidos. E por que não estender essas benesses aos países da periferia? De certa
forma muitos queriam um mundo organizado em torno da produção e do consumo de
bens manufaturados. O capitalismo se reestruturava e apostava na globalização e na
internacionalização da economia (idem; idem). A globalização “produziu uma
‘economia mista’, que ao mesmo tempo tornou mais fácil aos Estados planejar e
administrar a modernização econômica e aumentou enormemente a demanda”, e a
internacionalização “multiplicou a capacidade produtiva da economia mundial,
tornando possível uma divisão de trabalho internacional muito mais elaborada e
sofisticada” (idem; idem:264).
Os constantes impactos causados pelo desenvolvimento tecnológico no dia-a-dia
da população mundial, fez com que a tecnologia e consequentemente o progresso
fossem percebidos como inevitáveis conquistas à serviço das sociedades humanas.
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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“A consequência dessa “soberba progressista” é que o
passado, a tradição, a anterioridade, é sempre o vínculo da
inferioridade” (Maffesoli; 1981:141).
Como idéia dominante, o progresso nos dava a certeza de que o aumento do
domínio da natureza pelo homem era realmente o melhor caminho para a humanidade
alcançar o tão sonhado estado de felicidade. Para Maffesoli (idem:142), esta noção de
progresso, relacionada com uma produção sempre crescente e infindável - miticamente
eterna - , aparece na modernidade unido à idéia de imortalidade. O autor percebe essa
contínua busca de “progressividade”, essa “correria sem fim”, essa “busca de novos
objetos”, como ilusões de uma “vida sem significação”. O resultado é uma “estática
que se adorna dos matizes do movimento, é a imortalidade como nirvana. Marcar passo
dando a impressão de se agitar, é o que Simmel chamava de “intensificação da vida
nervosa” (die Steigerung des Nervenlebens), corolário do desenraizamento consecutivo
à ruptura que se instaurou no meio mítico e tradicional” (idem; idem:143-144).
Para aqueles que viveram este período, e mesmo para gerações posteriores, este
é um tempo de oportunidades e esperanças, onde a idéia da “construção do futuro” pelas
mãos humanas se fez presente. Ao que parece foi um tempo/espaço em que a idéia de
historicidade marcava a consciência das pessoas; e também da crença de que através do
uso da razão, da ciência e da tecnologia, seria possível determinar os rumos do processo
de modernização e democratização do país. 
“Até hoje, qualquer sinal de “modernidade” ou de “espírito
realizador” - misturados a um certo otimismo e às virtudes da
conciliação política - costuma ser identificado como traço de
um “Juscelinismo” redivivo.” (Benevides; 1991:09)
De uma certa maneira a oposição entre tradição e modernidade - a mudança -
pode ser vista como uma discussão que põe em causa as forças de continuidade de um
lado e as de ruptura do outro. Discursos diferenciados sobre como agir na sociedade.
Balandier (1969:171) coloca esta questão à partir das noções de mito e ideologia:
“. . . essa passagem do mito com implicações ideológicas aos
sistemas modernos de pensamento com implicações míticas, faz
que se volte a encontrar o problema que se apresenta a tôdas as
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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velhas sociedades em mutação. Êsse problema é o da dialética
permanente entre tradição e revolução.”
Esta é uma antiga questão que permanece desde os primeiros tempos da
República motivando intelectuais de todos os setores culturais a pensar o Brasil, sempre
colocando em discussão as noções de “atraso X modernização”. “Esta polêmica, que
opõe o erudito e o popular, o sublime e o vulgar, remonta aos primórdios da
modernidade. Entre nós, ao longo da década de 50, ela está na ordem do dia: como
integrar as camadas populares na indústria cultural?” (Velloso; 1991:125). Esta
questão também pode ser pensada em relação à proposta do Jornal “O Dia”, como
veremos no terceiro capítulo.
É oportuno ressaltar que, no Brasil, o processo de instauração de uma sociedade
industrializada não pode ser pensada sem referência ao processo de exclusão e
marginalização da população negra. Mesmo durante o século XIX diversos textos já
tratavam da questão racial no Brasil. A escravidão é então concebida como um
obstáculo ao desenvolvimento econômico e social do país; como empecilho a
imigração civilizadora de europeus; ou ainda como instituição que enchia o país de
negros africanos. A escravidão torna-se uma “inconveniência” que obstrui a
“modernização” do país e junto com isso os escravos negros são “desqualificados como
‘legado funesto’ que pesa sobre o país” (Seyferth; 1989). O fim do trabalho escravo e a
substituição pelo trabalho livre é considerado um ponto essencial para a conseqüente
modernização do país. Neste momento quem é considerado como o trabalhador livre
por excelência é o branco europeu, que para cá é trazido com maciço apoio do Estado.
Os negros com seus costumes passam a ser percebidos como entraves ao
desenvolvimento capitalista. O que fazer então com os ex-escravos negros que
perambulavam pelas cidades em busca de trabalho? Como inseri-los na modernidade?
Ao que parece essas são questões que ainda buscam soluções.
Com relação ao preconceito incidente sobre a população negra no Brasil e sua
ligação com o processo de industrialização do país, Oracy Nogueira (1985:71) afirma
que:
“No Brasil, especialmente no sul, à medida que se intensifica a
urbanização e se processa a industrialização, a estrutura de classes
sociais tende a se tornar mais diversificada, porém, sem uma
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações SobreReligiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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alteração fundamental na distribuição da população, segundo os
caracteres físicos (raciais), salvo, talvez, quanto à tendência dos
elementos de cor a procurarem as maiores concentrações urbanas.”
Esses preconceitos (idéias, atitudes e estereótipos) incidentes não só sobre os
negros, mas também sobre índios e mestiços, que surgem com a função de defender os
interesses dos brancos dentro da estrutura social vigente, atuam não só de fora (na forma
de discriminação dos brancos em relação aos não-brancos), mas também de dentro,
como modos de pensar, sentir e agir incorporados pelos próprios não-brancos. Esses
indivíduos são não só pacientes, mas também agentes dos preconceitos que incidem
sobre eles mesmos (Nogueira; 1985).
Mandarino (1995:19-20) aponta para a questão de que desde o Brasil Colônia as
relações entre negros e índios se encontravam em uma dupla situação. “De um lado as
relações reais entre os dois grupos subordinados ao grupo colonizador foram tanto de
aproximação quanto de hostilidade, aliada a ideologia do colonizador que queria fazer
crer numa intrínseca repulsa entre os dois grupos. . . . a necessidade de evitar a
formação de “um espírito de classe”, uma vez que um e outro . . . eram escravos”. O
objetivo em reforçar esta crença tinha o sentido de não permitir a formação de uma
aliança entre esses dois grupos dominados.
Nos capítulos seguintes estarei tratando não só dos estereótipos que são
imputados às religiões afro-brasileiras pelos meios de comunicação de massa, mas
também procurando perceber como (e se) alguns desses estereótipos negativos que
recaem sobre a população negra podem ser encontrados dentro do próprio grupo
religioso.
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Capítulo 02
“Os Sentidos da “Macumba” ”
“Eu vou botar teu nome na Macumba, Vou procurar uma feiticeira,
Fazer uma quizumba pra te derrubar; Você me jogou um feitiço, Quase que eu morri,
Só eu sei o que eu sofri, Deus me perdoe, mas vou me vingar.
Eu vou botar o teu retrato num prato com pimenta,
Quero ver você güentá a mandinga que eu vou te jogar,
Raspa de chifre de bode, pedaço de rabo de jumento,
Tu vai botar fogo pela venta, Comigo não vai mais brincar.
Asa de morcego, corcova de camelo pra te derrubar,
Uma cabeça de burro pra quebrar o encanto do teu patuá,
Olha, tu pode ser forte mas tem que ter sorte pra se salvar,
Toma cuidado comadre, com a mandinga que eu vou te jogar.
(ZECA PAGODINHO / DUDU NOBRE -“Vou Botar Teu Nome na Macumba”)
S
e há uma coisa na cidade do Rio de Janeiro que todo mundo sabe o que é, mas que
ninguém sabe definir bem, é a “macumba”. Quando surgiu? Quem inventou? O que
significa? Na literatura antropológica encontramos diversas definições e explicações
sobre este termo. O objetivo deste capítulo é dar uma visão panorâmica dessa produção.
Câmara Cascudo (1984:452) define “macumba” como um instrumento musical
de percussão que teve origem na África, e que possui um som de rapa. O som de rapa é
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produzido originariamente por uma pequena pá de ferro (rapadeira) usada para
desgastar a massa da masseira. Ainda segundo Cascudo, o termo também pode servir
para designar o mesmo que Candomblé na Bahia e Xangô no Recife. Em sua acepção
mais popular a “macumba” está “mais ligada ao emprego do Ebó, feitiço, coisa-feita,
muamba, mais reunião de bruxaria que ato religioso como o candomblé” (idem; idem).
Um outro significado para o termo “macumba” (idem; idem:324) entendida como
feitiço, nos remete para aquilo que é “artificial, falso, fingido, não natural”, ou então
vem designar “o objeto que contém a feitiçaria, transmitindo os males pelo contato”.
Pode servir também para designar um “amuleto protetor”, um “fetiche”, um objeto
ungido ritualmente que serve como proteção para quem o usa.
No começo do século João do Rio na sua obra clássica publicada em 1906 e
intitulada “As Religiões do Rio”, que consiste na reunião de uma série de artigos
escritos para o jornal “Gazeta de Notícias”, visitava diversas das religiões existentes na
cidade entrevistando os religiosos; “foi êste o meu esfôrço: levantar um pouco o
mistério das crenças nesta cidade” (Rio; 1951:10). É neste livro que João do Rio afirma
pela primeira vez que na cidade do Rio de Janeiro não havia quem não acreditasse do
“feitiço” dos negros; para os habitantes da cidade era “indiscutível o valor do Feitiço,
do misterioso preparado dos negros” (idem; idem:34). Para fazer um “feitiço” contra
alguém tem que se pagar, e pagar bem, pelo menos é o que nos relata João do Rio.
Também diz que existem “feitiços” para todos os objetivos: o amor, a vida, o dinheiro, a
morte; e de todos os tipos: lúgrubes, poéticos, risonhos, sinistros.
O ponto principal do texto de João do Rio é a afirmação de que na cidade do Rio
de Janeiro, todos os estratos sociais estavam de alguma forma envolvidos com a “magia
dos negros”. Todo mundo já tinha ou então iria passar por alguma situação na vida onde
precisaria recorrer aos serviços oferecidos por esses negros. Um aspecto interessante a
ser observado nos textos de João do Rio, é o fato de que ele não utiliza o termo
“macumba”. João do Rio se refere continuamente ao “feitiço” dos negros, querendo
com isso ressaltar o aspecto mágico de suas práticas.
Arthur Ramos (1988:76-77) aponta para a existência de pouquíssimo material à
respeito dos cultos negros de origem banto, diz que no Rio de Janeiro apenas Luciano
Gallet falou alguma coisa sobre os cultos bantos. Para esses negros, a “macumba” era a
própria sessão de “feitiçaria”, onde os negros invocavam seus “santos”. É recorrente na
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literatura especializada a definição dos negros bantos como sendo os mais “atrasados”,
“inferiores” e “ignorantes” dentre os negros escravos trazidos para o Brasil. Ainda
segundo Ramos (idem:82-83):
“Há, entre os povos bantus, uma serie de deuses inferiores, que
variam de região a região. A estes rendem culto e os representam em
pedaços de madeira ou marfim, grosseiramente fabricados, a que dão
o nome de itiqui ou iteque. Esses iteques ou amuletos de madeira são
cultuados na Angola como fetiches e os quibandas (feiticeiros)
trazem-nos dependurados ao pescoço. Nada fazem que não recorram
a esses fetiches . . .”
Algumas dessas divindades “inferiores” seriam “conhecidas nas macumbas
afro-brasileiras, transformadas, degradadas ou existindo apenas no nome” (idem:83).
A “macumba”, “religião dos negros e mestiços brasileiros, é a resultante, como temos
affirmado repetidas vezes, de um vasto syncretismo” (idem:103), um amálgama com
elementos da religião gêge-nagô, do espiritismo kardecista e do catolicismo.
Deste sincretismo é que surgiu o que se denomina como “feitiçaria”, que eram
práticas consideradas secretas e proibidas pelo elemento branco. Progressivamente essa
proibição foi incorporada pelos próprios negros, que começaram a perceber suas
práticas religiosas através do olhar do outro. Surge assim o “feiticeiro” ou “bruxo”,
que perdendo todas as suas funções sociais acaba preservando somente os aspectos
sacerdotais dessas práticas. Este “feiticeiro” seria percebido como o responsável por
diversos tipos de crimes cometidos entre a camada inferior da população urbana.
“O bruxo torna-se uma entidade da mala vita e as suas práticas teem
que ver quasi sempre com a justiça penal. E então, elle se tornañañigo, em Cuba, feiticeiro criminoso, no Brasil, phenomeno que, em
ultima analyse, foi a consequencia da incomprehensão do branco,
querendo apagar pela repressão violenta o que só o trabalho da
cultura poderá conseguir” (idem; idem:131).
De uma maneira geral a “macumba” dos negros bantos é entendida sempre
através de sinais negativos e inferiorizadores. Viana Filho (1976:124) por exemplo,
define-os como possuindo uma “religião pobre de deuses, e cujo sincretismo religioso
com o catolicismo já se processava desde a África com certa intensidade, não tardou
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em assimilar, integrando-os em seu culto, deuses sudaneses e santos católicos. Fê-lo,
porém, sem prejuízo dos seus preceitos religiosos e das práticas íntimas do seu culto” 
Para Lopes (1988:165) “macumba” é um nome genérico para designar os cultos
de origem banto, em contraste com os cultos de origem sudanesa conhecidos pela
denominação de “candomblé”.
“A palavra ‘candomblé’, entretanto, é certamente de origem banta,
tanto podendo derivar da aglutinação das vozes quimbundas
kiandombe (negro) e mbele (casa) significando talvez ‘casa de
negros’, como pode ser resultado da fusão desse mesmo mbele com o
prefixo diminutivo ka mais o termo ndumbe (principiante) para dar
ka+ndumbe+mbele ou seja, ‘casa de principiantes, neófitos’ ou,
melhor, ‘casa de iniciação’.”
Para Roger Bastide (1971), a “macumba” deve ser compreendida dentro do
contexto da industrialização do país. Os negros, de seu ponto de vista, não souberam se
aproveitar deste momento para ascender socialmente. A “macumba” é definida como a
“expressão daquilo em que se tornam as religiões africanas no período de perda dos
valôres tradicionais” (Bastide; 1971:407). Em sua concepção existiria uma oposição
entre a “macumba” e o recém criado Espiritismo de Umbanda. O Espiritismo de
Umbanda refletia um novo momento de reorganização de valores, onde os negros se
introduziriam no sistema de classes.
Bastide acentua continuamente o efeito desagregador da grande cidade sobre as
populações negras e suas religiões “tradicionais”. A desestruturação social que a cidade
cria entre a população de cor, acaba por torná-los “solidários na miséria”.
“A macumba reflete êsse mínimo de unidade cultural necessário à
solidariedade dos homens em face de um mundo que não lhes traz
senão insegurança, desordem e mobilidade” (Bastide; 1971:407).
No entender de Bastide, a característica principal da “macumba” (que se opõe às
“religiões negras tradicionais”: o Candomblé e o Xangô), se constitui na sua fluidez e
em seu aspecto individualizado; pois como na “macumba” cada sacerdote tem a
possibilidade de inventar maneiras diferentes de realizar os rituais ou de novos espíritos
para adorar, isso constituiria uma desvalorização e desagregação do fenômeno religioso.
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Em função do aparecimento do Espiritismo de Umbanda, a “macumba” é
expulsa para os subúrbios da cidade do Rio de Janeiro. Perde suas características de
religião e passa a ser “pura ‘magia negra’” (idem; idem:411). De forma coletiva para
forma individualizada e de religião em magia, este é o caminho que Bastide traça para
esta forma religiosa. “O macumbeiro, isolado, sinistro, temido como um formidável
feiticeiro” (idem; idem: 412).
A “macumba” é percebida como causadora das mais diversas mazelas que
atingem a sociedade; sua prática resulta “no parasitismo social, na exploração
desavergonhada da credulidade das classes baixas ou no afrouxamento das tendências
imorais, desde o estupro, até, freqüentemente, o assassinato” (Bastide; 1971:414). É
justamente essa concepção que encontrei em diversos jornais na cidade do Rio de
Janeiro; onde “macumbas”, “feitiços” e “feiticeiros” “pululam” por toda a cidade
provocando as mais diversas formas de crimes. Não só em jornais, da atualidade e do
passado recente, como também em outros meios de comunicação, permanece difusa a
idéia de que as comunidades religiosas afro-brasileiras são lugares em que vivem
desajustados sociais e todo tipo de “degenerados” (Teixeira; 1994).
O fenômeno da desorganização social, provocado pela aceleração das mudanças
na estrutura social em função da industrialização do país, afetou todos os estratos
sociais, e não só aos descendentes dos negros africanos. É para isso que Bastide
(1971:414) chama a atenção quando aponta para o “relaxamento da solidariedade entre
os homens, do enfraquecimento dos laços de comunhão ou de comunidade, do
isolamento de certos setores da sociedade e do isolamento dos indivíduos no interior
dêsses setores”, efeitos esses causados pela crescente e rápida urbanização em uma
sociedade que se industrializa.
A clientela da “macumba” seriam aqueles que se encontram à margem deste
processo, “desempregados à procura de trabalho, doentes sem dinheiro, mocinhas que
desejam um namorado, esposos que não vivem bem” (Bastide; 1983:211). É nas
“macumbas” que se buscam as soluções para todos esses males existenciais que atingem
esta população carente, e é ali também que se manifestam todos os dramas e infortúnios
que se escondem nos cantos das cidades. 
“A macumba abre uma esperança, permite suportar melhor a vida,
alimenta o mundo dos sonhos. Ao seu influxo os corações vibram em
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uníssono e se ela age tanto para o mal como para o bem é porque o
homem não é nem anjo nem demônio, sendo difícil para a massa
separar aquilo que é crime do que é desejo justificado. . .” (idem).
Bastide aponta as possíveis relações que podem existir entre “macumba” e
criminalidade. Um primeiro tipo são os crimes que podem acontecer em um meio
“macumbeiro” sem que necessariamente tenha relação com a prática da “macumba”;
um segundo tipo são os crimes que sem terem relação com a “macumba”, se servem de
toda a atmosfera que a envolve; um terceiro tipo são os crimes involuntários causados
pela prática da “macumba”; um quarto tipo são os de reação contra a “macumba”,
contra o “macumbeiro” que detêm segredos e poderes misteriosos, para que ele não
venha a realizar nenhum mal; um quinto tipo são aqueles causados propriamente pela
“loucura mísitica”, isto é, quando a “macumba” acaba por “demolir o frágil edifício da
razão, a desprender os instintos primários e preparar, desse modo, a atividade
criminosa; a despertar os instintos sanguinários e também os instintos lúbricos”
(idem:235-238).
As definições de Bastide acerca do termo “macumba”, acabam por transformá-la
em uma categoria acusatória. Quem é “macumbeiro”, passa a possuir também algumas
(senão todas) das qualidades negativas que, como vimos, o autor imputa às
“macumbas”. 
No começo da década de 70, Luz e Lapassade (1972) propõe uma outra
abordagem sobre o fenômeno da “macumba”. Uma leitura “elaborada a partir das
idéias de Marx, Freud e W. Reich sobre a instituição religiosa”, o que, segundo os
autores, a distinguiria “das abordagens a que estamos acostumados, o paternalismo
etnográfico ou a ‘recuperação católica’” (idem:xi-xii). Eles pretendem interpretar a
“macumba” como um ritual de libertação, pois:
“No interior da macumba estão presentes todas as aspirações
libertárias de uma determinada formação social” (idem:xv).
 Toda a riqueza da “macumba” estaria concentrada no seu aspecto de ser
eminentemente uma forma de contracultura, de contra-instituição“que exprime uma
contra-sociedade” (idem:xxi). A “macumba” seria o desejo (reprimido) de libertação
do negro escravizado; “é o ritual que diz simbolicamente que o homem ainda não é
livre, e que ele deve trabalhar para sua total libertação” (idem:xxvii).
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Yvonne Maggie (Velho; 1977:20-22) mostra como as categorias de “Macumba”,
“Umbanda” , “Quimbanda” e “Espiritismo” eram usadas em um terreiro. Aponta para a
dificuldade que teve quando iniciou sua pesquisa de campo para classificar o grupo, ao
perceber que existiam pelo menos dois sistemas classificatórios diferentes – o da
antropóloga e o do grupo pesquisado. O termo “macumba” podia ser utilizado de duas
formas distintas; para designar a religião de possessão de maneira geral, ou então para
acusar alguém que “trabalhava para o mal”, que usava “magia negra” – neste caso
podia-se usar também o termo “Quimbanda”.
Prandi (1991:54) adota uma posição que difere bastante de Bastide, afirma ele
que a “macumba” seria, no caso do Rio de Janeiro, a designação local do culto aos
orixás, que na Bahia é designada como Candomblé, em Pernambuco e Sergipe como
Xangô, no Maranhão como Tambor e no Rio Grande do Sul como Batuque. Do seu
ponto de vista, a “macumba” era um culto que existia anteriormente à construção da
umbanda. “Macumba que teria sido religião dos pobres e marginalizados (. . .) que de
qualquer modo nos levará ao surgimento da umbanda como religião independente no
primeiro quartel deste século”. Não haveria razão para considerá-la como simples
resultado de um processo de desagregação do Candomblé, como de certa forma pensa
Roger Bastide. Prandi (idem) acentua que Arthur Ramos já tinha falado de “um culto de
origem banto no Rio de Janeiro na primeira metade do século, cultuando orixás
assimilados aos nagôs, com organização própria, com a possessão de espíritos
desencarnados que, no Brasil, reproduziram ou substituíram, por razões óbvias, a
antiga tradição banto de culto aos antepassados” (idem; idem:44).
Liana Trindade (1991:192) apresenta um ponto de vista sobre a “macumba”
semelhante ao de Prandi, definindo-a como “uma religião sincrética, onde a estrutura
de seus significados é construída pelos agentes sociais em uma situação urbana,
preservando os símbolos dominantes da tradição africana (o culto aos ancestrais e a
noção de força vital) na interpretação das outras formas de religiosidade popular que
foram incorporadas em seu sistema de crenças e ritos. Nessa perspectiva, o seu
sincretismo adquire o sentido intencional de acumulação e conciliação de forças
vitais”.
A autora tem uma percepção da “macumba” onde a vê como um “primeiro
esforço de sistematização e codificação das diferentes expressões religiosas existentes
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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no passado e encontradas no presente, tanto das sociedades rurais como daquelas
posteriormente urbanizadas” (Trindade; 1991:190). A umbanda teria surgido a partir
dessa primeira sistematização como um movimento de centralização dos cultos afro-
brasileiros. Tiveram papel de destaque nesta restruturação religiosa determinados
indivíduos oriundos da classe média, que trouxeram consigo seus próprios valores .
 Na visão de Pordeus Jr. (1993) a umbanda e a “macumba” formularam um tipo
de reação às condições da sociedade moderna; seriam uma outra forma de apropriação
do “trabalho”. Através da manipulação da magia - com sua ênfase na realização de
“trabalhos”, “despachos”, “feitiços” - reelabora-se o sentido dado ao termo “trabalho”.
Por outro lado, a principal figura responsável pela manipulação destes poderes mágicos
(seja na umbanda ou na macumba) - os Exús - são também uma forma de recusa ao
“trabalho”, basta lembrarmo-nos que eles também são representados através da/na
figura do malandro. Figura desde já ambígua, pois ao mesmo tempo em que é recusa ao
“trabalho”, também é aquele que realiza os “trabalhos”, a “magia” dos terreiros.
Analisando a maneira como a categoria “trabalho” é reelaborada no Espiritismo
de Umbanda, Pordeus Jr. (idem:37) entende que no momento do seu surgimento - a
partir da década de 30 - estava se consolidando no Brasil “uma sociedade urbana
industrial portadora de uma visão de mundo, racional e secularizada, com valorização
do trabalho urbano”. No entender do autor uma palavra que sintetiza a representação
que se tem do “trabalho” no Brasil Antigo é “violência”. “A violência dos pólos de
condensação social que constitui a matriz do imaginário do autoritarismo e da
submissão, a violência do mando, do trabalho espoliado, da condição humana de
inferioridade, da coisificação; do ideário do trabalho sublinhando o sentido de
padecimento, e do terror da miséria moral. O trabalho sem compensação, sem
gratificação, esforço físico sem proveito” (Pordeus Jr.; idem:109). 
Mas o que, no âmbito dessa dissertação, importa compreender é que o termo
“macumba” acabou por estar sempre associado com a prática de “magia negra”
(entendida como prática de provocar o mal à alguma pessoa), sendo minimizado e/ou
esquecido o sentido de religião. Por outro lado, a Umbanda, através de um persistente
trabalho por parte de diversos escritores umbandistas, conseguiu fazer com que fosse
associada como a religião nacional; uma forma de culto organizado. A Umbanda então
emergente procurava ao mesmo tempo mostrar-se como uma religião antiga, com suas
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raízes na África, e moderna, nacionalista, “fundamentalmente brasileira”, adotando e
explorando certos mitos nacionais, como o da democracia racial e da espiritualidade
superior do povo brasileiro (Concone; 1987). Isto me faz lembrar um slogan que os
dirigentes de diversas Federações de Umbanda usavam (algo como): “Uma religião em
desenvolvimento para um povo em formação”.
É bom ressaltar que apesar de todos os esforços dos escritores umbandistas em
distinguir a Umbanda da “macumba”, no senso comum a Umbanda e seus adeptos
continuam sendo denominados como “macumba” e “macumbeiros”.
Apesar de diversos pesquisadores apontarem a desorganização das “macumbas”
como sendo a sua principal característica, e opô-la justamente ao caráter organizador e
institucionalizador da “Umbanda”, existem alguns autores que vêm procurando
reconstruir a história das populações bantos no Rio de Janeiro e que conseguem mostrar
que existiam “macumbas” em terreiros muito bem organizados e que talvez os
principais fatores que contribuíram para a discriminação do uso do termo “macumba”
foram as disputas internas ao próprio campo religioso afro-brasileiro.
A fim de estabelecerem uma forma de culto que seguisse seus interesses, os
dirigentes umbandistas, ao mesmo tempo em que divulgam através dos meios de
comunicação de massa (livros, jornais, revistas) suas concepções do que é e do que deve
ser a Umbanda, marcam também uma fronteira com aquilo que eles dizem não ser:
“macumba”.
Negrão (1996:79) aponta para o caráter secular das acusações contra os negros e
suas religiões, afirmando que esses estigmas sociais de que os negros são vítimas
“culminaram com a atitude ao mesmo tempo de hostilidade e de medo que até hoje
inspiram”. As relações existentes entre os termos “macumba” e “umbanda”, os diversos
sentidos que já possuíram, expressam a própria dinâmica social dos negros em uma
sociedade que está procurando se industrializar e se tornar moderna, segundo suas
próprias idéias doque seja isto.
“É exemplar neste caso o vocábulo macumba: de termo genérico para
todas as religiões brasileiras de origem negra, ou então denominativo
de uma delas em especial, a de origem banto, desenvolvida no sudeste
do país, especialmente em São Paulo e Rio de Janeiro a partir de fins
do século XIX, passa a ser vista depreciativamente como sinônimo de
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superstição de negro, como magia negra que se despreza e se teme a
um só tempo. Não foi por acaso que, para fugir dessas conotações
pejorativas, o 1o Congresso Nacional de Umbanda realizado em 1941
no Rio de Janeiro adotou este novo nome para se autodesignar
oficialmente. A partir de então as lideranças da religião nascente
empenharam-se no sentido de sua institucionalização e legitimação,
mediante o seu enquadramento legal e a absorção dos valores
vigentes, exorcizando de seus rituais práticas tidas como bárbaras
(sacrifícios sangrentos, uso ritual da pólvora e de bebidas alcoólicas,
“despachos” de Exú) e controlando os terreiros através de sua
vinculação a federações. Seu sucesso foi apenas relativo, pois um
número muito grande de terreiros, mesmo que filiados para garantir
uma certa legalidade de seu funcionamento, permaneceu avesso às
exigências das federações e continuou com suas práticas
tradicionais” (Negrão; 1996:79).
Gonçalves (1983), em seu trabalho “O Caso da Pomba Gira”, discute os termos
“macumba” e “macumbeiros” enquanto categorias acusatórias. A autora retoma
algumas definições de Bastide sobre a “macumba”, para então mostrar como elas
correspondem as acusações que são feitas à médium que encarnava a Pomba-Gira e que
havia cometido o assassinato. As acusações partem de dois pólos: de dentro da própria
Umbanda, e aí se afirmava que a médium não era “desenvolvida”; de fora (advogados,
médicos , juizes, jornais), relacionando as atividades da médium com práticas de “magia
negra”. Do primeiro pólo, as acusações tinham um caráter mais individual, era uma
questão isolada que dizia respeito unicamente à pessoa da médium. Do outro pólo, as
acusações eram de caráter coletivo, e visavam atingir os grupos que realizavam tais
atividades, e que eram considerados como “desajustados”, “marginais” e “fora das
regras”.
Uma outra questão que a autora aponta a partir desta é a da própria ambigüidade
da Umbanda (e por que não dizer da “Macumba” também?) na sociedade brasileira, que
ao mesmo tempo é identificada com a criminalidade e com a posse de poderes especiais.
A “macumba” pode tanto ser usada para curar uma pessoa de alguma doença, como
também para matá-la.
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Com relação à Umbanda, enquanto religião constituída na década de 20 por uma
classe média urbana emergente no Rio de Janeiro, ela foi formada justamente a partir da
resignificação de práticas religiosas negras já existentes. Pode-se dizer que neste
momento já se colocava aquela que seria sua problemática central, que é a de procurar
disciplinarizar e uniformizar sua prática entre os adeptos. Este esforço consistia também
em apagar todos os “traços” que pudessem ser relacionados a “coisa de negros”. 
Percebe-se a recorrência das acusações que recaem sobre as religiões afro-
brasileiras de uma forma geral, nas quais os terreiros são um espaço privilegiado para o
exercício da “selvageria”, do “erotismo”, da “luxúria”, do “crime” e do “charlatanismo”
(Maggie; 1985). 
Teixeira (1994:25) se pergunta “como e por que a identidade de macumbeiro
pode influenciar o jogo de relações e de poder que regula o relacionamento entre os
diferentes grupos sociais, hierarquizando-os no seio de uma sociedade plural e
heterogênea como a brasileira?”. Segundo a autora o termo “macumbeiro” pode ter
dois sentidos diferentes; pois se quem o utiliza é alguém de fora do universo religioso
afro-brasileiro, o termo possui uma valoração negativa e toma a forma de uma categoria
acusatória. Se quem o utiliza está fazendo uma auto-definição, usualmente ele assume
um aspecto de jocosidade, e está querendo fazer referência ao conjunto amplo e
heterogêneo das religiões afro-brasileiras, bem como ao “poder” (eficácia) dessas
religiões.
O que importa aqui é perceber que a categoria “macumba” tem uma ampla e
variada utilização na sociedade brasileira, podendo ter diversos significados de acordo
com o contexto e as relações em que é atualizada. Procurar um único significado
etmológico para o termo não nos leva a compreender o que, quem o utiliza, está
querendo dizer.
Segundo Geertz (1978:17), o objeto da descrição etnográfica é perceber o que o
“outro” quer dizer. Em suas próprias palavras, significa construir:
“uma hierarquia estratificada de estruturas significantes em termos
dos quais os tiques nervosos, as piscadelas, as falsas piscadelas, as
imitações, os ensaios das imitações são produzidos, percebidos e
interpretados, e sem as quais eles de fato não existiriam . . .”.
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É isto que irei procurar fazer no próximo capítulo, através da apresentação dos
vários discursos produzidos pelo jornal “O DIA” em torno das religiões afro-brasileiras.
O meu objetivo é perceber os códigos que são estabelecidos nesta forma de diálogo
(desigual e hierarquizado), procurando relacioná-lo com sua base social. 
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Capítulo 03
“Manchete do Dia: “Macumba” da Grossa . . .”
“O jornal da manhã chega cedo
Mas não traz o que eu quero saber
As notícias que leio conheço
Já sabia antes mesmo de ler – ê, ê . . .”
(GILBERTO GIL)
N
o entender de Becker (1994:140) as pessoas constróem representações sobre a realidade
a fim de relatar somente aquilo que elas consideram significativo. Qualquer tipo de
representação sempre deixa de lado muitos aspectos da realidade, além de só adquirir
seu sentido completo quando é utilizada. Esta utilização é sempre interpretativa, uma
vez que o seu usuário não é uma “tábula rasa” preenchido por representações que lhe
chegam “de fora”; ele também é um [co]construtor de representações.
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Considero essas concepções de Becker importantes uma vez que utilizo o ponto
de vista de que o leitor de um jornal, qualquer que seja ele, possui suas próprias
representações sobre a realidade. Quando lê uma notícia que lhe interessa, trava um
diálogo com o jornal e com suas próprias idéias a respeito do assunto. Diante do que lê,
ele toma uma posição não só intelectual mas também afetiva, e de certa forma
reconstrói para si mesmo a notícia, seja adicionando ou retirando elementos (Thompson;
1985).
Laplantine e Trindade (1996:28) definem o imaginário como essa capacidade
humana de transfigurar o real, criando nele novas relações que antes não se
encontravam. “A negação do real, na qual está contida a concepção de loucura e
ilusão, não tem nada a ver com o conceito de imaginário, pois encontram-se no
imaginário, mesmo através da transfiguração do real, componentes que possibilitam
aos homens a identificação e a percepção do universo real”.
Os autores definem o imaginário distinguindo-o do conceito de ideologia, uma
vez que nele não há uma imposição de sentido sobre certas representações, por parte de
grupos ou classes sociais. “Noimaginário o estímulo perceptual é transfigurado e
deslocado, criando novas relações inexistentes no real” (idem:25). Quando o objetivo
de uma pesquisa é a análise e a interpretação do imaginário social, a utilização apenas
do conceito de ideologia acaba por deixar de lado certos aspectos importantes para a
compreensão do fenômeno estudado.
Pelo menos no tipo de material jornalístico que analiso neste trabalho, é
impossível não remeter o leitor aos aspectos do fantástico e do maravilhoso. Tão
importante quanto a análise do conteúdo, foi a percepção da atmosfera criada pelo jornal
através de suas notícias. O conjunto das notícias do “O DIA” transmitia um [in]certo
“mal estar” vivido pela sociedade no seu cotidiano – caótico, acidentado e carente. 
Certo dia estava na Biblioteca Nacional, observando o material do “O DIA” na
máquina de microfilmes, quando um senhor se aproximou e perguntou qual era o jornal
que consultava. Informado que era “O DIA” da década e 50 ele, após comentar sobre o
aspecto “sanguinolento” do jornal, começou a falar sobre suas experiências da época. A
construção de Brasília não podia ficar de fora e ele passou a contar, não as maravilhas
da construção de uma capital no Planalto Central do país, mas sim as negociações
ilegais que ocorriam por “baixo dos panos” na compra do material de construção. Ele
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sabia desses negócios porque havia trabalhado no aeroporto naquela época e
constantemente via as irregularidades que aconteciam no embarque e transporte do
material para Brasília. As notas fiscais registravam muito maior quantidade de material
comprado do que o que realmente era mandado para a futura capital. 
Acho interessante perceber como a simples leitura de um jornal do passado fez
com que grande quantidade de material emergisse na consciência de uma pessoa que
viveu aquele momento. O jornal suscitou vivências que talvez estivessem a muito tempo
esquecidas; além de comprovar que a leitura de um jornal se faz sempre a partir das
experiências do leitor.
Thompson (1995) discute detalhadamente os diferentes aspectos que envolvem
as questões da comunicação de massa e o contexto social, enfatizando o papel da mídia
nas sociedades modernas e contemporâneas para a reconstrução do espaço, do tempo e
da vida cotidiana. O autor mostra que a mídia, vista como produtora de bens simbólicos,
oferece “mensagens” que são objeto de interpretações por parte dos consumidores. Os
indivíduos, ao receberem os produtos da mídia, de alguma forma se apropriam deles e
assim o fazendo reforçam idéias, atitudes e comportamentos.
Partindo da idéia de que a interpretação de qualquer forma simbólica (um texto
jornalístico ou uma notícia) requer a participação ativa do intérprete, que coloca a
mensagem dentro de um quadro referencial próprio, entende-se que todo produto da
mídia deve ser compreendido somente em relação com o contexto sócio-cultural de
quem os recebe e interpreta. Esta perspectiva faz com que as idéias e atitudes expressas
nos meios de comunicação sejam elementos fundamentais não só para a manutenção de
determinados ethos e visão de mundo, mas também para a formação de imagens e
opiniões acerca de grupos e indivíduos (Thompson; 1995:41-43). 
1) O Jornal :__________________________________________
O jornal matutino “O DIA” começou a circular na cidade do Rio de Janeiro no
dia 05 de junho de 1951. Ao preço de Cr$ 0,50 sua edição típica possuía 08 páginas.
Até o ano de 1960 suas edições diárias possuíam 08 páginas, com exceção dos
domingos, cuja edição chegava a ter 24 páginas. De propriedade da Editôra e
Impressora de Jornais e Revistas SA, o jornal “O DIA” tinha na sua direção Othon
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Paulino, e seu “dono” era o político populista Chagas Freitas, que fez longa carreira
política, de vereador à governador do Estado do Rio de Janeiro.
Para Weffort (1978:72) com relação ao que se denomina de populismo na
política brasileira e a participação das classes populares nas decisões políticas, podemos
“falar de classes populares ou de massas populares, expressões imprecisas mas de
qualquer modo úteis para captar a homogeneidade possível a esse grande conjunto de
pessoas que ocupam os escalões sociais e econômicos inferiores nas diversas áreas do
sistema capitalista vigente no Brasil”. Sendo que as principais particularidades dessas
massas populares seriam sua vinculação à economia urbana e sua presença política.
Dirigido às grandes massas urbanas, o conteúdo central do “O DIA” são os
chamados “fait divers” que tanto fascinam as pessoas. Na definição de Barthes
(1964:59), “fait divers” seria o “refugo desorganizado das notícias informes”, não se
referindo a nada, uma vez que não exige nenhum tipo de conhecimento da realidade
social para ser consumido. A essência de um “fait divers” reside justamente na sua
capacidade de causar espanto, pois “não há fait divers sem espanto (escrever é
espantar-se), espanto implica sempre em perturbação” (idem:61). O “fait divers” pode
ser sintetizado nas seguintes palavras de Barthes (idem:67):
“O fait divers parece preservar no seio da sociedade contemporânea
a ambigüidade do racional e do irracional, do inteligível e do
insondável; e essa ambigüidade é historicamente necessária, na
medida em que o homem precisa ainda de signos (o que o
tranqüiliza), mas também na medida em que esses signos são de
conteúdo incerto (o que o irresponsabiliza)”.
 Darnton (1995:92) aposta na existência de uma “epistemologia do fait divers”,
pois “converter um boletim policial num artigo requer uma percepção treinada e um
domínio do manejo de imagens padronizadas, clichês, ‘ângulos’, ‘pontos de vista’ e
enredos, que vão despertar uma reação convencional no espírito dos editores e dos
leitores”. Esse tipo de saber fazer pode ser percebido no discurso de um jornalista que
entrevistei e que trabalhou no “O DIA” entre os anos de 1968-1989. Na sua opinião
toda notícia tem que ser feita com o objetivo de vender jornal; uma boa notícia aumenta
as vendas do jornal, e para conseguir isso ela tem que atender as demandas do público
por “mistérios”. Toda notícia que é relacionada de alguma maneira com a dimensão do
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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“mistério” vende bem, e em última instância é isso que importa para um jornal – vender
bem. Neste sentido é necessário que sejam criados os “casos jornalísticos”, histórias
que possuem começo, meio e fim. Para criar um “caso” não é necessário mentir, mas
sim colocar alguma coisa que desperte a curiosidade do leitor para dar continuidade à
leitura do mesmo “caso” no dia seguinte. Na medida em que aumentam as vendas do
jornal, a boa notícia também aumenta o prestígio do jornalista que a criou. Falando
sobre o aumento da venda do jornal “O DIA”, o jornalista apontou um fator que,
acredita, muito contribuiu para que isso viesse a ocorrer.
“Contribuiu muito para aumentar a venda deste jornal, e para ele se
tornar a potência que ele é hoje em dia, um secretário de redação
chamado Rui Santa Cruz, falecido em 1996, e que criou manchetes
incríveis no “O DIA”. Por exemplo, uma das melhores manchetes que
ele criou, e que mais vendeu jornal foi “Cachorro Fez Mau à Moça”,
e que na verdade, a pessoa ia ler e ficava sabendo que a moça havia
comido um cachorro quente e passado mau. Uma outra notícia foi
“Violada no Auditório”. O que significava isso? Todo mundo fica
imaginando que alguma mulher foi violadaem um auditório, mas o
que aconteceu foi que Sérgio Ricardo estava participando de um
festival de música na Record, em São Paulo, e uma música sua estava
classificada entre as três primeiras, mas ele estava sendo vaiado pelo
auditório, pegou então o violão e jogou no auditório. Manchetes deste
tipo contribuíram muito para aumentar a venda do jornal”.
Diversos fatos do dia-a-dia são tratados de tal maneira que mesmo os crimes
mais violentos que acontecem na cidade do Rio de Janeiro acabam por constituírem-se
em espetáculos. No caso do “O DIA”, um espetáculo de sangue. A imagem mais
popular do “O DIA” é a que diz que este jornal, se torcido fosse, pingaria sangue; ou
então, que ele pinga sangue quando é pendurado nas bancas de jornais da cidade.
Esta imagem remete à observação de que o jornal, exposto nas bancas de jornal
da cidade, se presta a leitura rápida e apressada de grande parte da população que pela
manhã se dirige aos seus locais de trabalho. Nesta leitura rápida ela já encontra algo do
material que será utilizado nos diálogos informais que constituem grande parte do tecido
social do cotidiano. Acredito poder usar em relação ao processo da leitura diária de um
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jornal popular as idéias de Maffesoli (1984:147), quando se referindo ao uso da palavra
no dia-a-dia diz que ela se comporta:
 “. . . enquanto jogo onde a insignificância do conteúdo permite à
existência concreta ‘ser’, sem crispações excessivas. As discussões do
Café du Commerce, as banalidades da vizinhança, os ditos e
saudações que pontuam os trajetos cotidianos, sem esquecer o corpus
de sentenças e provérbios que servem a todas as ocasiões da vida,
não funcionam, de modo algum, a partir de uma obsessão da verdade,
a partir da adequatio rei ad intellectum, não funcionam a partir da
busca tetânica de um processo dialético”
Ou seja, que o valor da palavra jornalística se encontra muito mais na tessitura
que realiza através da transmissão de imagens, e menos no conteúdo dessas mensagens.
Para Park (1970:176) toda notícia é geradora de conversação, porque a primeira
reação típica de um indivíduo que se vê diante de uma notícia é o de repeti-la para outra
pessoa. Nesta conversação emergem diversas opiniões acerca do fato inicial, e é deste
choque de opiniões individuais que surge o que ele denomina como consenso ou
opinião pública. Opinião pública que Park (idem:idem) define como sendo o resultado
coletivo da interpretação dos acontecimentos presentes.
O que Bourdieu (1983:180) sublinha com relação às opiniões públicas é que elas
não existem enquanto um simples somatório de opiniões individuais. Uma opinião
nunca é isolada; ela é sempre relacional e, à princípio, conflituosa. “Nas situações reais,
as opiniões são forças e as relações entre opiniões são conflitos de força entre os
grupos”. Resulta daí que o surgimento de opiniões à respeito de um determinado
problema tem relação direta com o interesse que esse problema desperta nos grupos
com os quais mantém relações.
Neste sentido, deve-se ter sempre presente a idéia de que o princípio que move
todo jornal que deseje sobreviver enquanto empresa, é o de que ele deve perceber quais
são os tipos de notícias que mais despertam o interesse da coletividade que ele quer
atingir.
O Editorial do primeiro dia de circulação do “O DIA” falava sobre as diversas
razões que levaram a criação do jornal, assim como apontava as diretrizes que seriam
seguidas nas publicações. Colocando-se como seguidores do jornal “A NOTÍCIA” (cujo
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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diretor era o próprio Chagas Freitas), afirmava que teriam no jornalista Cândido
Campos o exemplo de “bravura moral, de inteligência, de indomável vocação
democrática, de fiel exação no cumprimento do dever para com o povo, de admirável
fidelidade à ética profissional, de patriotismo e capacidade de ação”. O objetivo último
a ser alcançado seguindo-se esta linha de ação, seria a promoção de “profundos reflexos
na consciência pública”.
O discurso populista já estava presente neste primeiro momento do jornal.
Afirmando-se isento de ligações político-partidárias e tendo como único guia a vontade
do povo, o “O DIA” procurava construir sua imagem de fiel comunicador de notícias e
de defensor dos interesses do povo.
 “Não temos ligações político partidárias. Nascemos do apoio
popular, e só a êle devemos contas de nossos atos. Livres de
quaisquer compromissos com entidades ou grupos estaremos onde
estiver o interesse coletivo e não teremos outro chefe, outro
orientador, senão aquele em cujo nome falaremos sempre – o povo”
(“O DIA” – 05/06/1951).
E é como defensor dos interesses do povo que o editorial do jornal faz sempre
questão de mostrar-se. Quanto aos grupos de interesses políticos, os sindicatos e os
partidos, estes “não contarão conosco, senão quando estiverem a serviço das causas
eminentemente populares, nunca quando deles se afastarem”. Dizendo-se representante
do povo, o jornal pretendia transmitir uma imagem de neutralidade e isenção político
partidária em suas ações, e também que sempre estaria ao lado desse povo “na defesa
de suas legítimas aspirações, na batalha do reconhecimento de todos os seus direitos,
no combate aos que o infelicitam, aos que o convertem freqüentemente em pasto de
ambições e apetites inconfessáveis, seremos inflexíveis, não olhando conveniências
próprias ou alheias e só nos deixando guiar pela consciência do dever que jamais nos
faltou”.
Colocando-se como guardião permanente da “vontade popular”, o jornal
procura transmitir a idéia de que acima de todas as instituições políticas, pairando por
sobre todos os interesses de grupos, encontrava-se “O DIA”. Guardião incorruptível
deste “ser” que eles chamam de “povo”.
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“Seremos um jornal . . ., incompatível com todas as formas de arbítrio
e violência, considerando o governo como simples mandatário da
vontade popular, os poderes públicos como instrumentos de bem estar
coletivo e de prosperidade nacional, e, desta maneira, mobilizando
todas as nossas energias cívicas e morais para lutar denodadamente
contra as falseações dos princípios democráticos e contra todos os
valores negativos, quer na administração, quer na vida social ou
partidária, sem cogitar de outro prêmio senão a compreensão do
povo, que até hoje não nos faltou em instante algum e a que devemos
o estímulo e a confiança com que hoje rasgamos esta novo trincheira
para o bom combate em prol das instituições nacionais.”
Neste mesmo dia uma notícia de primeira página dava uma idéia do que o jornal
considerava como sendo o “povo”. Um “ser” sofrido e explorado, de quem os poderes
públicos só teriam servido para roubar sua “consciência e suas regalias”. Dizia o
seguinte:
“Roncando de Olhos Abertos – A tragédia de um povo que só tem
existido para sofrer e pagar impostos – Uma luta que se inicia para
reintegrar as classes populares na posse ampla da sua consciência e
das suas regalias que lhes são devidas”.
O “povo”, pilar principal em torno do qual o jornal “O DIA” constrói seus
discursos, aparece como um mero pagador de impostos indevidos, que sofre uma
realidade “dura e humilhante”, “sem saúde, sem transportes, sem teto e quase sem ter o
que comer”. É na sua condição de necessitado que o “povo” aparece neste discurso, e é
assim que ele legitima a existência do jornal. Pois como foi dito nesta mesma notícia:
“Quando tudo falte,nós não faltaremos a esse “povo cansado de
passar fome”, segundo a expressão do primeiro magistrado.”
Personagem sempre presente nos discursos do editorial do “O DIA” em todos os
seus aniversários de existência, o “povo” aparece como sendo o sentido último da
existência do jornal. Servir como porta voz do “povo”, esse foi o propósito lançado no
seu primeiro editorial. 
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Para realizar esta missão o “O DIA” mandava para diversas regiões dos
subúrbios do Rio de Janeiro os seus “comandos”. Os “comandos” do “O DIA” iam para
essas regiões com o objetivo de “ouvir” a população sobre suas condições de vida. 
No aniversário de um ano de circulação o jornal reafirmava junto a seus leitores
sua condição de “porta voz do povo” com as seguintes palavras: 
“O DIA completa hoje o seu primeiro aniversário. Um ano apenas.
Realmente muito pouco para um jornal que trouxe um grande
programa de lutas e de esforços construtivos para realizar em prol do
povo. O que nos dá porém satisfação e orgulho ao transpormos este
primeiro marco da nossa jornada é a certeza de havermos cumprido
integralmente o que prometemos e termos sido plenamente
correspondidos e ajudados pelos nossos milhares de leitores diários.”
Curioso notar que o estilo seguido pelo editorial do jornal guarda muitas
semelhanças com o discurso de políticos, que após seu primeiro ano de mandato
agradecem ao povo que o elegeu, e reafirmam seus compromissos. E os propósitos do
“O DIA” eram de estar “dispostos a todos os sacrifícios que as circunstâncias nos
impusessem, e certos de que o dever de um jornal que se propõe a servir com decência
e dignidade a uma democracia é desaparecer se for preciso, mas nunca negociar nem
se acumpliciar, pela tolerância ou pela simples omissão, com o êrro, a mistificação, a
incapacidade e a má fé”. E era principalmente como “veículo de queixas ou de
protestos, de reivindicações justas e aspirações legítimas”, que o jornal se oferecia ao
“povo”, sempre consciente de sua “fórmula democrática”, “do povo, pelo povo e para
o povo”.
Pode ser no mínimo interessante pensar que é a partir da década de 50 que os
meios de comunicação de massa passam a se constituir enquanto empresa comercial e
industrial. Neste sentido não só as vendas de jornal, mas também e principalmente a
publicidade contribui com a maior parcela no balanço financeiro da empresa jornalística
(Sodré; 1986). Sabemos que, por isso mesmo, o anunciante passa a pesar muito mais na
orientação editorial do jornal do que o leitor que compra o jornal. Nas palavras de
Goldenstein (1987:29), “o importante é que a lógica que rege a construção da
mensagem é a do lucro: a empresa domina o jornal”. 
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O jornal “O DIA” reproduzia em seus editoriais o discurso que a partir de 1945
todos os partidos políticos acabaram por aderir. Este tipo de discurso procurava
incorporar as classes populares na política. “O novo surto industrial que se seguiu à
recuperação da crise de 1929 e a urbanização que o acompanhou fizeram crescer a
importância destas classes e em 1945, com a redemocratização, sua presença passou a
ter mais peso no jogo do poder” (Goldenstein; 1987:36). E é justamente em torno da
discussão de como incorporar politicamente as classes populares na sociedade brasileira
que se constituem todas as tensões da vida social e política nacional neste período.
Para Serra (1979) é inegável o apelo popular de “O DIA”, que pode ser visto
principalmente em suas matérias trabalhistas, nas informações que destacam os
interesses das classes populares, assim como no registro de suas reclamações e
reivindicações. Apesar disto não posso dizer, seguindo as idéias do referido autor, que
este jornal não é um jornal político, no sentido de que ele não é “a expressão ideológica
ou mobilizadora de um partido ou de uma plataforma” (Idem; 1979:31). Para o período
que o autor estudou (20 à 31 de outubro de 1975), talvez isso pudesse ser verdade; mas
o mesmo não posso dizer para o período de 10 anos (1951-1960) que observei, pois
neste momento isto não é verdade. Pode até mesmo ser que, como vimos, no discurso
editorial do jornal ele se mostre isento de ligações político partidárias. Mas não se pode
esquecer do dado fundamental de que seu proprietário fez carreira política a partir do
surgimento do “O DIA”. Chagas Freitas além de possuir uma coluna diária no jornal,
onde escrevia na defesa dos interesses dos trabalhadores assalariados, utilizava
explicitamente o jornal durante os períodos eleitorais para fazer campanha política.
Conclamava a população para assistir aos comícios, para participar das carreatas
políticas e principalmente para votar a favor dele ou de seus aliados políticos.
No período que estamos estudando, uma edição diária típica do “O DIA” possuía
a seguinte configuração:
 Página 01 – Manchetes e chamadas, com predominância de fatos
sensacionais e extraordinários.
 Página 02 – Editorial do jornal, política nacional e notícias gerais do país.
 Página 03 – Notícias sobre aspectos gerais da cidade do Rio de Janeiro,
acompanhado de fotos.
 Página 04 – Lazer e utilidades públicas.
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 Página 05 – Notícias policiais sobre crimes, contravenções, acidentes, além
de fatos classificados como extravagantes. Na maioria das vezes são a
continuação das manchetes do dia.
 Página 06 – Notícias policiais (continuação).
 Página 07 – Esportes, principalmente corrida de cavalos.
 Página 08 – Esportes, principalmente futebol.
Dispersos nessas páginas, encontram-se diversos tipos de colunas assinadas,
além de muitas propagandas e anúncios de classificados. Eram muito comuns as
propagandas de cigarros, cervejas, eletrodomésticos, lojas de roupas e loteamentos.
Como mostrei, o espaço privilegiado pelo jornal “O DIA” era o destinado aos
crimes. Segundo Serra (1980:18), este é “o espaço em que se desenvolverá a
representação de parte importante do cotidiano de uma região social determinada”.
Era também através deste espaço que se configurava a identidade principal do jornal.
Inseridos dentro da seção de crimes ou policial, todos os desvios possíveis de acontecer
eram simbolicamente ordenados. Ou então como diz D’Abbadia (1981:20):
“Ao ler sobre toda essa chacina diária, num ritual que procede os
afazeres profissionais de um dia atribulado, de insegurança em
relação à sociedade que o envolve e todos os perigos advindos deste
núcleo existencial, talvez esse homem moderno esteja sendo como um
dos iniciados das ‘Bakkheia’, que passava pela purificação –
‘Katharmós’ – e exclamava ao fim do ritual: ‘Eu fugi do mal e achei o
bem’.”
2) As Notícias : ________________________________________
Diante da quantidade de material coletado do jornal “O DIA” (1951-1960),
pensei em qual poderia ser a melhor forma de apresentar e analisar um número
significativo de notícias. Apenas seguir as datas de publicação das notícias não iria fazer
com que fosse produzido algum grau de esclarecimento sobre as mesmas. Optei, então,
em organizar as notícias segundo determinadas categorias classificatórias. No caso de
algumas notícias que pudessem ser classificadas em mais de uma categoria, escolhia
uma que parecesse ser a mais significativa para o seu entendimento. Muitas vezes
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no JornalO DIA
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durante o comentário de uma notícia mostrarei que ela também poderia ter sido
classificada em algum outro grupo. 
Maggie (1985) percebeu que algumas categorias acusatórias eram recorrentes no
discurso da imprensa, da polícia, da justiça, dos intelectuais e dos membros dos
terreiros. Nestes discursos aqueles que são acusados de praticar o baixo espiritismo
estão sempre relacionados com a luxúria, o crime, o feitiço, a loucura e a charlatanice.
A partir dessas categorias, pude perceber algumas semelhanças com o material
jornalístico que tinha em mãos, e formular então algum tipo de ordenação.
Reuni todas as notícias em quatro grupos principais, que se subdividem da
seguinte maneira:
1) Grupo I – Morte { Assassinato
{ Suicídio
2) Grupo II – Devassidão { Abuso Sexual
{ Homossexualidade
3) Grupo III – Desordem { Violência
 { Confusão
 { Charlatanismo
 { Loucura
4) Grupo IV – Religião{ Feitiçaria / Magia
 { Festas Religiosas
 { Notícias Sobre Umbanda e Candomblé
 { Caso Aguerê
 A apresentação das notícias não segue a ordem dada acima. Inicio a exposição
pelo termo Assassinato e a partir dele acompanho alguns assuntos que vão aflorando e
se correlacionam entre si. Não considero que seja significativo para o entendimento e
análise dessas notícias seguir uma ordem cronológica, pois daria assim a falsa
impressão de que essas notícias passam alguma idéia de ordem. Pelo contrário, o que
pude perceber na coleta do material e no acompanhamento da publicação de algumas
notícias contemporâneas sobre os mesmos temas é uma impressão de “desordem”.
Uma outra razão para não seguir uma ordenação cronológica na exposição do
material é a de que não estarei analisando o desenrolar de nenhum caso específico. Pelo
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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contrário, procuro perceber certos estereótipos recorrentes às religiões afro-brasileiras,
até mesmo na atualidade, em materiais de diversos tipos.
Apesar do jornal ser um objeto cronológico, pois ele funciona como uma espécie
de marcador do tempo cotidiano nas sociedades contemporâneas, o meu objetivo é
descortinar certas recorrências (assassinatos, violências, loucuras, desordens, etc.) que
vivem em um outro tempo, um tempo longo, que é o oposto e o complemento do tempo
fragmentado vivido no dia a dia das grandes cidades. Talvez possa dizer que esses
elementos ou categorias são míticos, no sentido de que expressam crenças e valores
comuns a toda a sociedade.
Iniciarei a análise das notícias pelo termo Assassinato, que está incluído no
Grupo I – Morte. Logo na terceira notícia que encontrei sobre religiões afro-brasileiras,
no dia 28 de agosto de 1951, me deparei com uma notícia sobre crime. A manchete
dizia o seguinte: 
 “Crime de morte na Maloca de Vigário Geral - Com duas facadas o
estivador abateu o curandeiro - Ciúmes da cunhada o motivo do
crime. . . praticava o baixo espiritismo, sendo considerado
curandeiro. . .”
O curandeiro havia levado sua cunhada para assistir a uma sessão de espiritismo;
durante a sessão uma cena de ciúmes é deflagrada por causa de um outro homem, um
estivador, que estava tentando se aproximar da cunhada do curandeiro. Os dois homens
discutiram e o resultado foram duas facadas e um “crime de morte”. 
No dia 23 de janeiro de 1952 “Um macumbeiro Planejou o Crime”, foi como se
defendeu a enfermeira que estava sendo acusada de envenenar um paciente. As cenas
que acontecem nestas duas primeiras notícias são muito comuns no noticiário do “O
DIA”. Um assassinato que acontece durante uma sessão de “baixo espiritismo” e outro
que é planejado e/ou executado por um “macumbeiro”. 
Aliás, ao que indica algumas notícias do “O DIA”, parece que as “macumbas”
são um excelente lugar para se planejar crimes. É como diz o guarda municipal que após
ter seus bens roubados pela “crioula”, vê sua vida posta em perigo por essa mesma
“crioula” que estava tramando “nas macumbas, a sua morte”. Esta notícia, publicada
no dia 23 de julho de 1952, tem seqüência no dia 25, com o mesmo título: “Paixão de
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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Velho”. Vale ressaltar que na sua continuação, a “crioula” se transforma em
“doméstica” e protesta contra a acusação do guarda municipal, dizendo que não estava
planejando nenhum assassinato. 
 Outra cena recorrente é a morte de crianças durante sessões de “macumba”. A
manchete é explícita: “Estrangulou a Criança a Mando do seu ‘Santo’” (10 de agosto
de 1952); essa notícia nos faz perguntar que tipo de “Santo” seria este que manda matar
crianças. Talvez uma resposta possível seja dada no dia 02 de outubro de 1953. Diz o
texto:
 “Sêde de Sangue - A bruxa queria abrir ao meio, a golpes de facão,
num ‘terreiro’ em Nova Iguaçu, uma criança de 2 anos. A mãe
rebelou-se evitando o trucidamento, sendo agredida à foice e
enxada. . . num ritual bárbaro que nada tem do culto de umbanda, a
criança seria sacrificada para arrancar a influência maligna que
carregava, um espírito mau. Os guias da linha do mal iriam auxiliar. .
. deve tratar-se de criatura de duvidosa sanidade mental, pois esta
crueldade não é própria de uma pessoa em pleno domínio da razão”.
Vale assinalar que, no momento em que esta notícia é escrita, o jornal está
começando com sua coluna semanal sobre a Doutrina Umbandista. Talvez por isso seja
comercialmente favorável sublinhar que este “ritual bárbaro nada tem do culto de
umbanda”; querendo-se ressaltar a idéia de que: “na umbanda não se matam
criancinhas”. Isto de matar criancinhas em rituais é coisa de “bruxas”, que são
definidas como aquelas pessoas que lidam com espíritos “da linha do mal” e que
certamente são “criatura(s) de duvidosa sanidade mental”.
Teixeira (1994:33-34) mostra como a Escola de Patologia Social associava
“certas práticas rituais (a possessão, o sacrifício de animais) à loucura”. Essas
associações recaiam particularmente sobre coisas vistas como sendo de negro ou afro. A
mesma autora indica de que forma certos estereótipos negativos popularizados na
sociedade brasileira são também interiorizados pela própria população negra ou afro.
“Outras doenças e características morais e comportamentais
negativas também foram atribuídas a negros e mestiços por essa
corrente de pensamento social, o que tem contribuído fortemente para
o enquadramento dessas populações como gente de segunda
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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categoria e, em certa medida, não-cidadãos. A popularização do
discurso científico gerou uma estereotipização negativa do negro e
engendrou uma pressão psicológica. A naturalização ou
cotidianidade desse retrato negativo promove a interiorização dos
preconceitos (Munanga, 1990:33-111), ou pelo menos, dos critérios
discriminatórios, pelas populações negras e mestiças, sobretudo
aquelas que adotam as crenças afro-brasileiras” (Idem, Idem).
É muito comum nos jornais a associação de crimes que envolvem o ambiente
das “macumbas” e a atribuição da qualificação de loucura aos praticantes desses crimes.
Desta forma se torna quase que automática no senso comum a associação das
“macumbas” e dos “macumbeiros” à loucura. 
Outro caso envolvendo crianças foi publicado em 29 de julho de 1953 no qual
“A Macumbeira Vaticinou a Morte da Criança com Sádica Crueldade”; segundo esta
notícia a criança não morreu, porém a mãe enlouqueceu na “desesperada expectativa”
criada pela “sádicamacumbeira”. A “macumbeira” ao anunciar a futura e próxima data
da morte da criança, criou na mãe desta um estado emocional de tamanha expectativa
que a levou à loucura. Na seqüência do texto irei abordar mais algumas notícias que
relacionam “macumba” e “loucura”.
No dia 09 de março de 1955 morria em um “’Centro’ de Vigário Geral” uma
menor que tinha vindo do interior de Minas Gerais em busca de cura para seus males. A
manchete deste dia dizia o seguinte: “Vertia Sangue Pelos Olhos a Vítima do
macumbeiro”. A menor teve uma “morte horrível depois de beberagem ‘milagrosa’”.
No dia 24 deste mês a mesma notícia aparecia como uma nota na página 05 do jornal.
Possuía o mesmo título, porém o conteúdo era bem diferente. Nesta nota o pai da
menina, que no texto continuava sendo “vítima”, dizia que sua filha havia ido ao Centro
em busca de conforto espiritual e que sua morte não se deu após a ingestão de qualquer
tipo de droga e sim porque ela já se encontrava desenganada pelos médicos. Mas o que
importa notar é que, como notícia, não tem valor o fato da menina ter sido desenganada
por médicos e sim o fato de ela haver morrido dentro de um Centro de “macumba”,
reafirmando no imaginário coletivo que “macumba” e morte estão associados.
Esta mesma proximidade aparece no dia 02 de agosto de 1955 nesta notícia:
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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 “Morto ao lado de um ‘despacho’ – Ainda não foi identificado o
corpo – Roubo seria a razão do crime – Velas e toalhas virgem
boiando nas águas da cachoeira - . . . pessoas do ritual de ‘Oxoce’
afirmam que o fato de ter ocorrido na Quinta-feira, dia consagrado a
esse ritual . . . duas hipóteses: ou o homem foi assassinado pela
pessoa que o acompanhou até a cachoeira, com o fito de juntos
prepararem o ritual de ‘Oxoce’, que não pode ser feito por uma só
pessoa, ou, então, foi vítima de ladrões. . . A polícia em expectativa,
pois a zona é perigosa e pululam criminosos e fanáticos por aquelas
redondezas. . .”
Vale ressaltar que nesta notícia pode-se perceber que existe um determinado
conhecimento por parte dos jornalistas sobre o funcionamento dos rituais. Talvez fosse
melhor dizer que existe certa familiaridade6 com toda uma série de práticas e de regras
que a princípio seriam de domínio exclusivo dos adeptos das religiões afro-brasileiras. 
Na notícia acima, um determinado lugar é classificado como perigoso porque é
freqüentado por criminosos. Este perigo é duplicado quando este mesmo lugar também
é freqüentado por “fanáticos” religiosos. Dois tipos que parecem possuir quase o
mesmo significado no sistema de classificação da polícia; “Criminosos e fanáticos” que
“pululam . . . por aquelas redondezas”. Como confiar nestes “fanáticos” que
assassinam seus próprios companheiros? Afinal, a primeira hipótese levantada imagina
que a pessoa encontrada morta talvez tenha sido assassinada por uma outra pessoa que
possivelmente a estaria acompanhando para auxiliar na realização de um ritual, “que
não pode ser feito por uma só pessoa”. 
E não só os “fanáticos” praticantes desses cultos seriam perigosos, os seus
Orixás e Guias também teriam a sua dimensão de periculosidade, castigando
implacavelmente aqueles “fios” que rompem com as regras de conduta do grupo. No
dia 06 de janeiro de 1956, por exemplo, diz a notícia:
 “’Filho de Santo’ assassinado após o aviso de Xangô – Rompera as
leis da Umbanda fazendo a côrte a uma mulher casada – A polícia
prende suspeitos . . . ‘Diz a meu ‘fio’ Geraldo que deixa de andar
mexendo com as ‘muie’ dos outros, porque ele vai ‘acaba’
6 Sobre a distinção entre Familiaridade e Conhecimento na vida social, ver Velho (1978).
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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‘desincarnando’ antes do tempo’ – aviso que o ‘pai-de-santo’ Manuel
de Abreu da Silva, da Cabana Espírita Xangô, transmitiu 2a feira
última a Geraldo. Sem profissão, vivia de tocar tambor no terreiro de
“macumba”. Os princípios de moral são apanágios dos círculos de
Umbanda e os castigos impostos pelos guias costumam ser
implacáveis. Cumpre-se a professia – Queria a mulher do vizinho –
Em liberdade quatro suspeitos. . .”
Desta vez o Orixá apenas avisou um de seus “fios” de que se ele continuasse
infringindo as leis de Umbanda poderia acabar “desincarnando antes do tempo”, vindo
castigá-lo indiretamente através do braço de outra pessoa. Em outros momentos o
próprio Orixá ou Guia pode resolver ele mesmo realizar a ação. Como por exemplo no
dia 21 de março de 1956, quando “’Exú’ armou o braço do vizinho contra a mulher –
Ao reagir ao homem que invadira a alcova, foi esfaqueada no seio – O vizinho dizia-se
estar com Exú no corpo”.
Outras vezes é o próprio Orixá protetor do religioso que pode vir em seu auxílio
caso ele se encontre em uma situação complicada. No dia 08 de junho de 1956, durante
um interrogatório o réu acusado de cometer assassinato incorpora um Orixá diante do
júri. O réu se explica dizendo: “foi o meu ‘protetor’ que chegou”. Diante do
acontecimento o julgamento é sustado para exame mental do réu, que se defende
dizendo que não é maluco e sim espírita, tendo matado o “macumbeiro” porque este
“abusara de sua esposa. . . para os seus advogados, Antônio não passa de um místico,
que leva a sério a sua religião”. O próprio acusado não parece muito preocupado em
defender-se da acusação de assassinato, ao contrário ele diz as razões que o levaram a
cometer tal ato. Parece que a principal preocupação do júri, a partir do momento em que
o réu incorpora seu “protetor” é determinar se o réu é, além de “assassino”, “louco” ou
“macumbeiro”.
“Louco” como o “macumbeiro” que no dia 05 de julho de 1956 matou a tiros o
próprio irmão. Segundo o texto o “macumbeiro” “invocou ‘Exú’ ao matar o irmão –
‘Hoje quero beber sangue!’”, fugindo depois do assassinato para o mato, “cantando
‘pontos’ de macumba”. Na fuga o assassino se despiu de suas roupas e vestiu os trajes
que usava “quando ia ao Centro Espírita onde estava desenvolvendo-se”. Ao fugir
vestiu uma blusa vermelha e uma calça branca, sinais esses que segundo a interpretação
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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do jornal seriam as cores de Exú. “Inconsciente da extensão do crime ao que se
presume ele não sabe que matou o irmão . . . segundo sua mãe ele ultimamente vivia
triste por problemas amorosos e de três meses para cá dera para freqüentar
‘macumba’”. A afirmação de que “dera para freqüentar ‘macumba’” havia três meses,
aparece ao final do texto e parece dar uma explicação ao assassinato. Afinal, por que
“dois irmãos que muito se queriam” viriam a se matar?
Não só irmãos mas também amigos podem acabar se matando nas “macumbas”;
algumas vezes o dinheiro pode ser o motivo. No dia 01 de janeiro de 1957 um
“biscateiro” atraiu seu amigo “comerciário” para assistir uma “macumba” em Vila
Valqueire, matando-o a golpes de foice “nas proximidades do terreiro”. O perigo
imediato que ronda os terreiros e que pode vir a recair sobre “amigos”, essa força
desagregadora das relações, aparece muito nitidamente nesta notícia. O seu título dizia:
“Atraiu o amigo à macumba para matá-lo”.
Uma outra acusação que pode ser imputada aos “macumbeiros” é a de serem
torturadores. Como a do dia 14 de abril de 1957 que dizia sobre um “falso pai-de-
santo” da favela do Muquiço, em Deodoro, que havia torturado uma “jovem paralítica
e desmemoriada” de 16 anos de idade até a morte, “durante dois meses, com fogo, pau
e socos” . Recebendo a quantia de750 cruzeiros para livrá-la de um “mau-espírito”, o
“falso pai-de-santo” submeteu a jovem a um tratamento que veio a tornar-se fatal.
Neste caso, embora a vizinhança escutasse os “gritos lancinantes” da jovem, ninguém
veio em seu socorro, pois sabiam “que o falso ‘pai-de-santo’ estava ‘tirando um
espírito mau’ do corpo da jovem”.
Assassinato é um dos temas principais do jornal que estamos analisando, não só
durante o período que observamos mas até fins da década de 80. Os motivos e as razões
apresentadas pelo jornal para a execução de um crime podem ser muitas. Dentre estas
razões podemos encontrar os de se pertencer, freqüentar ou mesmo morar perto de um
terreiro de “macumba”. Esses lugares e seus membros são vistos e apresentados como
assassinos potenciais. A morte, algumas vezes, aparece como uma mercadoria que pode
ser negociada em um terreiro de “macumba”. Na notícia do dia 09 de novembro de
1957, por exemplo, uma mulher é acusada por um pai-de-santo de ter ido à Tenda
Espírita a fim de negociar a morte de seu próprio marido.
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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 “O pai-de-santo acusa a mulher – Queria negociar na Tenda
Espírita a morte do marido – Repelida em seu propósito sinistro,
adicionou formicida ao xarope e deu-o ao companheiro – Trinta
testemunhas foram arroladas pela polícia para depor no caso –
Quando negava, em cartório, que conhecesse sequer a casa onde
pleiteou o extermínio do espôso, foram introduzidas no recinto todas
as pessoas com quem tentou a negociação – Baixou a cabeça e
desatou a chorar – Tinha quatro amantes. . .”
Neste caso a mulher não é atendida em suas intenções, e tanto o pai-de-santo
como as pessoas da Tenda Espírita aparecem como testemunhas da tentativa de
negociação de assassinato. Sabemos da preocupação permanente que os membros dos
terreiros têm em distinguirem-se dos “falsos espíritas”, que seriam todos aqueles que
utilizam a religião para benefício próprio. Neste caso específico, ao denunciar a mulher
que desejava matar o marido, os membros do terreiro em questão se colocam do lado da
ordem. Mas, mesmo não aderindo as intenções da assassina, o que fica implícito é que
os terreiros e seus freqüentadores podem ser possíveis negociadores de um assassinato.
A imagem de que as “macumbas” são lugares perigosos, freqüentado por
pessoas que podem cometer crimes considerados “brutais”, pode ser ilustrado por
exemplo nesta notícia do dia 05 de junho de 1957, na qual um “falso pai-de-santo” é
acusado de matar e profanar uma mulher que, estando para ser mãe, buscou os
“conhecimentos especializados” do “falso macumbeiro”. O que desperta a nossa
atenção nesta notícia é a utilização das categorias de “falso pai-de-santo” e de “falso
macumbeiro”. Vejamos a notícia:
 “Matou a mulher que ia ser mãe – Crime brutal de falso pai-de-
santo – Acusado de profanar o cadáver, a pretexto de ressuscitar sua
vítima – Morreu também a criança – Um falso pai-de-santo é acusado
de morte em circunstâncias dolorosas de uma jovem senhora que,
estando para ser mãe, recorreu na sua ignorância aos ‘conhecimentos
especializados’ dele . . . a cliente, um dia depois, veio a sucumbir. . . o
falso ‘macumbeiro’ a pretexto de ‘ressuscitar’ o cadáver de sua
vítima, praticou incríveis atos de profanação . . . embora policiais de
São João de Meriti afirmem que o acusado profanou o cadáver, a mãe
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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da jovem desmentiu tal versão informando que não se afastou de
perto de sua filha . . . o falso macumbeiro já está preso.”
Nesta e em outras notícias do mesmo período passa a ser comum a utilização da
qualificação “falso” para fazer referência aos casos em que religiosos afro-brasileiros
são apontados como criminosos. Era sempre um “falso pai-de-santo” ou um “falso
macumbeiro” que eram apontados como criminosos. Neste mesmo período percebe-se
um aumento da participação das Federações de Umbanda no espaço do jornal. A partir
de novembro deste mesmo ano (1953) a coluna semanal das Federações umbandistas
passa a ter dois dias na semana para publicação de suas notícias e reportagens.
Na edição dos dias 20 e 21 de julho de 1958 vê-se o uso da qualificação de
“falso” se estender por conseqüência ao espaço onde se realizam os atos.
 “Maltratada a menor pelo falso espírita – Fundara o Centro com
propósitos inconfessáveis – Ao subjugar a pequena vítima dizia que
seus ‘guias’ assim o determinavam - . . . monstruoso crime levado a
efeito por falso espírita . . . fundou uma sociedade a qual dava o
rótulo de ‘Centro Espírita’. . .”
Os “falsos espíritas” agem nos “falsos Centros Espíritas”, nada mais lógico do
que esta afirmativa. Permanece porém uma questão, que não irei responder agora e sim
quando analisar o espaço ocupado pelas Federações no “O DIA”: Como reconhecer e se
possível evitar os “falsos” pais-de-santo, os “falsos” espíritas e os “falsos” Centros
Espíritas?
Todos esses falsificadores são classificados, a partir da análise do material
jornalístico, como “Charlatões” e fazem parte do Grupo III que diz respeito aos casos de
“Desordem”. Em 25 de junho de 1951, temos uma notícia que podemos considerar
como dizendo respeito a este tipo de caso. É um caso de “exploração da credulidade
pública”, em que o “macumbeiro” é detido pela polícia. Neste tipo de caso é muito
comum o texto dizer que o “curandeiro” foi preso no momento em que atendia a um
“cliente”. É um tipo de serviço onde o charlatão, não estando qualificado para exercer
tal função, engana seus clientes fingindo muitas vezes incorporar algum espírito.
 “Preso macumbeiro – Explorava a credulidade pública
quando foi detido pela polícia. . .” (25 de junho de 1951)
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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 “Preso o curandeiro – A polícia chegou quando atendia a um
cliente” (26 de abril de 1952)
 “Macumba e chantagem – A polícia desmantelou um falso
‘Centro Espírita’ – Dois espertalhões presos quando exploravam
incautos – Cobravam as consultas onde fingiam incorporar o
‘Caboclo Pena Verde’. (06 de outubro de 1955)
 “Exploravam incautos em nome de ‘Exú’ – Senhoras iam a
falsa Tenda Espírita para ‘amarrar’ os maridos – Surpreendidos e
presos os embusteiros quando se achavam em plena função.”(28 de
abril de 1956)
O que parece estar em questão não é a possibilidade de existir pessoas que
incorporem um espírito e/ou uma divindade, e sim a capacidade de certas pessoas em
realizarem tal ação. Alguns “aproveitadores” e “mistificadores” simplesmente fingem
que incorporam algum espírito ou divindade a fim de se beneficiarem da crença de
certas pessoas. Em 28 de agosto de 1956, por exemplo, um “espírito protetor” que
realizava uma operação mediúnica simplesmente “deu o fora quando chegou a polícia”.
A saída do “espírito protetor” com a chegada da polícia aparece como uma acusação de
falsidade, assim como a placa que existia no Centro com os seguintes dizeres: “Aqui, só
com operações as pessoas ficam boas. O Centro é pobre. Precisa de ajuda. Quem
quiser ajude e entre para sócio”. Esses dois acontecimentos, a saída do “espírito
protetor” e a existência da placa com os dizeres, são considerados como sinais de
charlatanismo. 
Talvez a notícia do dia 03 de dezembro de 1957 esclareça alguma coisa com
relação às acusações de charlatanismo. Nesta notícia, curandeirismo, “macumba” e a
prática ilegal da medicina são termos que juntos, potencializam a acusação de
charlatanismo: “Enganava os incautos a quase meio século – A curandeira foi
presa numa hora de movimento do ‘consultório’ – Um agente de
laboratório era sócio da exploração de falsa medicina - . . . há mais
de quarenta anos exercia suas atividades . . . a velha macumbeira foi
recolhida ao xadrez, depois de ser autuada, tendo sido apreendido em
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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seu domicílio, enorme quantidade de remédios e receitas, que atestam
ter exercido sem o poder, a medicina.” 
Entre os perigos existentes em se procurar os serviços desses charlatões, estão os
que dizem respeito à própria vida da pessoa. Em 08 de maio de 1957, uma mulher, após
quase ser morta pelos “violentos métodos de cura” de um charlatão, resolve procurar a
polícia. Diz o texto que a mulher, “quase morta pelo falso ‘pai-de-santo’. . . reclamou
contra os violentos ‘métodos de cura’ que lhe eram aplicados e foi atirada à rua”. A
separação entre “charlatanismo” e “assassinato” algumas vezes parece ser muito tênue,
pois um charlatão é capaz de fazer qualquer coisa para enganar um cliente. Daí o
“perigo” em que incorrem as pessoas que buscam os serviços desses enganadores
profissionais. As duas notícias que seguem são exemplos de como as acusações de
assassino e de charlatão podem ser aproximadas.
 “O iniciado tinha que queimar pólvora nas mãos – Seita de
fanáticos – A polícia interveio e acabou com a festa – Foram todos
parar no hospital” (sob as fotos que acompanhavam o texto estava
escrito que: “sairam feridos do falso ‘terreiro’ da seita de fanáticos)
(07 e 08 de setembro de 1958).
 “Iemanjá não estava protegendo o lustrador – Deitou-se sobre as
velas e transformou-se em tocha humana – O ‘pai-de-santo’ agravou
a situação – O trabalhador, ao que tudo indica, sob os efeitos do
álcool querendo demonstrar que estava sob a proteção da Rainha do
Mar, deitou-se sobre uma porção de velas acesas. Antonio
Marinho. . . que se intitula pai-de-santo, com objetivo de reforçar a
crença, despejou aguardente sobre Alfeu. Os resultados funestos
foram imediatos. . . causador do fato foi preso e autuado”(03 de
janeiro de 1959).
A imagem que as notícias transmitem é a de que um “charlatão”, por ser capaz
de tudo a fim de vender os seus serviços, pode inclusive colocar em perigo a vida da
própria pessoa que o procura. Nos dois casos em questão os acidentes são provocados
em conseqüência da irresponsabilidade dos pais-de-santo. Querendo demonstrar um
saber que não possuem, acabam por colocar em perigo a vida de seus seguidores. Em
um caso, ocorrido em 28 de fevereiro de 1959, aquilo que é sempre percebido como
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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uma possibilidade, ou seja, a de que uma pessoa venha a morrer em razão dos falsos
conhecimentos que um charlatão diz possuir, torna-se fato.
 “Mistificador e assassino – O jovem promovia sessões e acabou
provocando a morte do pai de sua amante na tentativa de curá-lo. . .”
No dia 18 de março de 1953 saia uma notícia dizendo que um “falso pai-de-
santo” havia raspado os cabelos de uma jovem para livrá-la de “males astrais”,
dizendo que fazia parte do tratamento para livrá-la de seus problemas. A notícia diz
assim:
 “Rapou a cabeleira da jovem para livrá-la dos ‘males astrais’ – O
embusteiro extorquia dinheiro aos padrinhos da jovem –
Cumplicidade de uma doméstica que se beneficiava com a farsa do
vigarista . . . o falso pai-de-santo . . . aproveitando-se da credulidade
dos padrinhos da jovem . . . praticou incríveis sevícias contra a moça.
. . contou com a cumplicidade de sua amásia. . . vítima de constantes
sevícias por um embusteiro, a pretexto de ser aliviada de influências
malévolas”
Neste texto, o “charlatão” ou “embusteiro” é também acusado de praticar maus
tratos na jovem, tudo como parte do tratamento. O que não fica claro é se entre os maus
tratos estariam também incluídas certas práticas sexuais. Na notícia do dia 25 de
outubro de 1955, a relação entre charlatanismo e exploração sexual fica bem mais clara. 
 “Seduzia donzelas, viúvas e senhoras casadas – Bancando o ‘pai-
de-santo’, o pintor avançava até no dinheiro das suas vítimas – A
denúncia do rapto de uma menor fêz com que viessem à tona as
aventuras do espertalhão - Acusado de usar o baixo espiritismo para
as suas conquistas - Mistificação de receber o ‘caboclo’. . .”
Neste caso temos um pintor que bancava o pai-de-santo, fazendo uso do “baixo
espiritismo” para seduzir suas clientes. Em alguns outros casos podemos perceber a
conjugação das categorias de assassinato, charlatanismo e sexualidade, como neste caso
do dia 26 de junho de 1955:
 “Martírio de mulher obrigada ao adultério – Sob ameaça de morte
‘Pernambuco’ conseguiu seus intuitos – Audácia de falso ‘pai-de-
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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santo’ e alcagoete – Dona Helena teme por si e pelos seus filinhos ,
que ‘teriam os dentes quebrados’ se contassem tudo ao pai . . .”
“Pernambuco”, o falso pai-de-santo, com o objetivo de submeter Dona Helena a
“seus caprichos animalescos”, certo dia ameaça-a de morte com uma faca, dizendo que
se ela não se comportasse direito a faca iria “conhecer as suas carnes”. Além disto,
constantemente ameaçava de violência seus pequenos filhos, para que assim eles nada
dissessem sobre ele para seu pai. Neste tipo de notícia é ressaltado a proximidade das
“macumbas” e dos “macumbeiros” com perversões sexuais. Todas elas são notícias que
cabem na denominação de “devassidão” (Grupo II), e dizem respeito aos casos de
“abuso sexual” ou de “homossexualidade”. Nas “macumbas”, os “macumbeiros”
encontrariam espaço para manifestar seus “baixos apetites” sexuais. 
 “Bárbaro e revoltante – O ‘pai-de-santo’, depois de retalhar o
homossexual à gilete, cevou no infeliz seus baixos apetites. . .” (04 de
novembro de 1954)
Neste caso, um rapaz que era atormentado por “dores cruéis” sentia-se
“reconfortado com os prazeres do homossexualismo”; o pai-de-santo ao qual o rapaz é
levado pelo seu padrasto diagnostica o caso como sendo de um “despacho no corpo”. A
fim de curá-lo faz com que seja submetido a um “sádico e obsceno ‘ritual’ onde é
retalhado nos braços, costas, peito e na cabeça com uma gilete, e serve de ‘pasto’ ao
‘pai-de-santo’”. Os impulsos sexuais que levam os “macumbeiros” a investirem
sexualmente contra diversas pessoas, pode inclusive ser gerado por ordens espirituais. É
o que podemos ver no dia 31 de outubro de 1952 quando:
 “A ordem dos espíritos era possuir a mulher do vizinho – O vizinho
não foi nisso e recebeu os macumbeiros à bala”
Morador vizinho de um terreiro de “macumba”, o homem se vê numa situação
difícil quando durante uma sessão de “macumba” os espíritos ordenam aos
“macumbeiros” que a esposa do vizinho fosse possuída sexualmente. A maneira
encontrada pelo vizinho para defender-se foi receber os invasores à bala. Em alguns
casos, as forças espirituais podem fazer inclusive com que uma mulher abandone o lar,
o marido e os filhos para ir viver com esses poderosos espíritos que rondam as
“macumbas”.
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 “Trocou o esposo e os filhos por Exú – Forças invisíveis a
arrastaram para a Tenda Espírita – O Juiz determinou a busca e
apreensão das crianças, que dormiam com dois tuberculosos . . .
freqüentando as sessões da Tenda Espírita Linha do Oriente, no
Largoda Abolição, Eni da Costa Silva, brasileira, branca, casada, 27
anos, foi aos poucos perdendo o apego ao marido e ao lar . . . foi para
a casa de sua mãe, com os filhos de quem nunca pretendia separar-se.
. . o pai das crianças entra em juízo alegando que as crianças viviam
em promiscuidade, e pedindo a guarda dos filhos, que consegue. . .
acusa a sogra de haver induzido sua esposa a freqüentar terreiros de
“macumba” no Rio. . . há quem diga que Eni abandonou o lar por
obra de Exú . . . forças invisíveis altamente poderosas teriam feito
com que ela se afastasse do esposo”
O que pode ser mais perigoso do que essas forças invisíveis e poderosas, que
ameaçam as esposas e mães dos lares brasileiros? Responsabilizados pela
desestabilização de certas famílias, esses poderosos espíritos que habitam as
“macumbas” são percebidos como um perigo à segurança familiar. No dia 06 de
dezembro de 1955, o lar de um tal de João da Silva “desmoronou-se” “por obra e
graça de um macumbeiro”. Nesta notícia um “feitiço” é o responsável pela emergência
de uma sexualidade não regulada pelo casamento.
 “Enfeitiçada abandonou o marido pelo “pai-de-santo” – Moça bela,
deixou-se dominar pelo homem que abusou da hospitalidade do
casal . . . fazendo-se passar por indivíduo virtuoso e dotado de
poderes sobrenaturais, impressionou Anita e levou-a ao adultério. . .
“trabalhos” destinados a melhorar a vida de Anita, mas na verdade
as mandingas tinham por objetivo atrair a mulher e forçá-la a sair de
casa. . .”
As forças invisíveis das “macumbas” podem ser manipuladas através de
mandingas com o objetivo de realizar os mais variados desejos. No caso em questão
para realizar o desejo do pai-de-santo de ter relações sexuais com a esposa do seu
anfitrião. Algumas vezes basta a ameaça de fazer uma mandinga contra alguém para
conseguir o que se quer. Como no dia 10 de abril de 1958, quando o “falso
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macumbeiro” com uma simples ameaça de fazer um “trabalho” contra a jovem,
conseguiu possuí-la sexualmente.
 “Violentou a menor ameaçando-a de ‘feitiço’ – Ameaçando a menor
de fazer-lhe um trabalho . . . submeteu-a a seus baixos instintos. . .
diz-se “macumbeiro”, autor de trabalhos para os mais variados fins,
desde casamentos à mortes. . . com isso conseguiu iludir muitos
incautos. . . é um farsante. . . o tarado foi preso”
O medo de ser enfeitiçado pode fazer até mesmo com que algumas pessoas
venham a se suicidar, como é o caso da “cidadã austríaca” que “preocupada com as
maldades que alguém, aliado a Exú queria fazer contra a sua pessoa” resolveu por fim
a sua vida. São casos de “suicídio” e fazem parte das notícias classificadas dentro do
Grupo I – Morte. É do dia 25 de setembro de 1951 a seguinte notícia:
 “Matou-se por causa do ‘inimigo oculto’ – Imprecionada com os
‘despachos’ a cidadã austríaca bebeu um corrosivo”.
Este medo pode estar fundamentado na proximidade que as “macumbas”
parecem ter com a morte; as “macumbas” aparecem muitas vezes como um centrípeto,
que arrasta para si todos aqueles que se arriscam a se aproximar demasiado. É o que diz
a notícia de 10 de dezembro de 1954, na qual o operário Almir de Lima, brasileiro,
preto e solteiro, de 25 anos de idade, que segundo as declarações do pai era “um rapaz
trabalhador e comunicativo até que ingressou na macumba”, abandonou o emprego e
estava até mesmo evitando falar com o pai. Almir suicidou-se tomando formicida, uma
das maneiras mais comuns de se procurar a morte [segundo pude perceber através na
leitura do jornal “O DIA” deste período]. A manchete deste dia dizia que Almir havia
sido
 “Arrastado pela macumba – Suicidou-se com um ponto no bolso”.
Um perigo a ameaçar os trabalhadores que se aventurassem em uma maior
aproximação das sessões de “macumba”. Foi o que aconteceu no dia 24 de novembro de
1955 com o operário que teve suas “faculdades mentais afetadas” pelo consumo
excessivo de álcool, levando-o durante uma crise a suicidar-se. 
 “Macumba e morte – O operário acabou suicidando-se – Bebia
muito e era freqüentador assíduo de sessões de macumba”
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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E ao que parece não eram só os trabalhadores as possíveis vítimas desta força
misteriosa que levava as pessoas à loucura e ao suicídio. O suicídio de Pedro Machado,
mais conhecido entre os amigos como “o filósofo”, é um exemplo dos problemas e dos
perigos que podem acontecer após uma sessão de “macumba”. Pedro era “um poeta
folgazão, displicente e irreverente, mesmo em face dos problemas mais profundos”.
Seus amigos o levaram a uma sessão de “macumba” de um famoso pai-de-santo com o
objetivo de “arrancá-lo da irresponsabilidade”. Nesta sessão de “macumba” acabou
bebendo um copo de água “cujo líquido milagroso o arrancaria daquela existência de
libação constantes pelos bares da cidade”. Sua descrença com relação aos poderes da
milagrosa água oferecida foi a causa de sua desgraça. “Com o sistema nervoso abalado,
foi acometido de crises nervosa, submetendo-se a tratamento no Serviço de Psiquiatria
do Instituto dos Industriários”. Deixou uma carta na qual dizia que a causa de seu
“gesto extremo” teria sido “o mal que o acometera por ocasião da noitada sob os
efeitos dos espíritos dos ‘Orixás’”. A manchete do dia 24 de dezembro de 1955, dizia
que ele “Suicidou-se ao voltar do terreiro – Um mal afligia o infeliz”.
Beber água em uma sessão de “macumba” pode ser realmente um ato de
suicídio, se levarmos em consideração as impressões do delegado da Polícia Técnica
que visitou o Centro Espírita São Sebastião no dia 27 de março de 1953. Sua visita ao
local teve como objetivo esclarecer um caso de suicídio ali ocorrido. A manchete dizia
que “O suicídio do Centro Espírita foi esclarecido pela Polícia Técnica”. O delegado
teve “a pior impressão possível”, declarando tratar-se de um local infecto, causando
nojo aos menos exigentes a sua “falta de asseio”. Por fim o delegado aconselha que a
Saúde Pública faça uma visita ao local.
Mas o perigo mesmo parece estar na possibilidade de se “cair nas garras” de
um pai-de-santo. Seus conselhos podem ser macabros. Em 13 de maio de 1954, por
exemplo, uma jovem que havia sido proibida pelo namorado de freqüentar as sessões do
terreiro pede ao pai-de-santo do terreiro que lhe dê um conselho. O pai-de-santo a
aconselha a “atear fogo ao corpo com querosene”. A jovem segue os conselhos do pai-
de-santo e acaba internada em estado gravíssimo. A manchete dizia que “A jovem
tentou matar-se a conselho do ‘pai-de-santo’”. 
Em 07 de janeiro de 1956 um menor é “incentivado” a suicidar-se pelo
“feiticeiro” de nome Maneco. Dono de um Centro Espírita que convertera em “antro
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de perversão de menores”, Maneco se beneficiava com a prostituição dos menores.
Como o menor em questão “também buscava a facilidade das mulheres . . . teria sido
incentivado por ‘Maneco’ para sair do caminho”. A denúncia de que Maneco era o
“instigador e auxiliador do suicídio do menor” havia sido feita pela mãe do jovem que
foi “levado ao suicídio pelo feiticeiro”, segundo a manchete publicada neste dia.
Acreditar nas mentiras de um “macumbeiro” pode ser realmente fatal. Como no
caso do comerciante, “homem ingênuo e sadio” que “acreditou na patranha que lhe
contou o feiticeiro”, acabando por matar-se. Como vinha sofrendo a algum tempo de
fortes sintomas de sinusite, “passou a freqüentar sessões espíritas” na busca de algum
alívio. O “macumbeiro”“lhe asseverou ser ele portador de doença muito grave,
acrescentando que ele teria que se operar incontinente, para evitar que jorrasse pus
dos seus olhos e da boca”. Na sua ingenuidade o comerciante, “que nunca ficara
doente, deliberou matar-se”. Por isso a notícia do dia 24 de outubro de 1956 dizia:
“Matou-se por causa do macumbeiro – Duas crianças na orfandade”.
Nem mesmo os próprios “macumbeiros” estão livres da possibilidade de se
suicidarem. É o que dizem, por exemplo, as manchetes do dia 17 de fevereiro de 1956:
 “Morreu no altar de Ogun – Os ‘Guias’ tinham avisado que o
‘cambono’ se suicidaria – Do veneno só havia o cheiro”
E do dia 05 de setembro de 1956:
 “Suicidou-se ante o altar do ‘terreiro’ – Deixou um bilhete pedindo
que não o levassem ao necrotério – O suicida não gostava de
trabalhar, vivendo às custas da mulher, que o abandonou. . .
inconformado com a situação, o chefe do terreiro resolveu suicidar-se
tomando violento tóxico”
Até mesmo os conselhos dos Orixás podem ser muitas vezes perigosos, não só
para quem se encontra próximo das “macumbas” como para os próprios
“macumbeiros”. Cumprindo as ordens de Yemanjá, uma mulher “pobremente vestida”
e com “atitudes estranhas, dançando, fazendo sinais cabalísticos e falando de maneira
inteligível”, se atirou completamente nua na Lagoa Rodrigo de Freitas. Só não morreu
afogada porque alguns sócios do Clube Vasco da Gama, que a observavam, foram em
seu socorro. Caso contrário a mulher certamente teria morrido afogada. Quando
questionada pelo motivo de seu gesto extremo a mulher respondeu dizendo que:
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“Iemanjá ordenou que eu me atirasse na Lagoa para me libertar dos espíritos maus
que me acompanhavam”. Por esta razão a manchete deste dia, 16 de maio de 1957,
dizia:
 “Ao cumprir ordens de Yemanjá, atirou-se nua na Lagoa Rodrigo de
Freitas – Queria libertar-se dos maus espíritos”
Após ser retirada das águas da Lagoa a mulher é levada ao I Distrito Policial onde o
comissário de plantão julga-a como possuidora de “indícios de perturbação mental”,
enviando-a então para o Hospital de Alienados, onde ficou internada.
A “bela” atriz Carmem Vic também sentiu esta forte atração pelas águas. No dia
03 de maio de 1957 ela foi atraída por “esta força misteriosa”, que nela “já se
manifestava a algum tempo”, segundo suas próprias palavras. Não encontrando
explicação para o seu gesto diz que “não havia bebido muito” e que foi “vítima apenas
de uma forte atração pelo mar”, talvez em conseqüência da intensa crise emocional que
estava vivendo. Essas notícias sobre “loucura” são classificadas dentro do Grupo II, que
relaciona diversos tipos de “desordens”.
Talvez Osmar José da Silva também estivesse vivendo uma intensa crise
emocional, mas não foi nesses termos que ele se tornou notícia. Como afirma a
manchete de 07 de abril de 1957, Osmar simplesmente “Enlouqueceu e tocou fogo na
casa”. Morador de Rocha Miranda, um subúrbio do Rio de Janeiro, Osmar, segundo sua
sogra, passou a “beber muito e a freqüentar o baixo espiritismo” após o casamento.
Depois de tocar fogo na sua própria casa, Osmar foi correndo ao Posto Policial e aos
gritos dizia que agiu “a mando do ‘Caboclo Rompe Mato’”. No jornal sua atitude
encontra explicação como sendo mais um caso de loucura. 
Loucura também foi a classificação encontrada para o caso da “Luz del Fuego
sem cobra” que mesmo estando “completamente nua dançava na via pública”. Era o
dia 03 de outubro de 1951, e a manchete dizia que a mulher “parece tratar-se de uma
débil mental”. A mulher havia ido até um terreiro de “macumba” ao lado de sua casa e
ali recebera “vários ‘santos’”, até que em um determinado momento apareceu um
“espírito mau que queria matá-la”. A mulher saiu do terreiro e ficou “perambulando
pelas ruas da cidade” até que foram tomadas as “providências para removê-la” para o
“manicômio”.
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Classificado como “sensacional” foi o caso ocorrido em Nova Iguaçu no dia 27
de março de 1958. Neste dia, como nos diz o título da manchete, uma “Testemunha do
além baixou na delegacia”. Mesmo com os avisos do babalaô de que “as ‘iaôs’ (filhas
de santo) que saem, antecipadamente, da ‘camarinha’ (quarto de meditação e de
mistérios da seita) correm o risco de morrer ou enlouquecer”, o marido e o pai de uma
jovem senhora resolveram tirá-la do quarto. Quando estava entrando no carro para ir
embora, a jovem “caiu em transe comatoso”. A polícia foi chamada e levou todos para
a delegacia, onde depois de muitas acusações e defesas “resolveram chamar o santo da
mulher para dar o desempate da história”. A resolução foi dada com a volta da jovem
senhora para o terreiro. Um fato que chamou a atenção nesta notícia é de que pela
primeira vez foi colocada junto com a notícia o parecer de um dirigente de uma
organização de Umbanda. Ernesto Lourenço da Siva (que assina uma das colunas de
Umbanda no “O DIA”) é convidado para dar sua opinião à respeito das conseqüências
da violação do calendário iniciático. Apesar de desde os primeiros dias de circulação do
jornal sempre existir uma coluna semanal sobre religião afro-brasileira, esta foi a
primeira vez que a opinião de um dos escritores dessas colunas foi pedida para comentar
uma notícia.
No Grupo II, que reúne várias notícias sob a denominação de “desordem”,
podemos também inserir as que se referem à “Violência” e/ou “Confusão”. Um
exemplo de um tipo de notícia deste grupo é a que foi publicada no dia 08 de fevereiro
de 1952 que dizia:
 “Exú acabou com a festa – Executavam a marcha de Paquito
quando apareceu o bailarino-assombração deixando a sala deserta”
O aparecimento de um “bailarino-assombração” incorporado com Exú, no
meio de uma festa, fez com que todas as pessoas presentes saissem correndo do local da
festa, causando uma grande confusão. Um momento que é percebido como alegre e
festivo transforma-se, pela aparição de um Exú, em um momento assombrado.
Ao que parece, segundo o jornal, as festas e as boates são lugares propícios ao
aparecimento de algumas entidades das religiões afro-brasileiras. No dia 02 de setembro
de 1952 “Pai Xangô baixou na ‘Boite’”, dizia a notícia. Vinha cobrar uma promessa
não cumprida por um “jovem notívago”. Pai Xangô “incorporando-se ao rapaz, fê-lo
instrumento de sua força”, criando um instante de pavor na “Boite Babalu”. O “O
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DIA” foi ao local e registrou o acontecido; segundo suas próprias palavras: “o que
ouviu O DIA no local”.
Em outro local foi o repórter que “viu”. Foi na “Tenda Espírita da ‘Baba-
Orixá’ Odete”. No Terreiro que é localizado em Parada de Lucas, no dia 05 de outubro
de 1954 durante uma festa “dedicada à ‘Pomba Gira’”, o repórter pôde ver quando o
“Exú Tranca-Rua ‘arriou’” vestindo uma capa preta bordada em ouro. “Após a sua
aparição ‘quem antes era homem virou menino’”. Exú mais uma vez apronta das suas,
fazendo com que o comportamento das pessoas seja alterado diante de sua simples
presença.
Exú também causou uma grande confusão em uma sessão espírita no dia 13 de
novembro de 1954. Em seu nome uma grande “desordem” aconteceu. O texto diz o
seguinte:
 “ ‘Eu sou Exú’ – gritou o homem acabando com a sessão espírita –
Um grupo armado pôs a Tenda em polvorosa, quebrando tudo – Salvo
só o altar – Caboclo ‘Sete Flechas’ expulsou os hereges. . . Durante
uma animada sessão um grupode arruaceiros entra no terreiro ,
quebrando tudo, estavam embriagados e ao se depararem no pé do
altar, pararam e aquele que se proclamava ‘Exú’ estacionou
abruptamente diante do sinal de guerra do nome que invocava,
retrocedendo até o portão e saindo em louca disparada. O Presidente
da Tenda, João Alves, declarou que não obstante muitas pessoas que
estavam no dia acreditarem que o bando estava tomado por
mistificadores e espíritos do mal, para ele não passavam de elementos
arruaceiros. . .”
No dia 29 de fevereiro de 1956 foi o “Diabo” em pessoa quem causou uma
tremenda confusão. O mecânico Sebastião, depois de incendiar “o próprio lar”, resistiu
violentamente a voz de prisão.
 “Autuado lutou meia hora com 20 militares – Possuído por um
espírito mau, o mecânico incendiou o próprio lar - Resistiu ao
remédio do médico – Somente o ‘babalaô’ conseguiu curá-lo . . . com
o diabo no corpo, Sebastião pulava diante do seu barraco e gritava:
‘Eu sou Lúcifer, eu quero é fogo!’”
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Os próprios vizinhos de Sebastião chamaram a polícia, que teve muita
dificuldade para contê-lo. Depois de contido e amarrado, um médico foi chamado para
administrar uma medicação que o acalmasse. Porém a medicação fracassou. A única
coisa que conseguiu fazer com que Sebastião se acalmasse foram “alguns passes de
Umbanda”, feitos pelo seu concunhado Alcides Rosa. Segundo a opinião da esposa de
Sebastião: “Ele sempre fora bom marido, cumpridor de seus deveres, atualmente dera
para freqüentar um terreiro e desde então passou a ficar atuado com espíritos
violentos, esta sendo a segunda vez que provocou escândalos”. Interessante notar que
nem a polícia, nem o médico conseguiram fazer com que Sebastião retornasse ao seu
estado normal de consciência, sendo que a única medida eficaz foram os passes do
umbandista, que fizeram com que “o homem ficasse calmo e paciente”.
Ao que parece não são somente “Exú” e o “Diabo” que costumam causar
desordens. Os Caboclos também fazem das suas. No dia 13 de novembro de 1954 foi a
vez de “Caboclo do Mato”, ele “fêz miséria no morro da Formiga e a polícia,
enfrentando-lhe o ímpeto, desancou de rijo o ‘cavalo’ do Orixá”. O problema todo foi
causado porque os familiares de Alcibiades não davam “crédito ao Terreiro que (ele)
freqüenta”. Isto fez com que ele fosse incorporado pelo Caboclo do Mato, e começasse
a quebrar tudo. A polícia foi chamada para resolver o problema, mas quando chegou o
próprio Caboclo do Mato “baixou o pau nos dois policiais, que revidaram a pancadaria
até o ‘Caboclo’ desincorporar”. Na redação do jornal O DIA “onde compareceu,
Alcibíades mostrou na própria pele, os efeitos da descrença alheia”.
No dia 18 de dezembro de 1954 foi a vez do Caboclo Tranca-Rua7 armar uma
grande confusão. A notícia diz o seguinte:
 “Possuído pelo Caboclo – Tranca Rua quis matar a mulher e os
filhos – Advertido pela vizinha, o homem a agrediu armado de barra
de ferro – Bebe que nem gambá – Quase linchado por populares. . .”
E no dia 19 de janeiro de 1957, “pela voz do ‘Babalaô’, bradou o Caboclo
‘Caveirinha’: ‘Hoje eu quero beber sangue!”. Durante uma sessão que teve início com
uma reza, aconteceu uma grande “pancadaria no ‘Terreiro’”. Muitas pessoas tiveram
que passar pelo hospital antes de ir para a delegacia de polícia, para no fim de tudo
7 Tanto nesta notícia como na que analisamos a seguir, parece ocorrer uma confusão com o nome dos 
protagonistas das cenas. Tranca-Rua e Caveirinha são nomes de Exús. Parece que a confusão causada 
pelas entidades também se reflete na confusão dos nomes.
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terminar “a santa paz entre os protagonistas”. Mais uma vez estes três domínios
representados aqui pela “reza”, pelo “hospital”, e pela “polícia” aparecem juntos em
uma mesma situação de conflito.
Nestas situações de confusão, podem ocorrer cenas que integram diversas das
categorias por nós utilizadas para classificar as notícias. No dia 21 de junho de 1957
aconteceu uma cena que une Violência / Loucura / Feitiçaria em uma mesma notícia.
Como o motorista Adalberto apresentasse “sintomas de perturbação mental” , que na
opinião de sua esposa eram causados por “macumbas que estariam sendo feitas pela ex-
amante, de quem tem um filho”, ela resolveu seguir os conselhos de seu vizinho e levá-
lo a um “macumbeiro”. O “macumbeiro” era dono de um “ ‘terreiro’ de nome São
Lázaro”, e segundo se dizia era capaz de resolver “toda e qualquer confusão”. Porém
Adalberto recusava-se a ir até o terreiro para ser “submetido à tratamento”. A proposta
do vizinho, logo aceita pela esposa de Adalberto, foi que trouxessem o “macumbeiro”
até sua casa onde o “negócio” seria feito e “quando tudo estivesse preparado trariam o
homem para receber os ‘fluidos’”. Mesmo depois de voltar muitas vezes do meio do
caminho para o terreiro, dizendo para sua esposa que “não acreditava nisso”, ela
resolveu preparar tudo na casa do vizinho e levar o marido sem que ele soubesse de
nada. “Mas como as vezes o feitiço se vira contra o feiticeiro”, logo que Adalberto
entrou na casa do vizinho e percebeu o que estava acontecendo, ele se “agitou todo e
gritou: ‘Recebi meu santo’, investiu-se de uma machadinha, agrediu o macumbeiro na
cabeça e quebrou tudo na residência do funcionário”. Adalberto resistiu muito até ser
dominado. “Foi preso, levado para a delegacia e trancafiado”. A manchete do jornal
deste dia informava a existência de uma entidade diferente, querendo com isso
expressar, através de uma expressão jocosa, a agressividade do motorista contra o
“macumbeiro”:
 “O motorista recebeu o ‘Espírito de Porco’ – E agrediu o
macumbeiro, além de reduzir a casa do vizinho a frangalhos –
Violento desfecho de um ‘tratamento’ – A esposa do motorista
atribuiu suas perturbações mentais a ‘trabalhos’ da ex-amante”
Querendo passar a idéia de que alguns casos são caracterizados pela idéia de
inversão de alguma ordem natural, selecionamos as duas notícias seguintes. Os casos
são sobre uma criança cega que passa a enxergar e um menino mudo que começa a
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falar. O primeiro caso foi no dia 17 de maio de 1953 e dizia que “Na Tenda Espírita
Vovó Romana – Recuperando a luz dos olhos – A criança chorou mais forte, espantada
com a cerimônia que presenciava”. Já o caso do mudinho foi no dia 28 de setembro de
1955 e dizia que “o mudo falou por graça de Cosme e Damião”. O “milagre” foi
alcançado através de uma “simpatia” que a mãe da criança realizou. Por ter alcançado a
graça que desejou ela ofertou uma “imagem dos Santos Gêmeos à ‘Casa de Caridade
Nossa Senhora da Conceição’. 
Mas não é sempre que São Cosme e São Damião estão associados à obtenção de
algum tipo de graça. No dia 13 de dezembro de 1957, os nomes desses dois santos
católicos muito festejados pela população do Rio de Janeiro, de grande prestígio nas
religiões afro-brasileiras, e que na cidade do Rio de Janeiro também representam as
duplas de policiais que fazem as rondas pela cidade, foram associados a um caso de
violência de um policial contra um “Centro Espírita”. A manchete dizia sobre o
“‘Cosme’ (sem ‘Damião’)” que “ ‘baixou’ desastradamente no terreiro”. Por não
gostar de “macumba”, esta era a terceira vez que promovia uma “verdadeira demolição
no prédio daquela associação religiosa, quebrando tudo o que encontrava, depois de
derrubar os portões”. Como em nenhuma das vezes nenhuma providência foi tomada
pelasautoridades policiais, “a impunidade o tem animado à repetição do feito”.
Certos acidentes podem acontecer dentro de um terreiro com algum de seus
membros. Como o que aconteceu no dia 25 de abril de 1957 em um terreiro de Nova
Iguaçu quando “caiu no poço a ‘filha-de-santo’”, vindo a falecer no hospital daquela
cidade. A filha-de-santo havia ido apanhar água para lavar o rosto em um poço
localizado dentro do terreiro e caiu dentro dele. Seus gritos acordaram as pessoas que
estavam no terreiro que imediatamente foram em seu socorro, não conseguindo porém
salvá-la a tempo. Seu corpo apresentava diversas “equimoses”, o que levantou a
suspeita da polícia de que pudesse ter acontecido um assassinato. Mas como explica o
próprio jornal, “nos terreiros de macumba no dia de São Jorge, várias são as filhas-de-
santo que apresentam regiões equimosadas em conseqüência de contusões
involuntárias por ocasião das ‘manifestações’ ou ‘transes’ espirituais”.
Os terreiros são percebidos como locais muito estranhos, até mesmo misteriosos.
Pelo menos se nos basearmos na notícia do dia 17 de julho de 1957 que mostra um
“estranho espetáculo” acontecido dentro de um terreiro. O “ambiente suspeito da
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residência” e a “série de evasivas” dada pelos membros do terreiro ao repórter do “O
DIA”, levantou uma série de suspeitas que seriam esclarecidas na delegacia de polícia
de Nova Iguaçu. A manchete falava assim:
 “Prêsa no quarto, de mãos e pés amarrados – Rasparam também a
cabeça da mocinha, segundo o ritual da casa – Responsável o
macumbeiro pelo estranho espetáculo – Há algo de misterioso no
interior da residência”.
Os terreiros, mostrados como lugares misteriosos e suspeitos, podem se
transformar também em “Escola de crime”. É isso que diz a manchete do dia 01 de
setembro de 1956. O “falso Centro Espírita São Gerônimo” era na verdade um lugar 
que ensinava menores a roubar. Dirigido por Hédio da Silva, “ ‘babalaô’ das Arábias”,
este “falso Centro” localizado em Caxias, além de ser uma “escola de crime”, servia
também para encobrir seus desvios sexuais.
Uma outra notícia, publicada em 13 de abril de 1954, afirma que o próprio “Exú
Tranca-Ruas” estava “envolvido no furto de mais de um milhão de cruzeiros”. Sob a
sua proteção e acreditando que “pode possuir tudo que quizer aquele que agradar o
espírito de Exu Tranca-Rua”, uma caixa de banco e um “ ‘pai-de-santo’” planejaram
um grande assalto e foram presos antes que conseguissem realizá-lo. Mas a manchete do
dia dizia que quem estava na justiça era Exú: “Exú Tranca-Ruas na justiça”.
Um outro termo que utilizo para agrupar um conjunto de notícias afins é o de
“Feitiçaria”8, e que está incluído dentro do Grupo IV - Religião. É um tema recorrente
em diversas manchetes e que até os dias de hoje ocupa, vez por outra, o noticiário de
alguns dos jornais mais importantes do país. Um caso de feitiçaria pode, por exemplo,
ser articulado com um assassinato a fim de produzir um efeito mais dramático na cena.
Este termo, de certa forma, permeia todas as notícias que estamos analisando, já que
está implícito na “macumba” enquanto uma questão mais ampla. O que está em jogo
parece ser a “crença na magia e na capacidade de produzir malefícios por meios
ocultos e sobrenaturais”, um tipo de crença “bastante generalizada no Brasil desde os
tempos coloniais. De acordo com a crença, certas pessoas podem usar consciente ou
8 Na distinção clássica de Evans-Pritchard (1978) um feiticeiro se distingue de um bruxo, porque pratica
ritos, profere encantamentos e utiliza drogas mágicas, a fim de fazer mal a alguém; quanto ao bruxo, ele
realiza mais propriamente um ato psíquico para fazer o mal, não utilizando nenhuma das atividades que
caracterizam o feiticeiro. A partir desta distinção, posso dizer que um “macumbeiro” possui os atributos
de um feiticeiro.
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inconscientemente esses poderes sobre os outros, para atrasar a vida, fechar caminhos,
roubar amantes, produzir doenças, mortes e infinidades de outros males” (Maggie;
1992:22). Ainda segundo a referida autora, esta crença permeia todos os setores da
sociedade, existindo tanto nos terreiros como nos fóruns da justiça.
No dia 03 de maio de 1956 um babalaô conhecido como Zé Gordo “quis
estrangular a mulher, dando o nome a Exú”, é ressaltado durante toda a notícia que ele
“se proclama ‘babalaô’ . . . de conceito firmado”. Uma mulher apresentou queixa à
delegacia afirmando que Zé Gordo, “sob ameaça de morte, submeteu-a a vexames,
tentando depois violentar a filha da queixosa de 16 anos”. Zé Gordo se defende
dizendo que a mulher está fazendo isto por vingança, que tudo não passa de mentiras e
que na verdade eles viveram juntos durante alguns anos. Na denúncia à polícia a mulher
afirma que Zé Gordo é um “macumbeiro misterioso”, e ainda, segundo a notícia, “no
barraco de Zé Gordo a polícia apreendeu diversos petrechos de magia negra”.
Parece que é muito comum certos casais fazerem uso de “feitiçaria” um contra o
outro. No dia 19 de agosto de 1954 saia uma notícia dizendo o seguinte:
 “Enterrada viva – O marido tramou a eliminação da mulher . . .
recorreu à magia negra para que a esposa ficasse inconsciente . . .
vizinhos denunciaram o fato `a polícia e por isso estão ameaçados de
morte. . .”
E no dia 08 de maio de 1958 era publicada outra notícia com este mesmo tema,
briga de casais. Quatro irmãos haviam se suicidado e o último deles, quando ainda
estava vivo, acusava a “espôsa de perseguí-lo através do baixo-espiritismo”. Morreu na
Praça da República “fulminado por terrível veneno”. Nos seus últimos dias tinha
constantemente “a terrível impressão de que estava marcado para morrer sob os
efeitos do baixo-espiritismo”. Sua esposa simplesmente nega a acusação e diz que o
perdoa.
As pessoas ficam simplesmente “tomadas de pavor” diante da possibilidade de
alguém realizar um “feitiço” contra elas. Um exemplo clássico dessa atitude é a notícia
do dia 26 de março de 1957 onde se pode ver como um “feitiço” pode ser utilizado para
resolver problemas de vizinhança. Um determinado “feitiço” é feito com a intenção de
que os vizinhos morram e passem a habitar definitivamente o cemitério. Neste mesmo
caso, pode-se também perceber que existe a possibilidade da existência de um “contra
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feitiço”, que neste caso foi realizado pelo espírito de um morto, porque ele teve sua
caveira utilizada em um “despacho”.
 “Marcados para morrer pelo ‘despacho’ – Caveira com relação de
nomes para o cemitério – Encontrada num canto da casa recém-
abandonada – Curiosa e pitoresca a interpretação dada por uma
senhora – O achado macabro retornou à cova – As pessoas inscritas
na lista estavam tomadas de pavor – O trabalho teria sido feito para
mandar para o cemitério a família da casa vizinha – No entanto o
dono da caveira não gostara de ser escolhido para instrumento da
vingança, pelo que resolveu castigar a ‘mandingueira’, que já está
morta e cuja filha está internada no hospital – A mandingueira seria
adepta do baixo espiritismo. . .”
Na notícia do dia 01 de outubro de 1955, uma das suspeitas levantadas quanto à
razão do suicídio de Osvaldo seria “macumba”. Osvaldo se atirou “sob as rodas do
trem” e a única coisa que se sabe é que o que poderia tê-lo levado ao suicídio seria uma
certa “inquietude causada pelo baixo-espiritismo”. O fato mais curioso e ressaltado da
notícia era que ao lado de Osvaldo se encontrava uma“estatueta de ‘caboclo’ dos
usados em macumba”, que estava com a mesma aparência dele após suicidar-se. A
estatueta estava “quebrada no rosto e não tinha um braço” – macabra coincidência. Por
isso a manchete anunciava: “Morreu sem braço ao lado do ‘Caboclo’ mutilado”.
Foi por causa de um “feitiço” que um homem “jurou matar o ‘pai-de-santo’”
que induziu sua mulher a fugir de casa e ir viver com ele. O “feitiço” teria sido feito
durante uma sessão de “macumba”, quando o pai-de-santo “lançando mão de poderes
estranhos, enfeitiçou a mulher”. A questão era que na versão da mulher suas razões
eram bem diferentes. Segundo disse, ela saiu de casa porque o marido lhe deu uma
dentada, acrescentando que a “macumba” tinha sido realizada na sua própria casa e que
o seu marido também é pai-de-santo. Esta notícia foi publicada no dia 20 de janeiro de
1955.
Um outro caso de abandono de marido por causa de “feitiço” foi o do dia 06 de
dezembro de 1955. O texto da notícia nos diz que:
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 “Enfeitiçada, abandonou o marido pelo ‘pai-de-santo’ – Moça e
bela, deixou-se dominar pelo homem que abusou da hospitalidade do
casal – Um filho na semi-orfandade. . .”
O pai-de-santo havia sido chamado para realizar “trabalhos” que tinham como objetivo
melhorar a vida de Anita, “mas na verdade as mandingas tinham por objetivo atrair a
mulher e forçá-la a sair de casa”. O “macumbeiro”, fazendo-se passar por “indivíduo
virtuoso e dotado de poderes sobrenaturais”, causou tal impressão em Anita que levou-
a ao adultério.
A “feitiçaria” pode ser usada também para desfazer relacionamentos amorosos.
“Yemanjá para desfazer noivado” no dia 19 de julho de 1955. A jovem Ilka, querendo
evitar que seu “eleito casasse com outra”, resolveu levar uma oferenda para a “Deusa
do Mar”. Durante a oferenda ela perdeu o equilíbrio e caiu no mar, quase morrendo
afogada. Seu “eleito”, Faissal, disse que uma das razões que o levaram a deixar de
gostar de Ilka foi ter descoberto que ela freqüentava sessões de Umbanda. No quarto de
Ilka foram encontradas “várias orações e pontos de macumba”, além de “um retrato
de Faissal, metade queimado, tudo fazendo crer que houvesse sido ‘trabalhado’”.
Todos esses dados seriam sinais concretos de um verdadeiro caso de “feitiçaria”.
Uma outra jovem que também fôra levar flores para Yemanjá, esperando assim
“reconquistar um amor que ela julgava perdido”, não teve a mesma sorte de Ilka e
morreu afogada. Foi no dia 15 de setembro de 1955, quando a jovem bailarina estava
fazendo um “despacho” foi colhida por “uma onda que estourou nas pedras e a
levou”. 
O meio artístico também pode ser alvo de “feitiçarias”. Dois casos exemplares
são os de Ciro Monteiro e o de Celinha Alves. O primeiro aconteceu em 28 de fevereiro
de 1952 e dizia assim: 
 “Macumba – Ciro Monteiro, vítima de um ‘despacho’, não pode
mais cantar. . .”
Por esta razão a sua gravadora acabou cancelando seu contrato. Nos dizeres do
próprio Ciro Monteiro: “Foi macumba, sim senhor. Foi ‘coisa feita’. O pessoal do
rádio todo sabe que puseram um ‘despacho’ no cruzeiro do cemitério para matar-me.
Mas Deus é maior. O dia em que o mal vencer o bem o mundo se acabará. Tá bom?”.
Cinco meses depois uma outra notícia era publicada sobre o mesmo assunto. No dia 11
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de setembro de 1955 o jornal afirmava que “Ciro Monteiro agora é filho de Ogum – o
grande cantor negro retorna ao rádio, após dois anos de ostracismo”. A “feitiçaria”
havia sido anulada por Zambi, e Ciro agora iria cantar nos microfones da Mayrink onde
já estava tudo certo para começar as gravações.
O outro caso no meio artístico aconteceu com Celinha Alves. Na sua bolsa havia
sido encontrado “um estranho achado”, que consistia em um pedaço de vela, três fitas
vermelhas e uma enorme “guimba” de charuto, tudo isto “numa arrumação perfeita”.
A cantora disse que desconfiava quem seria o autor do despacho, e que ele teria sido
feito para ela perder a voz. Para resolver este “feitiço” a cantora recorreu a um famoso
pai-de-santo da Baixada Fluminense que diversas vezes foi notícia no “O DIA”; seu
nome é Joãozinho da Goméia. Ele iria “fechar seu corpo” para que nenhum “feitiço”
pudesse mais atingi-la. A manchete deste dia dizia simplesmente assim: “Feitiçaria na
bolsa da cantora”.
Um local que os “feiticeiros” muito apreciam para a execução de seus despachos
são os cemitérios. Algumas vezes eles se utilizam dos restos mortais de algumas pessoas
para fazer algum “feitiço”, como acontece nas duas notícias que seguem.
No dia 23 de março de 1954 saía uma notícia dizendo: 
 “Violam sepulturas mutilando cadáveres de crianças – A serviço de
uma seita bárbara – Horror e revolta em Cristina – Homens armados
vigiam o cemitério – Arrancaram a perna de Lila-Léa a menina
santa”.
Estava sendo levantada a suspeita de que o responsável por este fato era “o
feiticeiro ‘Duce’ do interior de São Paulo”, que teria pago a um criminoso (já preso
pela polícia) para violar o túmulo da garota. Este criminoso era “Sebastião Filomeno,
branco, solteiro, 40 anos, indivíduo perigoso (28 anos de pena de reclusão) é tido como
elemento que topa tudo, tanto para furtar, matar”. Alguns dias antes da morte da
menina ele teria feito referência “aos privilégios de seu espírito, como se pretendesse
pela feitiçaria, alcançar algum mérito ou vantagem material”. A maior revolta dos pais
da menina (católicos praticantes) era saber que “a sepultura foi violada para fins de
seita baixa”.
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O outro caso de cemitérios foi em 13 de julho de 1957, em que um homem
roubou imagens em um cemitério “para cumprir uma obrigação”. O ladrão foi
absolvido pelo juiz, que deu ao jornal a seguinte declaração em tom indignado:
 “Pessoalmente sou adverso à crença a que obedece o acusado, mas
sei que existem muitos exploradores que fazem descabidas exigências
a seus seguidores. Cabia a autoridade policial, tão descurada entre
nós, tão distante de sua missão, a repressão ao abuso e explorações
do sentimento religioso. Mas as autoridades policiais são também
políticas e se prestam ao ridículo de prestigiar com sua presença a
quanto de vagabundo, traficante e mistificador existe solto por aí, na
vil suposição de que daí poderão sair votos nas eleições. É uma das
faces da corrupção das elites . . . . . se de elite se pode rotular essa
gente que se empalma certas posições. A existência de macumbas
freqüentadas por ‘gente de bem’, visitadas por autoridades,
apresentadas a viajantes ilustres, tudo leva a crer, no espírito dos
humildes que suas práticas são legítimas como as de outra qualquer
religião ou culto organizado.”
Analisando seu discurso percebe-se como são relacionadas, no imaginário das
elites, os “vagabundos, ladrões e mistificadores”. Todos esses casos que, na opinião
dessas elites, deveriam ser assunto para a polícia. Além de que, a principal característica
das “macumbas” seria a de não possuir práticas “legítimas como as de outra qualquer
religião ou culto organizado”; assim como no entender de Roger Bastide (1983) que vê
as práticas da Umbanda como deturpadas e desorganizadas frente às “religiões negras”
como o Candomblé; as “macumbas” também seriam sinônimos de desorganização e
desordem. Ainda na opinião de Bastide (idem: 238), “a macumba ou a superstição
limitam-se, pois, a demolir o frágil edifício da razão, a desprender os instintos
primários e preparar, desse modo, a atividade criminosa; a despertar os instintos
sanguinários etambém os instintos lúbricos”. 
A crença de que é possível obter benefícios, materiais ou espirituais, através do
uso de restos mortais humanos na realização de “macumbas”, é uma notícia constante
no “O DIA”. Em 17 de novembro de 1956 era publicada mais uma notícia que
articulava “macumbeiros” e cemitérios, colocando lado a lado uma determinada prática
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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religiosa e a violação de um determinado território que é percebido como sagrado e
tabu, os cemitérios. Mais uma vez, a melhor forma de regular as ações deste grupo
religioso é através da interferência dos meios coercitivos, ou seja, a polícia. A notícia
dizia:
 “Violava túmulos para curar-se – Seguindo o conselho do
“macumbeiro” – Acabou preso”
Os “feitiços”, “macumbas” ou “despachos”, costumam causar fatos que no
mínimo são percebidos como “estranhos”. A denominação de “estranho” a certos
acontecimentos, pode ser entendida como uma maneira de classificar determinadas
ações que extrapolam o controle e o entendimento de uma maneira de ver o mundo.
Alguns fatos só podem ser explicados quando se apela para o auxílio de determinados
setores sociais normalmente tidos como marginais. Talvez uma maneira de dizer que
apenas da margem se pode perceber o que é marginal. Como por exemplo nesta notícia
de 14 de novembro de 1957, na qual temos um caso onde depois do pedido de auxílio à
polícia e a Igreja na resolução de uma “assombração”, quem finalmente consegue
oferecer alguma explicação é um “pai-de-santo”. A notícia diz:
 “Fatos estranhos causam pavor na casa ‘mal-assombrada’ – Pedido
de auxílio ao Vigário e à Radio Patrulha – ‘Pai-de-Santo’ declara
que é ‘despacho’ e o fenômeno continua provocando espanto em
Irajá”
Pode ocorrer também que um “feitiço” realizado não dê certo, e a exemplo da
famosa fórmula se volte contra o próprio “feiticeiro”: “O feitiço não deu certo e virou
contra o feiticeiro”. Este caso aconteceu no dia 27 de novembro de 1958, onde para
reconquistar um amor perdido um homem recorre aos serviços de um “falso feiticeiro”.
Para que o “feitiço” seja realizado, o “feiticeiro” pede “elevada importância, uma
galinha e um cabrito”. Como o homem nada conseguiu da amada, conclui-se que o
“feiticeiro” é “falso”. O homem resolve então dar “parte à polícia”, e o que aconteceu
é que “o falso feiticeiro foi autuado e metido em xadrez”. Ao que parece a questão não
é a existência de “feiticeiros”, pessoas que através da manipulação de meios mágicos
saibam obter algum ganho material, mas sim a existência de pessoas que se façam
passar por “feiticeiros”, enganando assim outras pessoas que se encontram em um
estado emocional frágil, como é o caso de nosso personagem que havia perdido o seu
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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grande amor. O que passa entrelinhas nesta notícia é a questão de que quando um
“feitiço”, uma “macumba”, dá certo (quando alguém que demanda alguma coisa
consegue-a), ela é legitimada e não gera notícia, fica no silêncio. Apenas ouvimos falar
dos casos em que o demandante se considera enganado por alguém que se finge passar
por “feiticeiro”. Não faz muito sentido, não gera notícia, colocar em questão a crença na
feitiçaria, “o nosso vício, o nosso gozo, a degeneração” (Rio, 1951:35).
A realização de “despachos” relacionados com casos amorosos parece ser
mesmo muito comum. Em 20 de fevereiro de 1959 uma “menina ‘enfeitiçada’ expele
alfinetes pelo corpo”. A causa do estranho fato foi “um namoro desfeito”. Como o pai
da menina havia proibido-a de continuar seu namoro com um “rapaz de cor, estê como
vingança, teria procurado um terreiro, fazendo ‘um despacho’, cujas conseqüências a
menina-moça estaria sofrendo”. A indicação do jornal é de que “o caso, ao que tudo
indica não passa de baixa mistificação, merecendo as atenções da delegacia de
costumes e notadamente do Juizado de Menores”. No dia 24 de fevereiro de 1959, nos
deparamos com a notícia de que era a própria menina que “enfiava as agulhas e
alfinetes no corpo”. Teria confessado ao Juiz de Menores que diante da proibição de
seu pai de continuar o namoro, teve seu sonho “frustado” e não via mais sentido em
viver. Por isso “queria morrer lentamente, mas arrependeu-se”.
Todas essas notícias acabam por reiterar a contribuição do jornal para a
consolidação de idéias e atitudes, com relação às religiões afro-brasileiras, que cada vez
mais alicerçam preconceitos e discriminações sociais. Desta forma, o “O DIA” através
de seu noticiário, por um lado cristalizava estereótipos negativos que sempre recaem
sobre tudo aquilo que é visto como “coisa de negro” ou “afro”. Por outro lado (como
veremos no próximo capítulo), através de reportagens sobre Umbanda e Candomblé e
das colunas escritas por dirigentes de diversas Federações Umbandistas, o jornal
alimentava o imaginário social com elementos novos que, de certa forma, conduziram a
criação de novos estereótipos e discriminações.
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Capítulo 04
“Festas, Disputas, Federações:
o Outro Lado das “Macumbas” ”
“A macumba da nega é boa (*)
Fiz psiu pra empregada e quem sorriu foi a patroa, *
Vi malandro dá mancada, vi leão virá leoa, *
Moro em Copacabana neguinho, mas já morei na Gambôa, *
Tenho carro e bom emprego, já não devo mais à tôa, *”
(ZECA PAGODINHO – “Macumba da Nega”)
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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N 
este capítulo tratarei de um outro aspecto do jornal “O DIA” com relação às religiões
afro-brasileiras. Em contraste com as notícias que foram apresentadas no capítulo
anterior, o material a seguir não trata de crimes ou mortes. Pelo contrário trata de festas,
rituais religiosos e organizações umbandistas. É justamente no contraste com as notícias
sensacionalistas que o material que veremos realiza seu intento, qual seja, o de demarcar
fronteiras entre grupos religiosos, legitimando algumas práticas e criminalizando outras.
1) As Festas da Umbanda: _______________________________
Um outro tipo de representações e imagens encontram-se nas notícias
relacionadas aos festejos religiosos que marcam o calendário da cidade de São Sebastião
do Rio de Janeiro. Nos dias 23 de abril e 27 de setembro são celebrados,
respectivamente, São Jorge9 e São Cosme e São Damião10. Estes santos católicos são
muito populares no Rio de Janeiro e suas festas mobilizam e fazem interagir diferentes
grupos sociais e religiosos. Um exemplo dessa interação é a notícia que articula “fé,
flores, velas e lágrimas no Templo do Campo de Santana”, com os “cantigos ao som
dos atabaques nos terreiros” e as paradas militares, pois São Jorge também é o patrono
dos militares.
Nas notícias sobre as festividades do dia de São Jorge percebe-se a existência de
três maneiras distintas de reverenciar o Santo. Nos “Templos Católicos” o clima é de
“solenidade”; nos Terreiros, ao “som dos atabaques e tambores” o ambiente é festivo;
e nas paradas militares a situação é de ordem. As notícias relacionadas às festas de São
Jorge são as seguintes: 
 “Dia de São Jorge – Missas e romarias solenes nos Templos
Católicos – Sessões festivas nos Centros e Terreiros da cidade em
homenagem a Ogum.” (23 de abril de 1952)
 “Dia de São Jorge” (24 de abril de 1952)
 “Dia de São Jorge – (fotos das comemorações nos terreiros e nas
igrejas)” (25 de abril de 1952)
9 Na cidade do Rio de Janeiro, São Jorge é associado no âmbito da Umbandacom o Orixá Ogum, 
enquanto no Candomblé ele é associado com o Orixá Oxossi.
10 Tanto na Umbanda como no Candomblé os gêmeos estão associados com os Ibejis africanos.
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 “Grandes homenagens a São Jorge” (24 de abril de 1954)
 “A noite de São Jorge na Tenda ‘Caboclo Nazaré’ (conhecida pelas
curas ali realizadas)” (25 de abril de 1954)
 “Jorge, guerreiro da era medieval, o Santo padroeiro no século XX
– Hoje, 23 de abril, a cidade acorda mais cedo para elevar suas
preces ao Santo Guerreiro – Fé, flores, velas e lágrimas no Templo do
Campo de Santana – Cantigos ao som dos atabaques e tambores nos
Terreiros, também em homenagens – Uma das lendas sobre São
Jorge, o santo que mora na Lua – São Jorge; Ogum – As Ordens
Militares – Santo do Povo.” (23 de abril de 1957)
As notícias sobre as festividades de São Cosme e São Damião são de uma
constância maior, além de serem mais diretamente relacionadas com as religiões afro-
brasileiras. O dia de São Cosme e São Damião é percebido como um dia de muita
alegria, principalmente para as crianças que andam por toda a cidade em busca de
doces. Uma outra relação que se faz também com São Cosme e São Damião é com as
duplas de policiais que fazem as rondas pelas ruas da cidade. Eles também tem como
padroeiros os santos gêmeos. De certa maneira algumas notícias também relacionam a
Igreja Católica, a Polícia Militar e os Terreiros de Umbanda. Ao reverenciarem os
santos gêmeos, essas três instituições de alguma forma encontram alguma afinidade;
reconhecem-se e dividem uma mesma fé popular. As notícias publicadas sobre São
Cosme e São Damião são as seguintes:
 “Festa de São Cosme e São Damião – Na foto um flagrante do
‘Terreiro’ da Tenda Espírita São Jorge, onde o dia de Cosme e
Damião foi celebrado com brilho incomum.” (28 de setembro de
1951)
 “São Cosme e São Damião lembrados – Hoje e amanhã em milhares
de Terreiros e Centros os dois mais milagrosos protetores das
crianças serão invocados . . . uma tradição na vida espiritual do
carioca que nunca foi esquecida.” (26 de setembro de 1952)
 “Festas populares de São Cosme e São Damião” (28 de setembro de
1952)
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 “O dia de São Cosme e São Damião – Preparam grandes festas
para comemorá-los nos Terreiros Umbandistas desta capital e do
Estado do Rio.” 
 “São Cosme e São Damião nos Terreiros da Confederação Espírita
Umbandista.” (26 de setembro de 1953)
 “As homenagens a Cosme e Damião - . . . festejados nas Igrejas,
Tendas e Terreiros.” (28 de setembro de 1954)
 “Toda a cidade festejou os Santos gêmeos – Nas Igrejas, nos lares e
nos Terreiros, São Cosme e São Damião receberam as devoções
populares.” (28 de setembro de 1955)
 “O mudo falou por graça de Cosme e Damião – A mãe da criança
cumpriu a promessa, ofertando as imagens dos Santos Gêmeos à
Casa de Caridade Nossa Senhora da Conceição – Conseguiu o
milagre através de uma ‘simpatia’.” (28 de setembro de 1955)
 “Cosme e Damião: dia de festas – Toda a cidade comemora o dia
consagrado aos Santos Gêmeos – Iniciativa da polícia militar – A
Igreja Católica e os ‘Terreiros’.”(27 de setembro de 1956)
 “Oni Beijada! Saravá Ibeiji! Saravá São Cosme, São Damião e
Doum! – Nos Templos Católicos, nos Terreiros de Umbanda, em
todos os lares, grandes festejos, hoje, em homenagem aos Santos
meninos – Monumental procissão motorizada da Polícia Militar.”(27
de setembro de 1957)
 “Os ‘Terreiros’ vibraram em louvor de Cosme e Damião – Noite
festiva em várias Tendas Espíritas do Distrito Federal – Grandes
festas, como se pode observar pelos flagrantes acima (foto) –
Ambiente festivo.” (01 de outubro de 1957)
 “A cidade se prepara para festejar Cosme e Damião – A Polícia
Militar como todos os anos vai reverenciar a data dos seus
padroeiros – ‘Terreiros’ e instituições elaboram festivos programas.”
(24 de setembro de 1958)
 “O povo comemora hoje São Cosme e São Damião – Em festa toda
a cidade, desde os Templos Católicos aos ‘Terreiros’ mais distantes –
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Belo espetáculo nos lares com a garotada a vibrar de entusiasmo.”
(27 de setembro de 1958)
 “Festejados pomposamente São Cosme e São Damião – Teve
grande brilho a procissão motorizada da Polícia Militar – A
criançada vibrou com farta distribuição de balas – Solenidades nos
Templos Católicos e grande animação nos ‘Terreiros’.” (28 e 29 de
setembro de 1959)
Com relação às notícias sobre as festividades de passagem de ano na cidade do
Rio de Janeiro durante a década de 50, que façam relação com a festa de Iemanjá dos
Centros e Terreiros de Umbanda comemorada no mesmo período, percebe-se que existe
um aumento considerável do seu número. De início é apenas uma festa religiosa que
aparece essencialmente ligada à Umbanda e que aos poucos vai se tornando uma
comemoração popular que envolve toda a cidade do Rio de Janeiro, uma “tradição” da
vida carioca.
 “1955 Ano de Yemanjá” (04 de janeiro de 1955)
 “Ano-Bom na ‘Linha do Mar’ – Já constituem uma tradição da
cidade as cerimônias celebradas na entrada do Ano Novo, nas praias
e na travessia da Baia de Guanabara, em homenagem à Yemanjá, a
sereia do mar.” (03 de janeiro de 1956)
 “Concentração Umbandista no Arpoador – Uma festa de verdadeira
confraternização – Noite de São Silvestre com rajadas de fogos de
artifício e ribombar de foguetes – A Comissão de Divulgação da
Imagem de Iemanjá promove hoje, como faz todos os anos nesta data,
uma grande confraternização umbandista em homenagem à
Iemanjá . . . a concentração, além do seu sentido religioso, terá uma
finalidade fraternal, congregando naquele local, as numerosas
agremiações espiritistas de Umbanda do Distrito Federal. . .” (31 de
dezembro de 1957)
 “Iemanjá festejada na Praia do Arpoador – Verdadeira pompa
ritualística na concentração Umbandista – Presentes as diversas
Agremiações Espíritas.” (01 e 02 de janeiro de 1958)
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 “O carioca recepcionou o Ano Novo com Carnaval e culto à Rainha
do Mar – Multidões nas praias, desde a Ilha do Governador até a
Avenida Niemeyer – Desfiles de Escolas de Samba e Cordões no
interior das barcas – ‘Rainha do Mar’ – Espetáculos inesquecíveis –
Carnaval.” (03 de janeiro de 1958)
 “Umbanda rompeu o Ano na praia – Aos leigos um estranho e
impressionante espetáculo . . . dançando, cantando e traçando
pontos” (03 e 04 de janeiro de 1960)
2) O Aguerê de Joãozinho da
Goméia:_______________________
O outro conjunto de notícias é um caso à parte. Todas essas notícias dizem
respeito à Joãozinho da Goméia, um famoso pai-de-santo de Candomblé da Baixada
Fluminense, que por diversas vezes foi assunto no “O DIA”. No dia 08 de outubro de
1952 começava a ser publicada uma série de notícias que envolviam Joãozinho da
Goméia e Benedito Espírito Mau em torno de uma disputa. O caso era em relação a um
desafio conhecido como Aguerê, que Benedito havia feito à Joãozinho e onde os dois
pais-de-santo deveriam “comer mechas de azeite e álcool inflamadas diante da
assistência”. Ao todo são 43 notícias e reportagens em torno do caso do Aguerê, sendo
que 27 falam diretamente sobre a disputa de Da Goméia e Espírito Mau e as outras 16
são sobre assuntos de Umbanda e Candomblé11. Primeiroirei relacionar essas notícias
sobre religiosidade e depois falarei sobre o caso do Aguerê.
No dia 13 de outubro de 1952 saía uma notícia falando a respeito de um
“‘babalorixá’ da seita dos ‘Amolocôs’” que era também um advogado conceituado no
Rio de Janeiro.
 “Conceituado advogado dos auditórios do Rio é o ‘Babalorixá’ da
seita dos ‘Amolocôs’ – Num velho Solar do Estado do Rio o ‘Terreiro’
do causídico”
11 No âmbito desta dissertação não compete discutir as diferenças rituais e ideológicas destas
denominações. Quero assinalar apenas que na visão de mundo dos adeptos de ambas as religiões, a
primeira está mais relacionada aos valores “branco-europeus” , e a segunda denominação à perspectivas
religiosas mais próximas aos imaginários religiosos “africanos”.
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Neste mesmo dia era publicada uma reportagem, com uma página inteira de
fotos, sobre o “‘amassi’ na seita Amolocô, misto de Umbanda e Candomblé”.
A primeira notícia publicada sobre o “Aguerê” sublinhava a questão do
“desafio” entre os dois pais-de-santo de uma forma bem direta: “Desafiado – Joãozinho
da Goméia por Benedito ‘Espírito Mau’”. No dia 10 sai uma notícia dizendo que Da
Goméia “não aceita desafio” de Benedito, explicando que somente seu próprio pai-de-
santo “o poderia obrigar ao ‘Aguerê’” e também que o seu “santo não lhe permite
enfrentar Benedito ‘Espírito Mau’”. Era o que bastava para no dia seguinte sair uma
notícia onde um pai-de-santo de Nilópolis, Manuel Felipe, afirmava que “não foge ao
‘Aguerê’ quem tem ‘Orixá’ na cabeça”. Começava aí uma série de notícias que
colocavam em dúvida a veracidade ou não da condição de Joãozinho Da Goméia como
pai-de-santo capacitado a incorporar seu Orixá. 
No dia 12 de outubro um outro babalaô declara que “Os ‘Aguerês’ não são
bichos de sete cabeças”, e que não estava acreditando que Joãozinho Da Goméia se
recusava “a receber seus iguais”, levantando inclusive a possibilidade que ele estivesse
“levando uma surra dos seus santos”.
No dia 13 dois outros babalorixás dão suas opiniões a respeito do Aguerê,
achando “justa a imposição de Benedito ‘Espírito Mau’”. Na Tenda desses babalorixás,
conhecida pelo nome de Caboclo Sete Flechas, “é considerado um insulto às seitas a
recusa de Goméia”.
A discussão sobre a recusa de Joãozinho Da Goméia em realizar o Aguerê já
tinha se tornado uma discussão sobre a possibilidade de Joãozinho ser um
“mistificador”, ou seja, um “falso pai-de-santo”. No dia 15 de outubro a manchete
afirmava que:
 “Mesmo consciente se não estiver mistificado, o médium tomará o
‘Aguerê’ – Na luta natural entre o espírito e a matéria, vence sempre
o primeiro.”
Diante da acalorada discussão, o jornal “O DIA” resolveu mandar um “enviado
especial” à Salvador para realizar um “inquérito” junto aos “grandes ‘babalaôs’
baianos” sobre a prova do Aguerê. No dia 17 de outubro Benedito Espírito Mau afirma
que: “mantém o desafio e adianta que Joãozinho Da Goméia quer ir à Bahia na época
do ‘Aguerê’”. Toda esta recusa de Joãozinho estava colocando em questão justamente a
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sua “força” enquanto pai-de-santo. Pois como diz Menininha de Oxúm Mirim, no dia
18 de outubro, direto da Bahia para “O DIA”:
 “‘Pai-de-Santo’ não pode fugir ao Aguerê.”
No dia 19 de outubro, diretamente dos “grandes terreiros baianos a reportagem
de O DIA ouve a opinião dos ‘Babalorixás’ da ‘Boa Terra’ sobre o desafio de Benedito
‘Espírito Mau’ a Joãozinho da Goméia”. Deste momento em diante, a recusa de
Joãozinho já é um problema de discussão para toda a comunidade religiosa afro-
brasileira do eixo Rio-Bahia. As opiniões dos pais e mães-de-santo da Bahia são
tomadas como a última palavra sobre o caso, e todos expressam o seu espanto com a
recusa de Da Goméia.
 “Famosos ‘Babalorixás’ e ‘Ialorixás’ baianos – Condenam a fuga
de Joãozinho no Aguerê que lhe impôs ‘Espírito Mau’ – Caso
Joãozinho versus Benedito. . .” (21 de outubro de 1952)
 “Chorou Iansã, na Bahia, ao ouvir falar em ‘Da Goméia’, o
‘Babalorixá’ de Caxias não deveria recusar-se a receber santo para
tomar o ‘Aguerê’ – Declara o famosíssimo Edmundo de Oliveira. . .”
(22 de outubro de 1952)
A partir do dia 23 de outubro o nome de Joãozinho no caso do Aguerê passa
para segundo plano, dando lugar ao nome de uma mãe-de-santo de Niterói, conhecida
como “Mãezinha”. Essa mãe-de-santo diz que “não duvida dos poderes de Benedito
‘Espírito Mau’”, e que aceitaria o desafio “somente para defender a reputação dos
verdadeiros ‘Pais-de-Santo’”.
Dia 24 de outubro, o jornal “O DIA” anunciava que “afinal, vai haver o
‘Aguerê’”. Benedito responde à mãe-de-santo de Niterói dizendo que ela “pode marcar
o dia” para a realização da prova do Aguerê, pois o local já estava escolhido, seria na
sede da Associação Afro Brasileira no município de Nilópolis. Além desta notícia, duas
outras foram publicadas com relação ao Aguerê. Em uma delas, Elvira Paula Pinto “o
‘pivot’ da divergência entre Benedito e Joãozinho”, fazia “graves acusações à
Benedito ‘Espírito Mau’”. Por causa dessas acusações Elvira seria processada pelo
próprio Benedito, que sentindo-se injuriado, recorre à justiça; isso era o que dizia a
notícia do dia 01 de novembro. A outra notícia do dia 24 de outubro dizia que famosos
pais-de-santo do “‘Santé’ baiano” estavam vindo ao Rio de Janeiro.
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Durante mais alguns dias seguidos sairiam notícias sobre o Aguerê e sobre o
prestigiado candomblé baiano. No dia 25 de outubro uma das notícias dizia o seguinte:
 “Benedito acha que ‘Mãezinha’ de Niterói está faltando a verdade –
Não foi feita pelo seu Orixá – Jamais uma entidade poderia praticar
em seu próprio cavalo”
Enquanto isso a outra notícia era em forma de reportagem fotográfica que tinha
o sugestivo título de: “Sacrifícios de animais nos Candomblés baianos”. No dia
seguinte, 26 de outubro, também saía uma reportagem fotográfica com um título mais
sugestivo e misterioso ainda. Dizia que “Frente a ‘Lembá’ da Bahia as máquinas
fotográficas não funcionam – O DIA no Terreiro das mais velhas ‘Mães de Santo’ de
Salvador”. Além desta vinham também mais duas notícias; uma delas continuava a
reportagem anterior falando sobre “o prestígio do Candomblé Baiano”, enquanto a
outra remetia ao Rio de Janeiro e à figura de Benedito que “deve Ter o Diabo no
corpo”.
No dia 28 de outubro o jornal continuava a falar sobre “os mistérios do
Candomblé Baiano”, além de trazer uma correção: “‘Aguerê’, não; ‘Palaxan’”. E no
dia 29 de outubro a “Ialorixá” de Niterói respondia à Benedito dizendo-se triste com as
atitudes dele. Para a realização do Aguerê entre os dois só faltava marcar o dia e a hora.
No dia seguinte, 30 de outubro, além de uma série de fotografias dos Candomblés
baianos, finalmente saía uma onde era notícia anunciando o dia e o local do Aguerê.
O caso do Aguerê continuava sendo motivo para a expressão das mais diferentes
opiniões. Durante mais alguns dias, diversos adeptos das religiões afro-brasileiras
davam seus pareceres sobre o Aguerê. As notícias são as seguintes:
 “‘Aguerê’ não é demanda – Dois ‘filhos de santo’ externam sua
opinião sobre a controvérsia Espírito Mau X Joãozinho da Goméia”
(02 de novembro de 1952).
 “O ‘Aguerê’ é uma prova a que ninguém pode fugir – Um
babalorixá pode fazer voltar a qualquer momento ao seu terreiro um
filho extraviado”(04 de novembro de 1952).
 “Mãezinha não podia Ter sido feita pelo próprio Santo – Outro
Babalorixá confirma as declarações de Benedito ‘Espírito Mau’” (05
de novembro de 1952).
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
Marcelo Vidaurre Archanjo
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Nos dias 07 e 08 de novembro saíram as duas últimas notícias falando
diretamente sobre o caso Aguerê e relacionando-os com os personagens Benedito,
Joãozinho e Mãezinha. Depois dessas duas notícias, somente mais uma foi publicada,
no dia 19 de novembro, falando sobre um Babalaô “feito há 28 anos, que já enfrentou
um ‘Aguerê’”. Essa última notícia não dizia nada sobre os nossos personagens. As duas
últimas notícias que os incluíam foram as seguintes:
 “Convidado Benedito para o ‘Acaiá’ – Incendiar pólvora à
distância – O Babalorixá poderá mandar um de seus filhos ao
‘Santé’” (07 de novembro de 1952).
 “Métodos bárbaros os do ‘Aguerê’ ou do ‘Acaiá’ – Benedito pecou
por desafiar Joãozinho – Fala a O DIA o Babalaô de Orixá Amaro de
Melo” (08 de novembro de 1952).
Entre a publicação destas duas notícias e a publicação da última notícia deste
grupo, foram publicadas algumas notícias que falavam sobre questões específicas da
Umbanda. Todas as notícias pretendiam mostrar como se estruturava a Umbanda, desde
a feitura de um pai-de-santo, a hierarquia interna dos terreiros, as regras de moral e
conduta, até os conhecimentos sobre o mundo espiritual, o mundo dos Orixás e a Terra,
bem como aludiam, em menor número, ao “mundo dos Candomblés”. Estas últimas
notícias encerraram a participação das religiões afro-brasileiras durante o ano de 1952
no jornal “O DIA”, as notícias são as seguintes:
 “Como é feito um Babalaô” (12 de novembro de 1952).
 “Deturpação das Leis de Umbanda” (12 de novembro de 1952).
 “Hierarquia tradicional nos Terreiros de Umbanda” (14 de
novembro de 1952).
 “Casamento num Terreiro de Umbanda” (16 de novembro de
1952).
 “Os Orixás já estão rondando o planeta Terra” (18 de novembro de
1952).
Desde este momento, o jornal “O DIA” iniciava uma relação com as
organizações de Umbanda que durou décadas e rendeu muitos frutos políticos. A
Umbanda já aparecia em sua dimensão de religião organizada, com leis, hierarquias,
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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valores e uma perspectiva planetária bem próprias. Afinal de contas, os Orixás, que “já
estão rondando o planeta Terra”, podem influir até mesmo no destino do planeta.
3) Um Pouco de
Religião :________________________________
Um outro tipo de notícias que encontrei são as que dizem respeito
especificamente à Umbanda e/ou ao Candomblé. São um total de 29 notícias, que
podem ser divididas em dois grupos. Esses dois grupos abrangem praticamente todas as
notícias, sendo que apenas 03 notícias não tem relação direta com eles.
Na primeira destas notícias fala-se sobre a morte de um pai-de-santo de um
terreiro de Umbanda do Rio de Janeiro e da cerimônia de sucessão que aconteceu.
 “As Religiões do Rio – Os mortos amparando os vivos – Mudança
de um chefe de Terreiro na linha de Umbanda – ‘Rompe-Mato’
sucede a ‘Ubirajara’ – O ‘cavalo’ do segundo caboclo ficou fatigado
com os preparativos que duraram 49 horas.” (23 de maio de 1952)
A segunda notícia é sobre a cerimônia de batismo em um terreiro de Umbanda.
 “Os Mistérios do ‘Santé’ – Batismo na Umbanda, uma cerimônia de
exótica beleza, ao ritmo dos ‘tan-tans’ batidos por verdadeiros
mestres.” (21 de maio de 1953)
E a terceira notícia faz referência ao diretor de uma revista que se tornava pai-de-santo.
 “Agora é ‘Pai-de-Santo’ o diretor de ‘Escândalo’ (revista) – Em
polvorosa a Tenda Espírita Filhos da Verdade. . .” (22 de novembro
de 1953)
Todas as demais notícias tinham relação, ou com o mês que precedeu o
lançamento da coluna especializada em religiões afro-brasileiras (assinadas por
dirigentes de diversas Federações), ou então com o famoso pai-de-santo Joãozinho da
Goméia. As notícias do primeiro tipo foram todas publicadas em julho de 1953, e
acompanhavam a visita de um “babalorixá baiano” ao Rio de Janeiro. De uma forma
geral, essas notícias traçam as diferenças existentes entre os terreiros baianos e os
cariocas. São as seguintes notícias: 
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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 “No Rio famoso babalorixá baiano – Pertence a linha Gêge e desde
os 18 anos luta ao lado dos ‘Orixás’.” (14 de julho de 1953)
 “Como é ‘feito’ o santo nos terreiros baianos – Revelações ao O
DIA do famoso ‘Babalorixá’ baiano em visita ao Rio – A homenagem
de Sábado no ‘Centro São Miguel Arcanjo’ em Brás de Pina.” (15 de
julho de 1953)
 “ ‘Exú’ não é Diabo – E sim um simples empregado do ‘Terreiro’ –
Um Orixá que trabalha de acordo com a maneira de tratamento
recebido – O castigo de ‘Exú’ – Homenagem ao babalorixá baiano.”
(16 de julho de 1953)
 “O ‘Babalorixá’ baiano vai ver como os cariocas lidam com os
Orixás – A grande festa de hoje em Brás de Pina – Os ‘atabaques’
estarão em função a partir das 22 horas – Esperando as ‘Iaôs’. . .”
(18 de julho de 1953)
 “Copacabana também é de Umbanda – O famoso ‘babalorixá’
baiano ‘deita os búzios’ no apartamento grã-fino – A Testemunha de
Jeová acredita que todo ‘Pai-de-Santo’ vai para o inferno. . .” (19 de
julho de 1953)
 “Cenas impressionantes na homenagem prestada ao ‘Babalorixá’
baiano – A moça que acompanhava a comitiva de um jornal foi
dominada por Exú – Um influenciado pelos ‘Orixás’ que foi levado à
‘camarinha’ – Antero Ramos, sentado no trono, abençoa ‘Orixás’ e
‘Iaôs’. . .” (21 de julho de 1953)
 “Quando falece um ‘Zelador de Santo’ – Deferenças nos terreiros
cariocas e baianos – Onde Exú não é saudado – Missas em memória
do Vundi – Sábado na ‘Tenda Espírita Pedra D’Água’ nova
homenagem ao ‘Babalorixá’ baiano. . .” (24 de julho de 1953)
 “Comunhão entre ‘Gêge’ e o ‘Mironga’. . .” (28 de julho de 1953)
Esse conjunto de notícias que apresentei parece antecipar, no seu estilo e nos
temas tratados, as colunas umbandistas que surgiriam um mês depois. Nessas colunas
também seriam abordados temas que dizem respeito aos rituais de Umbanda, à vida
social dos terreiros, às diferenças entre os terreiros do Rio de Janeiro e de Salvador, e
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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também às distinções entre as perspectivas religiosas da Umbanda e do Candomblé. De
certa forma essas distinções são pensadas como maneiras distintas que o povo de santo
da Bahia e do Rio de Janeiro tem para reverenciar os Orixás. O Candomblé seria visto
como uma forma religiosa típica da Bahia transplantada para o Rio de Janeiro, e a
Umbanda como uma manifestação típica do povo carioca, tendo porém uma perspectiva
mais abrangente, nacional, com possibilidades de ser difundida para toda a nação.
4) O Espaço das Federações : _____________________________
O lugar ocupado pelas Federações e Confederações de Umbanda no jornal “O
DIA” é bastante significativo. Em junho de 1951 foi publicado pela primeira vez uma
coluna com o título de “Notas Espíritas”, assinada apenas pelas iniciais de C. R. Esta
coluna não possuía um dia determinado na semana para circular. Em algumas semanas
ela era publicada todos os dias e em outras semanas não era publicada em dia nenhum.
No primeiro texto publicado o autor explicita que seu objetivo é contribuir no
sentido de educar os leitores de “O DIA” a partir das atividades que são realizadas em
diferentes “obras religiosas e filosóficas”.Abaixo transcrevo na integra este primeiro
texto.
 “Notas Espíritas – ‘Doutrina Social Cristã – Ao iniciarmos esta
seção em O DIA, outro não é nosso objetivo senão divulgar o que se
vem fazendo nas diferentes obras religiosas e filosóficas, as quais com
o seu trabalho, buscam, num trabalho de cooperação e distribuição, o
equilíbrio social, ou seja, a Justiça Social Cristã. Ora pela palavra,
levando o conforto e a fé, pois quando a criatura humana se vê
injustiçada, desprovida dos necessários recursos para viver com
dignidade, é levada ao desespero, e nesse estado se torna um
descrente.
Sentimos com imenso prazer que esta nossa iniciativa não foi
inútil, visto que a mais importante organização religiosa de nossa
terra, a Igreja Católica, pela palavra inteligente de um de seus
membros, o Reverendo Sr. Monsenhor José Távora, em reunião com
inúmeros empregadores (patrões), teve ocasião de externar o ponto
de vista da Igreja frente a situação em que se encontram os
empregados, dado a iminência e necessária Reforma Social.
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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São palavras do Mons. José Távora: ‘Faz-se mister, antes de
tudo, um esclarecimento prévio dos espíritos de parte à parte. Nesse
sentido se impõem um largo trabalho de Educação Social dirigido aos
representantes do Capital e do Trabalho’.
Eis o que pretendemos com estas pequenas notas, é a
contribuição de O DIA para que se processe êste esclarecimento, e se
encontre o equilíbrio, ou melhor, a Justiça Social Cristã. (Notas
Espíritas – 16 de junho 1951 – pág. 04)”
É interessante notar que o autor procura se apoiar na Igreja Católica como um
ponto a partir do qual se torna possível legitimar o seu próprio discurso. Não só nesta
primeira coluna como nas que vieram depois, com características mais marcadamente
umbandistas, o objetivo que os autores se propõe é o de educar e esclarecer os leitores
com relação ao sentido verdadeiro dessas religiões.
Neste mesmo período está tendo início um intenso processo de publicação de
textos umbandistas em jornais, revistas e livros, de autoria de líderes umbandistas, que
estavam dispostos a transmitir e ensinar suas respectivas “verdades”. Entendo essas
“verdades” como formas de codificação que alguns grupos pretendem impor a outros.
Segundo Gnerre (1994:29), os processos de alfabetização ou de padronização da língua,
têm como função última “aumentar o controle do Estado sobre faixas menos
controláveis da população”. Talvez isso nos dê alguma luz sobre o sentido do espaço
que determinadas lideranças umbandistas, aliados a grupos de interesse político,
começam a ocupar no “O DIA”.
Sabemos do fascínio que todo material impresso exerce sobre a população,
especialmente o livro impresso. Quando o leitor é apenas alfabetizado, coloca-se quase
que uma impossibilidade dele se imaginar como escritor diante da página impressa.
“Muitas vezes descobrimos em culturas que não dispõem de uma
tradição escrita, ou em classes subalternas das nossas sociedades,
uma polaridade de atitudes: ou a rejeição total, ou a aceitação total e
acrítica do que está escrito e, ainda mais, impresso, acompanhada,
esta última atitude, por declarações tautológicas, do tipo ‘tudo que
está escrito é importante, porque foi escrito’” (Gnerre, 1994:53).
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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No seu início a coluna “Notas Espíritas” tinha como assunto mais recorrente o
espiritismo de Allan Kardec, obedecendo sempre a mesma forma de apresentação. A
coluna possuía sempre um artigo assinado por C. R., seguido de diversas notas sobre
atividades que estavam acontecendo nos Centros Espíritas e Tendas de Umbanda
visitados pelo autor. São exemplos dos temas desses artigos os seguintes títulos:
 “O que quizeres ser o serás – 17 de junho 1951
 Espiritismo e os doentes – 19 de junho 1951
 Justiça Social Cristã – 22 de junho 1951
 Ama o próximo – 23 de junho 1951
 Um trabalhador – 24 de junho 1951
 Canto aos caminheiros da Verdade – 26 de junho 1951
 A Paz – 27 de junho 1951
 Doutrina Cristã – 28 de junho 1951”
Acompanhando a sua publicação pude perceber que a sua preocupação em
definir para o leitor o que vem a ser a Umbanda, se tornou com o tempo cada vez maior.
No dia 29 de junho de 1951 saía o primeiro dos textos que tinha como objetivo central a
definição do que vem a ser Umbanda. Partindo do princípio de que a Umbanda não é
compreendida mesmo por aqueles que a praticam, o autor se propõem a definir qual o
sentido desta religião. Com este objetivo ele se utiliza de dois personagens que estão
debatendo sobre a Umbanda.
 “Debate entre os confrades Olívio Novaes e Narciso Albuquerque
(na sede da Federação Espírita de Niterói) . . . a Umbanda é mal
compreendida mesmo por aqueles que a deveriam entender. Os leigos
chegam aos mais disparatados absurdos, outros chegam a tratar a
‘Umbanda’ de mixórdia. Mas, na realidade, Umbanda é uma doutrina
religiosa séria – benéfica, que presta a caridade distribuindo o amor,
amparando os necessitados. Umbanda não é apenas religião porque
procure praticar o bem; ela procura, segundo seu ritual aproximar a
criatura do criador; é também uma filosofia, pois o conhecimento da
Umbanda exige estudo, e para os que a conhecem, ela explica o
sentido da vida. A Umbanda, contrariamente ao que se diz e se
escreve, não se restringe a prática, tem suas sessões de estudo, o que
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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certamente não ocorre em todos os Centros ou Tendas, por motivos
que preferimos desconhecer. Isto porém não quer dizer que a
Umbanda não tenha o que estudar, a Umbanda tem um corpo de
Doutrina (não nos referimos a esparsos livros escritos sobre a
Umbanda por alguns curiosos) que deve ser estudado.”
Parece-me que a principal preocupação do autor deste texto é afirmar-se
enquanto praticante de uma religião que possui um corpo de conhecimentos ordenados e
ordenadores, que são transmitidos através de suas sessões de estudo. Neste mesmo
movimento o autor procura distinguir-se daqueles que não têm as mesmas práticas que
ele e que mesmo assim se dizem umbandistas. Ao afirmar que as sessões de estudo
“certamente não ocorrem em todos os Centros ou Tendas”, o autor também está
denunciando e eximindo-se de responsabilidade sobre todos aqueles que não praticam a
Umbanda da mesma forma que ele, que são classificados como os que “compreendem
mal” a Umbanda.
Dentre os que a “compreendem mal” estão os “charlatões”, os que exploram a
boa fé alheia e que não vivem para a caridade, que é o objetivo principal de toda “Casa
séria”. Cabe aos responsáveis, que são os que escrevem e falam, ou seja, os que tem
acesso aos meios de comunicação de massa (como o próprio autor), orientar o “povo”
no sentido de aprender a distinguir as “Casas sérias” das “arapucas”. A coluna do dia 26
de julho de 1951 dizia assim:
 “Noticiou ontem este jornal a prisão de certo indivíduo que sob a
capa de um suposto nome de Sociedade Espírita, explorava a
credulidade pública. Fez a polícia muito bem, pena é que ela não
prenda todos os charlatões, os quais vivem da boa fé alheia e não só
nos meios espiritistas . . . O povo precisa aprender a distinguir uma
casa séria, que vive só para a Caridade, sejam quais forem as suas
modalidade de trabalho, de algumas arapucas com nomes
impressionistas tais como: São Jorge, São Sebastião e quejandas.
Cabe aos responsáveis, aos que falam, aos que escrevem, orientar o
povo, ajudá-loa fazer distinção do trigo do joio, o que só conseguirá
pelo esclarecimento paciente e consciente, tal como nos ensina
Kardec: Trabalho -–Solidariedade – Tolerância.”
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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Acompanhando o pensamento de Gnerre (1994:23), e observando as colunas das
Federações de Umbanda como um processo de imposição de uma determinada
linguagem especial a uma coletividade mais abrangente, faço minhas suas palavras
quando diz que “a função central de todas as linguagens especiais é social: elas têm
um real valor comunicativo mas excluem da comunicação as pessoas da comunidade
lingüística externa ao grupo que usa a linguagem especial e, por outro lado, têm a
função de reafirmar a identidade dos integrantes do grupo reduzido que tem acesso à
linguagem especial”.
Ortiz (1984:45) sustenta que na relação entre as Federações e os Terreiros de
Umbanda o livro se torna um instrumento eficaz e importante, na medida em que
confere saber àqueles que o escrevem, ao mesmo tempo em que retiram o “poder
daqueles que simplesmente vivenciam a doutrina”. Por outro lado, dado às
características específicas desta religião, as Federações nunca conseguiram se impor de
uma maneira incondicional aos Terreiros e a seus membros. Como a relação com as
divindades se dá a nível individual e no espaço interno dos Terreiros, as Federações
acabam sempre se vendo às voltas com o problema de ter que lidar com o poder singular
de cada pai ou mãe-de-santo.
Segundo Seiblitz (1985:131), “em relação aos Terreiros, o máximo que a
Federação consegue é regularizar as suas atividades em espaços jurídicos”. Ter um
projeto doutrinário para a Umbanda e ao mesmo tempo só atuar como mediadora nos
momentos de situações críticas frente aos Terreiros, esta seria a principal atribuição das
Federações de Umbanda. Talvez esta forma de atuar desse aos não umbandistas a
impressão de que a Umbanda fosse um local sem regras, uma vez que elas são
continuamente reformuladas por seus membros frente a situações específicas.
Em diversos momentos observei a preocupação marcante dos autores das
colunas em distinguir a Umbanda de outras práticas religiosas afro-brasileiras.
Distinguindo as diferentes religiões existentes na capital da República, um autor
afirmava que “temos o espiritismo codificado por Kardec, temos o Rostanguismo,
Racionalista, cujos trabalhos são muito diferentes entre si; há a ‘Umbanda’ que tem
dado motivo a longa discussão, quanto a Quimbanda é coisa proibida. . .”. Apesar das
longas discussões existentes em torno do que é Umbanda, fica claro que ela é definida
neste texto a partir de dois parâmetros. É um tipo de espiritismo, diferente porém do
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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Kardecismo e de outras linhas espíritas; e é radicalmente diferente da Quimbanda,
prática considerada proibida e vista como “magia negra”.
Um outro aspecto que encontrei diz respeito à condição da Umbanda de ser uma
religião percebida em estado de constituição, sujeita portanto a mudanças. A Umbanda é
vista como resultado de fatores coletivos, devendo ser usada para o bem estar geral e
não para atender a vontades individuais. No dia 02 de setembro de 1951 podemos
observar este ponto de vista neste artigo intitulado “O Fim da Umbanda”.
 “. . . a Umbanda tal como se pratica no Rio de Janeiro, ainda que
sirva de meio para exploração por parte de indivíduos
inescrupulosos, não é o produto de uma vontade pessoal, e sim o
resultado de vários fatores de ordem sociológica . . . Fora de
qualquer dúvida a Umbanda sofrerá modificações, se adaptará as
novas condições, sofrerá alterações, o que de modo algum significará
o seu fim, mesmo que se melhore o nível cultural e econômico de
nosso povo. . .”
A fim de marcar a distinção entre Umbanda e “macumba”, no dia 12 de
setembro de 1951, o artigo intitulado “O que é Umbanda” procurava esclarecer aos
leitores que “no Rio o povo se acostumou a chamar ‘macumba’ aos ‘despachos’ ou
‘trabalhos’ colocados nas encruzilhadas e, por extensão, também deliberaram chamar
‘macumba’ às sessões espirituais do ritual de Umbanda”. Apesar desta confusão entre
os termos, o autor procura ressaltar que “não podemos aplicar o termo ‘macumba’ pois
este nada significa e muitas vezes é aplicado com sentido pejorativo”. O que eu me
pergunto é: como um termo que “nada significa” pode ser utilizado “com sentido
pejorativo”?
Um aspecto apontado diversas vezes nesses artigos diz respeito à ordem e
disciplina que estão sempre presentes nos rituais umbandistas. No dia 25 de setembro de
1951, por exemplo, dizia-se que o que podemos observar nos “trabalhos realizados
dentro do ritual de Umbanda”, reflete “o espírito de ordem e disciplina reinantes entre
os umbandistas”.
A principal preocupação dos autores, como é dito no dia 04 de janeiro de 1952, é
com relação à “moralidade dos trabalhos e a seriedade com que os mesmos são
realizados nos terreiros ou nos locais escolhidos para realização das obrigações”.
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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Pois, que mal pode haver nesta forma particular de adoração a Deus, “desde que não
atente contra os bons costumes e a ordem pública”?
Como é expresso pelo autor da coluna, outro não é o seu objetivo senão
contribuir, através da difusão da Umbanda, para minorar os males por que passam seus
leitores em seu dia-a-dia. No dia 06 de fevereiro de 1952 era publicado o seguinte texto:
 “Durante toda nossa produtividade neste jornal a frente de Notas
Espíritas, outro não tem sido nosso propósito senão
despretensiosamente contribuir com a nossa parte para que o leitor, o
cidadão que diariamente compra o jornal, não tenha apenas
informações, mas também um roteiro sobre assuntos espirituais que o
possam ajudar a tomar uma iniciativa segura diante do pandemônio
em que vivemos no momento atual. Estaremos compensados se estas
modestas crônicas pudessem fazer com que no leitor aumentasse a fé
em si mesmo. Sempre o ajudarei a enfrentar as dificuldades surgidas
a todo momento como conseqüência aos conflitos sociais do mundo
moderno, mundo que sofre os efeitos dos desajustes econômicos
oriundos das guerras e outros males internacionais. É preciso que o
homem não perca a fé em si mesmo. Sim meu caro leitor, imagino as
suas lutas, não desanimes, crê em ti mesmo”
A forma como o autor entende que deva ser divulgada a Umbanda, a fim de
mostrar que ela é uma religião “ordenada” e “ordenadora”, mantém uma estreita relação
com as notícias publicadas nas páginas policiais que constantemente relacionam
“macumba”, Umbanda e crimes. Distinguir-se dos “macumbeiros” e dos “criminosos” é
um dos objetivos dos autores da coluna “Notas Espíritas”. O outro objetivo seria
afirmar-se enquanto religião que semeia a “responsabilidade” e a “sinceridade”. O
artigo do dia 08 de fevereiro, intitulado “A Umbanda em Foco”, é bastante significativo
neste sentido.
 “A tempos, já muito distantes, quando algo de mal ocorria, era
sempre o espiritismo, de modo geral, o responsável, por crime, um
drama pessoal, etc. Hoje é a Umbanda, ainda que também dentro do
Espiritismo, por formas diferentes quanto a sua apresentação é claro,
sim é a Umbanda que está em foco. Porque a desgraça que se
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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desenrole nestacidade maravilhosa (sic), é sempre a Umbanda
acuimada de responsável. Se o homem deu tantas facadas na esposa,
foi a Umbanda. Se suicidou-se, ele freqüentava a macumba. Bem,
quando dizem ou escrevem macumba, a Umbanda nada tem haver
com o caso, está isenta de culpa. Outras vezes porém despejam-lhe
toda a culpa. Infelizmente a coisa não é bem assim como se escreve e
se diz, pois nós que a serviço desta sessão, visitamos vários Centros e
Tendas, cujos trabalhos se realizam dentro do princípio
umbandista . . . com a nossa responsabilidade que os umbandistas,
como os cristãos, nada ficam a dever pois são operosos e sinceros. Há
as exceções, mas onde essas não existem. . .”
As visitas que os autores realizavam aos Centros e Tendas pareciam ter como
objetivo central regular as atividades que aconteciam nestes locais. Uma forma de
legitimar as práticas religiosas de alguns grupos, principalmente daqueles que
compartilhavam das mesmas idéias e valores dos autores. No dia 17 de maio de 1952 o
título do artigo dizia que “As Visitas Continuam”, e falava sobre a visita a uma Tenda
Espírita que era uma “organização modelo”.
 “À saída da redação, anteontem à noite, sugerimos ao amigo . . .
uma visita a Tenda Espírita Mirim. Aceitamos a sugestão e partimos
para lá. Devemos confessar, entretanto, que não fosse a consciência
do dever teríamos desistido, pois a massa que esperava para entrar
na Tenda era vultuosa; por acaso encontramos o nosso presado
amigo, o Doutor Milagres, que amavelmente contornou as
dificuldades, fazendo-nos chegar a presença do Caboclo Mirim. Aí
esquecemos que lá fora existia aquela massa, e tomamos duas horas
desta entidade, fazendo perguntas de tudo e sobre tudo. E agora
vamos descrever para os nossos leitores o que vimos. A Tenda Mirim
é uma organização modelo, que tem uma rede de Tendas sob o
controle do chefe Caboclo Mirim . . . todas com uma freqüência
mensal de 80.000 pessoal. O que se justifica com os serviços sociais
que ali se prestam . . .”
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Durante todo o tempo de existência desta coluna seu autor realizou diversas
visitas a Centros e Tendas, descrevendo depois aos seus leitores os trabalhos e os
serviços que eram realizados nestes locais. Esta coluna permaneceu até o mês de
setembro de 1953 com certa regularidade em sua publicação, porém sem ter dias
determinados na semana para circular.
No dia 27 de setembro de 1953 é publicada pela primeira vez a coluna “Dos
Sacerdotes de Umbanda”, assinada por Tancredo da Silva Pinto e Byron Torres de
Freitas, respectivamente Presidente da Confederação Espírita Umbandista e Presidente
da Federação Espírita Umbandista do Estado do Rio de Janeiro. Até o mês de junho de
1957 esta coluna é publicada uma vez por semana, sendo assinada sempre pelos
mesmos autores e tendo às vezes a participação de alguns teóricos umbandistas.
A partir de novembro de 1957 a coluna passa a ser publicada duas vezes na
semana, aos sábados e aos domingos, sendo que a edição de domingo também circulava
na segunda-feira. Neste momento Byron Torres de Freitas, agora Presidente da União
Nacional dos Cultos Afro-Brasileiros, começa a dividir o espaço de sua coluna com
Sandoval Batista dos Santos, Procurador da Federação Espírita Umbandista do Estado
do Rio de Janeiro. Por sua vez, Tancredo da Silva Pinto que ainda é o Presidente da
Confederação Espírita Umbandista, assina sua coluna com o Secretário da
Confederação Espírita Umbandista, Ernesto Lourenço da Silva. Vale ressaltar que todos
esses representantes de organizações umbandistas são também autores de livros de
divulgação da doutrina umbandista.
Na opinião de Brown (1985:22) foram as ligações das Federações de Umbanda
com os meios de comunicação de massa e com determinados meios políticos que
tornaram possível um certo grau de influência sobre a prática da Umbanda. “Seus
manuais-rituais, embora nem sempre seguido pelos Centros-membros, tiveram uma
influência padronizante na prática ritual da Umbanda, forjaram elos entre os centros e
contribuíram para a criação de uma identidade de grupo entre os umbandistas. Através
do controle do registro dos centros individuais, as federações desempenharam
importante papel na legalização da prática da Umbanda. Além do mais, como
intermediárias entre seus filiados e os líderes comunitários locais, políticos e meios de
comunicação, as federações auxiliaram no abrandamento das relações com os não-
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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umbandistas, a melhorar a imagem da Umbanda e, portanto, a contribuir para sua
legitimidade social”.
A primeira matéria publicada na coluna “Dos Sacerdotes de Umbanda”
pretendia explicar a origem da Umbanda e ao mesmo tempo situar os autores dentro do
contexto das religiões afro-brasileiras. A Umbanda aparece como o resultado do
encontro de diferentes nações africanas que aqui chegaram trazidas pelo tráfico de
escravos. O seu sentido seria o de ser o produto do “entendimento”, da “unificação”
dos diversos grupos de origem africana, não só entre si, mas também com o elemento
europeu, representado através do espiritismo kardecista e do catolicismo.
 “Muita gente desconhece a verdadeira origem da Umbanda. Vamos
esclarecer para os leitores de O DIA este mistério. O que preocupa
não só os estudiosos do assunto, mas também os filhos da seita. A
Umbanda provém das antigas religiões africanas trazidas aqui pelos
escravos. A palavra umbanda deriva do vocabulário angolense
‘banda’, que quer dizer ‘país’, ‘terra’, ‘região’, ‘lugar’ e ‘povo’; em
conseqüência dos maus tratos sofridos, os escravos fugiam das
senzalas e organizavam os quilombos, onde gozavam de liberdade e
praticavam sua religião e seus costumes ancestrais sem receio dos
feitores e dos capitães do mato. Ora, na África havia muitas nações,
umas mais atrasadas e outras mais adiantadas . . . causava
admiração o ritual dos iorubás. Pois o ritual religioso se denominava
nagô . . . nos quilombos predominavam os negros de Angola e a eles
se juntaram os de Guiné e Luanda, de Banguela e do Congo, etc . . .
Quando chegava um escravo fugido perguntavam: ‘Qual a sua
banda?’, isto é, ‘De que nação você faz parte?’. Em breve as bandas
ou nações se entenderam no sentido de um pacto religioso: Umbanda
significa pois a unificação das bandas, por isso que os sacerdotes do
Omolocô, ritual de angola, entendem a linguagem falada pelos cultos
afro-brasileiros; e com efeito, no vocabulário religiosos Omolocô
encontram-se palavras de quase todas as nações africanas. A
Umbanda de hoje sofre ainda a influência do sincretismo com o
catolicismo e com o espiritismo de Kardec. Daí a correspondência
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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observada entre os santos católicos e os orixás ou ‘bacuros’ afro-
brasileiros.”
No dia 04 de outubro de 1953 era publicada a segunda matéria assinada pelos
Sacerdotes de Umbanda. Neste dia eles se concentravam no sentido de marcar sua
diferença com relação aos “feiticeiros” ou “quimbandeiros”, que são aqueles acusados
de praticar malefícios.
 “Hoje em dia a Umbanda sofre de grande mistificação, por ser
encarada como meio de vida pelos que desconhecem a seita, e todo
mau que aconteça responsabilizam a Umbanda . . . mas saibam os
caros leitores que existem os quimbandeiros, que quer dizer
feiticeiros”.
Neste dia os Sacerdotes de Umbanda tambémvinham dizer para o público leitor
qual o sentido da existência de suas colunas. Afirmando e legitimando sua ação no
jornal como sendo um compromisso assumido pêlos Sacerdotes de Umbanda diante do
Orixá Xangô Agojá, eles tinham como objetivo principal trabalhar para a continuidade
da “tradição” da Umbanda, além de distinguirem-se dos mistificadores.
 “Diante de tanta mistificação, o Xangô Agojá baixando em uma
grande cerimônia do culto, no fim de um amalá (comida de santo)
onde se achavam cabeças maiores da fina flor da Umbanda, pediu
para que se fundasse uma entidade, que com a colaboração de todos
os sacerdotes do culto e adeptos, tudo fizesse para não deixar
desaparecer a tradição de nossa seita. Por isso a Confederação
Espírita Umbandista vem lutando para cumprir os compromissos
assumidos perante aquele grande Orixá. E graças a Zambe (Deus em
Omolocô) temos sempre encontrado os nossos caminhos abertos.
Domingo próximo este matutino publicará outro trabalho a respeito”.
Esta preocupação em se distinguirem dos “mistificadores” é percebida como
uma forma de “sanear” e de “purificar” a Umbanda. Uma das formas de realizar esta
“purificação” é justamente divulgando para “os caros leitores de O DIA a riqueza da
seita de Umbanda”. Esta riqueza pode ser vista principalmente “nas grandes
cerimônias, na cuidada ornamentação do terreiro e na rica indumentária,
caprichosamente confeccionada, dando a beleza e o fulgor às danças do culto”. É do
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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dia 11 de outubro de 1953 o texto que segue, onde os Sacerdotes falam sobre a linha de
ação da Confederação Espírita Umbandista.
 “Antigamente, a seita não gozando do prestígio das autoridades,
que não conheciam o seu culto, sofriam terríveis campanhas. Mas
mesmo assim se viam as grandes festas, que para não serem
interrompidas fechavam os caminhos para os invisíveis e visíveis.
Hoje a Confederação Espírita Umbandista, que vem saneando e
purificando o culto, procurando afastar do seio dos umbandistas os
que fazem da seita comércio, os que vivem fora da lei, muito em breve
fará reviver aquelas saudosas tradições”.
Este resgate de um passado percebido como saudoso por ser depositário das
tradições mágico-religiosas, seria feito justamente através da divulgação dos
fundamentos da Umbanda. Esta divulgação cabia aos membros coordenadores das
diferentes organizações religiosas afro-brasileiras. O objetivo principal da Confederação
Espírita Umbandista, divulgado no dia 25 de outubro de 1953, é “exatamente o de
reestabelecer as veneráveis tradições antigas afastando o enxame de aventureiros” e
“mistificadores”.
Talvez pudéssemos falar aqui em uma “tradição inventada”12 (Hobsbawm &
Ranger; 1997) pelas Federações e Confederações de Umbanda a fim de construir uma
história que ao mesmo tempo legitima e dá sentido as suas práticas religiosas. O estatuto
de “antigüidade” possibilita trazer para o tempo histórico, para a modernidade,
determinadas práticas religiosas que estavam sendo [re]criadas por esses grupos, que ao
se organizarem burocraticamente acabavam estabelecendo relações de “verdade” e
“poder”. 
Durante os anos de 1953, 1954, 1955, 1956 e 1957 (até o mês de outubro), a
coluna dos Sacertodes de Umbanda era publicada uma vez na semana. Sempre sob a
coordenação de Tancredo da Silva Pinto e de Byron Torres de Freitas, esta coluna
dedicava uma parte à divulgação dos fundamentos religiosos, e outra para o noticiário
dos Centros e Terreiros, onde falava das visitas que eram realizadas no decorrer da
12 Hobsbawn (Hobsbawn & Ranger; 1997:09) entende “tradição inventada” como “. . .um conjunto de
práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza
ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o
que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível,
tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado”.
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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semana às diversas casas de culto filiadas a algumas das organizações umbandistas
reconhecidas pelos Sacerdotes de Umbanda.
A partir de novembro de 1957, até março de 1960 (final deste levantamento) esta
coluna passa a ser publicada duas vezes na semana. Um dia sob a orientação de
Tancredo da Silva Pinto, ainda Presidente da Confederação Espírita Umbandista; e no
outro dia sob a orientação de Byron Torres de Freitas e Sandoval Batista dos Santos,
respectivamente Presidente da União Nacional dos Cultos Afro-Brasileiros e Procurador
da Federação Espírita Umbandista do Estado do Rio de Janeiro.
A estrutura das colunas continua sendo a mesma nos dois dias: as visitas
regulares aos Terreiros; a história da Umbanda segundo o ponto de vista desses
dirigentes; o sentido dos aspectos míticos e rituais da Umbanda; a codificação das
cerimônias realizadas; o controle do comportamento dos fiéis; etc. 
Para ilustrar um pouco a maneira como essas colunas se apresentavam, damos
abaixo uma seleção de títulos das colunas em cada ano, entre 1953 e 1960.
 “Cerimônias do Ritual Omolocô” (20 de dezembro 1953).
 “O que é Magia?” (22 de agosto 1954).
 “Assentamento de Oxum – Mitologia Nagô – Cerimônia Fúnebre de
Chefe Índio – O que ocorre na Umbanda” (05 de dezembro 1954).
 “A Proteção do Umbandista – Uma festa Nagô – Ponto cantado de
Yemanjá – A proteção do umbandista – Confederação Espírita
Umbandista – Noticiário dos Centros e Terreiros” (01 de maio 1955).
 “Gbé Ló – A Lei Divina da Revolução – Sempre a Umbanda –
União Nacional dos Cultos Afro-Brasileiros – Oferendas à Yemanjá –
Noticiário dos Centros e Terreiros” (03 de junho de 1956).
 “Batismo de Caboclo – Pesquisas folclóricas – Uma festa religiosa
– Noticiário dos Centros e Terreiros – Ordem de descida dos Orixás
Nordestinos” (07 e 08 de julho de 1957).
 “Cultos Afro-Brasileiros – O ritual da pesca marítima – Noticiário
geral – Cerimônia Iniciática do sétimo ano – Pontos cantados
diversos” (08 de fevereiro de 1958).
 “Cerimônia do Batismo – Desenvolvimento da Umbanda” (09 e 10
de fevereiro de 1958).
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 “Cultos Afro-Brasileiros – Umbanda e Pais-de-Santo – Pontos
cantados diversos – Festa na Tenda Espírita Nossa Senhora da Guia
– Noticiário Geral” (24 de janeiro 1959).
 “Xirê Xê Exú – Mazomba – Mistificadores em Volta Redonda e
Barra Mansa” (25 e 26 de janeiro de 1959).
 “Cultos Afro-Brasileiros – Noticiário da União Nacional dos Cultos
Afro-Brasileiros – Visita ao Terreiro de Joãozinho da Goméia –
Vocabulário comparado [sudanês-português-angolense] – Os
trabalhos da Cabocla Jarina” (26 de março 1960).
 “O Culto das Almas” (27 e 28 de março de 1960).
O que esses títulos deixam perceber é o intenso investimento dos organizadores
dessas colunas no sentido de codificar e normatizar a Umbanda segundo um ponto de
vista bem próprio. Neste mesmo movimento eles acabavam por criar linhas
demarcatórias entre aqueles que praticavam a verdadeira religião de Umbanda e os
outros. E é nesta fronteira tênue e tensa entre Umbanda e “macumba” que podemos ver
acontecer um jogo de acusações, onde quem tem voz (e vez) acusa, e ao acusar se
legitima. Porém, ao que parece, os líderes umbandistas não foram de todo vitoriosos em
seus intentos, pois como afirma Brown (1985:36), “os líderes da Umbanda venceram
muitasbatalhas contra a discriminação legal, mas não foram bem sucedidos em apagar
o preconceito social existente contra ela”. Pois ao mesmo tempo em que assumiam
uma posição de distinguirem-se daqueles que praticavam toda sorte de contravenções,
os autores das colunas acabavam por reforçar os estereótipos que relacionam as
religiões afro-brasileiras com diversos tipos de desvios.
Não devemos nos esquecer também que foi durante a década de 50 que as
Federações de Umbanda tiveram um grande crescimento tanto em número de adeptos
quanto em número de organizações. A Igreja Católica, temendo este crescimento,
iniciava em 1956 com a publicação do livro “Posição Católica Perante a Umbanda” uma
campanha “Contra a Heresia Espírita”. O principal articulador desta campanha era
Frei Boaventura, e seu objetivo era marcar a posição do catolicismo “contra uma
religião pagã, contra um movimento que, como veremos, tem o declarado propósito de
paganizar o cristianismo” (Boaventura, 1957:05).
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Frente a este movimento da Igreja Católica contra a Umbanda, Negrão (1996:86-
87) nos diz o seguinte:
“As federações de Umbanda viram-se diante da difícil tarefa de
legitimá-la, promovendo-a à alternativa religiosa socialmente aceita e
zelando pelo seu bom nome público. As federações passaram, de certa
forma, a incorporar as críticas que eram dirigidas à Umbanda.
Procurando fugir aos seus estigmas de origem, tentaram extirpar de
seus rituais tudo aquilo que pudesse ser percebido como primitivo,
bárbaro ou evidentemente negro. . . Para afirmar-se em sua
especificidade, a Umbanda das federações paradoxalmente
conformou-se à imagem e à semelhança de seus detratores. Para fugir
à marginalização, internalizou os códigos que presidiram à lógica
repressiva e excludente”.
O que o discurso das federações de Umbanda procurava fazer era livrar-se das
acusações de impureza e primitivismo, que em geral recaiam sobre a Umbanda dos
terreiros (Negrão, idem:idem). As práticas rituais que eram (e ainda são) percebidas pela
sociedade abrangente como sinais de “primitivismo”, “barbárie” ou “negritude”13, nos
remetem às idéias de Douglas (1976: 15) sobre higiene e poluição, e como essas noções
podem expressar questões referentes à ordem social. 
“. . . acredito que idéias sobre separar, purificar, demarcar e punir
transgressões, têm como sua função principal impor sistematização
numa experiência inerentemente desordenada”.
Temos por um lado o discurso do próprio jornal “O DIA”, seja nos seus
editoriais como nas suas notícias, que aliado ao discurso das Federações de Umbanda
transmitem representações que ao mesmo tempo procuram ordenar e modernizar. De
outro lado temos o discurso dos “macumbeiros”, que só se manifesta na representação
que as Federações e o jornal “O DIA” fazem deles. Neste discurso os “macumbeiros”
promovem o crime, a desordem, enfim, o atraso. E é justamente na interseção destes
vários discursos, neste jogo de acusações por vezes ásperas, por vezes sutis, que se
13 Vale ressaltar a ausência de artigos e colunas assinadas por sacerdotes e adeptos do Candomblé. Este é
mencionado apenas no caso referido do Aguerê e dos seus desdobramentos. Este “silêncio” pode ser
interpretado como resultado de uma intenção de valorizar um sistema de crenças – a Umbanda – mais
próximo à ideologia dominante, já que apoia-se preponderantemente em elementos do Espiritismo
Kardecista e do Catolicismo e, em menor grau, em elementos e idéias dos cultos africanos às forças da
natureza (Candomblé).
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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delineiam as tensas e ambíguas fronteiras entre o que é “permitido” e o que é
“proibido”; entre o que é “falso” e o que é “verdadeiro”; o que é “legitimado” ou o que
é “desvalorizado” no campo religioso brasileiro.
O fio condutor desta discussão pode ser buscado nas diferentes concepções que
se criam sobre a noção de pessoa no espaço do jornal. De um lado (da ordem) pessoas
que sabem como se controlar e como se comportar segundo os códigos criados e vistos
como modernizadores. Do outro lado (da desordem) aqueles que plantam o conflito, o
crime, a violência; agentes temidos por serem poluidores das relações entre os homens e
dos homens com o outro mundo. O que estas distinções colocam enquanto
questionamento sobre a constituição de uma modernidade no Brasil é com relação ao
papel das classes subalternas neste processo. No espaço do jornal “O DIA” essas
classes aparecem marcadamente como atrasadas e imersas em um tal universo de
confusão, violência e desordem que somente um projeto político que seja
especificamente destinado a essas mesmas classes possibilitaria retirá-las deste estado
de indistinção, conduzindo-as à modernidade. E parece que na opinião deste jornal a
melhor forma de alcançar este objetivo seria a eleição do Sr. Chagas Freitas e seus
aliados políticos para cargos públicos.
Para esta dissertação importa perceber que no jornal “O DIA”, quando se fala
sobre religiões afro-brasileiras, se fala a partir de três lugares bem específicos e
hierarquizados que mantém entre si relações de força e equilíbrio. Pode-se estar falando
a partir: 
 das páginas policiais; 
 das reportagens de características culturais; 
 das páginas dos especialistas, dos que “conhecem” e se colocam na posição
de transmitir este conhecimento.
5)Um Pouco de Atualidade:
_______________________________
Analisando alguns jornais da atualidade pude perceber de que maneira certas
crenças existentes com relação às religiões afro-brasileiras e aos seus membros podem
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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ser desencadeadoras de comportamentos. É o que Merton (1970:517) define como “a
profecia que se cumpre por si mesma” :
“Os homens reagem não somente aos traços objetivos de uma
situação . . . as definições públicas de uma situação (profecias ou
predições) chegam a ser parte integrante da situação e, em
conseqüência, afetam os acontecimentos posteriores . . . uma
definição falsa da situação, provoca uma conduta, a qual, por sua
vez, converte em verdadeiro o conceito originalmente falso”.
Ao que parece, os estereótipos negativos incidentes sobre as religiões afro-
brasileiras durante todo este século já se encontram introjetados pelos próprios grupos
religiosos afro-brasileiros. Em um jornal publicado na década de 90, e que tive a
oportunidade de ter acesso, observei que alguns desses estereótipos negativos são
utilizados para definir e/ou para denegrir a imagem dos próprios religiosos. O que é
interessante neste caso é que o jornal é publicado pela Confederação Umbandista e
Candomblecista do Estado do Rio de Janeiro (C.U.C.E.R.J.), fundada em 13 de julho de
1985, com sede no município de São Gonçalo/RJ. O jornal chama-se “Umbanda &
Candomblé”, e só foi possível conseguir duas edições suas. Uma é de janeiro e fevereiro
de 1993 (no 33/ano 09), e a outra é de março e abril de 1994 (no 34/ano 10). 
Essas duas edições têm características bem distintas. Ambas possuem apenas
quatro páginas, uma diagramação bastante confusa, além de diversas propagandas de
comércio em geral e de lojas especializadas em produtos para Umbanda e Candomblé.
Com relação às propagandas percebi que existe uma diferença significativa entre os dois
números, o que parece ter relação direta com uma mudança de perfil editorial que
ocorreu no jornal. 
A edição de no 33, por exemplo, mostra os religiososde maneira caricatural e
grotesca, associando-os à perversões sexuais e/ou contravenções diversas. As notícias
são as seguintes:
 ““Dona Flor” é agarrada dentro do barracão”
 “Vovó vem tirando baco com João”
 “Meteram atabaque em Mantulazelé”
 “Djalma Bruxa mete a mão no bolso dos clientes otários”
 “Grande bacanal no terreiro da Yalorixá Irene”
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 ““Caboclo Pau Puro” fez espírito subir sem ponto e sem tambor”
 “Oxamigueloan desprezou o candomblé para frequentar funks e
pagodes”
 “Espírito de porco baixa no leito do Pronto-Socorro S. G.”
 “Flagrado à noite fazendo baco na marra com a moça”
O editorial do jornal diz, nesta edição, que apesar de estarem a um tempo
considerável sem publicarem nenhum jornal, ele agora pode ser encontrado nas bancas
de jornais e nos terreiros de Umbanda e Candomblé que o recebem pelo correio. É
muito interessante e esclarecedor o seguinte trecho do editorial:
 “Para alegria de muitos zeladores-de-santo, que gostam de
INDAKA, aqui estamos de volta publicando todas as notícias que
acontecem, referente ao ramo da espiritualidade”
Apesar de só falar fofocas (INDAKA), o editorial faz questão de frisar que o
jornal trata de assuntos “referente ao ramo da espiritualidade”. Existe também uma
sessão chamada Boca Maldita que “está a disposição de todos que queiram enviar suas
Indakas” para o jornal. Nesta edição as “Indakas” são as seguintes:
 “Catatau enche a cara de Oti”
 “Babalaô cambalacheiro”
 “Falso pai-de-santo”
 “Ogan com kelê faz baco com a mona”
 “Farsante explora religião”
 “Catador de voto dentro do barracão”
A existência deste jornal corroborou a incorporação de estereótipos negativos
pelo próprio grupo discriminado. Um jornal editado por uma Confederação de
Umbanda e Candomblé que reproduz justamente alguns dos estereótipos negativos que
vimos décadas antes em um jornal popular.
Qual não foi a minha surpresa quando, um ano depois, na edição seguinte
(março/abril de 1994) o jornal se apresentou com um perfil totalmente diferente. O
editorial deste volume explica alguns aspectos responsáveis pela mudança que ocorreu.
 “Prezado amigo e irmão de fé. Aqui lançamos o novo número do
jornal ‘Umbanda e Candomblé’ com finalidade de dar ao mesmo a
nova roupagem do nosso Órgão de Imprensa religioso, que é o único
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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jornal feito com muito equilíbrio e axé, feito por este batalhador
irmão de fé Nacif Deccache.
 É provável que muitos leitores espíritas que gostem de Indaka de
Afofô estão na bronca por não terem mais fofocas neste jornal e
também é certo estarem sentindo a diferença das matérias que aqui
estão publicadas.
 A partir deste número o nosso lema não é criticar os zeladores-de-
santo, mas sim, elogiar a todos aqueles que merecem.
 Deixamos as páginas do Jornal ‘Umbanda & Candomblé’, à
disposição de todos os responsáveis de terreiros que queiram divulgar
as suas casas e os dias de consultas de jogos de búzios, cartas, etc.
 Antes as maiorias dos crentes quando lia o nosso jornal nas bancas
davam Glória a Satanáz, isso era a nossa ‘UMBANDA &
CANDOMBLÉ’, não se unindo uns com os outros.
 Agora, provavelmente muitos crentes, ao pegarem esta nova edição,
e de certo que irão dar Glória à Deus e também Aleluia, ao saber que
os espíritas estão se unindo uns com os outros, dando as mãos com
amor, paz e de fraternidade.
 Antes quando o nosso jornal criticava os zeladores-de-santo, era
porque não tinham união, uns com os outros, umbandistas queriam
ser maior que os Candomblecistas (vice e versa), um querendo
engolir o outro.
 Agora, a paz e a compreensão dos irmãos uniram uns aos outros, aí
sim que o Jornal ‘Umbanda & Candomblé’ registra com imenso
prazer a volta da sua nova roupagem dando novas notícias e assunto
de interesse de nossa sagrada e pobre religião, que antigamente
estavam descontrolados, sem atendimento uns com os outros, onde
muitos babalorixás e yalorixás, faziam salada mixta e tendo a graça
das Yabas que fizeram com que os zeladores se unissem”
Acompanhando esta mudança na linha editorial do jornal, algumas propagandas
novas apareceram. Uma das propagandas é de uma Casa de Saúde e Maternidade, outra
é do Banco Banerj, e uma terceira é de uma loja de móveis. Também surgiu uma nova
“Se Torcer Sai Sangue”: Uma Análise das Representações Sobre Religiosidade Afro-Brasileira no Jornal O DIA
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coluna (“Personalidades em Foco”), que nesta edição “focaliza” um ex-prefeito de
Cachoeiras de Macacú que no momento estava assumindo um cargo público no Estado
do Rio de Janeiro.
Um outro jornal, bastante diferente deste, que acompanhei por um período de
tempo maior foi o jornal “Oju Àse Awo Dúdu”. Depois de seu terceiro exemplar este
jornal passou a chamar-se “Oju Àse Awo Dúdu - O Espaço dos Orixás & Africanos”.
Seu primeiro exemplar foi publicado em 16 de agosto de 1986. O número seguinte só
foi publicado em outubro de 1989. O terceiro número saiu alguns anos depois, em
março de 1992. Desta data em diante ele manteve uma periodicidade mensal,
aumentando significativamente o número de páginas em cada edição.
Tipicamente este jornal é bem diferente do jornal “Umbanda & Candomblé’. No
jornal “Orixás & Africanos” o assunto preferido são as diversas festas de santo que
estão acontecendo nos terreiros de Umbanda e Candomblé do Grande Rio. Ele tem um
perfil quase no estilo de uma coluna social de qualquer grande jornal, com a diferença
de que existem diversas matérias que tratam de cultura afro-brasileira de uma forma
geral. Suas edições possuem um grande número de fotografias dos adeptos em dias de
festas nos terreiros, além de fotografias de personalidades do povo-de-santo que são
entrevistadas. O que mais se destaca neste jornal é o “glamour” com que o povo-de-
santo é representado, no brilho e na sofisticação das roupas dos orixás.
Nestes dois tipos bem distintos de jornais, seja através do preconceito introjetado
ou através da autoglorificação, podemos perceber que os adeptos das religiões afro-
brasileiras constróem uma percepção de si próprios que é permeada pelos estereótipos
negativos postos em circulação nos diferentes meios de comunicação de massa. Da
mesma forma, pode-se pensar que o fato de serem matéria para a mídia (novelas, temas
de enredo de escolas de samba, literatura, peças de teatro, filmes, músicas, etc), produz
um efeito de valorização e/ou legitimidade (Teixeira, 1994) que se contrapõe às marcas
negativas, sem contudo alterar o seu enquadramento como “inferiores” ou “atrasados”.
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Considerações Finais
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C 
omo diversos trabalhos em Ciências Sociais têm mostrado, o nosso conhecimento da
vida social condiciona e está diretamente condicionado às relações que estabelecemos
socialmente. As informações que nos chegam através dos meios de comunicação de
massa são, invariavelmente, “lidas”. Ou seja, as recepções dessas mensagens não
acontece sem uma interpretação.
Umberto Eco (1984:171) acentua que o que caracteriza e diferencia toda
mensagem é justamente a “variabilidade das interpretações” em sua recepção. Ele diz
que:
“O universo das comunicações de massa está repleto dessas
interpretações discordantes; diria que a variabilidade das
interpretações éa lei constante das comunicações de massa. As
mensagens partem da Fonte e chegam a situações sociológicas
diferenciadas, onde agem códigos diferentes”
 Parafraseando Park (1970:177) quando diz que “a notícia será sempre algo que
fará as pessoas falarem, ainda que não as faça agirem”, diria que a notícia será sempre
algo que fará as pessoas interpretarem, o que já é uma ação.
Park (idem:181) aponta ainda para a questão de que a notícia age sobre uma
espécie de “difusa excitação social”. O que torna um indivíduo “participante da
existência coletiva” é justamente sua capacidade de ser envolvido por uma “atmosfera”
social, ou seja, por interesses e atitudes comuns.
Quando se lê ou se é informado de uma notícia, ela só realiza sua existência
completa quando é interpretada e constrói, individual e/ou coletivamente, uma
determinada “realidade social” (Becker; 1994). Becker ainda diz que a interpretação das
representações (notícias) por parte dos usuários, tem o objetivo de responder a dois tipos
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de questões: “por um lado eles, querem conhecer ‘os fatos’ . . . por outro lado, os
usuários querem respostas para questões morais” (idem; 146).
No caso desta pesquisa, a “atmosfera comum” subjacente a todas as notícias e
reportagens é a crença e o medo do feitiço. Inicialmente trabalhava com a hipótese de
que no material jornalístico observado somente encontraria notícias que relacionassem
as religiões afro-brasileiras com a prática de crimes e desvios de todo tipo. Acreditava,
então, que estavam sendo reforçados apenas certos estereótipos negativos incidentes
sobre tudo aquilo que faz referência a “coisas de negros”. Isto reafirmaria a crença das
elites de que a população negra e as atividades a ela relacionadas constituem fonte
permanente de desordem e/ou perigo, na constituição de uma nação brasileira moderna.
Qual não foi minha surpresa ao encontrar um outro tipo de material totalmente
distinto das notícias que relacionam as religiões afro-brasileiras e seus adeptos com toda
sorte de crimes. Este material eram as reportagens semanais assinadas por
representantes das diversas organizações de Umbanda do Distrito Federal e do antigo
Estado do Rio de Janeiro. O principal objetivo dessas organizações era o de divulgar
certos aspectos das religiões afro-brasileiras, com a finalidade de codificá-las e de assim
fazendo valorizá-las.
O mesmo jornal que apresentava um retrato negativo das religiões afro-
brasileiras, possuía um outro espaço, ocupado por dirigentes umbandistas, para
transmitir suas próprias idéias. Contradição?
Percebi que era no contraste dessas duas posições distintas e complementares –
de um lado as notícias esporádicas, caóticas e escandalosas; de outro lado, as
reportagens regulares, disciplinadoras e moralizantes – que se compunha uma imagem
das religiões afro-brasileiras na cidade do Rio de Janeiro. E, era justamente na tensão
entre esses dois tipos de relatos que se firmavam determinados estereótipos negativos
(como vimos no capítulo III).
Acredito que esses estereótipos e atitudes favorecem para o reforço do
preconceito racial e religioso no Brasil, que associa ao “negro” e às religiões a ele
ligadas, a responsabilidade por um certo “atraso” do país. A Umbanda das Federações
aparecia, no espaço do jornal “O DIA”, como a religião sintonizada com o
desenvolvimento sócio-econômico [e por que não dizer também espiritual? (Ortiz;
1984:42)] do Brasil. Isso só se tornava possível porque a Umbanda, ao se converter em
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“religião nacional”, transforma o que originalmente era “perigoso”, “impuro”, “negro”,
em algo “limpo”, “seguro”, “domesticado” e “branco” (Fry; 1982:53).
Concomitante ao estabelecimento de um modelo de prática religiosa pelas
Federações de Umbanda, se configura nas páginas do “O DIA” um novo tipo de
“transgressor”. Sigo as idéias de Becker (1977:60) quando afirma que “os grupos
sociais criam o desvio ao fazer as regras cuja infração constitui desvio e ao aplicar
essas regras a pessoas particulares e rotulá-las como marginais e desviantes”. Deste
ponto de vista o desvio é uma conseqüência direta da existência e aplicação de certas
regras. “O desviante é alguém a quem aquele rótulo foi aplicado com sucesso;
comportamento desviante é o comportamento que as pessoas rotulam como tal” (idem:
idem:60).
O que pude perceber na análise do material jornalístico do “O DIA” é que
aqueles a quem o rótulo de “macumbeiro” ou “desviante” é imputado são pessoas que
não possuem nenhuma relação com Federações ou Confederações de Umbanda. O
“macumbeiro” das páginas policiais é um indivíduo que não encontra representação (e
proteção) nessas organizações, pois uma das característica de sua prática é ser
“solitária”; ele é sempre “uma voz solitária”. Ao contrário, o discurso dos membros das
Federações é “articulado”, “legítimo” e “coletivo”; ele representa “a” Umbanda (como
vimos nos capítulos III e IV). 
Contins e Goldman (1984:129-130) dizem que “se há um traço essencial às
práticas umbandistas no Brasil este é, sem dúvida, a absoluta impossibilidade de sua
codificação e uniformização globais”. Junto com este traço caminha um outro,
centralizador, que busca uma ordem definida, imutável, onde “condena-se as práticas
que escapam aos limites demarcados pelas federações e pelos grandes iniciados;
codificam-se as práticas e as crenças”. Os discursos que escapam a essas ordens,
“devem ser rapidamente silenciados, desqualificados, ou ainda, preferencialmente,
normatizados, ao serem incorporados ao culto ‘codificado’ ”.
Ampliando este trabalho para outras questões, me parece que uma das melhores
maneiras de finalizar esta dissertação seja com uma longa citação de Thompson
(1995:15-16), na qual ele define seu conceito de ideologia a fim de aplicá-lo ao estudo
da comunicação de massa:
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“Na reformulação do conceito de ideologia procuro reenfocar esse
conceito numa série de problemas que se referem às inter-relações
entre sentido (significado) e poder. Argumentarei que o conceito de
ideologia pode ser usado para se referir às maneiras como o sentido
(significado) serve, em circunstâncias particulares, para estabelecer e
sustentar relações de poder que são sistematicamente assimétricas –
que eu chamarei de ‘relações de dominação’. Ideologia, falando de
uma maneira mais ampla, é sentido a serviço do poder.
Consequentemente, o estudo da ideologia exige que investiguemos as
maneiras como o sentido é construído e usado pelas formas
simbólicas de vários tipos, desde as falas lingüísticas cotidianas até
às imagens e aos textos complexos. Ele exige que investiguemos os
contextos sociais dentro dos quais essas formas simbólicas são
empregadas e articuladas. Ele requer que perguntemos se – e, se este
for o caso, como – o sentido é mobilizado pelas formas simbólicas em
contextos específicos, para estabelecer e sustentar relações de
dominação. A distintividade do estudo da ideologia está na última
questão: ele exige que perguntemos se o sentido, construído e usado
pelas formas simbólicas, serve ou não para manter relações de poder
sistematicamente assimétricas”.
O presente trabalho me leva a considerar importante o desdobramento de certas
questões na atualidade (décadas de 80 e 90) em diversos meios de comunicação de
massa (jornal, rádio,TV, cinema e Internet), tendo como principal subsídio
metodológico a abordagem de J. B. Thompson (1995), relacionando-o evidentemente às
questões implícitas ao ambiente plural das grandes cidades.
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	ARCHANJO, Marcelo Vidaurre
	“Todo jornal, da primeira à última linha, não passa
	“E a novidade que seria um sonho
	“O que uma vez já foi o ‘inconsciente’, manifestando-se como um ato falho, agora está na boca do povo. Onde somos mais incapazes, aquilo do que mais sofremos e pelo que mais nos anestesiamos, isto é reprimimos – com protetores de ouvido, trancas nas portas, álcool, aparelhos eletrônicos de alta-fidelidade, café e consumismo -, é o mundo exterior, a polis. Retiramos a psique de lá e ficamos inconscientes no que diz respeito a ela; a polis é o inconsciente. Tornamo-nos pacientes e analistas superconscientes, indivíduos muito atentos e extremamente interiorizados, e cidadãos muito inconscientes”.
	Capítulo 02
	“Os Sentidos da “Macumba” ”
	“Eu vou botar teu nome na Macumba, Vou procurar uma feiticeira,
	 “O que quizeres ser o serás – 17 de junho 1951
	Talvez pudéssemos falar aqui em uma “tradição inventada” (Hobsbawm & Ranger; 1997) pelas Federações e Confederações de Umbanda a fim de construir uma história que ao mesmo tempo legitima e dá sentido as suas práticas religiosas. O estatuto de “antigüidade” possibilita trazer para o tempo histórico, para a modernidade, determinadas práticas religiosas que estavam sendo [re]criadas por esses grupos, que ao se organizarem burocraticamente acabavam estabelecendo relações de “verdade” e “poder”.
	 ““Dona Flor” é agarrada dentro do barracão”
	Considerações Finais
	Referências Bibliográficas
	O DIA 05 de junho de 1951 a 31 de março de 1959
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	FRY, Peter – “Feijoada e ‘Soul Food’: Notas Sobre a Manipulação de Símbolos Étnicos
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