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“QUARTO DE DESPEJO” ANÁLISE DO PROF. EDIR C U R SO D E LI TE R A TU R A – P R O F. E D IR : A N Á LI SE D A S O B R A S LI TE R Á R IA S 1 @edir.literatura CURSO ONLINE COMPLETO SOBRE QUARTO DE DESPEJO: QUERO ACESSAR GRATUITAMENTE! Clique no link acima e use o cupom: INSIGHTSQD https://edirliteratura.eadplataforma.app/curso/quarto-de-despejo “QUARTO DE DESPEJO” ANÁLISE DO PROF. EDIR C U R SO D E LI TE R A TU R A – P R O F. E D IR : A N Á LI SE D A S O B R A S LI TE R Á R IA S 2 @edir.literatura Autora: Carolina Maria de Jesus (1914-1977) Publicação: 1960 (Literatura contemporânea) Gênero: Diário / Literatura-verdade SOBRE A AUTORA Mulher, negra, favelada, mãe solteira de três filhos, Carolina Maria de Jesus tornou-se a autora mais vendida no Brasil em 1960, com o livro “Quarto de Despejo”, marco da literatura negra contemporânea. A incrível história da escritora que deu voz a um povo silenciado começa em Sacramento, interior de Minas Gerais, em 1914. O pai era alcoólatra e violento e já era casado quando se envolveu com a mãe de Carolina, uma lavadeira analfabeta. Em Sacramento, cursou duas séries do ensino primário, patrocinada por uma senhora da sociedade. Influenciada por uma professora, lia sempre acompanhada de um dicionário, descobrindo novas palavras. Apesar do curto período de escolarização, Carolina continuou cultivando os hábitos de leitura e escrita. Na década de 1920, em busca de melhores condições de vida, a família viveu em localidades do interior de Minas e São Paulo. Após a morte da mãe, Carolina mudou-se para a capital paulista, aos 23 anos de idade. Trabalhou como empregada doméstica e como catadora de papel. Aos 34 anos, construiu seu próprio barraco na favela do Canidé, às margens do rio Tietê. Nos anos seguintes, teve três filhos: João José, José Carlos e Vera Eunice, todos de relacionamentos diferentes. Apaixonada pelas letras, Carolina catava no lixo livros e os cadernos nos quais escrevia. Ao longo da vida, foram mais de 5 mil páginas escritas entre diários, peças teatrais, romances, poemas, provérbios e letras de música. A busca pelo reconhecimento de sua literatura começou bem antes da publicação de “Quarto de Despejo”: em 1941, aos 27 anos de idade, Carolina foi à redação do jornal Folha da Manhã e apresentou um poema que fizera em homenagem a Getúlio Vargas. O texto foi publicado e acompanhado de uma foto da autora. A revelação da autora para o país inteiro se deu a partir de 1958, com a contribuição do jornalista Audálio Dantas. O repórter fazia uma matéria sobre um parque inaugurado nas imediações da favela do Canindé quando conheceu Carolina. Chamou a atenção de Audálio o fato de a mulher ameaçar os vizinhos durante uma briga dizendo: “Saiam ou eu vou colocar vocês no meu livro!”. Curioso, perguntou à autora do que se tratava e ela mostrou-lhe os manuscritos. Naquele mesmo ano, o Jornalista publicou uma reportagem na Folha da Noite incluindo trechos do diário de Carolina. Em 1959, Audálio fez uma ampla reportagem sobre Carolina para a famosa Revista O Cruzeiro e fechou contrato com uma editora para a publicação de “Quarto de Despejo”. O livro foi lançado em 1960 e a tiragem inicial, de dez mil exemplares foi esgotada em uma semana. A autora atingiu a celebridade, deu autógrafos, palestras, frequentou os salões da burguesia e viajou o mundo. Conseguiu também, como sempre sonhou, deixar a favela para morar numa “Casa de Alvenaria” (que viria a ser o título de seu próximo diário. Tais fatos, obviamente não aparecem no livro, pois a fama e o dinheiro vieram após a publicação da obra. A fama, no entanto, não durou muito tempo. A burguesia ilustrada queria consumir o exotismo da favelada escritora, mas o interesse pelos livros da mulher que deixara a favela não foi o mesmo. Audálio desaconselhou Carolina a publicar outras obras justamente por imaginar que não teriam o mesmo sucesso. A autora publicou-as mesmo assim, investindo o dinheiro que recebera de seu best seller, tendo prejuízos. A escritora que denunciava o cinismo dos políticos e a miséria do país foi sendo apagada da memória, ainda mais com a Ditadura Militar, a partir de 1964. A condição financeira de Carolina foi piorando e ela passou a viver numa pequena chácara em Parelheiros, interior do município de São Paulo, onde veio a falecer em 1977. “QUARTO DE DESPEJO” ANÁLISE DO PROF. EDIR C U R SO D E LI TE R A TU R A – P R O F. E D IR : A N Á LI SE D A S O B R A S LI TE R Á R IA S 3 @edir.literatura Obras de Carolina Maria de Jesus, incluindo publicações póstumas: Quarto de Despejo (1960) Casa de Alvenaria (1961) Pedaços de Fome (1963) Provérbios (1963) Diário de Bitita (1982) Meu Estranho Diário (1996) Antologia Pessoal (1996) Onde Estaes Felicidade (2014) O TÍTULO A expressão “Quarto de Despejo” é usada por diversas vezes ao longo do texto. Trata-se de uma metáfora em que a cidade é comparada a uma casa. A sala de visitas, lugar privilegiado, bonito e arrumado seria o centro. Em oposição, a favela seria o “quarto de despejo”, ou seja, aquele cômodo nos fundos da casa em que se joga tudo aquilo que não tem valor. Nesse sentido, a imagem reforça o sentido de marginalidade do ambiente (“quartinho dos fundos”) e de seus habitantes (tratados como “objetos fora de uso”). Veja: “As oito e meia da noite eu já estava na favela respirando o odor dos excrementos que mescla com o barro podre. Quando estou na cidade tenho a impressão que estou na sala de visita com seus lustres de cristais, seus tapetes de viludos , almofadas de sitim. E quando estou na favela tenho a impressão que sou um objeto fora de uso, digno de estar num quarto de despejo”.* (p.38) CAROLINA E AUDÁLIO - AUTORA E EDITOR É importante reforçar o protagonismo de Carolina na luta para se tornar conhecida e reconhecida. Quando Audálio foi à favela do Canindé, provavelmente já tivesse ouvido falar na “Poetisa Negra”. Carolina é autora e conta com o jornalista como editor. Assim, a escrita original de Carolina é preservada, mesmo com seus problemas de sintaxe e ortografia. Audálio fez apenas algumas correções em casos extremos, em que o entendimento do leitor pudesse ficar prejudicado. Realizou também algumas supressões (indicadas no livro por “...”), e modificou também a pontuação. A LINGUAGEM DE CAROLINA Por que o editor manteve, dentro do possível a escrita “errada” de Carolina? É justamente essa escrita não padrão que confere originalidade ao relato e, ao mesmo tempo reforça a verdade da condição marginal da autora e do ambiente em que vive. Para além de uma grafia “incorreta”, o texto revela também a inteligência da protagonista e suas tentativas de aproximação com a norma culta e com a tradição literária. Observe: “... O céu é belo, digno de contemplar porque as nuvens vagueiam e formam paisagens deslumbrantes. As brisas suaves perpassam conduzindo os perfumes das flores. E o astro rei sempre pontual para despontar-se e recluir-se. As aves percorrem o espaço demonstrando contentamento. A noite surge as estrelas cintilantes para adornar o céu azul. Há varias coisas “QUARTO DE DESPEJO” ANÁLISE DO PROF. EDIR C U R SO D E LI TE R A TU R A – P R O F. E D IR : A N Á LI SE D A S O B R A S LI TE R Á R IA S 4 @edir.literatura belas no mundo que não é possivel descrever-se. Só uma coisa nos entristece: os preços, quando vamos fazer compras. Ofusca todas as belezas que existe.”(p. 44) O texto evidencia um exercício poético de descrição da natureza semelhante ao estilo romântico, conhecido pela autora (que chega em alguns momentos de seu diário a citar poetas como Casimiro de Abreu e Castro Alves). Perceba que apesar da precariedade de sua formação escolar, que serevela em problemas de acentuação (falta de crase em “A noite...” e de acento agudo em “possivel") e de concordância (“...surge as estrelas...” “Os preços...ofusca todas as belezas que existe”), Carolina atinge uma incontestável expressividade lírica. Ao mesmo tempo, incorpora vocábulos eruditos aprendidos entre suas leituras ao lado do dicionário (“perpassam”,“despontar”,”recluir”). A originalidade, porém, está justamente no choque entre delicado x brutal, que também se manifesta na forma de uma linguagem que se debate entre culto x inculto, rústico x erudito. Repare que é frequente a passagem abrupta do sonho à realidade (a beleza do céu custo de vida) e a linguagem se faz coerente com a contradição vivenciada pela autora, uma favelada, semialfabetizada que cultiva a reflexão, a leitura e a escrita e que vê nas letras uma forma de crescimento e superação de sua condição miserável. “É que eu estou escrevendo um livro, para vende-lo. Viso com esse dinheiro comprar um terreno para eu sair da favela. (p.28)” Um aspecto revelador desse desejo de ascensão social é a hipercorreção, assim definida por Bortoni: “Chamamos hipercorreção ou ultracorreção o fenômeno que decorre de uma hipótese errada que o falante realiza num esforço para ajustar-se à norma padrão. Ao tentar ajustar-se à norma, acaba por cometer um erro.” (BORTONI-RICARDO, 2004, p. 28) Deste modo, observamos ao longo do diário de Carolina construções que jamais seriam produzidas naturalmente, mas que constituem tentativas mal sucedidas de aproximação com a norma culta. O caso da colocação pronominal é o mais sintomático: “O que aborrece-me é elas vir na minha porta para perturbar a minha escassa tranquilidade interior (...) Mesmo elas aborrecendo-me, eu escrevo.” (p.16) “Os que preferiu-me eram soezes e as condições que êles me impunham eram horriveis.” (p.17) “Ela odeia-me porque os meus filhos vingam e por eu ter radio.” (p.17) *soezes: sem caráter, ordinários Como já explicamos, a autora procura adequar sua escrita àquilo que julga ser um padrão culto. Parte da ideia de que esse padrão elevado seria a ênclise e passa a praticá-lo indiscriminadamente, mesmo quando a norma exigiria o emprego da próclise, como nos casos acima. Evidentemente, este cuidado excessivo está relacionado à percepção de que o texto será lido pelo público. Existe, portanto, a intenção de publicar, como já foi aludido num trecho anterior (“É que eu estou escrevendo um livro, para vende-lo.”). Nesse sentido, Carolina chega mesmo a referir-se ao leitor em alguns momentos: “QUARTO DE DESPEJO” ANÁLISE DO PROF. EDIR C U R SO D E LI TE R A TU R A – P R O F. E D IR : A N Á LI SE D A S O B R A S LI TE R Á R IA S 5 @edir.literatura “… Tem pessoas aqui na favela que diz que eu quero ser muita coisa porque não bebo pinga. Eu sou sozinha. Tenho três filhos. Se eu viciar no álcool os meus filhos não irá respeitar-me. Escrevendo isto estou cometendo uma tolice. Eu não tenho que dar satisfações a ninguem. Para concluir, eu não bebo porque não gosto, e acabou-se. Eu prefiro empregar o meu dinheiro em livros do que no álcool. Se você achar que eu estou agindo acertadamente, peço-te para dizer: – Muito bem, Carolina!” (p.74) No trecho acima, a autora demonstra sua aversão ao álcool (preocupação constante ao longo do diário) e afirma não dever satisfações a ninguém. Contraditoriamente, porém, pede a aprovação do leitor (peço-te para dizer -“Muito bem Carolina”). Nesse sentido, parece buscar uma identificação com o sujeito letrado, integrante de outro grupo social que não o dos suburbanos. Em determinados momentos, a autora refere-se aos favelados usando terceira pessoa: “- O que escreve? - Todas as lambanças que pratica os favelados, estes projetos de gente humana.” (p. 23). Carolina se considera diferente dos demais habitantes da favela: “...Aqui na favela quase todos lutam com dificuldades para viver. Mas quem manifesta o que sofre é só eu e faço isto em prol dos outros.” (p. 37) A diferença entre a autora e os demais está justamente na questão da linguagem (“quem manifesta o que sofre é só eu...”) e na capacidade de refletir sobre sua condição. Observe a discussão com uma vizinha e a forma como a protagonista se posiciona: “Quando as mulheres feras invade o meu barraco, os meus filhos lhes joga pedras. Elas diz: – Que crianças mal educadas! Eu digo: – Os meus filhos estão defendendo-me. Vocês são incultas, não pode compreender. Vou escrever um livro referente a favela. Hei de citar tudo que aqui se passa. E tudos que vocês me fazem. Eu quero escrever o livro, e vocês com estas cenas desagradáveis me fornece os argumentos. A Silvia pediu-me para retirar o seu nome do meu livro. Ela disse: – Você é mesmo uma vagabunda. Dormia no Albergue Noturno. O seu fim era acabar na maloca. Eu disse: – Está certo. Quem dorme no Albergue Noturno são os indigentes. Não tem recurso e o fim é mesmo nas malocas, e Você, que diz nunca ter dormido no Albergue Noturno, o que veio fazer aqui na maloca? Você era para estar residindo numa casa própria. Porque a sua vida rodou igual a minha? Ela disse: – A única coisa que você sabe fazer é catar papel. Eu disse: – Cato papel. Estou provando como vivo! ... Estou residindo na favela. Mas se Deus me ajudar hei de mudar daqui. Espero que os políticos estingue as favelas. (...)” Repare no trecho acima como a autora se coloca como culta e como, após esgotar os argumentos da vizinha, reforça sua ambição de deixar a favela. “QUARTO DE DESPEJO” ANÁLISE DO PROF. EDIR C U R SO D E LI TE R A TU R A – P R O F. E D IR : A N Á LI SE D A S O B R A S LI TE R Á R IA S 6 @edir.literatura Apesar dessa sensação de ser diferente dos demais favelados, há momentos em que a autora acaba por se sentir identificada com o grupo: “Abri a janela e vi as mulheres que passam rapidas com seus agasalhos descorados e gastos pelo tempo. Daqui a uns tempos estes palitol* que elas ganharam de outros e que de há muito devia estar num museu, vão ser substituidos por outros. É os politicos que há de nos dar. Devo incluir-me, porque eu tambem sou favelada. Sou rebotalho. Estou no quarto de despejo, e o que está no quarto de despejo ou queima-se ou joga-se no lixo.” (p.38)” *Palitol: paletós, casacos No trecho acima, a autora constata que os pobres vestem-se com as roupas velhas descartadas por quem tem dinheiro. A condição de quem sobrevive de restos é percebida como a sua própria condição. Ao final do trecho, a ideia de que os pobres são tratados como resíduo, como lixo. Concluímos que Carolina: a) Não se sente identificada com os favelados sob o aspecto cultural. Imagina-se mais culta, mais esclarecida. b) Sente-se identificada com os favelados sob o aspecto socioeconômico. Vive nas mesmas condições de marginalidade e de miséria dos demais. UM ESTRANHO DIÁRIO Em Quarto de Despejo cada “capítulo” corresponde aos acontecimentos de um dia, ou seja: o texto é escrito em forma de diário, compreendendo, com alguns intervalos sem registro, os seguintes períodos: - de 15 a 28 de julho de 1955; - 2 de maio de 1958 a 26 de agosto de 1959; - 31 de dezembro de 1959 e 1º de janeiro de 1960. O texto de Carolina, porém, não é um diário convencional, pois, como já vimos, a autora não o escrevia apenas para consumo próprio, mas visando a sua publicação. Imaginando que terá sua obra lida pelo público, busca, em alguns momentos, adornar seu texto com uma linguagem que pretende mais rebuscada ou poética. Outra diferença em relação aos diários comuns é a tendência à objetividade: a autora faz de sua obra uma denúncia constante. Nesse sentido, o texto deixa de ser um simples “desabafo” e passa a descrever a realidade em torno da favela. Nas palavras da professora Elzira Perpétua: “Nos textos selecionadospara publicação, vemos que Carolina, mergulhada numa escrita tradicionalmente subjetiva, consegue esboçar objetivamente os traços do Canindé, mesmo quando nela se inclui, vendo-se personagem de si mesma. Dessa forma, ao pretender narrar a vida daquela comunidade, vemos em Quarto de despejo que a autora situa-se ora como mera testemunha que registra um documento da favela, ora como personagem e modelo dos dramas que se desenvolvem diariamente a seus olhos.” (PERPÉTUA, p.263) “QUARTO DE DESPEJO” ANÁLISE DO PROF. EDIR C U R SO D E LI TE R A TU R A – P R O F. E D IR : A N Á LI SE D A S O B R A S LI TE R Á R IA S 7 @edir.literatura Em síntese, a escrita de “Quarto de Despejo” apresenta múltiplas funções, extrapolando os limites de um diário comum, como demonstra o esquema abaixo. ROTINA: O CARÁTER CÍCLICO DE “QUARTO DE DESPEJO” O formato de diário reforça a abordagem da rotina como enredo. Na situação precária em que vive Carolina, os temas se repetem: o trabalho de catar papel, os conflitos entre os favelados, a criação e o sustento dos filhos, a falta de recursos, a fome, a desigualdade social e o preconceito. Durante o período de produção do texto (1955-1960), não há uma mudança nas condições de vida da protagonista. Mesmo após a sua aparição em uma ampla reportagem na revista “O Cruzeiro”, que a tornaria famosa, Carolina de Jesus continua enfrentando os mesmos problemas. Observe como se encerra o primeiro dia do relato: “15 de julho de 1955 *...+ Ablui as crianças, aleitei-as e ablui-me e aleitei-me. Esperei até as 11 horas, um certo alguem. Êle não veio. Tomei um melhoral e deitei-me novamente. Quando despertei o astro rei deslizava no espaço. A minha filha Vera Eunice dizia: – Vai buscar água mamãe!”” (p. 11) *abluir: limpar(-se) por meio da água; lavar(-se). *aleitar: colocar (-se) no leito, na cama. O Dia seguinte se inicia assim: “16 de julho DE 1955. Levantei-me. Obedeci a Vera Eunice. Fui buscar agua. (...)” (p.12) Agora veja as últimas palavras do diário: “1 de janeiro de 1960. Levantei as 5 horas e fui carregar agua.” (p.192) ESCRITA ÍNTIMA •"Desabafo" • Carolina como personagem do drama social • Função Emotiva ESCRITA DOCUMENTAL • Denúncia • Carolina como observadora do drama social • Função Referencial ESCRITA POÉTICA • Lirismo • Preocupação estética • Função Poética “QUARTO DE DESPEJO” ANÁLISE DO PROF. EDIR C U R SO D E LI TE R A TU R A – P R O F. E D IR : A N Á LI SE D A S O B R A S LI TE R Á R IA S 8 @edir.literatura O encerramento do livro em um dia de ano-novo é extremamente significativo: data que remete a recomeço, a um novo ciclo. No caso de “Quarto de Despejo”, tudo se repete em uma espiral de miséria, o que acentua o caráter de denúncia da obra. Por outro lado, é bom lembrar que depois da publicação do livro, a vida da autora mudou. Como sabemos, com o dinheiro de sua obra, Carolina deixou a favela e foi viver em uma casa de alvenaria, mas isso, obviamente, não aparece no texto. A FOME COMO ANTAGONISTA O texto de Carolina Maria de Jesus promove um choque de realidade, levando ao conhecimento do leitor sensações inimagináveis dentro do universo burguês. A descrição que faz da fome é brutal. “27 de maio ... Percebi que no Frigorifico jogam creolina no lixo, para o favelado não catar a carne para comer. Não tomei café, ia andando meio tonta. A tontura da fome é pior do que a do alcool. A tontura do alcool nos impele a cantar. Mas a da fome nos faz tremer. Percebi que é horrivel ter só ar dentro do estomago. Comecei sentir a boca amarga. Pensei: já não basta as amarguras da vida? Parece que quando eu nasci o destino, marcou-me para passar fome. Catei um saco de papel. Quando eu penetrei na rua Paulino Guimarães, uma senhora me deu uns jornais. Eram limpos, eu deixei e fui para o deposito. Ia catando tudo que encontrava. Ferro, lata, carvão, tudo serve para o favelado. O Leon pegou o papel, recibi seis cruzeiros. Pensei guardar o dinheiro para comprar feijão. Mas, vi que não podia porque o meu estomago reclamava e torturava-me. ... Resolvi tomar uma media e comprar um pão. Que efeito surpreendente faz a comida no nosso organismo! Eu que antes de comer via o céu, as arvores, as aves tudo amarelo, depois que comi, tudo normalizou-se aos meus olhos. ... A comida no estomago é como o combustivel nas maquinas. Passei a trabalhar mais depressa. O meu corpo deixou de pesar. Comecei andar mais depressa. Eu tinha impressão que eu deslisava no espaço. Comecei sorrir como se estivesse presenciando um lindo espetaculo. E haverá espetaculo mais lindo do que ter o que comer? Parece que eu estava comendo pela primeira vez na minha vida.” (p.45) Nas palavras de Audálio Dantas, no prefácio de “Quarto de Despejo”: “A fome aparece no texto com uma frequência irritante. Personagem trágica, inarredável. Tão grande e tão marcante que adquire cor na narrativa tragicamente poética de Carolina. Em sua rotineira busca da sobrevivência no lixo da cidade, ela descobriu que as coisas todas do mundo - o céu, as árvores, as pessoas, os bichos -ficavam amarelas quando a fome atingia o limite do suportável. Carolina viu a cor da fome - a Amarela.” (p. 6, grifo nosso.) Tratando-se a fome como uma personagem, ela é a grande antagonista contra quem Carolina tem de lutar. “E assim no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra a escravatura atual – a fome!” (p. 32) Ao fazer uma analogia com a escravidão, a autora percebe a fome como um fenômeno político, uma forma de subjugar um grupo social: “... Quem deve dirigir é quem tem capacidade. Quem tem dó e amisade ao povo. Quem governa o nosso país é quem tem dinheiro, quem não sabe o que é fome, a dor, e a aflição do pobre. Se a maioria revoltar-se, o que pode fazer a minoria? Eu estou ao lado do pobre, que é o braço. Braço desnutrido. Precisamos livrar o paiz dos políticos açambarcadores.” (p.40) “QUARTO DE DESPEJO” ANÁLISE DO PROF. EDIR C U R SO D E LI TE R A TU R A – P R O F. E D IR : A N Á LI SE D A S O B R A S LI TE R Á R IA S 9 @edir.literatura *açambarcador: aquele que toma posse de algo impedindo que outros usufruam da mesma vantagem. CONSCIÊNCIA POLÍTICA Um dos aspectos mais marcantes de “Quarto de Despejo”, como se evidencia no próprio título da obra, é a consciência da autora sobre a condição de sua comunidade. Como acabamos de analisar no trecho anterior, a própria fome é vista como resultante de uma política feita por “quem tem dinheiro”. Nesse sentido, o processo eleitoral é percebido como uma farsa, uma armadilha: “... Nas ruas e casas comerciais já se vê as faixas indicando os nomes dos futuros deputados. Alguns nomes já são conhecidos. São reincidentes que já foram preteridos nas urnas. Mas o povo não está interessado nas eleições, que é o cavalo de Troia que aparece de quatro em quatro anos.” (p. 44) Carolina não se deixa enganar e denuncia em diversas ocasiões o clientelismo, prática que se potencializa em países com extrema desigualdade social, em que se estabelece um intercâmbio de favores por votos. O político clientelista se aproveita da necessidade dos eleitores para estabelecer com eles relações de dependência. “... Os visinhos ricos de alvenaria dizem que nós somos protegidos pelos politicos. É engano. Os politicos só aparece aqui no quarto de despejo, nas epocas eleitorais. Este ano já tivemos a visita do candidato a deputado Dr. Paulo de Campos Moura, que nos deu feijão e otimos cobertores. Que chegou numa epoca oportuna, antes do frio.”(p. 46/47) Perceba que não há ingenuidade por parte de Carolina em aceitar as esmolas do político. Ela conhece as intenções do candidato (só aparece nas épocas eleitorais), mas não nega a comida e o agasalho (chegou numa época oportuna). Importanteressaltar que não podemos fazer um julgamento moral da atitude dos favelados, que não tem condições de negar o atendimento de suas necessidades básicas. É como se pudessem ,ainda que momentaneamente, se apoderar dos bens que lhes são sonegados pela mesma elite política depois das eleições. Carolina não se contenta com afagos ou com esmolas. Sua percepção vai além do imediatismo alienado e exige políticas públicas em favor dos excluídos, como se observa no seguinte trecho: “*...+ Os politicos só aparecem aqui nas epocas eleitoraes. O senhor Cantidio Sampaio quando era vereador em 1953 passava os domingos aqui na favela. Ele era tão agradavel. Tomava nosso café, bebia nas nossas xícaras. Ele nos dirigia as suas frases de viludo. Brincava com nossas crianças. Deixou boas impressões por aqui e quando candidatou-se a deputado venceu. Mas na Camara dos Deputados não criou um progeto para beneficiar o favelado. Não nos visitou mais.” (p.32) Apesar de demonstrar uma consciência política incomum entre pessoas de seu estrato social, denunciando o clientelismo, a autora permite entrever uma lógica paternalista em alguns momentos do texto. Veja como é abordada a situação do aumento das passagens, quando Adhemar de Barros, candidato da preferência de Carolina, perdeu a eleições para o governo de São Paulo: “QUARTO DE DESPEJO” ANÁLISE DO PROF. EDIR C U R SO D E LI TE R A TU R A – P R O F. E D IR : A N Á LI SE D A S O B R A S LI TE R Á R IA S 1 0 @edir.literatura Eu acho que o Dr. Adhemar está revoltado. E resolveu ser energico com o povo para demonstrar que ele tem força para nos castigar. Eu acho que os espiritos superiores não se vingam. . . .Cheguei em casa cançada e com dor no corpo. Encontrei a Vera na rua. O bendito João, o meu filho manequim, não presta atenção em nada. O barraco estava aberto e os sapatos espalhados pelo assoalho. Êle não pois fogo no feijão. (...) Era 6 e meia quando o João apareceu. Mandei êle acender o fogo. Depois dei-lbe uma surra. Com uma vara e uma correia. E rasguei-lhe os Gibis desgraçados. Tipo da leitura que eu detesto. O trecho é revelador, pois coloca em paralelo duas situações: 1- O político, quando o povo não corresponde às suas expectativas (Adhemar de Barros perdeu a eleição), castiga o povo (aumenta o preço das passagens como retaliação). 2- A mãe, quando o filho não cumpre com a sua parte (João José não pôs a comida no fogo e o barraco estava bagunçado), aplica-lhe uma surra. Nesse paralelismo, a lógica que se pode extrair das entrelinhas é a seguinte: o político está para o povo assim como os pais estão para os filhos. O líder político tem, portanto, uma autoridade paternal. Premia ou pune de acordo com seu arbítrio. Cabe a ele resolver ou não os problemas do povo (“Espero que os político estingue as favelas” – p.20). A relação com o povo se dá mediada pelos afetos (“Eu quando estou com fome quero matar o Janio, quero enforcar o Adhemar e queimar o Juscelino. As dificuldades corta o afeto do povo pelos politicos.”- p.33) Do trecho que analisamos, resta ainda observar a relação de Carolina com os filhos. Falaremos disso em um próximo capítulo de nosso estudo. Antes disso, ainda sobre as posições políticas expressas em “Quarto de Despejo”, vamos analisar temas como o preconceito racial e a desigualdade de gênero. RACISMO Diante do preconceito racial, Carolina tem uma atitude de autoafirmação: orgulha-se de sua negritude e denuncia a discriminação. “... Eu escrevia peças e apresentava aos diretores de circos. Eles respondia-me: – É pena você ser preta. Esquecendo eles que eu adoro a minha pele negra, e o meu cabelo rustico. Eu até acho o cabelo de negro mais iducado do que o cabelo de branco. Porque o cabelo de preto onde põe, fica. É obediente. E o cabelo de branco, é só dar um movimento na cabeça ele já sai do lugar. É indisciplinado. Se é que existe reincarnações, eu quero voltar sempre preta. ... Um dia, um branco disse-me: – Se os pretos tivessem chegado ao mundo depois dos brancos, aí os brancos podiam protestar com razão. Mas, nem o branco nem o preto conhece a sua origem. O branco é que diz que é superior. Mas que superioridade apresenta o branco? Se o negro bebe pinga, o branco bebe. A enfermidade que atinge o preto, atinge o branco. Se o branco sente fome, o negro também. A natureza não seleciona ninguém.” (p. 65/66) Carolina afirma a igualdade natural entre negros e brancos, desmascarando o discurso da “superioridade” de uma etnia sobre a outra. Percebe, no entanto, que, mesmo não havendo diferenças biológicas, existe uma diferença social. A essa construção histórica, cultural, em que se estabelecem relações de poder entre “raças”, chamamos racismo. “QUARTO DE DESPEJO” ANÁLISE DO PROF. EDIR C U R SO D E LI TE R A TU R A – P R O F. E D IR : A N Á LI SE D A S O B R A S LI TE R Á R IA S 1 1 @edir.literatura A sociedade Brasileira, por exemplo, está longe de ter superado sua estrutura racista. Foram mais de 350 anos de escravidão oficial até a Lei Áurea, de 1888. Em 1955, a autora celebra a data da Abolição: “13 de maio Hoje amanheceu chovendo. É um dia simpatico para mim. É o dia da Abolição. Dia que comemoramos a libertação dos escravos. ... Nas prisões os negros eram os bodes espiatorios. Mas os brancos agora são mais cultos. E não nos trata com desprêso. Que Deus ilumine os brancos para que os pretos sejam feliz.” (p.31) Há uma certa ingenuidade nessa referência comemorativa à data da Lei Áurea e à espera de que os brancos sejam “iluminados” para, a partir de então, permitirem que os negros sejam felizes. Atualmente, o movimento negro propõe uma reflexão crítica acerca do significado desse 13 de maio, uma vez que impõe a ideia de protagonismo branco e a coloca a população negra apassivada diante de um gesto unilateral da “princesa redentora”. Nesse sentido, reivindica-se o 20 de novembro como referência a Zumbi dos Palmares, resgatando o papel do próprio negro na conquista da sua liberdade. Por outro lado, Carolina parece ter amadurecido sua visão nos anos seguintes, observando que a escravidão se perpetua de outras formas: “E assim no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra a escravatura atual – a fome!” (p. 32) “11 de agosto ... Eu estava pagando o sapateiro e conversando com um preto que estava lendo um jornal. Ele estava revoltado com um guarda civil que espancou um preto e amarrou numa arvore. O guarda civil é branco. E há certos brancos que transforma preto em bode expiatório. Quem sabe se guarda civil ignora que já foi extinta a escravidão e ainda estamos no regime da chibata?” (p.108) O problema observado por Carolina permanece atual: estudo sobre a violência policial em São Paulo* revela que 67% dos mortos por policiais entre 2014 e 1016 eram negros ou pardos. *"Trabalho sujo ou missão de vida? Persistência, reprodução e legitimidade da letalidade na ação da PMESP" – Bueno, Samira. 2018 SOBRE A CONDIÇÃO DA MULHER Desde criança, Carolina já percebia a desigualdade de gênero: “ .. Quando eu era menina o meu sonho era ser homem para defender o Brasil porque eu lia a Historia do Brasil e ficava sabendo que existia guerra. Só lia os nomes masculinos como defensor da patria. Então eu dizia para a minha mãe: – Porque a senhora não faz eu virar homem? Ela dizia: – Se você passar por debaixo do arco-iris você ira homem. Quando o arco-iris surgia eu ia correndo na sua direção. Mas o arco-iris estava sempre distanciando. Igual os politicos distante do povo. Eu cançava e sentava. Depois começava a chorar. Mas o povo não deve cançar. Não deve chorar. Deve lutar para melhorar o Brasil para os nossos filhos não sofrer o que estamos sofrendo. Eu voltava e dizia para a mamãe: – O arco-iris foge de mim.” “QUARTO DE DESPEJO” ANÁLISE DO PROF. EDIR CU R SO D E LI TE R A TU R A – P R O F. E D IR : A N Á LI SE D A S O B R A S LI TE R Á R IA S 1 2 @edir.literatura Nessa memória, a protagonista questiona a exclusividade do protagonismo masculino na história oficial. A metáfora do arco-íris reforça a ideia de que a igualdade almejada parece inatingível. O texto de Carolina assume constantemente o caráter de denúncia. São frequentes as cenas de violência contra as mulheres: “O Senhor Alexandre começou a bater na sua esposa. A Dona Rosa interviu. Ele dava ponta-pé nos filhos. Quando ele ia enforcar a Dona Nena, a Dona Rosa pediu socorro. Então o soldado Edison Fernandes foi pedir ao senhor Alexandre para não bater na sua esposa. Ele não obedeceu e ameaçou o soldado com uma peixeira. O Edison Fernandes deu-lhe uns tapas. O Alexandre avoou que nem balão impelido pelo vento. O soldado Edison mandou-me telefonar para a Radio Patrulha. Eu fui avuando. Telefonei e voltei correndo. Quando cheguei na favela a briga estava quente. O Alexandre chingava as crianças que iam olhar e avançou para o meu filho João. E desacatava o soldado Edison, querendo bater-lhe no rosto e dizendo-lhe: – Leva a minha mulher para você! Mulher depois que casa é para suportar o marido e eu não adimito soldado dentro da minha casa. Você está interessado na minha mulher? Assim que os favelados me viram, gritaram: – Cadê a Policia?” (p.97) Carolina costuma ser mediadora dos conflitos entre os favelados, mas muitas vezes é importunada pelas vizinhas, especialmente em razão dos filhos. Quando questionada sobre o fato de não ter um marido, afirma-se na sua condição de mulher independente e critica a as mulheres que se submetem à violência: “As mulheres saíram, deixou-me em paz por hoje. Elas já deram o espetáculo. A minha porta atualmente é theatro. Todas crianças jogam pedras, mas os meus filhos são os bodes expiatorios. Elas alude que eu não sou casada. Mas eu sou mais feliz do que elas. Elas tem marido. Mas, são obrigadas a pedir esmolas. São sustentadas por associações de caridade. Os meus filhos não são sustentados com pão de igreja. Eu enfrento qualquer especie de trabalho para mantê-los. E elas, tem que mendigar e ainda apanhar. Parece tambor. A noite enquanto elas pede socorro eu tranquilamente no meu barracão ouço valsas vienenses. Enquanto os esposos quebra as tabuas do barracão eu e meus filhos dormimos sossegados. Não invejo as mulheres casadas da favela que levam vida de escravas indianas.” (p.16/17) AMOR “Quarto de Despejo” mostra a vida de Carolina em todos os seus aspectos. Ainda que se destaque ao longo do texto a denúncia sobre a realidade da favela, o diário também revela a intimidade da protagonista. Carolina tem três filhos, de diferentes relacionamentos. Conduz sozinha sua vida, mas parece ser constantemente cortejada. “... Seu Gino veio dizer-me para eu ir no quarto dele. Que eu estou lhe despresando. Disse- lhe: Não! É que eu estou escrevendo um livro, para vende-lo. Viso com esse dinheiro comprar um terreno para eu sair da favela. Não tenho tempo para ir na casa de ninguém. Seu Gino insistia. Ele disse: – Bate que eu abro a porta. Mas o meu coração não pede para eu ir no quarto dele.” (p.28) Em meio a uma narrativa fragmentária, destaca-se como enredo mais substancial o triângulo amoroso envolvendo o Sr. Manoel e o cigano Raimundo. O Sr. Manoel é um homem diferenciado na favela: “QUARTO DE DESPEJO” ANÁLISE DO PROF. EDIR C U R SO D E LI TE R A TU R A – P R O F. E D IR : A N Á LI SE D A S O B R A S LI TE R Á R IA S 1 3 @edir.literatura “É o homem mais distinto da favela. Ele está aqui já faz 9 anos. Sai de casa e vai para o trabalho. Não falta ao serviço. Nunca brigou com ninguem. Nunca foi preso. Ele é o homem mais bem remunerado da favela. Trabalha para o Conde Francisco Matarazzo.” (p. 145) Manoel é quem compra papéis e ferros-velhos no armazém de Francisco Matarazzo. Por diversas vezes ajuda Carolina de forma discreta, supervalorizando o material que ela vendia: “Vendi as latas e os metais. Ganhei 31 cruzeiros. Fiquei contente. Perguntei: – Seu Manoel, o senhor não errou na conta? – Não. Porque? – Porque o saco de latas não pesava tanto para eu ganhar 31 cruzeiros. É a quantia que eu preciso para pagar a luz.” (p.19) Apesar de admirar Manoel, Carolina rejeita sua aproximação: “... O senhor Manoel chegou. Deu-me 80 cruzeiros, eu não quiz pegar. Procurei as crianças para tomar banho. Ficaram alegre quando viu o senhor Manoel. Eu disse para o senhor Manoel que ia passar a noite escrevendo. Êle despediu-se e disse: – Até outro dia! Nossos olhares se encontraram e eu lhe disse: – Vê se não volta mais aqui. Eu já estou velha. Não quero homens. Quero só os meus filhos. Ele saiu. Ele é muito bom e iducado. E bonito. Qualquer mulher há de gostar de ter um homem bonito como ele é. Agradavel no falar.” (p.102) A seguir, revela que passou a se relacionar com ele: “... Quando ele passa uns dias sem vir aqui, eu fico lhe chingando. Falo: quando ele chegar eu quero expancar-lhe e lhe jogar agua. Quando êle chega eu fico sem ação. Ele disse-me que quer casar-se comigo. Olho e penso: este homem não serve para mim. Parece um ator que vai entrar em cena. Eu gosto dos homens que pregam pregos, concertam algo em casa. Mas quando eu estou deitada com ele, acho que ele me serve.” (p.136) Esse “relacionamento aberto” com Manoel vai ser abalado pela chegada do cigano Raimundo: “... Eu não vou deitar. Quero ouvir a corrida de São Silvestre. Eu fui na casa de um cigano que reside aqui. Condoeu-me vê-los dormindo no solo. Disse-lhe para vir no meu barracão a noite que eu ia dar-lhe duas camas. Se ele fosse durante o dia as mulheres iam transmitindo a novidade, porque aqui tudo é novidade. Quando a noite surgiu, ele veio. Disse que quer estabelecer, porque quer por os filhos na escola. Que ele é viuvo e gosta muito de mim. Se eu quero viver ou casar com ele. Abraçou-me e beijou-me. Contemplei a sua boca adornada de ouro e platina. Trocamos presentes. Eu dei-lhe doces e roupas para os seus filhos e ele deu-me pimenta e perfumes. A nossa palestra foi sobre arte e musica. Disse-me que se eu casar com ele que retira-me da favela. Disse-lhe que não me adapto a andar nas caravanas. Ele disse-me que é poetica a existencia andarilha. Ele disse-me que o amor de cigano é imenso igual o mar. É quente igual o sol. Era só o que me faltava. Depois de velha virar cigana. Entre eu e o cigano existe uma atração espiritual. Ele não queria sair do meu barraco. E se eu pudesse não lhe deixava sair.” (p.149/150) Observe que o cigano, mais passional e impulsivo, parece uma antítese do Sr. Manoel. Essa diferença também será perceptível no caráter: “QUARTO DE DESPEJO” ANÁLISE DO PROF. EDIR C U R SO D E LI TE R A TU R A – P R O F. E D IR : A N Á LI SE D A S O B R A S LI TE R Á R IA S 1 4 @edir.literatura “... Estava escrevendo quando o filho do cigano veio dizer-me que o seu pai estava chamando-me. Fui ver o que ele queria. Começou queixar-se que encontra dificuldades para viver aqui em São Paulo. Sai para procurar emprego e não encontra. Disse que vai voltar para o Rio, porque lá e´melhor para viver.eu disse-lhe que aqui ganha- se mais dinheiro. – No Rio ganha mais – afirmou – Lá eu benzia as crianças, vendia carne e ganhava muito dinheiro. Percebi que o cigano quando conversa com uma pessoa, fala horas e horas. Até a pessoa oferecer dinheiro. Não é vantagem ter amisade com cigano.” (p.151/152) Carolina percebe que o cigano é ardiloso, insinua estar precisando de dinheiro, embora não peça diretamente. Manoel percebe a aproximação entre Carolina e o cigano e fica com ciúmes: “... O senhor Manoel veio. Era 8 horas. Perguntou-me se eu ainda converso com o cigano. Respondique sim. Que ele tem terreno em Osasco e que se acabar a favela e eu não tiver onde ir, poderei ir para o seu terreno. Que ele admira a minha disposição e se pudesse vivia ao meu lado. O senhor Manoel zangou-se e disse-me que não retorna mais. Que eu posso ficar com o cigano. O que eu admiro no cigano é a calma e a compreensão. Coisa que o senhor Manoel não possue. (. . . ) O senhor Manoel disse-me que não aparece. Vamos ver. (p.153) Apaixonada pelo cigano, Carolina imagina ter encontrado sua alma gêmea: “... Não estou gostando do meu estado espiritual. Não gosto da minha mente inquieta. O cigano está perturbando-me. Mas eu vou dominar esta simpatia. Já percebi que ele quando me vê fica alegre. E eu tambem. Eu tenho a impressão que eu sou um pé de sapato e que só agora é que encontrei o outro pé. (p.153) ... mesmo sabendo das más qualidades de Raimundo: “[...] Ouvi falar varias coisas dos ciganos. E ele tem as más qualidades que propalam. Parece que esse cigano quer hospedar-se no meu coração.” (p.153, grifo nosso.) "[...] O Raimundo disse-me que vai embora para a sua casa. E se um dia a favela acabar de eu procurá-lo. Fez o mesmo convite a Rosalina. Eu não apreciei. Não foi egoísmo. Foi ciúme. Ele saiu e eu fiquei pensando. Ele não estaciona. É o seu sangue cigano. (p.154) Carolina começa a perceber algo mais grave: o cigano tinha uma relação suspeita com uma menina: “Ele começou a citar as suas aventuras. Disse que vai para Volta Redonda. E vai ficar na casa da jovem de 14 anos que está com ele. Se a menina saía para brincar, ele ia procurá-la, olhando-lhe com cuidado. Eu não apreciava os seus olhares com a jovem. Pensei: o que será que ele quer com essa jovem?” (p.155) “Eu puis o olhar no caderno e comecei a escrever. Quando ergui a cabeça o seu olhar estava pousado no rosto da mocinha. Não gostei do seu olhar histerico. ... O meu pensamento começou a desvendar a sordidez do cigano. Ele tira proveito da sua beleza. Sabe que as mulheres se ilude com rostos bonitos. Ele atrai as mocinhas dizendo que casa com elas. Satisfaz seus desejos e depois manda elas ir embora. (...) agora eu compreendia os seus olhares com a mocinha. (p.156, grifo nosso.)” A expressão “Ele tira proveito de sua beleza” indica que Raimundo abusava sexualmente da menina. Embora não haja uma cena explicitando o abuso, Carolina tira essa conclusão e, a partir disso, passa a repudiar o cigano. “QUARTO DE DESPEJO” ANÁLISE DO PROF. EDIR C U R SO D E LI TE R A TU R A – P R O F. E D IR : A N Á LI SE D A S O B R A S LI TE R Á R IA S 1 5 @edir.literatura Olhei o rosto do cigano. O rosto bonito. Mas fiquei com nojo. Era um rosto de anjo com alma de diabo. (...) Vim para o meu barraco. Eu estava pondo os cadernos em cima da mesa, quando senti que alguem me pegava pelas costas. Era o cigano que me abraçava. Beijou-me na boca.os seus braços me apertavam tanto. Disse-me: – Eu vou-me embora. Deixo as minhas roupas. Você lave-as para mim. Quando eu voltar dou-te uma maquina de costura. Eu não faço conta de dinheiro. Sei que você vai pensar em mim e sei que você vai sentir falta de mim. Sei que vou ser hospede do teu coração. E você ainda vai ter oportunidade de dormir nos meus braços. Enquanto ele me abraçava, eu pensava: este diabo devia estar na cadeia. Eu sentei na cama, ele sentou-se ao meu lado. Eu fechei a janela e continuamos beijando-nos. O meu carinho representava interesse para descobrir suas atividades. Ele disse-me: – Eu venho dormir aqui. Nós dois dormimos nesta cama e a minha irmã dorme no quartinho. – Eu não durmo com ninguem perto dos meus filhos. Ele olhou-me e disse-me: – Você é boba. As crianças quando deitam dormem logo. Ele saiu. (p.157) No trecho, Carolina chega a fechar a janela para um momento de intimidade com o cigano. Justifica-se dizendo: “O meu carinho representava interesse para descobrir suas atividades”. Mas ao final, não aceita passar a noite com o sedutor, que chega a referir-se à mocinha de 14 anos como sendo sua irmã. Com raiva, a protagonista chega a pensar em denunciá-lo à polícia: “Dizem que cigano não pode ficar parado. Mas a Dona Lei há de fazer ele estacionar uma temporada atrás das grades.” (p.157) Raimundo vai embora. Nos dias que seguem a partida do Cigano, Carolina fica abalada, chegando mesmo a adoecer. Quem vai ajudá-la é Manoel. “Durante os dias que eu estive doente o senhor Manoel não me deixou sem dinheiro. O senhor Manoel disse-me que o cigano faz muito bem em seduzir as mocinhas de 14 anos. Elas dá confiança. Este dias eu fiz umas poesias: Não pensas que vais conseguir o meu afeto novamente o meu odio vai evoluir criar raizes e dar semente.” (p.160) Interessante observar que Carolina, vez por outra faz versos (poemas ou canções). No caso acima, expressa ainda seu rancor em relação ao cigano. Ao final, a protagonista se reaproxima de Manoel, com quem continua a se relacionar até o final do livro. “Deixei o leito as 6 horas, porque o senhor Manoel quando dorme aqui não deixa eu levantar cedo.” (p.164) FILHOS Como já foi dito, Carolina tem 3 filhos de diferentes relacionamentos: João José, José Carlos e Vera Eunice. Vera Eunice: Filha caçula. O livro se inicia em 15 de julho de 1955, aniversário de 2 anos de Vera e a frustação de Carolina por não poder comprar-lhe um par de sapatos. Há uma simbologia de ascensão social implicada nos sapatos, obsessivamente citados por Carolina. Segundo a professora Regina Dalcasgné: “QUARTO DE DESPEJO” ANÁLISE DO PROF. EDIR C U R SO D E LI TE R A TU R A – P R O F. E D IR : A N Á LI SE D A S O B R A S LI TE R Á R IA S 1 6 @edir.literatura “É sintomático o desassossego com os sapatos, que retorna aqui e ali em sua escrita. São eles, afinal, a primeira marca de distinção entre a vida no mundo rural e a do mundo urbano. Não ter sapatos ali, onde os negros deviam saber ler e ter conta nos bancos, podia ser um sinal de seu próprio fracasso.” (DALCASTAGNÈ, p. 5) Carolina, na falta de uma creche, tinha de levar a filha pequena catar papel. Trabalhava carregando a garota no colo. A menina é esperta e comunicativa. Vive sonhando em andar de carro: “Quando eu seguia na Avenida Cruzeiro do Sul ia uma senhora com um sapato azul e uma bolsa azul. A Vera disse-me: – Olha mamãe. Que mulher bonita! Ela vai no meu carro. É que a minha filha Vera Eunice diz que vai comprar um carro só para carregar as pessoas bonitas. A mulher sorrio e a Vera prosseguio: – A senhora é cheirosa! Percebi que a minha filha sabe bajular. A mulher abriu a bolsa e deu-lhe 20 cruzeiros.” (p.37) José Carlos: Filho do meio. É o mais “arteiro”. As vizinhas viviam a persegui-lo acusando-o de ter jogado pedras em seus barracos. Carolina defende os filhos alegando que as demais crianças da favela fazem o mesmo. Mas, a despeito dessa atitude superprotetora, às vezes castiga os filhos com surras. Em 1958, com 9 anos de idade, José Carlos recebe uma intimação e a mãe tem de leva-lo para depor na delegacia (não há detalhes sobre o motivo). Por mais de uma ocasião, Carolina tem de buscá-lo no juizado de menores. Um traço marcante de José Carlos é a ambição: “O José Carlos disse-me que vai ser um homem distinto e que eu vou tratá-lo de Seu José. Já tem pretensões: quer residir em alvenaria.” João José: O mais velho. No princípio, parece distraído, sonhando com as histórias em quadrinhos que lê. Carolina repudia seus gibis: “tipo de leitura que eu detesto”. Em 1958, quando tinha 11 anos de idade, foi acusado por uma vizinha de ter molestado uma menina de apenas 2 anos de idade. O episódio não é esclarecido no livro, mas Carolina afirma que se o filho realmente tivesse feito mal à menina, iria interna-lo. Após leva-lo ao juizado para depor, passa a controlar o garoto dentro de casa.“Não deixo o João sair. Ele passa o dia lendo. Ele conversa comigo e eu vou revelando as coisas inconvinientes que exite no mundo. Já que o meu filho já sabe como é o mundo, a linguagem infantil entre nós acabou-se. [...]Disse-lhe que enquanto nós residirmos aqui na favela ele não há de brincar com mais ninguém. Antes eu falava e ele revoltava. Agora eu falo e êle ouve. Eu pretendia conversar com o meu filho as coisas serias da vida só quando ele atingisse a maioridade. Mas quem reside na favela não tem quadra de vida. Não tem infancia, juventude e maturidade. O meu filho, com 11 anos já quer mulher, que ele precisa tirar o diploma de grupo. E estudar depois, que o curso primário é muito pouco. Evidencia-se aqui o fenômeno da adultização precoce, acentuada pela influência do meio (tema também marcante em “Capitães da Areia”, de Jorge Amado). A INFLUÊNCIA DO MEIO Carolina luta para educar seus filhos, mas precisa ausenta-se para trabalhar. Como já vimos, atribui à influência do ambiente os desvios de comportamento dos filhos. A autora descreve o processo de degeneração das famílias que chegam à favela: ... As vezes mudam algumas famílias para a favela, com crianças. No inicio são iducadas, amaveis. Dias depois usam o calão, são soezes e repugnantes. São diamantes que “QUARTO DE DESPEJO” ANÁLISE DO PROF. EDIR C U R SO D E LI TE R A TU R A – P R O F. E D IR : A N Á LI SE D A S O B R A S LI TE R Á R IA S 1 7 @edir.literatura transformam em chumbo. Transformam-se em objetos que estavam na sala de visita e foram para o quarto de despejo. Outro momento do texto em que Carolina observa as interferências do meio no caráter comentando sobre um famoso delinquente juvenil chamado “Promessinha”. “8 de agosto – Saí de casa as 8 horas. Parei na banca de jornais para ler as noticias principais. A Policia ainda não prendeu o Promessinha. O bandido insensato porque a sua idade não lhe permite conhecer as regras do bom viver. Promessinha é da favela da Vila Prudente. Ele comprova o que eu digo: que as favelas não formam carater. A favela é o quarto de despejo. E as autoridades ignoram que tem o quarto de despejo…” Apesar da rusticidade do texto, com suas frases curtas justapostas, o raciocínio de Carolina é sofisticado ao estabelecer uma lógica de causas e consequências que faz de Promessinha um produto social. Analisando o fragmento de trás para frente temos: 1) As autoridades ignoram a favela (não há políticas públicas para a periferia); 2) Os favelados são tratados como lixo (vivem no “quarto de despejo”); 3) A favela não forma um bom caráter (ou deforma o caráter como já vimos no trecho anterior); 4) Promessinha é da favela; 5) Promessinha é menor de idade e não conhece valores morais (regras do bem viver). Nesse sentido, o menor é arrastado a uma vida de crimes. O menor infrator é, portanto, um produto social. CONCLUSÃO A escrita de Carolina Maria de Jesus figura como uma manifestação ímpar. Não por enfocar o drama dos excluídos, mas por fazê-lo do ponto de vista daqueles que são sistematicamente silenciados e invisibilizados socialmente: a mulher, o negro, o pobre e o periférico. Sua linguagem revela a tensão entre a marginalidade de alguém quase sem escolarização e a tentativa de integrar-se à comunidade letrada, buscando, para além do simples desabafo ou da denúncia, a construção de uma linguagem genuinamente poética, ainda que rústica. E é justamente nessa rusticidade que reside a força do texto capaz de comover e mobilizar o leitor. Muito bem, Carolina! “QUARTO DE DESPEJO” ANÁLISE DO PROF. EDIR C U R SO D E LI TE R A TU R A – P R O F. E D IR : A N Á LI SE D A S O B R A S LI TE R Á R IA S 1 8 @edir.literatura REFERÊNCIAS Todas as citações da obra Quarto de Despejo foram retiradas da seguinte edição: - JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo. São Paulo: Ática; 2007. Demais referências: - DALCASTAGNÈ, Regina. Para não ser trapo no mundo: as mulheres negras e a cidade na narrativa brasileira contemporânea. Estud. Lit. Bras. Contemp. (44), Brasília (DF), Programa de Pós-Graduação em Literatura, UnB, 2014, pp.289-302. - PERPÉTUA, E. D. A proposta estética em Quarto de despejo, de Carolina de Jesus. Scripta, Belo Horizonte, v. 18, n. 35, p. 255-266, jul./dez. 2014. Disponível em: <http://periodicos.pucminas.br/index.php/scripta/article/view/P.2358- 3428.2014v18n35p255/pdf>. Acesso em: 04 abr. 2018. - RICARDO-BORTONI, Stella Maris. Educação em língua materna: a sociolingüística na sala de aula. São Paulo: Parábola, 2004. “QUARTO DE DESPEJO” ANÁLISE DO PROF. EDIR C U R SO D E LI TE R A TU R A – P R O F. E D IR : A N Á LI SE D A S O B R A S LI TE R Á R IA S 1 9 @edir.literatura “QUARTO DE DESPEJO” ANÁLISE DO PROF. EDIR C U R SO D E LI TE R A TU R A – P R O F. E D IR : A N Á LI SE D A S O B R A S LI TE R Á R IA S 2 0 @edir.literatura ... Eu escrevia peças e apresentava aos diretores de circos. Eles respondia-me: – É pena você ser preta. Esquecendo eles que eu adoro a minha pele negra, e o meu cabelo rustico. Eu até acho o cabelo de negro mais iducado do que o cabelo de branco. Porque o cabelo de preto onde põe, fica. É obediente. E o cabelo de branco, é só dar um movimento na cabeça ele já sai do lugar. É indisciplinado. Se é que existe reincarnações, eu quero voltar sempre preta. 1- (IFSulDeMinas) Considerando o trecho acima, retirado do livro da autora Maria Carolina de Jesus, podese afirmar, EXCETO, que: a) relata um quadro de discriminação tanto de gênero quanto de raça e grau de instrução. b) a comparação, no relato, é usada como recurso de autoafirmação. c) aspectos ligados à aparência da personagem servem como argumentos para afirmar certo discurso discriminatório. d) o uso, no relato, dos vocábulos “preto”, “preta”, “negra” e “negro” tem a intenção de desconstruir um conhecido estereótipo social negativo. 2- (IFSulDeMinas) A expressão “Quarto de despejo”, no livro-diário de Carolina Maria de Jesus, refere-se: a) ao espaço de repouso e fuga da autora quando precisava descansar do trabalho de catadora de papelão. b) ao lugar onde deveriam ser guardados os objetos das pessoas despejadas da favela em que a autora morava. c) à metáfora utilizada pela autora para caracterizar o contexto de alguns grandes centros urbanos. d) à caracterização do espaço que, na casa da autora, servia para armazenar objetos já sem utilidade e valor. 3- (UFRGS) Sobre o livro Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus, assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) as seguintes afirmações. ( ) A história, estruturada em forma de diário, abarca cinco anos da vida de Carolina, que, segundo a narradora, suporta sua rotina de fome e violência através da escrita. ( ) A autora produz uma narrativa de grande potência, apesar dos desvios gramaticais presentes no texto. ( ) A narradora reflete sobre desigualdade social e racismo. A força do texto está no depoimento de quem sente essas mazelas no corpo e ainda assim se apresenta como voz vigorosa e propositiva. ( ) O livro, relato atípico na tradição literária brasileira, nunca obteve sucesso editorial, permanecendo esquecido até os dias de hoje. A sequência correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é (A) F – V – F – F. (B) V – F – V – V. (C) V – F – F – V. (D) V – V – V – F. (E) F – V – V – V. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO “QUARTO DE DESPEJO” ANÁLISE DO PROF. EDIR C U R SO D E LI TE R A TU R A – P R O F. E D IR : A N Á LI SE D A S O B R A S LI TE R Á R IA S 2 1 @edir.literatura ... As oito e meia da noite eu já estava na favela respirando o odor dos excrementos que mesclacom o barro podre. Quando estou na cidade tenho a impressão que estou na sala de visita com seus lustres de cristais, seus tapetes de viludos, almofadas de sitim. E quando estou na favela tenho a impressão que sou um objeto fora de uso, digno de estar num quarto de despejo. 4- (EDIR LITERATURA)- Quanto ao trecho acima, considerando-se a totalidade da obra de Carolina de Jesus, assinale o que for correto: 01. A forma como Carolina percebe sua própria imagem é afetada pelo ambiente no qual se localiza. 02. Erros ortográficos como “viludos" e “sitim” são recorrentes ao longo texto, o que impossibilita a atribuição de valor literário à escrita da favelada. 04. O título da obra está relacionado à metáfora do trecho acima, demonstrando a segregação do espaço urbano. 08. Escrito em forma de diário, “Quarto de Despejo” é uma escrita íntima, caracterizada pelo predomínio da subjetividade sobre a realidade objetiva. 16. Contrariando a expressão sublinhada no trecho, ao longo de “Quarto de Despejo”, a autora reitera seu desejo de deixar a favela, reforçando a percepção de que não se identifica com o ambiente social da favela. 5- (EDIR LITERATURA) Considere as afirmativas Verdadeiras (V) ou Falsas (F): ( ) O texto despretensioso de Carolina era o simples desabafo de uma favelada, sem maiores objetivos. Foi o repórter Audálio Dantas quem descobriu casualmente aquela escrita original e impactante e decidiu publicá-la. ( ) Com a publicação de trechos de seu diário na revista “O Cruzeiro”, Carolina ganha um bom dinheiro e consegue deixar a favela, encerrando o livro como uma grande vitoriosa. ( ) “... Os visinhos ricos de alvenaria dizem que nós somos protegidos pelos politicos. É engano. Os politicos só aparece aqui no quarto de despejo, nas epocas eleitorais. Este ano já tivemos a visita do candidato a deputado Dr. Paulo de Campos Moura, que nos deu feijão e otimos cobertores. Que chegou numa epoca oportuna, antes do frio.” – O trecho demonstra a ingenuidade de Carolina ao receber vantagens indevidas de um político. 6- (UNICENTRO) Sobre a obra Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus, é INcorreto afirmar que a) obra é constituída por relatos de vida, análises de contexto, predominantemente como denúncia social e, também, por passagens líricas. b) a linguagem é concisa e direta, em sintonia com a rudeza da vida da própria escritora, que manifesta consciência do processo de escrita. c) a autora reivindica uma vida melhor para si e para a comunidade onde vive, por meio de um discurso de resistência, em face do sistema que oprime os habitantes da periferia. d) não obstante o reconhecimento atual do seu valor, mais pelo conteúdo do que pela forma, a obra não integrou o cânone literário quando de sua publicação. e) a obra consagrou-se como representante da literatura pós-moderna, ao fazer do gênero diário uma forma de desconstrução da subjetividade do eu-lírico. “QUARTO DE DESPEJO” ANÁLISE DO PROF. EDIR C U R SO D E LI TE R A TU R A – P R O F. E D IR : A N Á LI SE D A S O B R A S LI TE R Á R IA S 2 2 @edir.literatura 1 DE JULHO... Eu percebo que se este Diário for publicado vai maguar muita gente. Tem pessoa que quando me ver passar saem da janela ou fecham as portas. Estes gestos não me ofendem. Eu até gosto porque não preciso parar para conversar. (...) Quando passei perto da fabrica vi varios tomates. Ia pegar quando vi o gerente. Não aproximei porque ele não gosta que pega. Quando carregam os caminhões os tomates caem no solo e quando os caminhões saem esmaga-os. Mas a humanidade é assim. Prefere vê estragar do que deixar seus semelhantes aproveitar. (JESUS, 1997, p. 69.) 7- (UNIMONTES) Sobre o excerto acima e sobre o livro Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus, a única afirmativa INCORRETA é: a) Para a autora, os papéis colhidos nas ruas são sua fonte de sobrevivência e, mais tarde, a matéria-prima para a escrita dos seus diários. b) Os diários, além de uma forma de extravasamento da raiva e de fazer-se conhecer, eram, para a autora, um registro da memória. c) A dimensão social e humanística do romance é perceptível por meio da confissão diarística da narradora. d) A linguagem de norma culta e singular da escritora do povo legitima o lugar social de sua autora. Leia o trecho de Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus, e responda a questão 15 de maio Tem noite que eles improvisam uma batucada e não deixa ninguém dormir. Os visinhos de alvenaria já tentaram com abaixo assinado retirar os favelados. Mas não conseguiram. Os visinhos das casas de tijolos diz: – Os políticos protegem os favelados. Quem nos protege é o povo e os Vicentinos. Os políticos só aparecem aqui nas epocas eleitoraes. O senhor Cantidio Sampaio quando era vereador em 1953 passava os domingos aqui na favela. Ele era tão agradavel. Tomava nosso café, bebia nas nossas xícaras. Ele nos dirigia as suas frases de viludo. Brincava com nossas crianças. Deixou boas impressões por aqui e quando candidatou-se a deputado venceu. Mas na Camara dos Deputados não criou um projeto para beneficiar o favelado. Não nos visitou mais. ... Eu classifico São Paulo assim: o Palacio, é a sala de visita. A Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o quintal onde jogam os lixos. JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. 10ª ed. São Paulo: Ática, 2014. p.32. 8- (UEL) Assinale a alternativa que estabelece a exata correlação entre Quarto de despejo e os romances Casa de pensão, de Aluísio Azevedo, e Clara dos Anjos, de Lima Barreto a) A miséria dos favelados de Quarto de despejo é experimentada também pelos moradores da pensão e pelos parentes do protagonista no romance Casa de pensão. b) As dificuldades enfrentadas pelas personagens de Quarto de despejo numa cidade grande como São Paulo têm pontos de contato com o individualismo que cerca as personagens de Casa de pensão. “QUARTO DE DESPEJO” ANÁLISE DO PROF. EDIR C U R SO D E LI TE R A TU R A – P R O F. E D IR : A N Á LI SE D A S O B R A S LI TE R Á R IA S 2 3 @edir.literatura c) A distância do acesso ao poder representada em Quarto de despejo é equivalente ao caráter desprotegido que atinge o protagonista de Casa de pensão e as personagens que com ele convivem. d) A associação da favela ao lixo em Quarto de despejo é uma retomada das condições de moradia de personagens como Clara dos Anjos e Cassi Jones na narrativa de Lima Barreto. e) O descaso dos políticos focalizado em Quarto de despejo é o comportamento que conduz a protagonista Clara ao desespero quando ela se vê abandonada por Cassi Jones e pelas autoridades. 9- (UNICENTRO) O lançamento da obra Quarto de despejo, em 1960, fez de Carolina de Jesus o maior sucesso editorial da história da literatura brasileira, com cerca de um milhão de cópias vendidas. A autora deixou registrado o seguinte depoimento: “Enquanto escrevo vou pensando que resido num castelo cor de ouro que reluz na luz do sol. Que as janelas são de prata e as luzes de brilhantes. Que a minha vista circula no jardim e eu contemplo as flores de todas as qualidades.”(1976). O depoimento de Carolina de Jesus atesta o seguinte sobre sua relação com a vida e com a sua obra Quarto de despejo: a) Seu estilo é romântico, com tendência a idealizar a realidade e a enxergar o mundo numa ótica maniqueísta, tanto na literatura como na vida. b) Seu estilo é neossimbolista na literatura, mas tem uma tendência realista na relação com a vida. c) Apesar de seu estilo ser realista e espelhar a realidade da vida na favela, a narradora desta obra permite-se penetrar no mundo onírico com as digressões subjetivas sobrepujando os registros documentais em seu livro, já que na vida costuma fantasiar e sonhar. d) A escritora vale-se de um recurso em que, apesar deretratar a vida como ela é em seu romance, inclusive com personagens retirados do mundo real das favelas, permite-se sublimar tudo isso na vida real, vendo assim o mundo idealizado apenas em pensamento. e) A narrativa segue os princípios do Realismo Fantástico, em que realidade e sonho se sobrepõem e o leitor é levado a acreditar no mundo de castelos dourados e luzes brilhantes, assim como sonha no mundo real. Leia o seguinte excerto do livro Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus. Hoje amanheceu chovendo. É um dia simpatico para mim. É o dia da Abolição. Dia que comemoramos a libertação dos escravos. (...) Continua chovendo. E eu tenho só feijão e sal. A chuva está forte. Mesmo assim, mandei os meninos para a escola. Estou escrevendo até passar a chuva, para eu ir lá no senhor Manuel vender os ferros. Com o dinheiro dos ferros vou comprar arroz e linguiça. A chuva passou um pouco. Vou sair. ...Eu tenho tanto dó dos meus filhos. Quando eles vê as coisas de comer eles brada: – Viva a mamãe! “QUARTO DE DESPEJO” ANÁLISE DO PROF. EDIR C U R SO D E LI TE R A TU R A – P R O F. E D IR : A N Á LI SE D A S O B R A S LI TE R Á R IA S 2 4 @edir.literatura A manifestação agrada-me. Mas eu já perdi o hábito de sorrir. Dez minutos depois eles querem mais comida. Eu mandei o João pedir um pouquinho de gordura a Dona Ida. Ela não tinha. Mandei-lhe um bilhete assim: – “Dona Ida peço-te se pode me arranjar um pouco de gordura, para eu fazer uma sopa para os meninos. Hoje choveu e eu não pude catar papel. Agradeço, Carolina”. ...Choveu, esfriou. É o inverno que chega. E no inverno a gente come mais. A Vera começou pedir comida. E eu não tinha. Era a reprise do espetaculo. Eu estava com dois cruzeiros. Pretendia comprar um pouco de farinha para fazer um virado. Fui pedir um pouco de banha a Dona Alice. Ela deu-me a banha e arroz. Era 9 horas da noite quando comemos. E assim no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra a escravatura atual – a fome! JESUS, Carolina Maria. Quarto de despejo: diário de uma favelada. 10. ed. São Paulo: Ática, 2014, p. 30-31. 10- (PEQUENO PRÍNCIPE) Na totalidade do livro e com base nesse fragmento, analise as assertivas que seguem considerando V para verdadeira e F para falso. I. ( ) Escrito em forma de diário pela própria protagonista, uma moradora da favela do Canindé, em São Paulo, Quarto de despejo relata a dura lida dos favelados. II. ( ) Apesar dos 70 anos da Abolição da Escravatura, celebrada na mesma data em que está escrevendo, Carolina de Jesus não vê que a condição dos descendentes dos antigos escravos tenha mudado significativamente. III. ( ) Escrita numa linguagem simples, despojada, consequência de quem não foi além do segundo ano primário, a prosa da autora, no entanto, vem carregada de força e estilo próprios, sem procurar emular de maneira alguma a norma culta da língua. IV. ( ) Em Quarto de despejo assistimos ao dia-a-dia de uma favela paulistana da passagem das décadas de 1950 e 1960: a fome, a doença, os meios precários de vida. No entanto, a solidariedade dos vizinhos ameniza, ainda que pouco, essa realidade. V. ( ) Escrita por Carolina Maria de Jesus, Quarto de despejo sofreu um forte trabalho de edição de Audálio Dantas, que suprimiu muitas Partes e reescreveu outras, o que foi objeto de muitas críticas à época. As afirmações são respectivamente a) V, V, V, F, F. b) V, V, V, V, F. c) V, V, V, V, V. d) V, V, F, V, V. e) V, V, F, F, F. “QUARTO DE DESPEJO” ANÁLISE DO PROF. EDIR C U R SO D E LI TE R A TU R A – P R O F. E D IR : A N Á LI SE D A S O B R A S LI TE R Á R IA S 2 5 @edir.literatura GABARITO: 1- A 2- C 3- D 4- 21 5- F,F,F 6- E 7- D 8- B 9- D 10- E CURSO ONLINE COMPLETO SOBRE QUARTO DE DESPEJO: QUERO ACESSAR GRATUITAMENTE! Clique no link acima e use o cupom: INSIGHTSQD https://edirliteratura.eadplataforma.app/curso/quarto-de-despejo