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O historiador francês Philippe Ariès (1914-1984) pesquisou como foram construídos os conceitos de infância e juventude ao longo do tempo no mundo ocidental. O resultado dessa pesquisa o levou a afirmar que a forma como vemos hoje um jovem (e o desenvolvi- mento humano) passou a ser construída, basicamente, a partir de meados do século XVIII na Europa ocidental. Prova disso é que durante toda a Idade Média europeia, entre os séculos V e XV, não havia a ideia de que as crianças precisavam ser protegidas e amparadas e que passariam por etapas de desenvolvimen- to. Nesse período, elas eram vistas apenas como dependentes: quando desenvolviam algumas habilidades e relativa autonomia, já passavam a ser tratadas como adultas e começavam a assumir uma série de respon- sabilidades, incluindo algumas ligadas ao mundo do trabalho. Nesse contexto, é possível perceber que não havia o conceito de juventude ou adolescência tal qual existe hoje. Ou a pessoa era adulta, ou era criança. Mas, então, como surgiu a ideia de que há um período da vida entre a infância e o mundo adulto? Na Idade Média, era comum que as crianças trabalhassem com seus pais. Na imagem, um jovem gravurista aprende o ofício com um adulto. O texto a seguir, de Eliana Grossman, professora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCM/Uerj), traz algumas pistas para pensarmos sobre a caracterização da juventude: [...] As etapas de desenvolvimento descritas [na teoria de G. Stanley Hall] obedeceriam a um padrão universal, inevitável e imutável, de forma independente do ambiente, controladas exclusivamente pela hereditariedade. [Stanley Hall] Apresentava a adolescência como um pe- ríodo de “sturm und drang” (tempestade e tensão), de turbulência e transição ao status adul- to final, em que os indivíduos oscilavam entre vigor e letargia. As- sumiu que essa fase perigosa e trabalhosa demandava proteção. A peça O despertar da primavera, escrita em 1891 por Frank Wedeking, e por ele descrita como “tragédia infantil”, descortina o universo de um grupo de adolescentes e seus dramas. Os jovens aguçam sua curiosidade à medida que ocorrem as transformações puberais e os desejos sexuais e percebem a distância que os separa da moral social do mundo dos adultos. GROSSMAN, E. A construção do conceito de adolescência no Ocidente. Adolescência & Saúde, Rio de Janeiro, v. 7, n. 3, p. 47-51, 2010. Com base na leitura e em suas experiências, discutam em pequenos grupos as questões abaixo. 1 1 No início do século XX, o psicólogo e educador Stanley Hall (1846-1924) já dizia que a adolescência é um período de turbulências. Para vocês, quais são as principais turbulências dessa época da vida? 2 2 Que semelhanças e diferenças na forma de viver a juventude vocês pensam que existem entre meninos e meninas de 16 anos que vivem em diferentes regiões do Brasil? Citem exemplos dessas diferenças e os motivos que as explicam. Trocando ideias Respostas pessoais. Você pode propor que os estudantes pensem nas suas experiências e nas de outros adolescentes com quem convivem. Alguns exemplos que podem ser trabalhados são as mudanças corporais, as experimentações juvenis, os conflitos com os valores sociais e a necessidade de pensar sobre o futuro. Em relação às semelhanças e diferenças que podem ser identificadas e discutidas estão: as mudanças corporais, a aproximação ou as vivências do mundo adulto (pensando, por exemplo, em jovens que já trabalham ou que têm filhos) e o momento da escolaridade (Ensino Médio). A la m y /F o to a re n a Letargia: calma, vagarosidade. Puberal: aquilo que está ligado à puberdade, período de transformações do corpo das crianças no qual há mudança da voz, nascimento de pelos e desenvolvimento dos seios, entre outras. Não escreva em seu livro CG01 CG06 LGG1 EM13LGG102 EM13LGG103 EM13LGG101 LGG2 EM13LGG202 LGG3 EM13LGG301 EM13LGG302 CHS1 EM13CHS101 49 P1_PV_Eduardo_g21Sa_Mod1_Perc3_046a059_LA.indd 49P1_PV_Eduardo_g21Sa_Mod1_Perc3_046a059_LA.indd 49 23/10/20 18:5723/10/20 18:57 AS TRÊS DIMENSÕES DA JUVENTUDE Discutimos até aqui que a compreensão que temos da infância e da juventude é algo construído historicamente, ou seja, desenvolveu-se em determinado contexto histórico e espacial. Exemplos dessas diferenças podem ser vistos nas imagens a seguir. Elas reproduzem, respectiva- mente, uma capa do primeiro disco da banda inglesa dos anos 1960 The Beatles lançado nos Estados Unidos (1964) e a capa do primeiro disco dos Racionais MC’s (1990), grupo de rap brasileiro. Os músi- cos tinham cerca de 20 anos na época de lançamento de cada disco. Nos cenários, nas roupas e nos olhares, há a expressão de diferentes juventudes em diferentes épocas e lugares. Podemos nos perguntar também quais são os critérios que fundamentam o nosso olhar e criam os marcos que nos ajudam a identificar e analisar o que é a juventude. Três deles se destacam: o biológi- co/natural, o social e o psicológico. Na dimensão biológica dos seres humanos, entre o nascimento e a morte podemos identificar al- gumas fases: infância, adolescência, vida adulta e velhice. Entretanto, demarcar precisamente os limites entre cada uma delas é bastante difícil, sendo sempre uma escolha que pode levar em conta critérios naturais e culturais. Os critérios naturais consideram o desenvolvimento físico das pessoas, a maturação biológica do corpo, o desenvolvimento hormonal e as capacidades cognitivas do cérebro. Trata-se de um aspecto que, apesar de ser bastante objetivo, possível de ser observado e medido, também varia entre os indi- víduos ao longo do tempo (meses e anos). Os critérios sociais abrangem um universo mais amplo e variam historicamente. Em diferentes mo- mentos, uma pessoa de 50 anos, por exemplo, foi vista de distintas formas pela sociedade: como idosa em uma época em que a expectativa de vida era baixa ou como mais jovem em um momento em que a expectativa média de vida tornou-se mais alta. Por fim, os critérios psicológicos se referem aos marcos de construção da identidade de cada indivíduo. Essa construção é um processo complexo e que ocorre ao longo de toda a vida, mas que, na juventude, tem elementos muito importantes. É o momento de um salto para si e para o mundo, buscando definir “quem eu sou” e “qual lugar quero ocupar no mundo”. É um período no qual o jovem inicia uma participação mais ativa no mundo público, constrói novas relações afetivas e cria perspec- tivas e olhares para o futuro. R e p ro d u ç ã o /C o le ç ã o p a rt ic u la r R e p ro d u ç a o /Z im b a b w e R e c o rd s 50 P4_PV_Eduardo_g21Sa_Mod1_Perc3_046a059_LA.indd 50P4_PV_Eduardo_g21Sa_Mod1_Perc3_046a059_LA.indd 50 2/10/20 11:38 AM2/10/20 11:38 AM Juventude e legislação É importante saber também que existem mui- tas leis e códigos jurídicos destinados a estabelecer critérios para definir o que é infância e juventude e quais direitos têm as pessoas compreendidas nessa faixa etária. Eles são referência para as ações que o Poder Executivo realiza destinadas ao público jovem, como a Constituição federal de 1988. Capítulo VII – Da família, da criança, do adolescente, do jovem e do idoso Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao la- zer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, ex- ploração, violência, crueldade e opressão. [...] § 3o O direito a proteção especial abrange- rá os seguintes aspectos: I – idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII; II – garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III – garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem àescola; IV – garantia de pleno e formal conheci- mento da atribuição de ato infracional, igual- dade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica; V – obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da apli- cação de qualquer medida privativa da liberdade; VI – estímulo do poder público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e sub- sídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado; VII – programas de prevenção e atendi- mento especializado à criança, ao adolescen- te e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins. § 4o A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicao.htm. Acesso em: 23 dez. 2019. Não escreva em seu livro LGG2 EM13LGG202É com você 1 1 Pesquise na internet o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Estatuto da Juventude. Destaque um dos direitos garantidos às crianças, aos adolescentes e aos jovens que mais chamou sua atenção. 2 2 Considerando a realidade que observa no seu cotidiano, no seu entorno, como você avalia a efetividade do direito escolhido na atividade anterior? Justifique. 3 3 Observe a tirinha a seguir. Como você descreveria a ação da criança? Qual é a relação dela com os 29 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente? A le x a n d re B e c k /A c e rv o d o c a rt u n is ta BECK, Alexandre. Armandinho. Facebook: @tirasarmandinho. Disponível em: www.facebook.com/tirasarmandinho/. Acesso em: 27 jan. 2020. CG01 CG06 LGG1 EM13LGG101 EM13LGG102 LGG3 EM13LGG301 EM13LGG302 CHS1 EM13CHS101 Respostas pessoais. Como o ECA e o Estatuto da Juventude são documentos bem extensos, os estudantes devem selecionar apenas um dos direitos e se concentrar nele. Alguns exemplos podem ser usados para a discussão: direito à vaga na escola pública, direito a atendimento na rede pública de saúde (pronto-socorro, vacinações), direito à meia-entrada. Professor, você também pode discutir aqui a questão de que muitas vezes não basta existir a lei: são necessários esforços e ações para que o que está previsto seja de fato implementado. Identificar que, apesar das dificuldades de implantação do ECA em todo o país, sua existência é um passo muito importante para a garantia de melhores condições de vida para jovens e crianças. Já a avaliação vai variar conforme o contexto dos estudantes. Espera-se que o estudante discuta a ação de cuidado exercida pela criança em relação a outro ser vivo em situação de vulnerabilidade, no caso, por ser ainda um filhote. A relação com os 29 anos do ECA pode ser pensada a partir da ideia de que uma criança protegida e cuidada será um adulto capaz de cuidar melhor de si, dos outros e do mundo. 51 P4_PV_Eduardo_g21Sa_Mod1_Perc3_046a059_LA.indd 51P4_PV_Eduardo_g21Sa_Mod1_Perc3_046a059_LA.indd 51 2/10/20 11:38 AM2/10/20 11:38 AM A JUVENTUDE NÃO É SÓ UMA QUESTÃO DE IDADE Afinal, o que é ser jovem hoje? Como definir suas características? No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, é o atual marco legal, jurídico, que discrimina precisamente a faixa etária de crianças – até 12 anos – e de adolescentes – entre 12 e 18 anos de idade. O Estatuto da Juventude, por sua vez, considera jovem a pessoa que tem entre 15 e 29 anos de idade. Na formação do mundo moderno ocidental, a juventude foi sendo constituída como uma fase bas- tante particular. Primeiro, o reconhecimento de sua existência. Depois, o entendimento como fase transitória entre a infância e o mundo adulto, e, em muitos casos, um período preparatório, de estudos e aquisição de habilidades profissionais visando à participação no mercado de trabalho e à constitui- ção da família. Também foi, e ainda é, uma fase identificada com a imaturidade, com a impetuosidade e com o comportamento de risco, mais sujeita à influência do grupo, repleta de contestação e até de caráter revolucionário. Apesar de a juventude ainda hoje estar associada a valores e comportamentos consi- derados negativos, ela ganhou relevância social e passou a ser um modelo comportamental admirado, invejado, constantemente associado nos meios de comunicação de massa a alegria, potência, beleza, coragem, inovação e a outros atributos positivos e valorizados. Isso ocorreu a partir da metade do século XX, com a efervescência dos movimentos jovens. A música, em seus mais variados estilos, sempre foi uma das principais manifestações da cultura jovem. É comum os mais velhos criticarem as músicas que são estranhas ao modelo cultural de quando eram jovens. O conceito de juventude tem se libertado das amarras cronológicas (da idade) para ser reconhecido como a forma por meio da qual os indivíduos se colocam no mundo: como se vestem, se divertem, o que compram, como passam o tempo livre, suas amizades, sua linguagem. Assim, temos jovens de 15, 20, 30 anos... Entretanto, é inegável que as possibilidades e limitações são diferentes entre indivíduos de 15 e 30 anos. Há ações que os jovens de até 18 anos estão impedi- dos de fazer, como obter carteira de habilitação de automóveis e motocicletas ou comprar e consumir bebidas alcoólicas, por exemplo. P e o p le Im a g e s /E + /G e tt y I m a g e s 52 P4_PV_Eduardo_g21Sa_Mod1_Perc3_046a059_LA.indd 52P4_PV_Eduardo_g21Sa_Mod1_Perc3_046a059_LA.indd 52 2/10/20 11:38 AM2/10/20 11:38 AM Professor, não há uma única resposta para essa questão. Incentive o grupo a construir uma lista ampla de características, que podem passar por aspectos biológicos, naturais, sociais, culturais e psicológicos, entre outros. Estamos falando até aqui sobre como o mundo adulto vê a juventude e como ele define esse período da vida de todos nós. Pensando no que discutimos e nas suas experiências pessoais, discutam em um pequeno grupo a seguinte questão: • Como vocês definiriam o que é ser jovem nos dias de hoje? Quais são as principais características da juventude atualmente? Registrem por escrito a resposta do grupo e escolham um representante para apresentar para a classe o resultado da discussão realizada. Após a apresentação de todos os grupos, busquem os pontos em comum e os pontos diferentes entre todas as definições. Tentem construir uma resposta única, coletivamente. Trocando ideias É com você Uma das afirmações mais comuns sobre os jovens é dizer que são idealistas. Essa ideia costuma ser carregada de significados muito variados. Por um lado, carrega uma concepção de que a juven- tude é a época de sonhar com o futuro, fazer planos para si mesmo e para o mundo e traçar metas para a vida. De outro lado, essa expressão é usada em algumas situações para expressar a ideia de que o jovem não pensa na realidade e nas questões objetivas da vida e de que só pensa no futuro sem levar em conta o presente. Respostas pessoais. Espera-se que os estudantes discutam se a juventude é um período de idealizações sobre o futuro ou não, e se é importante ou não termos ideais para a construção do nosso projeto de vida. Pode-se discutir de maneira complementar se é importante ser idealista no mundo em que vivemos. Professor, você também pode listar na lousa os ideais identificados pelos Os quadrinhos acima reproduzem o que teriam sido alguns ideais da juventude ao longo das últi- mas décadas. Com base neles, responda às questões abaixo. 1 1 O último quadrinho diz que hoje ou se é jovem ou se é idealista. O que você acha dessa ideia? É possível ser jovem e idealista? 2 2 Na sua opinião, quais são os ideais que mobilizam os jovens atualmente? Fonte: https://blogdotarso.com/2012/12/29/charge-do-dia-juventude-hoje/. Acesso em: 23 dez. 2019. Não escreva em seu livro B e n e tt /A c e rv o do c a rt u n is ta CG01 CG06 LGG3 EM13LGG301 CG01 CG06 LGG1 EM13LGG101 EM13LGG102 LGG2 EM13LGG202 LGG3 EM13LGG301 EM13LGG302 CHS1 EM13CHS101 estudantes. A discussão pode ser feita analisando as respostas mais e menos frequentes, criando categorias e agrupando nelas as respostas. Pode-se discutir se os ideais mudam conforme a juventude da qual estamos falando, retomando a problematização sobre a necessidade de falarmos em juventudes no plural. 53 P4_PV_Eduardo_g21Sa_Mod1_Perc3_046a059_LA.indd 53P4_PV_Eduardo_g21Sa_Mod1_Perc3_046a059_LA.indd 53 2/10/20 11:38 AM2/10/20 11:38 AM