Prévia do material em texto
Outra possibilidade é buscar a autonomia sem rom- per a unidade do Estado territorial em que diferentes grupos se encontram. Nesse caso, observa-se a cons- tituição de Estados plurinacionais, que incorporam em sua estrutura a diversidade dos grupos étnicos que representam, com suas especificidades. São experiên- cias políticas em grande medida inovadoras, pois ado- tam princípios mais democráticos e inclusivos. Leia os trechos da Constituição boliviana e da brasileira. T E X T O I Art. 1o – A Bolívia se constitui um Estado Unitário Social de Direito Comunitário Plurinacional, livre, independente, soberano, democrático, intercultural, descentralizado e com autonomia. A Bolívia se funda na pluralidade e no pluralismo político, econômico, jurídico, cultural e linguísti- co, dentro do processo integrador do país. Art. 2o – Dada a existência pré-colonial das nações e povos indígenas campesinos e seu domínio ancestral sobre seus territórios, sua autodeterminação é garantida no âmbito da unidade do Estado, que consiste em seu direito à autonomia, ao autogoverno, à sua cultura, ao reconhecimento de suas instituições e à consolidação de suas entidades territoriais nos termos desta Constituição e da lei. Art. 3o – A nação boliviana é constituída pela totalidade de bolivianas e bolivianos pertencentes a áreas urbanas de diferentes classes sociais, a nações e povos indígenas originários campesinos e a comunidades interculturais e afro-bolivianas. BOLÍVIA. Nueva Constitución Política del Estado. La Paz: Congreso Nacional, 2009. Disponível em: https:// bolivia.justia.com/nacionales/nueva-constitucion-politica-del-estado/primera-parte/titulo-i/capitulo-primero/. Acesso em: 14 maio 2019. (Tradução dos autores.) T E X T O I I Art. 1o – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municí- pios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I. a soberania; II. a cidadania; III. a dignidade da pessoa humana; IV. os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (vide Lei no 13.874, de 2019); V. o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos diretamente nos termos desta Constituição. Art. 2o – São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Art. 3o – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I. construir uma sociedade livre, justa e solidária; II. garantir o desenvolvimento nacional; III. erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV. promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 16 maio 2020. a) Compare os fundamentos dos Estados boliviano e brasileiro. Quais princípios coincidem? b) Aponte uma diferença importante entre ambas as constituições no que diz respeito à relação entre Estado e sociedade. Justifique a escolha, compartilhe e discuta com os colegas e o professor. A N A L I S A N D O M E N S A G E N S 23 V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap1_018a039_LA.indd 23V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap1_018a039_LA.indd 23 9/21/20 2:13 PM9/21/20 2:13 PM A Via Campesina congrega movimentos sociais camponeses de todo o mundo, sendo uma organização internacional que articula a luta política de povos e demandas do campo em escala global. Sua presença e suas práticas espaciais demonstram a existência de interesses e ações nem sempre identificados com o Estado territorial e, frequentemente, resistentes a sua lógica. “ARMADI LHA TERR I TOR IAL” : D IVERSAS D IMENSÕES ESPAC IA IS DO PODER Nas concepções que vinculam território e Estado-nação, em geral o Estado é visto como detentor legítimo ou quase exclusivo do poder. Porém, nos anos 1990, o geó- grafo estadunidense John Agnew (1949-) chamou a atenção para o fato de que a “fórmula” Estado-território-nação era uma “armadilha territorial”, sendo insuficien- te para compreender adequadamente a organização espacial das relações de poder. Segundo ele, essa concepção omite ou desconsidera processos sociais, polí- ticos e econômicos importantes. Nessa perspectiva, autores das mais diversas disciplinas das Ciências Humanas e Sociais têm elaborado balanços da produção histórica, críticas e atualizações para adequar o conceito à realidade. Autores defendem a ideia de que instituições como empresas, movimentos sociais, organizações internacionais e grupos terroristas também exercem po- der e têm suas próprias territorialidades, que se justapõem à territorialidade do Estado, mesmo que não coincidam com ela. Isso porque o poder não seria algo exercido apenas de cima para baixo, por uma única instituição. Essas interpretações se baseiam na ideia de que as relações de poder estão presentes em nosso cotidiano, como defendia o filósofo Michel Foucault (1926- -1984). Para ele, nossas ações, o senso comum e o discurso são influenciados por regras construídas socialmente sem que percebamos e, quando postos em práti- ca, também influenciam os outros. Há, portanto, uma rede de relações de poder que inclui forças que tanto reforçam a ação estatal como se contrapõem a ela. Tais considerações fundamentaram o argumento de que o Estado não é o úni- co ator a exercer poder sobre o território. Sobretudo em tempos de globalização, instituições como empresas, movimentos sociais, organizações internacionais, grupos terroristas, também mostram sua força no território. Todos esses agen- tes sociais têm territorialidades específicas. discurso o modo como falamos, pensamos e representamos as coisas. Michel Foucault foi um filósofo contemporâneo, cujos estudos influenciam fortemente a produção atual do conhecimento nas Ciências Humanas e Sociais. No decorrer de sua carreira, dedicou-se a reflexões sobre as relações entre poder e conhecimento, destacando a maneira como, ao longo da história, o conhecimento e as instituições foram usados para fins de controle social. OBSERVE QUE . . . ALTERIDADE E SEGURANÇA NACIONAL A identificação do território com o Estado-nação estabeleceu as bases para a diferenciação entre o que está dentro e o que está fora de seu território. Isso tem diversos desdobramentos, entre os quais a definição do que é doméstico, perten- cente e identificado como “nosso” e, em contraposição, do que é estrangeiro, não pertencente e identificado como o “outro”. Ou, ainda, a definição do que é nacional e do que é internacional. R e p ro d u ç ã o /h tt p s :/ /v ia c a m p e s in a .o rg 24 V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap1_018a039_LA.indd 24V2_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap1_018a039_LA.indd 24 9/21/20 2:13 PM9/21/20 2:13 PM