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Prévia do material em texto

Maria Francisca Lier. De Vitto (Org.)
Cecília Santana , Erika Pisaneschi, Lourdes Andrade, Lúcia Arantes Márcia Barbosa 
Corrêa, Rejane Rubino Rosana Landi, Suzana Carielo da Fonseca
FONOAUDIOLOGIA: NO SENTIDO DA LINGUAGEM
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Fonoaudiologia no sentido da linguagem / Maria Francisca Lier-De Vitto
(org.) São Paulo Cortez, 1994.
Várias autoras. ISBN 88-249-054-1
1. Fonoaudiologia 2. Fonoaudiologia - Terapia I. Lier-De Vitto, Maria Francisca.
94-2558 CDD-616.855
Índices para catálogo sistemático:
1. Fonoaudiologia : Medicina 616.855
23
O FONOAUDIÓLOGO, ESTE APRENDIZ DE FEITICEIRO
Lúcia Arantes
Os quadros de atraso no desenvolvimento da linguagem constituem um lugar 
privilegiado para se refletir sobre a natureza da clínica fonoaudiológica. As múltiplas 
formas de abordagem do fenômeno são reveladoras das perspectivas segundo as 
quais o clínico contempla a linguagem.
Existem quadros de retardo de linguagem vinculados a patologias como deficiência 
mental, auditiva, lesões cerebrais e psicoses. Quadros, estes, que são aparentemente 
menos controvertidos: a explicitação etiológica confere ao clínico "maior segurança". 
Mesmo assim, a configuração de seu papel (o que sou?) e a de sua atuação (o que 
faço?) permanecem intocadas, o que parece indicar que o desvendamento da origem 
do retardo (sua causa) não é fator determinante na condução do trabalho clínico. Na 
verdade, detectá-la elimina, apenas, o problema diagnóstico, mas não soluciona o 
terapêutico. Por outro lado, o diagnóstico, quando obscuro, deixa em aberto um leque 
de possibilidades interpretativas, que podem ser delineadas, definidas, a partir da 
concepção de linguagem do clínico. Esclareço que tal concepção nem sempre é 
explicitamente assumida por ele.
24
Há autores que associam o retardo de linguagem com fatores ambientais, quer dizer, à 
falta ou pobreza de estimulação (Eisenson, 1971). Há, também, os que apostam na 
determinação orgânica desses quadros, relacionada ou a fatores lesionais pouco 
definidos do sistema nervoso central, ou a fatores de natureza hereditária (Ingram, 
1969). Há, ainda, vertentes que remetem a explicação para a interação do sujeito com 
o mundo físico. Este é o caso de Zorzi (1987) e Seber (1980), que, inspirados na 
epistemologia genética de Piaget, acreditam na possibilidade de explicar o retardo de 
linguagem a partir das vicissitudes do desenvolvimento cognitivo, tomado como 
determinante do desenvolvimento lingüístico. Numa perspectiva sociointeracionista, 
Palladino (1986) discute a determinação dessa condição patológica como sendo de 
origem interacional1. A relação da criança com o outro seria, neste caso, lugar 
privilegiado para se buscar a compreensão dos casos de retardo.
A diversidade na busca de entendimento de um mesmo fenômeno decorre de filiações 
a diferentes perspectivas. O olhar do clínico resulta ser dirigido por uma concepção 
(implícita ou explícita) de linguagem, concepção esta que o coloca em um posto de 
observação, o qual não só determina o seu entendimento do quadro mas que, também 
e principalmente, configura o perfil do terapeuta e do paciente. Se o fato é a linguagem 
1 Esclareço que a perspectiva interacionista assumida pela pesquisadora é aquela desenvolvida por De 
Lemos e pesquisadores do projeto de Aquisição de Linguagem da Unicamp.
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(retardo de linguagem) e se, por outro lado, toda concepção de linguagem implica as de 
aprendiz e de outro (como assegura De Lemos), não se deveria mesmo esperar outra 
coisa.
Talvez sejam exatamente a complexidade desses quadros e a controvérsia que 
gira em torno deles que conferem aos retardos de linguagem tamanho interesse e 
fascínio. Eles impõem, porém, ao clínico a exigência de pensar sobre a natureza do 
processo de desenvolvimento da linguagem. Ele não pode se esquivar a tal reflexão, já 
que o que lhe caberá é (re)instaurar tal processo. Note-se que a definição de seu 
próprio papel, o de terapeuta, é, nesse caso, decorrência obrigatória.
Se admitirmos, retomando a afirmação de De Lemos (anotações de aula)2, que 
toda concepção de linguagem traz em si a de aprendiz e que esta circunscreve também 
o lugar do outro, poderemos apreender o sentido da afirmação anterior sobre a 
relevância do processo de inserção da criança na linguagem.
Exploremos as posições acima mencionadas. Em uma visão comportamentalista, 
como defendida por Eisenson (1991), deve-se conceber a linguagem como 
comportamento operante, isto é, como resultado de um processo associativo 
decorrente de estimulação externa. Aqui, o "aprender" ganha relevo: se não há 
estimulação adequada não há modelagem de resposta. Lembremos que a criança é 
tábula rasa. O outro – o terapeuta —- conduzirá o processo de modelagem do 
comportamento lingüístico. Ele será o "estimulador-reforçador", quer dizer, o 
adestrador.
A aquisição, pensada a partir da perspectiva inatista proposta por Chomsky, tem a 
linguagem como um saber inato, uma gramática universal inscrita na mente-cérebro do 
indivíduo. Mediante a ativação de princípios e parâmetros inatos, a criança constrói a 
representação interna de uma língua específica. Ativação que é propiciada por 
exposição a um input, a uma língua particular. Vê-se que, por ser portadora do saber 
lingüístico, caberá à criança (e a mais ninguém) a tarefa solitária de analisar o material 
lingüístico a que é exposta. O outro é falante-ouvinte, e, como tal, provedor de input. 
Uma concepção como esta exclui, por princípio, a possibilidade de atuação do 
fonoaudiólogo: a criança tem, ao nascer, uma predisposição inata para adquirir 
linguagem, ao outro resta a função de exemplar, quer dizer, de fornecer o material 
lingüístico necessário à atividade (analítica) da criança. Aliás o que importa mesmo é o 
material lingüístico; o falante e dispensável; máquinas reprodutoras de linguagem o 
substituem com excelência. O que é essencial, portanto, é a exposição a um ambiente 
lingüístico, condição única e suficiente ao exercício desta capacidade. Numa proposta 
como esta, o adquirir toma o lugar do aprender (ver De Lemos, 1986).
26
2 Esse ponto de vista se apresenta desenvolvido e reformulado em De Lemos 1992.
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Em uma perspectiva piagetiana, a linguagem estará a serviço das construções 
cognitivas da criança -- é, portanto, instrumento do pensamento. Não é por acaso que 
na clínica o desenvolvimento cognitivo torna-se questão central. Ele é determinante do 
desenvolvimento lingüístico. Podemos dizer, então, com Zorzi (1987) que o papel do 
terapeuta deve ser o de "propiciar situações que permitam a ação e descoberta por 
parte da criança". Note-se aí um ponto de convergência entre as perspectivas 
chomskyana e a de Piaget, apesar da enorme divergência entre elas em relação à 
condição inicial (biológica) da criança: no caso de Chomsky, o saber lingüístico é prévio 
e, no de Piaget, qualquer saber deverá ser construído. Para ambos, contudo, é a 
criança o autor de seu conhecimento. Deve-se concluir que o outro é provedor, seja de 
material lingüístico seja de objetos para a ação. A ele, conseqüentemente, é subtraída 
qualquer atividade estruturante.
Numa concepção interacionista de natureza social a linguagem é fundante. Sua 
construção se dá na interação, entendida como "matriz de significações" (De Lemos, 
1986). O conhecimento é, portanto, fruto da atividade intersubjetiva. A criança tem um 
papel ativo, apesar de inconsciente. Sua atividade é suporte empírico para atividade 
interpretativa do outro, que a ela confere forma e sentido, como diz Lier-De Vitto (1992)3
. Recupera-se,assim, seu papel estruturante. Se no comportamentalismo a criança é 
passiva e o ambiente estimulador de sua atividade, aqui, trata-se de uma criança ativa, 
que produz sons e movimentos. Note-se que falar em ambiente não é o mesmo que 
falar de outro. Como já apontado anteriormente, no primeiro caso, o outro é modelador-
adestrador, enquanto que, em uma perspectiva interacionista, ele é intérprete. Como 
minha reflexão é guiada pela vertente interacionista, a discussão ampla desta visão 
estará mais bem apresentada a seguir.
Até aqui, procurei mostrar que uma concepção de linguagem implica, de fato, uma 
concepção de aprendiz e de outro (na Fonoaudiologia, a de terapeuta). Entretanto, se 
retomarmos a história da Fonoaudiologia veremos que, paradoxalmente, esse tipo de 
reflexão sobre a linguagem e as possibilidades de sua apropriação pela criança tem 
estado esquecida. A preocupação exclusivamente ligada à supressão de sintomas fez 
com que a linguagem ficasse marginalizada. Curiosamente, a Fonoaudiologia, apesar 
disso, sempre tomou a Lingüística como uma fonte privilegiada para seus empréstimos, 
o que poderia levar à conclusão da falsidade de minha afirmação acima.
27
Ocorre, contudo, como é característica de todo empréstimo, que apenas parte da 
arquitetura da “teoria-mãe"- a Lingüística - seja incorporada, como bem assinalou Maia 
(1984); a reflexão teórica e suas conseqüências necessárias permaneceram intocadas. 
É sobre elas que pretendi discorrer brevemente ao elaborar a trama de conceitos 
3 Lier-De Vitto, M. F. (1992). Na trilha do interacionismo. Texto inédito.
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envolvida numa concepção de linguagem. Procurei mostrar que ela tem como corolário 
as de aprendiz e de feiticeiro - o outro. Quis, com isto, mostrar que o aparato descritivo 
não pode ser amputado do discurso que o sustenta e o justifica.
Cabe, ainda, dizer como a Lingüística foi introduzida na Fonoaudiologia. 
Acompanho Coudry (1988) quando afirma que foi como "lingüística das formas". Nesse 
caso, é a língua como objeto formal e homogêneo que está em questão. A 
conseqüência principal desta assunção, para a Fonoaudiologia, é clara: a linguagem 
enquanto atividade foi descartada. É ela que fica desconsiderada. Pergunto: como pode 
o fonoaudiólogo desconsiderar "a fala singular" de seu paciente? Convém lembrar que 
Chomsky, representante maior da vertente formalista, insiste na afirmação de que a 
competência independe da atividade do sujeito. Fatores individuais são, para ele, 
problemas do desempenho sobre o qual a teoria nada tem a declarar.
O fonoaudiólogo, em seu exercício clínico, se defronta, como já disse, exatamente com 
a face da linguagem que escapa à regra, com o que não é previsível, com o que é 
residual. Na clínica, o fenômeno lingüístico revela sua face mais inapreensível e 
heterogênea. A linguagem em sua dimensão patológica é a expressão mais clara e 
maior do singular, do individual. É a revelação de uma singularidade inscrita na 
linguagem.
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Como compatibilizar teorias lingüísticas normativas elou formalistas com um 
fenômeno que escapa ao gramatical, ao correto? Elas não conduzem o fonoaudiólogo 
para além da caracterização do fenômeno patológico enquanto violação das regras, 
para além de um diagnóstico que tem se prestado, unicamente, à elaboração de um 
perfil lingüístico da doença. Como supor, a partir daí,uma terapêutica? Pode-se 
entender, assim, a impregnação de modelos clínicos advindos da Psicologia e mesmo 
da Medicina na Fonoaudiologia: técnicas clínicas são também, em grande parte, 
"emprestadas". Elas, contudo, não prevêem nem incidem sobre o mesmo objeto -- a 
linguagem. Se, de um lado, o empréstimo de modelos lingüísticos formalistas (que, 
como vimos, recusam a singularidade da produção do paciente), tem se mostrado 
inapropriado ao exercício clínico, de outro, dos “modelos clínicos" incorporados, está 
ausente a linguagem.
Ao fonoaudiólogo só pode interessar o fenômeno lingüístico como discurso, como 
atividade e, mais, como atividade dialógica. Atividade, porque a ele interessa a 
produção singular do paciente, e esta, sabe-se, escapa à categorização da lingüística 
tradicional. Não é preciso dizer o lugar que o uso ou o desempenho ocupam nessa 
teoria. Dialógica, porque outra não é a natureza da clínica.
A relação com a Lingüística só será fecunda, a meu ver, quando duas condições 
puderem ser satisfeitas. A primeira diz respeito à adoção de uma lingüística do 
discurso, pela razão acima mencionada. A segunda, exige que a Fonoaudiologia abra 
mão da recorrência histórica de aplicação" e reconheça que, embora promissora em 
sua relação com teorias do discurso, as "respostas" para a clínica devem ser buscadas 
na própria clínica e não fora dela. O que quero dizer é que pressupostos podem ser 
partilhados por diferentes disciplinas. O que deve ser recusado são apropriações e 
usos parciais e irrefletidos.
Adotar uma lingüística do discurso não significa, portanto, apenas mudar de 
modelo teórico. Tal adoção envolve um compromisso maior, o do fonoaudiólogo 
participar da reflexão teórica a partir de seu material singular: os ditos "distúrbios da 
linguagem". Isso quer dizer que a Fonoaudiologia deve assumir a responsabilidade de 
tomar para si a linguagem na sua dimensão patológica como objeto próprio. Ele é o 
lugar de sua reflexão... "seu mistério", como diz De Lemos (1992). Só assim poderá vir 
a construir uma teoria da clínica da qual a área carece.
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Não se pode desprezar, como se vê, o diálogo com a Lingüística, já que ela é, por 
excelência, a ciência da linguagem. Lingüística e Fonoaudiologia compartilham o 
mesmo objeto. O que o fonoaudiólogo não deve admitir é colocar-se na posição 
daquele que não pensa mas aplica, quer dizer, na posição daquele que deixa o pensar 
para a Lingüística e toma o aplicar para si próprio.
A partir da assunção de uma perspectiva discursiva, mais especificamente 
interacionista da aquisição de linguagem, pretendo agora tecer considerações acerca 
de um modo outro de pensar a prática clínica nos retardos de linguagem. Para isto, 
torna-se necessário ver brevemente os modos de intervenção clássicos nos quadros de 
retardo de linguagem.
Três momentos podem ser nitidamente delimitados relativamente ao fluxo de 
intervenção do fonoaudiólogo, quais sejam: o da entrevista, o da avaliação e o da 
terapia propriamente dita. Na entrevista, colhia-se o histórico do paciente tomado como 
fato, quer dizer, a anamnese era entendida como reveladora da "verdade" a respeito da 
criança. A fala dos pais adquiria valor de "literalidade”, era insuspeitável. A escuta do 
clínico, nesta abordagem, muito se aproxima daquela que, segundo Barthes (1990) 
pode ser configurada da seguinte forma: "há de um lado aquele que fala, que se 
entrega, que confessa e de outro lado, aquele que escuta, que se cala, julga e 
sanciona". O fonoaudiólogo, buscando a "verdade", decodificava mensagens que 
deveriam ser reveladoras da etiologia. Para tanto, realizava um esforço de atenção", 
elegendo informações relevantes.
Tal atitude deve ser evitada, diz Barthes. Ao abandonar tal escuta, "nos livramos 
do perigo inerente a toda atenção intencional, (do) perigo de escolher entre 
informações que nos são transmitidas". O que se considera como importante (ou 
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irrelevante) é, segundo ele, ditado por expectativas e tendências prévias. E completa, 
citando Freud: "ao adaptar nossa escolha à nossa expectativa, corremos o risco de 
encontrar o que de antemão já sabíamos" (apud Barthes, 1990). Podemos dizer que o 
clínico buscava, na realidade, o que, de certa forma, era previsível e/ou desejável:- 
dados sobre o desenvolvimento orgânico da criança que pudessem justificar o estado 
patológico. Assim, o doente desaparecia em favor da doença. A entrevista, em última 
instância, reeditava o que já havia sido dito na instânciateórica e determinado em 
outras áreas do saber4.
30
Do orgânico passava-se, então, à linguagem. Tinha início a avaliação, momento 
em que se investigava aquilo que estava ausente: a própria linguagem (como é 
freqüente nos casos de retardo). Avaliação que sempre tomava o modelo formalista da 
Lingüística tradicional como pano de fundo. As possibilidades de proceder eram as 
seguintes: a primeira era de inspiração inatista. Embora não manifesta enquanto 
produção, ainda assim a linguagem “podia" ser avaliada como compreensão. As 
capacidades analíticas, biologicamente dadas, precedem e garantem a produção, o 
desempenho. O paciente era submetido, por isso, a uma bateria de testes ou provas. 
Fatores como extensão do enunciado e a complexidade morfossintática do discurso do 
terapeuta determinavam o nível de compreensão da criança.
O segundo modo de avaliação era de inspiração piagetiana. Observavam-se as 
construções sensório-motoras. Neste caso, ou se realizava uma série de provas de 
cognição, ou então se atentava para a organização do "brincar". Tanto o resultado das 
provas como o da análise da brincadeira solitária deveriam revelar o nível do 
desenvolvimento simbólico da criança. Avaliava-se, portanto, em que período do 
estágio sensório-motor encontrava-se o paciente. Por isso o atraso no desenvolvimento 
cognitivo era entendido como agente causador do quadro de linguagem (ver Zorzi, 
1987 e Seber, 1980).
A terceira possibilidade de investigação destes quadros surgiu no início da década 
de 80, fortemente influenciada pelos primeiros estudos interacionistas e, portanto, 
também pela Pragmática. Ela consistia na observação das condutas comunicativas da 
criança, reveladoras das "intenções" ali contidas. A linguagem era entendida como 
extensão de tais condutas. Porém, a possibilidade de passagem do domínio 
comunicativo para o lingüístico nunca mereceu a reflexão dos fonoaudiólogos, que 
apenas acrescentavam um novo item ao conjunto dos comportamentos da criança a 
serem descritos. Não é por acaso que tais avaliações, muitas vezes, apareciam 
conjugadas às de cunho inatista, ou mesmo às piagetianas. Linguagem e comunicação 
eram domínios aceitos como equivalentes e a segunda, pré-requisito para a primeira.
4 Essa discussão tem sido encaminhada em conjunto com Ruth Palladino e M. Francisca Lier-De Vitto.
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Este me parece um bom momento para mostrar que, nas três abordagens acima 
discutidas, a hierarquia conhecimento--uso está presente. Sobre esse ponto elas 
convergem. No caso da proposta inatista, a própria linguagem é saber prévio e 
necessário ao desempenho. Na piagetiana, o saber é outro: trata-se de esquemas 
cognitivos. Para os interacionistas, a comunicação é o conhecimento anterior que 
assenta as bases para a linguagem. Deve-se pensar que o aprendiz, em pelo menos 
um aspecto, é o mesmo. É ele quem analisa o input lingüístico. A diferença corre por 
conta da natureza do saber, pressuposto em cada uma das vertentes acima.
Todas essas práticas nunca ultrapassaram (e não poderiam fazê-lo) o limite da 
descrição da linguagem, enquanto falta. A avaliação consistia em elencar as 
(im)possibilidades da criança e, na maior parte das vezes, nada mais era que uma 
paráfrase da queixa da família. Por isso, não esclareciam o diagnóstico, nem 
iluminavam o próximo passo: a terapia. Esta, como já vimos, operava outro salto: o de 
aproximação-apropriação de técnicas comportamentalistas da clínica psicológica. Na 
verdade, talvez se aproximasse mais da Pedagogia, uma vez que a complexidade 
envolvida no controle dos estímulos e dos reforços para a modelagem da resposta foi 
raramente assumida. Operava-se, de fato, com uma noção genérica de "ensinar", de 
"corrigir". Note-se que do orgânico, focalizado na entrevista, passava-se para o 
lingüístico e deste para o pedagógico. Na realidade, em tal intervenção, o discurso do 
fonoaudiólogo era, no dizer de Palladino (1992), um "bloco de colagens" sem conteúdo 
próprio. Discurso que gerava uma aparente coerência e que conferia ao dizer do 
fonoaudiólogo uma aparente exatidão.
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Em oposição a esse estado de coisas, poder-se-ia entender esses três momentos 
terapêuticos como necessariamente imbricados. Pode-se avaliar ao longo da atividade 
terapêutica e integrar a entrevista ao processo dito de avaliação. Cada um desses 
rótulos ganharia assim um novo sentido. Essa mudança deve envolver uma outra 
concepção de linguagem, como veremos mais adiante.
Na entrevista, o terapeuta deve buscar não o "verdadeiro", o "literal". O discurso 
da família deve ser mais que ouvido e registrado. Deve ser escutado de forma bastante 
singular e na sua singularidade. Nele, estará inscrito o lugar designado para a criança 
na linguagem, como tem sido dito por Lier-De Vitto (1992). Nele, estão os indícios que 
podem levar à elaboração de um sentido, a um entendimento do silenciamento da 
criança5.
Embora a criança não fale, no discurso do outro ela é falada. É nesse sentido que 
5 Sobre a distinção entre silêncio e silenciamento, ver Orlandi(1987).
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a entrevista se compõe com a "avaliação6 : a linguagem do outro também está à mercê 
de interpretação, da "avaliação" do clínico. A ele fica delegada a tarefa de escutar e não 
apenas ouvir.
Parto de Barthes (1990), que propõe uma distinção importante , entre ouvir e 
escutar. Ouvir é, segundo ele, um fenômeno fisiológico, enquanto que o escutar é um 
ato psicológico definível por seu objeto. O autor vai além e discute a existência de pelo 
menos três tipos de escuta.
A escuta indicial está presente tanto no homem como no animal. Ela torna o 
confuso (o indiferente) distinto (pertinente). É indicial porque um sinal efetivo, presente, 
anunciando uma ausência que lhe é contígua. O ausente é evocado pelo sinal 
presente. Um ruído, por exemplo, pode anunciar o agressor.
A escuta de decodificação implica a capacidade de leitura, ou seja, de atribuição 
de significado. E, portanto, possibilidade unicamente humana. "Escutar é decodificar o 
que é obscuro, confuso ou mudo." Se, por um lado, a noção de decodificação implica 
escutar o opaco, implica também a possibilidade de revelação de uma verdade, de um 
significado. A decodificação tem o poder de tornar o opaco, transparente. Como vimos 
acima, é essa escuta que impera na intervenção fonoaudiológica clássica. Ela é 
intencional, isto é, parte da intencionalidade do terapeuta como sujeito capaz de regular 
a relação intersubjetiva e supõe, também, o controle da informação. Não é outra coisa 
que a noção de intencionalidade sugere: há uma verdade que pode ser dita e 
decodificada. Haverá, então, opacidade?
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A terceira escuta, para Barthes, é radicalmente distinta das anteriores. Ela não 
visa apenas o que é dito ou emitido, mas aquele que fala e se desenvolve em um 
espaço intersubjetivo. Ela implica a noção de inconsciente, diz ele. A escuta 
psicanalítica é, para Barthes, exemplar desta terceira escuta: "o que é oferecido para 
ser ouvido por essa escuta é exatamente aquilo que o indivíduo que fala não diz" 
(Denis Vasse, apud Barthes, 1990:225, grifo meu).
Nesse sentido, considero que ela não é exclusiva da Psicanálise e que pode, por 
isso, interessar também ao fonoaudiólogo. Aqui, a interlocução é responsável pela 
construção de sentidos. Vê-se que tal concepção implica entender a linguagem não 
como comunicação e nem como transmissão de mensagens, mas como efeito de 
sentido. É isto que tem sido defendido por Eni Orlandi na Análise do Discurso e por 
Cláudia T. G. de Lemos na Aquisição de Linguagem.
A discussão feita por Barthes serve, contudo, aos propósitos deste trabalho, na 
medida em que propicia o esclarecimento de revoluções contidas no abandono de uma 
concepção de linguagem e na assunção de outra, principalmente no que concerne ao 
6 Note-se que “avaliação” adquire novo sentido. por isso coloco aspas como termo a redefinir.
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papel do outro:o do terapeuta, no caso
Na intervenção fonoaudiológica clássica, como vimos, o significado era tomado 
como literal. Nesta outra leitura da clínica, a que sugiro aqui, podemos dizer com 
Orlandi (1987) que "não há um centro, que é o sentido literal e suas margens, que são 
os efeitos de sentido. Só há margens. Por definição, todos os sentidos são possíveis 
[...] no processo, que é a interlocução, os sentidos se recolocam de forma múltipla e 
fragmentária" (p. 144).
34
Tal concepção em muito se aproxima com a terceira escuta proposta por Barthes. 
Vejamos porque: "o que é escutado aqui e ali não é um significado, objeto de 
reconhecimento ou decifração, é a própria dispersão” (grifo meu)7.
Assim, o fonoaudiólogo deve, a partir dessa escuta, atribuir um sentido inédito à 
história do paciente. A entrevista surge como lugar/momento de compreensão do 
silenciamento do paciente. Se, como diz Rubino (1989), "o discurso da mãe faz falar o 
bebê", eu acrescento que ele também pode fazê-lo calar. Entender a linguagem de uma 
criança (que não fala) implica, obrigatoriamente, observar como ela é falada, como ela 
aparece no discurso do outro. É ali que a criança é eregida como sentido para o 
terapeuta; da entrevista nasce o discurso do terapeuta. Discurso... sentido. Sentido, 
que se constitui no texto/diagnóstico que norteará a atividade terapêutica propriamente 
dita. Essa escuta/discurso sustentará a entrevista e todo o processo de intervenção.
Vê-se por que ganha relevo o que se fala sobre a criança na entrevista e também 
o que se diz para a criança no processo de avaliação-terapia. A família cria esse 
"personagem" (termo de De Lemos). É no texto familiar que reside a possibilidade de 
compreender por que a criança ficou paralisada naquele papel e não se desdobrou em 
"ator e autor". Transformação que, também, segundo De Lemos, caracteriza o processo 
de aquisição da linguagem. O que impede esse desdobramento (a conversão do 
discurso do outro na ilusão do discurso próprio) é uma questão para a clínica.
Note-se que o dizer da criança é determinado, segundo essa visão, pelo do outro. 
Para o fonoaudiólogo, é imprescindível pensar uma concepção de linguagem como 
esta. Caso contrário, como pensar o papel do clínico? A ele ficará delegado o papel de 
um outro" "que, por estar submetido à ordem da linguagem, pode por isso resolver' o 
enigma, atribuir-lhe um sentido" (Lier, 1992) ... um novo sentido.
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O terapeuta é intérprete diferenciado por duas razões. Primeira, porque se trata 
de alguém instrumentalizado por uma teoria de linguagem; segundo, pelo fato de, por 
estar fora da história da criança, poder criar "novas" interpretações virtualmente 
7 Convém assinalar que em Barthes decodificação e decifração são sinônimos
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capazes de fazer circular o que estava paralisado. Convém lembrar que, se no 
processo de apropriação da linguagem pela criança ela "incorpora fragmentos do dizer 
alheio (...) [e que o significante circula por muitos lugares e se compõe com outros em 
organizações possíveis; isolado ele não é mais do que um precipitado de sentidos, de 
possibilidade de significar. O significante insiste, convoca uma leitura", diz Lier-De Vitto. 
Leitura que caberá também ato terapeuta fazer. Ao se oferecer como espelho 
(intérprete) para o paciente, ele poderá abrir a possibilidade de (re)significar a história 
da criança e de (re)introduzi-la na ordem do simbólico. Note-se que a clínica passa a 
poder ser entendida, também, como espaço de alteridade constitutiva. É a partir do seu 
discurso sobre o silenciamento da criança que o terapeuta Ihe abre, também, um novo 
lugar na linguagem.
Essa concepção de linguagem contempla pontos essenciais a reflexão do 
fonoaudiólogo. Nela, o Outro ocupa lugar central. () singular — "as margens" - volta à 
cena. O importante é que o fonoaudiólogo não perca de vista o conjunto de 
pressupostos implicados nesta concepção de linguagem. Só desse modo ele evitará 
incorrer no antigo vício da aplicação, vício este que empobrece o fenômeno clínico e 
fere a teoria que "adota". Ambos, teoria e clínica, envolvem uma complexidade que não 
deve ser minimizada ou simplificada.
Entendo o diálogo com a Lingüística como necessário e promissor. Porém, ele 
deve ser assentado em bases que impliquem colaboração e não submissão de uma 
área à outra. Ao fonoaudiólogo resta a exigência da criação de um "texto próprio", que 
Ne origine deste diálogo e da análise do objeto que lhe é particular te nem por isso 
estranho à Lingüística).
Entender a clínica a partir dessa perspectiva implica abrir mão da solidez de um 
saber normativo, exato e formalizado. Implica arriscar-se pela via de outra possibilidade 
de compreensão da clínica. Via em que a dispersão, a "inexatidão" sejam o desafio. 
Finalizo, fazendo minhas as palavras de Rodulfo (1990) ao discutir as relações entre a 
psicanálise e a psiquiatria. Diz ele: "há coisas mais perigosas que a inexatidão: uma 
delas é a aparência de exatidão, a exatidão simulada".
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Referências bibliográficas
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