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1 Níveis de Prevenção, Imunizações e Rastreamentos Níveis de Prevenção, Imunizações e Rastreamentos Lucca Fagundes Ramos de Oliveira Índice: 1 – História Natural da Doença: I. Definição II. Modelo de Leavell & Clark 2 – Níveis de Prevenção: I. Conceito Inicial II. Níveis de Prevenção (Leavell & Clark) III. Modelo de Jamoulle da Prevenção Quaternária IV. Prevenção Quinquenária (José Augustinho) V. Resumo dos Níveis de Prevenção 3 – Imunizações: I. Tipos de Vacinas II. Programa Nacional de Imunização (PNI) III. Calendário Vacinal do Adulto e do Idoso 4 – Rastreamentos: I. Conceito II. Tipos de Rastreamento III. Programas de Rastreamento IV. Graus de Recomendação (USPSTF) V. Rastreamentos Específicos VI. Sobrediagnóstico (Overdiagnosis) e Sobretratamento (Overtreatment) 2 Níveis de Prevenção, Imunizações e Rastreamentos 1 – História Natural da Doença: I – Definição: A história natural da doença é a descrição do processo evolutivo de um agravo, até seu desfecho final, que surge da interação dos seguintes fatores: Fator Etiológico: fator que inicia ou perpetua o processo de adoecimento. Fator Hospedeiro: fator que faz referência ao organismo susceptível e suas características. Fator Ambiental: fator relacionado às influências externas que afetam um organismo. II – Modelo de Leavell & Clark: Modelo que divide a História Natural da Doença em dois momentos: Período Pré-Patogênico: momento em que há interação entre os fatores etiológico, hospe- deiro e ambiental, mas que a doença não está presente. Período Patogênico: momento em que a doença está presente (existem alterações no orga- nismo) e que se encerra com a convalescência (cura, cronificação, invalidez ou morte). 2 – Níveis de Prevenção: I – Conceito Inicial: O conceito de prevenção em saúde diz respeito ao conjunto de ações antecipadas, baseadas no conhe- cimento da história natural da doença, visando reduzir ou impedir o surgimento e a progressão dos agravos. II – Níveis de Prevenção (Leavell & Clark): Prevenção Primária: atua no período pré-patogênico. o Objetivo: reduzir a incidência do agravo, atuando nos fatores de risco e nos determi- nantes individuais e coletivos. o Ações: Proteção Específica: Definição: proteção contra uma ou mais doenças específicas, agindo em suas causas conhecidas. Exemplos: vacinação e uso de repelentes e mosquiteiros. Promoção da Saúde: Definição: promoção de saúde e bem-estar geral, sem se dirigir a uma do- ença em específico e agindo em indicadores individuais. Exemplos: acesso à alimentação adequada e à prática de exercícios físicos. Prevenção Primordial: Definição: conjunto de ações que buscam evitar o surgimento e a perpetu- ação de estilos de vida que aumentam o risco de desenvolvimento de doen- ças, agindo em indicadores globais. 3 Níveis de Prevenção, Imunizações e Rastreamentos Exemplos: políticas públicas para controle de substâncias tóxicas. Prevenção Secundária: atua no período patogênico. o Objetivo: impedir que o agravo se perpetue (contágio e disseminação), buscando o me- lhor desfecho possível. o Ações: Diagnóstico Precoce e Tratamento Imediato: Definição: detectar de forma precoce as alterações patogênicas e iniciar o tratamento o mais rápido possível. Exemplos: rastreio populacional (diagnóstico na fase subclínica) e isola- mento de casos índices (impede a propagação). Limitação de Incapacidades: Definição: tentativa de limitar as consequências deletérias do agravo, quando seu diagnóstico foi feito em fase avançada (geralmente indica falha nos níveis anteriores de prevenção). Exemplo: detecção precoce de nefropatia diabética (evita progressão para doença dialítica). Prevenção Terciária: atua no período patogênico. o Objetivo: impedir que o agravo cause uma incapacidade total, reduzindo o sofrimento e mantendo a qualidade de vida do indivíduo. o Ação: principalmente reabilitação. III – Modelo de Jamoulle da Prevenção Quaternária: Prevenção Quaternária: “A medicina é um equilíbrio entre as incertezas diagnósticas e os riscos da terapêutica” (Jamoulle, 1995). o Objetivo: nível de prevenção que previne o excesso de prevenções, isto é, previne as iatrogenias. o Ações: Prevenção de supermedicalização. Prevenção de sobrediagnóstico. Prevenção de sobretratamento. Atuação dos Níveis de Prevenção: o Doença x Enfermidade: Doença (Visão Médica) Enfermidade (Visão do Paciente) P1 P2 P4 P3 o Atuação dos Níveis de Prevenção: Prevenção Primária (P1): não há doença e o paciente não se sente doente. Prevenção Secundária (P2): há doença e o paciente não se sente doente. Prevenção Terciária (P3): há doença e o paciente se sente doente. Prevenção Quaternária (P4): não há doença e o paciente se sente doente. 4 Níveis de Prevenção, Imunizações e Rastreamentos IV – Prevenção Quinquenária (José Augustinho): Nível de prevenção que atua na saúde do profissional de saúde e, consequentemente, nos cuidados dos pacientes, ao impedir o burnout (exaustão física e/ou emocional causado pelas exigências do tra- balho). V – Resumo dos Níveis de Prevenção: Período Pré-Patogênico (Leavell & Clark) Prevenção Primária Proteção Específica Promoção da Saúde Prevenção Primordial Período Patogênico (Leavell & Clark) Prevenção Secundária Diagnóstico Precoce e Tratamento Imediato Limitação de Incapacidades Prevenção Terciária Reabilitação - Prevenção Quaternária (Jamoulle) Prevenção da supermedicalização Prevenção do sobrediagnóstico Prevenção do sobretratamento Prevenção Quinquenária (José Augustinho) Prevenção do burnout do profissional de saúde 3 – Imunizações: I – Tipos de Vacinas: Vacinas de Agentes Atenuados: contém patógenos vivos, mas enfraquecidos, sendo, por- tanto, contraindicadas para gestantes e pessoas com imunossuprimidas. Vacinas de Agentes Inativados: contém patógenos mortos ou partes desses patógenos. 5 Níveis de Prevenção, Imunizações e Rastreamentos II – Programa Nacional de Imunização (PNI): O Programa Nacional de Imunização (PNI) é um programa do Ministério da Saúde, que define o ca- lendário vacinal da população brasileira, sendo o maior programa nacional de imunização do mundo. III – Calendário Vacinal do Adulto e do Idoso: Hepatite B: o Tipo de Vacina: vírus inativado, composta por proteína purificada da superfície do vírus. o Indicações de Vacinação no Adulto: Esquema infantil incompleto ou desconhecido. Pessoas susceptíveis (após realização de sorologia). o Esquema Vacinal: Crianças: 4 doses. Adultos: 3 doses. 2ª Dose: 1 mês após a primeira dose. 3º Dose: 6 meses após a segunda dose. o Contraindicações: Anafilaxia após administração de dose da hepatite B. Púrpura trombocitopênica após administração de dose da hepatite B. Difteria e Tétano (dT): o Tipo de Vacina: vacina inativada, composta por toxoides diftéricos e tetânicos. o Indicações de Vacinação no Adulto: Esquema infantil incompleto. Dose de reforço. o Esquema Vacinal: Esquema Básico: 3 doses e reforço a cada 10 anos. Esquema Vacinal Incompleto: 1ª Dose: dTpa. 2ª Dose: dT, 2 meses após a 1ª dose. 3ª Dose: dT, 2 – 6 meses após a 2ª dose. Febre Amarela: o Tipo de Vacina: vacina com vírus atenuado. o Esquema Vacinal: Esquema Básico: 1 dose a partir dos 9 anos. Esquema de Reforço: indicada em casos específicos. Primeira dose administrada antes dos 5 anos. Administração de dose fracionada, devendo-se realizar o reforço após 10 anos. o Contraindicações: Crianças < 6 meses. Pacientes imunossuprimidos, transplantados e gestantes (avaliar caso a caso). Mulheres amamentandocrianças < 6 meses. Reação anafilática prévia à proteína do ovo. Doenças desmielinizantes nas 6 semanas prévias. Doenças associadas ao timo. 6 Níveis de Prevenção, Imunizações e Rastreamentos Sarampo, Caxumba e Rubéola (SCR): o Tipo de Vacina: vacina com vírus atenuados. o Esquema Vacinal: 20 – 29 Anos: 2 Doses na Infância: não vacinar. 1 Dose na Infância: 1 dose adicional. 0 Doses na Infância: 2 doses, com intervalo de 1 mês. 30 – 59 Anos: deve receber 1 dose, apenas se nunca tiver sido vacinado. o Efeito Adverso: febre ocorrendo 5 – 12 dias após a vacinação. o Contraindicações: Hemorragias após administração de dose da SCR. Crianças < 6 meses. Reação anafilática prévia. Presença de imunossupressão grave ou gestantes. Influenza: o Tipo de Vacina: vacina de vírus atenuado, que sofre atualização anual, de acordo com as cepas do inverno anterior do hemisfério oposto. o Indicações de Vacinação no Adulto: Crianças de 6 meses – 5 anos. Profissionais de saúde e gestantes. Pessoas com doenças crônicas. Adultos > 60 anos. o Esquema Vacinal: campanha anual de vacinação. 6 Meses – 8 Anos: 2 doses. > 8 Anos: dose única anual de acordo com a campanha. o Contraindicações: Crianças < 6 meses. Reação anafilática prévia. Antipneumocócica 23-Valente: o Tipo de Vacina: vacina inativada, composta por polissacarídeos capsulares de 23 soro- tipos. o Indicações de Vacinação no Adulto: > 60 anos que estão acamados. > 60 anos que estão hospitalizados. > 60 anos que estão institucionalizados. Povos indígenas a partir dos 5 anos. Pessoas vivendo com HIV ou algumas doenças crônicas. Pessoas que convivem com imunodeprimidos. o Esquema Vacinal: 2 Doses Prévias: não vacinar. 1 Dose Prévia: 1 reforço, 5 anos após a 1ª dose. 0 Doses Prévias: 1ª dose e reforço, 5 anos após a 1ª dose. Atenção! Caso haja risco epidemiológico ou exposição de risco, está indicada uma dose zero da vacina a partir dos 6 meses. No entanto, essa dose não é considerada como parte do esquema habitual. 7 Níveis de Prevenção, Imunizações e Rastreamentos o Contraindicação: reação anafilática prévia. Covid-19: o Tipos de Vacinas: Coronavac: vacina inativada, contendo antígenos virais. Pfizer: vacina inativada, contendo mRNA sintético. AstraZeneca: vetor adenovírus recombinante. Janssen: vetor adenovírus sorotipo 26 (Ad26). o Esquema Vacinal: Para Crianças: Idade Esquema Intervalo Reforço Coronavac 5 – 11 anos 2 doses 4 semanas Não indicado Pfizer 6 – 17 anos 2 doses 4 semanas Não indicado Para Adultos: Esquema Intervalo entre Doses Reforço Imunizante de Reforço Coronavac 2 doses 4 semanas 4 semanas (gestantes) ou 4 meses após última dose AstraZeneca, Janssen ou Pfizer (preferen- cial nas gestantes, podendo ser Corona- vac como alterna- tiva) Pfizer 2 doses 8 semanas 4 semanas (gestantes) ou 4 meses após última dose AstraZeneca 2 doses 8 semanas 4 meses após última dose Janssen 1 dose - 2 meses após primeira dose Atenção! No caso de idosos, deve-se administrar um segundo reforço, utilizando os mesmos imunizan- tes do primeiro reforço, 4 meses após o primeiro reforço. 8 Níveis de Prevenção, Imunizações e Rastreamentos 4 – Rastreamentos: I – Conceito: Os rastreamentos são uma ferramenta de prevenção secundária, realizada em pessoas assintomá- ticas, que possui os seguintes objetivos: Nível Individual: permite o diagnóstico precoce e, portanto, o tratamento imediato. Nível Coletivo: permite diminuir a morbimortalidade e os gastos públicos em saúde, causa- dos pelo agravo. II – Tipos de Rastreamento: Abordagem de Alto Risco: rastreamento realizado apenas em pessoas com alto risco para de- terminado agravo. Abordagem de Nível Populacional (Paradoxo Preventivo): rastreamento realizado a nível populacional e não só em pessoas com alto risco. III – Programas de Rastreamento: Para definir se um programa de rastreamento é efetivo, deve-se analisar suas características e os critérios de Wilson e Junger. Características: o Acesso: não há necessidade de solicitação médica para que o rastreamento seja reali- zado. o Agilidade: o usuário não precisa entrar na rotina de atendimentos para realizar o ras- treio. o Melhores Evidências: Deve haver evidência científica de que há benefícios na realização do rastreio. Rastreio deve reduzir a morbimortalidade do agravo. o Disponibilidade de Informação: paciente deve ser informado sobre os objetivos, os ris- cos e os benefícios do rastreio. Critérios de Wilson e Junger: o Critério 1: doença deve ser um problema importante de saúde pública. Magnitude: importância epidemiológica da doença, fazendo referência a sua pre- valência. Transcendência: impacto produzido pela doença (danos e consequências). Vulnerabilidade: capacidade da doença ser tratada, caso seja diagnosticada. o Critério 2: deve-se conhecer bem a história natural da doença. o Critério 3: deve existir um estágio assintomático (estágio pré-clínico) significativo para que a doença possa ser detectada. o Critério 4: benefício do rastreio deve ser maior que se a condição fosse diagnosticada após apresentação dos sintomas. o Critério 5: os exames utilizados no rastreamento devem estar disponíveis, ser aceitá- veis e confiáveis. o Critério 6: o custo do rastreamento deve ser razoável e compatível com o orçamento do sistema de saúde. 9 Níveis de Prevenção, Imunizações e Rastreamentos o Critério 7: o rastreamento deve ser um processo contínuo e sistemático. IV – Graus de Recomendação (USPSTF): Descrição Sugestão Prática A Comprovado benefício Oferecer/prover esse serviço B Moderada certeza do benefício Oferecer/prover esse serviço C Substancial a moderada evidência de que o benefício é pequeno Oferecer/prover esse serviço somente se tiver outras considerações que suportem a sua oferta para pacientes individuais D Moderada a muita certeza de que não traz benefício ou que os danos superam os benefícios Desencorajar a prática desse serviço I Atual evidência é insuficiente Caso seja oferecido esse serviço, o paciente deve ser informado das incertezas sobre os danos e benefícios da intervenção 10 Níveis de Prevenção, Imunizações e Rastreamentos V – Rastreamentos Específicos: Rastreamento de Doenças Crônicas: MS USPSTF Exame de Rastreio Grau de Recomendação HAS Após 18 anos, a cada 2 anos se PA < 120 x 80 ou anual se PA 120 – 139 x 80 - 89 A cada 3 – 4 anos para pessoas entre 18 – 39 anos, sem risco aumentado para HAS, ou anual para > 40 anos ou risco aumentado para HAS Aferição da PA A Dislipidemia Após 35 anos (ho- mens) ou 45 anos (mu- lheres), a cada 5 anos - Perfil lipídico A DM Adultos com PA > 135x80 Adultos de 35 – 70 anos com sobre- peso ou obesidade Glicemia de jejum (MS e USPSTF) ou TTOG/HbA1C (US- PSTF) B Rastreamento de Neoplasias: MS USPSTF Exame de Rastreio Grau de Recomendação Câncer de Mama 50 – 69 anos, a cada 2 anos 50 – 74 anos, a cada 2 anos Mamografia B Câncer de Próstata - Individualizar a decisão em pacien- tes com 55 – 69 anos Toque retal D Câncer de Colo Uterino 25 – 64 anos, com vida sexual ativa, anual- mente, podendo-se co- letar a cada 3 anos no caso de dois exames consecutivos normais 21 – 64 anos, a cada 3 - 5 anos de- pendendo do teste Colpocitologia on- cótica (MS e US- PSTF) ou Teste de DNA para HPV / Cotesting (US- PSTF) A 11 Níveis de Prevenção, Imunizações eRastreamentos Câncer Colorretal 50 – 75 anos ou até que a expectativa de vida > 10 anos, anual- mente ou binualmente Colonoscopia a cada 10 anos ou retossigmoidosco- pia a cada 5 anos ou colonografia por TC a cada 5 anos ou testes fe- cais anualmente Pesquisa de san- gue oculto, retos- sigmoidoscopia ou colonoscopia A Câncer de Pulmão - 50 – 80 anos, com carga tabágica de 20 anos-maço, que fumou nos últimos 15 anos, anual- mente TC de tórax de baia dose B Rastreamento de Outras Doenças: MS USPSTF Exame de Rastreio Grau de Recomendação Aneurisma de Aorta Abdominal - Homens 65 – 75 anos que já fuma- ram, 1x na vida USG abdominal B Osteoporose - Mulheres > 65 anos ou < 65 anos, se estiver na me- nopausa e se tiver risco aumentado Densitometria ós- sea B ISTs - Qualquer faixa etá- ria se houver com- portamento de risco, a cada 3 – 5 anos Anti-HIV, VDRL, HBsAg e Anti-HCV B VI – Sobrediagnóstico (Overdiagnosis) e Sobretratamento (Overtreatment): Sobrediagnóstico (Overdiagnosis): diagnóstico de pacientes que não precisavam ser diag- nosticados, podendo inclusive aumentar a morbimortalidade do agravo. Sobretratamento (Overtreatment): tratamento de pacientes que não precisavam ser trata- dos, podendo inclusive aumentar a morbimortalidade do agravo.