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EVANILDO LUSTOSA ALVES Professor autor/conteudista É vedada, terminantemente, a cópia do material didático sob qualquer forma, o seu fornecimento para fotocópia ou gravação, para alunos ou terceiros, bem como o seu fornecimento para divulgação em locais públicos, telessalas ou qualquer outra forma de divulgação pública, sob pena de responsabilização civil e criminal. SUMÁRIO Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 1 . Bioética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 1.1 A ética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .7 1.2 Conceito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .7 1.2.1 A ética médica e de enfermagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 1.2.2 A ética religiosa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 1.2.3 A ética filosófica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 1.3 Bioética geral, especial e clínica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .12 1.4 Finalidades e instrumentos de estudo da bioética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .13 1.5 O principialismo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .13 1.5.1 O princípio da autonomia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 1.5.2 O princípio da beneficência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 1.5.3 O princípio da não-maleficência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 1.5.4 O princípio da justiça . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 2 . Bioética e direitos humanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 2.1 Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 2.1.1 Objetivos da declaração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 2.1.2 Princípios da declaração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 3 . Bioética e pesquisa com seres humanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 3.1 A bioética e sua repercussão na pesquisa genética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 4 . A bioética e a reprodução humana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 4.1 Reprodução assistida. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .42 4.2 A seleção de embriões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 4.3 O congelamento embrionário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 4.4 Aborto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 4.5 Clonagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 5 . Bioética – outros temas polêmicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 5.1 Transplantes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 5.2 Eutanásia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 6 . Ética em auditoria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 6.1 Auditoria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 6.2 O perfil do auditor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72 6.3 Ética aplicada à auditoria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .74 Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 Glossário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78 Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 Pág. 4 de 84 INTRODUÇÃO As áreas da biotecnologia e da saúde humana sofreram substanciais alterações nos últimos anos, avanços até então inimagináveis, alcançados pelo desenvolvimento científico e tecnológico. Podem ser citadas como exemplos as curas para diversas doenças, genomas que foram sequenciados e até mesmo a clonagem e a transgenia, que hoje são possíveis e comuns no Brasil e no mundo (CRUZ; OLIVEIRA; PORTILLO, 2010). Assim como esses avanços podem trazer melhorias para a qualidade de vida da população, eles também têm o potencial de provocar danos enormes e irrecuperáveis. Estragos noticiados diariamente, como as destruições de grandes áreas florestais, a emissão de poluentes e ameaças visíveis à espécie humana, como as armas de destruição em massa, evidenciam a importância de se impor limites ao ser humano (CRUZ; OLIVEIRA; PORTILLO, 2010). Quando se pensa nas grandes questões éticas originadas pelos avanços científicos, o que se questiona não é a capacidade do ser humano, e sim sua responsabilidade ao desenvolver seus potenciais. Assim, o problema é o controle ético das tecnologias, e não sua aceitação pela população, visto que as pesquisas podem tomar diversos rumos nem sempre melhores para a humanidade, podendo trazer graves consequências com o decorrer do tempo (CRUZ; OLIVEIRA; PORTILLO, 2010). É importante o debate acerca de como esses avanços estão sendo realizados, as implicações desses experimentos e a necessidade de reflexão acerca da vida humana e dos valores morais a ela inerentes (CRUZ, 2011). Primeiramente, é necessário fazer a distinção entre ética e moral. A moral vem do latim mos ou mores (costume ou costumes) e diz respeito a algo que é habitual para um povo. Logo, a moral é entendida como valores ou comportamentos em um contexto próprio e válido para um determinado segmento social (CRUZ, 2011). Assim, percebe-se que o homem confere às coisas e ações valoração comportável para si e para a sociedade. Essa valoração é positiva ou negativa conforme suas experiências, logo, a moral não é unitária ou imutável, sendo possível distinguir diversas facetas dentro dela (CRUZ, 2011). Conforme mencionado a moral não é una, sendo que a valoração de uma ação ou comportamento depende do período histórico e da realidade vivida pela população, variando dentro da sociedade. Pág. 5 de 84 Assim como há uma variação da cultura e da civilização no tempo e no espaço, há uma variação da moral que é diretamente ligada e influenciada pelas relações entre os seres humanos e pela relação destes com a natureza (CRUZ, 2011). Porém, apesar da moral ser mutável, há aspectos relativos ao direito à vida, à dignidade e à personalidade que não podem ser afetados por essas mudanças, visto que são inerentes àcondição humana (CRUZ, 2011). Já a ética é considerada uma ciência. Seu estudo é bem definido, com princípios próprios e objeto delimitado. É o estudo da moral e suas inúmeras implicações. A ética cria e elucida normas, sendo portanto uma disciplina normativa, aperfeiçoando e desenvolvendo o sentido da moral na conduta humana e em como isso afeta suas ações (CRUZ, 2011). A atuação do ser humano e o direcionamento de suas ações de uma forma ou de outra é uma conduta pautada pela moral. Ao passo que, a ética é a investigação da deliberação que deu origem a essa ação, é o estudo das consequências e das possibilidades que envolvem um problema (CRUZ, 2011). O termo ética tem origem do grego ethos, que significa “modo de ser” ou “caráter”. Analisa o ser humano na perspectiva da realização desse “ser”, forma dinâmica, hábil e que leva em consideração o tempo e o espaço concretos (CRUZ, 2011). Um dos maiores problemas é estabelecer critérios para a valoração positiva ou negativa dos comportamentos humanos e se é possível estabelecer parâmetros gerais, uma vez que o juízo moral é variável, havendo uma relativização das atitudes humanas e do que se pode conhecer sobre elas. Logo, como as ações são influenciadas por diversos fatores, no meio dos quais é preciso se distinguir o modo certo de se agir, a maior adversidade que a ética tem que enfrentar é admitir esses diversos valores e mediá-los. E para isso é preciso se distinguir condutas moralmente aceitáveis e as inaceitáveis, tentando se conseguir um senso moral comum, uma vez que a valoração também pode ser generalizada (CRUZ, 2011). Todas as atitudes humanas que possam impactar sobre outras pessoas ou sobre o meio ambiente devem implicar em verificação de valores e como estes podem ser afetados. Um dos valores é a própria pessoa humana e as circunstâncias que são inerentes da sua condição, como a vida e as questões relacionadas às necessidades espirituais, físicas e materiais. Qualquer prática que afete esses valores é maléfica, pois retira a dignidade da pessoa. Por isso, estes valores devem Pág. 6 de 84 ser observados em todas as atividades cientificas que tenham como intuito melhorar o bem-estar do ser humano (CRUZ, 2011). A bioética é uma das áreas de ponderação que mais cresce. Ela engloba um estudo sistêmico das faces da moral que compreendem as ciências da vida. A análise da bioética sobre os avanços científicos é imprescindível, principalmente com a força que a biotecnologia vem adquirindo, seja por sua importância econômica ou de transformação da vida humana e do ecossistema (CRUZ; OLIVEIRA; PORTILLO, 2010). Nesses termos, aponta Diniz (2009 apud CRUZ, 2011, s/p): A bioética deverá ser um estudo deontológico, que proporcione diretrizes morais para o agir humano diante dos dilemas levantados pela biomedicina, que giram em torno dos direitos entre a vida e a morte, da liberdade da mãe, do futuro ser gerado artificialmente, da possibilidade de doar ou de dispor do próprio corpo, da investigação científica e da necessidade de preservação de direitos das pessoas envolvidas e das gerações futuras. Por isso precisamos ter um melhor entendimento dessas questões, haja vista a complexidade do tema, que envolve cultura, religião e o próprio entendimento de “ser humano”, um ser composto de uma diversidade de sentimentos, ambições, vontades e formações culturais e socioeconômicas. Mesmo podendo divergir das várias formas de ver e entender a ética e a bioética, não é possível divergir da sua verdadeira necessidade, pois elas servem como freio moral para as ações do homem em relação a tudo que o cerca. 1. BIOÉTICA FIGURA 1 – Bioética Fonte: magic pictures / shutterstock Pág. 7 de 84 1.1 A ética Segundo Sgreccia (2002, p. 139), deve-se fazer uma distinção, dentro do estudo da antropologia, entre vida ética, ethos e ética. A vida ética é a tensão ou tendência própria do homem de realizar o bem ou os valores. Já o ethos é a conduta efetiva, sociologicamente importante dentro de sua cultura, que o homem realizou ou tentou realizar com referência a determinados valores. Quando falamos em ética ou filosofia moral, trata-se da ciência do que o homem deve fazer, dos valores que deve realizar. Sgreccia (2002, p.139), afirma ainda que: A ética é a ciência do comportamento humano em relação aos valores, aos princípios e às normas morais. A ética descritiva (ethos) é o exame dos costumes e dos comportamentos relativos aos valores, princípios e normas morais de uma determinada população, ou sobre um fato preciso, por exemplo: o aborto, o matrimônio, o furto etc. A ética normativa é a disciplina que estuda os valores, os princípios e as normas de comportamento em relação ao que é lícito ou ilícito (bem/mal) e procura seus fundamentos e justificações. A ética normativa se divide em ética geral, que trata dos fundamentos princípios e normas, e em ética especial, que trata da aplicação desses princípios, normas e valores aplicados a campos específicos. Temos como exemplos de ética especial a ética profissional, que é a aplicada às profissões, a ética econômica, utilizada no setor da economia, a ética política, aplicada a política (SGRECCIA, 2002). É dentro da ética especial que encontramos a bioética, que é o estudo da ética no âmbito das ciências da vida e da saúde. 1.2 Conceito No início da década de 1970, Van Rensselaer Potter, um renomado pesquisador e professor norte- americano da área de oncologia, preocupado com o rumo e as dimensões alcançadas pela ciência, principalmente a biotecnologia, sugere a criação de uma nova ciência baseada na aliança do saber biológico (bio) como os valores humanos (ética), lançando a frase “Nem tudo que é cientificamente possível é eticamente aceitável” e propondo para esse novo ramo o nome de bioética (DURAND, 2007). É a ética prática ou ética da vida, como a definição de seus termos diz: a bioética, do grego bios (vida) e ethos (ética), viria para ajudar as pessoas a pensar sobre as possíveis implicações dos Pág. 8 de 84 avanços da ciência sobre a vida, fossem essas implicações positivas ou negativas, fosse a vida humana ou de outros seres vivos. Para Van Rensselaer, a bioética deveria englobar diversos temas, abarcando conhecimentos que vão desde o controle da população, a pobreza, a ecologia até a manutenção da vida no planeta Terra. Apesar de sua abrangência, seu objetivo principal seria delimitar e dar propósito às interferências do homem sobre a vida, evidenciando os riscos e propondo limites aceitáveis a essas intervenções, indicando a necessidade de uma percepção sistêmica e até mesmo cibernética. Por isso, seu campo de estudo deveria ser multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar, englobando diversas áreas como a biologia, a medicina, a filosofia, as ciências exatas, o direito, as ciências políticas e o meio ambiente, entre outras (DURAND, 2007). Apesar dessa visão de Van Rensselaer, o termo bioética rapidamente se limitou, por vários autores e praticantes, às questões das ciências biológicas e sua aplicação na medicina (DURAND, 2007). Por isso, alguns autores consideram como o nascimento da bioética o processo de Nuremberg. Este levou ao conhecimento da população mundial os crimes cometidos contra seres humanos durante o regime nazista, que foram registrados nos atos dos processos, inclusive com participação de médicos. Neste caso percebe-se claramente o que o homem é capaz de fazer quando desvinculado da moral ou completamente cego por suas convicções (SGRECCIA, 2002). Na ocasião, o tribunal elaborou dez regras que definiam as condições que deveriam ser seguidas para permitir experiências com seres humanos, o chamado Código de Nuremberg. O código foi o primeiro a suscitar uma conscientização sobre os perigos dos progressos da ciência desejados a qualquer custo sobre a necessidade de um enquadramento (SGRECCIA, 2002). A começar desse momento, duas linhasnormativas passaram a ser desenvolvidas, as quais seriam: a elaboração do direito do homem e o “Código de Deontologia Médica”, que é proveniente e periodicamente atualizado pela Associação Médica Mundial (AMM) e pela Federação das Ordens dos Médicos (SGRECCIA, 2002). Iniciando-se com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948, seguida pelo Tratado de Roma em 1950, a elaboração dos direitos do homem inclui diversas declarações, convenções, recomendações e cartas desenvolvidas para atuar Pág. 9 de 84 na defesa da vida e da integridade física do ser humano, além da proteção das liberdades civis e políticas fundamentais, incluindo-se recomendações quanto aos direitos dos doentes e moribundos e sobre a utilização dos embriões e fetos humanos (SGRECCIA, 2002). A criação dessa legislação e dessas normas implicavam necessariamente em uma reflexão de fundamentação teórica e de justificação, confluindo em uma disciplina sistemática que é a bioética (SGRECCIA, 2002). Segundo Sgreccia (2012), a definição dada pela Encyclopedia of bioethics de 1978 para bioética é: “estudo sistemático da conduta humana no âmbito das ciências da vida e da saúde considerada à luz de valores e de princípios morais”. Quando se fala em ciências da vida e da saúde, deve-se entender que a bioesfera se estende para além dos problemas médicos e dos problemas das populações, como os demográficos e ambientais, que influenciam diretamente na qualidade de vida do homem. Por isso, como norte, deve-se ter sempre a moral, criando-se limites, critérios e definições claras sobre o que é lícito e o que é ilícito (SGRECCIA, 2002). Logo, a bioética, além de incluir a ética médica, amplia-se, integrando: • os problemas éticos de todas as profissões sanitárias; • as pesquisas comportamentais, independentemente de suas aplicações terapêuticas; • os problemas sociais unidos às políticas sanitárias, à medicina do trabalho, à saúde internacional e as políticas de controle demográfico; • os problemas da vida animal e vegetal em relação à vida do homem. Três correntes da ética influenciaram e influenciam a bioética, são elas: a ética médica e de enfermagem, a ética filosófica e a ética teológica (DURAND, 2007). Pág. 10 de 84 1.2.1 A ética médica e de enfermagem FIGURA 2 – Hipócrates Fonte: Everett Historical / shutterstock O Juramento de Hipócrates, proclamado por médicos no momento de sua formatura, foi elaborado por Hipócrates, médico grego do século V a.C. e pai da ética médica. Em seu juramento, além da religiosidade, invocada no preâmbulo e na conclusão, é possível fazer outras duas divisões (DURAND, 2007). A primeira divisão fala da perpetuação do conhecimento médico adquirido durante a graduação. No trecho, os aprendizes reconhecem seus deveres em relação aos seus mestres e a obrigação de transferir com discernimento seus saberes (DURAND, 2007). A segunda divisão preconiza a ética na profissão, afirmando que o médico deve sempre trabalhar em prol do paciente, impedindo parcialidades, assim como proíbe a prática de abortos, as relações sexuais com pacientes, a divulgação da vida particular do paciente e a ministração de venenos. É o código de ética propriamente dito, que prescreve que ele trabalhe em favor do paciente, evitando todo mal e injustiça, e proíba a administração de venenos, a prática de aborto, as relações sexuais com pacientes e a divulgação de detalhes sobre a vida privada do paciente (DURAND, 2007). Pág. 11 de 84 Porém, o juramento só adquiriu força quando o ensino da medicina foi sistematizado, sua prática regulamentada e com a organização da profissão como corporação. Outro fator importante para que o juramento ganhasse autoridade foi a incorporação do pensamento cristão. Mesmo a enfermagem sendo muito antiga (desde os tempos de cuidado familiar dispensados a doentes e ao voluntariado religioso até a organização de convenções e ações públicas em favor da saúde), demorou a ser considerada uma profissão. Em 1983, foi proclamado o primeiro juramento de enfermagem, escrito por Lystra E. Gretter e utilizado na formatura da Farrand Training School (DURAND, 2007). Segundo Durand (2007, p. 23), O conteúdo deste juramento pode ser dividido em duas partes. A primeira consiste no compromisso de se dedicar ao bem-estar do doente, de não lhe fazer mal algum e respeitar sua privacidade. A segunda, o compromisso de proteger o padrão da profissão e de ajudar o médico em sua tarefa. Os juramentos, até hoje, mesmo com as inúmeras mudanças feitas ao longo do tempo, estabelecem a base da ética médica e de enfermagem, juntamente com os códigos de deontologia e com os tratados de ética profissional (DURAND, 2007). CURIOSIDADE Conheça o Juramento de Hipócrates na íntegra Disponível em: <https://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Historia&esc=3>. 1.2.2 A ética religiosa As explicações de tudo que acontece no mundo são encontradas na religião. Cabe a Deus decidir sobre a saúde, a doença e a morte. Aos pacientes e cuidadores cabe apenas a oração e a confiança em Deus. É através dessas premissas que a ética religiosa, seja ela cristã, judaica ou mulçumana, interpreta a palavra divina e deve respeito a ela (DURAND, 2007). Mesmo a ética filosófica sendo totalmente racional, nem sempre seus preceitos se distinguem da ética religiosa, porém a sua atitude sim. Para a ética religiosa, aos médicos, enfermeiros e todos os que cuidam cabe apenas praticar o bem, pois sua missão é totalmente religiosa. Mesmo com as divergências entre as religiões, foram abordadas pela ética religiosa tanto questões teóricas quanto práticas (DURAND, 2007). Pág. 12 de 84 A casuística é uma prova do interesse da igreja católica pela ética prática. Com sua abordagem de análise de caso, visava ajudar os padres a valorarem as ações humanas como boas ou ruins durante as confissões (DURAND, 2007). As igrejas desenvolveram uma moral teológica que proclama a inviolabilidade e a sacralidade da vida humana, condenando assim o aborto, o infanticídio, a eutanásia e as mutilações, entre outras questões que são muito abordadas pela bioética. O que é dito pelas igrejas, de modo geral, não pode ser desconsiderado pelos profissionais de saúde, uma vez que eles são influenciados pela própria fé religiosa ou pela fé do seu paciente (DURAND, 2007). 1.2.3 A ética filosófica Por muito tempo a filosofia foi dirigida pela religião cristã, permanecendo esquecidas as questões filosóficas das práticas médicas e de enfermagem. Porém, tão logo a filosofia recobrou sua autonomia, as questões éticas voltaram a figurar, principalmente em se tratando das teorias éticas e da análise dos conceitos fundamentais. Tais teorias elaboradas ao longo do tempo tiveram impacto direto sobre a ética médica e da enfermagem (DURAND, 2007). 1.3 Bioética geral, especial e clínica A bioética tem configurado três ramos: a bioética geral, a bioética especial e a bioética clínica. Segundo Sgreccia (2002, p. 46), A bioética geral se ocupa das fundações éticas, é o discurso sobre os valores e sobre os princípios originários da ética médica e sobre as fontes documentais da bioética (direito internacional, deontologia, legislação). É a filosofia moral em sua parte fundamental e institucional. A bioética especial analisa os grandes problemas enfrentados sempre sob o perfil geral, seja no terreno médico ou biológico, por exemplo, a engenharia genética, o aborto, a eutanásia, a experimentação clinica etc. São as grandes temáticas da bioética que devem ser resolvidas à luz dos modelos e dos fundamentos que o sistema ético assume como fundamentais e justificadas pelo juízo ético. Portanto, não pode deixar de se ligar as conclusões da bioética geral. A bioética clínica ou de decisão examina na situação concreta da práxis médica e do caso clínico quais são os valos em jogo e por quais caminhos corretos se pode encontrar uma linha de conduta semmodificar esses valores. A escolha ou não de um princípio ou de um critério de avaliação condiciona a avaliação do caso”. Pág. 13 de 84 1.4 Finalidades e instrumentos de estudo da bioética A finalidade da bioética é o estudo racional dos questionamentos morais inerentes da biomedicina e de sua ligação com o direito e as ciências humanas. Tem por fundamento os direitos do homem e observa a religiosidade, para basear-se racionalmente e elaborar linhas éticas. Sua aplicação é no direcionamento à conduta pessoal, à elaboração de códigos deontológicos profissionais novos e futuros (SGRECCIA, 2002). A metodologia interdisciplinar se divide em três instrumentos de estudo. O momento epistemológico, que analisa de forma aprofundada a essência do ato biomédico, o momento antropológico, que evidencia seus efeitos em um plano antropológico, e o momento aplicativo, que caracteriza as soluções éticas e suas justificativas racionais (SGRECCIA, 2002). 1.5 O principialismo Segundo essa abordagem clássica introduzida por Beauchamp e Childress, em 1989, a bioética centra-se em quatro princípios fundamentais ou deveres prima facie. São eles: autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça. Por isso o nome PRINCIPIALISMO, também conhecido como corrente canônica (LOCH, 2002). FIGURA 3 – Os princípios da bioética: autonomia, beneficência, não maleficência e justiça Beneficência Beneficência Justiça AutonomiaPrincipialismo Fonte: Machado (2015) Nos termos de Loch (2002, p. 1), “Os deveres prima facie são obrigações que devem ser cumpridas a não ser que conflitem, numa situação determinada, com outra obrigação igual ou mais forte”. Assim, no início de qualquer discussão ética, esses quatro princípios devem ser observados, de forma a se concluir como podem ser melhor respeitados caso a caso (LOCH, 2002). Pág. 14 de 84 De acordo com Sgreccia (2002, p. 51): Os princípios da bioética não se baseiam em nenhuma teoria claramente articulada, ou seja, não há uma teoria bioética, embora haja uma prática que apele para esses princípios. Trata-se de uma espécie de pragmatismo ético. Os princípios desempenham o papel de justificação e de referência éticas. Por seu caráter relativo, o principialismo, desde o início, gerou apreciações diversas, visto que, na prática, nem sempre é possível respeitá-lo de forma igualitária. Porém, possui como serventia por sua operacionalidade, sendo, apesar de insuficiente, indispensável para a tomada de decisão. Na maioria das ocorrências, para se detalhar a análise de casos concretos, é necessário se utilizar, além dos princípios prima facie, outros valores. Mesmo não possuindo um caráter incondicional, o principialismo, com seus postulados básicos, não pode ser deixado de lado na bioética atual (LOCH, 2002). Os princípios não possuem qualquer tipo de hierarquia. Havendo conflito na hora de sua aplicação, deve-se determinar o quê, quando e como um predominará sobre o outro (STOCO, 2001). FIGURA 4 – Os princípios da bioética: autonomia, beneficência, não maleficência e justiça Principios da bioética Princípio da autonomia Princípio da beneficência Princípio da não maleficência Princípio da justiça O profissional deve respeitar as crenças, a vontade e valores morais do paciente Obrigação ética de maximizar o benefício e minimizar o prejuízo A ação do médico sempre deve causar o menor prejuízo ou agravos à saúde do paciente Igualdade da repartição dos benefícios e bens em qualquer área da ciência Fonte: Elaborado pelo autor Pág. 15 de 84 1.5.1 O princípio da autonomia Loch (2002, p. 4) descreve autonomia como: A capacidade de uma pessoa para decidir fazer ou buscar aquilo que ela julga ser o melhor para si mesma. Para que ela possa exercer esta autodeterminação são necessárias duas condições fundamentais: a) capacidade para agir intencionalmente, o que pressupõe compreensão, razão e deliberação para decidir coerentemente entre as alternativas que lhe são apresentadas; b) liberdade, no sentido de estar livre de qualquer influência controladora para esta tomada de posição. Também habitualmente chamado de princípio da liberdade, o princípio da autonomia reivindica o respeito ás decisões pessoais tomadas por indivíduos capazes. Já que preservar a autonomia, é um dos direitos fundamentais do homem (CREMESP, s/d). Esse princípio leva em consideração a relação médico-paciente, onde o paciente tem direito a receber todas as informações pertinentes ao seu estado de saúde, assim como ao tratamento que será prescrito, tendo a liberdade de decidir se irá ou não se submeter ao tratamento determinado (CREMESP, s/d). O acatamento do princípio da autonomia, na prática assistencial, é fundamental para a aliança terapêutica entre o profissional da saúde e o enfermo e para a autorização para a efetivação de diagnósticos, tratamentos e procedimentos. Do profissional da saúde é exigido o esclarecimento ao paciente da forma mais abrangente possível, para que ele possa ter uma correta compreensão da situação em que se encontra, o que é fundamental para uma tomada de decisão consciente (LOCH, 2002). De acordo com Loch (2002, p. 4), Esta é a essência do consentimento informado, resultado desta interação médico- paciente. O consentimento informado é uma decisão voluntária, verbal ou escrita, protagonizada por uma pessoa autônoma e capaz, tomada após um processo informativo, para a aceitação de um tratamento específico ou experimentação, consciente de seus riscos, benefícios e possíveis consequências. Logo, o consentimento informado é um modo de relacionamento entre o profissional de saúde e o paciente, onde cabe a esse profissional mostrar as opções, benefícios, riscos e custos dos tratamentos e procedimentos, ajudando o paciente a optar pela alternativa mais benéfica para si (LOCH, 2002). Pág. 16 de 84 Loch (2002, p. 5) afirma que: Existem algumas circunstâncias especiais que limitam a obtenção do consentimento informado: a) a incapacidade: tanto a das crianças e adolescentes como aquela causada, em adultos, por diminuição do sensório ou da consciência, e nas patologias neurológicas e psiquiátricas severas; b) as situações de urgência, quando se necessita agir e não se pode obtê-lo; c) a obrigação legal de declaração das doenças de notificação compulsória; d) um risco grave para a saúde de outras pessoas, cuja identidade é conhecida, obriga o médico a informá-las mesmo que o paciente não autorize; e) quando o paciente recusa-se a ser informado e participar das decisões. Nos casos em que o princípio da autonomia não pode ser exercido pelo paciente, seja porque esse é uma criança ou um deficiente intelectual, ele deve ser desempenhado pela família ou pelo responsável legal. Mas, de modo geral, os pacientes possuem a prerrogativa de decidir sobre as matérias relacionadas ao seu corpo e à sua vida, autorizando os médicos a pratica de qualquer ato (CREMESP, s/d). 1.5.2 O princípio da beneficência Em seu juramento, Hipócrates diz: “Usarei o tratamento para ajudar os doentes, de acordo com minha habilidade e julgamento e nunca o utilizarei para prejudicá-los”. Assim, percebe-se que a excelência profissional é preconizada desde a medicina grega. A beneficência é totalmente ligada à excelência profissional (LOCH, 2002). Potencializar os benefícios e reduzir ao máximo os prejuízos é uma obrigação ética preconizada pelo princípio da beneficência. Logo o profissional deve fazer o bem (ato médico benéfico), se certificando de que a informação e as técnicas utilizadas são as melhores possíveis (CREMESP, s/d). Quando abordado pelas profissões biomédicas, não implica apenas em fazer o melhor para o paciente na abordagem técnico-assistencial, mas também em fazer o melhor do ponto de vista ético. Sempre levar em conta nas decisões a redução dos riscos, buscando ampliar os benefícios, utilizando para isso todos os conhecimentos e habilidade a serviço dopaciente (LOCH, 2002). Pág. 17 de 84 Segundo Loch (2002, p. 3), O princípio da Beneficência obriga o profissional de saúde a ir além da Não Maleficência (não causar danos intencionalmente) e exige que ele contribua para o bem-estar dos pacientes, promovendo ações: a) para prevenir e remover o mal ou dano que, neste caso, é a doença e a incapacidade; e b) para fazer o bem, entendido aqui como a saúde física, emocional e mental. Assim, a beneficência exige ações positivas. O profissional deve atuar de forma a beneficiar seu paciente, avaliando a utilidade da ação e balanceando os benefícios, os riscos e os custos (CREMESP, s/d). 1.5.3 O princípio da não-maleficência O princípio da não-maleficência determina que a ação do profissional de saúde não deve fazer mal, ou seja, cause o mínimo possível de prejuízos ou agravos à saúde do seu paciente (CREMESP, s/d). O primum non nocere, sua versão no latim, estabelece duas premissas: a de socorrer (ajudar) ou a de, ao menos, não causar malefícios. É considerado um dos pilares da tradição hipocrática da ética médica e uma imposição moral aos profissionais de saúde. Logo, é um dever do médico. É o mínimo ético que, se não cumprido, o coloca em circunstâncias de má-prática ou negligência médica (LOCH, 2002). Sua importância se deve ao fato de que nem sempre é possível dissociar os danos de uma ação ou procedimentos moralmente indicados para uma situação. Praticamente toda intervenção diagnóstica ou terapêutica envolve um risco de dano, porém, do ponto de vista ético, o risco pode torna-se plausível pelo benefício que pode gerar. Assim, deve-se avaliar a situação e, conforme o risco da ação se torna maior, mais justificadas devem ser as finalidades do ato (LOCH, 2002). 1.5.4 O princípio da justiça A imparcialidade é requisito primordial na relação médico-paciente. O profissional deve isentar- se de qualquer tipo de julgamento, seja por motivos sociais, culturais, religiosos ou financeiros. Pág. 18 de 84 O princípio da justiça prega a equidade como obrigação ética, onde a cada um é dado o que lhe é devido, em conformidade com o que é moralmente correto. Logo, os recursos devem ser repartidos de forma equilibrada, eficaz e assistir ao máximo de pessoas possível (CREMESP, s/d). A justiça está relacionada com o esforço de se uniformizar as oportunidades de acesso a bens e recursos comuns, de equalizar as relações entre classes sociais. Do ponto de vista filosófico, a justiça é interpretada como uma forma justa, apropriada e equitativa de proteger as pessoas em virtude de algo que lhe é devido ou merecido. Assim, são estabelecidos critérios de merecimento e princípios materiais de justiça fundados em características que tornem relevantes e igualitários esses tratamentos (LOCH, 2002). A cada dia os custos dos serviços de saúde e as dificuldades para acessá-los estão maiores. Assim, os problemas relacionados à justiça social estão gradativamente mais presentes, necessitando a avaliação dos conflitos éticos que aparecem com a dificuldade de uma distribuição justa dos serviços de saúde à população. Nesse nível, a ética visa impedir a discriminação, a marginalização e segregação social, preservando a vida e a integridade das pessoas (LOCH, 2002). Nas palavras de Loch (2002, p. 6), Neste contexto, o conceito de justiça deve fundamentar-se na premissa que as pessoas têm direito a um mínimo decente de cuidados com sua saúde. Isto inclui garantias de igualdade de direitos, equidade na distribuição de bens, riscos e benefícios, respeito às diferenças individuais e a busca de alternativas para atendê-las, liberdade de expressão e igual consideração dos interesses envolvidos nas relações do sistema de saúde, dos profissionais e dos usuários. Saiba mais Artigo analisa e discute a incorporação de referenciais da bioética no atual Código de Ética Médica (CEM), aprovado pelo Conselho Federal de Medicina após dois anos de estudo. A partir de levantamento e análise do novo código foi empreendida análise comparativa aos fundamentos e princípios da bioética. O objetivo foi avaliar quais fundamentos e princípios bioéticos foram incluídos na atual versão do código, buscando-se estabelecer uma reflexão crítica a partir desta investigação. Veja o estudo completo no link: http://www.redalyc.org/html/3615/361533253014/ Pág. 19 de 84 2. BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS FIGURA 5 – Bioética e direitos humanos Fonte: TWStock / shutterstock A Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) possui o Programa de Ética da Ciência e Tecnologia, que tem por objetivo propiciar, nos domínios da ética, reflexões em ciência e tecnologia através de uma metodologia democrática de construção normativa e respeito ao ideal da Unesco, o de uma comunicação séria, com base no respeito aos valores compartilhados e à dignidade de cada civilização e cultura. Mediante o programa, a Unesco proporciona o encontro de grupos de especialistas de respeitada competência para questionar o estado da arte e elaboração de referências sobre os aspectos éticos, legais e sociais provenientes das ciências da vida – em especial a genética – com o intuito de orientar ações em campos essenciais da ética na ciência e tecnologia (CRUZ; OLIVEIRA; PORTILLO, 2010). O Comitê Internacional de Bioética (International Bioethics Committee – IBC) e o Comitê Intergovernamental de Bioética (Intergovernmental Bioethics Committee – IGBC) são a estrutura desse foro de discussão. O IBC, instituído em 1993, é integrado por 36 especialistas autônomos que acompanham a evolução das ciências da vida e seus efeitos, com a finalidade de garantir o respeito pela dignidade e liberdade humana. É tido como o único fórum mundial para ponderação bioética profunda de tópicos vigentes, propiciando incentivos para que cada país, principalmente seus legisladores, pondere sobre as alternativas da sociedade na elaboração ou manutenção de leis nacionais, escolhendo entre numerosas posições (CRUZ; OLIVEIRA; PORTILLO, 2010). Pág. 20 de 84 Já o IGBC foi organizado cinco anos depois, em 1998, e é composto por 36 Estados-membros da Unesco. Seus representantes se congregam ao menos uma vez a cada dois anos para aprofundar os conselhos e recomendações do IBC. O IGBC comunica ao IBC suas concepções e as submete, em conjunto com as propostas de ações do IBC, ao diretor-geral da Unesco, o qual as retorna aos Estados-membros, ao Conselho Executivo e à Conferência Geral (CRUZ; OLIVEIRA; PORTILLO, 2010). 2.1 Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos Na Conferência Geral da Unesco, em outubro de 2005, pela primeira vez na história da bioética, os Estados-membros e à comunidade internacional, comprometeram-se a respeitar e aplicar os princípios fundamentais da bioética condensados na Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (UNESCO, 2006). A Declaração traz, em seu artigo 1º, que A presente declaração trata das questões éticas suscitadas pela medicina, ciências da vida e tecnologias associadas na sua aplicação aos seres humanos, incorporando os princípios que enuncia nas regras que norteiam o respeito pela dignidade humana, pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais levando em conta as suas dimensões social, jurídica e ambiental. Com isso, a bioética é promovida entre os direitos humanos internacionais e se assegura o respeito pela vida dos seres humanos, considerando a correlação que persiste entre a ética e os direitos humanos no domínio especial da bioética (UNESCO, 2006). Em conjunto com a Declaração, a Conferência Geral da Unesco emitiu uma resolução em que pede a todos os Estados-membros para que façam todos os esforços em direção a concretização dos princípios tratados na declaração, garantindo o acompanhamento da declaração e aconselhando a propagação da forma mais ampla possível (UNESCO, 2006). O artigo primeiro da declaração afirma que esta foi dirigida aosEstados, mas que “[...] permite também, na medida apropriada e pertinente, orientar as decisões ou práticas de indivíduos, grupos, comunidades, instituições e empresas, públicas e privadas”. (UNESCO, 2006, art. 1º). A declaração fala também na criação de comitês de ética independentes, multidisciplinares e pluralistas que devem ser instituídos, mantidos e apoiados em nível adequado com o fim de avaliar questões éticas, legais, científicas e sociais relevantes relacionadas a projetos de pesquisa envolvendo seres humanos; aconselhamento sobre problemas éticos em situações clínicas; avaliação dos Pág. 21 de 84 desenvolvimentos científicos e tecnológicos; formulação de recomendações e contribuições para a elaboração de diretrizes sobre temas inseridos no âmbito da declaração e promoção do debate, da educação, da conscientização do público e do engajamento com a bioética (UNESCO, 2006, art. 19º). A declaração ainda preconiza que, para alcançar uma melhor compreensão das implicações éticas dos avanços científicos e tecnológicos, em especial para os jovens, os Estados devem envidar esforços para promover a formação e educação em bioética em todos os níveis, bem como estimular programas de disseminação de informação e conhecimento sobre bioética, estimulando a participação de organizações intergovernamentais, internacionais e regionais e de organizações não-governamentais internacionais, regionais e nacionais neste esforço (UNESCO, 2006, art. 23º). 2.1.1 Objetivos da declaração FIGURA 6 – Objetivos da declaração Fonte: art4all / shutterstock Pág. 22 de 84 A declaração teve por objetivos (UNESCO, 2006): • prover uma estrutura universal de princípios e procedimentos para orientar os Estados na formulação de sua legislação, suas políticas ou outros instrumentos no campo da bioética; • guiar as ações de indivíduos, grupos, comunidades, instituições e empresas públicas e privadas • promover o respeito pela dignidade humana e proteger os direitos humanos, assegurando o respeito pela vida dos seres humanos e pelas liberdades fundamentais, de forma consistente com a legislação internacional de direitos humanos; • reconhecer a importância da liberdade da pesquisa científica e os benefícios resultantes dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos, evidenciando, ao mesmo tempo, a necessidade de que tais pesquisas e desenvolvimentos ocorram conforme os princípios éticos dispostos na declaração e respeitem a dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais; • promover o diálogo multidisciplinar e pluralístico sobre questões bioéticas entre todos os interessados e na sociedade como um todo; • promover o acesso equitativo aos desenvolvimentos médicos, científicos e tecnológicos, assim como a maior difusão possível e o rápido compartilhamento de conhecimento relativo a tais desenvolvimentos e a participação nos benefícios, com particular atenção às necessidades de países em desenvolvimento; • proteger e propiciar os interesses das gerações presentes e futuras; • ressaltar a importância da biodiversidade e sua conservação como uma preocupação comum da humanidade. 2.1.2 Princípios da declaração A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos estabelece como princípios: • Dignidade humana e direitos humanos Esse princípio diz que a dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais devem ser respeitadas em sua totalidade e que os interesses e o bem-estar do indivíduo devem ter prioridade sobre o interesse exclusivo da ciência ou da sociedade (UNESCO, 2006, art. 3º). • Benefício e dano Os benefícios diretos e indiretos a pacientes, sujeitos de pesquisa e outros indivíduos afetados devem ser maximizados, e qualquer dano possível a tais indivíduos deve ser minimizado, quando se trata da aplicação e do avanço do conhecimento científico, das práticas médicas e tecnologias associadas (UNESCO, 2006, art. 4º). Pág. 23 de 84 • Autonomia e Responsabilidade Individual Deve ser respeitada a autonomia dos indivíduos para tomar decisões, quando possam ser responsáveis por essas decisões e respeitem a autonomia dos demais. Devem ser tomadas medidas especiais para proteger direitos e interesses dos indivíduos não capazes de exercer autonomia (UNESCO, 2006, art. 5º). • Consentimento Qualquer intervenção médica preventiva, diagnóstica e terapêutica só deve ser realizada com o consentimento prévio, livre e esclarecido do indivíduo envolvido, baseado em informação adequada. O consentimento deve, quando apropriado, ser manifesto e poder ser retirado pelo indivíduo envolvido a qualquer momento e por qualquer razão, sem acarretar desvantagem ou preconceito. Exceções a este princípio somente devem ocorrer quando em conformidade com os padrões éticos e legais adotados pelos Estados, consistentes com as provisões presentes na Declaração e com os direitos humanos. Em casos específicos de pesquisas desenvolvidas em um grupo de indivíduos ou comunidade, um consentimento adicional dos representantes legais do grupo ou comunidade envolvida pode ser buscado. Em nenhum caso, o consentimento coletivo da comunidade ou o consentimento de um líder da comunidade ou outra autoridade deve substituir o consentimento informado individual (UNESCO, 2006, art.6º). Para indivíduos sem a capacidade de consentir devem receber proteção especial. A autorização para pesquisa e prática médica deve ser obtida no melhor interesse do indivíduo envolvido e de acordo com a legislação nacional. Não obstante, o indivíduo afetado deve ser envolvido, na medida do possível, tanto no processo de decisão sobre consentimento assim como sua retirada (UNESCO, 2006, art.7º). A pesquisa só deve ser realizada para o benefício direto à saúde do indivíduo envolvido, estando sujeita à autorização e às condições de proteção prescritas pela legislação e caso não haja nenhuma alternativa de pesquisa de eficácia comparável que possa incluir sujeitos de pesquisa com capacidade para fornecer consentimento (UNESCO, 2006, art. 7º). Pesquisas sem potencial benefício direto à saúde só devem ser realizadas excepcionalmente, com a maior restrição, expondo o indivíduo apenas a risco e desconforto mínimos e quando se Pág. 24 de 84 espera que a pesquisa contribua com o benefício à saúde de outros indivíduos na mesma categoria, sendo sujeitas às condições prescritas por lei e compatíveis com a proteção dos direitos humanos do indivíduo. A recusa de tais indivíduos em participar de pesquisas deve ser respeitada (UNESCO, 2006, art. 7º). • Respeito pela vulnerabilidade humana e pela integridade individual A vulnerabilidade humana deve ser levada em consideração na aplicação e no avanço do conhecimento científico, das práticas médicas e de tecnologias associadas. Indivíduos e grupos de vulnerabilidade específica devem ser protegidos e a integridade individual de cada um deve ser respeitada (UNESCO, 2006, art. 8º). • Privacidade e confidencialidade A privacidade dos indivíduos envolvidos e a confidencialidade de suas informações devem ser respeitadas. Com esforço máximo possível de proteção, tais informações não devem ser usadas ou reveladas para outros propósitos que não aqueles para os quais foram coletadas ou consentidas, necessitando, também, estarem em conformidade com o direito internacional, em particular com a legislação internacional sobre direitos humanos (UNESCO, 2006, art.9º). • Igualdade, justiça e equidade “A igualdade fundamental entre todos os seres humanos em termos de dignidade e de direitos deve ser respeitada de modo que todos sejam tratados de forma justa e equitativa.” (UNESCO, 2006, art. 10). • Não-discriminação e não-estigmatização “Nenhum indivíduo ou grupo deve, em circunstância alguma, ser submetido, em violação da dignidade humana, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, a uma discriminação ou a uma estigmatização.” (UNESCO, 2006, art.11). • Respeito peladiversidade cultural e pelo pluralismo A diversidade cultural e o pluralismo devem receber a devida consideração. Todavia, tais considerações não devem ser invocadas para violar a dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais nem os princípios dispostos na declaração, tampouco para limitar o escopo destes (UNESCO, 2006, art. 12). Pág. 25 de 84 • Solidariedade e cooperação “A solidariedade entre os seres humanos e a cooperação internacional nesse sentido devem ser incentivadas” (UNESCO, 2006, art. 13). FIGURA 7 – A solidariedade entre os seres humanos e a cooperação internacional nesse sentido devem ser incentivadas (UNESCO, 2006, art. 13) Fonte: Moopixel / shutterstock • Responsabilidade social e saúde A promoção da saúde e do desenvolvimento social para a sua população é objetivo central dos governos, partilhado por todos os setores da sociedade. Considerando que usufruir o mais alto padrão de saúde atingível é um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça, religião, convicção política, condição econômica ou social, o progresso da ciência e da tecnologia deve ampliar: o acesso a cuidados de saúde de qualidade e a medicamentos essenciais, incluindo especialmente aqueles para a saúde de mulheres e crianças, uma vez que a saúde é essencial à vida em si e deve ser considerada como um bem social e humano; o acesso à nutrição adequada e à água de boa qualidade; a melhoria das condições de vida e do meio ambiente; a eliminação da marginalização e da exclusão de indivíduos por qualquer que seja o motivo e a redução da pobreza e do analfabetismo (UNESCO, 2006, art. 14). • Compartilhamento de benefícios Os benefícios resultantes de qualquer pesquisa científica e suas aplicações devem ser compartilhados com a sociedade como um todo e, no âmbito da comunidade internacional, com os países em desenvolvimento, em especial. Para dar efeito a esse princípio, os benefícios podem assumir quaisquer das seguintes formas: Pág. 26 de 84 a) Ajuda especial e sustentável e reconhecimento aos indivíduos e grupos que tenham participado de uma pesquisa; b) Acesso a cuidados de saúde de qualidade; c) Oferta de novas modalidades diagnósticas e terapêuticas ou de produtos resultantes da pesquisa; d) Apoio a serviços de saúde; e) Acesso ao conhecimento científico e tecnológico; f) Facilidades para geração de capacidade em pesquisa; g) Outras formas de benefício coerentes com os princípios dispostos na presente Declaração. Os benefícios não devem constituir indução inadequada para estimular a participação em pesquisa (UNESCO, 2006, art. 15). • Proteção das gerações futuras “As repercussões das ciências da vida sobre as gerações futuras, nomeadamente sobre a sua constituição genética, devem ser adequadamente tomadas em consideração” (UNESCO, 2006, art. 16). • Proteção do meio ambiente, da biosfera e da biodiversidade Devida atenção deve ser dada à inter-relação de seres humanos com outras formas de vida, à importância do acesso e utilização adequada de recursos biológicos e genéticos, ao respeito pelo conhecimento tradicional e ao papel dos seres humanos na proteção do meio ambiente, da biosfera e da biodiversidade (UNESCO, 2006, art. 17). 3. BIOÉTICA E PESQUISA COM SERES HUMANOS FIGURA 8 – Bioética e pesquisa com seres humanos Fonte: joker1991 / shutterstock Pág. 27 de 84 Entende-se como o início simbólico das ciências experimentais as investidas de Galileu no século XVI na pesquisa da verdade por meio da experimentação e da análise dos fatos, desvinculando-se da realidade passada pela Igreja. Vários ramos da ciência originaram-se das ciências experimentais (FREITAS; HOSSNE, s/d). Em dois séculos a Revolução Científica se mostrou consolidada. Seu ritmo mostrou-se ainda mais acelerado no século XX, com duas novas revoluções, a atômica, nos primeiros 50 anos, e a molecular, na segunda metade do século, a qual se vive atualmente (FREITAS; HOSSNE, s/d). A revolução científica e a quantidade de pesquisadores em ação significam inovação permanente e progressiva de novos saberes e novas tecnologias que se designam ao homem e irão impactá-lo de modo direto e indireto, visto que a primeira aplicação do conhecimento ou da tecnologia no ser humano é, no fundo, uma experimentação (FREITAS; HOSSNE, s/d). A realização de diversas metas necessita de vários aspectos ligados à pesquisa científica, entre eles a experimentação em seres humanos. A evolução do conhecimento, no pretérito e no porvir, está profundamente ligada à necessidade de investigação do desempenho e da reação do corpo e da mente humanas (OLIVEIRA; ANJOS FILHO, 2006). A começar do final do século XIX, iniciou-se a pesquisa de forma científica com humanos vivos, sujeita a técnicas e procedimentos de aprovação e justificação. Isso se deve à vinculação da medicina com a investigação científica, passando-se assim a utilizar humanos saudáveis nas pesquisas. Instaura-se, assim, a fase científica da medicina. A pesquisa clínica começa a submeter-se aos princípios científicos e metodológicos da ciência experimental, acarretando em uma troca de hierarquia entre ato clínico e pesquisa clínica. Inicialmente, preconizava-se que nada que não fosse clínico podia ser explicado como experimental e, a partir desse momento, passa a ocorrer exatamente o contrário: apenas o empírico pode ser justificado como clínico, ou seja, como diagnóstico ou terapêutico (SCHRAMM; PALÁCIOS; REGO, 2008). Juntamente com os questionamentos epistemológicos estão os questionamentos éticos, uma vez que a gnose é feita por cientistas e pesquisadores que compartilham seus saberes com outros atores, podendo influenciá-los positiva ou negativamente, necessitando assim prestar conta de suas ações (SCHRAMM; PALÁCIOS; REGO, 2008). Dessa forma, na era da investigação científica, ter apenas uma boa intenção e a certeza de que as pesquisas e experiências feitas com humanos poderão ser utilizadas pela ciência não são Pág. 28 de 84 premissas suficientes, embora sejam necessárias e codificadas na deontologia para se assegurar do real benefício do ato médico. Este precisa ainda ser atestado por evidências e provas objetivas, construídas de forma pragmática e avaliadas conforme a ética. Assim, todas as pesquisas que envolvem seres humanos, além de precisar passar por um tribunal de fidedignidade científica, necessitam passar por uma instância de julgamento ético para se saber se são sustentadas ou não (SCHRAMM; PALÁCIOS; REGO, 2008). ACONTECEU Em 1966, o professor de anestesiologia da Faculdade de Medicina de Harvard, Henry Beecher, publicou um artigo intitulado Ethics and clinical research, que denunciava 22 casos de pesquisas de baixo nível ético com seres humanos. Esse artigo deu início à discussão sobre os princípios éticos e no consentimento informado nas pesquisas com seres humanos. Saiba mais, no artigo Henry Beecher e a gênese da bioética: Disponível em: http://www.repositorio.unb.br/bitstream/10482/16177/1/ARTIGO_HenryBeecherGeneseBioetica.pdf O estudo em seres humanos não é, portanto, uma novidade. Vem ocorrendo ao longo dos anos e propiciando questionamentos éticos de grande importância, pois nem sempre o tratamento das pessoas submetidas às pesquisas foi correto (OLIVEIRA; ANJOS FILHO, 2006). Apesar das pesquisas serem antigas, apenas em 1947 foram estabelecidas as primeiras normas reguladoras da pesquisa em seres humanos. Tais normas apareceram com o julgamento dos crimes de guerra nazistas, quando se tomou conhecimento dos acontecimentos abusivos da experimentação, designados como crimes contra a humanidade. Nasce, assim, o Código de Nüremberg, que estipula os regulamentos fundamentais das pesquisas em seres humanos, predizendo a necessidade do consentimento voluntário, a obrigação de estudos prévios em laboratórios e em animais, o exame de riscos e benefícios da investigação alegada, a autonomia do sujeitoda pesquisa em permanecer ou deixar o projeto e a adequada qualificação científica do pesquisador, entre outros pontos (FREITAS; HOSSNE, s/d). Um ano após o Código de Nüremberg foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento de grande relevância que, conquanto seja de caráter geral, engloba direitos que não devem ser esquecidos quando da experimentação com humanos. É o caso da dignidade, da igualdade e da liberdade. A declaração apresenta correlação direta com os princípios da Bioética (OLIVEIRA; ANJOS FILHO, 2006). Pág. 29 de 84 Apesar de tudo que foi pactuado no Código de Nuremberg e na Declaração Universal, inúmeras violações persistiram, até mesmo em países signatários. Um exemplo foi a pesquisa sobre sífilis entre 1932 e 1973, em Tuskegee, no condado de Macon (Alabama, Estados Unidos). A pesquisa realizada com investimentos federais continuou mesmo após os compromissos feitos. Durante a pesquisa, negros e pobres achavam que estavam recebendo tratamento, quando na verdade eram estudados e nada lhes era receitado, sendo cobaias para que os cientistas acompanhassem o progresso da doença, muito embora já houvessem medicamentos desenvolvidos (OLIVEIRA; ANJOS FILHO, 2006). FIGURA 9 – Tribunal de Nuremberg Fonte: http://www.xlsemanal.com/wp-content/uploads/sites/3/2016/11/2613626049_72a7678111_b-768x506.jpg Beecher, na década de 60, alertou sobre as inúmeras pesquisas que continuavam a ser publicadas em revistas médicas de grande prestígio e que era feitas com experimentação humana de forma eticamente inadequada (FREITAS; HOSSNE, s/d). Os avanços tecnológicos, cada vez mais rápidos, reverberaram nas questões éticas, forçando novas e periódicas revisões. O Código de Nüremberg foi atualizado em 1964 na 18ª Assembleia da Associação Médica Mundial, onde também foi aprovada a Declaração de Helsinque, que estabeleceu a necessidade de reavaliação dos protocolos por comitê autônomo. Sua revisão ocorreu nos anos 70, em Tóquio, na década de 80, em Veneza e Hong Kong e, em 1996, na 48ª Assembleia Geral, que aconteceu em Somerset West, República da África do Sul. Apesar das inúmeras atualizações, permaneceu conhecida como Declaração de Helsinque, onde se firmam as normas para a pesquisa médica sem fins terapêuticos (FREITAS; HOSSNE, s/d). Pág. 30 de 84 Segundo Oliveira e Anjos Filho (2006), Outros textos e documentos que tratam da pesquisa merecem referência, como: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966;57 o intitulado “Diretrizes Internacionais para a pesquisa biomédica em seres humanos”, elaborado conjuntamente pela Organização Mundial da Saúde e pelo Council for International Organizations of Medical Sciences (1993); a Declaração de Manila (1981); a Declaração de Princípios Éticos dos Médicos do Mercosul (1996); a Declaração Bioética de Gijón (2000); e a Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos, da Unesco (2005). As diretrizes internacionais para a pesquisa biomédica em seres humanos foram estabelecidas na década de 80 pelo Council for International Organizations of Medical Sciences (CIOMS), em conjunto com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em um documento traduzido para a língua portuguesa pelo Ministério da Saúde. Em 1993, esse documento foi atualizado e publicado sendo posteriormente publicado pela revista Bioética, do Conselho Federal de Medicina (CFM). Também nos anos 90, o CIOMS publica o primeiro documento particularmente voltado para as pesquisas epidemiológicas, o International Guidelines for Ethical Review of Epidemiological Studies (FREITAS; HOSSNE, s/d). No Brasil, a normatização se dá, principalmente, através de resoluções do Conselho Federal de Medicina e do Conselho Nacional de Saúde. A Resolução CNS nº 1, de 13 de junho de 1988, do Conselho Nacional de Saúde, é notória por ser o primeiro documento oficial brasileiro que buscou regulamentar as normas da pesquisa em saúde (FREITAS; HOSSNE, s/d). Nas palavras de Freitas e Hossne (s/d), Em 1995, sete anos após a aplicação da Resolução CNS nº 1/88, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) decidiu pela revisão da mesma, com o objetivo de atualizá-la e preencher lacunas geradas pelo desenvolvimento científico. Um Grupo Executivo de Trabalho (GET), integrado por representantes de diversas áreas sociais e profissionais, contando com o apoio de médicos, teólogos, juristas, biólogos, engenheiros biomédicos, empresários e representantes de usuários elaborou uma nova resolução (CNS nº 196/96) que estabelece as normas de pesquisa envolvendo seres humanos. A resolução traz a conceituação de diversos termos e conceitos essenciais à bioética, como pesquisa, pesquisa envolvendo seres humanos, protocolo de pesquisa, pesquisador responsável, instituição de pesquisa, promotor, patrocinador, risco da pesquisa, dano associado ou decorrente da pesquisa, sujeito da pesquisa, consentimento livre e esclarecido, indenização, ressarcimento, comitês de ética em pesquisa (CEP), vulnerabilidade e incapacidade (OLIVEIRA; ANJOS FILHO, 2006). Pág. 31 de 84 De acordo com Freitas e Hossne (s/d), alguns pontos dessa resolução merecem destaque: • A inclusão dos princípios básicos da bioética (não-maleficência, beneficência, autonomia, justiça, equidade, sigilo, privacidade); • A sua amplitude, que abarca normas para qualquer tipo de pesquisa, de diversas áreas do conhecimento e não apenas da biomedicina, sejam elas individuais ou coletivas - estudos de comunidades, pesquisas epidemiológicas, envolvendo ou não os seres humanos, de forma direta ou indireta, em sua integralidade ou partes dele, inclusive no manejo de informações ou materiais; • O impedimento de qualquer tipo de remuneração, podendo, no entanto, serem ressarcidas as despesas e pagas indenizações (direito indeclinável) aos participantes da pesquisa; • A ampliação do conceito de risco para a probabilidade de danos nas esferas física, psíquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano; • A necessidade de se respeitar a dignidade do ser humano de forma global e de se conseguir o consentimento livre e esclarecido dos indivíduos participantes, protegendo grupos vulneráveis e impedindo a dependência, a subordinação, a coação ou a intimidação; • O resguardo à imagem, a não-estigmatização, o respeito à confidencialidade e à privacidade nas pesquisas em grupos, assim como o respeito aos valores culturais; • A obrigação de motivação para o uso do placebo; • A delineação das medidas para o acompanhamento, tratamento ou orientação, de acordo com o caso, nas pesquisas de rastreamento, com a evidenciação do predomínio dos benefícios sobre os riscos e custos; • A restrição do uso de material biológico e dos dados obtidos na pesquisa para a finalidade prevista no protocolo; • A imposição de se informar aos comitês de ética, nos casos de descontinuidade do projeto de pesquisa; • A obrigatoriedade do regresso dos benefícios à coletividade pesquisada, bem como a necessidade de que os sujeitos obtenham às vantagens da pesquisa; • A magnitude e importância do consentimento livre e esclarecido, destacando a necessidade de esclarecimentos, em linguagem acessível, a todos os sujeitos da pesquisa, e preservando- se o direito à recusa e o direito de ter cópia do termo assinado; • A normatização das pesquisas em pessoas com diagnóstico de morte encefálica e em comunidades culturalmente diferenciadas; • A necessidade de exposição do projeto ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da instituição, para avaliação; • A constituição da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), órgão máximo na área, ligado ao Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde. Pág. 32 de 84 Outro ponto importante é a regulamentação pela Resolução dos Comitês de Ética e Pesquisa (CEPs), que têm como principal função a avaliação do protocolo da pesquisa, em todas as suas particularidades, o que foi um notávelavanço em direção a construção dos critérios éticos (OLIVEIRA; ANJOS FILHO, 2006). FIGURA 10 – Inclusão dos princípios básicos da bioética (não-maleficência, beneficência, autonomia, justiça, equidade, sigilo e privacidade) Fonte: Africa Studio / shutterstock Outro ponto interessante foi o reforço do controle ético e a defesa da dignidade da pessoa humana com a instituição da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), que exerce a direção e o orientação dos comitês. Em conformidade com a resolução, a comissão é um foro colegiado de natureza consultiva, deliberativa, normativa e independente vinculada ao Conselho Nacional de Saúde. Essa vinculação é altamente satisfatória, uma vez que a opção de sujeitá-la a outros órgãos poderia dar chance para uma malquista politização dos seus participantes, o que poderia afetar sua independência (OLIVEIRA; ANJOS FILHO, 2006). Saiba mais A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), diretamente ligada ao Conselho Nacional de Saúde (CNS), foi criada através da Resolução 196/96 e tem a função de implementar normas e diretrizes regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos aprovadas pelo Conselho e atualmente com uma rede de comitês de Ética em Pesquisa (CEP). A Conep e os CEPs têm composição multidisciplinar, com participação de pesquisadores, estudiosos de bioética, juristas, profissionais de saúde, profissionais das ciências sociais, humanas e exatas e representantes de usuários. Conheça o site oficial neste link e saiba mais: http://conselho.saude.gov.br/Web_comissoes/conep/aquivos/ conep/atribuicoes.html Pág. 33 de 84 Como já citado, um dos pontos cruciais do Código de Nüremberg foi o direito dos participantes da pesquisa serem previamente e adequadamente informados de suas consequências, criando com isso a necessidade do consentimento do sujeito da pesquisa e/ou de seu representante legal após a explanação detalhada sobre o tipo da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios imaginados, possíveis riscos e o incômodo que ela possa gerar. A anuência deve ser manifestada através de em um termo de consentimento, onde é consentida a participação voluntária na pesquisa. Fora isso, não deve estar viciada por simulação, fraude ou erro, muito menos ser conseguida através de uma situação de dependência, subordinação ou intimidação (OLIVEIRA; ANJOS FILHO, 2006). Essa disposição advém do acolhimento ao princípio da autonomia, que é ligado à capacidade de autodeterminação e autoescolha, e depreende, dentre outros enunciados, a capacidade do sujeito da pesquisa entender todos os fatores envolvidos, especialmente os riscos e os danos possíveis (OLIVEIRA; ANJOS FILHO, 2006). Se a habilidade de autodeterminação da pessoa ou do grupo objeto de estudo for diminuta, principalmente em relação ao consentimento livre e esclarecido, seja pelo motivo que for, classifica- se como uma situação de vulnerabilidade, o que obriga ao pesquisador cuidados éticos especiais. Essa preocupação encontra suporte legal no Código de Nüremberg, na Declaração de Helsinque, nas Diretrizes Internacionais para a Pesquisa Biomédica Envolvendo Seres Humanos e na Resolução 196/96. O problema maior em relação a indivíduos e comunidades vulneráveis é quanto à sua possibilidade de entendimento (autonomia plena) sobre a pesquisa e possibilidade de livremente autorizar a experimentação e se achar por bem dela desistir, o que explica todos os cuidados nesse sentido (OLIVEIRA; ANJOS FILHO, 2006). A vulnerabilidade pode alcançar uma única pessoa ou um conjunto de seres humanos com as mesmas particularidades, como é o caso de crianças, idosos, índios, pacientes terminais, desempregados, deficientes, presidiários e outros que estão em condições de dependência. Nesses casos, nem sempre essas pessoas têm capacidade civil para dar o seu consentimento estando em estado de incapacidade. Desse modo o experimento só pode continuar com a intervenção de seus representantes legais, que, em conformidade com a legislação brasileira, deverão assistir ou representar os incapazes. Também nesses casos o pesquisador precisa ter cautelas éticas redobradas (OLIVEIRA; ANJOS FILHO, 2006). Pág. 34 de 84 SAIBA MAIS Conheça as definições de diversos termos e conceitos indispensáveis à bioética disponíveis na Resolução CNS nº 196/96. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/web_comissoes/conep/aquivos/resolucoes/23_out_versao_final_196_ ENCEP2012.pdf 3.1 A bioética e sua repercussão na pesquisa genética FIGURA 11 – A bioética e sua repercussão na pesquisa genética Fonte: NicoElNino / shutterstock A cada dia, temos novas descobertas no mundo científico: uso de novos métodos de investigação, técnicas científicas, novas formas de tratamento e medicamentos mais poderosos que possibilitam o tratamento e a cura de doenças. Assim, a ciência e os seus avanços vêm contribuindo para a melhora na qualidade de vida dos humanos (CRUZ, 2011). Porém, com esses avanços surgem diversas discussões na esfera da ética. Uma delas é com relação ao patrimônio genético, que envolve as pesquisas que propõem a manipulação de ácidos nucléicos para gerar novas combinações e a criação de bancos de dados genéticos (CARDOSO; WARSZAWIAK, 2016). Entre a década de 60 e 70, os avanços científicos receberam bastante encorajamento pelos retornos que traziam a sociedade. São dessa época, segundo Maluf (2010, p. 8) apud Cardoso e Warszawiak (2016, p. 59), “[...] a criação das UTI’s, a realização dos primeiros transplantes, o Pág. 35 de 84 diagnóstico da morte cerebral, as descobertas da psicofarmacologia, o diagnostico pré-natal e alguns avanços no conhecimento dos mecanismos imunológicos de rejeição”. Outro importante acontecimento foi a implementação do Projeto Genoma Humano, que possibilita ao homem um maior conhecimento sobre si e sobre as heranças biológicas. O projeto pretendia fazer o mapeamento do genoma humano para se conseguir a sequência de genes, o que contribuiria nos estudos biológicos e no diagnóstico de doenças provenientes de falhas genéticas (MALUF, 2010 apud CARDOSO; WARSZAWIAK, 2016). De acordo com Goldim e Matte (2002), As doenças genéticas são incuráveis, mas algumas têm tratamento. Em vários casos existem genes que aumentam os fatores de risco para outras doenças. Entre os adultos com doenças crônicas, 10% tem algum problema de origem genética, e 33% das internações pediátricas tem problemas genéticos associados. Em 1996, eram conhecidas 564 doenças genéticas, em 1992 era 3307 doenças caracterizadas. No início do século XX, 3% das mortes perinatais eram devidas a causas genéticas, já na década de 90 este valor atingiu 50%. Com as informações produzidas pelo Projeto Genoma Humano, o número de doenças caracterizadas como tendo componente genético tende a aumentar. FIGURA 12 – Charge sobre o genoma humano Fonte: Daniel Paz, em https://image.slidesharecdn.com/gentica-140118104407- phpapp02/95/gentica-17-638.jpg?cb=1390041932 Pág. 36 de 84 De acordo com Maluf (2010, p.70) apud Cardoso e Warszawiak (2016, p. 66): Diversos países iniciaram projetos com o genoma humano e dentre estes os maiores se desenvolveram na Alemanha, Áustria, Brasil, Canadá, China, Coreia, Dinamarca, Estados Unidos, França, Holanda, Israel, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia e Suécia. Em 1990 o Projeto Genoma Humano contava com a colaboração de mais de 5.000 cientistas, integrantes de 250 laboratórios diferentes, dispondo de um orçamento variado de US$ 3 bilhões a US$ 5 bilhões. FIGURA 13 – Pontos importantes sobre o projeto genoma humano Fonte: Tokimatu (2016), http://www.blogs.ea2.unicamp.br/tb-of-life/wp- content/uploads/sites/60/2016/08/chart_human_genome.png Um dos benefícios provenientes do término desse projeto é a possibilidade de se diagnosticar e tratar doenças graves, de forma prévia, antes mesmo do surgimento dos sintomas, apenas pela constituição genética da pessoa. Ao mesmo tempo que esses avançostrazem esperança, trazem medo, pois a manipulação genética pode ajudar no prolongamento e na melhoria da vida humana, mas também pode ser uma porta para a prática de experimentos atípicos e que geram controvérsias em relação à ética e ao respeito da dignidade do ser humano. Outro ponto de discussão é o preconceito que pode ser gerado pelo conhecimento prévio dos genes do indivíduo, uma vez que pode dificultar ou até mesmo impossibilitar algumas pessoas de conseguirem empregos ou seguros de saúde por suas condições genéticas. Por isso, todo esse debate deve ser feito com cuidado para se ter um equilíbrio entre os malefícios e os benefícios que essas conquistas podem ocasionar (CRUZ, 2011). Pág. 37 de 84 Para ajudar com esse equilíbrio nos impactos sociais gerados por essas descobertas, em 1997 o Comitê Internacional de Bioética da Unesco produziu a da Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos do Homem (CARDOSO; WARSZAWIAK, 2016). Em seu prefácio, a Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direito do Homem (UNESCO, 2001) diz: Acredito que um leitor, ao deparar-se com a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, adotada pela Conferência Geral da UNESCO em sua 29° sessão (1997), será impactado por dois aspectos. Primeiramente, pela abrangência do texto que, num contexto científico e político marcado por questões polêmicas como a manipulação do genoma humano, a clonagem humana e os transgênicos, afirma ou reafirma princípios e valores intangíveis. Em segundo lugar, pelos inúmeros e diferentes atores envolvidos, graças a diversos fatores: a natureza inerente ao assunto que, como todas as questões éticas, situa-se na interface entre várias disciplinas; a universalidade de seu enfoque, que deverá ser enriquecido por um debate público envolvendo todos os membros da sociedade; a diversidade de contextos econômicos, sociais e culturais nos quais se enraíza o pensamento ético ao redor do mundo. Isso porque a reflexão de cada indivíduo se desenvolve conforme sua própria natureza, plasmada por sua história e suas tradições (legais, políticas, filosóficas, religiosas, etc.). Aconteceu Estudo tem como objetivo analisar as normas relativas á ética da pesquisa em seres humanos contidas nas instruções aos autores de revistas científicas brasileiras com base em 139 revistas, sendo que “[...] 110 (79,1%) não fazem referências aos aspectos éticos; 17 (12,2%) exigem aprovação prévia pela Comissão de Ética; três (2,1%) fazem referência à Declaração de Helsinque; uma (0,7%) recomenda adotar o consentimento esclarecido; cinco (3,5%) seguem orientações dos requisitos uniformes para manuscritos submetidos a revistas biomédicas e três (2,1%) seguem princípios, normas e padrões éticos não especificados. Nas 29 revistas que fazem referências à ética, as exigências são solicitadas sob as seguintes formas: 15 (51,7%) exigem a inclusão da informação no texto do artigo; duas (6,8%) pedem carta assinada pelos autores; uma (3,4%) solicita cópia da autorização da Comissão de Ética; uma (3,4%) afirma supor que o autor cumpriu as exigências e dez (34,4%) não fazem qualquer referência específica. CONCLUSÕES: Os resultados do estudo indicam que na maioria das revistas científicas brasileiras há pouca preocupação em relação aos aspectos éticos da pesquisa em seres humanos, contidas nas Instruções aos Autores. Nas revistas que fazem referência aos aspectos éticos, as exigências são muito variáveis.” Tenha acesso ao estudo completo link: https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/11209/S0104- 42301999000400003.pdf?sequence=1&isAllowed=y Como o progresso técnico e científico da biologia e da genética vinha se intensificando, era necessário que os princípios trazidos nessa declaração tivessem aplicabilidade o mais rápido possível. Por isso, em 1999, na 30º sessão da Conferência Geral da Unesco, foram aprovadas as Pág. 38 de 84 Diretrizes para a implementação da Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos (CARDOSO; WARSZAWIAK, 2016). Em 2003, foi produzida a Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos, onde se concebeu que recolhimento, utilização e o modo de conservação dos dados genéticos têm elevada importância na questão capital, sendo de relevada singularidade para o progresso da ciência (CARDOSO; WARSZAWIAK, 2016). Já em 2005, os princípios basilares da bioética, foram compilados na Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos durante a Conferência Geral da Unesco, que tem como seus princípios prima facie os princípios da dignidade da pessoa humana e dos direitos humanos, recomendando o benefício aos pacientes, a autonomia individual, o respeito à vulnerabilidade e integridade do ser humano (CARDOSO; WARSZAWIAK, 2016). Segundo Cardoso e Warszawiak (2016, p. 68), a declaração tem como objetivos essenciais Ordenar um arcabouço de princípios que possam guiar os Estados quanto à elaboração de suas legislações internas e outros instrumentos decorrentes da bioética, guiar atos de sujeitos, da sociedade e de empresas, levar em consideração a seriedade do conceito de liberdade em pesquisas genéticas, mas, estas pesquisas deverão seguir os preceitos éticos, agenciar o discurso da interdisciplinaridade e pluralismo da bioética, além de dar relevância a conservação da biodiversidade da humanidade. A bioética também possui ligação com os “direitos da personalidade, que são os direitos personalíssimos e os direitos sobre o próprio corpo. Direitos tidos como essenciais ao desenvolvimento do ser humano, estabelecidos pela doutrina atual, como direitos absolutos, sendo impossibilitados de faculdade de disposição” (MALUF, 2010, p. 37). Assim, o sigilo da carga genética é um direito personalíssimo, sendo protegido de qualquer imposição e curiosidade provenientes da ciência (CARDOSO; WARSZAWIAK, 2016). Para proteger o direito à intimidade e à confidencialidade que decorre desta, há princípios bioéticos que resguardam a integridade moral dos seres humanos (CARDOSO; WARSZAWIAK, 2016). Segundo Maluf (2010 apud CARDOSO; WARSZAWIAK, 2016, p. 69), [...] a informação genética difere-se das demais porque liga-se às futuras gerações, no sentido que transmitem-se diversas anomalias através da informação genética; à confidencialidade (dos seus dados genéticos, salvo se ligar-se diretamente ao trabalho a ser desenvolvido); à autonomia individual (deriva do sigilo médico, no Pág. 39 de 84 sentido em que a estrutura genômica do indivíduo não pode ser divulgada sem seu consentimento); à justiça (o acesso ao mercado de trabalho liga-se mais a meritocracia do que à estrutura genética do indivíduo); ao princípio da não maleficência (refere- se ao segredo genético e à opção de qualquer indivíduo de realizar ou não os testes genéticos para admissão no emprego, não impedir o crescimento profissional em face da carga genética. Os testes genéticos devem ser realizados somente em situações diretamente relacionadas ao exercício profissional). FIGURA 14 – Utilização de dados genéticos Fonte: Andrea Danti / shutterstock A utilização de dados genéticos sem uma sistematização é uma ofensa aos direitos à personalidade, assim como aos princípios éticos da bioética, principalmente porque o genoma humano em seu estado natural é patrimônio comum, não podendo ser usado para fins comerciais, nem as pesquisas a ele atinentes podem prevalecer sobre a dignidade humana, os direitos personalíssimos nem os direitos humanos (MALUF, 2010 apud CARDOSO; WARSZAWIAK, 2016, 69.). Em relação ao direito personalíssimo ao próprio corpo, tem-se a visão filosófica de que o indivíduo encontra duas fraquezas. A primeira apresenta-se no acaso imposto a seu corpo, que lhe confere Pág. 40 de 84 a identidade, e a segunda na forma com que o sujeito se enxerga como elemento proveniente da interação com outros sujeitos que influenciam na sua vida privada (CARDOSO; WARSZAWIAK, 2016). Assim,a bioética age no contexto do direito da personalidade alusivo ao corpo, buscando uma interpretação ética quanto às escolhas pertinentes a manifestação deste direito (CARDOSO; WARSZAWIAK, 2016). Cruz (2011), afirma que A discussão bioética relacionada ao genoma humano envolve as questões acerca da proteção da dignidade da pessoa humana em contextos relacionados ao uso indiscriminado da manipulação genética, a privacidade dessa informação genética e o justo uso dessa informação. Mais especificamente, a bioética ocupa-se de diversas situações de interesse a sociedade, como o início e o fim da vida humana, as pesquisas em seres humanos, técnicas de engenharia genética, terapias gênicas, aborto eugênico, limites da manipulação genética, interferência no código genético para eliminação de doenças, limites a alterações gênicas das células germinais, eleição do sexo do descendente antes da concepção, clonagem de seres humanos, esterilização compulsória, utilização de DNA recombinante, uso de células-tronco, a natureza humana dos embriões, discriminação com fundamento no genótipo do indivíduo. No que diz respeito à bioética, resumidamente, o seu intuito é o de harmonizar o direito, em sua acepção constitucional, infraconstitucional e internacional, com os valores éticos e a viabilidade de pesquisas em relação às manipulações da genética humana (CARDOSO; WARSZAWIAK, 2016). É necessário se conseguir um ponto de equilíbrio em face do indivíduo, prezando-se pela dignidade da pessoa humana, pela sociedade e pelo meio ambiente, buscando estabelecer – por consenso – quais seriam os limites para os avanços da ciência, simultaneamente ao desejo da população por uma melhor qualidade de vida, preservando-se a fauna, flora e o ecossistema (MALUF, 2010 apud CARDOSO; WARSZAWIAK, 2016). A bioética, nesta esfera, busca a harmonia entre o direito do sujeito e a necessidade de se realizar novas descobertas científicas a favor da coletividade. Assim, na questão genética, faz-se necessária a utilização da bioética como critério limitador para se evitar que práticas abusivas se concretizem (CARDOSO; WARSZAWIAK, 2016). Pág. 41 de 84 ATIVIDADE REFLEXIVA Uma consulente vem procurar um serviço de aconselhamento genético para diagnóstico pré-natal. O levantamento da genealogia mostrou que seu pai é hemofílico, o que significa que ela é portadora deste gene e, portanto, um feto do sexo masculino terá uma probabilidade de 50% de ser afetado. Entretanto, o estudo de DNA da consulente e de seus pais revela uma situação de falsa paternidade. O suposto pai hemofílico não é o seu pai biológico. Do ponto de vista genético, isto significa que a consulente não é portadora do gene da hemofilia, não existindo risco para esta ou futuras gestações. Para refletir: É eticamente adequado revelar esta informação? A quem deve ser dado este resultado? Disponível em: https://www.ufrgs.br/bioetica/hemofili.htm 4. A BIOÉTICA E A REPRODUÇÃO HUMANA FIGURA 15 – A bioética e a reprodução humana Fonte: Nixx Photography / shutterstock Atualmente, a reprodução humana provoca diversos debates, por possuir um forte componente religioso, moral e ético. É um assunto delicado que envolve um dogma muito influente que vem desde o início da era cristã, onde é dada uma conotação divina ao tema. Durante aproximadamente dois mil anos, a discussão sobre a reprodução foi totalmente proibida ou cerceada a um grupo de pensadores e filósofos que desafiavam o dogma estabelecido (PEDROSA NETO; FRANCO JÚNIOR, s/d). A reprodução humana, devido à grande persuasão das religiões, era vista como uma manifestação divina, logo, não poderia ser discutida pelo homem muito menos sofrer qualquer tipo de interferência humana, pois isto seria uma afronta a Deus. Esse dogma persistiu por anos de forma coercitiva e Pág. 42 de 84 ainda hoje pode ser percebido, o que dificulta os debates sobre o tema (PEDROSA NETO; FRANCO JÚNIOR, s/d). O processo “biotecnocientífico” se dá de forma acelerada, o que impossibilita que os valores e referências sejam comuns a todos, a menos que estes sejam impostos. Por isso, o ideal é que se chegue a um meio termo, onde se tenha um conjunto de normas compatíveis com diversos pontos de vista, evitando-se assim conflitos radicais. Para isso, é necessário que se estabeleça debates públicos sobre os temas de interesse comum (PEDROSA NETO; FRANCO JÚNIOR, s/d). A grande questão com relação à manipulação da vida humana não está apenas no uso de tecnologias inovadoras ainda não assimiladas moralmente pela população, e sim o controle dessas tecnologias. Esse controle não deve ser científico ou técnico, e sim ético. Não se pode ignorar a ética na ciência, para que esta não se torne uma arma perigosa para o futuro da humanidade (PEDROSA NETO; FRANCO JÚNIOR, s/d). 4.1 Reprodução assistida Para se falar em reprodução assistida (RA), primeiramente é necessário falar sobre a separação entre procriação e sexo. Essa separação teve início nos anos de 1960, com a revolução feminina e a propagação de métodos contraceptivos que liberam as mulheres da necessidade da reprodução (MACHADO, 2016). Com o controle da fecundidade pela medicina, veio a liberdade de se viver a sexualidade, produzindo assim novos costumes sociais. A reprodução deixa de ser uma imposição e passa a ser uma escolha, pois a mulher já não sofre mais a ameaça irremediável de engravidar ao se relacionar sexualmente com um homem (MACHADO, 2016). Porém, com o controle da reprodução, ao mesmo tempo que se ganha a liberdade sexual, também surgem os problemas de infertilidade. Isso ocorre pois, com a possibilidade de adiamento da maternidade, muitas mulheres só vêm a ter vontade de ser mãe no período em que a taxa de fecundidade sofre uma queda, uma vez que a maternidade ainda está diretamente ligada com a idade biológica da mãe (MACHADO, 2016). Pág. 43 de 84 Segundo Camargo (2009 apud MACHADO, 2016, p. 59), A associação de causas de infertilidade é frequente, principalmente a concomitância de fatores. Seriam estes: fatores masculinos, fatores ovulatórios, fator cervical, corporal, infertilidade sem causa aparente. E a disseminação de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), que a partir da revolução sexual, é algo a ser considerado, pois muitas delas incapacitam os aparelhos reprodutores femininos e masculinos (MACHADO, 2016). A fecundidade humana ultrapassa os limites biológicos pois está intrincada em uma rede de desejos e demandas socioculturais. Essa condição é restritiva, o que vem mudando com a reprodução humana assistida (RHA) (MACHADO, 2016). FIGURA 16 – Inseminação artificial Fonte: http://www.gine3.com/es/images/articulos/repro/inseminacion_artificial-min.jpg Segundo Badalotti (2010, p. 478), Um entre cada seis casais apresenta infertilidade. No Brasil, tomando-se como referência a população do censo de 2000 (aproximadamente 170 milhões de habitantes), estamos falando de 6,5 milhões de pessoas, de 500 mil novos casais inférteis ao ano. Para 20% dos casais inférteis, o único caminho para obter gestação – e, consequentemente, filhos – é a reprodução assistida (RA), que é um conjunto de técnicas laboratoriais que visa a obter uma gestação, substituindo ou facilitando uma etapa deficiente no processo reprodutivo. Na fertilização in vitro (FIV), uma técnica da reprodução assistida, a fertilização e o desenvolvimento inicial dos embriões são feitos fora do corpo da mãe. Posteriormente, os embriões resultantes são introduzidos no útero. A fertilização pode ocorrer de forma comum pela aproximação de óvulos e espermatozoides ou através da injeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICSI) (BADALOTTI, 2010). Pág. 44 de 84 A técnica é utilizada nas situações em que a mulher está com problemas irreversíveis no tubário, em casos de fator masculino severo, endometriose, fator imunológico e infertilidade sem causa. De acordo com o Badalotti (2010, p. 479), “O índicemédio de gravidez em laboratórios qualificados gira em torno de 20-50% por ciclo, de acordo com a idade feminina – quanto maior a idade, menor é a chance de gravidez.” Para que a autonomia do casal seja respeitada é necessário o consentimento informado. Por tanto, é preciso que o casal seja completamente esclarecido sobre o método e as alternativas para tratamento, bem como sobre as probabilidades de sucesso e riscos envolvidos (BADALOTTI, 2010). O ponto crucial do debate ético do tema está relacionado com o status moral do embrião e com a resposta para a pergunta: “quando começa a vida humana?”. Nesse ponto que surgem as controvérsias, uma vertente afirma que a vida começa com a fertilização, logo o embrião tem status de pessoa e é merecedor dos mesmos direitos, devendo ser respeitado e protegido como tal. Duas premissas baseiam tal afirmação: a primeira é de que o embrião potencialmente se tornará uma pessoa e a segunda é de que ele está vivo e tem o direito de assim permanecer. A outra vertente é a de que o embrião não é nada mais que um conjunto de células, logo deve ser tratado como qualquer grupo celular. Há ainda os que defendem que o embrião tem um status especial, mas nem por isso é necessário defende-lo como a uma pessoa (BADALOTTI, 2010). De acordo com Badalotti (2010, p. 482), “em 1985, os procedimentos de RA foram considerados científica e eticamente justificados pela Academia Suíça de Ciências Médicas, se existissem chances reais de sucesso e risco aceitável”. O Conselho Federal de Medicina (CFM), na Resolução 1.358/92, ratifica a reprodução assistida nos casos de infertilidade e impede fertilização in vitro com finalidades distintas da reprodução humana (BADALOTTI, 2010). Saiba mais O vídeo descreve como é feito a fertilização in vitro, mostrando a inseminação artificial em 3D. Assista a animação: https://youtu.be/eVH2iJrzGgs Pág. 45 de 84 4.2 A seleção de embriões FIGURA 17 – Inseminação artificial Fonte: Alex Mit / shutterstock. A seleção embrionária é feita pelo diagnóstico pré-gestacional (PGD), que consiste no exame do material genético do embrião. Essa análise visa inicialmente o diagnóstico de problemas genéticos, mas pode ser útil também para seleção de embriões com característica imunológica estipulada que possa ser utilizada em seres humanos já nascidos (TELÖKEN; BADALLOTI, 2002). Quem defende a seleção embrionária alega que é melhor se ter um diagnóstico pré-implantacional do que implantar embriões comprometidos ou indesejados, evitando, assim, que a gravidez seja interrompida durante o pré-natal por motivo de má-formação fetal. Outro argumento é a diminuição de abortos e infanticídios por conta do sexo do bebê, uma vez que esse é conhecido previamente (TELÖKEN; BADALLOTI, 2002). As questões éticas do uso do PGD recaem sobre duas vertentes principais. A primeira é ligada a prática em si, visto que a manipulação de embriões pode causar lesões e morte embrionária. A segunda é eticamente ainda mais complicada, pois gera a eliminação de embriões “defeituosos”, por meio da seleção genética. Nos casos de seleção, apesar de oferecer vantagens ao casal com risco de doença genética, a manipulação dos embriões pode acarretar lesões e morte embrionária. Nas situações de PGD para a seleção imunológica, o problema ético é que o embrião passa a ser um meio, deixando de ter razão por si só (TELÖKEN; BADALLOTI, 2002). Pág. 46 de 84 A American Society for Reproductive Medice (ASRM) sugere que não se faça o PGD apenas para escolher o sexo da criança, uma vez que poderia simbolizar a disfunção dos recursos médicos para as imprescindibilidades da ciência fidedigna, além de representar um perigo social. No entanto, a ASRM julga que o diagnóstico pré-implantacional a fim de evitar problemas genéticos é eticamente aceitável por não se tratar de discriminação, e sim de uma forma de assegurar a saúde humana (TELÖKEN; BADALLOTI, 2002). O Conselho Federal de Medicina brasileiro estipula que pode ser feito o diagnóstico pré-implantacional, porém é obrigatório o consentimento informado do casal (TELÖKEN; BADALLOTI, 2002). Saiba mais “Erros cromossômicos numéricos são comuns durante as primeiras etapas do desenvolvimento embrionário humano, contribuem significativamente com processos de falta de implantação e são causadores da perda gestacional recorrente em pelo menos 50 por cento dos abortos ocorridos no primeiro trimestre. Tradicionalmente, a prevenção das anomalias genéticas cromossômicas em pacientes de alto risco é realizada por exames pré-natais, como a biópsia do vilo coriônico, aminiocentese e a cordocentese. Uma vez diagnosticada a anomalia, não existe tratamento eficaz para portadores de aberrações genéticas e a interrupção da gestação nestes casos ainda é ética e legalmente questionável. O diagnóstico genético pré-implantacional (DGPI) representa uma ferramenta valiosa aos casais de alto risco, por permitir a seleção de embriões saudáveis obtidos através de programas de fertilização in vitro antes de estes serem transferidos para um útero materno.” Saiba mais sobre esse processo no link a seguir: http://pesquisa.bvs.br/aps/resource/pt/lil-534073 4.3 O congelamento embrionário FIGURA 18 – Disponibilidade de embriões congelados Fonte: crystal light / shutterstock Pág. 47 de 84 Ao se fazer a reprodução assistida, cerca de um terço das pacientes criam embriões excedentes com o intuito de utilizá-los nos casos em que não ocorra a gravidez ou se desejarem uma nova gravidez, evitando passar novamente pelo ciclo de indução da ovulação. Esses embriões excedentes na maioria dos casos são congelados (TELÖKEN; BADALLOTI, 2002). Do ponto de vista ético, o congelamento gera inúmeras discussões, visto que fere a dignidade do embrião. O índice de sobrevivência dos embriões pós-congelamento é entre 70 e 80%, sendo assim há uma grande perda de embriões no processo.(TELÖKEN; BADALLOTI, 2002). Não há estudos quanto à viabilidade embrionária em relação ao tempo de criopreservação. Anteriormente, o tempo máximo de congelamento era de três anos. Depois, esse tempo foi ampliado em cinco anos, porém, hoje já existem crianças nascidas de embriões congelados há dez anos. Logo, o tempo de permanência dos embriões congelados e o seu abandono tornam-se um problema (TELÖKEN; BADALLOTI, 2002). O Conselho Federal de Medicina, na Resolução CFM nº 2.121/2015, que adota as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida, expressa que os embriões excedentes precisam ser criopreservados, não devendo ser descartados ou destruídos, e estipula que, no momento da criopreservação, os cônjuges precisam expressar por escrito seu desejo quanto ao destino dos embriões em caso de divórcio, doença grave ou falecimento de um ou ambos e quando pretendem doá-los (TELÖKEN; BADALLOTI, 2002). Os casais, ao assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), podem escolher o destino dos embriões: a disponibilização para pesquisas de célula-tronco, a doação para outro casal infértil ou, após cinco anos, o descarte dos embriões (MACHADO, 2016). Quanto à doação, especificamente consta na Resolução do CFM de nº. 2.121/2015, nas normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida, IV: Doação de gametas ou embriões 1 - A doação nunca terá caráter lucrativo ou comercial. 2 - Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa. 3 - Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador. Pág. 48 de 84 4 - As clínicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter, de forma permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celulardos doadores. 5 - Na região de localização da unidade, o registro dos nascimentos evitará que um (a) doador (a) venha a produzir mais do que uma gestação de criança de sexo diferente numa área de um milhão de habitantes. 6 - A escolha dos doadores é de responsabilidade da unidade. Dentro do possível deverá garantir que o doador tenha a maior semelhança fenotípica e imunológica e a máxima possibilidade de compatibilidade com a receptora. 7 - Não será permitido ao médico responsável pelas clínicas, unidades ou serviços, nem aos integrantes da equipe multidisciplinar que nelas trabalham participar como doador nos programas de RHA. (CFM, 2015). As resoluções do Conselho Federal de Medicina são de suma importância, visto que o Brasil não possui uma lei ordinária sobre o assunto. As resoluções estabelecem as normas éticas a serem utilizadas nos procedimentos médicos relativos à utilização das técnicas de reprodução assistida. Com o surgimento de novos desafios, o CFM fica responsável pelas discussões bioéticas e pela elaboração de novas resoluções, reavaliando as anteriores, ficando ao seu cargo as normas éticas para utilização dessas técnicas (MACHADO, 2016). 4.4 Aborto FIGURA 19 – Aborto Fonte: Lightspring / shutterstock Pág. 49 de 84 De acordo com Sandi e Braz (2010, p. 132), “em virtude da maioria dos casos ocorrerem na clandestinidade e em condições insalubres, o aborto induzido e ilegal é a quarta causa de mortalidade materna no Brasil.” Por isso, é considerado um problema de saúde pública, visto que implica uma grande quantidade de complicações e sequelas em alguns casos evitáveis, dentre elas a infertilidade e até mesmo a morte (SANDI; BRAZ, 2010). Conforme Diniz e Almeida (1998), Apesar de difícil mensuração, uma vez que o aborto é considerado crime em inúmeros países, calcula-se que a taxa mundial de abortos por ano esteja entre 32 e 46 abortos por 1000 mulheres na idade de 15 a 44 anos, havendo uma enorme variação entre os países, a depender da prevalência dos métodos anticonceptivos, de sua eficácia e das leis e políticas relativas ao aborto. Em consonância com Organização das Nações Unidas (ONU), são feitos cerca de um milhão de abortos por ano no Brasil, e apenas 15% são provenientes de causas espontâneas, ocasionando, nos últimos cinco anos, 1,2 milhão de internações por problemas decorrentes de abortos ilegais, índice apontado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) (SANDI; BRAZ, 2010). Este número é sempre subestimado, uma vez que é impossível mensurar com precisão as taxas de aborto induzido e os fatores psicossociais a ele ligados em virtude da sua ilegalidade e das diferenças de condições em que é realizado devido às desigualdades socioeconômicas. Grande parte dos estudos só registra os casos em que ocorrem complicações, comumente de mulheres de baixa renda, visto que são feitos em hospitais e clínicas da rede pública de saúde (SANDI; BRAZ, 2010). As repercussões de se fazer um aborto para a saúde da mulher podem ser físicas ou psíquicas. Os prejuízos físicos, isto é, as iatrogenias, tais como as perfurações uterinas com atingimento de órgãos adjacentes, hemorragias e infecções que podem levar a sequelas ou a morte, são diretamente relacionados com o fato do procedimento não ser realizado por profissionais de saúde em condições apropriadas. Como os danos psicoemocionais se apresentam de maneira prévia ou tardia ao cometimento, as mulheres que escolhem pelo aborto precisam de suporte psicológico para enfrentar a perda (SANDI; BRAZ, 2010). A migração de mulheres para países em que a prática do aborto é legalizada vem se tornando comum. A legalização do aborto acarreta na diminuição do percentual de complicações, pois viabiliza que o processo seja feito de forma precoce e no sistema de saúde, sob condições adequadas (SANDI; BRAZ, 2010). Pág. 50 de 84 No Brasil ainda não existem pesquisas que observem a taxa de arrependimento e os fatores psicoemocionais de mulheres que cometeram o aborto e dos motivos e danos ligados à decisão (SANDI; BRAZ, 2010). Em razão da submissão a práticas mais precárias e inseguras pela impossibilidade de pagar o preço de clínicas clandestinas e por uma dificuldade maior em conseguir atendimento adequado nos casos de complicações, as mulheres de baixo poder socioeconômico têm um percentual de morbimortalidade pós-aborto muito maior (SANDI; BRAZ, 2010). Outro ponto a ser observado é a disparidade na distribuição das mortes entre as etnias negra e branca. As mulheres negras, em relação às mulheres brancas, apontam taxas mais elevadas de morte por motivos externos, problemas na gravidez e no parto, distúrbios mentais e causas mal definidas. Conquanto essa verificação pareça óbvia, visto que grande parte população brasileira menos favorecida socioeconomicamente é formada por negros e pardos, demonstra-se que a ilegalidade do aborto colabora fortemente para a falta de distribuição igualitária e justa dos métodos de controle reprodutivo entre as mulheres das múltiplas camadas sociais e de diferentes etnias, opondo-se ao princípio bioético de justiça, assim como à equidade (SANDI; BRAZ, 2010). No que diz respeito à escolaridade, evidencia-se a relação direta entre o nível de escolaridade e o aborto, sendo que, quanto maior for tempo de estudo que a mulher tem, maior é a probabilidade de que, em casos de gravidez indesejada, ela realize o aborto. Este fato é provavelmente relacionado à maior independência dessas mulheres, o que as torna mais conscientes na busca pelo direito à liberdade reprodutiva, por sofrerem menos pressão da família, do parceiro, das condições socioeconômicas, da religião e do consenso moral da sociedade, o que leva a concluir que suas decisões em relação ao aborto são mais autônomas (SANDI; BRAZ, 2010). O principal motivo relacionado à indução do aborto é a gravidez indesejada. A criminalização do aborto fere direitos fundamentais das mulheres, como o direito à saúde, à autonomia e à maternidade livre e voluntária (SANDI; BRAZ, 2010). Segundo Sandi e Braz (2010, p. 138), Como segundo fator, deve-se considerar a violência de gênero e, particularmente, a violência doméstica, frequente em nossa sociedade, causa de alterações na sexualidade não somente pela violência física e psicológica, coexistentes na maioria dos casos, mas também pela violência sexual – o estupro doméstico –, que não é facilmente identificável como tal sequer pelas próprias vítimas. Esse fato, além de expor a mulher a problemas psicossexuais e ao risco de contrair doenças sexualmente Pág. 51 de 84 transmissíveis (DST), pode ter como consequência a gravidez não planejada e, portanto, possivelmente indesejada, pois pode ocorrer num contexto totalmente adverso de sua vida conjugal ou até mesmo contra a sua vontade. A terceira variável que influencia o aborto provém do patriarcalismo. Em razão desse influxo, em suas crenças e atitudes, as mulheres tornam-se submissas aos seus parceiros, passando a figurar como vítimas de violência moral, física e/ou sexual, repetidamente (SANDI; BRAZ, 2010). Outro fator contribui para decisão pelo aborto é o alcance aos métodos contraceptivos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (apud SANDI; BRAZ, 2010, p. 139), “a prevalência do uso de métodos contraceptivos e a taxa de aborto relacionam-se inversamente”. Em confluência com Sandi e Braz (2010, p. 139): Também devem ser considerados fatores relacionados à distribuição regional. Alguns estudos evidenciam que a ocorrência de abortos provocados se dá tanto em regiões menos desenvolvidas economicamente como em áreas metropolitanas, onde há mais acesso à informação e às clínicas clandestinas. Essa distribuição, centralizada em algumas regiões, parece ser característica dos países com desigual distribuição de renda e recursos ofertados pelo governo às diversas regiões, possuindo duas condições diferentes para a ocorrência do aborto inseguro e suas complicações:1) nos grandes centros, onde, apesar do acesso à informação ser maior, não há acesso ao planejamento adequado da gravidez, embora existam mais recursos para o tratamento das complicações; 2) nas áreas rurais, onde há menos informação e os recursos são mais escassos tanto para o planejamento adequado como para o tratamento das complicações. Portanto, o ponto principal de desigualdade entre essas regiões está na maior acessibilidade a meios mais adequados para o tratamento das complicações, já que as mulheres residentes em áreas mais pobres ou subdesenvolvidas possuem maior chance de ficarem mais gravemente enfermas e, assim, maior possibilidade de morrer por não receberem o tratamento necessário no momento adequado. Por último, mas não menos importante, é necessário se levar em conta a influência da moral religiosa. Esse fator está diretamente relacionado às elevadas taxas de incidência de complicações e morte por aborto induzido, pois leva a mulher a fazer o procedimento às escondidas, para garantir sua privacidade e não sofre o julgamento do senso moral da sociedade (SANDI; BRAZ, 2010). Pág. 52 de 84 FIGURA 20 – É necessário levar em conta a influência religiosa Fonte: MIA Studio / shutterstock Nota-se que muitos conflitos vividos pelas mulheres diante de uma gestação indesejada, embora sejam particulares, apresentam consonância e independem de questões socioeconômicas. Por exemplo: • O conflito moral (realizar ou não o aborto?), que demonstra o conflito presente entre a sacralidade da vida humana e a qualidade da sua própria vida; • Os pontos que direcionam a decisão a favor ou contra. Um dos pontos cruciais para se decidir a favor é a falta de apoio do parceiro ou da família. Aqui se percebe a importância da independência da mulher na tomada de decisão. • Quando resolve pelo aborto: como fazê-lo? É crime. Como agir frente ao problema? Logo se vê o confronto entre o princípio da justiça, ligado à liberdade nas escolhas sexuais e reprodutivas, e a norma legal proibitiva ou restritiva. Esses pontos estabelecem a discussão ética em relação ao aborto induzido e clandestino, pois evidenciam a contraposição dos princípios bioéticos como a sacralidade da vida, a qualidade de vida, a autonomia, a beneficência, a não maleficência e a justiça (SANDI; BRAZ, 2010). Percebe-se claramente o poder da Igreja Católica sobre a sexualidade, quando esta permeou a mudança de pensamento em relação ao aborto, ao classificá-lo como pecado. Assim como o aborto, o uso de contraceptivos foi classificado por Santo Agostinho como pecado contra o sacramento do matrimônio. Com essa classificação, institui-se uma nova moralidade baseada na sacralidade da vida humana, onde a vida é protegida e impedida de ser interrompida por motivos alheios à vontade divina (SANDI; BRAZ, 2010). Pág. 53 de 84 De acordo com Sandi e Braz (2010, p. 141), O princípio da sacralidade da vida originou-se nas tradições religiosas orientais (principalmente o hinduísmo) e na judaico-cristã, e não perde a importância quando a moral e o direito se separam da religião, pois parece estar relacionado ao imperativo do dever não matar, que não somente protege e promove a vida humana, mas proíbe qualquer ação que prejudique os outros. A problemática envolvendo esse princípio está no consenso de quando inicia a vida humana (SANDI; BRAZ, 2010). A primeira alegação é a de que o feto é pessoa humana desde a fecundação, opondo-se à ideia de que o feto tem a potencialidade de se tornar pessoa humana (DINIZ; ALMEIDA, 1998). Dessa maneira, surgem questões que abarcam a norma moral de não matar. A gravidez indesejada não é um estado de exceção na vida da mulher? Por que o direito à vida pode ser relativizado em estados como os de legítima defesa, em guerras, em campos de concentração, e não nos casos de aborto? Mas, com o ponto de vista de que a gestação é sagrada e fundamentando-se no princípio da sacralidade da vida, a biopolítica se coloca desfavorável ao aborto, não se importando com as causas que direcionam a vontade da mulher em cometê-lo (SANDI; BRAZ, 2010). Sandi e Braz (2010, p.143) afirmam: O princípio da qualidade de vida, que é o principal contraponto ao princípio da sacralidade da vida, determina um valor para a vida humana, ou seja, para ser digna de ser vivida deve possuir qualidades históricas e socioculturais. Desse ponto de vista, a mulher já se encontra inserida no mundo com suas relações sociais e culturais que devem ser preservadas. O axioma que funda esse princípio é a preservação da qualidade de vida da mulher, haja vista que o embrião ou feto não possui essas relações e, no caso da gestação indesejada, não existe sequer a primeira relação que poderia lhe ser atribuída, que seria com a mãe. Portanto, a vida da mulher agrega graus maiores de qualidade a serem preservados do que a dos embriões ou fetos – mas a esse princípio ainda não converge o reconhecimento universal. O princípio da qualidade de vida levanta algumas questões, como: qual seria o conceito de uma vida que vale a pena ser vivida? Quem define esse significado? Esses contrastes aparecem principalmente devido ao papel histórico e cultural desenvolvido pelas mulheres ao longo dos séculos (SANDI; BRAZ, 2010). Para que um ato seja considerado genuinamente moral, ele deve ser realizado por uma escolha autêntica e autônoma. Logo, levando-se em conta a qualidade de vida, a mulher deveria poder escolher com liberdade (SANDI; BRAZ, 2010). Pág. 54 de 84 A autonomia é o poder de se autodeterminar, de estar livre de controles externos e internos. É um princípio prima facie da bioética. Segundo Sandi e Braz (2010, p.143), “[...] as duas condições básicas para o exercício da autonomia são: a liberdade externa e a agência ou liberdade interna (isto é, o sujeito tem que agir intencionalmente).” Logo, ainda se vê a dificuldade de as mulheres expressarem autonomia diante de seus parceiros (SANDI; BRAZ, 2010). Assim, no Brasil, o aborto apresenta duas abordagens. Primeiro, o avanço tecnocientífico vivido nas últimas décadas permite o diagnóstico cada vez mais cedo de malformações fetais e doenças genéticas que impossibilitam a vida fora do útero, como é o caso da anencefalia. Com isso surgiram inúmeros processos jurídicos pedindo a permissão para a interrupção voluntária dessas gestações, em um país em que o aborto induzido é criminalizado. A interrupção da gravidez nesses casos é um procedimento com indicações médicas que busca o bem-estar da gestante, e não o aborto de fetos potencialmente viáveis, que é o ponto principal da discussão do aborto. Mesmo assim, tais situações iniciaram debates no Congresso Nacional, no Supremo Tribunal Federal (STF) e na mídia, englobando profissionais múltiplas áreas e a sociedade civil a respeito não só do aborto dos fetos inviáveis, mas também da ampliação da lei ou da descriminalização dessa prática (SANDI; BRAZ, 2010). Destarte, em 2007, aconteceu, no Congresso Nacional, o debate do projeto de lei para descriminalização do aborto (PL 1.135/91). A eficácia da implantação dos programas de planejamento familiar, o melhor acesso dos casais aos métodos contraceptivos e a maior qualidade dos serviços de atendimento à mulher e à gestante foram utilizados como argumento contrários à sua aprovação enquanto medidas capazes em reduzir de forma eficaz as taxas de morbimortalidade materna. Os motivos dados como as causas responsáveis pela maior vulnerabilidade das mulheres durante a gestação e que ocasionam em um maior risco de morte são: desinformação, baixa escolaridade, desnutrição, baixa renda, discriminação étnica, ausência de amparo familiar ou do parceiro e grau de exposição à violência doméstica. Entretanto, esses fatores também estão ligados à gestação indesejada e, consequentemente, à prática do aborto, e tornam notórias a relação entre a desigualdade socioeconômica, a dificuldade no acesso aos serviços de saúdee o maior estado de instabilidade das mulheres frente a uma gestação indesejada (SANDI; BRAZ, 2010). Desse modo, percebe-se uma dupla abordagem em relação ao aborto: uma voltada para a visão do aborto enquanto problema de saúde pública; outra, voltada para uma abordagem bioética que promove a imparcialidade do pensar ético acerca da temática (SANDI; BRAZ, 2010). Pág. 55 de 84 O problema da moralidade do aborto, portanto, é histórica e culturalmente contextualizado. Seja pela diversidade legal em relação tema, seja pela grande quantidade de argumentos, o aborto é uma das questões mais controversas da bioética exatamente porque apresenta inúmeros dilemas morais, e nem sempre para estes existe soluções imediatas (SANDI; BRAZ, 2010). 4.5 Clonagem De acordo com Telöken e Badalloti (2002, p. 103), Clonagem é uma forma assexuada de reprodução, onde o indivíduo gerado tem a carga genética (DNA nuclear) de uma única pessoa (o doador do DNA). O processo combina o DNA de um organismo com o citoplasma do óvulo de outro [Figura 18]. Desta forma, o indivíduo clonado tem o DNA nuclear igual ao do doador do núcleo, enquanto que o DNA mitocondrial é proveniente do óvulo.” FIGURA 21 – Esquema da técnica da clonagem reprodutiva Células somáticas Enucleação Injeção do núcleo MII Fonte: Badalotti (2010). Alguns argumentos contrários à clonagem são os de que ela acarretaria na duplicação, diminuindo a diversidade dos indivíduos, além de condenar o futuro do novo indivíduo ao passado do indivíduo original. Outro argumento é o direito à “identidade genética”, de que cada pessoa tem o direito de Pág. 56 de 84 ter seu próprio patrimônio genético. Logicamente esse não é um direito absoluto, visto que gêmeos idênticos apresentam a mesma identidade genética e nem por isso tem “menos identidade” ou menor valor. Alguns afirmam que os gêmeos univitelinos são clones sobre a Terra, que eles têm a mesma informação genética mas as pessoas os reconhecem como indivíduos diferentes, não ocasionando a eles problema com suas individualidades. Porém, a diferença primordial entre gêmeos e clones é que os primeiros dividem uma nova identidade genética gerada ao acaso, enquanto que a identidade genética do clone é escolhida por quem doaria o DNA (ou por quem escolhe a célula usada) (TELÖKEN; BADALLOTI, 2002). Certos autores consideram que a clonagem poderia ser utilizada em duas hipóteses: se um dos parceiros não tiver células germinativas e não houver consonância no tocante à doação de gametas e em casais com grande risco dos filhos herdarem doenças hereditárias, que não optam por fazer biópsia pré-implantacional e descartar embriões afetados. Nessas hipóteses, a gama de ambiguidades introduzidas no relacionamento familiar por um clone de um dos pais e a confusão emocional que poderia ser gerada – não somente na criança – precisa ser observada (TELÖKEN; BADALLOTI, 2002). A clonagem reprodutiva em humanos está proibida em nível mundial (TELÖKEN; BADALLOTI, 2002). Saiba mais Para reflexão, leia o artigo “Bioética e Biodireito: revolução biotecnológica, perplexidade humana e prospectiva jurídica inquietante” Acesse: http://www.egov.ufsc.br:8080/portal/sites/default/files/bioetica_e_biodireito_revolucao_biotecnologica_ perplexidade_humana_e.pdf Pág. 57 de 84 5. BIOÉTICA – OUTROS TEMAS POLÊMICOS 5.1 Transplantes FIGURA 22 – Transplantes Fonte: KieferPix / shutterstock Diversos são os questionamentos éticos em torno do tema transplante de órgãos. Eles recaem acerca da proveniência do material transplantado, da espécie de procedimento realizado e da origem desses órgãos. Segundo Goldin (2005), “quanto à origem, os órgãos podem ser oriundos de outras espécies animais (xenotransplante), de seres humanos vivos (alotransplante intervivos) ou mortos (alotransplante de doador cadáver).” Em se tratando de órgãos originários de seres humanos e sua forma de obtenção, o fator principal é a proteção à voluntariedade e espontaneidade da doação. Há duas vertentes nesse caso. Deve-se assegurar que o indivíduo é dono de seu corpo e portanto o único que pode decidir dispor de seus órgãos ou se o bem comum está acima da vontade pessoal, sendo possível a requisição dos órgãos de cadáveres. Outra discussão é quanto ao tipo de procedimento. Os transplantes iniciaram-se com os órgãos internos, porém, hoje, já são feitos transplantes de mão e até mesmo transplante parcial de face (GOLDIM, 2005). Atualmente o número de doadores de órgão é insuficiente. Isso se deve à pouca conscientização das pessoas, às notícias sensacionalistas sobre o tráfico de órgãos e à falta de programas com o intuito de esclarecer a população e incentivar a doação de órgãos, o que gera também a perda de potenciais doadores e acaba por estender o sofrimento de quem precisa da doação. Outro Pág. 58 de 84 fator limitante é onerosidade do processo, o que o torna inacessível a maior parte dos brasileiros (PESSALACIA; CORTES; OTTONI, 2011). O assunto gera impasses legais, humanitários e culturais que influem diretamente na vida do receptor, no porvir da ciência fundada em progressos, nas investidas para a descoberta de novas técnicas para cura e de formas de tratamento para várias doenças (PESSALACIA; CORTES; OTTONI, 2011). Mesmo com todas as dificuldades, o programa de transplantes brasileiro é uma referência mundial de saúde pública, sendo um sistema evoluído, organizado, igualitário e justo. De acordo com Ferrazzo et al. (2016, p. 8) “o Brasil é o segundo país do mundo em número de transplantes realizados por ano e, destes, mais de 90% ocorrem pelo Sistema Único de Saúde (SUS)”. Segundo o Registro Brasileiro De Transplantes (RBT) de 2016, em seu resumo comparativo dos números de doação de órgãos e transplantes, dos anos 2015 e 2016, o Brasil obteve aumento de 3,5%, atingindo 14,6 doadores por milhão de população (pmp). Cinco estados destacaram-se na doação de órgãos (percentual em relação a 2015): Paraná com 30,9 pmp, mostrando um aumento de 42%; Santa Catariana com 36,8 pmp, apresentando um aumento de 22%; Rio Grande do Sul com 25,2 pmp, em um aumento de 15%; Ceará com 24,9 pmp; com um aumento de 6%, e o Distrito Federal, um destaque negativo, com 25,7 pmp, apresentando queda de 9,5% em relação ao ano anterior (ABTO, 2017). Os números dos estados citados estão próximos dos países com destaque na doação como Espanha (39,7 pmp), Croácia (39,0 pmp), Bélgica (32,4 pmp), Portugal (28,6 pmp) e EUA (28,5 pmp) (ABTO, 2017). Pelos dados é possível perceber uma disparidade geográfica. Enquanto a Região Sul do país tem 30,1 doadores pmp, a Região Norte possui apenas 3,5 doadores pmp; já a Região Sudeste possui 15,5 pmp; a Região Nordeste, 9,9 pmp, e a Região Centro-Oeste, 9,6 pmp. Alguns estados não registraram nenhuma doação de órgãos em 2016, são eles: Roraima, Tocantins, Mato Grosso e Amapá (ABTO, 2017). Ainda segundo o RBT, houve leve redução na recusa familiar no país, porém o índice ainda é alto. Hoje, 43% das famílias brasileiras entrevistadas não autorizam a doação dos órgãos, em 2015 esse Índice era de 44% (ABTO, 2017). Pág. 59 de 84 FIGURA 23 – Transplante no Brasil Fonte: sfam_photo / shutterstock Apesar do número de transplantes estar aumentando, ele não se dá na mesma escala que o número de pessoas que precisam de um transplante. Por isso, a falta de órgãos ainda é o maior empecilho para as equipes transplantadoras em todo o país (LIMA, 2012). Ferrazo (2016, p. 7) afirma que: “Para além da complexidade técnica e orçamentária dos transplantes, tem sido questionado o “direito social” ou “direito humano” à saúde, no sentido das disparidades existentes nas demandas de investimento em saúde em diferentes países, em um mesmo país ou, ainda, dentro de uma mesma cobertura de serviço em saúde. Logo, na perspectiva da acessibilidade aos recursos em saúde, a Bioética permite enxergar o direito à saúde com lentes que considerem asvariáveis sociais, que permeiam o dia a dia de uma população, no sentido de atribuir igual importância às necessidades sanitárias e de tratamento à saúde. Em 1997, foi aprovada pelo Congresso Nacional, após uma longa discussão, a Lei de Transplantes (Lei 9.434/97), que alterava a forma de obtenção para consentimento presumido. A legislação anteriormente vigente (Lei 8.489/92 e o Decreto 879/93) estabelecia o critério da doação voluntária. (GOLDIM, 2005). Porém, em março de 2001, houve uma nova mudança nos dispositivos da Lei 9.434 através da Lei 10.211, que “dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento”. Pág. 60 de 84 Na Lei 10.211: Art. 1o Os dispositivos adiante indicados, da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, passam a vigorar com a seguinte redação: “Art. 2o ................................................................. “Parágrafo único. A realização de transplantes ou enxertos de tecidos, órgãos e partes do corpo humano só poderá ser autorizada após a realização, no doador, de todos os testes de triagem para diagnóstico de infecção e infestação exigidos em normas regulamentares expedidas pelo Ministério da Saúde.” (NR) “Art. 4o A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte.” Assim, a legislação é clara e requer o consentimento da família para remover, em pessoas falecidas, os órgãos e tecidos para transplante, ou seja, a doação somente acontece após autorização do responsável legal (PESSALACIA; CORTES; OTTONI, 2011). Nos casos de doação de órgão de doadores vivos, o direito à autonomia é relativizado pela deliberação da equipe que o assiste, uma vez que é necessário para a concretização do transplante a avaliação do clínico e a presença do cirurgião para que aconteça a operação. Logo, o julgamento é baseado em um binômio, onde de um lado está o desejo do doador e do outro a equipe médica incumbida da cirurgia. Esse fato é de grande relevância, tendo em vista que essa é a única cirurgia de grande porte realizada em pessoas sadias, sendo portanto questionável, do ponto de vista ético, a realização dessas cirurgias sem a indicação médica, mesmo que os riscos de mortalidade e morbidade sejam baixos (ABTO, 2008). Segundo o Decreto n. 879/93, e mantido pela Lei 9.434/97: Art. 12. É permitido à pessoa maior e capaz, dispor, gratuitamente, de tecidos, órgãos ou partes do próprio corpo vivo para fins humanitários, e terapêuticos. § 1° A permissão prevista neste artigo limitar-se-á à doação entre avós, netos, pais, filhos, irmãos, tios, sobrinhos, primos até segundo grau inclusive, e entre cônjuges. § 2° A doação entre pessoas não relacionadas no § 1° somente poderá ser realizada após autorização judicial. § 3º A doação referida ao caput deste artigo somente será permitida quando se tratar de órgãos duplos, parte de órgãos, tecidos, vísceras ou partes do corpo que não impeçam os organismos do doador de continuar vivendo sem risco para a sua Pág. 61 de 84 integridade ou grave comprometimento de suas aptidões vitais, nem possa produzir- lhe mutilação ou deformação inaceitável ou, ainda, causar qualquer prejuízo à sua saúde mental, e corresponda a uma necessidade terapêutica comprovadamente indispensável ao receptor. Art. 15. A decisão do doador não poderá sofrer influência que lhe vicie o consentimento, sendo-lhe facultado revogar o consentimento dado, até a extração dos órgãos, tecidos ou partes do seu corpo, sem necessidade de justificar ou explicar suas razões. Baseados no princípio da responsabilidade, discutiremos como a posição da comunidade transplantadora vem evoluindo na questão de doação de órgãos em vida (ABTO, 2008). • O primeiro é o ponto de vista em relação ao doador relacionado. Foi definido, em 2000, pela comunidade transplantadora norte-americana, que a obtenção de enxerto de doadores vivos, se respeitadas determinadas premissas, é eticamente aceitável. Uma das premissas é de que não pode haver a comercialização, logo não é permitida a retribuição financeira ao doador (ABTO, 2008). • O segundo, quando se trata de doador não relacionado, também conhecido por bom-samaritano. Nessas situações, a doação é observada caso a caso, mas regra geral é que os enxertos oriundos desse tipo de doação devem ser destinados à lista de espera, de acordo com as regras estabelecidas em cada centro. Se a vontade do doar foi direcionar sua doação a um receptor específico, é preciso passar por um ritual jurídico pra que haja uma garantia que não houve a comercialização (ABTO, 2008). • O terceiro são os casos de doador vivo impelido por contribuição caridosa. A regra é que a doação deve ser feita de forma altruísta, logo, não pode haver qualquer forma de contrapartida material. Porém em 2002, o Comitê de Ética da Sociedade Americana de Cirurgiões Transplantadores deliberou em consenso que é ético a ajuda com os custos funerários à família do doador cadáver ou o pagamento de uma contribuição benevolente como manifestação de gratidão da sociedade pela autorização dada. Essa decisão gerou inúmeras controversas, pois alegaram que essa é uma forma de comercialização disfarçada (ABTO, 2008). Pág. 62 de 84 FIGURA 24 – Proibida comercialização de órgãos Fonte: Praneat / shutterstock • A quarta trata-se da doação remunerada – como já dito, a comercialização de órgãos é proibida em muitos países, como o Brasil, os EUA e a Índia. Entre outros, porém, a cada dia há uma maior controvérsia sobre o assunto. Os que defendem o pagamento têm como argumento a remuneração de todas as etapas do processo de doação, que vão desde o coordenador de captação até a equipe da UTI que assiste o doador após a cirurgia da retirada do enxerto. Logo, o doador deveria sim poder ser remunerado. Os que são contra afirmam que esses pagamentos dizem respeito a serviços profissionais, enquanto que a contrapartida pelo órgão em si estabelece um comércio inadmissível de órgãos humanos, o que compromete os valores éticos e morais básicos da sociedade. Assim, os médicos enredados no comércio estariam sacrificando o seu compromisso deontológico que o obriga a colocar a vida acima de qualquer preço. Afirmam também que a venda acarretaria em violação aos direitos humanos primários, tanto dos doadores quanto dos receptores. Diversas entidades religiosas manifestam-se de forma contrária à comercialização, como é o caso do Papa, da Conferência dos Bispos Católicos, da Igreja Grega Ortodoxa e da Igreja Anglicana, entre outras entidades religiosas que se definiram como contra a comercialização (ABTO, 2008). Curiosidade O primeiro transplante realizado no Brasil foi de rim, no ano de 1965. No ano de 1991 foi criada a Central de Notificação de Órgãos e Tecidos. Após 50 anos, o Brasil está entre os países com maior número de transplantes, principalmente de rim, fígado e córnea. Conheça o estudo completo e os dados no link a seguir: http://www.rbcp.org.br/export-pdf/1873/v32n3a18.pdf Pág. 63 de 84 5.2 Eutanásia FIGURA 25 – Máquina de eutanásia na Austrália Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Eutan%C3%A1sia#/media/File:Euthanasia_machine_(Australia).JPG A morte, apesar de fator certo e sabido na existência de qualquer criatura viva, apresenta-se com certa peculiaridade aos humanos, pois estes são os únicos que têm consciência de sua própria finitude (FREUD, 1974 apud SIQUEIRA-BATISTA; SCHRAMM, 2004). A morte sempre foi um tema de difícil abordagem, visto que geralmente está associada com circunstâncias de profundo sofrimento, seja ela causada por uma doença grave, seja pela crueldade de um acidente ou por outra causa violenta. Independentementeda situação, a morte causa reflexão, tanto nos conceitos como nos paradigmas, em todos que a cercam, sejam familiares ou profissionais (SIQUEIRA-BATISTA; SCHRAMM, 2004). Em convergência com os avanços na tecnociência, que permitem o prolongamento da sobrevida e a manutenção da vida, acontece toda discussão que envolve a eutanásia, a distanásia e o suicídio assistido, exigindo maior compreensão e delimitação do tema, tanto para questões individuais como para as coletivas (SIQUEIRA-BATISTA; SCHRAMM, 2004). Com o crescente envelhecimento da população, há quantidade maior de pessoas chegando à senectude, o que as torna mais propensas a doenças crônicas e degenerativas, passando por um processo de morrer mais longo e submetido ao sofrimento. O debate sobre a bioética e a morte está longe de ser uma questão relativa apenas ao indivíduo. Torna-se uma questão de saúde coletiva, uma vez que, com esse envelhecimento da população, os problemas na área de saúde pública se Pág. 64 de 84 agravam, pois torna-se mais difícil atender a todos que precisam dessa assistência nesse momento de proximidade com a morte (SIQUEIRA-BATISTA; SCHRAMM, 2004). O conceito de morte não é claramente suficiente para legitimar a eutanásia e o suicídio assistido, pois a possibilidade que se ter uma definição equivocada de morte causa diversas reflexões sobre a licitude de se prescrever ou permitir a eutanásia. No Brasil a eutanásia é proibida, sendo vista como homicídio (SIQUEIRA-BATISTA; SCHRAMM, 2004). Morcache, em seu livro Naissance et mort, de 1904, propõe o termo distanásia para a agonia alongada que leva a uma morte com sofrimento físico ou psíquico do enfermo lúcido. O termo é bastante utilizado para se descrever o prolongamento da vida de forma artificial, sem que haja uma perspectiva de cura ou melhora (SIQUEIRA-BATISTA; SCHRAMM, 2004). O vocábulo eutanásia foi primeiramente utilizado pelo historiador Suetônio, no século II d.C. É originário do grego, significando “boa morte ou morte digna”. Ele utilizava o termo sempre que alguém morria de forma rápida e sem dor, desejando que tivesse igualmente uma eutanásia (SIQUEIRA- BATISTA; SCHRAMM, 2004). De forma diferente, o suicídio assistido acontece quando o enfermo pede ajuda para morrer a outra pessoa, uma vez que não é capaz de fazê-lo sozinho. Neste caso, o enfermo está sempre consciente, sendo requerida a sua opção pela morte. Na eutanásia, nem sempre isso ocorre, pois há situações em que o enfermo não está consciente, como nos casos de pacientes terminais e em coma mantidos vivos por aparelhos (SIQUEIRA-BATISTA; SCHRAMM, 2004). Há uma grande polissemia do termo eutanásia, o que pode gerar confusões. Por exemplo, os conceitos de eutanásia e ortotanásia são muitas vezes aplicados de forma equivocada. O termo ortotanásia é aplicado para a morte no tempo certo, sem que haja a utilização de tratamentos desproporcionais (distanásia) ou o encurtamento do processo de morte (eutanásia). Acontece também confusão com termos como homicídio por piedade e suicídio, o que muitas vezes prejudica o debate sobre o tema e gera preconceito (SIQUEIRA-BATISTA; SCHRAMM, 2004). Atualmente a eutanásia seria o emprego ou abstenção de procedimentos que permitem apressar ou provocar o óbito de um doente incurável a fim de livrá-lo dos extremos sofrimentos que o assaltam (LEPARGNEUR, 2009). Pág. 65 de 84 Se a eutanásia é a morte de acordo com a vontade do sujeito, deveria levar em conta o princípio prima facie da bioética, o da autonomia humana, traduzido pela necessidade do consentimento, o que preconiza que a eutanásia é contrária a qualquer imposição por parte de familiares ou profissionais da saúde de técnicas e procedimentos que sejam dispensáveis do ponto de vista do paciente (LEPARGNEUR, 2009). Segundo Lepargneur (2009, p. 2), A tradição deontológica, com efeito, é claramente oposta à eutanásia, desde Hipócrates; sua condenação percorre os códigos médicos de vários países: Brasil (o artigo 66 veda “utilizar, em qualquer caso, meios destinados a abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu responsável legal”); na Bélgica (art. 95 do Código da Ordem dos Médicos); nos Estados Unidos (American Medical Association); na Grã-Bretanha (British Medical Association). Esta também é a posição assumida pela Associação Médica Mundial. O Guia Europeu de Ética Médica (1987, art. 13) é menos explícito, e um relatório do Institute of Medical Ethics Working Party é favorável à admissão de eventual ajuda à morte de um “doente terminal”, por parte do médico. De acordo com Neukamp (1937 apud SIQUEIRA-BATISTA; SCHRAMM, 2004, p. 34), a abreviação do momento da morte poderia ocorrer, em relação ao ato em si, sob a seguinte distinção clássica: Eutanásia ativa, ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do paciente, por fins humanitários (como no caso da utilização de uma injeção letal); Eutanásia passiva, quando a morte ocorre por omissão em se iniciar uma ação médica que garantiria a perpetuação da sobrevida (por exemplo, deixar de se acoplar um paciente em insuficiência respiratória ao ventilador artificial); Eutanásia de duplo efeito, quando a morte é acelerada como consequência de ações médicas não visando ao êxito letal, mas sim ao alívio do sofrimento de um paciente (por exemplo, emprego de uma dose de benzodiazepínico para minimizar a ansiedade e a angústia, gerando, secundariamente, depressão respiratória e óbito). Conforme Martin (1998 apud SIQUEIRA-BATISTA; SCHRAMM, 2004, p. 34), [...] outra maneira de se classificarem as várias modalidades de eutanásia leva em conta não só as consequências do ato, mas também o consentimento do paciente: Eutanásia voluntária, a qual atende uma vontade expressa do doente – o que seria um sinônimo do suicídio assistido; Eutanásia involuntária, que ocorre se o ato é realizado contra a vontade do enfermo – ou seja, sinônimo de “homicídio”; Eutanásia não voluntária, quando a morte é levada a cabo sem que se conheça a vontade do paciente. Pág. 66 de 84 Percebe-se que são utilizadas diferentes terminologias, estabelecendo-se assim uma questão semântica. Outro fator importante é a discussão moral que o tema repercute. São diversos os argumentos a favor e contra a eutanásia, havendo assim uma controvérsia em relação à sua moralidade da eutanásia (SIQUEIRA-BATISTA; SCHRAMM, 2004). Um dos principais argumentos de quem é a favor do tema é a indispensabilidade do direito de escolha do homem, que tem a liberdade como ser competente e autônomo para decidir sobre o fim de sua vida. Outro argumento é o de que a eutanásia trata-se de uma questão humanitária, pois ajuda ao enfermo a findar seu sofrimento, diminuindo sua pena em uma vida sem qualidade (SIQUEIRA-BATISTA; SCHRAMM, 2004). FIGURA 26 – Dos 193 países membros da ONU, apenas dez têm uma legislação sobre o direito de morrer Fonte: http://www.casadaptada.com.br/wp-content/uploads/2016/11/mapa_web.jpg Pág. 67 de 84 Independentemente desses argumentos, vários questionamentos são feitos em relação à sua legitimidade, que englobam principalmente a sacralidade da vida, base para os que argumentam contra a eutanásia. Assim, a vida, como algo divino, teria um estatuto sagrado, não cabendo nem mesmo ao seu detentor o direito de dispor sobre ela (SIQUEIRA-BATISTA; SCHRAMM, 2004). Nas palavras de Siqueira-Batista e Schramm (2004, p. 35), Outras ponderações contrárias à eutanásia incluem: A potencial desconfiança – e subsequente desgaste – na relação médico-paciente; A possibilidade de atos não inspirados em fins altruístas, mas motivados por outras razões (por exemplo, questões de heranças, pensões, seguros de vida, e outras); A ocorrência de pressão psíquica – por exemplo, o pensamento, pelo enfermo, de que sua condição é um verdadeiro “estorvo” para os familiares –, a qual poderia deixar os pacientes, cuja morte se aproxima, sem perspectiva outra que não a “eutanásia”,de fato não desejada e, portanto, de alguma forma imposta por motivos circunstanciais. Logo, a questão essencial envolve em saber se um paciente, sabido ética e cognitivamente competente, que passa por um sofrimento tão grande que o coloca a ponto de questionar se sua sobrevida é justificável, tem ou não o direito moral de decidir por fim a ela, de acordo com o que acredita ser melhor para si, ou se, pelo contrário, essa decisão deve ser tomada por terceiros, que a princípio seriam mais competentes por estarem à parte dessa dor, agindo com maior imparcialidade nos interesses do conflito que o paciente, os familiares e dependentes (SIQUEIRA-BATISTA; SCHRAMM, 2004). Pág. 68 de 84 6. ÉTICA EM AUDITORIA 6.1 Auditoria FIGURA 27 – Auditoria Fonte: PORTRAIT IMAGES ASIA BY NONWARIT / shutterstock De acordo com o documento Auditoria do SUS - Orientações básicas (BRASIL, 2011, p. 15), A auditoria é o exame sistemático e independente dos fatos pela observação, medição, ensaio ou outras técnicas apropriadas de uma atividade, elemento ou sistema para verificar a adequação aos requisitos preconizados pelas leis e normas vigentes e determinar se as ações e seus resultados estão de acordo com as disposições planejadas. A auditoria, por meio da análise e verificação operativa, possibilita avaliar a qualidade dos processos, sistemas e serviços e a necessidade de melhoria ou de ação preventiva, corretiva e saneadora. Podemos assim concluir com Coutinho (2003) sobre a importância da auditoria na medida em que contribui para: QUADRO 1 – Contribuição da auditoria segundo Coutinho (2003) Amplificar o exercício da cidadania Intervir na habilitação da informação Ajudar na melhoria da qualidade do acesso e da atenção Diminuir custos Gerir melhor os recursos financeiros; Pág. 69 de 84 Mostrar oportunidades novas para a sistematização da assistência Minimizar o acontecimento de erros futuros Apresentar as oportunidades de aperfeiçoamentos aos gestores e prestadores de serviços. Fonte: Coutinho (2003). A auditoria pode ser dividida em auditoria interna e auditoria externa. Cardozo (2017) diferencia as duas modalidades de auditoria. A auditoria interna é realizada por funcionários da própria entidade, subordinados a chefia administrativa, de forma a permitir vasta liberdade de ação e independência de opinião. É um problema subordinar auditores internos à diretoria financeira, contábil ou à controladoria, pois estes são setores fiscalizados pelo auditor interno. Portanto, é mais apropriado que auditores internos estejam subordinados a órgãos de assessoria, à Vice-Presidência ou ao Presidente. Entretanto é necessário ponderar que, estando na condição de empregado da organização, diminui a autonomia do auditor interno, provocando um acanhamento na realização de certas tarefas de fiscalização. Em função da pouca independência, a segurança que ele traz de que as demonstrações contábeis são verídicas é pouco valorizada pelos usuários externos interessados no julgamento dos resultados da organização. De qualquer modo, o préstimo de seu trabalho está no fato de que, ao avaliar o sistema de controles internos, cabe a ele propor medidas que possam colaborar para o seu aprimoramento, minimizando desperdícios e maximizando a eficiência operacional. Fora isso, deve estar sempre alerta para descobrir e comunicar acontecimentos e questões que devem requerer especial atenção da autoridade administrativa. A auditoria externa também conhecida como auditoria independente, é feita por obrigação legal ou é imposta pelos usuários externos das demonstrações contábeis, que exigem que esta seja realizada por pessoa incorruptível, desvinculada da organização auditada, logo, que seja profissional liberal ou ligado a firmas de auditoria capazes de agir com absoluta imparcialidade. Como o fator principal dessa modalidade de auditoria é a independência de opinião, o termo auditoria independente é mais aconselhável, em lugar de auditoria externa. Pág. 70 de 84 O auditor independente constantemente aceita e utiliza boa parte das tarefas dirigidas pelo auditor interno. O primeiro ponto do seu trabalho é apreciar a qualidade dos serviços prestados pelo auditor interno, precisando o grau de imparcialidade dos trabalhos feitos por este e sua competência pessoal, e logo após resolver quanto à utilização de seus serviços, o que é recorrente acontecer, ainda que esse aproveitamento passe a ser de total responsabilidade do auditor independente. No quadro a seguir temos um comparativo entre a auditoria interna e a externa. QUADRO 2 – Comparativo entre auditoria interna e auditoria externa Elementos Auditoria externa Auditoria interna Sujeito Profissional independente Auditor interno (funcionário da empresa) Ação e objetivo Exame das demonstrações financeiras Exame dos controles operacionais Finalidade Opinar sobre as demonstrações financeiras Promover melhorias nos controles operacionais Relatório principal Parecer Recomendações de controle interno e eficiência administrativa Grau de independência Mais amplo Menos amplo Interessados no trabalho A empresa e o público em geral A empresa Responsabilidade Profissional, civil e criminal Trabalhista Número de áreas cobertas pelo exame durante um período Maior Menor Intensidade dos trabalhos em cada área Menor Maior Continuidade do trabalho Periódico Contínuo Fonte: Coutinho (2003). Pág. 71 de 84 De acordo com Lunelli (2013, s/p), As funções do auditor, hoje, vão muito além do tradicional conceito de fiscalização. Além de averiguar e detectar eventuais falhas nos sistemas de controle e no plano de organização, o auditor se preocupa também com a manutenção desses sistemas, de forma que as não conformidades sejam minimizadas, atuando de maneira preventiva e apresentando sugestões para eventuais desvios (aplicação do conceito de Qualidade Total). No exercício da profissão os auditores, podem ser responsabilizados por erros, falhas, omissões e/ou dolo quanto à veracidade e a forma com que realizam o trabalho e emitem a sua opinião por intermédio do parecer de auditoria. Essa responsabilidade pode ser assim caracterizada: QUADRO 3 – Responsabilidade do autor. Trabalhista No caso da auditoria interna Profissional Nos casos de auditoria externa, no que diz respeito à contratação dos serviços a serem prestados. Civil No caso de informação incorreta no parecer do auditor e que venham a influenciar ou causar prejuízos a terceiros que se utilizem dessas informações. Criminal No caso de omissão ou incorreção de opinião expressa em parecer de auditoria, configurada por dolo, e que venham a influenciar ou causar prejuízos a terceiros que se utilizem dessas informações.” Umas das coisas que devem ser indagadas ao se planejar a auditoria é sobre o conhecimento de qualquer erro ou fraude por parte da administração da entidade. E ao perceber-se que ocorreu erros ou fraudes, o auditor deve informar a administração sugerindo medidas a serem tomadas para solucionar o problema, comunicando sobre o impacto delas em seu relatório, caso não sejam tomadas (LUNELLI, 2013). Segundo Lunelli (2013, s/p), “[...] o auditor não é responsável e também não pode ser responsabilizado pela prevenção de fraudes ou erros.” No entanto, deve planejar seu trabalho analisando o risco de que aconteça, de forma se assegurar de que está fazendo o possível para detectá-los. Pág. 72 de 84 6.2 O perfil do auditor FIGURA 28 – O perfil do auditor Fonte: Indypendenz / shutterstock Souza, Dyniewicz e Kalinowski (2010) comentam o perfil do auditor a partir de uma pesquisa bibliográfica em várias fontes e conclui que o auditor, para atender às necessidades do mercado, deve desenvolver algumas técnicas que ajudem em seu trabalho, tais como um bom relacionamento interpessoal, capacidade de comunicação clara e precisa, ser confidente e rigoroso com seus resultados. Sendo a profissão de auditormarcada pelo traço da responsabilidade pública e social, elementos tais como ética e independência são essenciais ao profissional, até mesmo como fator de permanência no mercado. Cada profissional respeita seu respectivo código de ética, seja ele enfermeiro, fisioterapeuta, contador e assim sucessivamente, mas, no caso do auditor isso é mais complexo, visto que a profissão requer especificidades de acordo com as modalidades de atuação. Porém, de uma forma geral, a ética e o sigilo de algumas informações são de extrema importância, pois o auditor tem capacidade, poder e informações que, se usados distorcidamente, poderão interferir na visão e percepção de usuários e até mesmo de empresas e instituições. Assim, são atributos fundamentais para o exercício da função: respeito, confiança, espírito de independência para tomada de algumas decisões, isenção a influências que possam prejudicar a empresa ou instituição, demonstração de objetividade em suas condutas, opinião própria com base em fatos reais e evidências e conhecimento técnico da área em que atua. Deve ainda o auditor possuir capacidades práticas essenciais à realização de controle e avaliação e agir sempre com prudência, atentando ao equilíbrio de suas ações, de forma a contribuir para o Pág. 73 de 84 desenvolvimento e qualidade do trabalho prestado. Finalmente, o bom auditor deve ser um exímio negociador nas diversas situações, mostrando domínio de sua atividade. Deve respeitar seu respectivo código profissional e ser imparcial nas aplicações normativas, exercendo de forma criteriosa, honesta e objetiva o seu trabalho e mantendo sigilo absoluto das informações confidenciais que chegarem a seu conhecimento. Podemos então resumidamente descrever o perfil do auditor enumerando suas competências desejáveis conforme consta no quadro a seguir: QUADRO 4 – Competências centrais dos auditores CONHECIMENTOS (Competência cognitiva) HABILIDADES (Competência prática) ATITUDES (Competência comportamental) Atualização Capacidade de ouvir Comportamento ético Conhecimento contábil Expressão escrita concisa Discrição Critérios de avaliação Expressão verbal clara Imparcialidade Conhecimento administrativo Proatividade Independência Julgamento criterioso Responsabilidade Tato Objetividade Sigilo Prudência Especialização técnica Organização Zelo profissional Fonte: Souza, Dyniewicz e Kalinowski (2010) Pág. 74 de 84 6.3 Ética aplicada à auditoria FIGURA 29 – Ética aplicada à auditoria Fonte: Andy Dean Photography / shutterstock A auditoria não pode estar dissociada da ética, pois esta é necessária em todo trabalho feito com compromisso e competência. A ética é vital ao profissional, uma vez que “o fazer” e “o agir” estão interligados. O fazer refere-se à competência, à eficiência que todo profissional deve ter para realizar de forma precisa a sua profissão. O agir é à conduta do profissional, o complexo de atitudes que deve tomar no exercício de sua profissão. A posição do auditor deve acatar critérios totalmente éticos, apoiando-se nas verdades científicas que os documentos lhe proporcionam (ROCHA; BARBOZA, 2006). A ética geral se baseia nas normas pelas quais o indivíduo se funda para a conduta pessoal correta. Frequentemente, é requerido que se leve em conta as exigências impostas pela sociedade, pelos deveres morais e pelos resultados dos seus atos (LUNELLI, 2013). A ética profissional dos auditores é uma divisão especial da ética geral onde o profissional obedece a normas específicas de conduta que espelham seu compromisso com a sociedade, com a organização para a qual trabalha e com os colegas de profissão, assim como para si próprio (LUNELLI, 2013). A ética ou moral profissional, também chamada de deontologia, é o estudo das premissas básicas do direito e do dever. Um código de ética pode ser compreendido como uma vinculação das práticas de comportamento ao que se pretende ser observado no exercício da profissão. As Pág. 75 de 84 normas do código de ética pretendem beneficiar a sociedade, de forma a garantir a integridade dos procedimentos dos que atuam dentro e fora da instituição. Um dos objetivos do código de ética profissional é a constituição de uma consciência profissional sobre normas de conduta (ROCHA; BARBOZA, 2006). Independentemente da formação profissional do auditor, durante os trabalhos, ele deve defender os interesses da sociedade e respeitar as normas de conduta que governam os profissionais de auditoria, sendo proibido aproveitar-se da função em benefício próprio ou de terceiros. Vale sempre lembrar que suas atitudes não reverberam apenas no seu trabalho, mas no julgamento do trabalho de todos os seus colegas de profissão (LUNELLI, 2013) Em consonância com Lunelli (2013, s/p), Fica, ainda, obrigado a guardar total confidencialidade das informações obtidas, não devendo revelá-las a terceiros, sem autorização específica. Assim sendo, a profissão de auditoria exige a obediência aos princípios éticos profissionais e qualificações pessoais que fundamentalmente se apoiam em: Integridade; Idoneidade; Respeitabilidade; Caráter ilibado; Padrão moral elevado; Vida privada irrepreensível; Justiça e imparcialidade; Bom-senso no procedimento de revisão e sugestão; Autoconfiança; Capacidade prática; Meticulosidade e correção; Perspicácia nos exames; Pertinácia nas ações; Pesquisa permanente; Finura de trato e humanidade. Como as atividades do auditor estão diretamente relacionas com a averiguação do registro de cifras e apuração de resultados que geram montantes, entre outros, ele está bastante suscetível a participar de esquemas espúrios, por isso, manter uma postura ética é fundamental ao profissional (LUNELLI, 2013). Buscando enriquecer e divulgar a linha de conduta que deve ser seguida pelos auditores, reproduzimos o artigo 5º da Resolução nº 803/96, que aprova o Código de Ética Profissional do Contabilista, emitida pelo CFC, no que concerne às atividades do contador, enquanto perito, assistente técnico, auditor ou árbitro, atentando ao tema principal, que é a ética. I. Recusar sua indicação quando reconheça não se achar capacitado em face da especialização requerida; II. Abster-se de interpretações tendenciosas sobre a matéria que constitui objeto de perícia, mantendo-se absoluta independência moral e técnica na elaboração do respectivo laudo; III. Abster-se de expressar argumentos ou dar a reconhecer sua convicção pessoal sobre os direitos de quaisquer das partes interessadas, ou da justiça da causa em que estiver servindo, mantendo-se o seu laudo no âmbito técnico e limitado aos quesitos propostos; Pág. 76 de 84 IV. Considerar com imparcialidade o pensamento exposto em laudo submetido a sua apreciação; V. Mencionar obrigatoriamente fatos que conheça e repute em condições de exercer efeito sobre peça contábil objeto de seu trabalho; VI. Abster-se de dar parecer ou emitir opinião sem estar suficientemente informado e munido de documentos; VII. Assinalar equívocos em divergências que encontrar no que concerne à aplicação dos Princípios Fundamentais de Contabilidade e Normas Brasileiras de Contabilidade editadas pelo Conselho Federal de Contabilidade; VIII. Considerar-se impedido para emitir parecer ou elaborar laudos sobre peças contábeis observando as restrições contidas nas Normas Brasileiras de Contabilidade editadas pelo Conselho Federal de Contabilidade; IX. Atender à fiscalização dos Conselhos Regionais de Contabilidade e Conselho Federal de Contabilidade no sentido de colocar à disposição desses, sempre que solicitado, papéis de trabalho, relatórios e outros documentos que deram origem a execução dos trabalhos. Para que o laudo ou parecer não gerem dúvidas quanto à procedência e a lisura, o auditor deve cercar-se da ética em todas as etapas, desde as fases pré e pós-trabalhos desenvolvidos, visando maior qualidade e confiabilidade do trabalho (ROCHA; BARBOZA, 2006).Assim, fica claro que a responsabilidade pelo respeito à ética por parte dos auditores é basilar para a perfeita execução de seus trabalhos com o devido profissionalismo que necessitam. Aconteceu Esse estudo foi desenvolvido com a finalidade de fazer uma aproximação inicial às questões éticas no que diz respeito à atenção básica, identificando e comparando a partir de depoimentos de enfermeiros e médicos que atuam no PSF em São Paulo os problemas éticos por eles vivenciados e os fundamentos que utilizam para a tomada de decisão nesses tipos de situação. Tenha acesso ao estudo completo neste link: http://www.scielo.br/pdf/csp/v20n6/28 Pág. 77 de 84 CONCLUSÃO A análise da bioética sobre os avanços científicos é imprescindível, seja por sua importância econômica ou de transformação da vida humana e do ecossistema. Com esse estudo percebe-se a sua importância como mediadora entre os avanços proporcionados pelo desenvolvimento técnico científico e os danos que essas evoluções podem causar se feitas sem a reflexão das graves consequências e dos efeitos morais a elas inerentes. Com as discussões é possui concluir a relevância dos debates sobre temas polêmicos como o aborto, eutanásia, a reprodução assistida, os transplantes para que se possa tomar conhecimento sobre os principais posicionamentos bioéticos de temas tão atuais. Pág. 78 de 84 GLOSSÁRIO Atinente: Relativo, peculiar, pertinente, que diz respeito, tocante (fonte: https://pt.wiktionary.org/wiki/ atinente#Portugu.C3.Aas) Deontológico: A deontologia é uma filosofia que faz parte da filosofia moral contemporânea, que significa ciência do dever e da obrigação (fonte: https://www.significados.com.br/deontologia/) Distanásia: Forma de prolongar a vida de modo artificial, sem perspectiva de cura ou melhora. Envidar: Significar empregar-se com afinco ou empenho, dedicar-se ao máximo para algo, buscar um desafio. Envidar é concentrar ações em um objetivo definido e não desistir até que seja realizado. (fonte: https://www.significados.com.br/envidar/) Eutanásia: Emprego ou abstenção de procedimentos que permitem apressar ou provocar o óbito de um doente incurável, a fim de livrá-lo dos extremos sofrimentos que o assaltam. Fruídas: Do verbo fruir: Desfrutar; deleitar-se com alguma coisa; utilizar alguma coisa: fruir os benefícios; fruir da herança; tinha o poder de fruir e trabalhar. (fonte: https://www.dicio.com.br/fruido/) Gnose: É uma palavra que significa “conhecimento”, derivando do grego gnosis que, por sua vez, se origina no verbo gignósko (“conhecer”). (fonte: https://www.significadosbr.com.br/gnose) Ortotanásia: Morte no seu tempo certo, sem os tratamentos desproporcionais e sem abreviação do processo de morrer. Pág. 79 de 84 BIBLIOGRAFIA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE TRANSPLANTES DE ÓRGÃOS (ABTO). Ética em transplantes . Conferência proferida pelo Prof. Dr. Silvano Raia, no Congresso Brasileiro de Transplantes, em Fortaleza, 2003. 16 mar. 2008. 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