Prévia do material em texto
AULA 1 CUMPRIMENTO DE SENTENÇA Prof.ª Renata Polichuk Marques 2 TEMA 1 – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA E LIQUIDAÇÃO O Direito Processual Civil vem passando por constante evolução, tanto com relação à forma de se enxergar o processo como também pelas técnicas processuais adequadas. A execução latu senso talvez seja o expediente que mais transformações sofreu desde o início do pensamento crítico do Direito Processual, aliado à visão constitucional deste e à ideia de que o processo serve, em verdade, à tutela de direitos. É neste aspecto que se torna pertinente pensar que o processo serve ao direito material, no sentido de servidão mesmo. Em outras palavras, a única razão para o Direito Processual existir é “fazer valer” o direito material. Neste aspecto, torna-se evidente que as regras de direito material são regras de conduta, ou seja, disciplinam como as pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas, devem agir frente à sociedade. Trata-se da velha máxima de que “meu direito termina onde começa o direito do outro”. Porém, a verdade é que no mundo real – no mundo dos fatos – as coisas nem sempre são tão simples quanto disciplina o texto da lei material. Neste mundo real, no qual surgem conflitos, seja pela dificuldade de interpretação da norma, seja pelo próprio descumprimento desta, faz-se necessário que o Estado interfira, por meio de uma estrutura que possa efetivar aquele direito previsto na lei material. É assim que se faz surgir o direito processual. O objetivo, aqui, não é conceituar os institutos (Direito Material x Direito Processual), mas entender que o objetivo, a única razão de existir do Direito Processual, é para efetivação do direito material prometido pelo ordenamento. Tendo isso em mente, torna-se muito fácil a percepção da atual fase de execução do direito brasileiro. Atualmente, estamos diante de um processo civil sincrético, ou seja, aquele capaz de reunir várias fases, com estruturas diversas, dentro de um mesmo processo. Assim, temos que o processo se inicia por meio da dedução da pretensão do autor (aquele sujeito que se entende detentor de um direito subjetivo ameaçado e/ou lesado), em face de um réu (suposto detentor de um dever jurídico violado). Porém, essa relação somente se aperfeiçoa quando a pretensão é deduzida em juízo, por meio de uma petição inicial levada à apreciação de um juiz que aperfeiçoa essa relação jurídica processual com a citação do réu para que tome conhecimento do processo e possa exercer, querendo, seu direito de defesa. 3 Contudo, a verdade é que por meio dessa petição inicial, o autor levará ao juiz, por meio dos pedidos mediatos e imediatos, tanto o bem da vida pretendido (aquele objeto de direito que entende ameaçado e/ou lesado) quanto a técnica processual que pretende ver empregada na sentença (condenatória, constitutiva, declaratória, mandamental ou executiva), ficando o juiz subordinado aos pedidos realizados por força do art. 492 do Código de Processo Civil1. Porém, a solução do litígio, com a certificação do direito pelo juiz na sentença, nem sempre prestará tutela de direito material. Isso porque, em muitas vezes, para que seja a tutela efetivada, é necessário que haja concurso de vontade do demandado ou atos materiais que possam levar a efetivação às chamadas tutelas inibitórias, de remoção de ilícito, reparatórias e ressarcitórias. Assim, surge a chamada tutela executiva, qual seja, quando se faz necessário que o Poder Judiciário permaneça a gerir o processo, mesmo após a certificação do direito material, para garantir que este se efetive no mundo dos fatos. Para elucidar, pensemos em algumas espécies de sentença. A primeira análise que propomos é a análise da sentença no processo de divórcio. Sendo apenas o divórcio o objeto da petição inicial – sem cumulação de pedido de partilha ou regulação de interesses da prole –, teríamos uma sentença de procedência meramente constitutiva, ou nesse exemplo, constitutiva negativa. É claro que podemos pensar que para que tal ato tenha validade perante terceiro, é necessário que se leve essa sentença a registro público, porém, esse é um ato meramente acessório, pois a pretensão do autor, o direito material por ele perseguido, foi plenamente realizado quando a sentença reconheceu o divórcio. O mesmo se dá, se diante de um pedido inicial de reconhecimento de união estável, por meio de uma sentença declaratória, o juiz reconhece a existência daquele fato jurídico, realizando por completo a pretensão do autor. Porém, como dito, existem sentenças que não se encerram em si mesmas, que demandam uma continuidade da prestação jurisdicional, mesmo após o reconhecimento e certificação do direito. São elas as sentenças condenatórias e mandamentais. Nessas decisões, a sentença apenas reconhece, condenando ou determinando, que o demandado realize algo, seja um pagamento de quantia, uma entrega de coisa ou mesmo uma obrigação de fazer ou de não fazer. 1 Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. 4 É exatamente nesse último contexto que a tutela executiva entra em jogo, para que o próprio estado-juiz faça implementar sua decisão, por meio dos atos executivos. Porém, não se confunda tutela executiva com sentenças executivas. As sentenças executivas são, por si só, autossuficientes e não demandam tutela executiva. Explicamos: as sentenças executivas são justamente aquelas que gradam em si mesmas a força executiva, independentemente da vontade ou não do demandado em adimplir as obrigações ali constantes, sendo exemplos dessas sentenças aquelas proferidas nas ações de despejo e reintegração de posse. Dito isso, podemos passar a analisar o processo sob o viés do cumprimento de sentença, ou melhor dizendo: os passos que seguem a fase de conhecimento e certificação do direito material. TEMA 2 – LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA Antes de adentrar ao tema do cumprimento de sentença propriamente dito, faz-se necessária a análise de uma etapa intermediária, chamada de fase de liquidação. Pensemos no processo como um grande trem que guarda o direito material em seus vagões. Assim, ele tem a responsabilidade de conduzir esse direito material desde a estação inicial até o seu ponto final, que seria a efetivação deste, quando o direito material é entregue ao “mundo”, ou seja, quando passa a interagir no mundo dos fatos. Sendo uma locomotiva ferroviária, ele precisa sempre percorrer trilhos previamente descritos, que são as “regras do jogo”. Por isso que no Direito Processual existe o chamado princípio da “não surpresa”, relacionado ao princípio do contraditório, que é aquele pelo qual tanto demandante como demandado sempre podem antever os próximos passos do processo. Porém, quando tratamos de fase de liquidação, pensemos em uma ferrovia na qual se está diante de um pequeno abismo ou um trecho cujos trilhos não estão postos. De um lado temos o fim da fase de conhecimento, já com a certificação do direito material, e à frente, antevemos uma fase de cumprimento dessa sentença, porém há um trecho faltante na ferrovia que precisa ser preenchido: a liquidação do direito assegurado para que seja efetivado. 5 Essa ponte, essa construção, essa ligação que permite fazer a conexão entre a fase de conhecimento com a fase de cumprimento de sentença, quando necessária, é a que chamamos de fase de liquidação. Alguns autores modernos preferem chamá-la de etapa de liquidação, por não se tratar de uma fase obrigatória, porém, não vamos nos deter a essa nomenclatura. Em outras palavras, tratando-se de sentença ilíquida, é a fase ou etapa de liquidação que torna a sentença apta a ingressar na fase de cumprimento.É verdade que a regra no processo civil brasileiro, assim como na maioria dos demais países, é que a sentença seja líquida. Tanto é verdade que temos uma regra específica no Código de Processo Civil que determina que o pedido (seja principal ou reconvencional) seja realizado de modo certo e determinado: • Art. 322. O pedido deve ser certo [...]; • Art. 324. O pedido deve ser determinado. Porém, existem situação fáticas que impedem o autor de formular pedido determinado, essas hipóteses, excepcionais, estão previstas no parágrafo primeiro do art. 324 do Código de Processo Civil: Art. 324. [...] § 1º É lícito, porém, formular pedido genérico: I – nas ações universais, se o autor não puder individuar os bens demandados; II – quando não for possível determinar, desde logo, as consequências do ato ou do fato; III– quando a determinação do objeto ou do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu. Em contrapartida, o art. 491 do Código de Processo Civil, impõe também ao juiz a obrigação de que, ao julgar o pedido condenatório, sua sentença seja, em regra, líquida, criando exceções específicas: Art. 491. Na ação relativa à obrigação de pagar quantia, ainda que formulado pedido genérico, a decisão definirá desde logo a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de juros, o termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso, salvo quando: I – não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido; II – a apuração do valor devido depender da produção de prova de realização demorada ou excessivamente dispendiosa, assim reconhecida na sentença. § 1º Nos casos previstos neste artigo, seguir-se-á a apuração do valor devido por liquidação. § 2º O disposto no caput também se aplica quando o acórdão alterar a sentença. Contudo, é necessário advertir que existem procedimentos que não admitem tal fase em razão da sua simplicidade. 6 É o caso da Lei 9.099/95, que institui os Juizados Especiais, que em seu art. 38, parágrafo único, determinada que “não se admitirá sentença condenatória por quantia ilíquida, ainda que genérico o pedido”. Um dos exemplos mais recentes, amplamente divulgado, que colocou em pauta o tema da liquidação, são as ações coletivas decorrentes de direitos dos consumidores: Ações de Expurgos Inflacionários de Caderneta de Poupança. Nessas ações coletivas, obteve-se sentença condenatória pela qual estabelecia que as instituições bancárias deveriam ressarcir os poupadores, criando critérios de cálculo para o pagamento das respectivas quantias. Surgiram diversas discussões a respeito do tema e a necessidade de se realizar ou não a liquidação dos valores por meio da fase de liquidação (EREsp 1.705.018 e EREsp 1.590.294). Para a Ministra Nancy Andrighi (relatora), a obtenção dos valores a serem executados poderia ser obtida por cálculos aritméticos, dispensando a instauração da fase de liquidação, contudo, instaurados os Embargos de Divergência sobre a matéria, a relatora restou vencida em julgamento ocorrido em 10 de dezembro de 2020 (EDv nos EREsp 1705018 DF 2017/0274340-3), prevalecendo o entendimento de que: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IDEC. CADERNETA DE POUPANÇA. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. SENTENÇA. PRÉVIA LIQUIDAÇÃO. NECESSIDADE. 1. Os poupadores ou seus sucessores detêm legitimidade ativa – também por força da coisa julgada -, independentemente de fazerem parte ou não dos quadros associativos do Idec, de ajuizarem o cumprimento individual da sentença coletiva proferida na Ação Civil Pública n. 1998.01.1.016798-9, pelo Juízo da 12ª Vara Cível da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília/DF (REsp 1391198/RS, de minha relatoria, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/08/2014, DJe 02/09/2014). 2. De acordo com o entendimento desta Corte, é necessária a liquidação da sentença genérica proferida em ação civil pública para a definição da titularidade do crédito e do valor devido. Precedentes. 3. Recurso especial parcialmente provido. Portanto, o que vemos com a mais absoluta certeza é que a existência de sentença ilíquidas, e portanto, a necessidade de fase de liquidação devem ser vistas como exceções no processo civil brasileiro. É, portanto, desta forma que a fase liquidação, é, em verdade, uma etapa intermediária, que vem a atender às necessidades do direito material, tornando líquida, e, portanto, apta a execução – por meio do cumprimento de sentença – àquelas decisões que originalmente não o eram. (Decisão Monocrática- Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO – EREsp 1705018(2017/0274340-3 – 10/11/2017) Assim, o que se vê é que por mais que a legislação tenha tentado afastar a fase de liquidação, existem situações concretas que demandam a sua existência e realização. 7 Não obstante, é imperioso que se diga que o autor/exequente, ou o credor, como determina o código brasileiro, tem o poder de iniciar a fase de liquidação, bem como o réu/executado/devedor. Afinal, mesmo que o devedor queira adimplir voluntariamente a decisão, é necessário determinar-se o valor dessa condenação, sem o qual ele resta impedido de fazê-lo. 2.1 Espécies de liquidação O Código de Processo Civil prevê expressamente dois tipos de liquidação: liquidação por arbitramento e liquidação por procedimento comum. Essas modalidades implicam reconhecer a existência de procedimentos próprios para cada modalidade a fim de que, por meio de atividade cognitiva com ampla participação das partes e atuação do magistrado, possa-se alcançar o valor da obrigação contida na decisão, tornando-a liquida. Porém, antes de adentrar cada uma das espécies de liquidação mediante fase própria, precisamos destacar que existe um ato de liquidar a sentença que não demanda fase de liquidação: “quando a apuração do valor depender apenas de cálculo aritmético, o credor poderá promover, desde logo, o cumprimento da sentença” (art. 509, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil). É obvio que para que se possa exigir o cumprimento de uma obrigação é preciso estabelecer exatamente ao que corresponde a obrigação, e quando se trata de obrigação de pagar quantia, estamos falando efetivamente do valor, numericamente expressado, que deve ser pago. Não é possível realizar um pagamento voluntário, ou mesmo exigir o pagamento de algo se eu não puder expressá-lo em valores. Porém, se para alcançar tal valor basta a realização de cálculos aritméticos, é possível que a memória de cálculo seja apresentada diretamente com o pedido de instauração da fase de cumprimento de sentença, dispensada a fase prévia de liquidação. Para tanto, o próprio art. 509, em seu parágrafo 3º, determina que “o Conselho Nacional de Justiça desenvolverá e colocará à disposição dos interessados programa de atualização financeira”. Embora, até o início de 2024, o mencionado programa ainda não tenha sido disponibilizado integralmente, alguns tribunais estaduais, bem como alguns tribunais federais, há algum tempo, já dispõem em suas plataformas digitais de programas de atualização de valores. 8 No Paraná, existe a Calculadora Agnesi2, que desempenha essa função. Esse tema, porém, será mais bem estudado quando tratarmos do cumprimento de sentença propriamente dito. Por ora, passamos à análise das espécies de liquidação por procedimento próprio. TEMA 3 – LIQUIDAÇÃO POR ARBITRAMENTO A liquidação por arbitramento, como a própria expressão nos induz, significa que o valor precisa ser arbitrado. Assim, em verdade o valor não será meramente “encontrado”, mas por meio de elementos concretos, o juiz definirá esse valor. Assim, a liquidação por arbitramento, como regra, pressupõe conhecimentos técnicos, pelo que muito se assemelha à prova pericial e sua posterior valoração pelo juízo, que, nesse caso, será uma valoração monetária. 3.1 Hipóteses A liquidação por arbitramento poderá ocorrer em três hipótesesexpressamente previstas: a) quando a própria decisão/sentença assim o exigir; b) quando as partes assim o convencionarem; c) quando assim for exigido pelo objeto da liquidação. Na primeira hipótese (determinação da sentença), vemos que o próprio julgador reconhece que naquele momento decisório não é possível aquilatar o valor da obrigação, pois lhe faltam elementos e/ou conhecimentos técnicos para fazê-lo. Portanto, no próprio corpo da decisão, precisamente em seu dispositivo, a decisão remeterá a declaração do valor para a fase de liquidação. Outrossim, é plenamente possível que as próprias partes estabeleçam que a definição do quantum debeatur seja realizado por procedimento próprio de arbitramento. Essa modalidade não é novidade da norma processual de 2015, mas vem reforçado em seu art. 190 que permite às partes previamente estabelecerem negócios processuais, incluindo, por óbvio, a escolha pelo procedimento de arbitramento na fase de liquidação. 2 Disponível em: <https://portal.tjpr.jus.br/agnesi/publico/calculadora/entrada/calculadora.jsf;jsessionid=36F8fHdP2 _3CP4QdDX9sSDb80wFkxFLT3FAoJ9Wi.agnesi-c7bb78ff5-g4x6d?dswid=3200>. Acesso em: 12 fev. 2024. 9 Neste aspecto, destacamos que, embora não seja o nosso objeto principal de estudo, as partes, mediante negócio processual prévio ou no curso do processo, podem inclusive estabelecer técnicas que facilitem a produção da prova técnica. Importante destacar que em se tratando de matéria técnica que demande prova pericial, as partes podem, inclusive, de comum acordo, escolher o perito que conduzirá os trabalhos (art. 471 do Código de Processo Civil). Por fim, a exigência do objeto a ser liquidado pode exigir que a liquidação se dê por arbitramento, ou seja, envolver questões técnicas que precisam ser elucidadas para que o magistrado possa alcançar o valor correspondente à obrigação definida na sentença. 3.2 Procedimento O início da fase de liquidação deve ser provocado, mediante requerimento justificado, por uma das partes. Lembre-se de que para início da liquidação, o requerente pode ser tanto o credor quanto o devedor, pois ambos têm interesse em encontrar o valor devido para que seja possível adimplemento – seja voluntário ou forçado. Na liquidação por arbitramento, esse requerimento deve justificar a necessidade da instauração da fase, com base nas hipóteses do art. 509, I, do Código de Processo Civil. Uma vez aceito o requerimento, o juiz determinará que ambas as partes apresentem pareceres ou mesmo documentos que possam elucidar as questões necessárias à definição do valor a ser arbitrado. Veja-se que aqui impera, como em todo o processo civil brasileiro, o contraditório prévio. Assim, as partes terão ampla participação na formação da convicção do juiz, acostando, além de argumentos, documentos que demonstrem ou reforcem suas teses, inclusive pareceres técnicos. O juiz, por sua vez, realizará nova atividade cognitiva, porém, amplamente vinculada aos termos e limites da decisão já proferida. Aqui ,o juiz, embora realize atividade cognitiva, não julgará o direito material, pois esse já está definido na decisão, e o juiz poderá e deverá se limitar apenas à definição do valor correspondente a esse direito. Portanto, se da manifestação das partes e dos elementos técnicos por ela trazidos, o magistrado puder por si próprio julgar, esse decidirá de pronto a liquidação. 10 Porém, se da análise demandar questões técnicas complexas, será necessária a produção da prova técnica, pela técnica da prova pericial (art. 464 ao art. 480 do Código de Processo Civil). Assim, haverá intimação das partes para apresentação de quesito e assistentes técnicos, bem como haverá nomeação de perito do juízo, que após apresentação de laudo, oportunizando-se sua impugnação e formulação de quesitos complementares a formar laudo complementar, será novamente apreciado pelo magistrado, que então proferirá sua decisão. A decisão final da liquidação será, necessariamente, uma decisão interlocutória, posto que a fase ou etapa de liquidação será sempre intermediária, não sendo capaz de pôr fim seja à fase cognitiva do procedimento comum, seja à fase executiva, senão para unir uma à outra (art. 203, parágrafos 1º e 2º, do Código de Processo Civil). Assim, o recurso que desafia a decisão da liquidação será o agravo de instrumento, nos termos do art. 1.015, parágrafo único, do Código de Processo Civil. Não obstante, embora não se trate de uma sentença de mérito propriamente dita, capaz de gerar coisa julgada material, a decisão que julga a liquidação se tornará definitiva, após encerrada a fase recursal que está sujeita, não sendo possível a rediscussão de ordem processual ou material. TEMA 4 – LIQUIDAÇÃO POR PROCEDIMENTO COMUM A liquidação por procedimento comum é aquela por meio da qual se faz necessária a produção de prova distinta daquela produzida na fase de conhecimento. Em outras palavras, é necessário agregar-se elementos fáticos para que seja possível ao magistrado determinar o valor correspondente ao direito material contido na sentença. Cabe menção ao termo utilizado pelo Código de Processo Civil de 1973, revogado, que classificava essa espécie de liquidação como sendo “liquidação por artigos”. O art. 509, II do Código de Processo Civil, expressamente declara esta necessidade: Art. 509. Quando a sentença condenar ao pagamento de quantia ilíquida, proceder-se-á à sua liquidação, a requerimento do credor ou do devedor: [...] II – pelo procedimento comum, quando houver necessidade de alegar e provar fato novo. 11 Assim, o que se tem é que na fase de conhecimento, a decisão não apreciou os fatos que conduzirão o magistrado à apuração do valor correspondente ao direito reconhecido na decisão. É o caso das sentenças condenatórias quanto aos expurgos inflacionários das cadernetas de poupança visto acima. Embora o novo código traga a definição dessa espécie como de “procedimento comum”, alguns atos a distinguem do procedimento comum típico da fase de conhecimento. A fase de liquidação sempre será iniciada por iniciativa das partes, seja credor ou devedor, porém, aqui, ao requerer a liquidação, a parte deverá desde logo expor no que consiste o fato novo (não apreciado anteriormente) do qual depende a apreciação para definição do valor em questão. Assim, o valor não será arbitrado pelo juiz, mas será obtido por meio de uma fase instrutória própria. Após o recebimento do requerimento, o demandado (seja credor ou devedor) será intimado para apresentar contestação no prazo de 15 (quinze) dias. Observe-se que, por óbvio, não haverá nova citação, mas mera intimação para apresentação de contestação. Igualmente, não haverá audiência de conciliação prévia, embora a conciliação possa ser obtiva e deva ser incentivada em todas as fases do processo (art. 3º do Código de Processo Civil), mas se passará para diretamente a resposta da parte oposta. É a partir daqui que a fase de liquidação passará propriamente a se reger pelo procedimento comum, inclusive no que diz respeito a todos os meios de prova admitidos. Contudo, a decisão que julgar a fase de liquidação por procedimento comum, diversa da fase de conhecimento, é uma decisão interlocutória, pois não decidiu o direito, apenas o valorou. Dessa forma, ficará igualmente sujeita ao recurso de agravo de instrumento, pela conjugação dos arts. 203, parágrafo 2º e 1.015, parágrafo único, ambos do Código de Processo Civil. Esgotada a etapa recursal, a decisão da liquidação se tornará definitiva. Importante mencionar que embora o novo diploma processual nada verse sobre a “liquidação igual a zero”, é plenamente possível que essa ocorra. Assim, após apurados os fatos, pode-se entender, por exemplo, que do ato ilícito reconhecido na sentença não advieram danos ou prejuízos concretos ao autor. Assim,mesmo que disso implique que não haverá fase de cumprimento de sentença subsequente, a decisão da liquidação permanece sendo interlocutória, posto que não é capaz por si só de encerrar o processo, apenas de reconhecer que o valor do direito reconhecido é igual a zero. 12 TEMA 5 – LIQUIDAÇÃO PARCIAL E LIQUIDAÇÃO PROVISÓRIA Neste último tópico, veremos como aplicar os conhecimentos anteriormente adquiridos quando apenas parte da decisão é ilíquida ou, ainda, quando a decisão a ser liquidada ainda não é definitiva, ou seja, está pendente de análise recursal. 5.1 Liquidação parcial Justamente por se tratar de matéria de exceção, é plenamente possível que uma mesma decisão detenha uma parte liquida e uma parte ilíquida. O próprio diploma processual vigente prevê essa possibilidade no parágrafo primeiro do art. 509. Art. 509. Quando a sentença condenar ao pagamento de quantia ilíquida, proceder-se-á à sua liquidação, a requerimento do credor ou do devedor: [...] § 1º Quando na sentença houver uma parte líquida e outra ilíquida, ao credor é lícito promover simultaneamente a execução daquela e, em autos apartados, a liquidação desta. A solução mais adequada encontrada pelo Código de Processo Civil foi a de permitir que busque a efetivação de seu direito de forma efetiva, ou seja, que com relação à parte líquida, alcance de imediato a fase executiva, isto é, promova o cumprimento de sentença; e com relação à parte ilíquida, promova, primeiramente sua liquidação para só depois ingressar na fase de cumprimento de sentença. Na metáfora do trem realizada, seria como dizer que os vagões seguiriam por caminhos diferentes até a estação final (efetivação do direito material), sendo que parte dele chegaria antes ao destino, e parte dele teria que passar pela “ponte” da liquidação antes de alcançar a etapa final do cumprimento de sentença para chegar ao seu ponto final. É pouco mais que evidente que nesse caso estamos falando de sentença que julgou mais de um pedido, dando caminhos diferentes às soluções alcançadas. Na prática, podemos pensar em um exemplo em que a parte formula pedido de condenação do réu ao pagamento de danos morais e materiais decorrentes do uso indevido de sua imagem. 13 A sentença reconhece que houve o uso indevido da imagem do autor capaz de gerar dano, para tanto, arbitra já na sentença o valor dos danos morais, porém, para realizar a apuração dos danos materiais, entende ser necessário apurar qual seria o real valor da remuneração da imagem em questão. Para tanto, será necessário se apurar, à época dos fatos, quais seriam os valores pagos a modelos que realizassem trabalho assemelhado. Sendo assim, remete a apuração do valor dos danos materiais à fase de liquidação – nesse caso, por arbitramento. Isso significa dizer que por meio do trânsito em julgado dessa decisão, surge a obrigação do réu ao pagamento, de imediato, do valor estipulado na condenação relativa aos danos morais. Portanto, não havendo adimplemento voluntário, o exequente poderia iniciar a fase de cumprimento de sentença. Porém, com relação ao valor dos danos materiais, o devedor não tem como realizar o pagamento de pronto, pois não sabe efetivamente o valor a ser pago. É nessa medida que tanto o credor quanto o devedor poderiam, com relação aos danos materiais, iniciar a fase de liquidação, que após encerrada, podia levar ao adimplemento voluntário ou à fase de cumprimento de sentença, exclusivamente com relação a essa parte ou ainda a ambas as partes, caso tenha o credor optado por aguardar a solução dessa para execução integral. 5.2 Liquidação provisória A liquidação provisória poderá ocorrer quando houve uma decisão ilíquida que ainda esteja pendente de análise recursal. Aqui, optamos pelo termo “poderá” no exato sentido de que a liquidação provisória, assim como a definitiva, depende de iniciativa das partes. O art. 512 do Código de Processo Civil expressamente prevê a possibilidade da liquidação provisória. Art. 512. A liquidação poderá ser realizada na pendência de recurso, processando-se em autos apartados no juízo de origem, cumprindo ao liquidante instruir o pedido com cópias das peças processuais pertinentes. Perceba-se que, ao contrário do que ocorre com o cumprimento provisório, a lei processual não cria nenhuma condição especial à liquidação provisória. Assim, basta que haja uma decisão e que essa esteja sendo discutida em fase recursal, não sendo, portanto, definitiva. 14 Contudo, o Código de Processo Civil nada discutiu a respeito do efeito do recurso ao qual se submete a decisão a ser liquidada, assim, havendo efeito suspensivo ou não ao recurso, é cabível a liquidação provisória. O entendimento que prevalece é aquele pelo qual a fase de liquidação não é capaz, por si só, de gerar qualquer prejuízo às partes. Mas tão somente implica apuração de valores definidos na decisão. Assim, o adiantamento dessa etapa enquanto o processo ainda atravessa a fase recursal não visa atingir direito das partes, mas tão somente encontrar o valor correspondente a uma decisão. Havendo alteração da decisão em sede recursal, a liquidação provisória torna-se imprestável, mas não prejudicial às partes. Considerando que os autos principais (sejam eles físicos ou eletrônicos) seguiram a etapa recursal, necessário se faz que a parte interessada promova a liquidação provisória por meio de autos complementares, acostando cópia de documentos ou arquivos necessários à condução da liquidação. Contudo, é de se observar que, embora o Código de Processo Civil (art. 85) não determine expressamente a fixação de honorários de sucumbência na fase de liquidação, a jurisprudência pátria já tem pacificado o entendimento de que havendo alta litigiosidade nessa etapa processual, é possível a sua fixação, e esse entendimento pode ser estendido à fase de liquidação. O mesmo se aplica com relação às custas processuais, embora não haja custas específicas para a fase de liquidação, os atos realizados nessa fase que tenham gerado despesas processuais devem ser arcados por aquele que a deu causa, assim, tornando-se imprestável a liquidação provisória, e aquele que a iniciou deve ser responsabilizado pelo pagamento destas. 15 REFERÊNCIAS BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, DF: 16 mar. 2015. BUENO, C. S. Manual de direito Processual Civil. 9. ed. São Paulo: Saraiva Edição, 2023. CUNHA, J. S. F. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. CRUZ E TUCCI, J. R. et al. (coord.). Código de Processo Civil Anotado. Curitiba: OAB/PR, 2017. MARINONI, L. G.; ARENHART, S. C.; MITIDIERO, D. Código de Processo Civil Comentado. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023. MARINONI, L. G.; ARENHART, S. C.; MITIDIERO, D. O Novo Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. MARINONI, L. G.; ARENHART, S. C.; MITIDIERO, D. Curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023. THEODORO JUNIOR, H. Processo de execução e cumprimento de sentença. 31. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.