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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Registro: 2023.0000531263 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001442-74.2022.8.26.0434, da Comarca de Pedregulho, em que é apelante ALPERGATT AGROPECUÁRIA LTDA., são apelados SECRETÁRIO DE FINANÇAS DE PEDREGULHO/SP e MUNICÍPIO DE PEDREGULHO. ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 14ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento em parte ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores OCTAVIO MACHADO DE BARROS (Presidente) E WALTER BARONE. São Paulo, 28 de junho de 2023. SILVANA MALANDRINO MOLLO Relator(a) Assinatura Eletrônica PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1001442-74.2022.8.26.0434 -Voto nº 18141 2 Apelação Cível nº 1001442-74.2022.8.26.0196 Apelante: Alpergatt Agropecuária Ltda. Apelada: Municipalidade de Pedregulho Comarca: Pedregulho Juiz de origem: Luiz Gustavo Giuntini de Rezende VOTO Nº 18.141 APELAÇÃO CÍVEL Mandado de Segurança ITBI Integralização de bens imóveis ao capital social da impetrante Pretensão voltada ao reconhecimento da imunidade tributária sobre a totalidade dos imóveis transferidos, nos termos do art. 156, §2º, inciso I, da Constituição Federal Sentença que denegou a segurança Imunidade que deve ficar limitada ao valor dos bens até o montante da integralização do capital social Cabimento da incidência do imposto sobre a diferença entre o valor integralizado ao capital social e o valor venal de cada imóvel Observância ao entendimento firmado pelo E. STF, em sede de repercussão geral (Tema nº 796) “In concreto”, há diferença entre o valor atribuído aos imóveis pelos sócios para conferência das quotas sociais e os respectivos valores venais Imunidade tributária que não alcança o valor excedente Segurança parcialmente concedida Recurso provido em parte. Trata-se de Recurso de Apelação interposto por Alpergatt Agropecuária Ltda. contra a r. sentença a fls. 132/133 que, nos autos do Mandado de Segurança por ela impetrado contra ato do Sr. Secretário de Finanças de Pedregulho, julgou improcedente a demanda, denegando a segurança pretendida, por considerar que o valor dos imóveis excede o limite do capital social a ser integralizado. Insurge-se a apelante, pretendendo o reconhecimento da imunidade total do ITBI sobre o valor integral dos bens conferidos ao seu capital social. Sustenta que tem o direito líquido e certo à não incidência do ITBI sobre a transmissão dos bens imóveis, realizada em ato de integralização do capital social. Ademais, a exceção à regra da imunidade PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1001442-74.2022.8.26.0434 -Voto nº 18141 3 se refere somente às operações de fusão, incorporação, cisão ou extinção da pessoa jurídica, por isso, o benefício pretendido é incondicional. Além disso não há, no caso, valor excedente ou reserva de capital, a qual não pode ser presumida. Requer a concessão de liminar e a reforma da r. sentença. Recebido o recurso, houve apresentação de contrarrazões (fls. 167/168). É O RELATÓRIO. Alpergatt Agropecuária Ltda. impetrou Mandado de Segurança, com pedido liminar, contra ato do Sr. Secretário de Finanças de Pedregulho, objetivando o reconhecimento da imunidade tributária em relação ao ITBI incidente sobre a totalidade dos imóveis transferidos para a integralização ao seu capital social. A liminar foi deferida (fls. 110). A fls. 123/127 foram prestadas as informações pela Municipalidade. Em ato contínuo, o Ministério Público de São Paulo manifestou desinteresse em atuar no feito (fls. 131), sobrevindo, então, a r. sentença que denegou a segurança, ora combatida. Pois bem. Inicialmente, deixo de remeter os autos à D. Procuradoria Geral de Justiça, diante da disponibilidade do direito discutido, inclusive enfatizada pelo Parquet, a fls. 131. O inconformismo merece parcial acolhimento. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1001442-74.2022.8.26.0434 -Voto nº 18141 4 Com efeito, a imunidade tributária prevista no inciso II do §2º do art. 156 da CF impõe a não incidência do ITBI somente sobre o valor do imóvel integralizado ao capital social da empresa, de modo que, sobre o valor do imóvel incorporado que exceder o limite do capital social haverá a incidência do tributo. In concreto, a Municipalidade reconhece a imunidade até o valor do capital social e sustenta que não é imune na parte correspondente à diferença entre o valor integralizado ao capital social e o montante do valor dos imóveis, segundo valores baseados no Decreto Municipal nº 3441/2021 (fls. 69/74). Com efeito, nos termos do recente entendimento fixado pelo E. STF, no julgamento do RE nº 796.376 (Tema nº 796), em sede de repercussão geral, cuja tese fixada foi a seguinte: “A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado". Transcreve-se, abaixo, a ementa do julgado: “EMENTA. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS - ITBI. IMUNIDADE PREVISTA NO ART. 156, § 2º, I DA CONSTITUIÇÃO. APLICABILIDADE ATÉ O LIMITE DO CAPITAL SOCIAL A SER INTEGRALIZADO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO. 1. A Constituição de 1988 imunizou a integralização do capital por meio de bens imóveis, não incidindo o ITBI sobre o valor do bem dado em pagamento do capital subscrito pelo sócio ou acionista da pessoa jurídica (art. 156, § 2º,). 2. A norma não imuniza qualquer incorporação de bens ou direitos ao patrimônio da pessoa jurídica, mas exclusivamente o pagamento, em bens ou direitos, que o sócio faz para integralização do capital social subscrito. Portanto, sobre a diferença do valor dos bens imóveis que superar o capital PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1001442-74.2022.8.26.0434 -Voto nº 18141 5 subscrito a ser integralizado, incidirá a tributação pelo ITBI. 3. Recurso Extraordinário a que se nega provimento. Tema 796, fixada a seguinte tese de repercussão geral: 'A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado'”. (RE 796376, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 05/08/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-210 DIVULG 24-08-2020 PUBLIC 25-08-2020) (g.n) No caso dos autos, verifica-se que a impetrante, ora apelante, defende que houve a integralização total do valor dos bens ao seu capital social, por meio da transferência de dois imóveis rurais. Nesse contexto, conforme se extrai do contrato social, com relação aos imóveis objeto da presente demanda, verifica- se que o sócio Aledson subscreve 282.039 quotas, no valor unitário de R$ 1,00, integralizadas mediante a incorporação de 50% do Imóvel Rural de matrícula nº 8.110, atribuindo à fração ideal o valor de R$ 5.136,00; e 50% do Imóvel Rural de matrícula nº 8.111, atribuindo à fração ideal do imóvel o valor de R$ 4.625,00, além de outros imóveis. Por sua vez, a sócia Cláudia subscreve 214.891 quotas, no valor unitário de R$ 1,00, integralizadas mediante a incorporação de 50% do Imóvel Rural de matrícula nº 8.110, atribuindo à fração ideal o valor de R$ 5.136,00; e 50% do Imóvel Rural de matrícula nº 8.111, atribuindo à fração ideal do imóvel o valor de R$ 4.625,00, além de outro imóvel (fls. 16/29). Ocorre que o imóvel de matrícula nº 8110 do CRI de Pedregulho possui 8,5592 hectares, enquanto o imóvel de matrícula nº 8111 do CRI de Pedregulho possui 7,7068hectares e, considerando o valor de R$ 28.900,00 o hectare, atribuído pelo Decreto Municipal nº 3441/2021, chega-se ao valor de R$ 247.360,88 para o imóvel matrícula nº 8110 e R$ PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1001442-74.2022.8.26.0434 -Voto nº 18141 6 222.726,52, para o imóvel de matrícula nº 8111, o que se afasta, e muito, do valor unilateralmente atribuído. A r. sentença consignou que “os imóveis sob as matrículas nº 8.110 e nº 8.111 do CRI local são rurais, possuindo, respectivamente, 8,5592 e 7,7068 hectares. São imóveis que, segundo cálculo plausível da autoridade coatora, superam o valor de R$ 200.000,00 de mercado cada um (numa avaliação rasteira, diga-se).” Vale ainda lembrar que valores históricos atribuídos às transferências dos imóveis não representam os seus valores venais, tampouco se tem comprovação do valor das respectivas transações, os quais dizem respeito à base de cálculo do ITBI, tratando-se, assim, de valor unilateral, mesmo que atribuído pelo sócio para fins, exclusivamente, de declaração de imposto de renda, nos termos da Lei nº 9.249/95. Aliás, o mencionado dispositivo da lei federal não tem aplicação ao caso em comento, vez que se destina a verificar se, com a transferência do imóvel, houve ganho de capital tributável ou não, para fins, exclusivamente, de imposto de renda. Com efeito, o valor atribuído pela recorrente aos imóveis voltados à conferência do capital social é escolha particular dela e diz respeito somente à pessoa jurídica. Ou seja, se a sociedade decide aumentar o seu capital social levando em consideração o valor venal dos imóveis integralizados ou apenas o seu valor histórico, isso pouco importa para o Fisco, que calcula o ITBI sobre o valor venal dos imóveis transmitidos ou sobre o valor da transação, o que for maior, de modo que, se o valor venal é superior àquele acrescido ao capital social da empresa, o imposto incide sobre a diferença. Nesse aspecto, denota-se que o valor PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1001442-74.2022.8.26.0434 -Voto nº 18141 7 atribuído aos bens pela impetrante, ora apelante, é muito inferior ao valor venal do parecer administrativo da Municipalidade e, por conseguinte, existe uma diferença de valor patrimonial não acobertada pelo ITBI, eis que os respectivos valores venais superam a integralização das quotas sociais. Ressalte-se, ainda, que a interpretação que a apelante tenta dar ao precedente do E. STF (Tema nº 796) não condiz com o sentido expresso da tese jurídica firmada, pois não existem duas operações distintas: a integralização de capital social e a formação de reserva de capital. Mas toda quantia excedente à integralização de capital social é, por definição, capital de reserva, não estando acobertada, assim, pela regra da imunidade. Em casos semelhantes, já proclamou esta E. Corte de Justiça: “AGRAVO DE INSTRUMENTO - MANDADO DE SEGURANÇA - ITBI - Exercício de 2020 - Município de Bertioga - Pedido de emissão de certidão de reconhecimento de imunidade/não incidente de ITBI sobre a operação da integralização de quotas subscritos por sócio da agravante por meio de bem imóvel - Indeferimento da liminar - Cabimento - Ausência de preenchimento dos requisitos para a concessão da medida liminar - Ausência da probabilidade do direito alegado, em sede de análise perfunctória eis que há diferença entre o valor atribuído ao imóvel pelo sócio em relação as quotas a serem subscritas e o valor venal do imóvel - Tema nº 796 do E. STF - Situação que afasta, ao menos em sede de cognição não exauriente, a imunidade tributária à operação - Inexistência de risco de dano grave e irreparável à agravante - Decisão mantida - Agravo desprovido.” (Agravo de Instrumento 2129715-32.2021.8.26.0000; Relator (a): Silva Russo; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Data do Julgamento: 12/08/2021) “Apelação e Reexame necessário Mandado de Segurança com pedido de liminar - Constituição PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1001442-74.2022.8.26.0434 -Voto nº 18141 8 de sociedade com incorporação de bens imóveis ao patrimônio registrada em ata de assembleia - Valor venal dos imóveis superior ao valor nominal do capital social- Cobrança pela Municipalidade de Ribeirão Preto incidente sobre a diferença resultante entre o valor da cota do capital de cada sócio indicado no contrato social, que é o mesmo declarado em seus ajustes de imposto de renda de pessoa física, e o valor venal destes mesmos imóveis Admissibilidade - Incidência do imposto nos termos do artigo 156, parágrafo 2º, I, da CF e art. 36, do CTN - Benefício constitucional que imuniza apenas os bens integralizados até o limite quantitativo do capital social da empresa - Interpretação teleológica do dispositivo constitucional - Sentença reformada em reexame necessário - Recurso do Município provido”. (Apelação/Remessa Necessária nº 1040019-75.2017.8.26.0506, Rel. Des. Roberto Martins de Souza, v.u., 18ª Câmara de Direito Público, j. em 14/09/2018). Dessa forma, de acordo com o entendimento explanado, de rigor a reforma da r. sentença hostilizada, para conceder em parte a segurança pretendida, para reconhecer a imunidade tributária somente sobre o valor dos imóveis que não exceder ao limite do capital social a ser integralizado, incidindo, portanto, o ITBI sobre a diferença entre o valor integralizado ao capital social e o valor venal de cada imóvel, nos termos do que restou decidido no Tema 796 (RE 796.376/SC julgado em 05/08/2020). Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso. SILVANA M MOLLO Relatora 2023-06-28T13:02:42-0300 Not specified