Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.

Prévia do material em texto

A Companhia Estrada de Ferro D. Pedro II: 
O desafio da serra do mar (1850-1865) 1 
 
1 A guisa de uma introdução 
Profundas mudanças marcaram a sociedade ocidental no fim do século XVIII, e em todo 
o século seguinte. Em meio àquilo que aos olhos de Eric Hobsbawm foi percebido como 
as Eras das Revoluções2 e do Capital3, foi desenvolvida e consolidada a modernidade. 
Impulsionada por modificações culturais que passavam pela ordem das transformações 
científico-tecnológicas em suas relações com o mercado mundial, alteraram-se regimes 
de governo, doutrinas econômicas e relações de trabalho.4 Como bem nos ensina 
Hobsbawm, um denso rol de palavras “foram inventadas, ou ganharam seus significados 
modernos” neste instante e “imaginar o mundo moderno sem estas palavras (...) é medir 
a profundidade da revolução que eclodiu entre 1789 e 1848”. Para ele, este processo 
“constitui a maior transformação da história humana desde os tempos remotos quando o 
homem inventou a agricultura e a metalurgia, a escrita, a cidade e o Estado”.5 E entre 
estas palavras – e isto bem entendido significa “as coisas e conceitos a que dão nomes” 
6 - estava à ferrovia. Entendemos que o estudo das estradas de ferro, criadas ao longo do 
século XIX, pode ajudar a compreender melhor aquele momento. 
A The Rocket, não foi a primeira locomotiva a ser inventada, mas, certamente, foi a 
mais famosa do preâmbulo de inovações no setor de transporte sobre trilhos. Criada por 
 
1 (1) O texto representa os ainda iniciais empenhos em pesquisas que se encontram em suas primeiras 
etapas de desenvolvimento. Na ambiência do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade 
Federal do Estado do Rio de Janeiro (PPGH-UNIRIO) trata-se do projeto de pesquisa “Companhia 
Estrada de Ferro D. Pedro II: Segunda Escravidão, Ciência e Poder no desafio da Serra do Mar - 
1850/1865”. No âmbito da Coordenação de Pesquisa da Universidade Severino Sombra (USS) o projeto 
de pesquisa intitulado “Vassouras e o projeto que não foi: Urbanização, Segunda Escravidão e a 
Companhia Estrada de Ferro D. Pedro II no desafio da Serra do Mar - 1850/1865.”(2) Agradeço a 
Adriana Maia Lavinas, a Ricardo Salles, a Pedro Marinho, a Mariana Muaze, Rafael Marquese e aos 
discentes do 5º período do curso de graduação em História da USS (em 2014.1), pelas leituras, discussões 
e sugestões a diferentes versões deste texto; (3) Agradeço ao Museu de Astronomia e Ciências afins que 
acolheu parte significativa do empenho introdutório à delimitação da temática destas pesquisas e ao 
CNPq, a CAPES e a FAPERJ que em diferentes momentos comtemplaram as pesquisas com concessão 
de bolsas. 
2 cf. HOBSBAWM, Eric (2006). A Era das Revoluções (1789-1848). Rio de Janeiro: Paz e Terra. 
3 cf. HOBSBAWM, Eric (1979). A Era do Capital (1848-1875). Rio de Janeiro: Paz e Terra. 
4 cf. HOBSBAWM, Eric (2006). A Era das Revoluções (1789-1848). Rio de Janeiro: Paz e Terra. cf. 
HOBSBAWM, Eric (1979). A Era do Capital (1848-1875). Rio de Janeiro: Paz e Terra. 
5 cf. HOBSBAWM, Eric (2006). A Era das Revoluções ... op. cit. 
6 cf. HOBSBAWM, Eric (2006). A Era das Revoluções ... op. cit. 
 
 
George Stephenson, a The Rocket, como um foguete, alterou os rumos do sistema de 
transporte no mundo7. Mas para refletir sobre o transporte ferroviário, é necessário 
entender que não se tratava só da criação de locomotivas. Para a construção da linha, 
que ligou Liverpool a Manchester em fins da década de 1820, foram realizados vários 
estudos que resultaram em escavações, aterros e perfurações de túneis. Tudo isso, 
buscando o traçado mais plano possível. Além das transformações no setor metal-
mecânico, as ferrovias exigiam estudos em diversas áreas. Por isso, não é exagero 
afirmar, foi o mais sistêmico dos inventos de sua época. Não há área do conhecimento 
humano que não tenha sido impactada pelas demandas ferroviárias. Sua adoção 
estimulou uma cadeia complexa de investimentos científicos, políticos, econômicos e 
sociais, que envolviam, entre tantos outros elementos, os cálculos físicos e matemáticos 
de resistências de materiais, os estudos topográficos, o desenvolvimento de sistema 
contábil, os debates e produções de leis, decretos e normatizações, a captação de 
recursos financeiros e muito mais8. 
Quase de forma simultânea, foram implantadas na Europa e na América as malhas 
ferroviárias para integrar as zonas de produção aos portos e daí ao mercado atlântico e 
além. As estradas de ferro contribuíram para o desenvolvimento da modernidade 
mundial, garantindo coerência ao desenvolvimento de um capitalismo onde mundos 
 
7 Segundo Lima (2007), em 1808, Richard Trevithick apresentou uma locomotiva “capaz de aproveitar a 
alta pressão do vapor e andar sobre trilhos de ferro”. Segundo o autor, o invento causou grande 
repercussão na imprensa inglesa. Ainda segundo seus estudos, Lima afirma que foi a partir de 1812 que 
“as locomotivas começaram a se disseminar pela Inglaterra e em 1825, foi inaugurada a primeira ferrovia 
pública inglesa, cobrindo uma distância de 14 quilômetros. Era a Rocket, construída por George 
Stephenson”. Cf. LIMA, C. C. A. (2007). Onde Há Fumaça Há Fogo: A Influência da Economia 
Cafeeira na Construção da Estrada de Ferro D. Pedro II – 1855-1889. Dissertação de Mestrado 
apresentada ao programa de Pós Graduação em História da Universidade Severino Sombra. 
8 Adriana Maia Lavinas, ainda que de forma rápida, realizou interessantes observações, informando que a 
partir do “contexto da economia mundo, para além das unidades fabris, o mercado mundial capitalista do 
século XIX conformava e era conformado também pela oferta de produtos primários”, onde as ferrovias 
desempenharam papel importante. Segundo suas verificações, os administradores destas ferrovias 
“desenvolveram medidas como o custo por tonelada – milha, para tipos individuais de mercadorias e para 
cada segmento geográfico de operações”, e “usaram uma nova medida, chamada quociente operacional, 
que media a proporção entre despesas e receitas, usando-as para duplo controle operacional”. Ainda, 
segundo Maia Lavinas, alguns destes conhecimentos podem ter impactado a administração das fazendas 
do Vale do Paraíba, a partir também de um controle contábil sobre o complexo produtivo. LAVINAS, A. 
T. D. C M. A importância da contabilidade gerencia na gestão e tomada de decisão nas micro e 
pequenas empresas – um estudo no município de Vassouras/RJ. Vassouras: Monografia (Curso de 
Administração de Empresas), Universidade Severino Sombra, 2012. cf. EL-KAREH, Almir Chaiban. 
(1982). Filha branca de mãe preta: a Companhia da Estrada de Ferro D. Pedro II, 1855-1865. Vozes. p. 
14-15. 
 
 
extremos mantinham íntima conexão e desenvolviam-se mutuamente. Em poucos anos, 
as ferrovias multiplicaram-se, tanto na Europa quanto na América. Integraram, 
inicialmente, as zonas de produção fabris ou rurais, as praças de negócios e destas o 
mercado mundial. 
Mas a implantação das ferrovias não foi tarefa simples. Para o caso brasileiro, a 
principal zona de produção de gêneros para o mercado externo situava-se na calha 
formada entre a Serra do Mar e a Serra da Mantiqueira: o Vale do Rio Paraíba do Sul. 
Para ultrapassar a Serra do Mar e ligar a zona de produção de café à praça de negócios 
do Rio de Janeiro, foi criada na década de 1850 a Companhia Estrada de Ferro D. Pedro 
II. Por meio desta companhia, atores e agentes empreenderam debates e realizaram 
obras que resultaram no mais denso e complexo esforço de engenharia de toda a 
América Latina daquele tempo. 
 
2 As ferrovias e a segunda escravidão 
Ao empreender análises a partir do calendário apresentado nas primeiras páginas do 
Almanak administrativo mercantil e industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro 
para o ano de 1849, Ilmar Rohloff de Mattos, lembra-nos que àquele momento, oImpério do Brasil não tinha o seu “sentido definido pela tendência ao exercício 
ilimitado – espacial, temporal e ideológico – que (...) fundava a concepção anterior”, no 
tocante a “conformação e sentido antigo, que o ‘rei velho’ imaginara poder transmigrar 
para os trópicos em 1808”. Em larga medida, esta impossibilidade, teria se dado a partir 
das significações e ressignificações de um quadro geral que proporcionou mudanças 
profundas nas percepções e visões de mundo a partir das “Era das Revoluções” e “Era 
das Abolições” 9. Do desdobramento destas, um longo processo de mudanças foram 
expandidas por diversos agentes e por extensa espacialidade. Europa, América, África e 
Ásia não foram mais as mesmas. Na vida vivida por homens e mulheres daquele tempo, 
os fios dos novelos que por alguns destes eram desenrolados, permitiu a tessitura de um 
novo quadro de relações, onde o liberalismo como ossatura ganhava formas específicas, 
a partir tanto dos fios, como dos tecelões. Teciam-se experiências que favoreciam novas 
 
9 Cf. MATTOS, I. R. (2009). O gigante e o espelho. In: Grinberg, Keila; Salles, Ricardo. (Org.). O Brasil 
Imperial. 1ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, v. 2, p. 13-52. 
 
 
configurações nas relações entre diversos agrupamentos sociais, sitos em localidades 
das mais diferentes, mas com intimas relações frente à mundialização do mercado. 
Em tal desenho, emergiu, ou melhor, foi emerso por novos agentes e atores, um 
posicionamento contrário às feições e ossatura daquilo que a historiografia 
convencionou chamar de Antigo Regime europeu e seu correlato americano, o antigo 
Sistema Colonial, derrubando-os. De modo simultâneo, deu-se o processo de formação 
de Estados Nacionais tanto na Europa quanto nas Américas.10 
A reformulação do mercado de commodities e a expansão do consumo de produtos 
industriais estiveram no bojo do quadro geral destas transformações. Este processo 
carreava consigo a certeza na ciência como força social e política de transformações e 
rupturas. Segundo Hobsbawm, “com tal confiança nos métodos da ciência, não é de se 
surpreender que os homens instruídos da segunda metade do século XIX estivessem tão 
impressionados com suas conquistas”. Concluía que “de fato [esses homens], às vezes 
chegavam a pensar que estas conquistas não eram apenas impressionantes, mas também 
finais”.11 No conjunto desta era de revoluções, o ferro e o vapor ocuparam parte 
significativa dos empenhos em pesquisas e inventos. As estradas de ferro passaram a 
desempenhar papel importante tanto no quadro geral, como nas especificidades das 
diversas formações sociais daquele tempo, permeando as concepções de mundo. De 
modo particular, foram identificadas como símbolo de progresso e modernidade, 
impactando a própria noção de civilização. 
Entre as maiores dificuldades para empreender estudos sobre as questões que envolvam 
ciência, técnica e tecnologia em sua relação com o Vale do rio Paraíba do Sul 
oitocentista, certamente encontra-se a necessidade de suplantar duas importantes 
vertentes historiográficas, (1) aquela que apregoa a ideia de um modo de produção 
colonial, o que permitiu a formulação do conceito de escravismo colonial e (2) aquela 
 
10 cf. BLACKBURN, Robin (2002). A queda do escravismo colonial, 1776-1848. Rio de Janeiro: Record. 
cf. TOMICH, Dale (2011). Pelo prisma da escravidão. Trabalho, Capital e Economia Mundial. São 
Paulo, Editora da Universidade de São Paulo. cf. MARQUESE, R. B.; PARRON, Tâmis. (2011). Revolta 
escrava e política da escravidão: Brasil e Cuba, 1791-1825. Revista de Índias, v. 71. Disponível em: 
http://revistadeindias.revistas.csic.es/index.php/revistadeindias/issue/view/90/showToc. cf. SALLES, R. 
(2012). O Império do Brasil no contexto do século XIX. Escravidão nacional, classe senhorial e 
intelectuais na formação do Estado. Almanack, v. 1. Disponível em: 
http://www.almanack.unifesp.br/index.php/almanack/article/view/840 p. 5-45. 
11 Cf. HOBSBAWM, Eric (1979). A Era do Capital... op. cit., p. 24. 
 
 
que apresenta o arcaísmo como um projeto. Embora tais correntes sejam diametralmente 
opostas, em comum, ambas apresentam a noção de que a escravidão teria sido um 
obstáculo à modernidade do Brasil oitocentista.12 Tal visão entra em conflito com os 
estudos da história da ciência, da técnica e da tecnologia no Brasil oitocentista, que têm 
apresentado novos e importantes resultados, contribuindo para alterar percepções 
anteriores de um Império que, quando muito, seria mero consumidor e reprodutor de 
ciência produzida alhures.13 
Para o desafio de melhor estudar a relação entre escravidão, modernidade e 
formação/consolidação dos Estados Nacionais no continente americano, e de forma 
mais particularizada, a relação entre os avanços propiciados pelo instigante cotejo entre 
a História da Ciência e da História de Escravidão no Brasil oitocentista, optamos pela 
noção de segunda escravidão, formulada de Dale Tomich14. Segundo essa visão, essa 
segunda escravidão integrou-se no desenvolvimento do capitalismo industrial e do 
mercado mundial do século XIX. E, por isso mesmo, se desenvolveu com ele, não a 
despeito dele. Este processo promoveu alterações profundas no escravismo em escala 
mundial. Essas mudanças levaram à crise e derrubada do Antigo Regime, que em certa 
medida sustentava e era sustentado pelo escravismo colonial. Mas, diferente do que se 
poderia supor este novo momento não marcou decisivamente a derrubada do escravismo 
como força motora da economia. Pelo contrário, segundo o historiador, os princípios 
liberais e a Revolução Industrial, se por um lado causaram, ou ao menos favoreceram, a 
implosão de diversos sistemas escravistas como na Jamaica, no Haiti e na Martinica, por 
 
12 Sobre o escravismo colonial ver: GORENDER, J. (1978). O escravismo colonial. São Paulo: Ática. 
GORENDER, J. (1990). A escravidão reabilitada. São Paulo: Ática. CARDOSO, C. F. S. (1975). O 
modo de produção escravista colonial na América. In: Théo Santiago (org.) América Colonial. Rio de 
Janeiro: Palhas. CARDOSO, C. F. S. (1979). Agricultura, escravidão e capitalismo. Rio de Janeiro: 
Vozes. Sobre o arcaísmo ver: FRAGOSO, J. (1992). Os homens de grossa aventura: acumulação 
mercantil e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Arquivo 
Nacional. FRAGOSO, J.; FLORENTINO, M. (1993). O arcaísmo como projeto. Rio de Janeiro: 
Diadorim. 
13 Como bem pontuou Pedro Marinho, no século XIX “tomaram vulto discussões científicas e técnicas e 
estas chegavam ao Brasil ao mesmo tempo em que outras eram aqui formuladas com igual intensidade” 
cf. MARINHO, P. E. M. M. (2002). Engenharia Imperial... op. cit., p 65. Ver também: DOMINGUES, 
H. M. B. (2011). O Homem, as Ciências Naturais e o Brasil no Século XIX. Revista Acervo, 22, nov.. 
Disponível em: http://revistaacervo.an.gov.br/seer/index.php/info/article/view/76/58. DOMINGUES, H. 
M. B. (1986). Os intelectuais e o poder na construção da memória nacional. Tempo brasileiro, v. 87. 
MARINHO, P. E. M. M. (2008). Ampliando o Estado Imperial... op. cit. 
14 cf. TOMICH, Dale (2011). Pelo prisma... op. cit. Ver, em especial, o terceiro capítulo da primeira parte 
da obra, de título, Segunda Escravidão. 
 
 
exemplo, em outras regiões, como no ocidente de Cuba, no sul dos Estados Unidos e no 
sudeste do Brasil, ocorreu o contrário. A escravidão foi reforçada e ampliada em novos 
moldes. Nessas regiões a tecnologia e a expansão do mercado mundial deram novo 
fôlego à escravidão segundo novas justificativas e novas formas de dominação e 
reprodução do sistema. “Essa ‘segunda escravidão’ se desenvolveu não como uma 
premissa histórica do capital produtivo, mas pressupondo sua existência como condição 
para sua reprodução”15.3 Das trilhas aos trilhos 
Em comum, Brasil, Cuba e Estados Unidos, cada qual a seu modo, experimentaram o 
processo de formação de novas áreas de produção de commodities, organizadas a partir 
da mão de obra escrava, da alta especialização da produção e de sistemas de integração 
entre as zonas de produção e as praças comerciais onde se centravam os portos. Assim 
desenvolveu-se a produção de algodão nos Estados Unidos, principalmente no vale do 
Mississipi, e a produção açucareira no ocidente da ilha de Cuba16. No Brasil, a 
experiência se deu em uma área também nova à produção em larga escala. Era o Vale 
do Rio Paraíba do Sul, que recebeu incremento a formação de grandes fazendas 
especializadas na cultura cafeeira17. A efetiva implantação dos caminhos de ferro - com 
seus respectivos e necessários investimentos em capitais e debates políticos - se deu 
 
15 TOMICH, Dale (2011). Pelo prisma... op. cit. p. 87. 
16 cf. MARQUESE, R. B. (2006). Revisitando casas-grandes e senzalas: a arquitetura das plantations 
escravistas americanas no século XIX. Anais do Museu Paulista, v. 14. Disponível em: 
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0101-47142006000100002&script=sci_arttext. cf. MARQUESE, R. 
B. (2010) O Vale do Paraíba cafeeiro e o regime visual da segunda escravidão: o caso da fazenda 
Resgate. Anais do Museu Paulista, v. 18. 
17 A formação da plantation cafeeira no Vale do Paraíba, a partir de uma íntima relação com o mercado 
externo foi tratado em várias obras. Entre outras ver: DEAN, Warren (1996). A Ferro e Fogo: a história e 
a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo, Cia. das Letras. Em especial o capítulo 8.; 
MARQUESE, R. B. (2004). Feitores do corpo, missionários da mente: senhores, letrados e o controle 
dos escravos nas Américas, 1660-1860. Companhia das Letras. Em especial o capítulo 6.; Sobre a 
construção social do Vale do Paraíba como locus de referência da produção cafeeira para o mercado 
externo e esteio da economia e cultura Imperial, aos agentes coevos, Taunay afirma que ao se dizer “‘o 
Vale’, todo o país sabia tratar-se do Vale-paraibano, ou do Vale do Paraíba ou, ainda, do Vale do rio 
Paraíba do Sul”. Cf. TAUNAY, Afonso d'Escragnolle (1945). Pequena história do café no Brasil: 1727-
1937. Ed. do Departamento Nacional do Café, p. 233-234. Ver também: cf. SALLES, R. (2008). E o Vale 
era o escravo. Vassouras - século XIX. Senhores e escravos no Coração do Império. 1. ed. Rio de 
Janeiro: Civilização Brasileira.; MUAZE, M. A. F. (2011). O Vale do Paraíba e a dinâmica Imperial. In: 
LERNER, Dina; MISZPUTEN, Francis (Orgs). Inventário das Fazendas do Vale do Paraíba Fluminense 
- fase III. 1ed. Rio de Janeiro: INEPAC/ ICCV, v. 3, p. 293-340. 
 
 
rapidamente no continente americano. Duas das três maiores potências escravistas de 
então, já na década de 1830, efetivaram a criação de suas primeiras ferrovias. Eram elas 
Estados Unidos e Cuba. 
Os Estados Unidos tiveram as primeiras estradas de ferro do continente americano. Em 
1830 já contava com empresas para a construção de locomotivas18. Nesta experiência 
foi seguido por Cuba, que em 1832 já iniciava a construção de uma ferrovia que deveria 
ligar Havana a Güines. O intento foi concretizado em 1837, quando se inaugurava a 
primeira estrada de ferro cubana19. Daí por diante, as ferrovias nestas duas regiões, 
assim como na Inglaterra, na França, na Alemanha e em outras regiões da Europa, só 
fizeram crescer. De certo modo, o mesmo aconteceu no continente americano. No 
conjunto destas transformações dos meios de transporte, também se conformaram 
mudanças no processo produtivo com a adesão as alterações propiciadas pelo ferro e 
pelo vapor, em substituição a madeira e a água, nas regiões de plantation.20 
Para o caso brasileiro, a proposta de construir uma estrada de ferro ligando a Corte às 
províncias de São Paulo e Minas Gerais, foi processo longo, moroso e marcado por uma 
série de tensões que envolviam desde as avultadas somas dos capitais necessários, 
passando pelas questões das viabilidades técnico-científicas. Deve-se ainda, compor 
este quadro o desequilíbrio das contas do Império e sua situação política. Ainda assim, o 
tema também foi posto no horizonte das propostas estratégicas dos dirigentes da nação. 
Em 1835, Antonio Paulino Limpo de Abreu, Ministro da Justiça e interino do Ministério 
do Império e o então regente, Diogo Antonio Feijó, assinaram decreto que “concedia a 
uma ou mais Companhias, que fizerem uma estrada de ferro da Capital do Império para 
as de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, e Bahia, o privilégio exclusivo por espaço de 40 
 
18 FOGEL, Robert William (1964). Railroads and American economic growth: essays in econometric 
history. Baltimore: Johns Hopkins Press. 
19 RODRIGUEZ, H. S. (2004). A formação das estradas de ferro no Rio de Janeiro: o resgate da sua 
memória. Memória do Trem. s/e. BAZZANI, Eduardo L. Moyano (1991). La nueva frontera del azúcar: 
El ferrocarril y la economía cubana del siglo XX. CSIC-Dpto. de Publicaciones. 
20 RIBEIRO, L. C. M. (2006). A invenção como ofício: as máquinas de preparo e benefício do café no 
século XIX. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material. São Paulo. MARQUESE, R. B. 
(2010). O Vale do Paraíba cafeeiro e o regime visual da segunda escravidão: o caso da fazenda Resgate. 
Anais do Museu Paulista (Impresso), v. 18. Disponível em: 
http://www.scielo.br/pdf/anaismp/v18n1/v18n1a04.pdf. Acesso em 14/04/2014. 
 
 
anos para o uso de carros para transporte de gêneros e passageiros”21. Com estas 
condições, não se apresentaram interessados, contudo, em junho de 1838, o Dr. Tomás 
Cochrane realizou requerimento para “um privilégio por oitenta anos para construir uma 
estrada de ferro que partindo da Pavuna, no Rio, fosse até Resende, às margens do 
Paraíba”22. Apesar de destoar da legislação pertinente, o requerimento foi aceito em 
novembro de 184023. Para alguns estudiosos do tema ferroviário, a iniciativa 
“permaneceu letra morta da lei”24. 
Dez anos depois, o mesmo Cochrane, mesmo sem ter conseguido amealhar os capitais 
necessários ao início da obra, sem ter fincado um único metro de trilhos paralelos, 
apresentou, a Assembleia Geral e a Assembleia da Província do Rio de Janeiro, novo 
pedido de privilégio e outras regalias que considerava necessárias ao intento. Após 
intensos debates em ambas as casas foi concedido novo privilégio e ainda, a garantia de 
juros sobre o capital investido, até que a companhia pudesse ofertar lucro aos 
investidores25. Novamente, o intento de Cochrane não logrou êxito. 
A formação das unidades produtoras de café no Vale do Paraíba esteve relacionada, 
entre outros fatores, a existência de uma série de estradas e trilhas, variantes do 
Caminho Novo. Caminhos abertos entre fins do século XVII e XVIII foram transitados 
por tropeiros que garantiam o abastecimento das regiões mineiras e posteriormente, o 
fluxo de alimentos para o Rio de Janeiro e para a Corte, instalada, em 1808, nesta 
cidade. Boa parte dos bens e alimentos envolvidos neste comércio era produzida no 
Vale do Paraíba26. Foi neste instante que o tropeirismo encontrou sua fase de maior 
 
21 BRASIL (1891). Coleção de leis e decisões do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 
1827-1889. Disponível em http://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio. Acesso em 14/04/2014. 
22 EL-KAREH, Almir Chaiban. (1982). Filha branca... op. cit. p. 12. 
23 Idem. 
24 cf. CUNHA, A. S. (2012). Políticas Ferroviárias no Império: O Brasil e a Bahia. Disponível em: 
http://anpuhba.org/wp-content/uploads/2012/12/Aloisio_Santos_da_cunha.pdf. cf. MARINHO, P. E. M. 
M. (2007). Engenharia e Política: Os engenheiros entre a sociedade civil e a sociedade política. 
Disponívelem: http://anpuh.org/anais/wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S24.0465.pdf. SILVA, Ercília 
de Fátima Pegorari. (2008). Ferrovias: da produção de riquezas ao apoio logístico no Triângulo Mineiro. 
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia do Instituto de 
Geografia da Universidade Federal de Uberlândia. 2008. 
25 LIMA, C. C. A. (2007). Onde há fumaça há fogo: a influência da economia cafeeira na construção da 
estrada de ferro Pedro II: 1855-1889. Dissertação de Mestrado, Universidade Severino Sombra. 
26 cf. BORGES, Magno Fonseca. (2005). Protagonismo e sociabilidade escrava na implantação e 
ampliação da cultura cafeeira: Vassouras – 1821-1850. Vassouras: dissertação de mestrado, 
 
 
expansão e complexidade. A partir de uma grande rede comercial eram integrados ao 
Vale, os muares criados em escala comercial no Sul do Brasil. As tropas de muares - 
capazes de percorrer a topografia montanhosa que se interpunha entre o Vale do Paraíba 
e os portos litorâneos – formaram um sistema de transporte que atendia as demandas do 
período de introdução e expansão da cultura cafeeira. As novas configurações do 
mercado mundial jogaram forte peso aos sistemas de transporte. Numa conjuntura em 
que o principal item de exportação da nação era transportado por milhares de muares, 
conduzidos por centenas de escravos e homens livres, desenvolveu-se um intricado 
mercado, que por um lado promoveu a riqueza e poder dos grandes senhores de 
escravos do Vale, e também permitiu a alguns destes tropeiros a acumulação de capitais. 
Por outro lado, o adensamento deste mercado e da formação social ao seu redor 
permitiu, de algum modo, que, dos extratos mais altos deste corpo social, emergissem 
alguns dos principais porta-vozes políticos que incorporavam e eram incorporados a 
direção hegemônica do Império27. 
As grandes unidades de produção buscavam formar suas próprias tropas, provendo a 
produção de um conjunto de saberes neste ramo. Luiz Gomes Ribeiro, importante 
proprietário de terras e escravos no Vale do Paraíba, faleceu em 1839. Em seu 
inventário, aberto no ano de 1841, entre o conjunto de bens listados pelos avaliadores, a 
Fazenda do Guaribú, contava com muares, escravos tropeiros e toda a tralha necessária 
para equipar as tropas de muares. Entre os filhos deste proprietário, Claudio Gomes 
Ribeiro de Avellar, o Barão de Guaribú, foi um dos mais destacados. Com sua morte, 
 
Universidade Severino Sombra. cf. ALMEIDA, Ana Maria Leal de (2005). Da casa e da roça: a mulher 
escrava em Vassouras no século XIX. SL (Vassouras – RJ): se.. cf. STEIN, Stanley (1990). Vassouras. 
Um município brasileiro do café, 1850-1900. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. cf. LAMEGO, Alberto 
(1978 [1935]). O homem e a serra, 2a ed. Rio de Janeiro: IBGE, 1962 [1950]; RAPOSO, Inácio (1978). 
História de Vassouras. Niterói: SEEC. 
27 cf. RIBAS, Rogério de Oliveira. (1989). Tropeirismo e escravidão: um estudo das tropas de café das 
lavouras de Vassouras, 1840-1888. Dissertação de Mestrado. Curitiba: Universidade Federal do Paraná. 
cf. LENHARO, Alcir. (1992 [1979]). As tropas da moderação. O abastecimento da Corte na formação 
política do Brasil, 1808-1842. Rio de Janeiro: Prefeitura do Rio de Janeiro (SMCTE). ESCOSTEGUY 
FILHO, João Carlos (2010). Tráfico de escravos e direção Saquarema no Senado do Império do Brasil. 
Dissertação de Mestrado. Universidade Federal Fluminense. Sobre o adensamento do mercado na região 
do Rio de Janeiro e a conformação de interesses próprios e de sua expressão no plano político, cf. 
OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles (2003). Tramas políticas, redes de negócios. In: JANCSÓ, István 
(org.), Brasil: formação do Estado e da Nação, São Paulo, Hucitec/Editora da USP. Também da mesma 
autora e na mesma direção, cf. OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles (2005). Sociedade e projetos 
políticos na província do Rio de Janeiro (1820-1824). In: JANCSÓ, István (org.), Independência: 
História e Historiografia, São Paulo, Hucitec. 
 
 
em 1863, foi lido seu testamento. Nele o Barão de Guaribú declarou que entre os bens 
que possuía estavam “as Fazendas de Guaribu, Antas, Boa União, Encantos e Guaribu 
Velho, com todas as terras e benfeitorias nelas existentes, escravatura, tropa, gado, 
diversos trastes e obras de prata”.28 
Para o mesmo ano de 1863, Mariana Muaze mostra que, entre os bens que compunham 
o espólio do Barão de Capivary, além dos 709 escravos, dentre os quais vários tropeiros, 
estavam às fazendas Cachoeira, Posse, São Joaquim, Gloria, Papagaio e Pau Grande. 
Entre louças pratarias e animais de criação, constavam também 80 bestas e 100 bois de 
carga29. A elevação da produção cafeeira e a necessidade de avanço espacial da fronteira 
da mercadoria foram uma constante e provocaram grande tensão sobre aquele sistema 
de transporte. Até a década de 1860, mal ou bem, o sistema de transporte por tropas 
ainda satisfazia às necessidades da cafeicultura escravista, mantendo a paisagem do 
Vale basicamente inalterada. 
Mas a configuração desta paisagem começou a ser impactada já no começo da década 
de 1850, momento de apogeu da cultura cafeeira, por um lado, e de inflexão na história 
do país, por outro. Esse impacto deveu-se basicamente à proibição do tráfico 
internacional de escravos. Neste momento, o avanço da cultura cafeeira sobre as antigas 
zonas de produção de alimentos mostrava seu revés, gerando forte pressão inflacionária 
sobre os mantimentos, dentre os quais assomava o milho, que constituía o combustível 
das tropas de mulas30. A partir de suas investigações, Muaze verificou que em 1855, o 
 
28 cf. SALLES, R.; BORGES, Magno Fonseca (2012). A morte do barão de Guaribu... op. cit. p. 69 e 86. 
29 Ainda tratando da questão das atividades do transporte feito em lombos de mula, Mariana Muaze 
descreveu que “depois que o café era descascado, separado e ensacado, um grande número de escravos 
conduzia-o, em tropas, no lombo de burros, sob o comando de um arrieiro, até uma casa comissionaria 
no Rio de Janeiro”. Mariana Constatou que “somente os fazendeiros mais ricos do vale possuíam tropas”. 
Isto se dava, porque o contingente de escravos e animais destinados ao transporte era muito grande. Um 
senhor de escravos que possuísse tropas, deveria ter ainda, escravos em número suficiente para tocar as 
atividades rotineiras e cotidianas da propriedade, enquanto os tropeiros estivessem em viagem. Soma-se a 
isso, o elevado custo com a aquisição e alimentação dos animais. A partir de suas pesquisas, Muaze 
revela que na década de 1860, o Barão de Capivary teve que recorrer a aluguel de pasto e compra de 
milho para a manutenção da tropa. Além da manutenção de escravos tropeiros, que deixariam as 
atividades da produção para dedicar-se ao transporte, ainda havia a necessidade de contratarem-se os 
arrieiros, que tinham a função de conduzir o deslocamento, liderar e vigiar os escravos e zelar pela carga 
bem como pela vida e saúde dos muares. Este arrieiro ainda devia organizar o percurso de volta a 
fazenda, aproveitando a tropa para fazer afluir ao Vale gêneros adquiridos na corte ou no mercado 
externo. cf. MUAZE, Mariana (2008). As memórias da viscondessa: família e poder no Brasil Império. 
Jorge Zahar Editor Ltda. p. 87-90. 
30 cf. RIBAS, Rogério de Oliveira. (1989). Tropeirismo e escravidão... op. cit. 
 
 
Barão de Paty do Alferes reclamava que “haveria de comprar 25 animais, de um 
pequeno lavrador, a 110 mil reis cada, para repor sua tropa. (...) Tal aquisição 
implicaria ainda mais investimentos na compra de milho”.31 
Stein ao tratar o tema, narrava os elevados riscos da viagem. Em parte proveniente do 
péssimo estado das estradas. A logística de transporte por muares “exigiauma despesa 
fixa e frequentemente envolvia perdas com mulas aleijadas ou afogadas e café 
encharcado ou sujo de lama” 32. Sobre este ponto, Muaze concordou com as 
verificações de Stein, que também destacou o elevado custo com manutenção da tropa, 
principalmente com a contratação de arrieiros, com alimentação e com o volume de 
escravos destinados a atividade do transporte, que deixavam de compor a força dos 
trabalhos da fazenda33. Com salientou Muaze, as tropas teriam peso nas relações de 
negócio e de poder entre grandes senhores e aqueles homens pobres e livres, pequenos 
lavradores, ou ainda de escravos, no cultivo de suas pequenas roças34. Contudo, Stein 
indicava que “o fazendeiro se rendia ao inevitável”, pois, segundo o próprio Barão de 
Paty do Alferes – que em 1855 era possuidor de 105 bestas que, em 4 dias, percorreram 
a Serra do Mar com destino a Corte, para levar o montante 30 mil arrobas de café para a 
praça de negócios do Rio de Janeiro35 - concluiu, “sem o trem de carga você não pode 
ser um fazendeiro da Serra Acima” 36. Eduardo Silva destacou que “o alto custo de 
manutenção das tropas e a má conservação das estradas eram as principais queixas 
dos ‘Barões do café’ que assim, justificavam seus pedidos de que a estrada de ferro 
chegasse até Vassouras”. 
Se, até meados dos anos de 1850, os altos custos envolvidos com as tropas eram 
compensados com a expansão das plantações e da produção, bem como pela abundância 
da mão de obra escrava proveniente do tráfico africano, a partir desse momento essas 
condições começaram a mudar. As grandes propriedades cafeeiras já estavam 
estabelecidas e colhiam os frutos dos pés de café plantados nas décadas anteriores, 
 
31 cf. MUAZE, Mariana (2008). As memórias da viscondessa... op. cit. p. 87-90. 
32 cf. STEIN, Stanley. (1990) Vassouras... op. cit. p. 121. 
33 cf. idem, p. 121-133. 
34 cf. MUAZE, Mariana (2008). As memórias da viscondessa... op. cit. p. 90. 
35 cf. SILVA, Eduardo (1984). Barões e escravidão: três gerações de fazendeiros e a crise da estrutura 
escravista. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. p. 161. 
36 Barão de Paty do Alferes, Apud. STEIN, Stanley. (1990) Vassouras... op. cit. p. 121. 
 
 
diminuíam as áreas de terras virgens que poderiam manter e expandir o ritmo da 
produção e, principalmente, escasseava a mão de obra escrava. É nesse momento que a 
questão da ferrovia, assim como a questão da introdução de novas tecnologias nas 
fazendas de café, volta a se colocar na ordem do dia. Para Rafael Marquese, a este 
quadro, deve se somar que, na década de 1850, “consolidou-se o know-how necessário 
para a construção de linhas ferroviárias capazes de atravessar grandes obstáculos 
topográficos como serras e cordilheiras” 37. Engenheiros ingleses e americanos 
passaram a ser requisitados por conta do domínio tecnológico. Foram responsáveis por 
estudos e direção de obras da Estrada de Ferro D. Pedro II entre as décadas de 1850 e 
1860 38. 
Como verificamos acima, as iniciativas de Cochrane, não foram adiante, em muito, por 
conta da dificuldade de conseguir os capitais necessários. Outras propostas para 
construção de uma ferrovia que ultrapassasse a Serra do Mar, pouco ou nada estudadas 
pela historiografia, mas encontradas nos periódicos de época, foram apresentadas. Entre 
elas, a proposta resultante dos estudos custeados pelos Teixeira Leite, com apoio dos 
Werneck e dos Correa e Castro, ainda pelos idos de 185239. 
Em meio ao apogeu da cultura cafeeira no Vale, para cumprir o papel de levar os trilhos 
até as margens do Rio Paraíba do Sul e de lá desdobrar-se em direções opostas, com 
vistas a alcançar as províncias de São Paulo e Minas, nasceu, não sem conflitos, a 
CEFDPII. Em nossa análise, entendemos que embora a Estrada de Ferro D. Pedro II 
(EFDPII), construída e administrada pela Companhia de mesmo nome, não tenha sido a 
primeira ferrovia do Brasil, foi o resultado possível do processo de embates entre a 
sociedade e o governo, iniciado em 1835. Foi das tensões em torno do caminho de ferro 
que iria transpor a Serra do Mar, que se formaram as bases para a implantação de 
ferrovias no Brasil. As ferrovias compunham parte da agenda das políticas públicas que 
envolvia as obras de infraestrutura, ou, como no linguajar de época, as melhorias 
materiais. Ferrovias e outros melhoramentos de infraestrutura que já vinham sendo 
pensados antes começavam a sair do papel, ou melhor, foram retomadas a partir de 
 
37 MARQUESE, R. B. (2012) Capitalismo, escravidão e a economia cafeeira do Brasil no longo século 
XIX. Disponível em: http://people.ufpr.br/~lgeraldo/textomarquese.pdf. Acesso em 14/04/2014. p.19. 
38 EL-KAREH, Almir Chaiban. Filha branca... op. cit. 
39 RAPOSO, Inácio (1978). História de Vassouras... op. cit. p. 129. 
 
 
1848, em grande medida, a partir de uma linha política conservadora e modernizante, 
impressa pela trindade saquarema40, a exemplo Decreto nº 641, de 26 de julho de 1852, 
que reorganizou a concessão de linhas férreas para integrar a Corte, a região do Vale do 
Paraíba e as províncias de São Paulo e Minas Gerais através da Serra do Mar41. 
Nossa análise tem como seu objeto principal os interesses materiais e morais que foram 
levados em conta na delimitação do traçado da segunda seção da EFDPII. Replica-se 
constantemente na historiografia que este traçado colocou em lados opostos as famílias 
Darrigue Faro e Teixeira Leite42. Esses conflitos, travados em torno de questões técnicas 
e científicas, opondo os engenheiros Lane e Garnett, evidenciaram fraturas entre duas 
importantes famílias da classe senhorial da região de Vassouras e Piraí/Valença. A 
reflexão acerca desse conflito pode evidenciar até que ponto certo discurso nacional 
poderia confrontar-se com interesses locais. Como os estudos técnico-científicos, 
empreendidos à época, foram utilizados para tomada de decisão? E por fim, de que 
forma se articulam Instituição, Ciência e Poder? 
 
4 Algumas primeiras (e provisórias) conclusões 
A região pioneira da produção em larga escala do café, o médio Vale do Paraíba, 
separada geofisicamente da baixada fluminense, da praça de negócios do Rio de Janeiro 
e da Corte pela Serra do Mar, era irrigada por um denso conjunto de caminhos, que 
podiam ser, e eram percorridos por tropas de mulas. Este sistema de transporte, de certo 
modo, limitava a expansão da cultura cafeeira para áreas mais distantes. Também 
impunha limites às modificações no sistema produtivo. Mas, o sacrifício da produção, 
principalmente no que tangia ao beneficiamento dos grãos de café com recursos de 
maquinários rudimentares, embora não desejável, era suportável pelos agentes coevos. 
Frente aos desafios de consolidar o Estado Imperial e irradiar uma direção hegemônica 
esta era a decisão possível. Neste sentido, não se deu uma relação política e social 
 
40 MARINHO, P. E. M. M. (2002). Engenharia Imperial: O Instituto Politécnico Brasileiro (1862-1880). 
Niterói. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal Fluminense, Niterói. 
41 MATTOS, Ilmar Rohloff de (2004). O tempo saquarema: a formação do Estado Imperial. São Paulo: 
Hucitec. p.182-189. 
42 LAMEGO, Alberto (1963 [1950]). O homem e a serra... op. cit. p. 352. RAPOSO, Inácio (1978). 
História de Vassouras... op. cit. p. 129. MATTOS, Ilmar Rohloff de (2004). O tempo saquarema... op. 
cit. p.75-76. 
 
 
arcaica ou colonial no Brasil. O Estado Imperial Ampliado construía os caminhos 
possíveis à modernidade, que significava também as melhorias materiais. Difundiam-se 
Instituições a dar suporte e legitimar a tomada de decisões. Sobre elas, repousava o peso 
das possibilidades técnicas, conjugadas disponibilidade de capitais, a direção moral, a 
ordem e a civilização. O limite aos investimentosnesta modernidade era gerido pelo 
próprio quadro de instabilidade política e desequilíbrio financeiro. 
Os recursos privados deveriam estar disponíveis ao investimento e reinvestimento nas 
unidades de produção. Produzir mudas, adquirir terras, ampliar a escravaria exigiam 
grande esforço financeiro. Ainda assim, associados, estes fazendeiros empreendiam 
transformações em núcleos urbanos de forma a garantir que estes fossem monumentos 
da centralização. Estes senhores rurais, constituíam-se em classe à medida que eram eles 
mesmos agentes da centralização, entendida como necessária a estabilidade política. 
A estabilidade política, a direção hegemônica consolidada, a escravidão embora não 
homogênea, mas hegemonicamente aceita e difundida, deram as bases à formação das 
empresas ferroviárias a partir da década de 1850. O próprio fim do tráfico atlântico de 
escravos, neste sentido, não era uma ação que deslegitimava a escravidão como solda 
entre sociedade e governo. Os Saquaremas reforçaram as referencias centrais junto aos 
poderes locais. Para isso, garantiam junto aos proprietários que acabar com o tráfico não 
significava dar cabo da escravidão. A estabilidade da escravidão foi alcançada, 
exatamente no momento em que as fazendas conseguiam diminuir a 
desproporcionalidade dos sexos e a formação de famílias era estimulada, por um lado, e 
por outro, o tráfico interprovincial garantia circulação de capitais dentro das diferentes 
regiões do Império. 
O alcance dos trilhos às novas regiões de implantação e/ou expansão das plantations 
expandia para dentro o Império e irrigava estas regiões com escravos. Nestas novas 
unidades, as possibilidades de organizar o trabalho escravo com novos equipamentos, 
permitiriam a modernidade e a civilização. Aproveitando os escritos de Ilmar Rohloff 
de Mattos, a medida “que os Saquaremas foram consolidando suas posições no interior 
do governo, unindo a seus propósitos mesmo os homens livres, não proprietários, o 
tema da Ordem [que tanto impactou as decisões no instante da implantação e expansão 
da cultura cafeeira nas pioneiras zonas de plantations] passou a ser secundário, sendo 
 
 
suplantado pela necessidade da difusão de uma Civilização (...) face complementar da 
escravidão”43. 
 
43 MATTOS, Ilmar Rohloff de (2004). O tempo saquarema... op. cit. p. 213.

Mais conteúdos dessa disciplina