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1ºAula Epidemiologia Objetivos de aprendizagem Ao término desta aula, vocês serão capazes de: • definir epidemiologia e suas aplicações; • identificar cronologicamente o desenvolvimento da epidemiologia; • descrever os conceitos básico de epidemiologia; • entender a atuação da epidemiologia no campo de saúde ambiental. Prezados(as) estudantes, Nesta aula, iremos estudar a definição de epidemiologia e seus conceitos básicos, sua evolução histórica e suas principais aplicações no campo de atuação do engenheiro ambiental e sanitarista. Bons estudos! 6Epidemiologia e Vigilância Sanitária 1 - Introdução 2 - A História de Epidemiologia 3 - Conceitos Básicos 4 - Epidemiologia Ambiental 1 - Introdução Segundo Rouquayrol e Goldbaum (2003), epidemiologia pode ser definida como a “ciência que estuda o processo saúde-doença em coletividades humanas, analisando a distribuição e os fatores determinantes das enfermidades, danos à saúde e eventos associados à saúde coletiva, propondo medidas específicas de prevenção, controle ou erradicação de doenças, e fornecendo indicadores que sirvam de suporte ao planejamento, administração e avaliação das ações de saúde”. Ainda a Associação Internacional de Epidemiologia (IEA), em seu Guia de Métodos de Ensino (ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD, 1973), define epidemiologia como: o estudo dos fatores que determinam a frequência e a distribuição das doenças nas coletividades humanas. Enquanto a clínica dedica-se ao estudo da doença no indivíduo, analisando caso a caso, a epidemiologia debruça-se sobre os problemas de saúde em grupos de pessoas, às vezes grupos pequenos, na maioria das vezes envolvendo populações numerosas. Deste modo, a epidemiologia estuda a população, usando de métodos métricos para quantificar e determinar a saúde ou a ausência dela. A Associação Internacional de Epidemiologia (IEA) diz que os três principais objetivos da epidemiologia são: I) Descrever a distribuição e a magnitude dos problemas de saúde das populações humanas. II) Proporcionar dados essenciais para o planejamento, execução e avaliação das ações de prevenção, controle e tratamento das doenças, bem como para estabelecer prioridades. III) Identificar fatores etiológicos na gênese das enfermidades (ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD, 1973). Para Pereira (2013), a epidemiologia congrega métodos e técnicas de três áreas principais de conhecimento: estatística, ciências biológicas e ciências sociais. A área de atuação da epidemiologia é bastante ampla e compreende em linhas gerais: • o ensino e pesquisa em saúde; • a descrição das condições de saúde da população; • a investigação dos fatores determinantes da situação de saúde; • a avaliação do impacto das ações para alterar a Seções de estudo situação de saúde. A epidemiologia tem como princípio básico o entendimento de que os eventos relacionados à saúde (como doenças, seus determinantes e o uso de serviços de saúde) não se distribuem ao acaso entre as pessoas. Há grupos populacionais que apresentam mais casos de certo agravo, e há outros que morrem mais por determinada doença. Tais diferenças ocorrem porque os fatores que influenciam o estado de saúde das pessoas não se distribuem igualmente na população, portanto, acometem mais alguns grupos do que outros (PEREIRA, 1995). Podemos afirmar que a distribuição das doenças na população é influenciada pelos aspectos biológicos, aspectos socioculturais, aspectos econômicos e aspectos ambientais de uma coletividade, fazendo com que o processo saúde-doença se manifeste de forma diferenciada entre as populações. Em análise, na evolução da epidemiologia ao longo dos anos, podemos observar que os conceitos descritos acima, consolidados dentro do campo científico, precisaram ser reformulados à medida que as descobertas científicas avançavam no campo da saúde, principalmente no que se refere ao processo saúde-doença (GOMES, 2015). 2 - A História da Epidemiologia Beaglehole, Bonita e Kjellström (1994) afirmam que o conceito de epidemiologia depende do contexto histórico, dos conhecimentos acumulados na área de saúde, da etapa da transição epidemiológica e demográfica, bem como da interpretação que se tenha em determinada época e contexto sobre a saúde. 2.1- Antes de Cristo – a.C Não existe datação de quem foi o primeiro a conceituar epidemiologia, nos livros encontramos muitos nomes, porém temos a certeza de que a história da ciência anda de mãos dadas com a história da medicina, por isso agrega-se à Hipócrates o lançamento das bases principais do estudo da epidemiologia. Mas, quem foi Hipócrates? Hipócrates é considerado o pai da medicina, viveu de 460 a 377 a.C na Grécia antiga. Segundo Montilha (s/d), Hipócrates foi o primeiro a sugerir que as causas das doenças estavam relacionadas às características ambientais, contrapondo-se ao raciocínio que se atribuía a cura e a morte a deus e demônios. Apesar de seus relatos já tenham sido superados, podemos reconhecer que ele lançou as bases para a procura da causalidade das doenças e agravos à saúde, norte principal da epidemiologia até hoje. 2.2.- Depois de Cristo – d.C Almeida Filho e Rouquayrol (2006) afirmam que: Desde o século XVI, encontram-se referências de estudos que procuram correlacionar condições ambientais à saúde, mas é com a Revolução Francesa que a preocupação com a saúde das populações ganha maior expressão e passa a ser objeto de intervenção do 7 estado. Entre os marcos da história da saúde coletiva estão o surgimento da “medicina urbana” na França de 1789 (isolamento de áreas miasmáticas: os hospitais e cemitérios), a criação da polícia médica na Alemanha (regras de higiene individual para controle das doenças), os estudos de Alexandre Louis de morbidade na Inglaterra, e nos Estados Unidos, o surgimento da Medicina Social designando, de uma forma genérica, “modos de tomar coletivamente a questão da saúde.” Grande parte dos pesquisadores apontam o médico britânico John Snow como o pai da epidemiologia. Durante o século XIX e nos séculos anteriores, no campo científico, a teoria miasmática era a forma mais usada para explicar as doenças. Baseando-se no mapeamento dos casos, óbitos, do comportamento da população (consumo de água) e dos aspectos ambientais da localidade em estudo, ele conseguiu incriminar o consumo de água contaminada como responsável pela ocorrência da doença. Tal constatação só pode ser confirmada 30 anos mais tarde, com o isolamento do agente etiológico da doença (SNOW, 1999; PEREIRA, 2013). Desta maneira, através de um extensivo e minucioso trabalho de investigação científica – considerado um estudo clássico da Epidemiologia de Campo, conseguiu determinar a fonte de infecção de uma doença, mesmo sem conhecer seu agente etiológico. Ao final, relatou que as feições clínicas da doença revelavam que “o veneno da cólera entra no canal alimentar pela boca, e esse veneno seria um ser vivo, específico, oriundo das excreções de um paciente com cólera. [...] Assinalou, afinal, que o esgotamento insuficiente permitia que os perigosos refugos dos pacientes com cólera se infiltrassem no solo e poluíssem poços” (ROSEN, 1994). O uso da ciência e de ferramentas epidemiológicas salvou muitas vidas e ampliou a discussão sobre as causas das doenças. Segundo Pereira (2013), outro cientista marcante do século XIX foi o francês Louis Pasteur (1822-1895), considerado o pai da bacteriologia, pois identificou inúmeras bactérias e tratou diversas doenças. Ele influenciou profundamente a história da epidemiologia, pois introduziu as bases biológicas para o estudo das doenças infecciosas, determinando o agente etiológico das doenças e possibilitando o estabelecimento futuro de medidas de prevenção e tratamento. Outros nomes importantes na história da epidemiologia foram o de John Graunt (1620-1674), pioneiro em quantificar os padrões de natalidade e mortalidade; PierreLouis (1787- 1872), utilizando o método epidemiológico em investigações clínicas de doenças; Louis Villermé (1782-1863), que pesquisou o impacto da pobreza e das condições de trabalho na saúde das pessoas; e William Farr (1807-1883), na produção de informações epidemiológicas sistemáticas para o planejamento de ações de saúde (ROSEN, 1994; PEREIRA, 1995). Pode-se afirmar que os séculos XIX e XX foram um marco para a história da epidemiologia, desde que foi possível identificar os principais agentes etiológicos envolvidos na transmissão de doenças infectocontagiosas responsáveis por altas taxas de morbimortalidade (tuberculose, influenza, varíola, peste, entre outras), e dessa maneira possibilitar o desenvolvimento de medidas de prevenção e tratamento de enfermidades (GOMES, 2015). Após estas descobertas, a epidemiologia ganhou destaque nos campos científico e acadêmico, com a construção de importantíssimos institutos de pesquisa no Brasil e no mundo, como a Fundação Oswaldo Cruz, o Instituto Pauster, e a renomada London School of Hygiene & Tropical Medicine Inglesa, o que fez crescer seu campo de atuação e ascendeu na subdivisão desta ciência. Um exemplo que podemos citar aqui é o caso da Epidemiologia Nutricional, que, segundo Pereira (2013), esclareceu as causas de doenças infecciosas, mas que, na realidade, eram de natureza nutricional, como o escorbuto que é causada pela deficiência severa de vitamina C, o beribéri que é causada pela deficiência de vitamina B1. Finalmente, podemos afirmar que após o século XX, a epidemiologia fincou suas raízes enquanto ciência, que objetivou determinar as condições de saúde de uma população buscando sistematicamente os agentes etiológicos ou os fatores de riscos que envolviam o surgimento de doenças, através de estudos e de avaliações para efetivar o controle de doenças baseando suas ações em pesquisa e evidências científicas. 3 - Conceitos Básicos Segundo Last (2000), a epidemiologia é o estudo da frequência, da distribuição e dos determinantes dos estados ou eventos relacionados à saúde em específicas populações e a aplicação desses estudos no controle dos problemas de saúde. Ainda, a epidemiologia constitui uma ciência básica da saúde coletiva voltada para a compreensão do processo saúde-doença no âmbito de populações, que tem por objetivo o estudo desse mesmo processo, mas em termos individuais (ALMEIDA FILHO e ROUQUAYROL, 2006). Para aprofundarmos o nosso conhecimento da aplicabilidade da epidemiologia, precisamos descrever alguns conceitos, como a seguir: Saúde Ambiental: Segundo a Organização Mundial da Saúde, saúde ambiental são todos aqueles aspectos da saúde humana, incluindo a qualidade de vida, que estão determinados por fatores físicos, químicos, biológicos, sociais e psicológicos no meio ambiente. Também se refere à teoria e prática de valorar, corrigir, controlar e evitar aqueles fatores do meio ambiente que, potencialmente, possam prejudicar a saúde de gerações atuais e futuras (FUNASA, 2020). Agente etiológico infeccioso: É o microrganismo que provoca uma doença infecciosa. Os principais grupos de microrganismos que podem provocar doenças no homem são os vírus, as bactérias, os protozoários e os 8Epidemiologia e Vigilância Sanitária helmintos. Distribuição geográfica: É a região - país, estado, cidade, distrito, bairro - onde uma doença ou um agente infeccioso ocorre. Reservatório: Entende-se por reservatório, o habitat de um agente infeccioso, no qual este vive, cresce e se multiplica. Podem comportar-se como reservatório: o homem, os animais e o meio ambiente. Patogenicidade: É a capacidade do agente infeccioso, uma vez instalado no organismo do homem ou de outros animais, produzir sinais e sintomas em maior ou menor proporção entre os hospedeiros infectados. (ROCHA, 2014). Profilaxia: É um conjunto de medidas que tem por finalidade prevenir ou atenuar as doenças, suas complicações e consequências. Quando a profilaxia está baseada no emprego de medicamentos, trata-se da quimioprofilaxia. Entretanto, as medidas profiláticas só serão eficientes quando se conhecer a epidemiologia da doença, isto é, os fatores responsáveis pela existência da doença (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007). Período de incubação: É o período entre a penetração do agente etiológico no organismo até o aparecimento dos primeiros sinais e sintomas clínicos da doença. Vias de transmissão: São as vias pelas quais o agente etiológico passa do reservatório para uma pessoa sadia. As principais vias de transmissão de doenças são a água, alimentos, esgoto, lixo, enchentes, poeira, insetos, perdigoto (gotículas de tosse ou espirro), uso compartilhado de seringas, sexo desprotegido. O saneamento básico promove a prevenção de doenças por meio da interrupção das vias de transmissão de doença (TEIXEIRA, 2014). Vias de penetração: São as vias pelas quais o agente etiológico penetra em um indivíduo saudável. As principais vias de penetração são a boca, as narinas, a pele e os órgãos genitais. (TEIXEIRA, 2014). Endemias: É uma doença localizada em um espaço limitado denominado faixa endêmica. Isso quer dizer que endemia é uma doença que se manifesta apenas numa determinada região, de causa local ou também, uma doença infecciosa e transmissível que ocorre numa comunidade ou região e pode se espalhar rapidamente entre as pessoas de outras regiões, originando um surto epidêmico. Isso poderá ocorrer por causa de um desequilíbrio (mutação) do agente transmissor da doença ou pelo surgimento de um novo agente (desconhecido). (TEIXEIRA, 2014). Pandemias: A pandemia é uma epidemia que atinge grandes proporções, podendo se espalhar por um ou mais continentes ou por todo o mundo, causando inúmeras mortes ou destruindo cidades e regiões inteiras. Quando uma epidemia se alastra de forma desequilibrada se espalhando pelos continentes, ou pelo mundo, ela é considerada uma pandemia (LEAL, et al, 2020). Hospedeiro: É um organismo que abriga outro organismo em seu interior ou o carrega sobre si, seja este um parasita, um comensal ou um mutualista, podendo ainda ser: • Hospedeiro definitivo: É o que apresenta o organismo em fase de maturidade ou em fase de atividade sexual. • Hospedeiro intermediário: Hospedeiro intermediário é o que apresenta o organismo em fase larvária ou em fase assexuada. Zoonoses: São doenças que pode ocorrer tanto em seres humanos como em animais, isto é, o agente infeccioso pode passar do ser humano para os animais ou vice- versa. 4 - Epidemiologia Ambiental O que vimos até aqui é epidemiologia ligada diretamente ao campo da medicina, visão essa trazida por um dos objetivos desta ciência que é estudar a distribuição e causas de problemas de saúde. Porém, a partir destas linhas, iremos trazer conceitos e ideais que ligarão a essencialidade da epidemiologia à prática e à vivência do Engenheiro Ambiental e Sanitarista. Segundo Goldberg (1990), a epidemiologia começa a adaptar e incorporar em seu campo de estudo e atuação novos objetos de análise para a determinação de uma doença, deste modo ela se apropria dos fatores causais para determinação de doenças. Aplicando esses conceitos no campo da saúde ambiental, começam a ser desenvolvidos estudos que associam fatores de risco ambientais e doenças, estudando fatores de risco conforme a variação da exposição. A Fundação Nacional da Saúde (FUNASA) em sua publicação Textos de Epidemiologia para Vigilância Ambiental em Saúde (2002) diz que: Com a preocupação com a finitude dos recursos naturais, e a consolidação da compreensão do papel central dos processos produtivos como fontes de risco para o ambiente e, consequentemente, para a saúde humana, a Epidemiologia vem contribuir para tornar evidente a relação entre ambiente e agravos à saúde. Oferece tanto a possibilidade de calcular riscos pela exposição a determinados poluentes ambientais como também a implantação de programas de intervençãoe mitigação de riscos, tais como sistemas de vigilância, monitoramento ambiental, por exemplo. Deste modo, iremos aplicar os conceitos e teorias construídos pela epidemiologia às questões de saúde ambiental para levantarmos desafios adicionais e específicos para estudarmos no decorrer desta disciplina. 4.1- A caracterização do objeto Os processos de produção são compostos por atividades que incluem a extração de matérias-primas, sua transformação em produtos, o consumo destes produtos e, finalmente, o seu destino final na forma de resíduos. Em todas as etapas destas atividades, são geradas situações de risco para a população, tanto a trabalhadora, quanto a população consumidora. A evolução da ciência e tecnologia, somadas à 9 necessidade de melhorias nos campos produtivos, faz com que uma infinidade de substâncias novas sejam apresentadas pelo mercado a cada ano, nos diversos processos de trabalho. A cada nova fórmula, novas serão as consequências sobre a saúde humana e as características da contaminação ao meio ambiente. A toxicidade destas fórmulas não é acompanhada de estudos que determinam seus efeitos. Mesmo se tratando de substâncias tradicionais, já conhecidas e de uso solidificado, somente uma pequena parte é estudada. Somando-se ao fato de que os efeitos crônicos de baixa dose à saúde humana são praticamente desconhecidos para quase todas estas substâncias. Caracterizar o objeto que promove o risco à saúde do ambiente e consequentemente à saúde humana é desafiador, desta forma as fontes de risco de origem química adquiriram importância crucial para avaliação e intervenção, desafiando os processos epidemiológicos a darem resultados. Considerar os agentes biológicos e a contaminação da água de consumo por esgoto, ou ainda as condições ambientais que favorecem a proliferação de vetores são de extrema importância. Levar em consideração todos as características do meio ambiente e suas principais fontes de poluição para determinar todos os possíveis impactos sobre a saúde humana, necessita de uma abordagem diferenciada e direta dos processos epidemiológicos. 4.2- Interdisciplinaridade Quando iniciamos esta disciplina, apresentamos todos os aspectos conceituais relacionados aos problemas de saúde e ao meio ambiente, e fica claro a complexidade para tratar deste tema. A princípio, devemos usar da metodologia para observar que os estudos sobre riscos ambientais devem ser abordados de maneira multidisciplinar e assim como analisados por equipes multiprofissionais. A interdisciplinaridade é um processo de conhecimento que, utilizando uma estrutura multidisciplinar, procura estabelecer vínculos voltados para a compreensão e explicação do universo da pesquisa, superando, dessa forma, a excessiva compartimentação científica provocada pela especialização das ciências modernas. Analisemos o exemplo, retirado da publicação da FUNASA denominada Textos de Epidemiologia para Vigilância em Saúde Ambiental do ano de 2002, a seguir: Aplicação do pensar complexo a um estudo epidemiológico na área de saúde ambiental. Foi um estudo realizado para avaliar a exposição e efeitos causados pelas emissões atmosféricas de mercúrio metálico provenientes de lojas que comercializam ouro na população residente e não ocupacionalmente exposta do município de Poconé, estado do Mato Grosso (CÂMARA et. al, 2000). No processo de extração do ouro da natureza, a formação de amálgama com o mercúrio metálico é uma etapa essencial. Posteriormente este amálgama é queimado, purificando o ouro e liberando mercúrio para a atmosfera, que se deposita no ambiente. O ouro produzido no garimpo ainda contém cerca de 3% a 5% de mercúrio em sua composição, e por este motivo, nas lojas onde é comercializado, é requeimado, possibilitando a exposição ao mercúrio para os trabalhadores das lojas e, por emissão pelas chaminés, também para a população residente (FUNASA, 2002, p. 13). Nota-se a contribuição de diversas áreas do conhecimento nas diversas etapas do estudo exemplificado, desde a análise até a discussão dos resultados: • a meteorologia indicou a direção dos ventos necessária para o desenho do plano amostral; • a geoquímica a distância de até 400 metros a partir das lojas como de maior risco para depósito de mercúrio no solo; • a nutrição o padrão dietético para afastar a possibilidade da exposição ser em virtude da ingestão de peixes poluídos por metil-mercúrio; • a ictiologia na seleção dos peixes para dosagem de metil-mercúrio; • a odontologia para minimizar a possível influência do número de amálgamas dentárias nos resultados; • a medicina, na elaboração do questionário para avaliação dos sintomas e queixas, bem como no roteiro do exame clínico foi necessária assessoria de clínico geral, neurologista, nefrologista e pediatra (FUNASA, 2002, p.13). Aqui, temos demonstrada a complexidade das situações que envolvem saúde e ambiente, e a necessidade de uma ampla articulação interdisciplinar no processo de geração de conhecimento. 4.3 - A complexidade da situação do risco Descrever sobre complexidade da situação de risco é elencar todos os possíveis elementos, que dentro de uma interação, no caso desta disciplina, entre saúde e meio ambiente que possam ocasionar desequilíbrio. O nível de complexidade das interações se reflete na especificidade metodológica dos estudos nessa área, particularmente na abordagem das variáveis que serão avaliadas. Sistematicamente podemos reconstruir as interações que envolvem saúde-ambiente a partir dos elementos que as compõem classificando-os em variáveis como poluente, ambiente, população exposta e infraestrutura do setor saúde, por exemplo (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004). Se o poluente for elevado ao número de variáveis que devem ser consideradas no desenho e no desenvolvimento do estudo, devemos incluir: o tipo, sua fonte, a sua concentração no meio, seu potencial de volatilização, odor, localização , poder de dispersão, padrão de ocorrência, estado físico, cinética ambiental, tipo de solubilidade, transformação, persistência no ambiente, vias de absorção, distribuição, biotransformação, acumulação, tempo de latência, vias de eliminação, tipos de efeitos adversos, etc. (FUNASA, 2002). Qualquer avaliação de risco deve considerar o melhor 10Epidemiologia e Vigilância Sanitária local para a coleta das amostras para análise de poluentes. São aspectos importantes para esta coleta a frequência de sua ocorrência, sua cinética ambiental, a persistência no ambiente, a capacidade de biotransformação, vias de penetração no organismo (FUNASA, 2002). Já as características do ambiente, onde encontramos o poluente, podemos destacar as variáveis referentes às condições hidrográficas, geológicas topográficas e meteorológicas, como por exemplo, os aspectos físico- químicos dos compartimentos ambientais, a temperatura, os ventos, a umidade, a permeabilidade dos solos, a drenagem, a concentração da população, a vegetação, as águas superficiais e subterrâneas etc. (FUNASA, 2002). Quanto à exposição da população e suas variáveis, devemos considerar o sexo, a idade, a susceptibilidade individual, os grupos especiais, o estado nutricional, a raça, a escolaridade, as características socioeconômicas, a ocupação, os padrões de consumo, os hábitos e as doenças prévias. Se um indivíduo apresentar um bom padrão de condições de vida como boa alimentação e acesso a informações, terá um risco menor de exposição para muitos fatores adversos do ambiente para a saúde e que estão relacionados a áreas de baixa situação socioeconômica. Precisa citar os grupos especiais e de maior risco, como as crianças e adolescentes, em fase de desenvolvimento físico os idosos, pela diminuição da resistência orgânica, e, especialmente as gestantes, em que muitas substâncias químicas podem atravessar a barreira placentária e causar lesões congênitas no feto. Desta maneira, devemos priorizara saúde das mulheres em período de amamentação, uma vez que uma grande quantidade de substâncias perigosas pode ser eliminada do organismo através do leite materno. Finalmente, devemos considerar as variáveis relacionadas à infraestrutura de saúde e os ambientes necessários para o desenvolvimento de qualquer avaliação de risco, e que incluem os recursos humanos, os equipamentos, o apoio laboratorial, os programas de prevenção e controle, os programas de reabilitação, a seguridade social, etc. Podemos observar que uma equipe de pesquisa interessada em avaliar o risco em saúde ambiental contará com a participação de profissionais de diversas origens, desde a concepção do estudo até as recomendações, com o objetivo de proteger a saúde. O conhecimento gerado a partir de diversas áreas é indispensável, nos aspectos específicos relacionados a variáveis epidemiológicas que avaliam o risco e particularmente os relacionados aos agentes químicos que poluem os diversos elementos ambientais. A epidemiologia versa sobre dados, avaliando e produzindo informação e conhecimento. Chegamos ao fim da primeira aula, e espero que tenha ficado mais claro os conceitos e definições de epidemiologia, e principalmente o conceito de saúde ambiental e suas aplicações. Retomando a aula 1 - Introdução Na seção introdutória, estudamos sobre a definição e os conceitos de epidemiologia, conhecendo assim esta ciência como ferramenta de criação de dados. Abordamos alguns conceitos de saúde que estão dentro da área da medicina, que futuramente serão bases para entendermos a complexidade do termo saúde ambiental. 2 - A História de Epidemiologia Nesta seção, trouxemos os marcos históricos da epidemiologia, os primeiros marcos datados antes de Cristo, passando pela Grécia antiga e os registros de Hipócrates, e o desenvolvimento desta ciência com os relatos de John Snow no século XIX, e outro grandes nomes que além de contribuírem para evolução desta ciência, também deixaram um legado no campo da pesquisa e desenvolvimento. 3 - Conceitos Básicos Nesta terceira seção, estudamos os conceitos básicos da epidemiologia, alguns diretamente ligados à medicina, mas como descrito acima, são de extrema essencialidade, pois contribuirão para a formação da visão sobre a saúde ambiental como um tema de exigências multidisciplinares. 4 - Epidemiologia Ambiental Para finalizarmos esta aula, trouxemos o conceito de epidemiologia ambiental, aplicando o conhecimento científico na produção de dados que irão nos fornecer ferramentas para promover o equilíbrio entre saúde humana e meio ambiente. Dentro desta seção, abordamos a necessidade de caracterizar o objeto de estudo, o conceito de interdicisplinaridade de grande necessidade para aplicação das ferramentas epidemiológica no campo da saúde e meio ambiente, e a complexidade da situação que nos chama a atenção para todos os pontos que devemos levar em consideração. Textos de Epidemiologia para Vigilância em Saúde Ambiental – Fundação Nacional da Saúde, 2022. Este documento traz as principais definições e conceitos de epidemiologia ambiental, e é destinado aos profissionais que trabalham nesta área no setor público. Vale a pena ler Vale a pena FIOCRUZ: https://portal.fiocruz.br/areas-de- pesquisa no link pesquisa, você encontrará diversos estudos fundamentados na epidemiologia, além de estudos da área de medicina e meio ambiente. Vale a pena acessar