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PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - CRIMES CONTRA A VIDA Os crimes contra a vida fazem parte do título dos crimes contra a pessoa que dá início à Parte Especial do Código Penal brasileiro (CP). O título dos crimes contra a pessoa se inicia no art. 121 e vai até o art. 154 do CP. Os crimes contra a pessoa, segundo Nelson Hungria, abrangem bens inalienáveis, indisponíveis, irrenunciáveis, direitos subjetivos intangíveis (HUNGRIA, 1942, v. 5, p. 14-15). No capítulo 1 do título 1, encontram-se os crimes contra a vida, descritos da seguinte forma: a) Homicídio; b) Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação; c) Infanticídio; e d) aborto. O crime de lesão corporal é um crime contido dentro do capítulo 2 do título 1, ou seja, é um crime contra a pessoa, mas não é um crime contra a vida. Quanto à codificação dos crimes, o Direito romano não conhecia essa classificação, usava critérios empíricos, distinguia delitos públicos e delitos privados. Na Idade Média, não havia numeração dos crimes em um sistema, apenas tratavam-nos em ordem alfabética. O critério racional foi fixado a partir do período ilustrado (Século XVIII). Surgiu no século seguinte a classificação segundo a objetividade jurídica (HUNGRIA, 1942, v. 5, p. 8). Segundo Nelson Hungria (1942, v. 5, p. 12), a ordem de classificação, começando pelos crimes contra a vida, adotada pelo Código Penal não corresponde apenas à ordem de apresentação histórica dos crimes, uma vez que os atentados contra as pessoas constituem formas primitivas de criminalidade. PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - 1. Homicídio O homicídio consiste na morte de um ser humano por outro ser humano. O CP brasileiro uso o termo homicídio, não trabalha com o vocábulo assassinato. Fique atento(a) aos termos jurídicos homicídio e assassinato. Código Francês do século XIX menciona meurtre (homicídio doloso simples) e assassinat (homicídio com premeditação ou de emboscada). O vocábulo assassinato procede de haschischino, nome que se dava aos sicários de Hassan-Bem-Sabbah, chamado o Cheik da Montanha (chefe de seita na Síria), que lhes propinava haschisch, para fazê-los mais dispostos e valentes, ou para dominá-los pela necessidade de satisfação do vício. (HUNGRIA, 1942, v. 5, p. 22). O objeto jurídico (interesse jurídico) do homicídio é a vida do ser humano, ou seja, cuida- se de um crime contra a vida. O objeto material do homicídio. O objeto material do homicídio é o corpo do ser humano sobre o qual incide a conduta do agente para provocar a morte, sobre o qual, se deixar vestígios, exemplo, corpo da vítima, será feito o exame de corpo de delito direto (análise mais objetiva dos peritos), conforme art. 158 do CPP. Se o corpo do morto não é encontrado, mas, por exemplo, encontra-se um pouco de sangue no veículo da vítima, realiza-se o exame de corpo de delito indireto (realizados por peritos com maior valoração), nos termos do art. 158 do CPP. Se o corpo da vítima não é encontrado e, ainda, não tem outros vestígios, realiza-se o exame indireto, que se caracteriza com a colheita de depoimentos das testemunhas (prova testemunhal suplementar), por exemplo (valoração da prova pelo julgador), nos termos do art. 167 do CPP. Parte da doutrina discorda da posição anterior e entende que o exame indireto abrange a prova testemunhal. PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - QUESTÃO: O extraterrestre pode ser vítima de homicídio? (Prova oral de Procurador da República de 2015). Para Nelson Hungria, o homicídio é um crime contra a vida de um ser humano, ou seja, a morte de um ser humano provocada por outro ser humano. Basileu Garcia entendia que era possível configurar um crime de homicídio na morte de um extraterrestre, ou seja, se, de forma imaginária, um extraterrestre fosse morto por um ser humano, estaria configurado um crime homicídio. Portanto, trata de um tema com divergência doutrinária. A vida do ser humano, para efeito de crime de homicídio, trata-se da vida extrauterina, ou seja, é possível a ocorrência do crime de homicídio a partir do nascimento com vida, que ocorre com o início de trabalho de parto, representado com a dilatação do colo do útero ou, na cesariana, com o rompimento das camadas abdominais. QUESTÃO: Quando se inicia a vida humana extrauterina? Para responder a esta indagação, é preciso levar em conta que o delito de infanticídio pode ocorrer durante o parto. Mas isso não responde a pergunta. Magalhães Noronha dizia que o início do nascimento se dava com a dilatação do colo do útero. Bitencourt diz que ocorre com o início do trabalho de parto (rompimento do saco amniótico). O homicídio se consuma com a morte do ser humano, mas se discute na doutrina o momento da morte do ser humano para efeito do crime de homicídio. QUESTÃO: Em que momento é possível dizer que ocorreu a morte? Tema polêmico. Fala-se em morte clínica (paralisação da função cardíaca e da respiratória), morte biológica (resulta da destruição molecular), morte cerebral (paralisação das funções cerebrais). O critério proposto pela medicina é a chamada morte encefálica, em razão do art. 3º da Lei n. 9434/1997, que regula o transplante de órgãos. Cuida-se de um critério legal, previsto em lei. Há casos em que, mesmo após a morte cerebral, órgãos vitais continuam funcionando, mas tem se entendido que este é o melhor critério (Capez). PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - Classificação do HOMICÍDIO: 1- Crime de ação livre: porque pode ser cometido de variadas maneiras (arma, veneno, palavra etc.) 2- De dano: De dano porque apresenta resultado naturalístico. 3- Comissivo ou comissivo por omissão: Comissivo porque pode ser cometido mediante ação. Comissivo por omissão porque pode decorrer de uma conduta omissiva imprópria (posição de garantidor) 4- Material: Material porque se consuma com o resultado naturalístico 5- Monossubjetivo: Monossubjetivo, ou de concurso eventual, em razão da possibilidade de ser cometido por uma só pessoa e, também, da possibilidade de ser cometido por mais de uma pessoa ao mesmo tempo. 6- Plurissubsistente: Plurissubsistente porque admite o fracionamento da sua fase executória, de modo que é compatível com tentativa. 7- Comum: Comum porque pode ser cometido por qualquer pessoa, não exige uma qualidade especial do sujeito ativo. 8- Instantâneo de efeitos permanentes: Instantâneo de efeitos permanentes porque se consuma em dado instante e seu resultado permanece irreversível 9- Não transeunte: Não transeunte porque deixa vestígios de modo a exigir o exame de corpo de delito. Crime Especial em Relação ao Art. 121 Importa alertar que se a matança visa destruir no todo ou em parte grupo nacional, étnico, racial ou religioso, poderá configurar o crime de genocídio (Lei n. 2.2889/1956). 1.1. Homicídio Simples O homicídio simples está tipificado no caput do art. 121 do CP: “ Matar alguém” Pena – reclusão, de seis a vinte anos”. PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - O homicídio simples não é considerado crime hediondo, salvo quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio. QUESTÃO: O homicídio sem motivo é simples ou qualificado? O homicídio simples se configura, inclusive, quando o crime é cometido sem motivo. Conquanto exista divergência doutrinária, o STJ já decidiu que o homicídio semmotivo é simples, sob o fundamento de não existir expressamente essa forma qualificada. STJ “[...] 2. Na hipótese em apreço, a incidência da qualificadora prevista no art. 121, § 2º, inciso II, do Código Penal, é manifestamente descabida, porquanto motivo fútil não se confunde com ausência de motivos, de tal sorte que se o crime for praticado sem nenhuma razão, o agente somente poderá ser denunciado por homicídio simples (Precedentes STJ). 3. Ordem concedida para excluir da sentença de pronúncia a qualificadora prevista no inciso II do § 2º do art. 121 do Código Penal. (HC 152.548/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 22/02/2011, DJe 25/04/2011)”. Vale anotar que a Lei n. 8.072/1990 diz que: Art. 1º São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados: (Redação dada pela Lei nº 8.930, de 1994) (Vide Lei nº 7.210, de 1984) I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, incisos I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII e IX); (Redação dada pela Lei nº 14.344, de 2022) [...] . O conceito de grupo de extermínio pode ser compreendido da seguinte a partir do texto abaixo de Bitencourt: Extermínio é a matança generalizada, é a chacina que elimina a vítima pelo simples fato de pertencer a determinado grupo ou determinada classe social ou racial, como, por exemplo, mendigos, prostitutas, homossexuais, presidiários etc. A impessoalidade da ação genocida é uma de suas características fundamentais, sendo irrelevante a unidade ou pluralidade de vítimas. Caracteriza-se a ação de extermínio mesmo que seja morta uma única pessoa, desde que se apresente a impessoalidade da ação, ou seja, pela razão exclusiva de pertencer ou ser membro de determinado grupo social, ético, econômico, étnico etc. Parta caracterizar atividade de grupo de extermínio não é indispensável que seja executada por pessoas fanáticas de determinadas ideologias, instigadoras ou não de desavenças políticas, econômicas, religiosas etc. Aliás, os três grandes exemplos brasileiros referidos (de Vigário Geral; do Carandiru; e da Candelária) não tiveram, pelo que sabe, qualquer dessas motivações, e, no entanto, configuraram claramente, atividades de grupos de extermínio. Na realidade, no caso, as motivações foram outras, tais como o ódio entre as classes PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - sociais (comerciantes e empresários em busca de segurança pessoal e patrimonial); corporações policiais movidas pela propina etc. (BITENCOURT, v2. 16ª ed. 2016, p.74-75). 1.2. Homicídio privilegiado O homicídio privilegiado está previsto no § 1º do art. 121 do CP: Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Dessa forma, se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. O homicídio privilegiado – que só ocorre na forma dolosa (não existe privilégio na forma culposa) –, é formado por três hipóteses não cumulativas: motivo de relevante valor social que corresponde a um anseio social; motivo de relevante valor moral que constitui um motivo egoisticamente considerado, ou seja, no interesse do agente; sob o domínio de violenta emoção logo em seguida a injusta provocação da vítima. Não se pode confundir os requisitos do privilégio para efeito do crime de homicídio com a mera atenuante prevista no at.65 III ‘c’ do CP, que não exige “domínio” e nem “logo em seguida”. A norma da atenuante fala em influência de violenta emoção e não em domínio de violenta emoção, o que denota uma perturbação emocional menor do que a do privilégio: Art. 65. III, c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima. É possível a existência de privilégio por violenta emoção, no caso de provocação putativa da vítima, na qual o agente interpretou como ofensa e foi acometido de violenta emoção. PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - O privilégio constitui uma circunstância subjetiva, não elementar, que, portanto, não se comunica, nos termos do art. 30 do CP. Sob o aspecto da consequência penal, o privilégio se apresenta como causa de diminuição de pena, que incide na terceira fase da dosimetria da pena. EXEMPLO: João, pai de Maria, resolveu matar Augusto, motivado pelo fato de que Augusto havia cometido estupro contra Maria. Há, nessa hipótese, um motivo de relevante valor moral, que configura um homicídio privilegiado. Se um terceiro que passava pelo local, ao saber da motivação do pai, resolve ajudá-lo a matar Augusto, não haverá a extensão do privilégio, ou seja, não haverá a comunicação do privilégio ao terceiro. Ressalta-se que, no mesmo caso anterior, se mãe de Maria, em razão do estupro de sua filha, resolver ajudar a matar Augusto (estuprador), haverá privilégio para a mãe de Maria. Não se trata de comunicação do privilégio nesse caso, mas sim de autonomia do privilégio em relação ao motivo do pai e em relação ao motivo da mãe. O quesito do privilégio é votado pelos jurados no julgamento do tribunal do júri. A quesitação do privilégio é realizada antes das qualificadoras, sob pena de nulidade do julgamento (Súmula n. 162 do Supremo Tribunal Federal). Súmula n. 162, STF: É absoluta a nulidade do julgamento pelo júri, quando os quesitos da defesa não precedem aos das circunstâncias agravantes. Vale destacar que o dolo eventual convive com o homicídio privilegiado, inclusive com a terceira hipótese, qual seja: domínio de violenta emoção, não há se falar em incompatibilidade entre tais figuras jurídicas. De outro lado, não é possível compatibilizar o homicídio privilegiado, praticado sob o domínio de violenta emoção, com a premeditação. Não há incompatibilidade entre a premeditação e as demais circunstâncias privilegiadoras (relevante valor moral; relevante valor social). PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - A pena, no caso de reconhecimento de homicídio privilegiado, é reduzida de 1/6 a 1/3 na terceira fase da dosimetria. Isso significa dizer que o juiz tem um espaço de discricionariedade vinculada. QUESTÃO: como se baliza a redução de pena no homicídio privilegiado? STJ– HOMICÍDIO PRIVILEGIADO– como calcular o percentual de redução da pena [...] 4. O percentual de redução da pena deve ser aferido com base nos elementos caracterizadores do homicídio privilegiado, ou seja, a relevância social ou moral da motivação do crime, ou o grau emotivo do réu, além da intensidade da injusta provocação realizada pela vítima. Precedente do Pretório Excelso. O afastamento de tal conclusão demandaria o reexame fático-probatório, providência vedada pelo enunciado n. 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça – STJ. 5. O Tribunal de origem não constatou a ocorrência de julgamento contrário à prova dos autos, porquanto o Conselho de Sentença se convenceu pela tese da acusação que encontra respaldo probatório. O afastamento de tal conclusão demandaria o reexame fático-probatório, providência vedada pelo enunciado n. 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça – STJ. 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 1041612/PR,Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 06/03/2018, DJe 16/03/2018). Homicídio privilegiado-qualificado não é crime hediondo, pois prepondera as circunstâncias subjetivas sobre as objetivas. O tema encontra-se pacificado na jurisprudência. A circunstância privilegiadora do homicídio convive com qualificadora objetiva, não convive com qualicadora subjetiva. Se os jurados disserem sim ao privilégio, restará prejudica a eventual quesitação de qualificadora subjetiva. Apesar de divergência doutrinária sobre a natureza da qualificadora do feminicídio (subjetiva X objetiva), o STJ pacificou o entendimento de que se trata de qualificadora objetiva. Com isso, é possível, em tese, a convivência entre o privilégio e a qualificadora do feminicídio, uma vez que o privilégio tem natureza subjetiva e o feminicídio possui natureza objetiva, para o STJ. Em síntese: é possível a figura do feminicídio privilegiado. STJ [...] “2. A jurisprudência desta Corte de Justiça firmou o entendimento segundo o qual o feminicídio possui natureza objetiva, pois incide nos crimes praticados contra a mulher por razão do seu gênero feminino e/ou sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica e familiar PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - propriamente dita, assim o animus do agente não é objeto de análise (AgRg no REsp n. 1.741.418/SP, Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 15/6/2018) 3. Não constitui excesso de linguagem o parágrafo acrescido exclusivamente a título de reforço argumentativo da linha de raciocínio exposta na decisão questionada, máxime quando desprovido de qualquer alusão meritória. 4. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 1454781/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 17/12/2019, “ DJe 19/12/2019)”. Quando se discute o homicídio privilegiado, algumas discussões surgem acerca da eutanásia. O entendimento doutrinário aponta para a possibilidade de a eutanásia ser interpretada como homicídio privilegiado por relevante valor moral. Vale ressaltar que a eutanásia não foi descrita expressamente no CP como circunstância passível de extinção da punibilidade. Tal previsão constava na proposta inicial do Projeto 236 do Senado de 2012 (Novo Código Penal), mas foi excluída do texto em outras discussões. A eutanásia significa a morte piedosa, a antecipação da morte de uma pessoa em caso de doença incurável e diante de grande sofrimento do enfermo. Não se confunde com a ortonásia, a qual significa a morte natural com a retirada do tratamento médico ineficaz, de modo a permitir ao doente viver, por exemplo, os últimos dias de vida próximo dos parentes. Por fim, a distanásia consiste no uso de todos os recursos existentes da medicina para impedir a morte de uma pessoa, mesmo que isso signifique vida sem qualquer qualidade. QUESTÃO: como se diferencia a violenta emoção do privilégio do homicídio da emoção patológica? Apenas o fato concreto com a consequente prova produzida revelarão se houve redução da capacidade de autodeterminação com a violenta emoção (hipótese de privilégio) ou eliminação da autodeterminação em um contexto de emoção patológica (afasta a imputabilidade e pode redundar em medida de segurança se houve o cometimento do injusto penal). PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - 1.3. Homicídio Qualificado O homicídio qualificado é formado por qualificadora objetiva e/ou subjetiva. Tais circunstâncias não constituem elementares do crime de homicídio, uma vez que as elementares do crime de homicídio são “matar alguém”. As qualificadoras são circunstâncias acidentais que alteram o mínimo e o máximo da pena. O homicídio qualificado (não privilegiado) constitui crime hediondo, nos termos do art. 1º, I, da Lei n. 8.072/1990. As qualificadoras do homicídio somente convivem com o homicídio cometido na forma dolosa, não convivem com o homicídio cometido na forma culposa. As qualificadoras do homicídio estão descritas nos incisos I a IX do §2° do art.121 do CP. No § 2º-A, o legislador explicou (intepretação autêntica) o sentido de razões de condição de sexo feminino para a devida intepretação da qualificadora do feminicídio que se encontra no inciso VI do §2° do art.121 do CP. A qualificadora do feminicídio possui natureza objetiva, segundo posição do STJ. A qualificadora do inciso IX corresponde ao crime de homicídio doloso praticado contra vítima menor de 14 anos, que será explicado mais adiante. Homicídio qualificado § 2° Se o homicídio é cometido: I. – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II. – por motivo fútil; III. – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV. – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; V. – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime: PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - Pena – reclusão, de doze a trinta anos. Feminicídio (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015) VI. – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015) VII. – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição: (Incluído pela Lei nº 13.142, de 2015) VIII. – com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido: (Inciso vetado pelo Presidente da República na Lei nº 13.964, de 24/12/2019, mantido pelo Congresso Nacional e publicado no DOU de 30/4/2021); Pena – reclusão, de doze a trinta anos. Homicídio contra menor de 14 (quatorze) anos (Incluído pela Lei nº 14.344, de 2022) IX. – contra menor de 14 (quatorze) anos: (Incluído pela Lei nº 14.344, de 2022) Pena – reclusão, de doze a trinta anos. § 2º-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015) I. – violência doméstica e familiar; (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015) II. – menosprezo ou discriminação à condição de mulher. (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015) § 2º-B. A pena do homicídio contra menor de 14 (quatorze) anos é aumentada de: (Incluído pela Lei nº 14.344, de 2022) I. – 1/3 (um terço) até a metade se a vítima é pessoa com deficiência ou com doença que implique o aumento de sua vulnerabilidade; (Incluído pela Lei nº 14.344, de 2022) II. – 2/3 (dois terços) se o autor é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela. (Incluído pela Lei nº 14.344, de 2022). III. - 2/3 (dois terços) se o crime for praticado em instituição de educação básica pública ou privada. (Incluído pela Lei nº 14.811, de 2024) Se o agente ceifa a vida da vítima na crença, devidamente justificável no caso concreto, de que ela possui 15 anos de idade, não haverá a incidência da qualificadora do inciso IX do art. 121 do CP. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2024/Lei/L14811.htm#art5 PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - O inciso I (qualificadora subjetiva) trata do homicídio cometido mediante paga, promessa de recompensa ou outro motivo torpe. O motivotorpe constitui o motivo abjeto, vil, repugnante, que provoca uma relevante contestação social. O inciso I deve ser analisado na perspectiva da interpretação analógica (a hipótese genérica – qualquer motivo torpe – deve ser analisado em correlação com as hipóteses casuísticas). Ensina Damásio (2020, p. 122): Motivo torpe é o moralmente reprovável, demonstrativo de depravação espiritual do sujeito. Torpe é o motivo abjeto, desprezível. Ex.: matar alguém para adquirir-lhe a herança, por ódio de classe, vaidade e prazer de ver sofrer. A paga e a promessa de recompensa são motivos torpes. A paga difere da promessa de recompensa. Na paga, o recebimento é prévio, o que não ocorre na promessa de recompensa. Os dois sujeitos respondem pela forma qualificada: o que executou a conduta e o que pagou ou prometeu a recompensa. Não é preciso que a paga ou a recompensa seja em dinheiro, podendo ser promessa de casamento, emprego etc. Uma discussão jurisprudencial importante diz respeito à comunicação ou não da paga ao mandante. Questão: Caio contratou, mediante paga, um pistoleiro para matar uma pessoa, indaga-se: somente o pistoleiro responde pela paga ou o mandante também responde? Para a 6ª Turma do STJ, o mandante também responde pela paga, sob o argumento de que se trata de uma qualificadora elementar e ainda de uma qualificadora dúplice. Em julgados da 5ª Turma do STJ, observa-se que não haverá comunicação da paga ao mandante, uma vez que se trata de circunstância subjetiva não elementar, que, portanto, não se comunica, na forma do art. 30 do CP. A posição da 5ª Turma é mais técnica. SOBRE A QUESTÃO ANTERIOR (DIVERGÊNCIA NO STJ) STJ […] 1. A qualificadora referente a paga ou promessa de recompensa possui caráter dúplice, aplicando-se tanto ao agente que promete ou efetua o pagamento quanto àquele que executa o crime. PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - 2. No caso, o motivo pessoal que supostamente levou a Recorrente a contratar o mercenário – permitir maior liberdade para o seu relacionamento extraconjugal – pode configurar, em tese, motivo torpe, o que deve ser examinado pelo Conselho de Sentença do Tribunal do Júri. 3. O meio empregado pode ter dificultado a defesa da Vítima, uma vez que o executor do crime agiu mediante dissimulação, abordando a Vítima sob o pretexto de que realizaria simples assalto quando, em verdade, desde o princípio objetivava ceifar-lhe a vida. 4. É plausível sustentar que, caso não houvesse ocorrido a dissimulação e o Agente tivesse manifestado desde logo o seu intento homicida, a Vítima poderia ter se sentido impelida a empregar mais recursos em sua defesa, inclusive empreendendo fuga ime- diatamente ou resistindo mediante força física. Portanto, a imputação da qualificadora referente à dissimulação não é manifestamente improcedente e deve ser examinada pelos jurados. 5. Recurso especial desprovido, com comunicação do resultado ao Juízo de origem para prosseguimento da marcha processual. (REsp 1785797/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 03/12/2019, DJe 17/12/2019). SOBRE A QUESTÃO ANTERIOR (DIVERGÊNCIA NO STJ) STJ PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO POR MOTIVO TORPE (MEDIANTE PAGA OU PROMESSA DE PAGAMENTO). JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA DA QUINTA TURMA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ. PRECEDENTES. AGRAVO REGI- MENTAL DESPROVIDO. 1. “Aliás, no ponto, a colenda Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.415.502/MG (Rei. Ministro FELIX FISCHER, DJe 17/2/2017), firmou compreensão no sentido de que o motivo torpe (por exemplo, a qualificadora da paga ou promessa de recompensa) não é elementar do crime de homicídio e, em consequência, possuindo caráter pessoal, não se comunica sequer aos mandantes”. 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AgRg no AREsp 1322867/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 23/06/2020, DJe 29/06/2020)”. Sobre o tema anterior, existe decisão antiga do STF no sentido de permitir a comunicação da paga ao mandante: SOBRE A POLÊMICA ANTERIOR (DECISÃO ANTIGA DO STF) E M E N T A – I. Homicídio: qualificativa de cometimento do crime mediante paga ou promessa de recompensa que, embora relativa ao mandatário, se comunica ao mandante. PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - II. Júri: quesitos: pretensa nulidade que, se existente, nenhum prejuízo causou a defesa, pois relativo o quesito impugnado a segunda qualificadora do homicídio, cuja pena foi fixada no mínimo legal. III. Júri: quesito não obrigatório: menor importância da participação de co-réu, não alegada pela defesa: (HC 69940, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 09/03/1993, DJ 02-04-1993 PP-05621 EMENT VOL-01698-06 PP-01127) Exemplos de homicídio cometidos com motivo torpe: matar com o objetivo de praticar sexo com o cadáver; matar no contexto de vingança decorrente de disputa pelo tráfico de drogas. O inciso II (qualificadora subjetiva) trata do homicídio cometido por motivo fútil, o qual significa um motivo desproporcional, ou seja, existe uma desproporção entre o crime e a sua causa moral. Isso não significa dizer que, por outro lado, possa se falar em motivo proporcional. O que o legislador apontou foi um motivo irrelevante para um ato homicida, de modo que o agente merece uma reprovação maior (pena do homicídio qualificado) em razão do motivo que o levou a cometer o homicídio. Exemplos de homicídio cometidos com motivo fútil: matar porque deu o troco errado; matar porque não devolveu o boné emprestado; matar porque serviu carne dura no decorrer de um churrasco. QUESTÃO: o ciúme é torpe ou é fútil ou não configura motivo que qualifica o homicídio? A questão não pode ser respondida de forma matemática. O tema não é pacífico. O STJ aceitou como fútil o fato de o agente matar um homem porque esse havia dançado com a sua mulher. STJ [...] 2. No caso, a prisão preventiva está justificada, pois a decisão que a impôs delineou o modus operandi empregado, revelador da periculosidade do recorrente. Com efeito, o acusado praticou o crime de homicídio motivado por ciúmes da ex-mulher, que havia dançado com a vítima durante uma festa de vaquejada (motivo fútil), levando a efeito o delito no momento que a vítima estava sentada, esfaqueando-a (crime executado de maneira que impossibilitou a defesa). PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - 5. Recurso improvido. (RHC 120.962/AL, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 03/03/2020, DJe 12/03/2020). Para Bitencourt (2020, v. 2, p. 206): “O ciúme, por exemplo, não se compatibiliza com motivo fútil. Motivo fútil, segundo a Exposição de Motivos, é aquele que, pela sua mínima importância, não é causa suficiente para o crime”. Um crime de homicídio não pode ser qualificado pelo motivo torpe e fútil ao mesmo tempo. Dito de outro modo, se o homicídio for torpe, não será fútil; se o homicídio for fútil, não será torpe. “STJ– PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. REEXAME DE PROVAS. PRONÚNCIA. QUALIFICADORAS. I – O recurso especial não se presta a buscar o reexame do material cognitivo (Súmula n. 07-STJ). II. – Na fase da pronúncia podem, e devem, ser rejeitadas as qualificadoras inadmissíveis ou manifestamente improcedentes. III. – Se, na imputação fática, a descrição sequer se amolda às hipóteses pretendidas, as qualificadoras não poderiam mesmo ser tomadas, no iudicium accusationis, como admissíveis. No mesmo contexto, contra a mesma vítima, a conduta,de regra, não pode ser, simultaneamente, considerada fútil e torpe. Recurso não conhecido. (REsp 467.739/DF, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 06/05/2003, DJ 30/06/2003, p. 291)”. A qualificadora rejeitada pelos jurados durante a resposta à quesitação do homicídio não pode ser transformada em agravante ou em circunstância judicial. Nesse sentido, tem decidido o STJ: STJ [...] Qualificadora subjetiva rejeitada não pode ser transformada em circunstancia judicial [...] 4. O mesmo raciocínio, relativo às agravantes similares às qualificadoras de homicídio, aplica- se às circunstâncias judiciais, porquanto haveria verdadeira usurpação da competência funcional do PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - Conselho de Sentença de decidir acerca das qualificadoras, escamoteadas de agravantes ou circunstâncias judiciais, bem como flagrante violação do procedimento especial do Tribunal do Júri. 5. No caso, o réu fora denunciado como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, II e IV, do CP, tendo o corpo de jurados desclassificado o delito para a modalidade simples, afastando a qualificadora do motivo fútil. 6. O fato valorado negativamente consiste na qualificadora dos motivos do crime. Trata-se, inequivocamente, de circunstância qualificadora do crime de homicídio, sendo defeso ao juiz presidente reconhecer sua incidência diretamente na dosagem da pena, máxime se tal circunstância foi descrita na pronúncia e nos quesitos a serem votados, e restou rechaçada pelo júri. 7. As circunstâncias do crime são dados acidentais e secundários, relativos à infração penal, que não integram a estrutura do tipo penal. Na hipótese, as instâncias ordinárias valoraram circunstâncias inerentes às elementares do crime de homicídio, o que não é admissível, razão pela qual a valoração negativa do modus operandi do crime, por ser despida de sustentação fática concreta, deve ser expurgada da dosimetria. 8. Em relação às consequências do crime, que devem ser entendida como o resultado da ação do agente, a avaliação negativa de tal circunstância judicial mostra-se escorreita se o dano material ou moral causado ao bem jurídico tutelado se revelar superior ao inerente ao tipo penal. In casu, a morte de adolescente extrapola a gravidade das consequências ordi- nárias do homicídio, configurando, portanto, motivação idônea para aumentar a pena-base. 9. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, a fim de reduzir a reprimenda a 7 anos e 9 meses de reclusão. (HC 567.027/PE, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 12/05/2020, DJe 18/05/2020)”. O inciso III (qualificadora objetiva) trata de meios de cometimento do homicídio que qualificam o referido crime. Segundo o inciso III do § 2º, o homicídio será qualificado quando come- tido com: “com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum”. O emprego de veneno, conforme exposição de motivos da Parte Especial do CP de 1940, deve acontecer de maneira insidiosa, ou seja, de forma dissimulada na sua eficiência maléfica, portanto, sem que a vítima perceba. Desse modo, se o veneno for ministrado com o conhecimento da vítima, por exemplo, vítima amarrada na qual o agente força a abertura de sua boca para derramar o líquido mortal, haverá emprego de meio cruel, uma vez que a PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - ministração provocou inútil sofrimento da vítima antes de sua morte, não houve ministração insidiosa. O tema já foi cobrado dessa forma em prova do MPBA. Vale ressaltar que a natureza da exposição de motivos é apenas doutrinária, não vincula a interpretação e, no caso, o texto da exposição de motivos não é tão direto, conforme se segue: Sobre o veneno, leciona Damásio (2020, p. 124): Meio insidioso existe no homicídio cometido por intermédio de estratagema, perfídia. O veneno é um meio insidioso. Trata-se de toda substância que, introduzida no organismo, por intermédio de ação biológica ou química, pode lesar ou causar a morte. É necessário, para a incidência da qualificadora, que o veneno seja propinado insidiosamente. Assim, se há emprego de violência no sentido de que a vítima ingira a substância, não ocorre a qualificadora, podendo incidir o meio cruel. O fogo também constitui um meio que qualifica o homicídio, quando o agente o utiliza para matar a vítima. Exemplo: atear dolosamente fogo contra o corpo da vítima e provocar, desse modo, sua morte. O mesmo raciocínio vale para o uso de explosivo com o fim de matar a vítima. Exemplo: colocar uma granada no bolsa da vítima, retirar o pino e empurrar o ofendido, provocando a sua morte com a explosão do artefato. A asfixia consiste na supressão da respiração e pode ser empregada como meio para cometer um homicídio. Nesse caso, haverá a incidência da qualificadora. Constitui, portanto, um meio que qualifica o homicídio, que se apresenta, dentre outras, com as seguintes formas: sufocação; esganadura; enforcamento; estrangulamento; afogamento; soterramento; usos de gases tóxicos. Segundo Bitencourt (2020, v. 2, p. 211), “a asfixia tóxica pode ser produzida por gases deletérios, como monóxido de carbono, gás de iluminação, e pelos próprios vícios do ambiente decorrentes de poluição”. PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - A tortura também pode ser empregada como meio para causar um homicídio. Se o dolo do agente, ao torturar a vítima, é de matá-la, haverá a incidência da qualificadora na forma tentada ou consumada do homicídio. Se o dolo do agente, de outro modo, não for de matar a vítima, seja na forma direta ou na forma eventual, mas consistir no fim de obter informação ou de aplicar castigo nas formas descritas nos incisos I ou II do art. 1º da Lei n. 9.455/1997, a eventual morte culposa redunda- rá na adequação típica prevista na parte final do § 3º do art. 1º da Lei n. 9.455/1997, ou seja: “[...]se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos”. Cuida-se, nessa hipótese, de uma forma preterdolosa, na qual há dolo de torturar e culpa no resultado morte. O inciso III, na parte final aponta outro meio insidioso, ou seja, de forma dissimulada na sua eficiência maléfica, portanto, sem que a vítima perceba. E anuncia ainda o meio cruel, isto é, aquele que provoca sofrimento desnecessário da vítima antes de sua morte. Nos termos da exposição de motivos, citada acima (item 38 da Exposição de Motivos da Parte Especial do CP de 1940), o meio cruel se aperfeiçoa da forma seguinte: meio que provoca “inutilmente o sofrimento da vítima, ou revela uma brutalidade fora do comum ou em contraste com o mais elementar sentimento de piedade”. Por fim, ainda consta a expressão no finalzinho do inciso III: “ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum”, ou seja, mais uma expressão final que exige interpretação analógica. Desse modo, toda parte final do inciso III requer uma interpretação em correlação (por semelhança) com as hipóteses casuísticas anunciadas anteriormente. Exemplo de perigo comum: dolo eventual (assunção do risco comprovada) na direção de veículo automotor atropelando e matando vítima na caçada quando outros estavam ali sentados nas mesas. Sobre o meio cruel, vale apontar o seguinte julgado do STJ: STJ: Meio cruel. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. QUA- LIFICADORA DO EMPREGO DE MEIO CRUEL. CRIME COMETIDO NA MODALIDADE TEN- TADA. COMPATIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO:DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - 1. Não há ilegalidade na aplicação da qualificadora do emprego de meio cruel na hipótese de homicídio doloso tentado, quando admite o tribunal como configurado o intento de sofrimento desnecessário na ação de buscar matar a vítima esmagando-a com um veículo contra a parede, só não sendo atingindo o intento homicida por razões alheias à vontade do agente. 2. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 568.544/PR, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 08/06/2020). Sobre o meio cruel e o dolo eventual, são compatíveis. Quanto a isso, vale apontar o seguinte julgado do STJ: Meio cruel e dolo eventual STJ [...] 1. Consiste a sentença de pronúncia no reconhecimento de justa causa para a fase do júri, com a presença de prova da materialidade de crime doloso contra a vida e indícios de autoria, não representando juízo de procedência da culpa. 2. Inexiste incompatibilidade entre o dolo eventual e o reconhecimento do meio cruel para a consecução da ação, na medida em que o dolo do agente, direto ou indireto, não exclui a possibilidade de a prática delitiva envolver o emprego de meio mais reprovável, como veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel (AgRg no RHC 87.508/DF, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 23/10/2018, DJe 03/12/2018). 3. É admitida a incidência da qualificadora do meio cruel, relativamente ao fato de a vítima ter sido arrastada por cerca de 500 metros, presa às ferragens do veículo, ainda que já considerado ao reconhecimento do dolo eventual, na sentença de pronúncia. 4. Recurso especial provido para restabelecer a qualificadora do meio cruel reconhecida na sentença de pronúncia. (REsp 1829601/PR, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 04/02/2020, DJe 12/02/2020). QUESTÃO: Qual é a posição atual da jurisprudência do STF e do STJ com relação à possibilidade de dolo eventual e qualificadora no homicídio? V. Em suma, julgados recentes apontam o afastamento do dolo eventual apenas no tocante à qualificadora do inciso IV (iv– à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido), PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - com alguns poucos julgados que permitiram o exame da matéria pelos jurados. Com relação às demais qualificadoras, não se observou julgados impedindo o seu conhecimento com o dolo eventual. QUESTÃO: Qual é a posição atual da jurisprudência do STF e do STJ com relação à possibilidade de dolo eventual e tentativa no crime de homicídio? Conquanto exista divergência na doutrina, a jurisprudência aceita, por ora, de maneira pacífica, a possibilidade de dolo eventual e tentativa. STJ “[…] III – O dolo eventual, na prática, não é extraído da mente do autor mas, isto sim, das circunstâncias. Nele, não se exige que o resultado seja aceito como tal, o que seria adequado ao dolo direto, mas isto sim, que a aceitação se mostre no plano do possível, provável. IV. – Na hipótese, o paciente foi pronunciado por homicídio doloso (dolo eventual), uma vez que, conduzindo veículo automotor com velocidade excessiva, sob o efeito de álcool e substância entorpecente, não parou em cruzamento no qual não tinha preferência e atingiu a vítima, que andava de motocicleta, a qual só não veio a óbito por rápida e efi- ciente intervenção médica. V. – “Consoante reiterados pronunciamentos deste Tribunal de Uniformização Infra- constitucional, o deslinde da controvérsia sobre o elemento subjetivo do crime, especi- ficamente, se o acusado atuou com dolo eventual ou culpa consciente, fica reservado ao Tribunal do Júri, juiz natural da causa, onde a defesa poderá desenvolver ampla- mente a tese contrária à imputação penal” (AgRg no REsp n. 1.240.226/SE, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 26/10/2015). Precedentes do STF e do STJ. VI – As instâncias ordinárias, com amparo nas provas constantes dos autos, inferiram que há indícios suficientes de autoria e materialidade a fundamentar a r. decisão de pronúncia do ora paciente, por homicídio tentado com dolo eventual, de modo que entender em sentido contrário demandaria, impreterivelmente, cotejo minucioso de matéria fático-probatória, o que é vedado em sede de habeas corpus (precedentes). VII. – Não é incompatível o crime de homicídio tentado com o dolo eventual, neste sentido é iterativa a jurisprudência desta Corte: “No que concerne à alegada incompa- tibilidade entre o dolo eventual e o crime tentado, tem-se que o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência no sentido de que “a tentativa é compatível com o delito de homicídio praticado com dolo eventual, na direção de veículo automotor”. (AgRg no REsp 1322788/SC, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 18/06/2015, DJe 03/08/2015). VIII. – Esta Corte firmou orientação no sentido de que, ao se prolatar a decisão de pro- núncia, as qualificadoras somente podem ser excluídas quando se revelarem manifes- tamente improcedentes. Habeas corpus não conhecido. PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - (HC 503.796/RS, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CON- VOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 01/10/2019, DJe 11/10/2019)”. O inciso IV (qualificadora objetiva) trata de modos de cometimento do homicídio que qualificam o referido crime: “IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido”. Essa é uma das qualificadoras mais importantes e que se faz presente em muitos dos casos de homicídio, por se tratar de um modo, não raro, preferível de cometimento do crime pelos homicidas, ou seja, mediante surpresa, sem possibilitar à vítima algum gesto de defesa”. Para a doutrina penal: No inciso IV, a qualificação do homicídio não decorre do meio utilizado, mas do modo insidioso com que a atividade delituosa é praticada, dificultando ou impossibilitando a defesa da vítima. O Código, nesse inciso, exemplifica alguns desses modos de execução do homicídio, como a traição, a emboscada e a dissimulação, que servem apenas de paradigma dos diversos modos de execução do crime de homicídio que dificultam ou tornam impossível a defesa da vítima”. (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte especial: crimes contra a pessoa. v. 2. 20 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 217). A traição consiste no ataque pelas costas (não se confunde com o ataque nas costas), ou o ataque mediante a violação da confiança que a vítima deposita no autor. Na traição, o agente pode atuar com ocultação moral ou física de sua intenção, com deslealdade. “Não se configura a traição se a vítima pressente a intenção do agente, pois essa percepção pela vítima elimina a insídia, o fator surpresa ou a dificuldade de defesa, pelo menos em tese. Não se configura igualmente se houver tempo para a vítima fugir” (BITENCOURT, v. 2. 2020, p. 218). A premeditação, por si só, não qualifica o homicídio, mas deverá ser considerada como circunstância judicial negativa na dosimetria da pena base. Não se pode esquecer a de que, no caso do homicídio praticado mediante emboscada, verifica-se uma premeditação. Nesse caso, a qualificadora existe em razão da emboscada. Dito de outro modo, a PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - emboscada ocorre mediante premeditação, mas nem toda premeditação significa emboscada. Em sentido semelhante, ensina a doutrina penal brasileira: A premeditação não constitui circunstânciaqualificadora do homicídio. Nem sempre a preordenação criminosa constitui circunstância capaz de exasperar a pena do sujeito diante do maior grau de censurabilidade de seu comportamento. Muitas vezes, significa resistência à prática delituosa. Entretanto, tal circunstância não é irrelevante diante da pena, podendo agravá-la nos termos do art. 59 do CP (circunstância judicial). (JESUS, Damásio Evangelista de. Atual. André Estefam. Direito Penal. Parte Especial. v. 2. São Paulo, Saraiva, 2020, p. 121). O homicídio qualificado pela emboscada é sempre um crime premeditado, pois o sujeito ativo desloca-se com antecedência, examina o local, projeta os próximos passos, coloca-se à espera da passagem da vítima para, com segurança e sem risco, abatê-la. A vítima, nessa modalidade, não tem nenhuma possibilidade de defesa. Trata-se de uma das formas mais covardes da ação humana criminosa (BITENCOURT, 2020, v. 2, p. 218). A emboscada constitui a tocaia, a espreita. O agente aguarda vítima passar por determinado lugar e a atinge de inopino. O sentido etimológico da palavra significa aguardar no bosque. Quanto ao inciso IV, é ainda curial destacar que o uso de arma de fogo ou a superioridade em armas, por si só, não implica na qualificação do homicídio pelo recurso que dificultou ou impossibilitou a defesa do ofendido. Esse outro recurso, como hipótese genérica, conforme a técnica da interpretação analógica, deve ser analisado em consonância com as hipóteses casuísticas (traição, emboscada e dissimulação), em sintonia com o sentido das hipóteses casuísticas. Deve ficar claro, no caso concreto, que o uso de arma dificultou ou impossibilitou o ofendido de esboçar defesa. Em sentido semelhante, ensina Damásio (2020, p. 126): PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - A superioridade em armas ou em forças não qualifica o homicídio. Pode constituir simples eventualidade a circunstância de o sujeito ativo do fato se encontrar armado, enquanto a vítima não, ou que o sujeito ativo seja fisicamente superior àquela. Essa regra geral, cujo exemplo mais frequente é o uso da surpresa, como modo de execução, para ceifar a vida a da vítima, “tem a finalidade de permitir a qualificadora mesmo quando o recurso utilizado para a prática do crime tenha dificuldade de adequar-se a uma ou outra das modalidades especificadas no dispositivo” (BITENCOURT, 2020, v. 2, p. 219). Por vezes, a surpresa confunde-se com a traição. Por exemplo, matar a vítima dormindo ora pode caracterizar traição, ora pode caracterizar surpresa, dependendo das circunstâncias. Por exemplo, ao matar a vítima dormindo, violar a confiança e a lealdade que esta lhe depositava, como é o caso de quem convive sob o mesmo teto. No entanto, haverá surpresa se o sujeito ativo, ao procurar a vítima para matá-la, encontra-a adormecida, exterminando-lhe a vida (BITENCOURT, 2020, v. 2, p. 220). O inciso V (qualificadora subjetiva) trata de qualificadora subjetiva caracterizada por conexão teleológica ou consequencial. A primeira hipótese consiste em praticar o homicídio para assegurar a execução de outro crime (exemplo de conexão teleológica: matar o segurança para poder sequestrar o empresário). Basta a referida finalidade para configurar a qualificadora, independente de conseguir ou não a concretização do sequestro. A segunda hipótese (conexão consequencial) se caracteriza com a finalidade de ocultar a prova de um crime anterior ou garantir a impunidade de um crime anterior, ou seja, após cometer um crime, o agente mata a vítima com o fim de conseguir a ocultação do crime anterior (fato) ou a impunidade de um crime anterior (autoria). A ocultação diz respeito ao fato, a impunidade diz respeito à autoria. Para Damásio (2020, v. 2, p. 126): Na ocultação, o sujeito visa a impedir a descoberta do crime. Ex.: o incendiário mata a testemunha do crime. Na impunidade, o crime é conhecido, enquanto a autoria é PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - desconhecida. Ex.: o sujeito mata a testemunha de um desastre ferroviário criminoso. Como vimos, existe diferença entre ocultação e impunidade. Na ocultação, o outro delito não é conhecido; na impunidade, o crime é conhe- cido; a autoria, entretanto, não é conhecida. A terceira hipótese também é de conexão consequencial, quando o homicídio é cometido para assegurar a vantagem de outro crime. Exemplo: “o sujeito mata o parceiro do estelionato com a finalidade de ficar com todo o produto do delito. Não é necessário que a vantagem seja patrimonial, podendo ser moral”. (JESUS, 2020, v. 2, p. 127). Ao tratar da qualificadora do inciso V, Bitencourt (2020, v. 2, p. 222) discorre da seguinte forma: Fala-se em qualificadora por conexão. Nesse caso, o homicídio é cometido para garantir a prática de outro crime ou evitar a sua descoberta. Se, no entanto, o crime-fim também for praticado, haverá concurso material de crimes. Para a configuração da qualificadora é irrelevante que o homicídio tenha sido praticado antes ou depois do crime que se deseja ‘assegurar’, ou mesmo que o agente desse crime desista ou se arrependa de praticá-lo. Não se pode confundir as hipóteses narradas no inciso V com a chamada conexão ocasional, quando o agente comete o crime, de maneira ocasional, no momento do cometimento de outro crime. Exemplo: “o sujeito está furtando e resolve matar a vítima por vingança. Nesta hipótese, responde por furto em concurso material com homicídio” (JESUS, 2020, v. 2, p. 129). O inciso VI (qualificadora objetiva, segundo o STJ) trata de qualificadora objetiva denominada de feminicídio. Desse modo, o feminicídio não constitui um crime autônomo, mas representa uma qualificadora do homicídio. O inciso VI do § 2º e o § 2ºA do art. 121 dizem o seguinte: Feminicídio (Incluído pela Lei n. 13.104, de 2015) VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - § 2º-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: (Incluído pela Lei n. 13.104, de 2015) I – violência doméstica e familiar; (Incluído pela Lei n. 13.104, de 2015) II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher. (Incluído pela Lei n. 13.104, de 2015) Segundo leciona Damásio (2020, v. 2, p. 129): Há, portanto, duas formas de feminicídio: a) o cometido contra a mulher em situação de violência doméstica ou familiar (p. ex.: marido mata a esposa, por não se conformar com uma rejeição amorosa); b) o praticado por menosprezo ou discriminação à condição de mulher (p. ex.: o homem mata uma mulher por considerá-la gênero inferior a ele). Uma grande discussão surgiu quando foi introduzida a qualificadora do feminicídio no CP, qual seja, cuida-se de qualificadora objetiva ou de qualificadora subjetiva. Pela descrição legal, a qualificadora, em uma rápida interpretação literal, indica um caráter subjetivo. Todavia, em razão da finalidade de proteção jurídica buscada pelo legislador e pela própria norma, o STJ pacificou o entendimento no sentido de que se trata de qualificadora objetiva. STJ– Feminicídio – qualificadora objetiva “[...] 1. Evidencia-se que a sedimentada orientação desta Corte é firme no sentido de que não é cabível sustentação oral no julgamento de agravo regimental, em observância, notadamente, aos arts. 159, IV, e 258, ambos do RISTJ. 2. Nos termos do art. 121, § 2º-A, II, do CP, é devida a incidência da qualificadora do feminicídio nos casos em que o delito é praticado contra mulher em situação de violência doméstica e familiar, possuindo, portanto, natureza de ordem objetiva, o que dispensa a análisedo animus do agente. Assim, não há se falar em ocorrência de bis in idem no reconhecimento das qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio, porquanto, a primeira tem natureza subjetiva e a segunda objetiva. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 440.945/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 11/06/2018)”. Outros pontos importantes sobre a qualificadora do feminicídio: Requisitos legais: PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - Sujeito ativo: homem ou mulher. Sujeito passivo: mulher. Diante disso, surge a seguinte questão: o transexual pode ser vítima de feminicídio? Resposta: discussão já estava presente na época dos artigos 213 e 214, quanto à possibilidade de sujeito passivo do crime de estupro antes das antes das alterações promovidas pela Lei 12015/2009. E hoje, o que diz a doutrina? Divergência doutrinária. ADI 4275 do STF. Conceito de transexualismo. Critérios biológico, psicológico e jurídico. Sim para: Jeferson Botelho Pereira (artigo– breves apontamentos sobre a Lei 13104/2015...). Critério jurídico: Rogério Greco (2018, v2, p. 44); Rogério Sanches (2019, p. 66), sim, desde que reconhecida juridicamente como mulher. Em tempo, segue o conceito de transexualismo dado por Genival Veloso França (Funda- mentos de Medicina legal, p. 142). Inversão psicossocial, uma aversão ou negação ao sexo de origem, o que leva esses indivíduos a protestarem e insistirem numa forma de cura por meio da reversão genital, assumindo, assim, a identidade do seu desejado gênero. [...] As características clínicas do transexualismo se reforçam com a evidência de uma convicção de pertencer ao sexo oposto, o que lhe faz acontecer e valer essa determinação até de forma violenta e desesperada. Em geral não tem relacionamento sexual, nem mesmo com pessoas do outro sexo, pois só admitem depois de reparada a situação que lhe incomoda. Somaticamente, não apresentam qualquer alteração do seu sexo de origem. Quase todos eles têm genitais normais. Conceito de violência doméstica deve ser extraído do artigo 5º da Lei n. 11.340/2006. Abrange, no caso do inciso VI, a conduta que causa a morte da mulher no âmbito da unidade doméstica; no âmbito familiar; em qualquer relação íntima de afeto. Vide Súmula n. 600 do STJ: “Para configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da Lei n. 11.340/2006, lei Maria da Penha, não se exige a coabitação entre autor e vítima”. A norma explicativa do artigo 121, § 2º-A, considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: (Incluído pela Lei n. 13.104, de 2015) I. – violência doméstica e familiar; II. – menosprezo ou discriminação à condição de mulher. PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - Cuida-se de hipótese na qual o móvel do agente se apresenta na diminuição da condição feminina (SANCHES, 2019, p. 64). ou como ensina Rogério Greco (2018, v2, p. 41). Menosprezo, aqui, pode ser entendido no sentido de desprezo, sentimento de aversão, repulsa, repugnância a uma pessoa do sexo feminino; discriminação tem o sentido de tratar de forma diferente, distinguir pelo fato da condição de mulher da vítima. A qualificadora do homicídio consta no inciso VII do § 2º do art. 121: VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição: Pena – reclusão, de doze a trinta anos. (Incluído pela Lei n. 13.142, de 2015). QUESTÃO: Quais são os sujeitos passivos do rol do inciso VII do art. 121, § 2º? Integrantes das: I. – Forças Armadas (art. 142, CRFB); II. – da Polícia Federal (art. 144, I, da CRFB); III. – da Polícia Rodoviária Federal (art. 144, II, da CRFB); IV. – da Polícia Ferroviária Federal (art. 144, III, da CRFB); V. – das Polícias Civis (art. 144, IV, da CRFB); VI. – das Polícias Militares e corpos de Bombeiros Militares (art. 144, V, da CF); VII. – das Guardas Municipais (art. 144, § 8º, da CRFB); VIII. – do Sistema Prisional; IX. – da Força Nacional de Segurança Pública (Lei n. 11.473/2007). Acréscimo: cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição: PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - QUESTÃO: Membros da Magistratura ou do Ministério Público, em razão da função por eles exercida, podem figurar no rol das vítimas do inciso VII para efeito de incidência da referida qualificadora? Francisco Dirceu Barros, sim (interpretação extensiva). Rogério Greco (2018, v2, p. 47), não. QUESTÃO: O filho adotivo ficou excluído do rol do inciso VII, que menciona parente consanguíneo? Para Rogério Greco (2018, v2, p. 49), não incide a referida qualificadora, caso contrário configuraria uma analogia in malam partem. Enquanto Francisco Dirceu Barros entende que configura a hipótese qualificada quando se trata de filho adotivo, sob o argumento de que a norma constitucional não permite a diferenciação entre filhos consanguíneos e adotivos. Concordamos com essa segunda posição. Todavia é necessário alertar que – conquanto a restrição colocada pelo legislador seja inconstitucional, por confrontar a Constituição– há de se respeitar a reserva legal em matéria de tipificação de condutas, que abrange também a qualificação dessa conduta. Nesse confronto, qual seria a solução: Acreditamos que a melhor solução será, necessariamente, a declaração de inconstitucionalidade da locução “parente consanguíneo”, para resolver essa limitação legal relativamente ao filho adotivo, ou, mais precisamente, afastando somente o adjetivo “consanguíneo”. Contudo, ainda que se aceite este caminho, teremos outro problema, que é a delimitação dessa declaração de inconstitucionalidade. À primeira vista deveria ser com redução de texto, mas, nessa hipótese, ficaria extremamente abrangente, pois alcançaria cunhado(a), sogros, genro e nora, os quais, claramente, o legislador não pretendeu abranger. Por isso, quer nos parecer que a declaração de inconstitucionalidade deve ser sem redução de texto, para permitir a inclusão do filho adotivo, que, aliás, nem deve ser assim denominado. Num primeiro momento, com essa sugestão de inconstitucionalidade, poder-se-ia interpretar como uma nova inconstitucionalidade por incluir parente não previsto no texto legal ou por ampliar a abrangência de referido texto. No entanto, não vemos por essa ótica, pois a PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - interpretação que sugerimos não acresce nenhuma locução, nenhuma elementar ao texto penal, mas apenas suprime o adjetivo “consanguíneo” para afastar uma inconstitucionalidade. E suprimir é diferente de acrescer, ainda que se amplie a sua abrangência, o que não se pode negar, mas o é por um bem maior, qual seja, salvar o texto legal, que não é de todo ruim (BITENCOURT, 2020, v. 2, p. 266-267). Nos casos de qualificadora do inciso VII do art. 121, § 2º, há necessidade de demonstrar a relação entre a morte e a função exercida. Portanto, a incidência da qualificadora não é automática. Quanto à qualificadora do inciso VII do art. 121, § 2º, haverá incidência no caso de morte de agente aposentado desde que o homicídio tenha sido praticado em razão da função que a vítima exercia anteriormente. Alguns aspectos importantes sobre o homicídio doloso, com relação à qualificadorado incido V: 1. praticar um homicídio com o fim de assegurar a execução de outro crime que não vem a ser praticado por um motivo qualquer– prevalece a qualificadora (relevância do motivo); 2. matar alguém com o fim de assegurar a ocultação ou impunidade de um crime já prescrito– prevalece a qualificadora (mesmas razões anteriores); 3. matar alguém para assegurar a impunidade de um crime impossível (esfaqueou vítima já morta)– qualificadora subsiste (maior culpabilidade do sujeito– Greco e Damásio); 4. matar alguém para assegurar a ocultação, vantagem ou impunidade de uma contravenção penal– a qualificadora deixa de existir em virtude da proibição da analogia in malam partem. Nessa hipótese, o homicídio, em tese, poderá ser qualificado pelo motivo torpe ou fútil; 5. premeditação não é qualificadora. Poderá ser valorada no art. 59 pena base; 6. matar o pai (parricídio) ou a mãe (matricídio) constitui só agravante genérica (art. 61, II, e, do CP). PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - QUESTÃO: Na dosimetria da pena, como o magistrado deverá proceder diante de uma condenação com a presença de mais de uma qualificadora? Em suma, o juiz considera uma para mudar o patamar de pena, ou seja, qualificar o crime, que, no caso do homicídio, começa com 12 anos. Desse modo, a qualificadora UM altera a pena base que se inicia com 12 anos, enquanto a qualificadora DOIS deverá ser usada como agravantes (2ª fase da dosimetria), se houver previsão legal da referida circunstância como hipótese de agravante. Caso contrário, deverá ser utilizada a qualificadora DOIS como circunstância judicial, na primeira fase da dosimetria. O critério não é matemático, uma vez que a jurisprudência reconhece a discricionariedade vinculada no processo de dosimetria da pena, exigindo fundamentação e proporcionalidade. STJ: “PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. HOMI- CÍDIO QUALIFICADO. MOTIVO FÚTIL E USO DE MEIO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. QUALIFICADORA E AGRAVANTE GENÉRICA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. DOSIMETRIA DA PENA- BASE. IDONEIDADE NOS FUNDAMENTOS. CULPABILIDADE, CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME, ANTECEDENTES E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. 1. Quando existem duas qualificadoras, não há ilegalidade no redirecionamento de uma delas para agravante genérica. 2. Apesar de se tratar do delito de homicídio, deve o Magistrado ficar atento a essas questões, que demonstram uma maior agressividade, violência e assertividade na con- duta realizada. As circunstâncias judiciais foram valoradas corretamente, com idôneos fundamentos. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 614.881/PR, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 03/11/2020, DJe 17/11/2020)”. STJ [...] “4. Nos moldes da jurisprudência desta Corte, “no delito de homicídio, havendo pluralidade de qualificadoras, uma delas indicará o tipo qualificado, enquanto as demais poderão indicar uma circunstância agravante, desde que prevista no artigo 61 do Código Penal, ou, residualmente, majorar a pena-base, como circunstância judicial” (AgRg no REsp n. 1.644.423/MG, relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 7/3/2017, Dje 17/3/2017). 5. A Juíza Presidente do Tribunal do Júri valorou a qualificadora do motivo torpe na fixação da pena-base, o que seria permitido se ela não tivesse utilizado a qualificadora da surpresa para elevar a PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - reprimenda na segunda fase. Com efeito, uma das qualificadoras não poderia ser considerada no cálculo dosimétrico, por ter sido utilizada para tipificar o crime como homicídio qualificado, remanescendo apenas uma delas a ser sopesada no cálculo dosimétrico. 6. O meio utilizado no crime não poderia ser novamente empregado na fixação da básica para exasperá-la pelas circunstâncias do crime, já que tal qualificadora restou valorada na segunda fase da dosimetria, o que evidencia bis in idem. 7. Quanto às consequências do crime, tal vetorial, para fins do art. 59 do CP, deve ser entendida como o resultado da ação do agente, sendo apenas possível sua valoração negativa se o dano material ou moral causado ao bem jurídico tutelado se revelar superior ao inerente ao tipo penal. In casu, o fato de as vítimas serem jovens e delas terem deixado filhos menores desamparados justifica o incremento da pena-base a título de consequências do crime. 8. Writ não conhecido. Ordem, de ofício, a fim de afastar a valoração desfavorável das circunstâncias e dos motivos do crime na fixação da pena-base, determinando ao Juízo das Execução que proceda ao novo cálculo dosimétrico. (HC 596.293/PB, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 18/08/2020, DJe 24/08/2020)”. A qualificadora do homicídio consta no inciso VIII do art. 121 § 2º, qual seja: “com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido: (Inciso vetado pelo Presidente da República na Lei n. 13.964, de 24/12/2019, mantido pelo Congresso Nacional e publicado no DOU de 30/4/2021)”. Tal qualificadora, de natureza objetiva, deve ser interpretada em consonância com o Decreto n. 10.030/19 que complementa o sentido do texto legal. Portanto, a qualificadora constitui norma penal em branco heterogênea, denominada ainda de norma penal em branco propriamente dita, porquanto possui complemento em fonte diversa da lei. Art. 3º, parágrafo único, do Anexo I do Decreto 10.030/19: II – arma de fogo de uso restrito – as armas de fogo automáticas, de qualquer tipo ou calibre, semiautomáticas ou de repetição que sejam: (Incluído pelo Decreto nº 10.627, de 2021) Vigência a) não portáteis; (Incluído pelo Decreto nº 10.627, de 2021) Vigência PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - b) de porte, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules; ou (Incluído pelo Decreto nº 10.627, de 2021) Vigência c) portáteis de alma raiada, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules; (Incluído pelo Decreto nº 10.627, de 2021) Vigência III – arma de fogo de uso proibido: (Incluído pelo Decreto nº 10.627, de 2021) Vigência a) as armas de fogo classificadas como de uso proibido em acordos ou tratados internacionais dos quais a República Federativa do Brasil seja signatária; e (Incluído pelo Decreto nº 10.627, de 2021) Vigência b) as armas de fogo dissimuladas, com aparência de objetos inofensivos; (Incluído pelo Decreto nº 10.627, de 2021) Vigência A qualificadora do inciso IX, inserida pela Lei 14.344/2022, corresponde ao crime de homicídio doloso praticado contra vítima menor de 14 anos, que possui narração idêntica à uma das causas de aumento prevista na parte final contra §4° do art.121 do CP: “a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) anos”. Nesse caso, a nova norma, que trouxe a qualificadora, revogou a causa de aumento. Em razão de constituir uma norma mais gravosa, vale para os fatos praticados após a sua entrada em vigor, ou seja, após a entrada em vigor da Lei 14.344/2022. No entanto, o legislador ainda inseriu uma causa de aumento de pena para o homicídio qualificado contra vítima menor de 14 anos no “§ 2º-B, incisos I e II, do art.121 do CP: § 2º-B. A pena do homicídio contra menor de 14 (quatorze) anos é aumentada de: (In- cluído pela Lei nº 14.344, de 2022); I – 1/3 (um terço) até a metadese a vítima é pessoa com deficiência ou com doença que implique o aumento de sua vulnerabilidade; (Incluído pela Lei nº 14.344, de 2022); II – 2/3 PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - (dois terços) se o autor é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela. (Incluído pela Lei nº 14.344, de 2022) e inciso III - 2/3 (dois terços) se o crime for praticado em instituição de educação básica pública ou privada. (Incluído pela Lei nº 14.811, de 2024). 1.4. HomIcídIo culposo O homicídio culposo consta no art. 121, § 3º, do CP, no qual o agente comete homicídio com a violação do dever de cuidado (imprudência, negligência e imperícia). A pena prevista é de detenção de 1 a 3 anos. Portanto, cuida-se de um crime que admite a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/1995) e também admite o acordo de não persecução penal (ANPP previsto no art. 28A do CPP), modalidades de Direito Penal Negocial. Vale, todavia, recordar que são elementos do crime culposo: a) Conduta humana voluntária ativa (comissiva) ou omissiva. Há necessidade de uma conduta (ação ou omissão) culposa. b) Inobservância de um dever objetivo de cuidado O dever objetivo de cuidado é um elemento normativo de valoração jurídica. A desobediência ao dever objetivo de cuidado ocorre mediante imprudência (conduta culposa comissiva), negligência (conduta culposa omissiva) e imperícia (violação, por parte do agente, de regra técnica de profissão, arte ou ofício, da qual tem conhecimento). c) Resultado lesivo que não fazia parte da finalidade inicial do agente O resultado deve ser objetivamente previsível na culpa comum (inconsciente). Um resultado lesivo não querido, tampouco assumido pelo agente. Como regra, esse resultado é naturalístico, exemplo do homicídio culposo (art. 121, § 3º) e da lesão culposa (art. 129, § 6º). Todavia, na expansão do direito penal para a tutela preventiva de bens jurídicos coletivos, já se observa a construção de crimes culposos de perigo, que não exigem resultado naturalístico, https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2024/Lei/L14811.htm#art5 PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - exemplo: tipificação culposa sem resultado naturalístico, na forma de perigo, encontrado na Lei n. 9.605/1998: Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos: § 3º Se o crime é culposo: Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa d) Nexo de causalidade entre conduta e resultado Sobre o nexo causal, o tema é bem rico e complexo na atual fase do Direito Penal dogmático, quando a teoria da equivalência não se mostra suficiente para solucionar todos os problemas do nexo causal. Há proposta doutrinária no sentido de solucionar o problema da causalidade no crime culposo com os critérios da teoria da imputação objetiva. Previsibilidade objetiva do resultado O fato deve ser previsível ao agente, o agente não prevê aquilo que lhe era previsível. Essa premissa vale na culpa inconsciente ou culpa comum, pois, na culpa consciente, o agente prevê o resultado, mas confia que ele não vai ocorrer. Se o fato não for, ao menos, previsível ao agente, o resultado só pode ser atribuído ao caso fortuito ou força maior. f) Tipicidade Como regra, a conduta penal costuma ser tipificada na forma dolosa. A forma culposa é excepcional, por isso da advertência da tipicidade (parágrafo único do art. 18 do CP). No entanto, em uma compreensão mais crítica, a tipicidade é uma exigência tanto da forma dolosa quanto da forma culposa, em razão do princípio constitucional da reserva legal. PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - No crime culposo, é importante ressaltar a distinção entre previsibilidade objetiva e previsibilidade subjetiva. A análise (valoração) da previsibilidade objetiva, aferida no injusto culposo, se alicerça em condições concretas, existentes no momento da conduta, no sentido de proteção do bem jurídico. A doutrina tradicional, ainda utiliza os critérios comparativos do homem médio e do homem prudente. A previsibilidade subjetiva consiste na análise (valoração) da capacidade, habilidade, do próprio agente, conforme as suas características pessoais de evitar a ação e o resultado, que deve ser examinada na culpabilidade do crime culposo. Outro aspecto de destaque no estudo do crime culposo diz respeito ao perdão judicial, uma causa extintiva da punibilidade (natureza jurídica), nos termos do art. 107 e ainda da súmula 18 do STJ. O perdão judicial está previsto no § 5º do art. 121, com o seguinte texto: Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”. (Incluído pela Lei n. 6.416, de 24.5.1977). Conquanto não tenha previsão expressa no CTB (Lei n. 9.503/1997), o perdão judicial do CP também se aplica ao homicídio culposo do Código de Trânsito brasileiro. O perdão judicial não é automático. O caso concreto deve revelar que o agente sofreu com a infração penal de homicídio culposo, de modo que qualquer sanção se torne desnecessária. Observa-se, nesse aspecto, que o legislador considera como efeito da sanção penal algum sofrimento do agente que recebe a pena. Dito de outro modo, a pena, por si só, gera uma dor no agente. Sobre o perdão judicial, tem-se observado uma posição mais restritiva da jurisprudência do STJ, que exige uma relação prévia de intimidade entre o agente e a vítima, que não fora descrita no § 5º do art. 121 pelo legislador penal. STJ PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - “[...] I – A col. 6ª Turma do STJ, ao examinar a possibilidade de aplicação do perdão judi- cial (§ 5º do art. 121 do CP) ao homicídio culposo no trânsito, assentou que “[A] melhor doutrina, quando a avaliação está voltada para o sofrimento psicológico do agente, enxerga no § 5º a exigência de um vínculo, de um laço prévio de conhecimento entre os envolvidos, para que seja “tão grave” a consequência do crime ao agente. A interpreta- ção dada, na maior parte das vezes, é no sentido de que só sofre intensamente o réu que, de forma culposa, matou alguém conhecido e com quem mantinha laços afetivos. [...] Entender pela desnecessidade do vínculo seria abrir uma fenda na lei, que se entende não haver desejado o legislador, pois, além de difícil aferição – o tão grave sofrimento -, serviria como argumento de defesa para todo e qualquer caso de delito de trânsito, com vítima fatal” (REsp n. 1.455.178/DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe de 6/6/2014, grifei). II. – Na hipótese dos autos, contudo, sequer está demonstrado que o ora recorrente man- tinha laços afetivos com a vítima, porquanto, segundo afirmado pela mãe da vítima, “os dois tentaram um vida juntos, chegaram a morar na mesma casa por um ano e três meses, mas não deu certo” (fl. 379). III. – Nesse diapasão, reconhecer, in casu, a presença dos requisitos aptos a ensejar a concessão do perdão judicial reclama incursão no acervo fático-probatório delineado nos autos, procedimento vedado pela Súmula n. 7 desta Corte, e que não se coaduna com ospropósitos atribuídos à via eleita. Precedentes. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 1349597/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 18/09/2018, DJe 21/09/2018)”. “STJ [...] O perdão judicial não pode ser concedido ao agente de homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302 do CTB) que, embora atingido moralmente de forma grave pelas consequências do acidente, não tinha vínculo afetivo com a vítima nem sofreu sequelas físicas gravíssimas e permanentes. Conquanto o perdão judicial possa ser aplicado nos casos em que o agente de homicídio culposo sofra sequelas físicas gravíssimas e permanentes, a doutrina, quando se volta para o sofrimento psicológico do agente, enxerga no § 5º do art. 121 do CP a exigência de um laço prévio entre os envolvidos para reconhecer como “tão grave” a forma como as consequências da infração atingiram o agente. A interpretação dada, na maior parte das vezes, é no sentido de que só sofre intensamente o réu que, de forma culposa, matou alguém conhecido e com quem mantinha laços afetivos. O exemplo mais comumente lançado é o caso de um pai que mata culposamente o filho. Essa interpretação desdobra-se em um norte que ampara o julga- dor. Entender pela desnecessidade do vínculo seria abrir uma fenda na lei, não desejada pelo legislador. Isso porque, além de ser de difícil aferição o “tão grave” sofrimento, o argumento da desnecessidade do vínculo serviria para todo e qualquer caso de delito de trânsito com vítima fatal. Isso não significa dizer o que a lei não disse, mas apenas conferir-lhe interpretação mais razoável e humana, sem perder de vista o desgaste emocional que possa sofrer o acusado dessa espécie de delito, mesmo que não conhecendo a vítima. A solidarização com o choque psicológico do agente não pode conduzir a uma eventual banalização do instituto do perdão judicial, o que seria no mínimo temerário no atual cenário de violência no trânsito, que tanto se tenta combater. Como conclusão, conforme entendimento doutrinário, a desnecessidade PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - da pena que esteia o perdão judicial deve, a partir da nova ótica penal e constitucional, referir-se à comunicação para a comunidade de que o intenso e perene sofrimento do infrator não justifica o reforço de vigência da norma por meio da sanção penal. REsp 1.455.178-DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 5/6/2014”. QUESTÃO: o perdão judicial é faculdade ou obrigação do juiz? Há divergência na doutrina. Uma primeira posição entende que se trata de direito público subjetivo do acusado, se presentes as circunstâncias (SANCHES, 2019, p. 81; DAMÁSIO, no mesmo sentido). Há outra posição que defende uma natureza mista, dependendo das pessoas envolvidas: se forem ascendente, descendente, cônjuge ou irmão se tratará de direito subjetivo; se forem amigos, será uma faculdade do julgador que deverá fundamentar (GRECO, 2018, v2, p. 47). QUESTÃO: qual é o momento de análise do perdão judicial? Uma posição antiga, ainda defendida por uma parte da doutrina, entende que o perdão judicial deveria ser examinado apenas na sentença penal, após a instrução criminal em juízo. Atualmente, há posição também no sentido de que a análise do perdão judicial, como causa extintiva da punibilidade, pode ser feita no momento do arquivamento, com a promoção de arquivamento pelo Ministério Público e a homologação judicial. A segunda posição busca evitar o etiquetamento do agente gerado por um processo penal que, ao final, não redundará em condenação penal. 1.5. Homicídio majorado (com causas de aumento de pena) Além da causa de aumento de pena do § 2º-B do art.121 do CP, já explicada anteriormente, existem outras causas de aumento de pena do homicídio, as quais estão descritas da seguinte forma: art.121, do § 4º ao § 7º. Aumento de pena § 4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. (Redação dada pela Lei n. 10.741, de 2003) PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - § 5º – Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. (Incluído pela Lei n. 6.416, de 24.5.1977) § 6º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio. (Incluído pela Lei n. 12.720, de 2012) § 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: (Incluído pela Lei n. 13.104, de 2015) I. – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; (Incluído pela Lei n. 13.104, de 2015) II. – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental; (Redação dada pela Lei n. 13.771, de 2018) III. – na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima; (Redação dada pela Lei n. 13.771, de 2018) IV. – em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. (Incluído pela Lei n. 13.771, de 2018)”. A primeira parte do § 4º se aplica ao homicídio culposo. Enquanto a segunda parte do § 4º se aplica ao homicídio doloso. Os demais parágrafos contêm apenas causas de aumento aplicáveis ao homicídio doloso. Vale ressaltar que há divergência no que diz respeito à previsão de uma aparente nova modalidade de imperícia como causa de aumento de pena do homicídio culposo, de modo que é possível formular a seguinte questão: QUESTÃO: Há bis in idem na causa de aumento do homicídio culposo com violação de regra técnica de profissão, arte ou ofício? Para a jurisprudência, tanto do STJ quanto do STF, não há se falar em bis idem, o que se exige é que a narração fática (denúncia) da imperícia que redundou na violação do dever objetivo de cuidado (elemento do crime culposo) não seja a mesma que configura a imperícia específica, que representa uma maior censura, que configura a causa de aumento de pena. STF – Habeas Corpus. 2. Homicídio culposo. 3. Causa de aumento de pena prevista no art. 121, § 4º, do Código Penal. 4. Inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício. Aplicabilidade. 5. Habeas PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - Corpus indeferido (HC 86969, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 13/12/2005, DJ 24-02-2006 PP-00051 EMENT VOL-02222-03 PP-00459 RTJ VOL-00199-03 PP-01162 RT v. 95, n. 850, 2006, p. 525-527 RMP n. 35, 2010, p. 197-200). STJ RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO CULPOSO. CAUSA DE AUMENTO DE PENA. INOBSERVÂNCIA DE REGRA TÉCNICA DE PROFISSÃO, ARTE OU OFÍCIO. APLICABILIDADE. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Não há confundir a imperícia, elemento subjetivo do homicídio culposo, com a inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício descrita no § 4º do art. 121 do CP, pois, naquela, o agente não detém conhecimentos técnicos, ao passo que nesta o agente os possui, mas deixa de empregá-los. 2.Recurso a que se nega provimento. (RHC 17.530/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 06/09/2005, DJ 26/09/2005, p. 407). 2. INDUZIMENTO, INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO A SUICÍDIO OU A AUTOMUTILAÇÃO O crime de participação em suicídio recebeu alteração para a inclusão da participação em automutilação. Algumas mudanças foram realizadas também na descrição dos parágrafos daquele que era até então um crime condicionado a determinado resultado e que não admitia a tentativa. As alterações promovidas pela Lei n. 13.968/2019 deixaram o dispositivo da seguinte forma: Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça: (Redação dada pela Lei n. 13.968, de 2019) Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. (Redação dada pela Lei n. 13.968, de 2019) § 1º Se da automutilação ou da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 129 deste Código: (Incluído pela Lei n. 13.968, de 2019) Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. (Incluído pela Lei n. 13.968, de 2019) § 2º Se o suicídio se consuma ou se da automutilação resulta morte: (Incluído pela Lei n. 13.968, de 2019) Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. (Incluído pela Lei n. 13.968, de 2019) PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - § 3º A pena é duplicada: (Incluído pela Lei n. 13.968, de 2019) I. – se o crime é praticado por motivo egoístico, torpe ou fútil; (Incluído pela Lei n. 13.968, de 2019) II. – se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência. (Incluído pela Lei n. 13.968, de 2019) § 4º A pena é aumentada até o dobro se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitida em tempo real. (Incluído pela Lei n. 13.968, de 2019) § 5º Aplica-se a pena em dobro se o autor é líder, coordenador ou administrador de grupo, de comunidade ou de rede virtual, ou por estes é responsável. (Redação dada pela Lei nº 14.811, de 2024) § 6º Se o crime de que trata o § 1º deste artigo resulta em lesão corporal de natureza gravíssima e é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime descrito no § 2º do art. 129 deste Código. (Incluído pela Lei n. 13.968, de 2019) § 7º Se o crime de que trata o § 2º deste artigo é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime de homicídio, nos termos do art. 121 deste Código. (Incluído pela Lei n. 13.968, de 2019). Quanto às formas de participação descritas no caput, vale ressaltar o seguinte: induzimento é a participação moral que consiste em criar ou fazer brotar a ideia na cabeça da vítima; instigação é a participação moral que consiste em reforçar uma ideia criminosa já existente na mente do autor; e o auxílio ocorre com a prestação de auxílios materiais, como o exemplo de um empréstimo de veneno ou de uma arma de fogo ao suicida. Os núcleos do art. 122, ou seja, os verbos constantes nas suas elementares são condutas que expressam participação, as quais, via de regra, deveriam ser objeto de adequação típica mediata ou indireta com o auxílio do art. 29 do CP. No caso do art. 122, não há auxílio do art. 29 para possibilitar a adequação típica. Isso ocorre porque os verbos da participação foram descritos no art. 122, de modo que representam os próprios verbos da autoria do crime, afastando o uso do art. 29. Observa-se que o novo caput do art. 122, após as alterações advindas da Lei 13.968/2019, não exige um resultado para punir o agente que induz, instiga ou auxilia https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2024/Lei/L14811.htm#art5 PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - alguém a cometer suicídio. Antes, a referida conduta somente era punida se o suicida ficasse com lesão grave ou se morresse. Acrescentou-se, ainda, a participação na automutilação. Para Arthur Gueiros e Japiassú (2020, p. 561), o crime do art. 122 passou a ser de perigo abstrato. Perdeu importância a discussão anterior sobre lesão grave ou morte como condição de punibilidade. Segundo Damásio (2020, v. 2, p. 151), “cuida-se a participação em suicídio ou automutilação é crime de mera conduta ou simples atividade, aperfeiçoando- se mesmo que não se produza qualquer resultado material”. Para Bitencourt, o crime passou a ser formal no caput e manteve a configuração de delito material na descrição do § 2º (BITENCOURT, 2020, v. 2, p. 498). Se a vítima, após a participação do terceiro (induzimento, instigação ou auxílio para o suicídio ou para a automutilação), sofrer lesão grave ou gravíssima, a pena será maior, na forma do § 1º do art. 122 (qualificadora). Verifica-se um equívoco do legislador ao mencionar a expressão lesão gravíssima, uma vez que se trata de um termo doutrinário, já que o art. 129, nos seus §§ 1º e 2º, usa o termo lesão grave para se referir tanto à hipótese grave quanto à hipótese gravíssima, respectivamente. De forma semelhante, se a vítima, após a participação do terceiro (induzimento, instigação ou auxílio para o suicídio ou para a automutilação), morrer, a pena será maior, na forma do § 2º do art. 122 (qualificadora). O § 7º do art. 122 trouxe para o texto legal um entendimento que já existia na doutrina penal, quando da interpretação do texto anterior às mudanças promovidas pela 13.968/2019. Destaca-se a previsão do § 4º, qual seja: a pena é aumentada até o dobro se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitida em tempo real. Nesse caso, pune-se a apologia de suicídio ou automutilação (GUEIROS; JAPIASSÚ, 2020, p. 555). Conforme já explicado, a participação em suicídio não é mais um crime condicionado a determinado resultado. PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - Diante disso, a QUESTÃO que surge é se o crime do art. 122, agora, com a nova redação dada pela Lei n. 13.968/2019 admite a tentativa? Considerando a narração do caput, a qual pune a mera conduta de participação do agente, ainda que a vítima não sofra lesão ou morte, há de se perquirir a possibilidade de fracionar a fase executória de alguma das condutas descritas, para concluir pela (im)possibilidade de tentativa. Dito de outro modo, é possível fracionar a execução do ato de induzir ou de instigar ou de auxiliar? As duas primeiras são formas morais de participação, enquanto a terceira é uma forma material de participação. Com quase um exemplo de laboratório, poder-se-ia aventar a possibilidade de uma tentativa de induzimento da vítima ao cometimento de suicídio, realizada por carta, a qual se desviou, por circunstâncias alheias à vontade do agente, e não chegou ao conhecimento da vítima. No caso de auxílio, poderia se imaginar no empréstimo de um veneno que não chegou às mãos da vítima por circunstâncias alheias à vontade do agente. Na doutrina, sem exemplificar, após as alterações trazidas pela Lei n. 13.968/2019, Damásio (2020, v. 2, p. 159) admite a tentativa. Bitencourt possui um entendimento diverso, não admite tentativa nas condutas narradas no caput, mas admite, como fazia antes da alteração legislativa (de forma minoritária), tentativa na descrição do § 2º: Essa infração penal, agora desdobrada em crime formal e crime material,admite tentativa? Claramente a figura descrita no caput da nova redação, como crime formal, por excelência, isto é, sem resultado, não admite tentativa, aliás, não apenas por isso, mas porque o seu iter criminis não permite fracionamento, não há como interromper ou fracionar as condutas ali descritas! Contudo, como crime material a figura descrita no § 2º admite a tentativa das condutas que descreve. No entanto, trata-se de uma figura complexa que prevê no próprio tipo a sua forma tentada, que poderíamos chamar de tentativa qualificada, na medida em que a pune somente se decorrer lesão de natureza grave (BITENCOURT, 2020, v. 2, p. 499). QUESTÃO: “E se a vítima é de resistência nula? Qual o crime se o sujeito induz alienado mental ou criança de tenra idade a suicidar-se ou a se automutilar? Neste caso, PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - responde – respectivamente – por homicídio ou lesão corporal, uma vez que transformou a vítima em instrumento de sua vontade criminosa. Para que haja delito de participação em suicídio ou automutilação é necessário que a vítima tenha capacidade de resistência. Essa solução, quando ocorrer morte ou lesão corporal de natureza gravíssima, passou a figurar expressamente no tipo penal, com o advento da Lei n. 13.968/2019. De acordo com os §§ 6º e 7º do art. 122 do CP” (JESUS, 2020, v. 2, p. 152). No que concerne aos §§ 6º e 7º do art. 122 do CP, o legislador estipulou modalidades qualificadas com penas da lesão gravíssima e do homicídio, respectivamente, em razão da vulnerabilidade da vítima, de modo a justificar, de maneira proporcional, segundo o nosso entendimento, uma reprimenda maior. Tem opinião diversa Cezar Roberto Bitencourt (2020, v. 2, p. 529): Em outros termos, a previsão constante do § 6º deste art. 122 do CP, com a nova redação determinada pela Lei n. 13.968 sofre do vício de inconstitucionalidade por violar o princípio da proporcionalidade. Para melhor se compreender o significado e abrangência desta concepção recomendamos que se consulte o que desenvolvemos sobre o referido princípio quando examinamos o crime tipificado no art. 273303, para não nos alongarmos aqui sobre o mesmo tema. QUESTÃO: “E se a vítima é forçada, por meio de violência ou grave ameaça, a ingerir veneno, ou a desfechar um tiro contra o próprio peito, vindo a morrer? O sujeito responde por homicídio. A razão está em que nessas hipóteses a vítima não está causando a morte por vontade própria, mas sim diante do constrangimento do autor (autoria mediata). O mesmo raciocínio se aplica a hipóteses de automutilação. Como vimos, é preciso que o ato material seja praticado pela própria vítima. Assim, se o sujeito segura o punhal contra o qual a vítima se lança, não há participação em suicídio, mas homicídio. Se puxa a corda do enforcamento, responde, também, por homicídio. Em todos os casos em que o ato material de matar é praticado pelo agente, pessoa que instigou, induziu, auxiliou, não há participação criminosa, mas homicídio” (JESUS, 2020, v. 2, p. 153). PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - A eutanásia e o suicídio assistido não são admitidos no ordenamento jurídico brasileiro, havendo proibição, inclusive, no Código de Ética Médica (art. 41, caput), o qual veda ao médico “abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal”. Haverá, no caso da eutanásia, homicídio privilegiado (CP, art. 121, § 1 º) e, no caso do suicídio assistido, participação em suicídio alheio (CP, art. 122) (JESUS, 2020, v. 2, p. 164). QUESTÃO: considerando a idade da vítima, em relação ao crime do art. 122, como fica a tipificação da conduta do agente se a vítima possui menos de 14 anos, ou entre 14 e 17 anos, ou 18 anos ou mais? [...] considerando a idade da vítima, poderemos ter as seguintes hipóteses: o sujeito ativo responderá por homicídio quando a vítima não for maior de quatorze anos; por participação em suicídio, com pena duplicada, quando a vítima tiver entre quatorze e dezoito anos (§ 3º); e por participação em suicídio ou automutilação com a pena normal, quando a vítima tiver dezoito anos completados (BITENCOURT, 2020, v. 2, p. 518-519). Não há crime de constrangimento ilegal quando o agente exerce coação para impedir suicídio (art. 146, § 3º, II). No duelo americano, a doutrina aponta a seguinte solução: Define-se como roleta russa, típica das películas americanas, aquela aposta em que os contendores rolam o tambor de arma contendo somente um projétil, disparando, cada um em sua vez, na própria direção. A solução indica a responsabilidade do sobrevivente pela “participação em suicídio”, pois, com essa prática, no mínimo, instigou a vítima ao suicídio. Se, no entanto, algum dos contendores for coagido a participar da “aposta”, sobrevivendo o coator, este responderá por homicídio doloso (BITENCOURT, 2020, v. 2, p. 542-543). Suicídio a dois ou pacto de morte – antes e depois da Lei n. 13.968/2019. Ocorre quando duas pessoas combinam um duplo suicídio, acordam morrer juntas. Exemplo: duas pessoas se isolam em quarto fechado e abrem um gás tóxico visando a morte PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - de ambos. Pode ocorrer também com o uso de arma de fogo onde cada um resolve efetuar um disparo contra si mesmo. Antes da mudança legislativa, no suicídio a dois, quando ambos resolvessem morrer juntos, quem praticasse ato executório, se sobrevivesse, responderia por tentativa de homicídio (parceiro não morre por circunstâncias alheias à vontade do agente) ou por homicídio consumado (morte do parceiro). Essa solução permanece após a mudança legislativa. Enquanto quem não praticasse atividade executória (exemplo: não abriu o gás) responderia apenas por participação em suicídio, caso sobrevivesse e o parceiro (que abriu o gás) morresse ou sofresse lesão grave. Se o parceiro que abriu o gás ficasse com lesão leve, o outro (que não abriu o gás) não responderia por crime algum. Após as mudanças legislativas, em razão do caput novo do art. 122 do CP, mesmo se a pessoa que abriu o gás sofrer apenas lesão leve ou não sofrer qualquer lesão, o outro parceiro responderá pelo crime formal descrito no caput do art. 122 do CP, o qual, agora, pune a conduta de participação (moral ou material) de maneira independente do resultado. A responsabilidade de quem abriu o gás permanece a mesma, qual seja: tentativa de homicídio ou homicídio consumado, conforme o resultado. Vale ressaltar, ainda, que se os dois abrirem o gás ao mesmo tempo, buscando a morte de ambos, cada um responderá por tentativa de homicídio, se ambos sobreviverem. Se apenas um sobreviveu, esse responderá pelo homicídio do outro que morreu. Se, todavia, o meio utilizado não for capaz de provocar qualquer lesão, muito menos a morte, ambos os agentes, que queriam cometer o suicídio a dois, apenas responderão pela conduta do caput do art. 122 do CP. Em suma: quem realiza atividade executória (exemplo: abriu a torneira do gás tóxico) e sobrevive, se ficar demonstrada a possibilidade do meio utilizado de provocar a morte, responderá por homicídio consumado (morte do parceiro) ou tentativa de homicídio (parceiro PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - não sobrevive por circunstâncias alheias). A responsabilidade pelo crime do art. 122 dependerá da não realização de atividade executória. QUESTÃO: na greve de fome, qual é o papel do médico sob o aspecto do Direito Penal? Vale citar aqui, apesar de longa, a soluçãodada por Cezar Roberto Bitencourt (2020, v. 2, p. 540-543): Afinal, o médico que tem o dever de assistir e velar pela vida do grevista de fome, especialmente no sistema prisional, poderá ser penalmente responsabilizado por comissão e também por omissão: de um lado, se deixar o grevista morrer sem ministrar-lhe, forçadamente, a alimentação necessária; de outro lado, ao forçar-lhe tal alimentação, não poderá estar praticando possível coação ilegal?! O tema não é novo e está longe de encontrar uma orientação pacífica. As razões que podem levar a uma “greve de fome” podem ser as mais variadas — ideológica, política, ética, social, religiosa, utilitarista (chamar a atenção pública, melhorar as condições prisionais, busca de notoriedade, evitar a execução da pena, v. g., sequestradores do caso Diniz etc.) —, mas, em regra, o grevista não tem a intenção de morrer, embora, no decurso do “desjejum”, possa acabar mudando de ideia e acabe admitindo ou aceitando a morte. O médico, em princípio, não pode ministrar alimentação contra a vontade de quem se encontra, por opção, em “jejum voluntário”. Contudo, essa regra não é absoluta e admite ressalvas, seguindo aquela orientação que inicialmente expusemos, segundo a qual não existe um direito sobre a vida, mas um direito à vida, e tampouco existe um “direito de morrer” de que falava Ferri. Assim, é vedado ministrar, forçadamente, alimentação ao grevista, desde que se encontre em “pleno uso de suas faculdades mentais” e não haja “grave risco de vida”. Não se pode esquecer, destaca com acerto Serrano Gomes, que o debilitamento que pressupõe a falta de alimentos e, especialmente, de água “pode influir na capacidade de decidir do sujeito, e, inclusive, pode, eventualmente, estar pressionado por questões políticas” . PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - O médico, na hipótese de greve de fome de prisioneiros, tem o dever de velar pela saúde e, por extensão, pela vida dos grevistas. Há determinado momento em que a não intervenção, com alimentação, permitirá que o grevista sofra lesões irreversíveis. Nesse momento, a intervenção médica ministrando alimentação ou medicação necessária estará protegida pelo disposto no art. 146, § 3º, do CP. Ademais, o médico está na posição de garantidor, e, pelo nosso direito, conjugando-se a previsão do dispositivo que acabamos de citar com a prescrição do art. 13, responderá pela morte do grevista, na forma omissiva imprópria, embora sejam muito raras mortes de prisioneiros em razão de greve de fome. O mesmo pode ocorrer com as “Testemunhas de Jeová”, especialmente nas transfusões de sangue, cuja negativa decorre de motivos religiosos. A transfusão determinada pelo médico, quando não houver outra forma de salvar o paciente, está, igualmente, amparada pelo disposto no art. 146, § 3º, do CP. Eventual violação da liberdade de consciência ou da liberdade religiosa cede ante um bem jurídico superior que é a vida, na inevitável relação de proporcionalidade entre os bens jurídicos tutelados. Quando os familiares ou pessoas encarregadas de menores ou incapazes negarem a assistência médica mesmo por motivos religiosos —, quer ocultando a gravidade da situação, quer não apresentando o menor ou incapaz em um centro médico especializado, se sobrevier a morte, responderão por homicídio na forma omissiva imprópria. Adotam orientação contrária Díez Ripollés e Silva Sanchez, entre outros, negando a posição de garantia do médico, em razão da oposição do paciente; Silva Sanchez, ademais, acrescenta a desnecessidade de pena; Bajo Fernandez os acompanha nesse entendimento, salvo se houver lei expressa, como ocorre no direito brasileiro (art. 13, § 2º, do CP). 3. INFANTICÍDIO O crime de infanticídio constitui um delito autônomo que fora contemplado entre os crimes contra a vida no art. 123 do CP, com a seguinte descrição: PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - Art. 123. Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena – detenção, de dois a seis anos. Trata-se de um crime contra a vida humana extrauterina. Sobre o início da vida humana extrauterina, o tema foi tratado quando da análise do crime de homicídio. É certo que não há necessidade de uma vida extrauterina autônoma do neonato, ou seja, basta uma vida biológica extrauterina, “que pode ser comprovada pelos batimentos cardíacos, pela circulação sanguínea ou qualquer outro critério admitido pela ciência médica” (BITEN- COURT, v. 2, 2020, p. 552-553). Nesse sentido, Hungria mencionava início do parto com a apresentação do feto no do útero materno. Quanto aos critérios, observa-se na doutrina, conforme Hungria, que o CP preferiu: “ao invés do ímpeto do pudor, o ímpeto da dor”. Os critérios existentes são: psicológico; fisiopsíquico; e o misto ou eclético. Histórico– O Código Criminal do Império (1830) adotou o critério psicológico, ou seja, considerava a prática do delito para ocultar desonra própria (critério psicológico). Idêntico raciocínio no Código Penal de 1890. De outro lado, o CP de 1940 adotou o critério fisiopsíquico que “leva em consideração não uma gravidez ilegítima ou coisa do gênero, mas, sim, a ação perturbadora decorrente do parto e seus reflexos no organismo da mulher” (GUEIROS; JAPIASSÚ, 2020, p. 566). Nosso Código Penal, que adota o critério fisiológico, considera fundamental a perturbação psíquica que o estado puerperal pode provocar na parturiente. É exatamente essa perturbação decorrente do puerpério que transforma a morte do próprio filho em um delictum exceptum nas legislações que adotam o critério fisiológico (BITENCOURT, v. 2, 2020, p. 555). O estado puerperal, elementar do crime, consiste em uma perturbação psíquica que acomete a gestante durante o parto ou logo após. O estado puerperal, no infanticídio, diminui a capacidade de autodeterminação da mulher, não se confunde com a ausência completa de capacidade de culpabilidade que pode ser gerada, por exemplo, por uma depressão PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - pós-parto, de modo a afastar a própria culpabilidade, tornando a mulher, nesse caso, inimputável, passível de receber uma medida de segurança. O modelo adotado pelo CP brasileiro em relação ao crime infanticídio exige uma relação de causalidade entre o estado puerperal e a morte do recém-nascido. A morte do neonato deve decorrer de uma conduta da mãe influenciada polo estado puerperal. O estado puerperal pode apresentar quatro hipóteses, a saber: a) o puerpério não produz nenhuma alteração na mulher; b) acarreta-lhe perturbações psicossomáticas que são a causa da violência contra o próprio filho; c) provoca-lhe doença mental; d) produz-lhe perturbação da saúde mental diminuindo-lhe a capacidade de entendimento ou de determinação. Na primeira hipótese, haverá homicídio; na segunda, infanticídio; na terceira, a parturiente é isenta de pena em razão de sua inimputabilidade (art. 26, caput, do CP); na quarta, terá uma redução de pena, em razão de sua semi-imputabilidade (BITENCOURT, 2020, v. 2, p. 557). Se não houvesse o art. 123 do CP, o infanticídio não seria crime autônomo, mas sim uma hipótese de homicídio com redução de pena em razão da semi-imputabilidade. A elementar “logo após o parto” exige razoabilidade na análise. Ambas as expressões durante o parto ou logo após o parto constituem elementares normativas do tipo (BITENCOURT, v. 2, 2020, p. 556). É certo que o legislador não exigiu apenas o critério patológico, mas também apontou um fator temporal. Sobre esse tema, vale apontar alguns entendimentos doutrinários.Para Nucci (2020, p. 876), o logo após significa imediatidade. Fragoso (p. 56), no mesmo sentido, fala em PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - imediatamente após o parto, sem intervalo. Para Bitencourt, a expressão logo após deve abranger todo o período do estado puerpreral (BITENCOURT, v. 2, 2020, p. 559). Magalhães Noronha dizia que seria “ essencial que a parturiente não haja entrado ainda na fase da bonança, em que predomina o instinto materno” (NORONHA, p. 54). Hungria, do mesmo modo, dizia que seria importante constatar que a parturiente não tivesse ingressado na fase de bonança ou quesitação (HUNGRIA, p. 265). A maioria da doutrina, todavia, compreende todo o período do estado puerperal, ou seja, de 7 a 8 dias após o parto, segundo ensina Artur de Brito Gueiros Souza e Carlos Eduardo Adriano Japiassú (2020, p. 568). Cuida-se, ainda, de um crime próprio, ou seja, que exige uma qualidade especial do sujeito ativo. Desse modo, a título de ilustração, se um homem, ciente do estado puerperal da gestante, a ajuda a ceifar a vida do recém-nascido, será coautor, em razão da comunicação do elementar estado puerperal, na forma do art. 30 do CP. Vale, todavia, ressaltar que existe posição no sentido de o infanticídio constituir um crime de mão própria, que exige execução personalíssima, que não admite a transferência da execução à terceira pessoa. Neste caso, não seria possível a coautoria no infanticídio, mas somente a participação. O terceiro que executasse a morte do recém-nascido responderia, nesse caso, por homicídio. Em suma, sob o aspecto dogmático, o crime próprio admite coautoria e admite participação. Crime de mão própria não admite coautoria, mas somente participação. Destaca-se ainda que a autoria mediata não é compatível com o crime de mão própria, no entanto é compatível com crime próprio, desde que o autor mediato possua as características exigidas pelo tipo penal. Concurso de pessoas no infanticídio (GRECO, 2018): a) mãe e terceiro executa a morte do recém-nascido = coautoria no infanticídio, conforme art. 30 do CP. Hungria, de início, discordava dessa posição dizendo que o infanticídio era delito personalíssimo, de modo que coator ou partícipe responderia por PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - homicídio. Todavia, como adverte Nucci (2020, p. 506-507), Hungria, na 5ª edição de sua obra, alterou o seu posiciona- mento e passou a admitir a comunicação: Por isso, muitos autores, capitaneados por Hungria, chegaram a sustentar a incomunicabilidade dessa circunstância de caráter pessoal, afinal, o puerpério é perturbação físico-mental exclusiva da mãe. Não seria justo, diziam, que o coautor ou partícipe fosse favorecido, uma vez que se estaria cuidando de circunstância personalíssima. Nessa visão: Bento de Faria (Código Penal brasileiro comentado, v. IV, p. 39); Vicente Sabino (Direito penal, v. I, p. 274); Aníbal Bruno (Direito penal, t. 4, p. 151-152). Entretanto, cumpre ressaltar que o próprio Nélson Hungria alterou seu entendimento, na 5.ª edição de sua obra: “Nas anteriores edições deste volume, sustentamos o mesmo ponto de vista, mas sem atentarmos no seguinte: a incomunicabilidade das qualidades e circunstâncias pessoais, seguindo o Código helvético (art. 26), é irrestrita (...), ao passo que perante o Código pátrio (também art. 26) [atual art. 30 do CP] é feita uma ressalva: ‘Salvo quando elementares do crime’. Insere-se nesta res- salva o caso de que se trata. Assim, em face do nosso Código, mesmo os terceiros que concorrem para o infanticídio respondem pelas penas a este cominadas, e não pelas do homicídio” (Comentários ao Código Penal, 5. ed., v. 5, p. 266). O mesmo fez Heleno Fragoso (citação de Fernando de Almeida Pedroso, Direito penal, p. 559). b) somente a mãe executa a conduta com a participação de terceiro: ambos respondem por infanticídio, o terceiro é partícipe; c) somente o terceiro executa a conduta de matar o recém-nascido contando com o auxílio da parturiente: ambos respondem por infanticídio. Se não houver prova do estado puerperal, como ficará a solução do caso no qual a mãe mata o próprio filho? Parte da doutrina afirma que no caso de dúvida sobre a existência ou inexistência do estado puerperal, deve presumir que ele existiu. No entanto, a questão trata de outro tema, PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - qual seja, uma situação na qual não há prova do estado puerperal, não se trata de dúvida sobre a sua existência. Para Nucci (2020, p. 209), a solução deve ser a seguinte: Note-se que, muitas vezes, na impossibilidade de provar determinada ocorrência, que caracteriza o delito especial, pode-se desclassificar a infração penal para a modalidade genérica. É o que ocorre quando a mãe mata seu filho e não se consegue evidenciar o ‘estado puerperal’, caracterizador do infanticídio. Responde ela por homicídio. Entretanto, o referido autor apresenta uma posição, com a qual não concordamos, qual seja: “O correto é presumir o estado puerperal quando o delito é cometido imediatamente após o parto, em que pese poder haver prova em contrário, produzida pela acusação” (NUCCI, 2020, p. 877). Não parece ser o melhor argumento, uma vez que nem sempre o estado puerperal provoca alteração psíquica da parturiente. Entendemos que o Direito Penal não pode abrir mão do conhecimento interdisciplinar em temas que não envolvem apenas a dogmática penal. Nessa perspectiva, segue a compreensão técnica do sentido de estado puerperal e de suas consequências no campo da ciência médica: Anota-se ainda que haverá erro quanto à pessoa, solucionado pelo § 3º do art. 20 do CP, no caso de a mulher, acometida do estado puerperal, matar o filho de outra mulher acreditando ser o próprio filho. Por fim, não existe infanticídio na forma culposa. Desse modo, se a mãe, no caso de violação do dever objetivo de cuidado e dos demais elementos do crime culposo, mata o recém-nascido logo após o parto, acometida do estado puerperal, deverá responder por homicídio culposo, com a possibilidade, presentes os requisitos, do perdão judicial. Não há se falar em fato atípico, como sustentava Damásio. 4. ABORTO O aborto consiste em um crime contra a vida humana intrauterina. A vida humana intrauterina se inicia a partir da nidação. Desse modo, somente será possível existir o crime de aborto a partir da nidação, que consiste na implantação do óvulo fecundado PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - nas paredes do útero materno (endométrio: membrana que reveste a parede interna do útero). Antes da nidação, não será possível, para efeito penal, a ocorrência do aborto. Desse modo, a eliminação da gestação que se desenvolve nas paredes externas do útero materno não gera crime de aborto. São os casos de gravidez ectópica, que consiste na implantação do óvulo fecundado fora do útero (em uma das trompas de falópio), de modo que o feto não consegue se desenvolver. É chamada ainda de gravidez tubária. A legislação penal brasileira de 1830 (Código Criminal do Império) não punia a conduta de autoaborto, mas apenas o aborto consentido e o aborto sofrido. A gestante não era punida em nenhuma hipótese em razão do aborto. Punia-se ainda o fornecimento de meios abortivos, como espécie de atos preparatórios. O CP de 1890 passou a punir a conduta da gestante (BITENCOURT, 2020, p. 583-584). O legislador penal tratou do aborto nos arts.124 a 128 do CP. O art. 124, caput, primeira parte cuida do autoaborto, um crimede mão própria, enquanto a segunda parte trata do consentimento da gestante no aborto realizado por um terceiro. Nessa segunda parte do caput do art. 124, a gestante tem a sua conduta tipificada no art. 124, segunda parte, enquanto o terceiro responde na forma do art. 126 do CP, ou seja, cuida-se de uma exceção à teoria monista, que fora adotada como regra no art. 29 do CP. O art. 125 apresenta a hipótese de aborto sem o consentimento da gestante, com pena maior. Constitui um crime de dupla subjetividade passiva, de modo que não somente o feto é o sujeito passivo do crime, mas também se apresenta como sujeito passivo a gestante que tem a sua integridade física/psicológica atingida. Vale ressaltar que nem todo consentimento da gestante implicará ao terceiro, que realiza o aborto, a responsabilidade pelo crime do art. 126. Em algumas situações de vulnerabilidade, devidamente explicitadas pelo legislador no parágrafo único do art. 126, o consentimento da gestante nada significará, de modo que o terceiro será responsabilizado por um aborto sem o consentimento da gestante, respondendo pelo crime descrito no art. 125 do CP. PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - Uma forte discussão doutrinária existe no que diz respeito ao art. 127 do CP, o qual, apesar da rubrica “forma qualificada”, consiste em causas de aumento de pena que ocorre quando – em razão das condutas narradas nos arts.125 e 126– a gestante sofre lesão grave ou morre. Sobre o tema, segue suma da divergência doutrinária principalmente relacionada à (im) possibilidade de tentativa de aborto combinada com as modalidades do art. 127: a) primeira corrente – cuida-se de hipótese preterdolosa que não admite a tentativa, ou seja, a lesão grave ou a morte da gestante decorre de culpa do agente, de modo que o aborto consumado ou tentado é sempre doloso, enquanto as consequências do art. 127 são culposas. Essa é a proposta de, por exemplo, Capez (concordância do R Sanches), ou seja, se a gestante sofre lesão grave ou morte, independente do aborto consumado ou não, o agente responderá por aborto consumado mais o agravamento do art. 127 (analogia jurídica com o latrocínio e a Súmula n. 610 do STF); b) segunda corrente – proposta do Frederico Marques; Mirabete; Hungria; nos casos em que houver dolo de abortar, sem consumação do aborto, mas com a presença de lesão grave ou morte da gestante (culposas), o agente responde por tentativa de aborto com o agravamento do art. 127; c) terceira corrente – defendida pelo Dermeval Farias, a tentativa ocorre sem qualquer problema, uma vez que incide sobre a conduta narrada no art. 125 ou no art. 126. O art. 127 apresenta causas de aumento que não alteram a tentativa dos crimes anteriores. Dito de outro modo, a tentativa altera o tipo objetivo relacionado ao corpo principal do crime, às suas elementares, ou seja, ao resultado que faz parte do tipo objetivo. As causas de aumento do art. 127 são hipóteses acidentais, não essenciais do crime de aborto. Se o agente, com dolo de abortar e dolo de lesionar a gestante, provoca-lhe o aborto e a lesão, responderá por dois crimes, quais sejam: aborto e lesão corporal. Exemplo 1: Caio resolve dar um chute forte na barriga da gestante, com dolo de abortar e de lesionar, conseguindo abortar o feto e provocar lesões na gestante que a deixaram sem PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - praticar as suas atividades habituais por mais de 30 dias. A adequação típica da conduta de Caio se ajusta aos arts.125 e 129 § 1ºI, na forma do art. 70 caput, segunda parte, ou seja, concurso formal impróprio, com penas somadas. Exemplo 2: Tício, no contexto de violência doméstica, resolve efetuar disparo de arma de fogo contra a gestante, com dolo de abortar o feto e de matar a gestante, conseguindo abortar o feto e provocar a morte da gestante. A adequação típica da conduta de Caio se ajusta aos arts.125 e 121, § 2º, VI, e § 2º-A, I, na forma do art. 70, caput, segunda parte, ou seja, concurso formal impróprio, com penas somadas. Ainda importa acrescentar que não se pode confundir as hipóteses do art. 127 que pressupõe aborto ou tentativa de aborto, condutas dolosas, com a qualificadora da lesão corporal seguida de aborto, na qual a lesão é dolosa o resultado aborto é culposo, nos termos do art. 129, § 2º, V, ou seja, uma forma preterdolosa. Como alerta Bitencourt (2020, v. 2, p. 778). É necessário que o condutor tenha conhecimento da gravidez, sem, contudo, querer o aborto. Se a sua ação visar o aborto, o crime será doloso, previsto no art. 125 do Código Penal. O desconhecimento da gravidez, porém, afasta a qualificadora, constituindo erro de tipo. Não se deve confundir as figuras dos arts. 127, 1ª parte, e 129, § 2º, V, do Código Penal, pois há uma inversão de situações: na primeira, o aborto é querido e a lesão não; na segunda, a lesão é o resultado desejado, enquanto o aborto não, nem mesmo eventualmente. O artigo 128, por sua vez, cuida das hipóteses legais nas quais o aborto é permitido pela legislação penal brasileira, descritas da seguinte forma: Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico: (Vide ADPF 54) Aborto necessário I. – se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro II. – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - O inciso I do art. 128 trata do aborto necessário ou terapêutico ou profilático, o qual é realizado pelo médico para salvar a vida da gestante. Portanto, o legislador escolheu a vida da gestante em detrimento da vida do feto, quando houver risco de vida para a gestante em razão do desenvolvimento da gestação. Não poderá o médico, diante do pedido da gestante, optar pela vida do feto em detrimento da vida da gestante. O aborto necessário exige dois requisitos, simultâneos: a) perigo de vida da gestante; b) inexistência de outro meio para salvá-la [...] Na hipótese de perigo de vida iminente, é dispensável a concordância da gestante ou de seu representante legal (art. 146, § 3º, do CP), até porque, para o aborto necessário, ao contrário do aborto humanitário, o texto legal não faz essa exigência, que seria restritiva da liberdade de agir e de decidir. Nessa linha de orientação, sustentamos que o aborto necessário pode ser praticado mesmo contra a vontade da gestante. A intervenção médico-cirúrgica está autorizada pelo disposto nos arts. 128, I (aborto necessário), 24 (estado de necessidade) e 146, § 3º (intervenção médico-cirúrgica justificada por iminente perigo de vida) (BITENCOURT, 2020, p. 607-608). Ademais, se outro profissional, como a enfermeira, na ausência do médico, realiza o procedimento de eliminação do feto para salvar a vida da gestante, não haverá a incidência da norma permissiva do inciso I do art. 128, mas sim a hipótese geral do estado de necessidade do art. 24 do CP, uma vez que a enfermeira não é médica e, por isso, sua conduta não pode ser abrigada no inciso I do art. 128. Para Nucci (2020, p. 886), somente o médico pode realizar as condutas permissivas previstas nos incisos I e II do art. 128: Entende-se que somente o médico pode providenciar a cessação da gravidez nessas duas hipóteses, sem qualquer possibilidade de utilização da analogia in bonam partem para incluir, por exemplo, a enfermeira ou a parteira. A razão disso consiste no fato de o médico ser o único profissional habilitado a decidir, mormente na primeira situação, se a gestante pode ser salva, evitando-seo aborto ou não. Quanto ao estupro, é também o médico que pode realizar a interrupção da gravidez com segurança para a gestante. Se a enfermeira ou qualquer outra pessoa assim agir, poderá ser absolvida por estado de necessidade (causa PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - Sobre esse tema, ou seja, possibilidade de aborto no caso de estupro de vulnerável, segue a abordagem de Guilherme de Souza Nucci (2020, p. 888-889): genérica de exclusão da ilicitude) ou até mesmo por inexigibilidade de conduta diversa (causa supralegal de exclusão da culpabilidade), conforme o caso. No que concerne à natureza jurídica, existe entendimento majoritário no sentido de que o inciso I do art. 128 trata de estado de necessidade da Parte Especial do CP. Entre os autores que defendem essa posição, de constituir um caso especial de estado de necessidade, estão Fragoso, Frederico Marques, Paulo José da Costa Junior, Hungria e Rogério Greco. No mesmo sentido, para Guilherme de Souza Nucci, trata-se de estado de necessidade a hipótese contemplada no inciso I do art. 128 (2020, p. 885). Quanto ao inciso II do art. 128, observa-se que o legislador autoriza o aborto no caso de gravidez decorrente de estupro, desde que exista o prévio do consentimento da gestante ou, no caso de incapacidade da gestante, de seu representante legal. “Pelo nosso Código Penal não há limitação temporal para a estuprada-grávida decidir-se pelo abortamento” (BITENCOURT, 2020, p. 607-608). Ressalta-se que o estupro para gerar a gestação abortiva legal pode decorrer de violência ou grave ameaça ou, ainda, ser cometido sem violência no caso de estupro de vítima vulnerável, independente de seu consentimento, uma vez que a Lei Penal apenas menciona gravidez decorrente de estupro, na segunda hipótese legal, para permitir o aborto. A autorização do aborto se o estupro decorrer de violência presumida. Há duas posições: a) autoriza o aborto sentimental, pois está claramente prevista a hipótese em lei; b) não autoriza, pois é impossível a “morte de um ser humano” em nome de uma ficção. Preferimos a primeira posição, pois em harmonia com o princípio da legalidade. Lembremos PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - que, após a edição da Lei 12.015/2009, foi revogado o art. 224 do CP, mencionando as hipóteses de violência presumida. Entretanto, tais situações foram incorporadas em tipo penal autônomo, intitulado estupro de vulnerável (art. 217-A). Por isso, pode permanecer o debate, acerca da autorização para o aborto caso ocorra estupro de vulnerável, logo, sem violência ou grave ameaça. Permanecemos fiéis à primeira orientação, agora respaldados na própria titulação da lei penal, vale dizer, a relação sexual com menor de 14 anos, enfermo ou doente mental e incapaz de resistir é considerada estupro. Se houver gravidez, deve-se autorizar o aborto. No mesmo sentido, Bitencourt (2020, v. 2, p. 611) sustenta a possibilidade aborto quando a gravidez decorre de estupro de vulnerável na forma insculpida no art. 217A. Argumenta que a interpretação do inciso II do art. 128 não pode ser restritiva, uma vez que o legislador reconhece duas espécies de violência, tanto a do art. 213 quanto a do art. 217A: “Com efeito, interpretação restritiva, no caso, implica criminalizar uma conduta autorizada, uma espécie de interpretação extensiva contra legem, ou seja, in malam partem”. Sob o aspecto, doutrinário, o aborto do inciso II do art. 128 é denominado de aborto senti- mental ou humanitário ou ético. Há intensa discussão sobre a sua natureza jurídica. A maioria dos penalistas apontam como natureza jurídica do inciso II do art. 128 uma excludente de ilicitude. Bitencourt defende a natureza de excludente de ilicitude especial realizada pelo mé- dico, somente pelo médico, tanto na hipótese do inciso I quanto do II (2020, v. 2, p. 613). Para Guilherme de Souza Nucci, cuida-se de exercício regular do Direito a hipótese contemplada no incido II do art. 128 e de estado de necessidade a hipótese contemplada no inciso I do art. 128 (2020, p. 885). Rogério Greco defende a inexigibilidade de conduta diversa. Frederico Marques e Fragoso (dano altamente afrontoso para a pessoa da mulher) sustentam ser uma hipótese de estado de necessidade. A natureza jurídica do inciso II do art. 128 já foi questão aberta do concurso de promotor de justiça do MPMG. PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - Não há necessidade de ordem judicial para se realizar o aborto no caso permitido do inciso II do art. 128, conquanto seja comum buscar essa proteção formal nas situações concretas. O médico precisa apenas de um início de prova (cópia da Denúncia criminal; cópia da ocorrência criminal etc.). Se o médico for enganado pela vítima, ele atuará com erro de tipo, enquanto quem o enganou responderá pelo crime. Para Bitencourt (2020, v. 2, p. 610): O consentimento da gestante ou de seu representante legal, quando for o caso, deve ser obtido por escrito ou na presença de testemunhas idôneas, como garantia do próprio médico [...] Acautelando-se sobre a veracidade da alegação, somente a gestante responderá criminalmente (art. 124, 2ª figura) se for comprovada a falsidade da afirmação. A boa-fé do médico caracteriza erro de tipo, excluindo o dolo, e, por consequência, afasta a tipicidade. É possível ainda, no atual modelo jurídico brasileiro, o aborto de feto anencéfalo. O Supremo Tribunal Federal (ADPF 54), com a ferramenta da interpretação conforme à Constituição, fez uso do princípio da dignidade da pessoa humana para afastar a tipicidade penal da conduta de aborto de feto anencéfalo, mas também utilizou um argumento dogmático, qual seja, o pressuposto de atividade cerebral para a existência da vida previsto na Lei de Transplantes de Órgãos, conforme exarou o relator: “cumpre tomar de empréstimo o conceito jurídico de morte cerebral previsto na Lei n. 9.434, de 1997, para concluir ser de todo impróprio falar em direito à vida intrauterina ou extrauterina do anencéfalo, o qual é um natimorto cerebral” (STF, ADPF 54). O feto anencéfalo é aquele que: “não possui uma parte do sistema nervoso central, ou melhor, faltam-lhe os hemisférios cerebrais e tem uma parcela do tronco encefálico (bulbo raquidiano, ponte e pedúnculos cerebrais” (Sanches, apud Maria Helena Diniz– O estado atual do biodireito). Anote-se que o Projeto de Lei do Senado n. 236, de 2012 (novo Código Penal), que tramita no Senado Federal, estabelece no seu texto a possibilidade de abortamento do feto anencéfalo. Após a revisão Comissão Temporária da Reforma do Código Penal, no âmbito da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) pelo Senado, foi mantido o texto com a nova modalidade de abortamento, aprovado pela CCJ em 10 de dezembro do mesmo PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - ano. Portanto, ao lado das possibilidades de aborto existentes hoje, foi incluída a possibilidade no caso de feto anencéfalo, que constitui uma iniciativa fomentada pela decisão do STF, proferida no bojo da ADPF 54. Na decisão apontada, precedida de quatro sessões de audiência pública com entidades representativas de diversos segmentos laicos e religiosos da sociedade brasileira, a Corte afirmou a inconstitucionalidade da subsunção típica da interrupção da gravidez de feto anencéfalo às previsões dos arts. 124 e 126 do Código Penal. A decisão da ADPF 54 não mencionou o art. 125, o qual poderá gerar dúvidas em casos concretos de aborto não consentidode fetos anencéfalos. Em tais casos, parece que a adequação típica não poderá encontrar abrigo no art. 125, mas sim na soma da pena do aborto com uma das modalidades de sanção da lesão qualificada descritas no art. 129 do Código Penal, de acordo com a gravidade do resultado da conduta perpetrada pelo agente. Mas outra solução, na medida em que não existe aborto criminoso de feto anencéfalo, poderia ser deduzida, ou seja, no exemplo dado, haveria apenas o crime de lesão corporal. Por isso, tomando por empréstimo o dispositivo legal, para efeito de transplantes de órgãos, previsto na Lei n. 9.434, de 1997, a conduta de abortamento de feto anencéfalo foi considerada atípica na decisão da ADPF 54. O uso do princípio da dignidade da pessoa humana, como um dos argumentos, não parece que, no caso em apreço, tenha exercido a mesma força do fundamento dogmático apoiado na Lei n. 9.434, de 1997, o qual pressupõe a atividade cerebral para a existência de vida humana, bem jurídico tutelado nas disposições dos arts. 121 a 128 do Código Penal. Observa-se que a Corte poderia decidir a questão, de maneira exclusiva, com fundamento dogmático, quer dizer, fazendo uso exclusivamente do parâmetro legal estabelecido como ponto de partida na Lei n. 9.434, de 1997, que no caput de seu art. 3º trouxe um limite, sob o aspecto legal, para o término da vida, ao exarar: “A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos [...]” (BRASIL. Lei n. 9.434, de 4 de fevereiro de 1997). PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - Dito de outro modo, o Supremo poderia afirmar a atipicidade do aborto de feto anencéfalo sob a perspectiva de que o conceito de vida humana, definido na legislação brasileira, pressupõe a atividade cerebral. Dessa forma, a nidação faz surgir a vida humana intrauterina que pode não se aperfeiçoar caso não se desenvolva a atividade cerebral suficiente para uma vida humana extrauterina, diante da previsão do art. 3º da Lei n. 9.434, de 1997. Nessa perspectiva, a discussão estaria consubstanciada em um enunciado dogmático convincente, de forma específica, ou seja, na inexistência de tipicidade penal diante da ausência de vida, segundo o critério legal aliado à compreensão do sentido de vida humana intrauterina para o direito penal, consagrado na doutrina penal brasileira. No entanto, a Corte não abriu mão do uso do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual tem sido utilizado como uma ferramenta capaz de solucionar variados problemas do direito, não somente na seara penal, e, não raro, com déficit argumentativo. Contribuíram para tanto os dados colhidos na audiência pública que precedeu à decisão, que indicavam o aumento do risco de vida para as gestantes de feto anencéfalo, além de outros problemas de saúde pública que apontavam altos índices de mortalidade materna. QUESTÃO: admite-se, no Brasil, o aborto até a 12ª semana da gestação? Por ora, tal possibilidade não está prevista na Lei brasileira e não foi alvo de um controle concentrado de constitucionalidade. Todavia, numa relação com a tipicidade penal, o princípio da proporcionalidade foi utilizado recentemente pelo STF de forma bastante ousada, quando a Primeira Turma, por maioria, examinou um pedido de revogação de prisão preventiva no Habeas Corpus 124.306/RJ, de um acusado pela prática do crime de aborto de feto com gestação não superior a 12 semanas. Na ocasião, após pedido de vista, o Relator para o acórdão, Ministro Luís Roberto Barroso, ampliou o debate para examinar a constitucionalidade da referida tipificação penal e, ao final, considerou inconstitucional a proibição do aborto nessa situação. Na decisão do Ministro Barroso, após citações de normas de alguns outros países que permitem tal manobra abortiva, restou fundamentado, para a permissão do abortamento do PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - feto até a terceira semana da gestação: incompatibilidade da criminalização com os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, com a sua autonomia, com a sua integridade física e psíquica, com a equiparação de gênero; a criminalização atinge em maior medida mulheres pobres, que por sua vez praticam automutilação, já que não têm acesso a médicos e clínicas privadas; uso do princípio da proporcionalidade para afirmar a duvidosa adequação da norma para proteger o bem jurídico (vida do nascituro), uma vez que não impede a realização de abortamentos de maneira clandestina no país; a possibilidade de substituir a tipificação, em tais casos, por meios mais eficazes, como a educação sexual; a desproporcionalidade em sentido estrito por gerar custos sociais, como mortes e problemas de saúde pública, superiores aos seus benefícios; interpretação conforme para afastar a incidência dos arts. 124 e 126 do Código Penal nos casos de interrupção voluntária da gestação realizada até o primeiro trimestre. Por fim, a decisão afastou apenas a prisão preventiva no seu dispositivo. Na oportunidade, o relator original, Ministro Marco Aurélio, examinou a questão apenas na perspectiva da cautelar e, sob o ângulo processual dos requisitos da prisão preventiva, não conheceu do HC, mas concedeu a ordem de ofício. O Ministro Edson Fachin acompanhou a decisão do Ministro Marco Aurélio. Por sua vez, a Ministra Rosa Weber, em voto escrito, juntado aos autos depois do julgamento, concedeu a ordem de ofício, nos termos do voto do Relator, e, ainda, acompanhou a argumentação do Ministro Barroso, no sentido de conferir interpretação conforme a Constituição dos arts. 124 e 126 do Código Penal, de modo a considerar atípica a interrupção da gravidez efetivada no primeiro trimestre da gestação. Vale registrar que o Código Penal só permite o aborto, conforme visto anteriormente, em caso de gestação com risco de vida para a gestante e diante de gravidez resultante de estupro, ou seja, somente em duas hipóteses (arts.128, I e II). A outra possibilidade de abortamento, por atipicidade penal, ocorre na gestação de feto anencéfalo, conforme decisão proferida na ADPF 54, examinada no tópico anterior. PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - De outro lado, a lei penal brasileira não permite o aborto de feto até a terceira semana da gestação, como ocorre em alguns outros países. Uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental foi protocolada no STF, distribuída à Ministra Rosa Weber, com pedido de permissão do aborto em tal situação, mas ainda não houve um posicionamento da Corte. No Projeto de Lei do Senado n. 236 (novo Código Penal), apresentado no ano de 2012 pela comissão de juristas criada pelo Senado, havia também a possibilidade de abortamento do feto até a terceira semana da gestação, desde que precedido de um parecer médico ou psicológico sobre a gestante. Tal permissão foi retirada do texto após uma revisão do projeto, no âmbito do Senado, realizada por outra comissão. A decisão do STF no HC 124.306/RJ, malgrado ter sido proferida no âmbito da Primeira Turma, com quatro ministros presentes, e não do Plenário, chama a atenção, no cotejo entre os argumentos usados e a dogmática penal, por várias razões: no âmbito de um Habeas Corpus no qual se questionava os fundamentos para a prisão preventiva; manifestação de ofício da Corte quanto a matéria de Direito Penal não suscitada no âmbito do Habeas Corpus; inexistência de deferência ao Legislador que debate a matéria nas discussões do projeto do novo Código Penal; tentativa de mitigação do direito à vidado nascituro, que se encontra regulado por norma infraconstitucional, que obedece a um mandado constitucional de criminalização para a proteção da vida; tentativa de criação de uma regra restritiva do direito à vida, com uso de argumentação principiológica sedimentada no princípio da proporcionalidade, em espaço já regulado pelo legislador, numa clara ofensa a outro princípio denominado proibição da tutela penal deficiente; ativismo penal voluntarioso e subjetivista em espaço de escolha do legislador, com construção casuística de regra limitadora do direito à vida. Novamente, a posição de abertura interpretativa com uma escolha de solução subjetiva distante da dogmática, com argumentos consequencialistas, de roupagem neoconstitucionalista, presentes na fundamentação do voto do Ministro Barroso, se aproximam da linha proposta pelo funcionalismo penal teleológico, ao menos, na parte que PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - diz respeito aos princípios políticos criminais como guia da dogmática, levando em conta as funções do Direito Penal, de proteção dos bens jurídicos principais, de prevenção positiva, de análise da necessidade de pena, que integra, ao lado culpabilidade, o conceito de responsabilidade. No aborto de feto anencéfalo, há exclusão da tipicidade, uma vez que não há se falar em vida humana intrauterina por ausência de desenvolvimento cerebral. O aborto eugênico ou eugenésico, em razão de alguma patologia do feto, não é permitido. A única hipótese de aborto permitido em razão de patologia é o caso de anencefalia, mas por essa afastar a vida do feto, uma vez que o conceito legal de vida pressupõe atividade cerebral. No caso de aborto por redução embrionária no caso, por exemplo, de gestação de 5 fetos com necessidade de reduzir para 3, visando salvar os três, fala-se em estado de necessidade. Se o feto já estiver morto durante a manobra abortiva da mãe, haverá crime impossível de autoaborto. Se, por outro lado, a gravidez for imaginária (não existe feto ou embrião), haverá um aborto putativo, espécie de crime impossível, chamado de delito putativo por erro de tipo. Sustentamos a possibilidade de tentativa no crime de autoaborto que não se consuma por circunstâncias alheias à vontade da gestante. Sob o aspecto dogmático, o autoaborto pode conviver com o art. 14 II do CP. Pensa de forma diferente Cezar Roberto Bitencourt (2020, v. 2, p. 602): Por política criminal sustenta-se a impunibilidade da tentativa do autoaborto, pois o ordenamento jurídico brasileiro não pune a autolesão. No entanto, nosso Código não consagra essa impunibilidade. E, ademais, a tentativa de autoaborto está mais para desistência voluntária ou arrependimento eficaz do que propriamente para tentativa punível, que o próprio Código Penal declara impuníveis, igualmente por razões de política criminal, quais sejam, para estimular o agente a não prosseguir no objetivo de consumar o crime. Por PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - outro lado, eventuais lesões que possam decorrer da tentativa de autoaborto, que poderiam constituir crime em si mesmas, são, como afirmamos, impuníveis. Por esses fundamentos, enfim, endossamos a não punibilidade da referida tentativa. QUESTÃO: Maria, grávida, sentiu dor de cabeça à noite e buscou na sua casa um remédio (paracetamol) indicado pelo seu médico. Todavia, por descuido, Maria pegou, na caixinha de remédios da família, um medicamento trocado. Após ingestão do medicamento que não era seu, Maria teve complicações que geraram o abortamento do feto. Nesse caso, Maria praticou crime de aborto? Não, Maria atuou com erro de tipo essencial que afasta o dolo (art. 20, caput, do CP). Como não existe aborto na forma culposa, não há se perquirir se o erro de maria foi evitável ou inevitável. QUESTÃO: Joana, enfermeira, praticou o aborto previsto no inciso II do art. 128, diante do consentimento da gestante e da prova do estupro. Nesse caso, qual é a solução penal? No caso do inciso I, a enfermeira seria beneficiada pelo estado de necessidade do art. 24, conforme visto anteriormente. O mesmo raciocínio não pode ser aplicado ao inciso II, uma vez que não estão presentes os requisitos genéricos do estado de necessidade do art. 24 do CP. Por isso, para Damásio, a enfermeira deve responder pelo crime de aborto. De outro lado, Bitencourt sustenta a possibilidade de examinar a conduta da enfermeira com a inexigibilidade de conduta diversa. (BITENCORT, 2020, v. , p. LESÃO CORPORAL O crime de lesão corporal se encontra tipificado no artigo 129 do Código Penal brasileiro. Após o caput do artigo elementar ainda constam treze parágrafos que trazem formas qualificadas, privilegiada, modalidade culposa, causas de aumento de pena. Destacam-se, na atualidade da prática forense, por conta do número elevado de casos, os parágrafos 9º, 10 e 13, que tratam da violência doméstica. Outrossim, o PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - parágrafo 11 aponta causa de aumento quando o crime é cometido contra pessoa portadora de deficiência. O parágrafo 12, por sua vez, traz uma causa de aumento em razão da atividade funcional (segurança pública em sentido amplo) exercida pela vítima, que também se aplica quando o crime de lesão é cometido contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau. A lesão corporal, sob o aspecto objetivo, consiste em um dano físico ou psicológico contra uma pessoa. Do ponto de vista subjetivo, o agente atua sem o dolo de matar quando comete o crime de lesão corporal, não quer e nem assume o risco de matar. No crime de lesão corporal, não há animus necandi, mas sim animus nocendi ou laedend. O crime de lesão corporal é punido na forma dolosa e na forma culposa. Nos termos das elementares do caput do art. 129 do CP, o crime de lesão corporal consiste em “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”. Segundo Nelson Hungria: o crime de lesão corporal consiste em qualquer dano ocasionado por alguém, sem animus necandi, à integridade física ou saúde (fisiológica ou mental) de outrem. Não se trata, como o nomen juris poderia sugerir prima facie, apenas do mal infligido à inteireza anatômica da pessoa. Lesão corporal compreende toda e qualquer ofensa ocasionada à normalidade funcional do corpo ou organismo humano, seja do ponto de vista anatômico, seja do ponto de vista fisiológico ou psíquico. [...] Quer como alteração da integridade física, quer como perturbação do equilíbrio funcional do organismo (saúde), a lesão corporal resulta sempre de uma violência exercida sobre a pessoa. (HUNGRIA, v.5, 1942, p.223). No que concerne à classificação, a lesão corporal configura um crime de forma PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - livre (pode ser cometido por qualquer meio), comum (pode ser cometido por qualquer pessoa, não exige nenhuma qualidade especial do agente, não podendo claro figurar como sujeito ativo o próprio ofendido, de modo que não se pune a autolesão), consuntivo (pode integrar crime de maior gravidade em um mesmo contexto fático, que o absorverá, ex. homicídio), material (consuma-se com o resultado naturalístico, ofensa à integridade corporal ou à saúde física ou mental da vítima), dano (exige efetiva lesão ao bem jurídico), comissivo e omissivo impróprio (pode ser cometido por ação e também por omissão), plurissubsistente (admite o fracionamento da fase executória, de forma que admite a tentativa), monossubjetivo ou de concurso eventual(pode ser cometido por uma ou mais de uma pessoa ao mesmo tempo), não transeunte (costuma deixar vestígios, o que leva à incidência do art. 158 do CPP), instantâneo (se consuma em determinado momento, de forma que a permanência da lesão não importa para a sua consumação, mas pode interferir em forma qualificada do delito, a exemplo do § 1º, I, III; § 2º III e IV). O sujeito ativo do crime, conforme dito, é qualquer pessoa, não se exige uma qualidade especial do sujeito ativo, nem uma execução de mão-própria. Por sua vez, o sujeito passivo, do mesmo modo, em regra, é qualquer pessoa. Há algumas formas especiais do delito que contempla qualidade específica do sujeito passivo, tais quais, dentre outras, o §§ 7º e 9º do art. 129. O agente que pratica autolesão com a finalidade de, mediante fraude, obter indenização de seguradora, comete o crime de estelionato, definido no artigo 171 §2º, V, do Código Penal. Importa acrescentar que há previsão típica no artigo 184 do Código Penal Militar para a conduta do agente que lesiona o próprio corpo com o objetivo de tornar-se inabilitado para o serviço militar. PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - É possível dividir o crime de lesão corporal nas seguintes formas: (i) Simples ou leve: art. 129, caput (ii) Qualificadas: §§1º e 2º, rubricadas como formas de lesão grave, mas a doutrina classifica o §2º como lesão gravíssima; §3º cuida da lesão corporal seguida de morte; o §9º trata da lesão denominada de violência doméstica; e §13º, por fim, qualifica a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 do CP; (iii) Privilegiada: §4º; (iv) Culposa: § 6º; (v) Majoradas (causas de aumento de pena): §§§§ 7º, 10, 11 e 12. O caput do artigo 129 cuida da forma básica da lesão corporal, conhecida como lesão corporal leve, que consiste em “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”, que possui pena de detenção, de três meses a um ano. Não raro, surge a dúvida sobre o enquadramento do fato como lesão leve contida no caput do artigo 129 do CP ou como vias de fato narrada no artigo 21 do Decreto-Lei 3.688/41 (LCP, denominada Lei de Contravenções Penais). A diferença entre crime e contravenção é de grau, ou seja, de intensidade da ofensa ao bem jurídico. O resultado naturalístico indica a distinção. Não é possível distinguir tais infrações penais no campo do dolo. A diferença, portanto, não reside no tipo subjetivo, mas sim no tipo objetivo. O crime e a contravenção são espécies de infração penal. Em tese, a doutrina costuma distinguir da seguinte forma: as vias de fato não deixam marcas, enquanto a lesão deixa marca no corpo da vítima (ex. equimose). A ação penal na lesão leve é publica condicionada à representação da vítima, PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - conforme redação do artigo 88 da Lei n. 9.099/1995: “ Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas”. Todavia, quando se tratar de lesão corporal no contexto de violência doméstica contra a mulher, a ação penal do crime de lesão leve será pública incondicionada. Nesse sentido já decidiu o STJ: JURISPRUDÊNCIA [...] 2. Por outro lado, “seja caso de lesão corporal leve, seja de vias de fato, se praticado em contexto de violência doméstica ou familiar, não há falar em necessidade de representação da vítima para a persecução penal.” (AgRg no AREsp 703.829/MG, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 27/10/2015, DJe 16/11/2015). 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 713.415/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 22/2/2022, DJe de 25/2/2022.)”. A lesão corporal qualificada do §1º, chamada de grave na rubrica do CP, possui pena de reclusão de 1 a 5 anos e se caracteriza com um ou mais dos seguintes resultados: I – Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; II – perigo de vida; III – debilidade permanente de membro, sentido ou função; e IV – aceleração de parto. A incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias, é classificada como crime a prazo. Em regra, um exame complementar com a confecção de um Laudo de Exame de Corpo de delito pode ser utilizado para demonstrar a circunstância apontada no inciso I do §1º do art. 129. Mas vale destacar que a referida PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - prova não é tarifada, uma vez que pode haver comprovação por outros meios de prova. A lesão com perigo de vida, na forma descrita no inciso II do §1º do art. 129, constitui uma forma preterdolosa do crime de lesão corporal. Isso significa dizer que houve, na conduta do agente, dolo de lesionar e culpa no perigo de vida. De outro lado, se o agente, com a sua conduta, atuar com dolo de perigo de vida, haverá crime de homicídio tentado, se a vítima não morrer por circunstâncias alheias à sua vontade. A debilidade permanente de membro, sentido ou função constitui uma forma qualificada da lesão corporal descrita no inciso III do §1º do art. 129. A debilidade consiste na redução ou enfraquecimento da capacidade funcional. Os membros se dividem em superiores (braço, antebraço e mão) e inferiores (coxa, perna e pé). Os sentidos são faculdades por meio das quais percebemos o mundo exterior (visão, audição, paladar, olfato e tato). A função significa a atuação específica do órgão (digestiva, respiratória, circulatória, secretora, reprodutora, sensitiva e locomotora). Vale destacar, a título de exemplo: a perda de um dedo representa a debilidade permanente da mão ou do pé. Conforme ensina Nucci: Diante disso, ilustrando, a perda de um dedo é considerada uma debilidade permanente de membro, no caso a mão. A perda de um dos rins também é debilidade permanente de função. A perda da audição de um dos ouvidos é debilidade permanente de sentido. (NUCCI, 3ª ed., 2018. p.247). A aceleração de parto se apresenta como uma forma qualificada da lesão PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - corporal descrita no inciso IV do §1º do art. 129. O termo antecipação do parto refletiria melhor o sentido da qualificadora, porquanto só é possível acelerar aquilo que foi iniciado. Esse resultado, segundo Rogério Greco, somente pode ser atribuído ao agente a título de culpa, de forma que haverá dolo no lesionar e culpa no resultado, formando um todo preterdoloso: A qualificadora da aceleração de parto somente pode ser atribuída ao agente a título de culpa, sendo a infração penal, ou seja, a lesão corporal qualificada pela aceleração de parto, de natureza preterdolosa. Se o agente atuava no sentido de interromper a gravidez com a consequente expulsão do feto, o seu dolo era de aborto, e não o de lesão corporal qualificada pela aceleração de parto. (GRECO, 12ª ed., 2018. p.393). Diante disso, ilustrando, a perda de um dedo é considerada uma debilidade permanente de membro, no caso a mão. A perda de um dos rins também é debilidade permanente de função. A perda da audição de um dos ouvidos é debilidade permanente de sentido”. (NUCCI, 3ª ed., 2018. p.247). No § 2º do art. 129, verifica-se a continuidade da descrição de outras formas qualificadas do crime de lesão corporal, punidas com reclusão de 2 a 8 anos. No entanto, são modalidades que provocam dano mais intenso ao bem jurídico, de modo que a pena prevista é maior do quea verificada no § 1º. A rubrica (apelido) de lesão grave, no texto do Código Penal, vale tanto para as formas apresentadas no § 1º quanto para as escritas no § 2º. A doutrina penal, contudo, utiliza o termo lesão gravíssima para o § 2º e repete o termo lesão grave apenas para o § 1º, ambos do artigo 129. A incapacidade permanente para o trabalho constitui uma forma qualificada PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - da lesão corporal descrita no inciso I do §2º do art. 129. tal resultado convive com a forma dolosa ou a forma culposa. Não se pode esquecer de que a forma culposa exige, no mínimo, que o resultado seja previsível para o agente. A incapacidade permanente para o trabalho significa uma impossibilidade, de caráter duradouro, para qualquer modalidade de trabalho e não somente o trabalho ao qual a vítima se dedicava. A incapacidade deve ser permanente, isto é, duradoura, mas não necessariamente perpétua. É possível que a vítima, algum tempo depois de sofrida a lesão, volte a se capacitar normalmente para o trabalho. O que importa aqui é que essa capacidade tenha caráter duradouro, sem tempo certo para se restabelecer. (GRECO, 12ª ed., 2018. p.394). No inciso II do §2º do art. 129, o legislou descreveu a enfermidade incurável como resultado que qualifica o crime de lesão corporal. A enfermidade incurável significa uma doença para a qual não existe cura no atual estágio da medicina. Segundo Bitencourt, “a incurabilidade deve ser conformada com dados da ciência atual, com um juízo de probabilidade”. (BITENCOURT, v.2, 16ª ed, 2016. p.224-225). Rogério Greco exemplifica algumas doenças incuráveis no atual estágio da medicina (lepra, tuberculose, sífilis, epilepsia). (GRECO, 12ª ed., 2018. p.394). A debilidade permanente de função não confunde com a enfermidade incurável. A debilidade permanente representa um processo estático, findo, enquanto a enfermidade ou doença incurável significa um processo dinâmico (MARQUES, 1961. p.216). A enfermidade pode alterar o teor de um organismo, pode agravar o seu estado, enquanto a debilidade compromete a energia e a extensão da função, sem alterar o estado geral do organismo. (BITENCOURT, v.2, 16ª ed, 2016. p.225). PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - Em relação à transmissão do vírus HIV, o tema se revela polêmico no contexto jurídico doutrinário e jurisprudencial. O estado atual do debate doutrinário e jurisprudencial, no Brasil, foi sintetizado logo abaixo. Para tanto, vale discutir a seguinte QUESTÃO: A conduta do agente que transmite de forma dolosa (dolo direito ou dolo eventual) o vírus HIV à outra pessoa se adequa a qual tipo penal? A discussão deveria residir na adequação típica de uma modalidade de lesão gravíssima ou em um crime de homicídio, tentado ou consumado. No entanto, já houve decisão do STF que tratou a hipótese como crime de perigo. Não se pode dizer que para essa questão subsista jurisprudência consolidada ou mesmo doutrina uniformizada. Para Rogério Greco, a conduta se adequa ao artigo 121 do Código Penal, porquanto se cuida de uma doença mortal, sem prejuízo dos chamados coquetéis de medicamentos que permitem que o portador do vírus leve uma vida quase normal. O STJ já decidiu no sentido de lesão corporal do inciso II do § 2º do art. 129: JURISPRUDÊNCIA [...] 3. Na hipótese de transmissão dolosa de doença incurável, a conduta deverá será apenada com mais rigor do que o ato de contaminar outra pessoa com moléstia grave, conforme previsão clara do art. 129, § 2º inciso II, do Código Penal [...]. (STJ, HC 160982/DF, 2012). O TJDFT, do mesmo modo, já decidiu também no sentido do inciso II do §2º do art. 129 (AC 20100111516183APR, 2016). O STF, por sua vez, em uma situação específica que resultou na transmissão do PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - vírus HIV a partir de uma relação sexual, entendeu, em decisão do então Ministro Marco Aurélio, que se tratava de crime perigo do art. 131 do CP, com a ressalva do então Ministro Lewandowski (HC 98712), o qual esclareceu que: JURISPRUDÊNCIA no atual estágio da ciência, a enfermidade é incurável, quer dizer, ela não é só grave, nos termos do art. 131’. Na hipótese de transmissão dolosa de doença incurável, a conduta deverá será apenada com mais rigor do que o ato de contaminar outra pessoa com moléstia grave, conforme previsão clara do art. 129, § 2º, inciso II, do Código Penal (STF - HC 98712). Guilherme de Sousa Nucci traz conclusão, com o devido respeito, um tanto quanto confusa: A síndrome da imunodeficiência adquirida já foi considerada pela medicina uma doença fatal, constatando-se, atualmente, em razão dos progressos científicos, que sua manifestação é cada vez mais controlada com coquetéis mais fortes de remédios. Portanto, caso o agente tenha relação sexual com alguém, sabendo-se contaminado e fazendo-o sem qualquer proteção, tendo a intenção de transmitir a moléstia ou assumindo o risco de assim causar, deve responder por perigo de contágio de moléstia grave (art. 131, CP). Consumando-se a transmissão do vírus, afeta a saúde da vítima, gerando uma enfermidade incurável (ao menos por ora), incidindo, então, na figura do art. 129, § 2º, II, do CP. Por outro lado, conforme o estado de saúde da vítima, a transmissão do vírus HIV pode representar a morte; assim sendo, tendo havido ciência do agente, deve responder por homicídio (ou tentativa, conforme o caso). Não cremos possa haver solução única; tudo depende do caso concreto e da real intenção do agente. [...] Como regra, emerge a lesão corporal gravíssima; no entanto, se a vítima estiver debilitada e a infecção a matar, tendo sido esta a intenção do agente, é PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - consequência lógica que responda por homicídio. Ao final do capítulo, conferir a jurisprudência selecionada e os nossos comentários. Grifei. (NUCCI, 3ª ed., 2018. p.136). Ainda sobre o tema anterior, Juarez Tavares propõe a seguinte questão, com três respostas condicionais: Tomemos agora, um exemplo um tanto polêmico: alguém infectado pelo vírus da AIDs mantem relações sexuais com pessoa sadia, transmitindo-lhe a doença. Para determinar o dolo eventual ou a culpa consciente, será necessário saber, em primeiro lugar acerca do modo como a conduta foi realizada. Se a relação sexual se resume a uma conjunção carnal, mesmo que se tenha dado sem proteção, as indicações cientificas de que, por meio de uma relação dessa ordem, só remotamente se contrairá a doença fundamentam a conclusão de que não havia uma séria possibilidade de contaminação. No entanto, embora as chances de evitar a infecção não dependam da atividade da pessoa infectada, diante da remota possibilidade de infecção, poderia ela esperar que a contaminação não ocorresse. Há aqui culpa consciente. O mesmo se dá no caso de uma relação de alto risco, mas mantida com proteção de preservativo: embora a efetiva possibilidade de contaminação estivesse presente, caso o preservativo se rompesse, não haveria uma seria possibilidade de contaminação, podendo o agente esperar que nada ocorresse; há igualmente so culpa consciente. Se, porém, a relação arriscada se dá sem proteção, há efetiva ou séria possibilidade de contaminação e, como a infecção não depende da atividade do agente transmissor, mas do mero acaso, há aqui dolo eventual. Uma outra questão que se põe é acerca de que tipo, afinal, o agente infectado realiza: se o homicídio ou lesões corporaisgraves. Aqui, o critério a vigorar será que o dolo, como vontade de realização da ação e do resultado, deve referir- se a uma ação imediata, e não a uma ação que, PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - por sua cronicidade, conduza à morte. Portanto, só pode haver crime de lesão corporal grave e não de homicídio. (TAVARES, 2003, p.352-353). No inciso III do § 2º do art. 129, o legislador descreveu a perda ou inutilização do membro, sentido ou função como uma hipótese que qualifica o crime de lesão corporal. Há perda quando cessa o sentido da função, ou quando o membro ou órgão é extraído ou amputado [...] Há inutilização quando cessa ou interrompe-se definitivamente a atividade do membro, sentido ou função. (BITENCOURT, v.2, 16ª ed, 2016. p.225). A perda consiste no perecimento físico ou eliminação do órgão, enquanto a inutilização se apresenta no perecimento funcional, com o membro ligado ao corpo, mas sem funcionar. Exemplo: perda de um olho consiste em uma debilidade (inciso III do §1º do art. 129), enquanto a perda da visão por completo dos dois olhos consiste em perda de sentido (inciso III §2º do art. 129). No inciso IV do § 2º do art. 129, o legislou descreveu a deformidade permanente como uma hipótese que qualifica o crime de lesão corporal. A deformidade anunciada no referido dispositivo, segundo entendimento do STJ, deve ser física e capaz de causar desconforto a quem a vê ou ao seu portador. Ademais, segundo o STJ, a realização de cirurgia estética não afasta a qualificadora. JURISPRUDÊNCIA STJ- “[...] 2. Pratica o tipo penal fundamental da lesão corporal aquele que ofende a PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - integridade corporal ou a saúde física ou mental de outrem. Contudo, conforme entendimento firmado por ambas as turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte Superior de Justiça, a qualificadora prevista no art. 129, § 2º, inciso IV, do Código Penal (deformidade permanente), deve representar lesão estética de certa monta, capaz de causar desconforto a quem a vê ou ao seu portador, abrangendo, portanto, somente as condutas que resultam em lesão física. 3. No caso, a vítima, após o evento danoso, fora acometida de transtorno de estresse pós-traumático e alteração permanente da personalidade, circunstância que não se enquadra no inciso IV do § 2º do art. 129 do Código Penal. [...] 6. Pedido não conhecido. Ordem de habeas corpus, todavia, concedida ex officio, para afastar a qualificadora prevista no art. 129, § 2º, inciso IV, do Código Penal, e reconhecer a atenuante da confissão espontânea, redimensionando-se a sanção penal. (HC n. 689.921/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 8/3/2022, DJe de 14/3/2022.)”. STJ- “[...] 2. A realização de cirurgia estética posteriormente à prática do delito não afeta a caracterização, no momento do crime constatada, de lesão geradora de deformidade permanente, seja porque providência não usual (tratamento cirúrgico custoso e de risco), seja porque ao critério exclusivo da vítima. [...] 6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício apenas para reduzir as penas a 2 anos de reclusão. (HC n. 306.677/RJ, relator Ministro Ericson Maranho (Desembargador Convocado do TJ/SP), relator para acórdão Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 19/5/2015, DJe de 28/5/2015.)”. STJ-”[...] 1. A amputação parcial da falange do 3º quirodácito direito configura debilidade permanente a caracterizar o crime de lesão corporal de natureza grave (art. 129, §1º, III, do CP) e não gravíssima (art. 129, §2º, III e IV, do CP). 2. Como bem leciona Guilherme de Souza Nucci, os membros do corpo humano são os braços, as mãos, as pernas e os pés. Os dedos são apenas partes dos membros, de modo que a perda de um dos dedos constitui-se em debilidade permanente da mão ou do pé. (in Código Penal Comentado, 19ª edição, pág. 797). PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - 3. Na jurisprudência, a deformidade permanente apta a caracterizar a qualificadora no inciso IV do § 2º do art. 129 do Código Penal, segundo parte da doutrina, precisa representar lesão estética de certa monta, capaz de produzir desgosto, desconforto a quem vê ou humilhação ao portador, não sendo qualquer dano estético ou físico. Embora se entenda que a deformidade não perde o caráter de permanente quando pode ser dissimulado por meios artificiais, ela precisa ser relevante. (REsp 1220094/ MG, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 22/02/2011, DJe 09/03/2011). [...] 8. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp n. 1.895.015/TO, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 17/8/2021, DJe de 20/8/2021.)”. STJ-”[...] 1. A deformidade permanente prevista no art. 129, § 2º, IV, do Código Penal é, segundo a doutrina, aquela irreparável, indelével. Assim, a perda de dois dentes, muito embora possa reduzir a capacidade funcional da mastigação, não enseja a deformidade permanente prevista no referido tipo penal, mas sim, a debilidade permanente de membro, sentido ou função, prevista no art. 129, § 1º, III, do Código Penal. [...] 4. Recurso provido. Reconhecida a prescrição da pretensão punitiva. (REsp n. 1.620.158/RJ, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 13/9/2016, DJe de 20/9/2016.)”. No inciso V do § 2º doart. 129, o legislou descreveu a resultado aborto como uma hipótese que qualifica o crime de lesão corporal. O resultado aborto aqui é culposo, ou seja, o agente não quis e nem assumiu o risco de provocar o aborto na sua conduta contra a gestante. Há necessidade de, no mínimo, previsibilidade, sem dispensar os demais elementos da culpa quanto ao resultado. Em suma, cuida-se de crime lesão corporal dolosa com resultado aborto na forma culposa, uma figura, portanto, preterdolosa do delito de lesão corporal. Se, ao revés, ficar demonstrado queoagenteatuou, também, com odolo (direto oueventual) deabortar o feto, deverá responder por dois crimes (lesão corporal do artigo 129 e aborto do artigo 125 do CP). PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - O § 3º do art. 129, por sua vez, traz uma outra forma qualificada da lesão corporal, qual seja, a lesão corporal seguida de morte, com a seguinte descrição: § 3º Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quís o resultado, nem assumiu o risco de produzí-lo: Pena - reclusão, de quatro a doze anos. Cuida-se de uma modalidade preterdolosa ou preterintencional do crime de lesão corporal, com dolo no antecedente e culpa no consequente. O resultado morte é culposo, enquanto o a conduta de provocar lesão é dolosa. A forma preterdolosa não convive (não admite) a tentativa. Vale anotar a advertência presente no artigo 19 do Código Penal brasileiro, reformado em 1984, pela 7209, que buscou afastar a responsabilidade penal objetiva, que se fazia presente em várias passagens da Parte Geral de 1940. O artigo 19 atual diz: Art. 19. Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente. Sobre o tema, esclarece com didática Damásio de Jesus: O resultado qualificador é ligado ao delito-base pelo nexo de causalidade objetiva, não prescindindo da relação subjetiva (imputatio juris), aplicando-se o art. 19 do CP. Dessa forma, se o resultado decorrer de caso fortuito ou força maior, haverá solução de continuidade na imputatio facti, pelo que o agente só responderá pelo primeiro crime (primumdelictum). (JESUS, Damásio de. Atualização por André Estefam. Direito Penal. v.2. 2020. p.212). PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - Com isso, vale dizer que o agente somente responderá pela lesão corporal seguida de morte se, além do dolo de lesionar, tiver, ao menos, previsibilidade quanto ao resultado morte. Isso porque, dentre os elementos do crime culposo comum, a previsibilidade é indispensável. Nesse sentido, já decidiu o STJ: JURISPRUDÊNCIA PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE. CRIME PRETERDOLOSO OU PRETERINTENCIONAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA CULPA QUANTO AO RESULTADO MORTE. ILEGALIDADE RECONHECIDA. RECURSO PROVIDO 1. Em crimes preterdolosos ou preterintencionais, imprescindível é que a denúncia impute a previsibilidade e culpa no crime consequente, sob pena de indevida responsabilização objetiva em direito penal, com atribuição de responsabilidade apenas pelo nexo causal. 2. Tendo a denúncia apenas narrado as agressões e o nexo causal com o resultado morte, expressamente não desejado pelos recorrentes, mas deixando de descrever o elemento subjetivo culposo no resultado morte, tem-se como inepta a peça acusatória para persecução por este crime. 3. Recurso em habeas corpus provido, a fim de declarar a inépcia da denúncia quanto ao crime preterdoloso (art. 129,§ 3º do CP), sem prejuízo do oferecimento de nova peça acusatória, inclusive por aditamento, desde que preenchidas as exigências legais do art. 41 do Código de Processo Penal. (RHC n. 59.551/SP, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 9/8/2016, DJe de 23/8/2016.)”. Ressalte-se que a existência de dolo direto ou de dolo eventual quanto ao resultado morte afasta a possibilidade de adequação típica no § 3º do art. 129, porquanto se tratará de uma hipótese de homicídio doloso, tipificado no artigo 121 do Código Penal. PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - A lesão corporal seguida de morte também é denominada homicídio preterdoloso (BITENCOURT, v.2, 16ª ed, 2016. p.227). Essa terminologia é confusa, pois não se trata de um crime de homicídio. A divisão topográfica adotada pelo legislador situa o crime entre as hipóteses qualificadas de lesões corporais, fora do capítulo dos crimes contra a vida. O crime de lesão corporal seguida de morte é de competência do juiz singular, de modo que agente que o pratica não é julgado perante o tribunal do júri. Em seguida, aparece o § 4º do artigo 129, que cuida da hipótese de lesão corporal privilegiada, que gera uma causa de diminuição de pena: “§ 4º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço”. Os sentidos das expressões “impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção” foram devidamente explicados quando da abordagem do crime de homicídio privilegiado. O § 5º do artigo 129 traz a possibilidade de aplicar exclusivamente a pena de multa, quando houve lesão leve e privilegiada ou lesões leves recíprocas. Verifica-se que não é possível compensar lesões leves recíprocas, porquanto não há compensação de responsabilidades penais, mas somente concorrência dessas responsabilidades. Não se olvida de que a lesão leve – fora do contexto de violência doméstica contra a mulher, Lei 11.340 – possui ação penal condicionada à representação, nos termos do artigo 88 da Lei n. 9.099/1995. Desse modo, no caso de lesões leves recíprocas, os autores podem, a título de ilustração, combinar não representar um ao outro. Faltará, nesse caso, condição de procedibilidade para a persecução penal. PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - O §6º do artigo 129 cuida da lesão culposa, a qual também depende de representação, com alicerce no artigo 88 da Lei n. 9.099/1995. A lesão culposa é apenada com detenção, de dois meses a um ano. O processo tramita, portanto, sob o rito do Juizado Especial Criminal (Lei n. 9.099/1995). É possível o perdão judicial nos casos de lesão culposa, nos termos do § 8º do artigo 129: “aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121”. O § 7º do artigo 129 trouxe causa de aumento de pena de 1/3, remetidas às hipóteses narradas nos §§4º e 6º do art. 121, todos artigos do Código Penal, quais sejam: § 4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos; §6º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio. O § 9º do artigo 129 contempla a qualificadora denominada de violência doméstica, que se aplica não somente aos casos de vítima mulher no contexto de violência doméstica específico da Lei Maria da Penha. Com outras palavras, o § 9º do artigo 129 alcança situações não contidas na Lei Maria da Penha. O § 9º do artigo 129, por exemplo, se aplica também quando a vítima for do sexo masculino. Narra o legislador no § 9º do artigo 129: PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - § 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo- se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. O § 10º do artigo 129 traz uma causa de aumento de pena de 1/3 para as lesões graves, narradas nos §§ 1º e 2º do artigo 129, quando cometidas nas situações contempladas no artigo 9º, ou seja, nas hipóteses de violência doméstica. O § 11º do artigo 129 constitui uma causa de aumento de pena de 1/3 para a lesão corporal cometida contra pessoa portadora de deficiência nas situações contempladas no artigo 9º, chamadas de violência doméstica. O § 12º do artigo 129 aponta uma causa de aumento de pena de 2/3 para o crime de lesão corporal praticado contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição. E, por fim, o legislador, por meio da Lei 14.188/2021, trouxe outra qualificadora ao crime de lesões corporais, qual seja, lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código. A pena da lesão corporal leve, nesses casos, será reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro anos). Vale ressaltar novamente, com mais informações, que o crime de lesão corporal faz parte do rol dos delitos que deixam vestígios (crime não transeunte), para os quais a lei processual estabelece a necessidade de se realizar o exame de corpo delito, de PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - modo a ser confeccionadoum Laudo de Exame de Corpo de Delito. No entanto, não sendo possível o exame de corpo de delito direto ou indireto, a prova pode ser produzida por outros meios, inclusive por meio de prova testemunhal, conforme artigos 158, 167 a 168 do Código de Processo Penal (CPP) PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - Nesse sentido já decidiu o STJ: JURISPRUDÊNCIA STJ “[...] 2. No caso, a decisão agravada deve ser mantida, pois o entendimento desta Corte Superior é no sentido de ser prescindível o exame de corpo de delito a que se refere o art. 158, do CPP para fins de configuração do delito de lesão corporal ocorrido no âmbito doméstico, podendo a materialidade ser comprovada por outros meios, nos termos do art. 12, §3º, da Lei n. 11.340/2006, tais como laudos médicos subscritos por profissional de saúde (AgRg no AgRg no AREsp n. 1.661.307/PR, Ministro Reynaldo Soares Da Fonseca, Quinta Turma, DJe 19/5/2020). Precedentes. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no RHC n. 161.010/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 5/4/2022, DJe de 8/4/2022.)”. STJ “[...] 5. O art. 158 do Código de Processo Penal estabelece a indispensabilidade da realização do exame de corpo de delito, direto ou indireto, quando a infração deixar vestígios. Ainda, de acordo com a compreensão deste Superior Tribunal, a falta do exame de corpo de delito direto não é suficiente para invalidar a condenação, sobretudo quando é possível a verificação da materialidade por outros meios probatórios idôneos, como no caso, no qual a Corte estadual destacou a existência de outras provas acerca da ocorrência dos crimes. Precedentes. 6. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n. 763.428/MG, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 19/6/2023, DJe de 22/6/2023.)”. STJ “[...]1. O art. 158 do Código de Processo Penal estabelece a indispensabilidade da realização do exame de corpo de delito, direto ou indireto, quando a infração deixar vestígios. O art. 167, por sua vez, relativiza a referida regra ao consignar que, “não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta”. 2. Nos casos envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, a jurisprudência desta Corte Superior admite como meio de provas laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde, consoante dicção do art. 12, § 3º, da Lei n. 11.340/2006. 3. Na hipótese, não foram apresentados 85 de 120 PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - prontuários ou laudos médicos, tampouco realizado exame de corpo de delito com o intuito de comprovar a existência de lesões. Deveras, nos crimes que deixam vestígios, a ausência de motivação idônea para justificar a excepcional dispensa da prova técnica acarreta a absolvição do acusado. 4. Ademais, a vítima não foi ouvida em juízo e suas declarações em âmbito inquisitorial foram, ao menos parcialmente, refutadas por outras testemunhas. 5. Assim, diante da inexistência de prova pericial e de documentos médicos, bem como de acervo probatório válido, produzido sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, não é possível ratificar a condenação do acusado. 6. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp n. 1.968.165/PR, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 19/12/2022, DJe de 21/12/2022.)”. STJ “[...]1. Consoante a jurisprudência desta Corte, é prescindível a realização de exame complementar pericial quando for possível a constatação da gravidade da lesão por outros meios. Precedentes. 1.1. Na hipótese dos autos a gravidade da lesão foi atestada por meio do boletim de ocorrência e do laudo de exame indireto de lesões corporais. 1.2. Para chegar a conclusão diversa, no sentido de que os elementos existentes nos autos não são suficientes para atestar a gravidade da lesão, seria necessário o reexame fático- probatório, vedado pela Súmula n. 7 do STJ. Precedente. 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 1.932.492/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 5/4/2022, DJe de 7/4/2022.)”. O crime de lesão corporal admite algumas modalidades de acordos penais, conquanto seja um crime cometido com violência à pessoa. O preceito secundário da lesão leve descrita no caput contempla pena de detenção de três meses a um ano. Desse modo, essa modalidade de lesão corporal, por se tratar de crime de menor potencial ofensivo (pena abstrata não superior a 2 anos) admite a transação penal, prevista no artigo 76 da Lei n. 9.099/1995. Por sua vez, a modalidade de lesão grave, exarada no § 1º do artigo 129, que estabelece pena de reclusão de um a cinco anos, admite a suspensão condicional 86 de 120 PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - do processo, prevista para crime com pena mínima não superior a um ano, sem prejuízo do exame de outros requisitos, nos termos do artigo 89 da Lei n. 9.099/1995. Vale enfatizar que a jurisprudência dos tribunais superiores não aceita a transação penal e a suspensão condicional do processo quando se trata de crime praticado com violência doméstica e familiar contra a mulher. JURISPRUDÊNCIA STJ “[...]1. Independentemente da gravidade da infração penal, não é possível a aplicação do procedimento sumaríssimo, a fixação da competência dos Juizados Especiais Criminais, a concessão dos benefícios da transação penal e da suspensão condicional do processo, bem como de todos os demais institutos previstos na Lei n. 9.099/1990, aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do que dispõe a Súmula n. 536 do STJ. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 853.692/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 17/10/2017, DJe de 27/10/2017.) Súmula 326 do STJ: “A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha. (TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/06/2015, DJe 15/06/2015)”. Vale ainda ressalta que a jurisprudência dos tribunais superiores não aceita a incidência do princípio da insignificância em infrações penais de lesão corporal ou de vias de fato praticadas contra a mulher no âmbito de relações domésticas. 87 de 120 JURISPRUDÊNCIA contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas. PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - (TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/09/2017, DJe 18/09/2017)”. O STJ, outrossim, não aceita a substituição de pena privativa por restritiva de direitos em crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico. JURISPRUDÊNCIA Súmula 588 do STJ: “A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. (SÚMULA 588, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/09/2017, DJe 18/09/2017)”. É importante ainda ressaltar que o crime de lesão corporal possuirá outras especificidades penais e processuais penal (Direito Penal Global) quando cometido contra criança e adolescente, nos termos da Lei n.º 14.344/2022 (Lei Henry Borel), que dispõe sobre violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente. CRIMES CONTRA A HONRA Os crimes contra a honra do Código Penal estão redigidos no capítulo V do Título I (crimes contra a pessoa) entreos artigos 138 a 145. São três tipos de crimes contra a honra, segundo a classificação do legislador, quais sejam: calúnia, difamação e injúria. Os crimes contra a honra, previstos no Código Penal, só se perfazem com o animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, ou seja, um elemento subjetivo específico no 88 de 120 PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - sentido de ofender a honra da vítima. Não ocorrem com animus jocandi (brincadeiras). Exemplo: se dois amigos têm o hábito de chamar um ao outro de desgraça e de filho da puta, sem animus ofensivo, mas em razão da intimidade e amizade de longos anos. Nesse caso, não há falar em crime de injúria. No Código Penal, o texto específico dos crimes contra a honra foi exarado da seguinte forma: Calúnia Art. 138. Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. § 1º Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga. § 2º É punível a calúnia contra os mortos. Exceção da verdade § 3º Admite-se a prova da verdade, salvo: I – se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível; II – se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no n. I do art. 141; III – se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível. Difamação Art. 139. Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa. Exceção da verdade Parágrafo único. A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções. Injúria 89 de 120 PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - Art. 140. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa. § 1º O juiz pode deixar de aplicar a pena: I – quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria; II – no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria. § 2º Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência. § 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a religião ou à condição de pessoa idosa ou com deficiência:(Redação dada pela Lei n. 14.532, de 2023) Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (Redação dada pela Lei n. 14.532, de 2023) A calúnia, prevista no artigo 138, consiste em imputar um fato falso definido como crime. Com relação ao bem jurídico ou interesse jurídico protegido pela norma penal, constitui um crime contra a honra objetiva (impressão que a sociedade, comunidade tem acerca da vítima; reputação que recai sobre a vítima por parte da sociedade). A consumação do crime de calúnia ocorre quando terceiro toma conhecimento do fato imputado. O preceito secundário (pena) do crime de calúnia, descrito no caput do art. 138, descreve detenção seis meses a dois anos, e multa. Vale ainda destacar que estará caracterizado o crime de calúnia, com a mesma pena, quando o agente propalar ou divulgar a imputação sabendo que 90 de 120 PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - é falsa (§ 1º do art. 138); e, ainda, é punível a calúnia contra os mortos(§ 2º do art. 138). O § 3º do art. 138, por sua vez, trata da exceção da verdade ou prova da verdade, que consiste na possibilidade de o agente demonstrar que o fato imputado é verdadeiro, que não é falso. No entanto, o dispositivo ressalva situações nas quais não será possível demonstrar a verdade do fato imputado, ou seja, o agente responderá pelo crime de calúnia e não poderá demonstrar a verdade do fato quando se tratar das seguintes situações: I – se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível; II – se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no n. I do art. 141; III – se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível. A calúnia do art. 138 não se confunde com o crime de denunciação caluniosa previsto no art. 339 do Código Penal. A pessoa jurídica, no Direito Penal brasileiro, pode ser vítima de calúnia, quando se tratar de imputação falsa de crime ambiental (Lei 9605/98). Há divergências quanto à difamação contra pessoa jurídica. E não se admite injúria contra pessoa jurídica A difamação, prevista no artigo 139, ocorre com a imputação de um fato ofensivo à reputação. Com relação ao bem jurídico ou interesse jurídico protegido pela norma 91 de 120 PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - penal, trata-se de um crime contra a honra objetiva (impressão que a sociedade, comunidade tem acerca da vítima; reputação que recai sobre a vítima por parte da sociedade). A consumação do crime de difamação ocorre quando terceiro toma conhecimento do fato imputado. A pena prevista é de detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa. A exceção da verdade (prova da verdade do fato imputado), no crime de difamação, somente é admitida em uma única situação: “se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções” (parágrafo único do art. 139). A injúria, por sua vez, descrita no artigo 140, consiste em uma ofensa à dignidade ou ao decoro da vítima. Cuida-se de crime que atinge a honra subjetiva (bem jurídico), ou seja, a impressão que a própria vítima tem de si mesma. Consuma quando a vítima toma conhecimento do fato que lhe fora atribuído. A pena prevista no preceito básico é de detenção, de um a seis meses, ou multa. A lei prevê, no crime de injúria, duas hipóteses geradoras do perdão judicial. Nos termos do § 1º do art. 140, o juiz pode deixar de aplicar a pena: I – quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria; II – no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria. Com relação ao perdão judicial, há divergência na doutrina. Uns entendem que cuida de faculdade do julgador, um benefício ou favor concedido pelo juiz. Outros defendem que se trata de um direito público subjetivo de liberdade do indivíduo. Na verdade, se estiverem presentes os requisitos, o juiz deverá conceder o perdão. A liberdade do julgador diz respeito à interpretação, valoração da hipótese fática, de modo a verificar a presença ou ausência dos requisitos que conduzem 92 de 120 PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - ao perdão judicial. Como ensina Cezar Roberto Bitencourt: Enfim, se, ao analisar o contexto probatório, o juiz reconhecer que os requisitos exigidos estão preenchidos, não poderá deixar de conceder o perdão judicial por mero capricho ou qualquer razão desvinculada do referido instituto. (BITENCOURT, v.2, 16ª ed, 2016. p.387). Na retorsão imediata, há duas injúrias. Não há legítima defesa, porque a primeira injúria se consuma e, somente depois, surge a segunda injúria. Há agressão passada, findada, de modo que falta iminência e atualidade da agressão, por isso não há falar em legítima defesa. Para Bitencourt, a natureza jurídica da retorsão imediata, descrita no inciso I do § 1º do artigo 140, é de exercício regular de um direito (BITENCOURT,v.2, 16ª ed, 2016. p.390). Tal concepção produz outros problemas, quais sejam, se a natureza é de justificante, logo haveria um afastamento do injusto por um excludente de ilicitude. No entanto, a consequência legal é um perdão judicial, que conduz ao afastamento da punibilidade, o que é diferente de uma justificante. Noutro giro, é possível existir legítima defesa em situações de injúria real, na forma plurissubsistente, seguida de retorsão imediata. Antes de consumar a violência da injúria real, poderá ocorrer a legítima defesa. Não é necessário esperar terminar o fim da injúria real, para retorqui-la, “e em o fazendo enquanto está sofrendo essa agressão, não deixa de caracterizar-se, ao mesmo tempo, uma legítima defesa”. (BITENCOURT, v.2, 16ª ed, 2016. p.389). As duas modalidades qualificadas do crime de injúria são denominadas de injúria real e injúria preconceituosa. 93 de 120 PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - O § 2º do art. 140 trata da injúria real: “Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes”. A pena previstaé de detenção, de trêsmesesaum ano, emulta, além da pena correspondente àviolência. Exemplos de injúria real, conforme Damásio Evangelista de Jesus: O emprego de vias de fato ou violência, por sua natureza ou pelo meio empregado, deve ser aviltante. Exemplos de vias de fato ou violências desonrosas por sua natureza: esbofetear; rasgar o vestido de uma mulher; levantar as saias de uma senhora; arrancar um fio de barba de um velho com intenção ultrajante; cavalgar a vítima; virar o paletó do ofendido pelo avesso; pintar o rosto de alguém com piche (Nélson Hungria). Exemplos de vias de fato ou violências aviltantes pelo meio empregado: bater em alguém com um rebenque; atirar-lhe excremento (Nélson Hungria). Nos casos, é imprescindível o animus injuriandi, i. e., a intenção de humilhar. (JESUS, Damásio de. Atualização por André Estefam. Direito Penal. v.2. 2020. p.321). O § 3º do art. 140, por sua vez, trata da injúria preconceituosa, com a seguinte redação: § 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a religião ou à condição de pessoa idosa ou com deficiência. A pena prevista é de reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Vale destacar que o § 3º do art. 140 do Código Penal foi alterado pela LeI 14.532/2023, que transportou a injúria racial para a Lei de Racismo, conforme art. 2º-A da Lei 7.716/89: Art. 2º-A Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional. 94 de 120 PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único. A pena é aumentada de metade se o crime for cometido mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas. A injúria racial é imprescritível e possui persecução penal mediante ação penal pública incondicionada. Entre os artigos 141 a 145, o Código Penal trouxe: disposições comuns (causas de aumento de pena que incidem na terceira fase da dosimetria da pena) aos crimes contra a honra; exclusão do crime; e a retratação, com os seguintes textos: Disposições comuns Art. 141. As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido: I – contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro; II – contra funcionário público, em razão de suas funções, ou contra os Presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal;(Redação dada pela Lei n. 14.197, de 2021)(Vigência) III – na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria. IV – contra criança, adolescente, pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou pessoa com deficiência, exceto na hipótese prevista no § 3º do art. 140 deste Código. (Redação dada pela Lei n. 14.344, de 2022) Vigência § 1º Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, aplica-se a pena em dobro. (Redação dada pela Lei n. 13.964, de 2019) 95 de 120 PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - § 2º Se o crime é cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores, aplica-se em triplo a pena.(Incluído pela Lei n. 13.964, de 2019) (Vigência) Exclusão do crime Art. 142. Não constituem injúria ou difamação punível: I – a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador; II – a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar; III – o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício. Parágrafo único. Nos casos dos ns. I e III, responde pela injúria ou pela difamação quem lhe dá publicidade. Retratação Art. 143. O querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de pena. Parágrafo único. Nos casos em que o querelado tenha praticado a calúnia ou a difamação utilizando-se de meios de comunicação, a retratação dar-se-á, se assim desejar o ofendido, pelos mesmos meios em que se praticou a ofensa. (Incluído pela Lei n. 13.188, de 2015) Art. 144. Se, de referências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatórias, responde pela ofensa. 96 de 120 PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - Art. 145. Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante queixa, salvo quando, no caso do art. 140, § 2º, da violência resulta lesão corporal. Parágrafo único. Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do inciso I do caput do art. 141 deste Código, e mediante representação do ofendido, no caso do inciso II do mesmo artigo, bem como no caso do § 3º do art. 140 deste Código. (Redação dada pela Lei n. 12.033. de 2009) Vale ressaltar que a retratação (art. 143) constitui uma causa extintiva da punibilidade, prevista no artigo 107 VI do Código Penal. somente os crimes contra a honra de calúnia e difamação admitem a retratação. Portanto, não cabe retratação no crime de injúria. O legislador excluiu tal possibilidade porquanto, na injúria, a retratação poderia constituir uma nova ofensa e ter um efeito mais devastador do que a própria injúria inicial. A retratação deve ocorrer até antes da sentença. Se ocorrer depois da sentença e antes do exame do recurso pelo Tribunal, poderá, segundo interpreta Rogério Greco, configurar a atenuante da alínea b, do inciso III, do artigo 65 do Código Penal. (GRECO, 12ª ed., 2018. p.470). Ressalte-se a clara redação do parágrafo único do art. 143, que exige retratação, quando se tratar de injúria mediante o uso de meios de comunicação, pelos mesmos meios em que se praticou a ofensa. Exemplo: calúnia praticada em um jornal impresso ou por meio de uma rede social ou mediante o uso de uma rede de TV deverá ser retratada pelo mesmo meio no qual se produziu a ofensa. Quanto ao pedido de explicações ou interpelação judicial (art. 144), importa 97 de 120 PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - esclarecerque se consubstancia em um procedimento anterior ao início da ação privada de um crime contra a honra, com natureza de medida cautelar preparatória, com a finalidade de esclarecer dúvida sobre o que foi dito/proferido pelo agente. Tais explicações podem ser pedidas em caso de crime de calúnia, difamação ou injúria. A lei penal faculta à vítima pedir explicações em juízo antes de ingressar com a ação penal. O pedido de explicações, portanto, não é obrigatório. Sem ele, portanto, é possível ingressar com a ação penal. Sobre o pedido de explicações, sua natureza e finalidade, já decidiu o STJ: JURISPRUDÊNCIA STJ- “[...] 6. A interpelação judicial do art. 144 do CP cumpre a função de medida cautelar preparatória e facultativa, tendente a aparelhar e instruir futura e eventual ação penal condenatória pela prática de crimes contra a honra. 6. É pressuposto dessa interpelação que a ação imputada ao interpelado tenha o condão, desde o início, ao menos em tese, de se adequar à previsão típica de um dos crimes contra a honra. 7. A dubiedade que justifica a interpelação pode resultar do sentido da ofensa, bem como da vagueza de seus destinatários. 8. A dubiedade ou equivocidade deve, no entanto, possuir natureza objetiva, de forma que, se da manifestação interpelada não desponta qualquer liame entre pretenso ofensor e à honra do pretenso ofendido, não há dubiedade ou equívoco hábeis ao manejo do pedido de explicações. 9. Na hipótese dos autos, de um exame puramente processual, verifica-se que a manifestação transcrita na inicial não sugere objetivamente que o interpelante seria um dos que teriam participado de “rachadinhas” na anterior gestão do Estado, o que evidencia a ausência de ligação entre a conduta concretamente determinada atribuível ao interpelado e a honra do interpelante. 98 de 120 PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - 10. Embargos de declaração não conhecidos e, caso superado, agravo regimental desprovido. (EDcl na IJ n. 159/MG, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 1/9/2021, DJe de 8/9/2021.)”. A explicação não convincente pode redundar na propositura de uma ação penal, mas não significa condenação automática. o crime de injúria não admite a exceção da verdade. PRINCIPAIS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL Os crimes contra a dignidade sexual foram narrados do artigo 213 ao artigo 234- B, no Título VI do Código Penal, que cuida dos crimes contra a dignidade sexual. O novo título, dignidade sexual, que representa melhor o bem jurídico protegido, surgiu com a Lei 12015/2009, que alterou substituiu o nome anterior, qual seja, crimes contra os costumes. Duas, entre as principais mudanças da Lei 12015/2009, consistiram em transportar a conduta do atentado violento ao pudor para dentro do tipo de estupro (princípio da continuidade normativo-típica) e, ainda, substituir a presunção de violência do antigo artigo 224 por um novo dispositivo, artigo 217-A, com a elementar vítima vulnerável. Não se pode esquecer de que o início do prazo prescricional nos crimes contra a dignidade sexual foi alterado, conforme inciso V do artigo 111 do Código Pena: Art. 111. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr: [...] V – nos crimes contra a dignidade sexual ou que envolvam violência contra a criança e o 99 de 120 PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - adolescente, previstos neste Código ou em legislação especial, da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal. O artigo 213 trata da figura do estupro comum no caput, qual seja, “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos”. Observa-se que o crime se perfaz não somente com conjunção carnal, mas também com outro ato libidinoso, em qualquer caso, mediante o emprego de violência ou grave ameaça. Cuida-se, portanto, de fato cometido sem o consentimento da vítima. A conjunção carnal consiste na penetração do pênis do homem na vagina da mulher, enquanto o outro ato libidinoso abrange diversas modalidades de cunho sexual (beijo lascivo; sexo anal; sexo oral etc.). QUESTÃO: o beijo lascivo contra a vontade da vítima (mediante violência ou grave ameaça) caracteriza estupro do artigo 213 do Código penal? Há discussão sobre o tema. Rogério Greco afirma que não caracteriza estupro, sob o argumento da gravidade da sanção penal de 6 anos para a referida conduta (GRECO, 12ª ed., 2018. p.808). Damásio Evangelista de Jesus, por sua vez, sustenta a possibilidade de estupro. O STJ, por sua vez, entende que haverá estupro de vulnerável no beijo lascivo contra menor de 14 anos. Esse também tem sido o entendimento do STF, de modo que não será possível ocorrer desclassificação para o crime de importunação sexual do artigo 215-A do Código Penal. O estupro é um crime comum (pode ser cometido por qualquer pessoa), plurissubsistente (admite o fracionamento da execução em atos de modo a admitir 100 de PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - a tentativa), material (se consuma com o resultado naturalístico), de dano (provoca alteração naturalística), monossubjetivo (pode ser cometido por uma ou mais pessoas ao mesmo tempo), não transeunte (deixa vestígios de modo a possibilitar o exame de corpo de delito na forma dos artigos 158 e 167 do CPP). O §1º do artigo 213 traz uma forma qualificada do delito: “se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos. Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos”. Por sua vez, o §2º do artigo 213 traz uma outra forma qualificada do delito: “se da conduta resulta morte. Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. QUESTÃO: os §§1º e 2º do artigo 213 do Código Penal são formas qualificadas pelo resultado ou formas preterdolosas? Essa questão foi respondida mais adiante no comentário às formas qualificadas do §§3º e 4º do artigo 217-A. (Esse tema caiu na prova de promotor de justiça do MPMG e foi comentado no campo das questões). O artigo 215 do Código Penal tipifica o crime de violação sexual mediante fraude com os seguintes preceitos primário (fato, hipótese) e preceito secundário (pena, consequência, apódose): “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa”. Cuida-se de crime comum que pode ser cometido por qualquer pessoa. Vale ressaltar que homem ou mulher pode ser vítima ou sujeito ativo do crime. No entanto, se a vítima for vulnerável, o crime será de estupro de vulnerável na forma do art. 217-A do Código Penal. Trata-se de crime plurissubsistente que, portanto, admite o fracionamento da fase executória e, desse modo, convive com a tentativa. 101 de PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - A fraude constitui uma elementar do crime descrito no artigo 215 pode ser cometida mediante artifício (palavras, gestos ou atos) ou ardil (astúcia, manha, sutileza). O agente usa um argumento fraudulento que leva a vítima ao engano e, desse modo, a aceitar a relação sexual, praticandoconjunção carnal ou outro ato libidinoso. A fraude, portanto, é um dos meios utilizados pelo agente para que tenha sucesso na prática da conjunção carnal ou de outro ato libidinoso. É o chamado estelionato sexual. A fraude faz com que o consentimento da vítima seja viciado, pois que se tivesse conhecimento, efetivamente, da realidade não cederia aos apelos do agente. Por meio da fraude, o agente induz ou mantém a vítima em erro, fazendo com que tenha um conhecimento equivocado da realidade. (GRECO, 12ª ed., 2018. p.817). Exemplos colhidos da obra de Damásio de Evangelista de Jesus sobre o crime de violação sexual mediante fraude: exemplos clássicos, podemos citar o daquele que, no escuro, se introduz no leito de mulher casada, simulando ser seu marido, com ela mantendo relações sexuais, e o da simulação de casamento com a vítima. Outro caso diz respeito a homem de grande prestígio, que, a pretexto de realizar curas milagrosas, ao “receber espíritos”, mantém relações sexuais com suas vítimas. Para a existência do crime não é necessário que o erro seja produzido pelo agente. Pode ocorrer que seja da própria vítima, ou provocado por terceiro, e que o sujeito ativo mantenha a ofendida em erro. Ainda assim, estaremos diante do delito previsto no art. 215 do CP. 102 de PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - Suponha-se que, numa festa de máscaras, a vítima se engane e se entregue aos carinhos de pessoa vestida como o seu marido. O agente, ao invés de se identificar, mantém a ofendida em erro e com ela executa a conjunção carnal, aproveitando- se da situação criada e sabedor do erro cometido. Estaremos diante da violação sexual mediante fraude. (JESUS, Damásio de. Atualização por André Estefam. Direito Penal. v.2. 2020. p.142). Vale destacar uma importante observação trazida por Fernando Capez sobre a distinção entre violação sexual mediante fraude e o crime de estupro: Além desse meio executório, consistente no emprego de fraude, o tipo penal passou a contemplar uma fórmula genérica, consubstanciada na expressão: outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima. Certamente, se a vítima estiver impossibilitada de oferecer resistência por motivos como embriaguez completa, narcotização, o crime será o de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A), cuja pena é muito mais gravosa que a do delito em estudo. (CAPEZ, v.4, 2020, p.139). O artigo 215-A do Código Penal, por sua vez, tipifica o crime de importunação sexual com os seguintes preceitos primário (fato, hipótese) e preceito secundário (pena, consequência, apódose): Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave. Tal delito foi inserido no CP no ano de 2018, pela Lei 13.718. Naquele contexto social, o objetivo imediato do Legislador foi reprimir condutas divulgas pela mídia nas 103 de PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - quais agentes se masturbavam dentro de ônibus, em metrô e até em avião, ejaculando próximo da vítima que estava ao lado. Nessa época, a resposta penal mediante a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor parecia fraca, enquanto a resposta mediante a tipificação da conduta de estupro era desproporcional e não convincente sob o aspecto da adequação típica. Diante disso, o Legislador inseriu o novel tipo penal no 215-A que revogou a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor. Conduto, o texto do preceito primário ficou confuso, gerou/ gera interpretações equivocadas por parte de operadores do Direito Penal, que desclassificam condutas de estupro para o crime de importunação sexual. No preceito secundário, o Legislador, mediante o uso da subsidiariedade expressa, ressalvou que não restará caracterizado o crime de importunação sexual quando houver um crime mais grave (ex. estupro). Quando se trata de vítima vulnerável, o entendimento do STF (HC 134591 / SP) e do STJ é que o ato libidinoso caracteriza o crime de estupro e, por conseguinte, não há falar em crime de importunação sexual. JURISPRUDÊNCIA STJ- “ [...] 16. Tese: presente o dolo específico de satisfazer à lascívia, própria ou de terceiro, a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos configura o crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), independentemente da ligeireza ou da superficialidade da conduta, não sendo possível a desclassificação para o delito de importunação sexual (art. 215-A do CP). 17. Solução do caso concreto: recurso especial provido para condenar o réu como incurso nas sanções do art. 217-A do CP, determinando a remessa dos autos ao Tribunal de origem para que, na instância ordinária, seja realizada a dosimetria da pena. (REsp n. 1.954.997/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, julgado em 8/6/2022, DJe de 1/7/2022.)”. 104 de PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - Vale ressaltar a lição de Damásio sobre o tipo penal em análise (importunação sexual): O fato se dá com a conduta de praticar, contra alguém e sem sua anuência, ato libidinoso. Praticar significa realizar de qualquer modo. O fato deve ser cometido contra a vítima, isto é, em oposição a ela. Não se exige toque do agente na vítima. A norma não diz “com alguém”, mas “contra alguém”. O sujeito que, num coletivo, se masturba e ejacula na ofendida realiza ato libidinoso contra ela. É necessário que não haja anuência (concordância) da vítima. Ato libidinoso é aquele tendente à satisfação da libido. Essa elementar tem conteúdo abrangente, compreendendo qualquer tipo de ação de cunho sexual, até mesmo o ato de encostar lascivamente nas nádegas da vítima ou em seus seios. Trata-se de crime expressamente subsidiário, conforme se verifica no preceito secundário, que ressalva sua não aplicação quando o ato constituir crime mais grave. Nesse sentido, para que o crime se configure, é necessário que o agente não tenha empregado, como meio executório, violência contra a pessoa, grave ameaça, fraude ou se aproveite de meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima. Se existir grave ameaça ou violência contra a pessoa, o agente responde por estupro (CP, art. 213). Se empregar fraude ou recurso que dificulte ou impeça a livre manifestação de vontade do ofendido, pratica violação sexual mediante fraude (CP, art. 215). (JESUS, Damásio de. Atualização por André Estefam. Direito Penal. v.2. 2020. p.147). Registra-se, ainda, que o STJ tem decidido que, no caso de crimes estupro praticado durante longo período de tempo contra vítima vulnerável, não sendo possível precisar a quantidade exata dos crimes, a exasperação deverá incidir em seu percentual máximo de 2/3, previsto no parágrafo único do artigo 71 do Código 105 de PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - Penal. JURISPRUDÊNCIA STJ- “[...] 1. Demonstrada pelas instâncias ordinárias a efetiva prática dos crimes imputados, inviável a absolvição ou desclassificação, consignando-se, quanto à importunação sexual, a incidência da tese fixada no Tema n. 1.121: “presente o dolo específico de satisfazer à lascívia, própria ou de terceiro, a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos configura o crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), independentemente da ligeireza ou da superficialidade da conduta, não sendo possível a desclassificaçãopara o delito de importunação sexual (art. 215-A do CP).” 2. Não é evidente a participação de menor importância, como apontado pelas instâncias ordinárias, haja vista o relevante comportamento da paciente na consecução dos crimes pelo corréu, buscando e conduzindo a vítima para a sua residência e facilitando os abusos, além de presenciar e registrar as condutas, presenteando a vítima depois dos estupros, fatos que ainda infirmam o pleito de afastamento da causa de aumento do art. 226, I, do CP. 3. A existência de fundamentação válida para valorar a culpabilidade e as consequências do crime não pode ser afastada pela simples alegação de que a paciente é primária e tem bons antecedentes, pois tais predicados dizem respeito aos antecedentes e à agravante da reincidência. 4. Idôneo o aumento em 2/3 pela continuidade delitiva, pois “[n]os casos de estupro de vulnerável praticado em continuidade delitiva em que não é possível precisar o número de infrações cometidas, tendo os crimes ocorrido durante longo período de tempo, deve- se aplicar a causa de aumento de pena no patamar máximo de 2/3” (AgRg no HC n. 609.595/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 30/9/2022). 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 767.236/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 19/6/2023, DJe de 22/6/2023.)”. O artigo 216-A, por sua vez, tipifica o crime de assédio sexual, que fora inserido no Código Penal no ano de 2001 pela Lei 10.224. A conduta e a pena estão escritas 106 de PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - da seguinte forma: “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.§2º A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos”. A construção do tipo penal recebe crítica de setor da doutrina ao usar o verbo constranger já seguido de uma elementar subjetiva especial (intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual), de modo que faltou um complemento objetivo após o verbo (NUCCI, v.3, 3ª ed., 2019. p.147-148). Vale ressaltar que no crime de assédio sexual não estão presentes as elementares violência ou grave ameaça, presentes no crime de estupro. Registra-se, ainda, que o legislador não tipificou a conduta de assédio moral e nem a conduta de assédio ambiental, mas somente a conduta de assédio sexual. O assédio moral resulta em consequências em outras searas do Direito (cível, trabalhista), mas não interfere na tipificação penal do assédio sexual. O assédio moral consiste, conforme ensinava Luiz Flávio Gomes, no: enquadramento do empregado, a eliminação de sua autodeterminação no trabalho ou a degradação das suas condições pessoais no trabalho, que traz consequências drásticas para a integridade física e psíquica do trabalhador. (GOMES, Luiz Flávio Gomes, Lei do Assédio Sexual (10.224/01): primeiras notas interpretativas, in Assédio sexual, cit., p. 67). O assédio ambiental, não tipificado no Brasil, presente na legislação espanhola, por exemplo, “consiste na possibilidade de qualquer pessoa assediar outra, no ambiente de trabalho, independentemente de qualquer hierarquia ou ascendência”. 107 de PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - (CAPEZ, v.4, 2020, p.148). O assédio sexual, como ensina Guilherme de Souza Nucci, pode ser compreendido da seguinte maneira: Em síntese: qualquer conduta opressora, tendo por fim obrigar a parte subalterna, na relação laborativa, à prestação de qualquer favor sexual, configura o assédio sexual. Aliás, melhor teria sido descrever o crime em comento com os significados verdadeiramente pertinentes ao contexto para o qual o delito foi idealizado. Assediar significa “perseguir com propostas; sugerir com insistência; ser importuno ao tentar obter algo; molestar”. (NUCCI, v.3, 3ª ed., 2019. p.148). O Legislador, ao tratar do assédio sexual, estabeleceu como elementares do tipo penal a necessidade o agente fazer uso, quando de sua conduta, da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Exige-se que agente se prevaleça de sua condição hierarquicamente superior ou de sua ascendência, qualquer delas inerente ao exercício de emprego, cargo ou função. Verifica-se, dessa forma, que essa relação de subordinação pode ocorrer no serviço público ou na iniciativa provada e, até mesmo, em atividades voluntárias, nas quais seja possível verificar a relação de superioridade hierárquica. Exemplo: patrão e emprega doméstica. QUESTÃO: é possível a existência de crime de assédio sexual entre professor e aluno? Apesar de divergência doutrinária, o STJ entendeu que sim. JURISPRUDÊNCIA APLICAÇÃO. PALAVRA DA VÍTIMA. HARMONIA COM DEMAIS PROVAS. RELAÇÃO 108 de PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - PROFESSOR-ALUNO. INCIDÊNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Não se aplica o enunciado sumular n. 7 do STJ nas hipóteses em que os fatos são devidamente delineados no voto condutor do acórdão recorrido e sobre eles não há controvérsia. Na espécie, o debate se resume à aplicação jurídica do art. 216-A, § 2º, do CP aos casos de assédio sexual por parte de professor contra aluna. 2. O depoimento de vítima de crime sexual não se caracteriza como frágil, para comprovação do fato típico, porquanto, de acordo com a jurisprudência deste Tribunal Superior, a palavra da ofendida, nos delitos sexuais, comumente praticados às ocultas, possui especial relevância, desde que esteja em consonância com as demais provas que instruem o feito, situação que ocorreu nos autos. 3. Insere-se no tipo penal de assédio sexual a conduta de professor que, em ambiente de sala de aula, aproxima-se de aluna e, com intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, toca partes de seu corpo (barriga e seios), por ser propósito do legislador penal punir aquele que se prevalece de sua autoridade moral e intelectual - dado que o docente naturalmente suscita reverência e vulnerabilidade e, não raro, alcança autoridade paternal - para auferir a vantagem de natureza sexual, pois o vínculo de confiança e admiração criado entre aluno e mestre implica inegável superioridade, capaz de alterar o ânimo da pessoa constrangida. 4. É patente a aludida “ascendência”, em virtude da “função” desempenhada pelo recorrente - também elemento normativo do tipo -, devido à atribuição que tem o professor de interferir diretamente na avaliação e no desempenho acadêmico do discente, contexto que lhe gera, inclusive, o receio da reprovação. Logo, a “ascendência” constante do tipo penal objeto deste recurso não deve se limitar à ideia de relação empregatícia entre as partes. Interpretação teleológica que se dá ao texto legal. 5. Recurso especial conhecido e não provido. (REsp n. 1.759.135/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, relator para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 13/8/2019, DJe de 1/10/2019.)”. O crime de assédio sexual é formal e se consuma com um único ato (não se trata de crime habitual). Não há necessidade de que o agente obtenha a vantagem ou 109 de PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - o favorecimento sexual. Se conseguir, cuidará de mero exaurimento que não interfere naconsumação do crime, que ocorreu anteriormente com o constrangimento da vítima, presente a finalidade específica contida no tipo penal. O crime do artigo 217-A, estupro de vulnerável, inserido pela Lei 12.015 constitui uma modalidade específica de estupro na qual a condição da vítima – vulnerável – se destaca. O tipo penal descreve a conduta e a pena da seguinte forma: Estupro de vulnerável Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. § 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. § 2º (VETADO) §3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. § 4º Se da conduta resulta morte: Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. § 5º As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime. 110 de PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - A vulnerabilidade da vítima foi definida pelo legislador, portanto não há falar em presunção de violência. Embora tal terminologia ainda apareça em alguns julgados, constitui um equívoco o seu uso, porquanto não mais existe o artigo 224- a que usava tal termo. Vale ainda esclarecer que a jurisprud6encia atual do STJ, pacificada, não flexibiliza a intepretação da conduta de estupro de vulnerável. Sob o rito dos recursos repetitivos, a 3ª Seção do STJ fixou tese sobre o tema: JURISPRUDÊNCIA STJ [...] “16. Tese: presente o dolo específico de satisfazer à lascívia, própria ou de terceiro, a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos configura o crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), independentemente da ligeireza ou da superficialidade da conduta, não sendo possível a desclassificação para o delito de importunação sexual (art. 215-A do CP). 17. Solução do caso concreto: recurso especial provido para condenar o réu como incurso nas sanções do art. 217-A do CP, determinando a remessa dos autos ao Tribunal de origem para que, na instância ordinária, seja realizada a dosimetria da pena. (REsp n. 1.954.997/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, julgado em 8/6/2022, DJe de 1/7/2022.)”. Acrescente-se que as elementares do art. 217-A contemplam conjunção carnal ou outro ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos. Essa é a primeira modalidade de estupro de vulnerável do dispositivo. Em seguida, no § 1º do art. 217-A, há uma extensão do conceito de vítima vulnerável, qual seja, os mesma conduta do caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. 111 de Exemplos: vítima vulnerável em razão de doença mental que afasta a capacidade de PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - entendimento; de embriaguez completa; de narcotização (sob o efeito de drogas sem poder manifestar livremente a sua vontade); que estava dormindo enquanto foi molestada sexualmente. Os §§ 3º e 4º descrevem formas qualificadas do estupro de vulnerável, quando, em decorrência da conduta descrita no caput, ocorre lesão grave ou morte da vítima. QUESTÃO: As qualificadoras, em razão do resultado lesão grave ou morte dos §§ 1º e 2º, do artigo 213, e §§ 3º e 4º, do artigo 217-A, são formas preterdolosas ou formas qualificadas pelo resultado? Há duas posições na doutrina. Um primeira sustenta que se trata de forma preterdolosa, de modo que o agente atua com dolo no antecedente e culpa no consequente, não convivendo com a hipótese qualificada (Capez). Dessa forma não admitiriam dolo + culpa ou dolo + dolo (forma qualificada pelo resultado), mas somente dolo + culpa (forma preterdolosa). Um segunda sustenta a possibilidade de que configurar a modalidade qualificada tanto por meio de dolo + dolo quanto mediante dolo + culpa na conduta do agente (Nucci). Tanto Capez quanto Nucci defendem que o agente responde por estupro consumado qualificado pelo § 1º do artigo 213, por exemplo, quando houver lesão grave na vítima e o agente e não consegui estuprá-la por circunstâncias alheias à sua vontade. De modo que estará afastada a possibilidade de tentativa nessas formas qualificadas do delito, segundo esses autores. (nesse sentido foi cobrado em prova de promotor de justiça do MPMG, questão comentadas abaixo na parte de questões objetivas). Sustenta a primeira posição, Fernando Capez: No que toca às formas qualificadas do art. 213 (§§ 1º, 1ª parte, e 2º), no entanto, aí sim se verifica a ocorrência do chamado crime complexo, uma vez que aos delitos sexuais em questão somam- se as lesões corporais culposas de natureza grave ou o homicídio 112 de PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - culposo. Convém ressaltar que todas as hipóteses do art. 213 são preterdolosas, nelas existindo dolo no antecedente (estupro) e culpa no resultado agravador consequente (lesões graves ou morte). Se houver dolo nas lesões ou no homicídio, estarão configurados dois delitos autônomos em concurso material: estupro e lesões graves dolosas, ou os mencionados delitos sexuais mais o homicídio doloso, devendo, neste último caso, ambos ser julgados pelo júri popular. Entendimento diverso levaria a uma situação injusta, já que o estupro qualificado na forma do art. 213 do CP recebe pena menor do que a resultante da soma dos delitos dolosos autonomamente praticados. Desse modo, sua incidência deve ficar restrita às lesões corporais culposas e ao homicídio culposo, resultantes da violência empregada. Pois bem. Ocorrida a hipótese de crime preterdoloso, ficará afastada a possibilidade da tentativa, de modo que, consumando-se as lesões graves ou a morte, a título de culpa, o crime complexo previsto no art. 213, §§ 1º (1ª parte) e 2º, estará consumado, aplicando- se por analogia a solução dada ao latrocínio pela Súmula 610 do STF: “Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima”. Finalmente, se as lesões culposas ou o homicídio culposo forem provocados em terceiros, e não na própria vítima, como consequência da violência empregada na prática sexual, não estará tipificada a forma qualificada do art. 213 do CP, devendo o agente responder pelas infrações em concurso material. (CAPEZ, v.4, 2020, p.128). Sustenta a segunda posição, Guilherme de Sousa Nucci: O delito qualificado pelo resultado pode ocorrer com dolo na conduta antecedente (violência sexual) e dolo ou culpa quanto ao resultado qualificador (lesão grave). Logo, são as seguintes hipóteses: a) lesão grave consumada + estupro consumado = estupro qualificado pelo resultado lesão grave; b) lesão grave consumada + tentativa de estupro = estupro consumado qualificado pelo resultado lesão grave, dando-se a 113 de PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - mesma solução do latrocínio (Súmula 610 do STF). O crime é hediondo (art. 1º, V, da Lei 8.072/90). (NUCCI, 3ª ed., 2018. p.132-133). O § 5º, por sua vez, traz uma norma explicativa do legislador, com caráter autêntico e restritivo, o que equivale a dizer que o crime descritono caput ou nas formas dos respectivos parágrafos ocorre independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime. A advertência legal evita intepretações judiciais disformes sobre a matéria. A vítima que possui 14 anos completos, inclusive no dia do seu aniversário de 14 anos, não é vulnerável em razão da idade. Dessa forma, para o legislador penal, ela pode consentir com o ato sexual e configurar uma conduta atípica. Isso não se confunde com outra hipótese específica mencionada no artigo 218-B, que envolve atividade de prostituição ou de exploração sexual, na qual a vítima possui idade entre 14 e 17 anos (menor de 18 anos), denominado de Favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável. O crime de estupro constitui uma modalidade de crime hediondo, seja na forma do caput do art. 213 e dos seus parágrafos, seja na forma do artigo 217-A e dos seus parágrafos, conforme artigo 1º incisos V e VI da Lei 8082/90. Seguem os textos da lei seca abaixa para leitura em conjunto com a parte doutrinária e jurisprudencial apontada anteriormente para os crimes selecionados na 114 de PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - explicação. Corrupção de menores Art. 218. Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos Parágrafo único. Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente Art. 218-A. Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos Favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos § 1º Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. § 2º Incorre nas mesmas penas I – quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo; II – o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo § 3º Na hipótese do inciso II do § 2º, constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento. 115 de PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL Professor: Fabrício Lima DATA: 08 e 09 de junho de 2024 VERSÃO: DISCIPLINA Direito Penal Parte Especial – Módulo I - Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia: 116 de Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave. Aumento de pena § 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação. Exclusão de ilicitude § 2º Não há crime quando o agente pratica as condutas descritas no caput deste artigo em publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a identificação da vítima, ressalvada sua prévia autorização, caso seja maior de 18 (dezoito) anos. Ação penal Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada. Aumento de pena Art. 226. A pena é aumentada: I – de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas; II – de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela; III – (Revogado pela Lei n. 11.106, de 2005) IV – de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado: Estupro coletivo a) mediante concurso de 2 (dois) ou mais agentes; Estupro corretivo b) para controlar o comportamento social ou sexual da vítima. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11106.htm#art5 CAPÍTULO V DO LENOCÍNIO E DO TRÁFICO DE PESSOA PARA FIM DE PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL Mediação para servir a lascívia de outrem Art. 227. Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem: Pena – reclusão, de um a três anos. § 1º Se a vítima é maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, ou se o agente é seu ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro, irmão, tutor ou curador ou pessoa a quem esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda: Pena – reclusão, de dois a cinco anos. § 2º Se o crime é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude: Pena – reclusão, de dois a oito anos, além da pena correspondente à violência. § 3º Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa. Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual Art. 228. Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. § 1º Se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância: Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos § 2º Se o crime, é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude: Pena – reclusão, de quatro a dez anos, além da pena correspondente à violência. § 3º Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa. Casa de prostituição Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Rufianismo Art. 230. Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. § 1º Se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos ou se o crime é cometido por ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou por quem assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa § 2º Se o crime é cometido mediante violência, grave ameaça, fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, sem prejuízo da pena correspondente à violência. Promoção de migração ilegal Art. 232-A. Promover, por qualquer meio, com o fimde obter vantagem econômica, a entrada ilegal de estrangeiro em território nacional ou de brasileiro em país estrangeiro: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. § 1º Na mesma pena incorre quem promover, por qualquer meio, com o fim de obter vantagem econômica, a saída de estrangeiro do território nacional para ingressar ilegalmente em país estrangeiro. § 2º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço) se: I – o crime é cometido com violência; ou II – a vítima é submetida a condição desumana ou degradante. § 3º A pena prevista para o crime será aplicada sem prejuízo das correspondentes às infrações conexas. 1. Homicídio Parte da doutrina discorda da posição anterior e entende que o exame indireto abrange a prova testemunhal. QUESTÃO: Quando se inicia a vida humana extrauterina? QUESTÃO: Em que momento é possível dizer que ocorreu a morte? Classificação do HOMICÍDIO: Crime Especial em Relação ao Art. 121 1.1. Homicídio Simples O homicídio simples não é considerado crime hediondo, salvo quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio. 1.2. Homicídio privilegiado Súmula n. 162, STF: É absoluta a nulidade do julgamento pelo júri, quando os quesitos da defesa não precedem aos das circunstâncias agravantes. QUESTÃO: como se baliza a redução de pena no homicídio privilegiado? QUESTÃO: como se diferencia a violenta emoção do privilégio do homicídio da emoção patológica? 1.3. Homicídio Qualificado Homicídio qualificado SOBRE A QUESTÃO ANTERIOR (DIVERGÊNCIA NO STJ) QUESTÃO: o ciúme é torpe ou é fútil ou não configura motivo que qualifica o homicídio? Um crime de homicídio não pode ser qualificado pelo motivo torpe e fútil ao mesmo tempo. Dito de outro modo, se o homicídio for torpe, não será fútil; se o homicídio for fútil, não será torpe. QUESTÃO: Qual é a posição atual da jurisprudência do STF e do STJ com relação à possibilidade de dolo eventual e qualificadora no homicídio? QUESTÃO: Qual é a posição atual da jurisprudência do STF e do STJ com relação à possibilidade de dolo eventual e tentativa no crime de homicídio? Para a doutrina penal: VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: I. – violência doméstica e familiar; A qualificadora do homicídio consta no inciso VII do § 2º do art. 121: QUESTÃO: Membros da Magistratura ou do Ministério Público, em razão da função por eles exercida, podem figurar no rol das vítimas do inciso VII para efeito de incidência da referida qualificadora? Alguns aspectos importantes sobre o homicídio doloso, com relação à qualificadora do incido V: QUESTÃO: Na dosimetria da pena, como o magistrado deverá proceder diante de uma condenação com a presença de mais de uma qualificadora? 1.4. HomIcídIo culposo Portanto, cuida-se de um crime que admite a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/1995) e também admite o acordo de não persecução penal (ANPP previsto no art. 28A do CPP), modalidades de Direito Penal Negocial. b) Inobservância de um dever objetivo de cuidado c) Resultado lesivo que não fazia parte da finalidade inicial do agente encontrado na Lei n. 9.605/1998: § 3º Se o crime é culposo: d) Nexo de causalidade entre conduta e resultado Previsibilidade objetiva do resultado f) Tipicidade 1.5. Homicídio majorado (com causas de aumento de pena) Aumento de pena QUESTÃO: Há bis in idem na causa de aumento do homicídio culposo com violação de regra técnica de profissão, arte ou ofício? 2. INDUZIMENTO, INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO A SUICÍDIO OU A AUTOMUTILAÇÃO QUESTÃO: considerando a idade da vítima, em relação ao crime do art. 122, como fica a tipificação da conduta do agente se a vítima possui menos de 14 anos, ou entre 14 e 17 anos, ou 18 anos ou mais? QUESTÃO: na greve de fome, qual é o papel do médico sob o aspecto do Direito Penal? 3. INFANTICÍDIO Concurso de pessoas no infanticídio (GRECO, 2018): b) somente a mãe executa a conduta com a participação de terceiro: ambos respondem por infanticídio, o terceiro é partícipe; 4. ABORTO Para Nucci (2020, p. 886), somente o médico pode realizar as condutas permissivas previstas nos incisos I e II do art. 128: Ressalta-se que o estupro para gerar a gestação abortiva legal pode decorrer de violência ou grave ameaça ou, ainda, ser cometido sem violência no caso de estupro de vítima vulnerável, independente de seu consentimento, uma vez que a Lei Penal apenas ... Há duas posições: QUESTÃO: admite-se, no Brasil, o aborto até a 12ª semana da gestação? QUESTÃO: Joana, enfermeira, praticou o aborto previsto no inciso II do art. 128, diante do consentimento da gestante e da prova do estupro. Nesse caso, qual é a solução penal? LESÃO CORPORAL A ação penal na lesão leve é publica condicionada à representação da vítima, CRIMES CONTRA A HONRA Na retorsão imediata, há duas injúrias. Não há legítima defesa, porque a primeira injúria se consuma e, somente depois, surge a segunda injúria. Exemplos de injúria real, conforme Damásio Evangelista de Jesus: A retratação deve ocorrer até antes da sentença. PRINCIPAIS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL