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1 C O L E Ç Ã O P E R C U R S O S D A D A N Ç A Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas, apresenta a publicação da São Paulo Escola de Dança DIÁLOGOS E PRÁTICAS EM DANÇA E EDUCAÇÃO Organização Inês Bogéa e José Simões 2 COLEÇÃO PERCURSOS DA DANÇA Marília Marton Rachel Coser Ivan Bernardelli Kathya Maria Ayres de Godoy Carolina Romano de Andrade Jussara Xavier Karla Dunder Franciane Kanzelumuka Salgado de Paula Elena Toscano Inês Bogéa José Simões Adriana Celi Castelo Gomes Cássia Navas Flavio Lima Luiz Fernando da Silva Anastácio Marcela Benvegnu DIÁLOGOS E PRÁTICAS EM DANÇA E EDUCAÇÃO Organização Inês Bogéa e José Simões Editora de conteúdo Keyla Barros 1. Marília Marton ....................................................................... 2. Rachel Coser ......................................................................... 3. Ivan Bernardelli ..................................................................... Dançar além dos mapas: desafios para um mapeamento de escolas de dança no Estado de São Paulo 4. Kathya Maria Ayres de Godoy ................................... Convite à reflexão sobre processos formativos em dança 5. Carolina Romano de Andrade ................................... Construindo caminhos pedagógicos em dança com as crianças: reflexões e desafios 6. Jussara Xavier .................................................................. Espaço urbano como parceiro interativo e território de experiências para o corpo na dança 7. Karla Dunder .................................................................... Dança sem barreiras 8. Franciane Kanzelumuka Salgado de Paula ........... Saber-fazeres em dança firmados nos pontos riscados do legado africano-brasileiro 9. Elena Toscano .................................................................. Figurino para dança: entre a formação técnica e a prática PARTE 1 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO INTRODUÇÃO 13 16 29 44 67 87 108 122 144 10. Inês Bogéa e José Simões .............................................. A dança em múltiplas dimensões: metodologia e desenho instrucional da São Paulo Escola de Dança 11. Adriana Celi Castelo Gomes .......................................... Cursos livres, números, desafios e processos formativos em dança na São Paulo Escola de Dança 12. Cássia Navas ......................................................................... Desconcentrar e descentralizar: histórias e historiografias 13. Flavio Lima ............................................................................. Processos de formação em dança nos cursos regulares da São Paulo Escola de Dança 14. Luiz Fernando da Silva Anastácio .............................. Perspectivas de ensino em dramaturgia na São Paulo Escola de Dança 15. Marcela Benvegnu .............................................................. Por uma comunicação que dança: a São Paulo Escola de Dança em perspectiva 16. ...................................................................................................... PARTE 2 173 189 202 226 237 248 266SOBRE OS AUTORES 5 E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E TE AT R O M U S IC A L | F O TO : G A L O P P ID O 6 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E TE AT R O M U S IC A L | F O TO : G A L O P P ID O 7 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E TE AT R O M U S IC A L | F O TO : G A L O P P ID O 8 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E TE AT R O M U S IC A L | F O TO : G A L O P P ID O 9 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E TE AT R O M U S IC A L | F O TO : G A L O P P ID O 10 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E TE AT R O M U S IC A L | F O TO : G A L O P P ID O 11 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E TE AT R O M U S IC A L | F O TO : G A L O P P ID O 12 E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E TE AT R O M U S IC A L | F O TO : G A L O P P ID O 13 Estamos vivenciando um momento espetacular com o lança- mento do primeiro livro digital da São Paulo Escola de Dan- ça, Centro de Formação em Artes Coreográficas, instituição da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo, gerida pela Associação Pró-Dança e diri- gida pela talentosa Inês Bogéa. Neste livro, autoras e autores brilhantes falam sobre como é possível construir caminhos pedagógicos na dança com as crianças, abordam a metodologia e formação nos cursos regulares da São Paulo Escola de Dança e explicam como nasceu esse projeto grandioso, que já mudou a vida de inúmeros jovens, gerando oportunidades e novos cami- nhos de vida. É uma honra escrever este texto de apresentação e compartilhar como o contato com a dança, na minha infância, transformou a minha vida. Eu tinha 7 anos de idade quando comecei a fazer aulas de balé e jazz, em uma escola pequena, perto de onde eu morava. Foram seis anos de muito aprendizado, e a jornada foi vivenciada também pelas minhas duas irmãs, Paula e Adriana. A Paula, que tem Síndrome de Down, encontrou na dança um espaço para APRESENTAÇÃO 14 mostrar todo o seu talento e amava cada espetáculo que par- ticipava. Eu, por outro lado, tinha pavor de subir no palco e o superei com o passar dos anos. Posteriormente, com 28 anos, voltei a dançar em um Centro Cultural, onde fiquei por quatro anos e participei de espetáculos que ficarão sem- pre guardados na minha memória. A dança gera conexão e nos incentiva a ultrapassar os nossos limites. Pode ser um hobby ou uma profissão, mas sempre traz resultados positivos na vida de quem a pratica. Além disso, ensina aos jovens como ter mais foco, persistên- cia e determinação, elementos essenciais para alcançar so- nhos e atingir as metas pessoais. A São Paulo Escola de Dança proporciona um rico en- contro entre professores e estudantes apaixonados que jun- tam técnica, corpo e alma em movimentos arrebatadores. Desde 2021, ano da criação, foram atendidos mais de mil es- tudantes nos 20 Cursos de Extensão, realizados em formato presencial e online, chegando em todo o Brasil. São 7 Cursos Regulares e 4 Cursos Livres por ano. É um lugar de cons- trução do conhecimento no campo da dança, onde todas as pessoas são bem-vindas. Na dança cabe todo mundo. Sigamos dançando. Marília Marton, Secretária da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo 15 16 Esta obra, intitulada Diálogos e Práticas em Dança e Educação, organizada por Inês Bogéa e José Simões, é o primeiro livro lançado pela São Paulo Escola de Dança. O livro, dividido em duas partes, tem como objetivo lançar luz sobre temas am- plos e específicos das áreas daarte da dança e da educação, proporcionando um conjunto de diálogos enriquecedores e práticas inspiradoras. A primeira parte nos conduz a uma análise da dança no cenário educacional, com contribuições de acadêmicos e profissionais experientes que nos levam à reflexão sobre os processos formativos na dança, desde a construção de cami- nhos pedagógicos voltados para as crianças até a exploração do espaço urbano como parceiro interativo para a expressão corporal. Cada capítulo propicia aprofundamento sobre os fundamentos da educação em dança, além das contribuições da dança inclusiva, dos saberes enraizados na herança afri- cano-brasileira e da formação técnica em figurino, que nos revelam uma visão informada e abrangente. Na segunda parte, mergulhamos nas dimensões me- todológicas da São Paulo Escola de Dança – Centro de For- mação em Artes Coreográficas. Os autores compartilham INTRODUÇÃO 17 insights valiosos sobre a implementação dessa nova Escola, revelando os Cursos Livres, explorando números, desafios e processos formativos em dança. Também apresentamos as estratégias e discussões que cercam a dança e a comunicação no ambiente educacional da escola, além de temas relevan- tes como a descentralização de histórias e historiografias, a metodologia de formação nos Cursos Regulares e a incorpo- ração da dramaturgia no ensino. Este livro, disponível no site da São Paulo Escola de Dança, oferece uma plataforma para aprofundar seu conhe- cimento sobre a interseção da dança e da educação. Com acesso gratuito, você está convidado a explorar as nuances, desafios e conquistas que permeiam esses campos interliga- dos. Além disso, o livro conta com imagens de vários fotógra- fos retratando as aulas, os processos criativos e os estudantes da Escola, trazendo à vida a essência dessa jornada artística e educacional. Através desta obra inaugural, a Associação Pró- -Dança convida você a dialogar e explorar conosco, enrique- cendo sua compreensão sobre a dança como uma forma de arte e um veículo de aprendizado profundo e transformador. Rachel Coser, Presidente do conselho de administração da As- sociação Pró-Dança E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A M AT U TI N O | FO TO : G A L O P P ID O E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A M AT U TI N O | FO TO : G A L O P P ID O E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A M AT U TI N O | FO TO : G A L O P P ID O E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A M AT U TI N O | FO TO : G A L O P P ID O E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A M AT U TI N O | FO TO : G A L O P P ID O E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A M AT U TI N O | FO TO : G A L O P P ID O E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A M AT U TI N O | FO TO : G A L O P P ID O E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A M AT U TI N O | FO TO : G A L O P P ID O E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A M AT U TI N O | FO TO : G A L O P P ID O E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A M AT U TI N O | FO TO : G A L O P P ID O E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A M AT U TI N O | FO TO : G A L O P P ID O 29 “Tinha um cisne no meu sonho”. Foi o que eu disse em 2004 para Mônica, minha namorada, quando soube que tinha conseguido uma bolsa para estudar balé no estúdio Cisne Negro. Decidi estudar dança a partir daquele ano porque tive duas experiências marcantes: conheci o Contato Improvi- sação em um treinamento corporal conduzido por Diogo Granato, no grupo de teatro do qual fazia parte; e parti- cipei de uma oficina de cavalo-marinho, ministrada pelo Grupo Grial, de Pernambuco, no Sesc Santo André. O Cisne Negro ficava no bairro Vila Madalena, em São Paulo, cidade para a qual eu acabara de me mudar. No mes- mo ano, me matriculei no curso “Dramaturgia do Corpo”, no Centro de Dança, na cidade de Santo André, região do Gran- de ABC paulista. Além do curso e do balé no estúdio, também passei a frequentar as aulas e ensaios do Balé Folclórico de São Paulo, administrado pela Abaçaí Cultura e Arte, que estava sediado na Oficina Cultural Oswald de Andrade e no Parque da Água Branca, ambos espaços situados na capital paulista. Assim, estudar dança e dançar eram atividades para as quais o deslocamento era inerente. Exceto as viagens de trem Ivan Bernardelli DANÇAR ALÉM DOS MAPAS: DESAFIOS PARA UM MAPEAMENTO DE ESCOLAS DE DANÇA NO ESTADO DE SÃO PAULO 30 entre as cidades de Santo André e São Paulo, os deslocamen- tos entre os bairros de Vila Madalena, Bom Retiro e Barra Funda eu fazia a pé ou de bicicleta, porque trabalhava num escritório como horista e meu pagamento não era suficiente para custear o combo ônibus + metrô. Naquela época, ainda não havia o aplicativo Google Maps (criado em 2005) nem o Waze (criado em 2006). Para me localizar na nova cidade, entre bairros e espaços culturais, eu utilizava um mapa im- presso que carregava na mochila. O PODER DOS MAPAS Desde tempos muito antigos, as sociedades produzem mapas por meio dos quais registram seus domínios, limites de seus mundos conhecidos, os territórios a serem explorados e con- quistados. O emprego desse recurso sempre foi fundamental em estratégias militares, táticas de invasão de territórios ou de proteção de fronteiras. Grandes cartógrafos como Ptolomeu, Marcus Agri- pa, Mercator, entre outros, estiveram vinculados a essa “história dos mapas”1, mas sua produção ganhou força principalmente no período das Grandes Navegações Marí- timas. Representando os continentes conhecidos e por co- nhecer, carregados de ilustrações de caravelas, seres huma- nos exóticos, cabeças de anjos soprando ventos e monstros marinhos extraordinários, os mapas registravam os trajetos entre a Europa e as Índias, as Américas e a África, e divul- gavam a notoriedade dos feitos dos países envolvidos nas Grandes Navegações. A produção de um mapa é da ordem da representa- ção. Ele reproduz o território real em uma escala reduzi- da, adotando uma linguagem de signos gráficos pactuada entre aquele que produz o mapa e aqueles que o leem. A partir de uma perspectiva aérea que registra locais, refe- rências espaciais e territoriais, “o mapa introduz a ideia de uma visão que abrange o que nenhum ponto de vista pode abarcar”2. 1 SCHWARCZ, Lília Moritz; VAREJÃO, Adriana. Pérola Imperfeita: a história e as histórias na obra de Adriana Varejão, 2014. p. 307. 2 PEIXOTO, Nelson Brissac. Mapear um mundo sem limites, 2005. 31 Há três instâncias envolvidas na confecção de um mapa: o cartógrafo que o desenha; a entidade que o fi- nancia, que pode ser o Estado ou uma empresa privada; e os leitores, que recebem o mapa sem muita chance de questioná-lo. As duas primeiras instâncias que o confec- cionam (seus autores) escolhem o que será representado e registrado; evidentemente, escolhem também o que será omitido e ficará de fora. “Não existe mapa ingênuo”, avisa a historiadora Íris Kantor3. “Ao tentar reproduzir o mundo, também o constrói conforme os mais diversos interesses4”. O mapa é um instrumento associado ao poder, e pode car- regar consigo um projeto simbólico, civilizatório e, muitas vezes, autoritário. MAPA X MAPEAMENTO Mapa e Mapeamento não são sinônimos, embora estas duas palavras ou ideias estejam articuladasentre si. O ma- peamento é uma prática que está na origem do mapa, mas “o mapa é um objeto, o mapeamento é uma ação”5. Vin- 3 KANTOR apud FERRARI, Marcio. A mina dos mapas: material cartográfico revela imaginário colonial português, 2011. p. 92. 4 VIEIRA, Luiz Arthur Leitão. Salto no Escuro: práticas artísticas de mapeamento cognitivo, 2018 p. 38. 5 Idem, p. 53. FO N TE : L O P O H O M E M . M U N D U S N O V U S. IN : A TL A S M IL LE R , 1 51 9, 5 9 X 41 ,5 C M . B IB LI O TH È Q U E N AT IO N A LE D E FR A N C E, P A R IS . I N : M A R Q U E S, A LF R E D O P IN H E IR O . A C A R TO G R A FI A P O R TU G U E S A E A C O N S TR U Ç Ã O D A IM A G E M D O M U N D O . L IS B O A, IM P R E N S A N A C IO N A L/ C A S A D A M O E D A, 19 91 . 32 culada à ordem da cartografia, a representação do espaço físico por meio de um mapa pode ser realizada pelo cartó- grafo (com a ajuda de astrolábios, bússolas e muita imagi- nação) e ter como suporte o papel; ou pode ser produzida por satélites e adotar como suportes as telas iluminadas dos smartphones, por meio dos aplicativos de geolocaliza- ção contemporâneos. Já o mapeamento é uma ação que extrapola o mapa, que implica movimento. Nele se articulam perspectivas am- plas, formuladas a partir das ciências sociais, dos estudos culturais, da economia e da filosofia, que estão muito além da representação cartográfica, daí a especificidade e, talvez, o desafio inerente à ideia de mapeamento. O crítico literário Fredric Jameson nos fala sobre o conceito do mapeamento cognitivo, que evidencia os limites dos dispositivos tradicionais de localização, e mostra como o mapeamento deixou de ser acessível através dos próprios mapas. Para o mapeamento, “o primeiro passo seria, justa- mente, descartar a própria ideia de algo tão simples como um mapa”6. 6 JAMESON apud VIEIRA, Luiz Arthur Leitão, 2018, p. 34. FO N TE : L O P O H O M E M . T E R R A B R A S IL IS . I N : A TL A S M IL LE R , 1 51 9, 4 2X 59 C M . F O LH A 5. B IB LI O TH È Q U E N AT IO N A LE D E FR A N C E, P A R IS . 33 MAPEAR A DANÇA Se “na raiz do mapeamento está a ideia de experiência”, como sugere Luiz Arthur Leitão Vieira7, e, se seu conceito essencial é a “fusão do real com o abstrato”, como aponta Nelson Brissac Peixoto8, que experiências consideraríamos para formular um mapeamento das escolas de dança no Estado de São Paulo? Duas iniciativas de mapeamento da dança já reali- zadas chamam atenção. Uma delas é o “Mapeamento da Dança: diagnóstico da dança em oito capitais de cinco regiões do Brasil”, produzido por uma associação entre a Fundação Nacional das Artes (Funarte) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA), publicado em 2016. O material de quase 2 mil páginas compila um levantamento realizado a partir de questionários enviados para grupos, coletivos, ins- tituições e indivíduos relacionados à dança em oito capitais do Brasil (Belém, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, Recife, São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador). Os dados foram tratados por uma equipe composta por professores, pesquisadores e estudantes de universidades sediadas nestas cidades, e apre- sentaram resultados para cada uma das capitais elencadas, além de cruzar os dados para o diagnóstico de um contexto nacional. A amostra quantitativa de questionários valida- dos nacionalmente foi de 2.623 indivíduos, 351 companhias e 241 instituições de dança. No caso da cidade de São Paulo, que mais se aproxima de nossa discussão, partiu da análise de 312 indivíduos, 45 companhias e 33 instituições de dan- ça, entre os questionários validados. Para o caso da cidade de São Paulo, a publicação menciona algumas iniciativas anteriores já realizadas: o Mapa da Dança da Cidade de São Paulo – Conectedance (2015), a base de dados do sis- tema SP Cultura (a partir de 2013), o Mapeamento Rumos Dança Itaú Cultural (2000) e a REDE Stagium (1997)9. Esse mapeamento da dança nos fornece muitas in- formações, porém destaco aqui o que o estudo considerou como espaços de formação em dança: academias ou cursos livres, atividades em igrejas, atividades realizadas na esco- 7 VIEIRA, Luiz Arthur Leitão. Salto no Escuro: práticas artísticas de mapeamento cognitivo, 2018, p. 56. 8 PEIXOTO, Nelson Brissac. Mapear um mundo sem limites, 2005. 9 Ibidem, p. 1.508. 34 la formal, conservatórios, cursos profissionalizantes, cur- sos técnicos, cursos de graduação em dança, congressos, seminários, grupos ou companhias de dança, manifesta- ções populares ou tradicionais, festivais de dança, oficinas, workshops, programas de pós-graduação e projetos sociais. Considerou ainda que as pessoas entrevistadas buscavam formação continuada e qualificação em encontros, assis- tindo espetáculos, DVDs, acessando a internet, YouTube, palestras, intercâmbios e residências, livros e revistas, cur- sos, oficinas, festivais, mostras e exposições, grupos de es- tudo e seminários10. Outra iniciativa que chama atenção (embora não diga respeito à cidade ou ao Estado de São Paulo) é a “Configuração da dança em Pernambuco: um mapea- mento em rede”, projeto desenvolvido na Escola Superior de Educação Física da Universidade de Pernambuco entre 2014 e 2018, financiado por um conjunto de instituições11, que tinha como objetivo geral “descrever as configurações da dança em Pernambuco, nas suas mais diversas manifes- tações, relacionando-se com o ensino da dança nas esco- las”12. A novidade desse mapeamento é que, além de pen- sar um diagnóstico inédito da configuração da dança no Estado de Pernambuco, apresentou seus resultados através de gráficos gerados em um programa desenvolvido espe- cialmente para o tratamento dos dados dessa investigação. Segundo os pesquisadores, as informações demonstram as “relações de trocas e contatos que se estabeleciam entre os fazedores das danças em seus processos de formação e atuação para a criação, produção e fruição das danças”13. Nessa pesquisa, foram considerados como espaços ou ati- vidades de formação escolas de dança, grupos de dança, ensino superior, projetos sociais, cursos livres, serviço so- cial autônomo, escola básica, práticas religiosas, cursos técnicos, entre outros. Nos gráficos gerados em tal pesquisa, os pontos azuis são as pessoas entrevistadas e as linhas cinzas são as conexões entre elas, como vemos nas figuras abaixo: 10 MATOS, Lúcia; NUSBAUMER, Gisele. Mapeamento da dança: diagnóstico da dança em oito capitais de cinco regiões do Brasil, 2016. p. 1.569-1.573. 11 IC/UPE/CNPq; IC/ PFA/UPE; FUNCULTURA, Secretaria de Cultura e Governo do Estado de Pernambuco. 12 GEHRES, Adriana de Faria; SILVA, Ana Carolina Marques da; SILVA, Anne Karoline R. Pessoa da; BRASILEIRO, Lívia Tenório; OLIVÁN, Leandro; CAMPELO, Raphaela B. França. Mapeamento em rede das escolas de dança e grupos de dança em Pernambuco: Zona da Mata e São Francisco, 2023. p. 2. 13 Ibid, p. 3. 35 Não é o caso de analisar detalhadamente as imagens aqui, pois é necessário compreender o conceito de rede que o mapea- mento considerou e como chegou a essas configurações. Po- rém, uma breve observação dessas duas figuras permite iden- tificar as diferenças entre as redes de formação (esquerda) e atuação (direita) em dança na cidade de Petrolina, região do São Francisco, Pernambuco, e como tal perfil de redes nessa cidade se diferencia, por exemplo, da cidade de Palmares, na Zona da Mata Pernambucana. A figura abaixo mostra que as pessoas entrevistadas que atuam na região de Palmares, dife- rentemente de Petrolina, trabalham de modo isolado e não estabelecem redes interconectadas entre si14. 14 Para maiores detalhes e resultados do mapeamento, ver: GEHRES, Adriana de Faria; SILVA, Ana Carolina Marques da; SILVA, Anne Karoline R. Pessoa da; BRASILEIRO, Lívia Tenório; OLIVÁN, Leandro;CAMPELO, Raphaela B.França. Mapeamento em rede das escolas de dança e grupos de dança em Pernambuco: Zona da Mata, Agreste, Sertão e São Francisco. Relatório de Pesquisa Universidade de Pernambuco. Recife, 2020. FONTE: REDE DE FORMAÇÃO (DIR.) E REDE DE ATUAÇÃO (ESQ.) EM DANÇA DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA DA CIDADE DE PALMARES. IN: MAPEAMENTO EM REDE DAS ESCOLAS DE DANÇA E GRUPOS DE DANÇA EM PERNAMBUCO: ZONA DA MATA, AGRESTE, SERTÃO E SÃO FRANCISCO, 2020, P. 22. FONTE: REDE DE FORMAÇÃO (DIR.) E REDE DE ATUAÇÃO (ESQ.) EM DANÇA DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA DA CIDADE DE PALMARES. IN: MAPEAMENTO EM REDE DAS ESCOLAS DE DANÇA E GRUPOS DE DANÇA EM PERNAMBUCO: ZONA DA MATA, AGRESTE, SERTÃO E SÃO FRANCISCO, 2020, P. 22. Petrolina - atuação Petrolina - formação Palmares - atuação Palmares - formação 36 PARA QUE PRODUZIR MAPEAMENTOS? O mapeamento nacional da dança aponta a expectativa de que “os resultados sejam utilizados para a construção de po- líticas para a dança no âmbito nacional e nos locais pesquisa- dos”, além de políticas educacionais e culturais do país15. O mapeamento em rede de Pernambuco tinha como objetivo investigar as formas de produção e invenção como possibili- dades para a criação de redes de atuação e formação em dança na contemporaneidade, com vista à construção de políticas públicas de cultura e educação na área16. Beatriz Silvestre destaca que, para estabelecer um projeto cultural, é importante que as políticas públicas sejam formu- ladas a partir da identificação dos problemas e das necessida- des da população, de modo que o planejamento das etapas de uma intervenção tenha eficácia dentro do contexto inserido17. Em sua pesquisa “Semeando Sonhos, formando cidadãos: os projetos sociais na área de dança”, Beatriz realizou entrevistas com um total de 123 pessoas, entre gestores, agentes e parti- cipantes dos projetos Fábrica de Cultura (especificamente a unidade de Sapopemba); Núcleo Luz, Projeto Ayodele Balé, Casinha de Sonhar e Centro Comunitário Joilson de Jesus, todos na capital paulista. Além desses espaços, a pesquisa de Beatriz alcançou as cidades do Rio de Janeiro (Centro de Ar- tes da Maré e Lona Cultural Herbert Vianna) e de Salvador (Projeto Axé). Entre os projetos estudados, há iniciativas que tanto objetivam a formação de profissionais quanto propi- ciam a iniciação e/ ou aprofundamento da linguagem da dan- ça, sem pretensão exclusiva de profissionalizar. A análise da autora ressaltou aspectos da transformação social por meio da dança presente nos projetos pesquisados que, de modo ge- ral, “surgem para romper e conter o ciclo da violência, bem como para amparar e suprir as necessidades ocasionadas pela desigualdade estruturante brasileira”18. Os educandos se reco- nhecem “enquanto indivíduos, expressando-se, afirmando-se e, mesmo quando não têm a intenção de seguir carreira artís- tica, levam essas experiências para suas vidas, dando-lhes um sentimento de pertencimento, de cidadania”19. 15 MATOS, Lúcia; NUSBAUMER, Gisele. Mapeamento da dança: diagnóstico da dança em oito capitais de cinco regiões do Brasil, 2016. p. 1.845. 16 Idem, p. 12. 17 SOUZA, Beatriz Silvestre Rodrigues de. Semeando sonhos, formando cidadãos: os projetos sociais na área de dança, 2022, p. 12. 18 Idem, p. 53. 19 Ibidem, p. 63. 37 Muitas informações importantes aparecem nos resul- tados dessas pesquisas realizadas, mas assim como o mapa, o mapeamento também contém em si aquilo que ficou de fora. Por mais abrangentes que sejam os meios de coleta dos dados, por mais amplas as premissas para seu tratamento, aquilo que fica de fora também acusa a realidade do mape- amento. O critério de escolhas, quais perguntas são feitas, o alcance das informações — se tal iniciativa chegou ao co- nhecimento de determinado grupo ou indivíduo — são fa- tores que interferem nos resultados. É importante ter em vista que os mapeamentos podem nascer obsoletos, uma vez que as pessoas, grupos, coletivos, companhias e mesmo as instituições de dança estão em constante dinâmica: novos espaços são inaugurados, ao passo que antigos espaços mudam de sede, ou mesmo encerram suas atividades; novos alunos matriculam-se e algumas pessoas deixam de dançar. A questão que se coloca é que o mapeamento está impli- cado com o tempo, além dos espaços e territórios. Além disso, o mapeamento conta com as premissas daqueles que o elabo- raram, mas também depende daqueles que farão sua leitura: ao se propor como uma prática que lida com subjetividades, e que almeja, inclusive, transformar criticamente a realidade, ele exige uma leitura crítica de suas bases e de seus percursos. De toda forma, é importante compreender que os ma- peamentos são instrumentos importantíssimos para com- preendermos onde estamos, o estado da dança em que nos situamos, e como artistas, companhias e instituições que atu- am em diferentes contextos estão envolvidos com os diversos modos de fazer, pensar, manter, ampliar, difundir a dança e, por fim, dançar20. Então, seria possível pensar em um mapeamento que desse conta de forças, fluxos, potências, muitas vezes efême- ras, ao invés de formas e estruturas?21 Para compreender uma iniciativa de mapeamento que dê conta da multiplicidade de locais de transmissão, apren- dizado e compartilhamento de experiências de dança (talvez as principais premissas do conceito de escola), é necessário 20 Jacques Rancière propõe que a pergunta “onde estamos?” significa duas coisas ao mesmo tempo: “como podemos caracterizar a situação em que vivemos, pensamos e agimos hoje”, mas também, da mesma forma, “como a percepção dessa situação nos obriga a reconsiderar o enquadramento que usamos para ‘ver’ as coisas e mapear situações, para nos movermos dentro desta estrutura ou escapar dela?”; ou, em outras palavras, “como nos obriga a mudar nossa própria maneira de determinar as coordenadas do aqui e agora?”. Ver: VIEIRA, Luiz Antônio. Salto no escuro: práticas artísticas de mapeamento cognitivo, 2018, p. 30. 21 Nelson Brissac Peixoto analisa os limites dos mapas e mapeamentos diante da informidade dos processos que constituem o urbanismo e o desenvolvimento urbano das grandes metrópoles. É a partir de uma comparação entre as premissas de um mapeamento que dê conta de grandes escalas e dinâmicas extremamente velozes, do ponto de vista do urbanismo, que tomo como inspiração os estímulos à reflexão que este filósofo propõe para mapeamentos de outras ordens. 38 estabelecer critérios de inclusão, que por sua vez fabricam seus duplos e opostos critérios de exclusão. Que definição de escola seguir? Seria uma entidade formalmente constituída (seja academia, clube, associação, fundação, empresa MEI, empresa Ltda. etc.)? Estaria locali- zada em algum espaço fixo, em algum espaço físico? Leva- ríamos em conta as categorias definidas pelos mapeamen- tos já realizados? Ou deveríamos extrapolar as fronteiras e os limites da estrutura, considerando a perspectiva de que a definição de escola acomodaria redes transversais, sistemas instáveis, espaços informais e efêmeros? Incluiríamos nesse mapeamento coreografias aprendi- das nas aulas de Fit Dance nas academias? Estúdios de pole dance? Consideraríamos o aprendizado na observação de pa- res dançando gafieira em rodas de samba? Passos de forró aprendidos no baile? Coreografias aprendidas pela internet e improvisadas em shows de bandas pop? Coreografias do aplicativo TikTok com suas notações coreográficas feitas com emojis? Encontros espontâneos de grupos de dança country? Passos de k-pop ou break dance aprendidos diante de vidros espelhados no Centro Cultural São Paulo? Seria o caso de tomarmos emprestada a consideração de Nelson Brissac Peixoto, na qual propõe “considerar as formas mais contemporâneas de entender os processos de mapeamento, baseados na exploração intensiva e crítica de múltiplas informações”22? Se a definição de escola puderser as intensas trocas proporcionadas pela dança que potencializam a saúde e o bem-estar do indivíduo, favorecem processos de desenvol- vimento pessoal, promovem laços de comunidade, coleti- vidade e redimensionam parâmetros de cidadania, além de possibilitar uma formação profissional àqueles que desejam trabalhar com dança, toda iniciativa de formação poderá ser acolhida neste diagnóstico de forma não excludente. Se o mapeamento pode ser um instrumento que fa- cilita redes e conexões entre pessoas ao redor da linguagem artística da dança, seria possível produzir um mapeamento permanente, sem um fim pressuposto e sem limites de inclu- 22 PEIXOTO, Nelson Brissac. Mapear um mundo sem limites, 2005, n.p. 39 são de categorias? Seria possível incluir experiências históri- cas do passado e, eventualmente, acomodar propostas que possam surgir no futuro? Diversas iniciativas no Estado de São Paulo deixam entrever, brevemente, a imensa base de dados com as quais nos depararíamos em um mapeamento de escolas e espaços de formação em dança. Como exemplo, o programa Fábri- cas de Cultura, que inaugurou recentemente diversas novas unidades em cidades do interior e litoral paulista; o Progra- ma de Qualificação em Artes – Dança, que atende grupos de diversos municípios do Estado; a Bienal Sesc de Dança, que promove a cada dois anos processos formativos na cidade de Campinas; as unidades do Sesc no Estado de São Paulo; as universidades que mantêm cursos ou disciplinas de dança em cursos de artes cênicas e educação física; as oficinas pro- movidas nas unidades do SESI; as escolas públicas de dança, como a São Paulo Escola de Dança (estadual), e também Escola de Dança de São Paulo, Escola Livre de Dança de Santos, Escola Livre de Dança de Santo André e Escola Ira- cema Nogueira, de Araraquara (municipais), entre outras; as diversas escolas de dança particulares e estúdios de balé, de dança flamenca, dança indiana, danças ciganas, danças árabes, danças africanas e afro-brasileiras, danças afro-ame- ricanas, aulas de sapateado, jazz, academias de ginástica que mantêm aulas de dança, os inúmeros projetos sociais que mantêm atividades de dança; grupos, companhias e cole- tivos; corpos de baile, espaços independentes que mantêm cursos regulares; os diversos grupos de catira, de fandango, os congados, os moçambiques, as companhias de folias de reis; as academias de danças de salão, aulas nos Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) localizados no Estado, ensaios das quadrilhas juninas com suas elaboradas coreografias, cursos técnicos, mostras e festivais de dança, as rodas de capoeira, as escolas de samba, as diversas comunidades tradicionais, entre outras tantas experiências. Por conta de minha formação profissional nômade ge- ograficamente e “eclética” enquanto estilos de dança, com- preendo que o trânsito entre diferentes experiências, estilos, 40 escolas e linguagens pode favorecer substancialmente aque- les que desejam se profissionalizar, uma vez que, nos am- bientes profissionais de dança (companhias, grupos, coleti- vos, projetos, trabalhos, nas atividades como professores nas próprias escolas e em todo o mercado de trabalho) há uma busca permanente pela originalidade, invenção, criativida- de, inovação e habilidade técnica, ou seja, pelo diferencial. Um dos meus grandes mestres de dança me aconse- lhou a conhecer e praticar variados estilos e todas as formas que fossem possíveis, para que minha dança pudesse ser for- mulada e “contaminada” a partir de diversas delas. O cisne do meu sonho, então, voou por muitos cantos, pousou em diferentes regiões e conheceu diferentes ambientes. Afinal, os cisnes, como as outras aves, mapeiam constantemente o território, mas nada se valem de mapas. 41 REFERÊNCIAS FERRARI, Márcio. A mina dos mapas: material cartográfico re- vela imaginário colonial português. Revista Pesquisa Fapesp, n. 183, p. 90-93, maio 2011. Disponível em: https://revistapes- quisa.fapesp.br/a-mina-dos-mapas/. Acesso em: 18 jul. 2023. GEHRES, Adriana de Faria; SILVA, Ana Carolina Marques da; SILVA, Anne Karoline R. Pessoa da; BRASILEIRO, Lívia Tenório; OLIVÁN, Leandro; CAMPELO, Raphaela B. França. Mapea- mento em rede das escolas de dança e grupos de dança em Pernambuco: Zona da Mata, Agreste, Sertão e São Francisco. Relatório de Pesquisa Universidade de Pernambuco. Recife, 2020. Disponível em: http://www.ethnosesef.upe.br/relato- rios. Acesso em: 20 jul. 2023. GEHRES, Adriana de Faria; SILVA, Ana Carolina Marques da; SILVA, Anne Karoline R. Pessoa da; BRASILEIRO, Lívia Te- nório; OLIVÁN, Leandro; CAMPELO, Raphaela B. França. Ma- peamento em rede das escolas de dança e grupos de dança em Pernambuco: Zona da Mata e São Francisco. Revista Estud(i)os de Dança RED, Universidade de Lisboa, v. 1, n. 1, p. 1-13, 2023. MATOS, Lúcia; NUSSBAUMER, Gisele (coord.). Mapeamento da dança: diagnóstico da dança em oito capitais de cinco re- giões do Brasil. Salvador: UFBA, 2016. Disponível em: http:// www.mapeamentonacionaldadanca.com.br/resultados/. Acesso em: 18 jul. 2023. PEIXOTO, Nelson Brissac. Mapear um mundo sem limites. Artepensamento: Ensaios filosóficos e políticos. São Paulo: Edições SESC, 2005. Disponível em: https://artepensamento. ims.com.br/item/mapear-um-mundo-sem-limites/. Acesso em: 24 jul. 2023. SOUZA, Beatriz Silvestre Rodrigues de. Semeando sonhos, formando cidadãos: os projetos sociais na área de dança. https://revistapesquisa.fapesp.br/a-mina-dos-mapas/ https://revistapesquisa.fapesp.br/a-mina-dos-mapas/ http://www.ethnosesef.upe.br/relatorios http://www.ethnosesef.upe.br/relatorios http://www.mapeamentonacionaldadanca.com.br/resultados/ http://www.mapeamentonacionaldadanca.com.br/resultados/ https://artepensamento.ims.com.br/item/mapear-um-mundo-sem-limites/ https://artepensamento.ims.com.br/item/mapear-um-mundo-sem-limites/ 42 Orientadora: Maria Claudia Alves Guimarães. 2022. 69p. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universida- de Estadual de Campinas, Instituto de Artes, Campinas, SP. Disponível em: https://hdl.handle.net/20.500.12733/8397. Acesso em: 06 jul. 2023. SCWARCZ, Lilian Moritz; VAREJÃO, Adriana. Pérola Imperfei- ta: a história e as histórias na obra de Adriana Varejão. Rio de Janeiro: Cobogó, 2014. VIEIRA, Luiz Arthur Leitão. Salto no escuro: práticas artísticas de mapeamento cognitivo. Dissertação (Mestrado). Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, São Pau- lo, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.11606/D.16.2019. tde-16012019-101639. Acesso em: 06 jul. 2023. https://hdl.handle.net/20.500.12733/8397 https://doi.org/10.11606/D.16.2019.tde-16012019-101639 https://doi.org/10.11606/D.16.2019.tde-16012019-101639 44 Este texto procura apresentar alguns pressupostos sobre os desafios encontrados para a inserção da linguagem da dan- ça no âmbito da educação básica. Para tanto, optei por es- crever em primeira pessoa no intuito de me aproximar dos leitores e das leitoras que, porventura, queiram comparti- lhar dessa experiência. Trabalho há mais de 30 anos com ensino, aprendizado e criação de metodologias (de pesquisa e ensino) adequadas à produção e implantação de políticas públicas para a in- serção da dança na educação básica. Durante esse percurso pude perceber inúmeros desafios que somente um texto não daria conta de explanar. Por essa razão, elenco alguns pontos de reflexão, na esperança de que eles sirvam de frestas para despertar interesse no estudo sobre esse assunto que requer olhares, muitos olhares, e fazeres, muitos fazeres. Inicio trazendo um ponto que, a meu ver, é definidor do ensino dessa linguagem: o processo formativo, inicial e continuado do educador (que também pode ser chamado de professor, ensinante, artista educador ou formador, entre outros), a quem cabe o trabalho/ofício de apresentar a dança aos estudantes. Kathya Maria Ayres de Godoy CONVITE À REFLEXÃO SOBRE PROCESSOS FORMATIVOS EM DANÇA 45 Ao chamarde professor, adoto a perspectiva de um profissional docente preocupado com a atualização dos sa- beres que a docência exige (Tardif, 2006). Mas quem são esses profissionais? Qual a formação desejada para eles? Essas questões precisam ser colocadas para, então, refletir sobre o que ensinar (currículo) e como ensinar (metodologias). A formação do professor que atua com o ensino de dança é bastante diversificada. No decorrer desses anos, pude observar que pedagogos, professores especialistas em Arte (Educação Artística, Artes Visuais, Artes Cênicas, Teatro e Dança), educadores físicos e, ainda, outros licenciados de outras áreas, ensinam dança no contexto da educação básica. Não há uma única escolha ou percurso definido para a formação dos professores de dança no Brasil. Esta pode ser alcançada de muitas maneiras, entre as quais: na edu- cação informal, no ensino superior, em escolas ou acade- mias credenciadas pelo MEC (cursos técnicos), em cursos li- vres (educação não formal), por meio de vivências práticas com profissionais que possuem grande experiência no ramo, principalmente em academias não credenciadas23. Esse tipo de formação de professor não formal encon- tra amparo na lei dos artistas24, que menciona que quem possui registro profissional de bailarino ou dançarino pode ministrar aulas de dança em academias ou escolas de dança25. Apesar de não haver um modelo único para a forma- ção profissional dos professores de dança, é importante lem- brar que a formação específica do educador de dança para a escola formal ocorre nas licenciaturas em Dança. Tal formação se ampara nas leis que orientam a edu- cação brasileira como a Lei de Diretrizes e Bases da Educa- ção Nacional – LDBEN (Brasil, 1996), em pareceres e diretri- zes curriculares para a formação de professores (1997, 2002, 2004) e, ainda, em documentos norteadores para a prática profissional como a BNCC – Base Nacional Comum Curri- cular (Brasil, 2017) e os currículos propostos pelos estados e municípios como as orientações didáticas do currículo da ci- dade de São Paulo (São Paulo, 2019). Vale explicar que cada estado ou município tem documentos norteadores e cada 23 MONTE, Fernanda Christina de Souza Guidarini. O processo de formação dos professores de dança de Florianópolis. 2003. 147 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2003. Disponível em: http:// repositorio.ufsc.br/xmlui/ handle/123456789/85961. 24 BRASIL. Decreto nº 82.385, de 5 de outubro de 1978. Regulamenta a Lei nº 6.533, de 24 de maio de 1978, que dispõe sobre as profissões de Artista e de Técnico em Espetáculos de Diversões, e dá outras providências. Brasília, out. 1978. 25 Para obter o registro de artista junto ao Ministério do Trabalho, existem três caminhos: 1) apresentar um diploma de nível superior que comprove a atuação; 2) diploma de segundo grau técnico; 3) atestado de capacitação profissional fornecido pelo sindicato representativo da categoria. 46 escola tem o seu Projeto Político Pedagógico – PPP, que, em última instância, contempla as linhas pedagógicas e as ne- cessidades daquela comunidade atendida. Em todos eles, a Dança se faz presente de muitas formas e pesquisas têm sido desenvolvidas no sentido de observar como ela aparece na educação básica. Mas é fato que existem professores que trabalham a dança na escola por iniciativa própria. Isso ocorre porque grande parte dos profissionais que ensinam dança no con- texto escolar, apresentam formação na área advinda de aca- demias, cursos livres, ou tiveram alguma experiência na área em algum momento de sua vida (Andrade; Godoy, 2018). É preciso dizer que muitas escolas têm um contraturno com atividades diversificadas e, nesses casos, é possível contratar tais profissionais, por vezes, por meio de prestação de servi- ço, entre outras possibilidades. Esse quadro é o retrato de uma fase de transição. O cená- rio atual da arte está em processo de mudança e podemos ob- servar isso nas recentes modificações das leis, como a que inclui as artes visuais, a dança, a música e o teatro como linguagens que constituirão o componente curricular da educação básica26. 26 Lei nº 13.278/2016, que altera o § 6º do art. 26 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. TE R R IT Ó R IO C U LT U R A L C O M O S IN D D A N Ç A | F O TO : S A M IR A D A N TA S 47 Por essas e outras mudanças na legislação e nos docu- mentos, em alguns anos teremos mais profissionais especialis- tas na escola; provavelmente não em número suficiente, já que os processos de mudanças na educação demoram a acontecer. É preciso colocar um outro aspecto que se liga direta- mente às políticas públicas: os concursos para a contratação de professores, embora muito diversificados no território na- cional, não contemplam o concurso específico para profes- sor de dança na maioria dos estados e municípios, cabendo ao educador de arte trabalhar as quatro linguagens artísticas (Dança, Teatro, Artes Visuais e Música), o que sabemos ser impossível, ao pensar num ensino de qualidade. Esta é mais uma faceta que requer muitas laudas para ser discutida a contento. De maneira que trago uma questão: será que esses profissionais, embora amparados legalmente para exercer o ensino de dança, o fazem de maneira adequada a promover o contato e o aprendizado da linguagem pelos educandos? Essa questão tem o intuito de provocar a reflexão acer- ca de identificar quais são os saberes específicos da lingua- gem e de como favorecer as práticas pedagógicas a partir deles. Para que isso ocorra, é preciso resgatar o conceito de simetria invertida (Godoy 2003), aqui adaptado para o ensi- no de dança. Todos e todas passamos pelos bancos escolares em al- gum momento de nossas vidas, ou seja, fomos estudantes. Isso não significa que mesmo com excelentes avaliações e percur- sos educacionais, construímos habilidades para o ensino dos conhecimentos que adquirimos quando éramos estudantes. Uma das qualidades de um bom professor é, sem dúvi- da, saber ensinar. Isso requer apreender conceitos e transfor- má-los em práticas pedagógicas eficazes no exercício de sua profissão. Então, ele precisa desenvolver “modos/maneiras” de ensinar, ou seja, deve existir uma didática para que a rela- ção ensino e aprendizado se constitua. Falando dessa manei- ra, parece fácil, mas não é. A didática diz respeito a um conjunto de técnicas e premissas que orientam o aprendizado e que podem quali- ficar as práticas educativas. Pois bem, o estudante de dança 48 que passou por um processo instrucional atento e cuidado- so, que conhece os elementos constituintes da linguagem, não necessariamente desenvolveu “modos/maneiras”, meto- dologias, para ensinar dança. Dessa forma, tornar-se um ex- celente bailarino, não o habilita a ensinar dança. E o mesmo se dá com tantas outras profissões. Então, o processo formativo inicial e continuado, na profissão de professor, é constante e requer atualizações em relação aos saberes que constituem a área de conhecimento. Esse é um grande desafio, pois: A formação não se constrói por acumulação (de cur- sos, de conhecimentos, de técnicas), mas sim, através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práti- cas e de reconstrução permanente de uma identidade pessoal (Nóvoa, 1992, p. 26). Ainda abordando sobre o professor que está em cons- tante aquisição de conhecimentos, ou seja, em desenvolvi- mento profissional, para que ensinar não se torne repetir, reproduzir o que vivenciou quando era estudante, reitero a convicção de que é preciso se apropriar dos saberes específi- cos da área. Dizendo de outra forma, ter vivenciado no e pelo E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E M U LT IM ÍD IA S PA R A D A N Ç A E M IN TE R C Â M B IO C U LT U R A L | F O TO : S A M IR A D A N TA S 49 corpo os saberes emdança (Godoy, 2020) pode favorecer o caminho de tornar-se um professor qualificado de dança. Sobre esse aspecto, abro mais uma fresta: considero que o professor precisa decalcar os elementos constituintes da linguagem da dança no seu corpo, vivenciá-los em proces- so de experienciação plena. Quero dizer com isso que existe a (in)corporação desses elementos (consciência do corpo – todo e partes dele, concepção de espaço, tempos – internos e externos, ritmos variados) entre os vários desdobramentos deles para que a linguagem imprima, expresse, narre, exista (Godoy, 2020, 2021, 2023). Andrade (2016) destaca em sua tese de doutoramen- to, a necessidade desse profissional ter oportunidades para compreender a completude do seu corpo, do movimento e da dança, pois essa experiência possibilita a valorização de si e modifica sua prática pedagógica. Diante dessas colocações, é possível afirmar que os processos formativos são muitos, se cruzam e se instalam na educação básica. Historicamente, o primeiro curso de gradu- ação em dança foi criado em 1956, na Universidade Federal da Bahia – UFBA. Inicialmente, era voltado para o dançari- no e professor de dança, conferindo diplomas de Magistério Elementar, Dançarino Profissional e Magistério Superior. De lá para cá, segundo consulta no portal e-MEC (2023), hoje, temos 50 cursos cadastrados e em funcionamento no Brasil. Eles estão nos Institutos Federais de Ensino Superior – IFES, nas Universidades Federais e Estaduais e nas Instituições de Ensino Superior privadas – IES. Mas ainda não é o suficiente para cobrir a demanda de profissionais para o ensino de dan- ça na educação básica. Os cursos superiores de Dança foram responsáveis por uma mudança significativa no panorama da dança no Brasil. Eles figuram em espaços específicos para a formação profissional, não só no que tange à produção acadêmi- ca e artística, mas na direção de discussões que apon- tam o reconhecimento da Dança como linguagem aliada às práticas reflexivas, a partir da percepção sobre o processo de formação (Andrade, 2016, p. 109). 50 Dessa forma, permanece a necessidade de ampliar em quantidade o número de profissionais específicos (professo- res especialistas) na linguagem. Isso demanda tempo, recur- sos e, acima de tudo, políticas públicas, outro grande desafio. Dito tudo isso, é imprescindível olhar para os currí- culos dos cursos de graduação em Dança. Uma das minhas funções como pesquisadora sênior do Programa de Pós-Gra- duação em Artes no Instituto de Artes da Universidade Es- tadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – PPGA/IA/UNESP, é colaborar como parecerista das agências de fomento como a Fundação de Amparo à Pesquisa – FAPESP, Conselho Nacio- nal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Supe- rior – CAPES, e contribuir como parecerista avaliadora junto ao Conselho Estadual da Educação – CEE do estado de São Paulo, e nesses últimos anos pude entrar em contato com os Projetos Pedagógicos de alguns cursos de graduação em Dança, Artes, Educação Artística e Pedagogia. No que diz respeito a formação inicial em Dança, esses currículos trazem propostas formativas que contem- plam a inserção da investigação sobre a dança contempo- R E S ID Ê N C IA A R TÍ S TI C A C O M A S Ã O P A U LO C O M PA N H IA D E D A N Ç A C O M IN Ê S B O G É A, F LA V IO L IM A, FE LI P E D O A M A R A L | FO TO : C A M IL O B A R B O S A 51 rânea, o diálogo com a dança cênica e a ampliação dos estudos sobre os povos originários, os afrodescendentes, a diversidade das manifestações culturais que enlaçam con- cepções estéticas e linguagens artísticas. Esses aspectos en- volvem também as relações de ensino e aprendizado no in- tuito de formar um profissional pesquisador de sua prática para que consiga acompanhar o rápido ritmo de transfor- mações artístico-pedagógicas, de modo a se manter atua- lizado em seus saberes e fazeres, para atuar em diferentes contextos e realidades. Obviamente que existem outras questões que pautam a implantação desses projetos pedagógicos como um cor- po docente com aderência e capacidade para desenvolver tal proposta, infraestrutura física, bons acervos, bolsas de es- tudos e de permanência estudantil, coordenação e gestão comprometidas, entre tantos outros pontos que garantem tal exequibilidade. De novo esbarramos nas políticas públicas de aces- so etc. Mas o caráter inovador e a atenção aos documentos como as Diretrizes Curriculares Nacionais – DCNs, entre ou- tros que regem o ensino superior voltados para a formação de professores, são contemplados com raras exceções. O per- curso é longo, mas essas instituições têm coreografado com labor e competência esses caminhos. A dança está à vista em outros cursos de formação inicial de professores. Isso não significa que tais cursos pre- parem profissionais para atuar com dança na escola, porém quando um artista da dança cruza sua formação técnica e em espaços não formais e informais com um curso de licenciatura, por exemplo, de Pedagogia ou Artes, que se preocupa em apresentar a linguagem da dança aos gradu- andos, pode ocorrer, em alguns casos, uma ampliação des- ses saberes voltados ao ensino. Ainda temos os processos de formação continuada, como os Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu aca- dêmicos que se preocupam em aprofundar conhecimentos por meio da pesquisa e investigação artística e os progra- mas profissionais (mestrado e doutorado) que se voltam 52 para a pesquisa da prática. Esses programas estão nas IES de todo o país e circunscrevem a grande área de conhecimen- to de Artes, Linguística e Letras e subáreas como Dança, Teatro, Artes Cênicas e Artes Visuais. Neles, temos áreas de concentração específicas como Arte e Educação, Cria- ção, Performance, entre outras, e linhas de pesquisa como Dança na Educação, Metodologias de ensino para dança, Processos de criação em dança, etc. Isso sem falar nos cur- sos de especialização Lato Sensu que são mais específicos e tratam de verticalizar assuntos como Estudos sobre a Téc- nica Klauss Vianna, Dança e Consciência Corporal, Arte Educação e outros que também são ofertados pela IES pú- blicas e privadas. No que diz respeito às redes públicas e privadas de ensino, existem cursos de extensão com diferentes forma- tos para professores em exercício e são ofertados pela Se- cretaria da Educação dos municípios – SME, por vezes em parcerias com associações e com as IES, ou seja, no contexto da formação continuada e em serviço, existe a preocupação em discutir e refletir sobre a dança na educação básica de muitas maneiras. E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E D A N Ç A E P E R FO R M A N C E M AT U TI N O E M IN TE R C Â M B IO C U LT U R A L | F O TO : S A M IR A D A N TA S 53 Nos últimos anos, esses professores, pesquisadores e estudantes têm participado de Encontros, Seminários, Con- gressos e eventos destinados à discussão sobre essa formação que são promovidos por Associações de Pesquisadores em parcerias com as IES públicas e privadas e fomento como FAPESP, CAPES e CNPq. Ressalto dois exemplos neste sentido. O primeiro é da Associação Nacional de Pesquisadores em Dança – ANDA, que, desde 2008, incentiva, promove e divulga pesquisas no campo da Dança. Ela possui comitês específicos como o “Dança em Múltiplos Contextos Educacionais”, que acolhe propostas metodológicas, processos criativos, reflexões pe- dagógico-didáticas, críticas-analíticas das chamadas técni- cas, práticas e métodos e suas ações vinculadas ao ensino e aprendizagem de danças de todo e qualquer corpo, de toda e qualquer identificação, seja qual for o contexto educacio- nal; e o comitê “Formação em Dança”, que abriga a prática da dança na educação básica (a dança na escola, os estágios curriculares, as ações doPIBID e da Residência Pedagógica), e processos artístico-pedagógicos em cursos técnicos, supe- riores e demais espaços formativos, visando a formação do- cente, artística e do artista docente – no ensino regular, em projetos de extensão e pesquisa. O segundo é a Associação Brasileira de Pesquisa e Pós- -Graduação em Artes Cênicas – ABRACE, fundada em 1998, e que, em um primeiro momento, criou o Grupo de trabalho “Pesquisa de Dança no Brasil: Interpretação e Processo de Criação” (1999 – 2003), que depois passou a se chamar “Pes- quisa de Dança no Brasil: processos e investigações” (2004 – 2014) e, hoje, chama-se “Grupo de Pesquisadores em Dança da ABRACE”. A nova denominação vislumbrou manter tanto o caráter acolhedor, quanto a abertura para receber e reunir pesquisadores de formações distintas, nos mais diferentes es- tágios de suas trajetórias acadêmicas e artísticas, sem, con- tudo, perder o foco e a coesão com a área da Dança e suas interfaces mais diversas. Esses são espaços formativos que também se atrelam às políticas públicas para a inserção da dança na escola básica. 54 Coordeno o Grupo de Pesquisa Dança, Estética e Edu- cação – GPDEE, que foi criado em 2006 e se vincula ao PPGA/ IA/UNESP, um laboratório de práticas sobre processos de en- sino e aprendizado da dança e suas mediações em espaços formais, não formais e informais; estudos em dança e suas inserções na sociedade por meio da ação artística, cultural e educativa, da história e memória, das diversas teorias e polí- ticas públicas que a recortam; investigações sobre os modos de agir e processos de criação que possibilitam a reflexão, formação e produção em dança na contemporaneidade. Esses estudos discutem a recepção da obra artística e o diálogo com o público como maneiras de experienciar e fruir a arte. O grupo compartilha das ideias de Donald Schön27 em relação ao professor reflexivo, que constrói seu saber na relação com a ação, a reflexão, a volta à ação e o saber da experiência, proposto por Larrosa28, atualizado por mim29 para o contexto da dança. Acrescento que, para a experiência ocorrer em dança, “é preciso olhar outros as- pectos que podem permitir este acontecimento, como a consciência que temos de nosso corpo que evidencia a di- mensão singular dessa experiência. Assim, somos atravessa- 27 SCHÖN, Donald A. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, A. Os professores e a sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992. p. 77-91. 28 BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 19, jan./ abr. 2002. 29 GODOY, Kathya Maria Ayres de O desafio em formar plateia para dança. In: GODOY, Kathya Maria Ayres (org.). Experiências compartilhadas em dança: formação de plateia. 1. ed. São Paulo: Edição, Instituto de Artes da Unesp, 2013, p. 73-76. v. 1. E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E D A N Ç A E P E R FO R M A N C E M AT U TI N O E M IN TE R C Â M B IO C U LT U R A L. | F O TO : S A M IR A D A N TA S 55 dos, decalcados, (in)corporados por ela”30. Em vista disso, imbuídos por essas impressões, pode ocorrer a transforma- ção por meio das experiências. Para sermos atravessados pela experiência, a dança precisa fazer sentido. Isso se dá quando construímos significados, atribuímos referências, reminiscências que conectamos ao nosso modo de ver a dança. A partir disso, projetamos novas formas de agregá- -la naquilo que identificamos como substantivo em nossas vidas. Portanto, tais sensações tornam-se particulares, rela- tivas e pessoais. Esse olhar para o ensino de dança contribui para a construção de algumas premissas, tais como: valorizar o sa- ber docente; partir da prática para estabelecer relações com os conhecimentos teóricos; orientar os professores a expe- rienciar as mesmas vivências e procedimentos que utiliza- ram/utilizarão com as crianças; valorizar o conhecimento que o professor apresenta, a partir disso, e discutir a dança em relação a um contexto amplo da educação, da realidade local e da sociedade. O ensino de dança, sob essa ótica, supõe um processo de constante transformação e reflexão. As escolhas educacio- nais se dão no decorrer de um período que não se finda; elas harmonizam-se e desorganizam-se de acordo com o contex- to que o professor encontra. E estão conectadas ao contexto histórico, político, cultural e social em que os sujeitos da dança na escola (professores, crianças e dirigentes de ensino) estão inseridos. A ideia é possibilitar que a dança seja disseminada por meio da apropriação da linguagem, ou seja, transpor, despertar, potencializar, oportunizar o compartilhamento da experiência e extasiar-se diante da criação para construir os saberes próprios da dança que com sua força motriz pro- duz o encantamento dessa arte do movimento (Andrade; Godoy, 2018). Por fim, saliento que o cenário brasileiro apresenta re- corrente alternância da Arte como prioridade nos segmentos da educação básica. Fica o desafio de manutenção da dan- ça na escola como área significativa de conhecimento para 30 Ibidem, p. 73. 56 a formação do sujeito e da necessária presença do docente habilitado para mediar e conduzir as experiências artísticas. Por esse motivo, destaco que: [...] a experiência da Dança, principalmente no meio educacional, pode contribuir para transformações do social na medida em que, como linguagem artísti- ca cuja matéria-prima é o corpo, que se expressa por meio do movimento, formas, ritmo/tempo, espaço ao representar/apresentar/interpretar/atuar com e no su- jeito que participa da ação de dançar, apreciar e fruir, se constitui como agente social. Acredito que a relação com a dimensão estética por meio dessa linguagem faz romper com o cotidiano ordinário ao possibilitar dife- rentes maneiras do sujeito se projetar e se imaginar no mundo (Pimenta, 2020, p. 89). E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E D A N Ç A E P E R FO R M A N C E M AT U TI N O | FO TO : I A R I D AV IE S 57 REFERÊNCIAS ANDRADE, Carolina Romano de; GODOY, Kathya Maria Ayres de. Dança com crianças: proposta ensino e possibilidade. 1. ed. Curitiba: Appris, 2018. ANDRADE, Carolina Romano de. 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Ao final de uma série de encontros em que trabalhamos um livro de histórias infantis e os fatores de movimento de Laban (1978) – Fluência, Espaço, Peso e Tempo – como ins- piração em um processo de criação de dança com as crianças, resolvemos ampliar a experiência com uma proposta de frui- ção de um espetáculo de dança, seguido de uma roda de con- versa. No decorrer das discussões, as crianças compartilharam suas observações, descrevendo uma variedade de elementos da dança presentes no espetáculo que assistiram. Em particular, enfatizaram a realização de movimentos em diferentes níveis espaciais (alto, médio e baixo), conforme o que tinham apren- dido em Laban (1978). Elas mencionaram que “as bailarinas exploraram o chão em nível baixo, rastejando, e, em alguns momentos, voaram para níveis mais altos”, fazendo referência aos saltos executados durante a apresentação. Essa conversa despertou a minha percepção sobre a fa- cilidade com que os pequenos conseguiram se relacionar e 31 De acordo com a referência normativa da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ministério da Educação do Brasil, a expressão “criança pequena” refere-se às crianças de 4 anos a 5 anos e 11 meses. Carolina Romano de Andrade CONSTRUINDO CAMINHOS PEDAGÓGICOS EM DANÇA COM AS CRIANÇAS: REFLEXÕES E DESAFIOS 68 se expressar a respeito do espetáculo que presenciaram, uti- lizando um vocabulário específico da dança. Eles não ape- nas observaram e descreveram os movimentos, mas também simbolizaram e estabeleceram conexões entre o que já co- nheciam e o que apreciaram. Ficou claro, a partir dessa ex- periência, que as crianças fruíram a dança, revelando uma compreensão dos elementos dessa linguagem artística. Refletindo sobre os encontros com as crianças, perce- bi a necessidade de repensar minhas abordagens pedagógicas em relação à dança. Dois aspectos se destacam nesse processo. Primeiro, reconhecer e valorizar o conhecimento construído pelos pequenos por meio de suas experiências em dança. Du- rante essa vivência, pude observarque eles assimilam concei- tos complexos da dança e compreendem seus significados de forma profunda quando os vivenciam na prática. Segundo, adotar uma abordagem pedagógica em dança que esteja alinhada com a forma como as crianças apreendem e compreendem o mundo ao seu redor. Isso envolve aspectos lú- dicos, pautados nas interações e nas brincadeiras (Brasil, 2017), que podem ser desdobradas em jogos, faz de conta e brincadei- ras dançadas. Essas estratégias permitem explorar o imaginário infantil por meio dos conhecimentos em dança, estimulando a criatividade e estabelecendo um sentido para elas. Considerando essas estratégias, meu objetivo com este texto é discutir e apresentar a construção de um pensamen- to em dança com as crianças, uma epistemologia da práti- ca, procurando traçar um caminho pedagógico que aborde os desafios em trabalhar dança com os pequenos. A fim de atingir esse objetivo, o texto será dividido em três partes que permitirão explorar os diferentes aspectos desse processo. Na primeira parte, irei explorar o encontro com a in- fância, um território repleto de incertezas. Nesse trecho, apresentarei os principais conceitos relacionados à infância e à criança, estabelecendo parâmetros para uma abordagem epistemológica que volta seu olhar para a dança. Na segunda parte, abordarei os desafios enfrentados pelos professores de dança ao refletir sobre sua prática com as crianças. Discutirei as questões que surgem e as dificulda- 69 des encontradas que podem conduzir os educadores a repen- sar as abordagens pedagógicas em dança. Por fim, oferecerei um caminho metodológico, des- tacando o planejamento e a seleção de conteúdos que pro- movam a construção do conhecimento em dança. Buscarei explorar temáticas da dança (Andrade, 2016), a fim de pro- porcionar experiências significativas com as crianças. Dessa forma, por meio desta escrita, busco contribuir para que os professores possam reconhecer, refletir e repensar suas estratégias pedagógicas, promovendo experiências que es- timulem a criação, a reflexão, a fruição e a estesia, permitindo que as crianças se expressem e se conectem com a dança. O ENCONTRO DO PROFESSOR COM A CRIANÇA QUE DANÇA O interesse pela dança na infância tem se ampliado nos úl- timos anos. Isso pode ser observado pelo aumento de pes- quisas e publicações na área, como constatado por dois le- vantamentos: um realizado por Andrade (2016) e outro por E S TU D A N TE S D O C U R S O D E E X TE N S Ã O C U LT U R A L | F O TO : S A M IR A D A N TA S 70 Almeida (2023). Esses estudos destacam artigos científicos, anais dos principais eventos de dança e educação do país, dissertações e teses acadêmicas que trazem como tema a dan- ça com crianças. Outrossim, é importante destacar o crescimento de mostras e festivais de dança especialmente voltados para as crianças. Um exemplo é o Festival Meia Ponta, que faz par- te do Festival de Dança de Joinville (SC). Além desse, des- taco a mostra de Dança “A Noite é uma Criança”, realizada nas cidades de Florianópolis (SC), Joinville (SC), Curitiba (PR), Porto Alegre (RS), Chapecó (SC) e Criciúma (SC), e o Dança Criança Ceará (CE), entre outros que acontecem pelo país. Apesar do progressivo interesse nesse campo, ainda existe a necessidade de estabelecer um olhar atento para a infância, além de repensar práticas artísticas e pedagógicas em dança que estejam de acordo com as especificidades dos pequenos. Para estabelecer um recorte epistemológico nas prá- ticas de dança para crianças, é necessário compreender as diversas concepções de infância e as formas singulares de ser criança. É importante saber que dentro de uma mesma cul- tura, é possível identificar diferentes formas de ser criança, o que modifica os papéis atribuídos e a práxis adotada em relação à dança e outras atividades. Embora conhecimentos provenientes de áreas como Psicologia, Antropologia, Sociologia e Medicina possam oferecer subsídios para compreender aspectos comuns da infância, é importante reconhecer que cada criança é úni- ca em suas individualidades e diferenças (Brasil, 1998). Nessa perspectiva, a infância não pode ser compreendida como uma fase previsível do desenvolvimento humano, na qual os pequenos apresentam comportamentos predefini- dos em determinada faixa etária. Isso implica que não de- vemos generalizar comportamentos ou experiências, uma vez que cada criança possui suas próprias características e particularidades que devem ser consideradas em um pro- cesso educacional. 71 Quando abordamos a dança na infância, é impor- tante reconhecer e valorizar a singularidade de cada crian- ça, respeitando as diferentes maneiras pelas quais elas vi- venciam sua infância. Permitir que elas desenvolvam suas próprias expressões e formas de organizar o corpo, o tem- po e o espaço por meio da dança é um aspecto central desse processo. Para isso, é necessário compreender que o contexto em que professores e as crianças estão inseridos é influenciado por crenças, normas sociais e fatores locais que moldam as práticas artísticas e pedagógicas de dan- ça, impactando as experiências vivenciadas. Ao estarmos cientes dessas influências, podemos adotar uma aborda- gem sensível que acolha as diversas manifestações da in- fância e ofereça oportunidades para que elas descubram sua própria dança. A partir do entendimento de que as crianças são agen- tes ativos na produção de cultura e na construção de suas próprias formas de significação e interação com o mundo (Brasil, 2010), reconheço a dança como uma linguagem que potencializa essas interações. Nessa perspectiva, as crianças exploram, imaginam, desejam, aprendem, obser- E S TU D A N TE S D O C U R S O D E E X TE N S Ã O C U LT U R A L | F O TO : S A M IR A D A N TA S 72 vam, narram, questionam e constroem sentidos sobre a natureza e a sociedade por meio da dança. Além disso, elas têm a oportunidade de explorar o conhecimento do corpo, experimentar movimentos, expressar suas emoções e se conectar com sua cultura e identidade. Ao estabele- cer parâmetros para o ensino de dança com os pequenos, é imprescindível valorizar sua voz e considerá-los como participantes na construção de sua própria aprendizagem em dança. Para isso, é necessário ouvir, abrir-se para rece- ber a criança, compreendendo que seu modo de assimilar o conhecimento ocorre por meio do brincar, que tem a potência de estimular o imaginário infantil, permitindo interações consistentes com outras crianças, adultos, es- paços e materiais. Essas interações que ocorrem na brincadeira podem acontecer de algumas maneiras na dança. Por exemplo, em um processo de observar o brincar livre e espontâneo das crianças, o professor pode coletar algumas informações para transformar essa brincadeira em jogo dançado com fins e intencionalidade pedagógicas. Ao ver os pequenos pulando corda, o professor pode criar um jogo que envolva saltos em diferentes níveis, utilizando a corda como material e, poste- riormente, propor que essa variação de saltos seja combina- da em uma sequência dançada que se distribua pelo espaço e que pode ser modificada de acordo com instruções e regras, permitindo que a partir da brincadeira a criança crie novas maneiras de saltar. Nesse caso, vale reforçar a diferença entre a brinca- deira e o jogo. A brincadeira costuma ser livre, sem um objetivo definido, enquanto o jogo tem um objetivo final a ser alcançado. Na dança, a improvisação é uma forma de jogo, que pode ter como proposta estimular a imaginação e a criação de movimentos. O professor pode estabelecer regras para a improvisação, como explorar novos movi- mentos, criar uma coreografia ou uma história dançada. A improvisação em dança é uma prática que possui mui- tos elementos de um jogo, especialmente pela sua natureza experimental e imprevisível. Em alguns jogos de improvi- 73 sação em dança as regras podem guiar a exploraçãodo es- paço com diferentes qualidades de movimento, bem como sequências e roteiros prévios. No entanto, há liberdade na escolha dos movimentos e as regras acabam por ser impul- sionadoras para a exploração deles. Com esse viés, a improvisação em dança pode auxi- liar na imaginação, criatividade e expressão, buscando uma ampla compreensão das possibilidades de movimento, es- paço e consciência do corpo. Além disso, permite a auto- descoberta, a descoberta do outro e do ambiente ao redor. Os jogos de improvisação podem auxiliar a conquista da autonomia da criança, ao explorar sua movimentação cor- poral, e incentivá-la a descobrir as inúmeras possibilidades de trocas, sensibilização e criação que surgem por meio do corpo que dança brincando. Dessa forma, é possível proporcionar uma experiên- cia enriquecedora de dança na infância ao destacar o pa- pel fundamental do professor na articulação desse processo. O educador é convidado a mergulhar no universo infantil, buscando compreendê-lo e oferecer vivências dançadas que estimulem a expressão e a criatividade das crianças. E S TU D A N TE S D O C U R S O D E E X TE N S Ã O C U LT U R A L | F O TO : S A M IR A D A N TA S 74 OS DESAFIOS DO PROFESSOR DE DANÇA E A REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA As práticas pedagógicas desempenham um papel fundamen- tal na educação e são moldadas por construções epistemo- lógicas – teorias do conhecimento – aplicadas ao contexto educacional. Embora muitos professores não estejam cons- cientes da existência dessas teorias, elas exercem uma grande influência nas escolhas pedagógicas adotadas em sala de aula. O modo como o professor ensina é influenciado por diversos fatores, como sua própria experiência como educa- dor, as teorias e os métodos que adquiriu em sua formação acadêmica, seus valores e outros fatores sociais. Essa relação é válida tanto para profissionais de outras áreas do conheci- mento quanto para os professores de dança. Isso nos leva a reconhecer que o ensino da dança não pode ser considerado um mero acaso ou uma prática sem propósito. Pelo contrário, a ação pedagógica se legitima por meio de uma teoria embasada, sustentada por uma episte- mologia específica e uma crença que a fundamenta. Nesse sentido, é importante que o professor esteja ciente de suas próprias concepções e dos modelos pedagógicos existentes para que busque aprofundar sua compreensão teórica a fim de aprimorar suas práticas pedagógicas. Na dança, é comum encontrarmos professores que foram formados em modelos pedagógicos tradicionais, que estão fundamentados em concepções epistemológicas que valorizam o modelo, a cópia, a ênfase na execução perfeita, na técnica precisa e, muitas vezes, no movimento virtuoso. Existe, portanto, uma tendência de reprodução desse mode- lo quando o estudante se torna professor. Vale destacar que o modelo pedagógico tradicional é válido quando se trata do ensino de fundamentos técnicos e da busca pela excelência na execução dos passos de dança. No entanto, as abordagens tradicionais podem não ser adequadas em determinados contextos, pois, muitas vezes, não consideram a ludicidade, a expressão e o desenvolvimen- to artístico das crianças. O que pode resultar na inibição das 75 capacidades criativas, uma vez que a criança é direcionada a seguir uma forma, um movimento, um passo a ser executa- do com precisão. Isso pode levar os pequenos a dependerem sempre de um adulto para realizar uma dança, limitando a sua expressão individual, ao negligenciar o processo de des- coberta e de construção dos movimentos. Em contrapartida, a abordagem construtivista valoriza a participação ativa da criança na construção do conhecimen- to. Essa concepção pode oferecer caminhos para repensar e adaptar as práticas pedagógicas em dança, tornando-as mais alinhadas às necessidades e potencialidades das crianças. Por exemplo, um professor de dança que trabalha nesse modelo pode permitir que os pequenos participem da criação, con- tribuindo com opiniões e ideias, em vez de simplesmente seguir uma coreografia preestabelecida pelo adulto. No en- tanto, o desafio está em encontrar um equilíbrio entre a par- ticipação ativa das crianças e a orientação do educador, a fim de explorar os conteúdos específicos da dança. Se o professor permitir que as crianças tenham total liberdade na criação, pode haver uma falta de exploração e aprofundamento das temáticas da dança (Andrade, 2016), por exemplo. Por outro E S TU D A N TE S D O C U R S O D E E X TE N S Ã O C U LT U R A L | F O TO : S A M IR A D A N TA S 76 lado, em uma abordagem tradicional, se o educador contro- lar excessivamente o processo criativo, limitando a participa- ção dos pequenos, pode diminuir a motivação, a capacidade de expressão e a criatividade deles. Outra concepção que apresento está baseada na Socio- logia da Infância, que defende as relações interpessoais e cul- turais no processo de aprendizado da criança. Essa perspecti- va considera que a criança constrói suas relações por meio da interação social com seus pares (outras crianças), os adultos e o mundo, levando em conta a construção histórica, política, social e cultural do contexto em que está inserida. Nesse en- tendimento, a dança como uma expressão artística e cultu- ral, oferece um ambiente propício para os pequenos criarem e ampliarem seu repertório de movimento e exercitarem na prática os papéis que ocupam dentro de um grupo social. Além disso, quando ocorre a participação da criança em ma- nifestações culturais, apresentações, festivais de dança, entre outros, ela interage em grupos com diferentes organizações e modos de dançar, enriquecendo a sua compreensão artística e social sobre dança. Ao refletir sobre as concepções que embasam o mode- lo pedagógico adotado, o professor de dança pode encontrar alternativas mais adequadas para sua práxis de dança com crianças. Cada abordagem apresenta vantagens e desafios es- pecíficos, e é fundamental que o educador de dança esteja ciente das implicações de sua escolha. A prática docente em dança deve ter uma intencionalidade pedagógica, funda- mentada em um modelo educacional que busque atender às necessidades e potencialidades das crianças. Isso requer um olhar atento, uma capacidade de escuta por parte do profes- sor, que precisa saber quando intervir, fornecer orientação e incentivar a criação e interação social da criança, ao mesmo tempo em que cultiva um ambiente seguro e instigante para a aprendizagem. Dessa forma, a análise sobre o modelo pedagógico se torna um elemento essencial no processo de reflexão sobre a prática do professor de dança. Ao repensar as abordagens pedagógicas, considerando os desafios e as demandas especí- 77 ficas da dança com as crianças, é possível buscar alternativas que valorizem a ludicidade, a criatividade e o envolvimento ativo dos pequenos em sua jornada na dança. ESTRATÉGIAS E TEMÁTICAS DA DANÇA: ENRIQUECENDO A EXPERIÊNCIA DAS CRIANÇAS O trabalho pedagógico de dança com crianças é caracteri- zado por uma ampla diversidade de abordagens e práticas, refletindo diferentes visões de mundo que se modificam em cada contexto, conforme apresentado anteriormente. Para respeitar essa diversidade e reconhecer a potência das crian- ças pequenas em dançar e construir seus repertórios de mo- vimento, é importante apresentar uma organização das te- máticas da dança que considero essenciais nesse contexto. Ao fornecer esses conhecimentos, a intenção é ofe- recer caminhos para que cada professor possa desenvolver suas próprias propostas artísticas e pedagógicas de dança, proporcionando autonomia na articulação dos conheci- mentos do corpo, dos fundamentos da dança e dos proces- E S TU D A N TE S D O C U R S O D E E X TE N S Ã O C U LT U R A L | F O TO : I A R I D AV IE S 78 sos de criação. Dessa forma, os educadores podem adaptar as temáticas da dança de acordocom as necessidades e os interesses das crianças, estimulando sua expressão indivi- dual e coletiva por meio da dança. Nesse sentido, é essen- cial o professor construir um caminho metodológico que se alinhe com os propósitos do contexto em que está inseri- do a fim de permitir que a criança participe na construção do seu conhecimento em dança. Um dos primeiros passos nesse processo é o planeja- mento, que deve ser um guia flexível, permitindo ajustes e adaptações de acordo com as necessidades ao longo do pro- cesso. É importante manter um diálogo constante com os pequenos, ouvir suas opiniões, tornando o planejamento um movimento colaborativo que atenda às expectativas e potencialidades de todos os envolvidos na ação, professores, crianças, gestores e comunidade. A metodologia de ensino também deve ser detalhada no planejamento, organizando estratégias e atividades que serão utilizadas para alcançar os objetivos propostos. Pode-se incluir aulas práticas de exploração do movimento, jogos de criação, improvisações, estudos coreográficos e momentos de aprecia- ção e discussão sobre diferentes formas de dança. A avalia- ção deve ser considerada no planejamento, definindo critérios para acompanhar o envolvimento das crianças. Isso pode in- cluir observações em sala de aula, registro de participação in- dividuais e coletivas, incluindo os momentos de apresentação ou mostra do trabalho desenvolvido pelos pequenos. Outro aspecto é a seleção dos elementos da linguagem a serem abordados na prática pedagógica. Nesse sentido, des- taco o que chamo de “temáticas da dança”, que são conteú- dos essenciais para o trabalho de dança com as crianças. As temáticas da dança são organizadas em três categorias prin- cipais: corpo, fundamentos da dança e criação em dança. No âmbito do Corpo, o foco é o conhecimento da estrutura corporal e a consciência das diversas possibilida- des de movimento que cada parte dele oferece. O corpo é o elemento central na dança, é o brinquedo, pelo qual as ex- pressões e experiências artísticas acontecem. Por isso, é in- 79 teressante que o professor apresente caminhos que tornem a investigação corporal divertida para as crianças, permi- tindo que elas identifiquem, isolem e explorem as diferen- tes partes do corpo, bem como compreendam as variações no tônus muscular. Uma forma de enriquecer essa exploração é por meio do uso de recursos visuais, desenhos, ilustrações ou represen- tações gráficas. Esses recursos podem ajudar as crianças a vi- sualizarem de forma concreta as diferentes partes do corpo e a compreenderem sua relação com os movimentos na dança. Ao utilizar atividades lúdicas, como jogos e desafios de mo- vimento, os professores podem promover uma investigação corporal prazerosa, incentivando os pequenos a expressarem suas emoções e a explorarem seu potencial criativo. Por meio dessa proposta, as crianças desenvolvem uma consciência do corpo mais ampla e aprofundada, permitindo que explorem a linguagem da dança de forma artística e expressiva. No âmbito do eixo “Fundamentos da dança”, estão concentrados os elementos essenciais da linguagem, dividi- dos em três subeixos: “desafiando a gravidade”, “relações es- paciais” e “ritmo e relações de tempo”. E S TU D A N TE S D O C U R S O D E E X TE N S Ã O C U LT U R A L | F O TO : M A R C E LO M A C H A D O 80 No subeixo “Desafiando a gravidade”, as crianças podem experimentar e compreender o movimento e as sensações de peso do corpo. Propõe-se investir em jogos de equilíbrio com giros, saltos e rolamentos, explorando diferentes formas de se manter ou perder o equilíbrio. Além disso, elas podem explorar os pontos de apoio do corpo, como pés, mãos, cotovelos, entre outros. Durante essa exploração, é possível incentivar a imagi- nação e o faz de conta, atribuindo um personagem, um animal e sua qualidade de movimento a cada mudança de apoio. Essas brincadeiras podem ser combinadas com ações como correr, rolar, levantar, sentar-se e pular, permitindo que as crianças percebam quais pontos de apoio o corpo uti- liza durante as transições entre diferentes posições. O uso de materiais como penas, lenços e bexigas pode proporcionar vivências sensoriais que ajudam a compreender conceitos como o peso leve. O trabalho em duplas pode ser utilizado para explorar a resistência, o peso firme e o uso de alavancas, compreendendo como o esqueleto e as articulações funcio- nam para impulsionar o movimento. No subeixo “Relações espaciais”, o foco são as interações, as crianças têm a oportunidade de explorar e compreender seu corpo em relação ao ambiente, a ocupação e o direcionamento do espaço, bem como as relações com o mundo, outras crian- ças ou objetos. Podem ser propostas atividades em que elas se movimentem em diferentes direções, níveis e planos (Laban, 1978), descobrindo como o seu corpo se relaciona com o espa- ço ao redor. Além disso, é interessante explorar a noção de dis- tância e proximidade em relação às outras crianças, bem como a utilização de objetos como aliados para produzir dança, que podem englobar a criação no corpo das formas dos objetos ou a trajetória que eles desenham no espaço. No subeixo “Ritmo e relações de tempo”, o foco está no uso do tempo na dança. As crianças são convidadas a explorar o ritmo dos movimentos, trabalhando com acelera- ções, desacelerações e pausas. Essa abordagem busca inves- tigar as dinâmicas do movimento permitindo que elas co- nheçam melhor o ritmo em seus corpos. É fundamental que os pequenos compreendam o conceito de pulso, que é uma 81 sequência de batidas que se repetem e dividem o tempo em partes iguais. A música desempenha um papel importante ao explorar o ritmo e as relações de tempo, ajudando as crianças a conectarem os movimentos com as propriedades do som, entre elas: altura (sons graves, médios e agudos), intensidade (sons fortes e fracos) e duração (longas e curtas). Embora o uso da música seja uma forma de impulsio- nar a busca pelos ritmos, é interessante incentivar os peque- nos a ouvirem os sons ao seu redor, não se limitando apenas à música. É possível explorar ritmos pessoais e externos, como a escuta da respiração de cada criança, a velocidade da cami- nhada e ritmos presentes na natureza. Além disso, explorar o ritmo dos carros nas grandes cidades, ritmo das caminhadas de animais, os ritmos de elementos como a velocidade que corre a água, no rio e na cachoeira, e diferentes músicas, que podem inspirar as movimentações. É importante permitir a exploração do ritmo individual de cada criança, por meio de exercícios de improvisação que enfatizem o tempo que cada uma escolhe para sua própria movimentação. O último eixo, “Criação em dança”, está dividido em três subeixos: “jogos de criação”, “apreciando a dança”, “cria- E S TU D A N TE S D O C U R S O D E E X TE N S Ã O C U LT U R A L | F O TO : S A M IR A D A N TA S 82 ção em dança e apresentação”. Destaca-se, nele, a importân- cia de incentivar a imaginação, a experimentação, a obser- vação e a participação ativa das crianças na construção do conhecimento em dança. Ao longo do texto, já abordei alguns pontos desse eixo, por meio do destaque aos jogos de criação e improvisação em dança como atividades lúdicas. Esses jogos, como já mencio- nado, estimulam a criatividade, a exploração do movimento e a expressão artística das crianças, permitindo que elas de- senvolvam suas próprias danças de forma autônoma. No subeixo “Apreciando a dança”, destaco a impor- tância de proporcionar oportunidades para os pequenos assistirem a apresentações de dança e desenvolverem a sua capacidade de apreciação estética. Por meio da apreciação, eles ampliam o seu repertório de movimentos, identificam as temáticas da dança abordadas nas aulas e a compreendem como uma manifestação cultural presente na sociedade. É fundamental que tanto as crianças quanto os professores se apropriem dosvocabulários da dança, permitindo uma co- municação mais rica e o aprofundamento do conhecimento em dança por meio da apreciação estética. No subeixo “Criação e apresentação”, valorizo a orien- tação dos pequenos na criação de danças, promovendo mo- mentos de partilha e apresentação das criações. Esses mo- mentos proporcionam trocas e permitem a convergência das dimensões estética, artística e cultural da dança com a criança pequena. Ao abordar a criação, é essencial conside- rar temas cativantes, como histórias, contos, elementos da natureza e cultura popular, que despertem o interesse e a curiosidade das crianças. Esses temas servem como fonte de inspiração para explorar movimentos e expressões corporais, permitindo que elas criem suas próprias danças e interpre- tem diferentes personagens por meio do movimento. A intenção do eixo “Criação em dança” é proporcio- nar um ambiente propício para que as crianças se tornem protagonistas de suas próprias danças, valorizando tanto o processo de criação quanto a apresentação final, ampliando sua compreensão e vivência da linguagem da dança. 83 FINALIZANDO O CAMINHO DANÇANTE Para discutir e apresentar um recorte de pensamento peda- gógico em dança voltado às crianças, busquei um caminho de construção que abordasse os desafios e as práticas especí- ficas da infância. Nesse percurso, explorei a importância de despertar o interesse dos pequenos por meio de temáticas relacionadas à dança, incentivar sua participação ativa no processo de aprendizado e proporcionar experiências enri- quecedoras que ampliem seu repertório de movimentos e estimulem sua criatividade. Além disso, apontei caminhos para que o profissional tenha autonomia e consciência nas suas escolhas e práticas educativas em dança. O importante é como essas ideias po- derão ajudar a transformar o pensamento que os professo- res têm a respeito do processo pedagógico de dança para os pequenos. Para isso, ao longo do texto destaquei algumas estratégias para despertar o interesse das crianças pela dan- ça por meio de jogos, improvisação e brincadeiras que es- tejam relacionadas às temáticas da dança. Essa abordagem teve a intenção de incentivar a participação dos pequenos E S TU D A N TE S D O C U R S O D E E X TE N S Ã O C U LT U R A L | F O TO : I A R I D AV IE S 84 no processo de aprendizado, oferecendo experiências que ampliem o repertório de movimentos e estimulem a criati- vidade desenvolvendo autonomia e confiança em seu pró- prio potencial artístico. Ao abraçarmos os desafios e as práticas pedagógicas voltadas ao ensino de dança com as crianças, estamos cons- truindo um caminho repleto de descobertas, aprendizado e crescimento. Encerro este texto pensando em abrir esses ca- minhos para que os professores se tornem autores, sujeitos de suas experiências e criadores de suas próprias práticas em dança, compartilhando esse olhar com a criança pequena. E S TU D A N TE S D O C U R S O D E E X TE N S Ã O C U LT U R A L | F O TO : I A R I D AV IE S 85 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Fernanda de Souza. Costuras a muitos corpos para dançarelar na Educação Infantil: formação inicial docente e estágio supervisionado em Dança. 2023. Tese (Doutorado em Educação e Ciências Sociais: Desigualdades e Diferenças) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Pau- lo, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.48.2023. tde-27022023-110826. Acesso em: 27 set. 2023. ANDRADE, Carolina Romano de. Dança para criança: uma proposta para o ensino de dança voltada para a educação in- fantil. Tese (Doutorado em Artes), – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de Artes, 2016. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/items/9540ce- 15-cb8f-4293-a68b-2661b63c7255. Acesso em: 27 set. 2023. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular: Educação é a base. Brasília, 2017. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Bá- sica. Diretrizes curriculares nacionais para a educação in- fantil. Brasília: MEC, SEB, 2010. LABAN, Rudolf. Domínio do Movimento. Edição organiza- da por Lisa Ullman. Tradução de Anna Maria B. De Vecchi e Maria Sílvia M. Netto. São Paulo: Summus, 1978. https://doi.org/10.11606/T.48.2023.tde-27022023-110826 https://doi.org/10.11606/T.48.2023.tde-27022023-110826 https://repositorio.unesp.br/items/9540ce15-cb8f-4293-a68b-2661b63c7255 https://repositorio.unesp.br/items/9540ce15-cb8f-4293-a68b-2661b63c7255 86 87 Para trazer à tona uma discussão sobre dança nos espaços urbanos, proponho, em primeiro lugar, pensar o teor da dança contemporânea, dado que, particularmente nesse campo, o corpo é considerado como um território de ex- perimentos e de práticas abertas, voltadas à exploração de outras conexões de movimentos e processos que exaltam mais a produção da diferença do que a formação de uma identidade fixa. Nesse contexto, a variedade de elementos compositivos encontrados nos espaços urbanos – diversi- dade de planos, geografias, imagens, linhas, texturas, sono- ridades, edificações, práticas, etc. – constitui um manan- cial rico à criação. Entendo a contemporaneidade de uma dança quando ela me faz mergulhar com mais intensidade na vida, quando se propõe como acontecimento. Quando é assim, tal dança mostra-se, inevitavelmente, como uma captação diversa do real, para gritá-lo, perguntá-lo ou dizê-lo. Uma dança-acon- tecimento constitui-se, essencialmente, como experiência, risco e proposta de transformação, pois a dimensão do acon- tecimento guarda uma abertura ao imprevisto, ao incerto, ao erro, ao novo. Jussara Xavier ESPAÇO URBANO COMO PARCEIRO INTERATIVO E TERRITÓRIO DE EXPERIÊNCIAS PARA O CORPO NA DANÇA 88 Diante de suas potências e seus limites, o corpo dança para revelar outros conceitos de vida, mais próximos ao pa- radoxo, mais distantes de lógicas normalizadoras. Ele busca materializar uma singularidade, ao invés de almejar um pa- drão ideal ou modelo corporal único. Por que o contemporâneo precisa de outras corporei- dades? Porque não lhe serve um corpo trivial, pronto, único, determinado por modelos sensório-motores e funções fixas. O contemporâneo busca a polivalên- cia dos corpos, transitórios e indeterminados, capazes de sensações multiplicadas e intensidades extremas. Procura a constituição da diferença na mistura, na variação, na potência. A proposta deste corpo é a de compor novos movimentos, anunciar singularidades. Trata-se de um corpo que contém uma multiplicida- de de corpos virtuais, é não-óbvio, transformador do tempo e espaço, perseguidor de uma outra dimensão, desencadeador de novas percepções, fonte de todo tipo de paradoxo (Xavier, 2012, p. 83). Um projeto coreográfico e compositivo em dança pressupõe um pensamento acerca do corpo (Louppe, 2012). Se a dança contemporânea se afirma como acontecimento, o acontecer no corpo implica a feitura de um processo que busque criar e afirmar a diferença (no lugar da mera conser- vação). Envolve, ainda, a recuperação e o alargamento do desejo e das potências desse corpo. No decurso para a mani- festação de outras corporeidades, o dançarino contemporâ- neo prossegue em práticas de estranhamento e descoberta de si. Tal conhecimento não preexiste, mas é atuado em experi- ência, ou seja, percepção e cognição dependem das próprias capacidades de ação. Pondero que tal interesse coincide com a busca por ambientes estimulantes aos sentidos e às no- vas interfaces que cooperem com a (re)descoberta do corpo. Sendo assim, a opção de dançar em espaços urbanos coopera com a proposta de não condicionar as atuações de um cor- po, pois, como já dissemos, o corpo da dança contemporâ- nea é pesquisa e prática para constituir de modo contínuo um devir-outro. 89 Dentre as muitas variáveis compositivas atualizadas pela dança contemporânea, sobressai o deslocamento dos quadros instituídos para sua apresentação, sempre acompa- nhado demudanças perceptivas e relacionais, tanto dos ar- tistas quanto do público. Um palco (considerando qualquer um de seus tipos básicos: italiano, arena e semiarena) confi- gura-se como um espaço geométrico, mensurável, com esca- las e regras comuns. Na cultura clássica ocidental, a ocorrên- cia da dança no palco é encerrada numa espécie de moldura e compõe um corpo que tende a reproduzir linhas, formas e trajetórias arquetípicas, a exemplo dos deslocamentos em círculos e diagonais. Esse modo de organização e alinhamen- to compõe, também, o corpo do espectador, pois sua memó- ria visual e imaginária, bem como suas coordenadas percep- tivas, estão habituadas a orientar-se a partir de um ponto de vista único e centralizado (Louppe, 2012, p. 192-193). De maneira crescente, o palco vem sendo reocupado e reinventado para propor outras formas dinâmicas de expo- sição e ocultação do corpo e, ainda, para produzir seus pró- prios espaços. Transforma-se para comportar planos de ação inusitados, como nas obras da diretora alemã Pina Bausch (1940-2009) que converte a cena em ambientes diferencia- dos para a dança como, por exemplo, uma plantação de cra- vos (Nelken, 1982), um campo de terra (Das Frühlingsopfer, 1975), uma cafeteria (Café Müller, 1978), um salão de baile (Kontakthof, 1978) e uma cidade em ruínas (Palermo, Paler- mo, 1989). Sua proposta constrói um universo visual que ul- trapassa o decorativo para atuar em coerência com o plano do corpo em movimento, ou seja, o ambiente é ativo e mo- dulado para integrar e habitar a própria ação de dançar. Ao tratar especificamente da obra Café Müller, Louppe (2012, p. 305) sublinha que a cenografia “desempenha um papel de confinamento ou de obstáculo. Já não enquadra a dança, mas obstrui-a, e pela acumulação revela uma perda: cadeiras e mesas são armadilhas e zonas pantanosas de que nem os seres nem o movimento se conseguem libertar”. Em outras correntes de experimentações, abandona-se completamente o palco e seus códigos, para formular danças 90 em sítios específicos ou espaços urbanos quaisquer, permi- tindo, assim, a reinvenção incessante do corpo em seus diá- logos materiais e simbólicos. Pondere que [...] rua e cidade não são palcos, e sim territórios ati- vos, politicamente instáveis, fisicamente dinâmicos, dotados de força própria. Para quem trabalha com arte ou performance na rua, um desafio dramatúrgico primordial consiste em relacionar-se com essa força e vontade ativas do espaço, sem entretanto, dedicar-se a domá-la ou colonizá-la. A dificuldade reside sobretudo em deixar abrir mão, de certa maneira, da autoria e da previsibilidade do significado da obra que essa postura demanda (Assumpção, 2015, p. 22-23). O espaço urbano é comumente estabelecido como lo- cal de convivência social. De acordo com Certeau (1999), uma praça deixa de ser mero lugar (algo sem vida) para se transformar em espaço (lugar praticado) quando ocupada pelos pedestres e, assim, tornar-se espaço vivenciado, o qual reflete as relações entre os homens e o mundo. O espaço é qualificado pela atividade e pelo uso que permite, por suas possibilidades de ação (Certeau, 1999). Percebo a inserção de projetos de dança nos espaços ur- banos como tentativas de dirigir a criação artística às coisas do mundo e potencializar reflexões. Algumas danças em espaços públicos funcionam enquanto espécies de confrontos, ofertas de contato com o diferente, talvez alertas para o automatismo social que marca a correria dos transeuntes no dia a dia. Dan- çar em um espaço urbano colabora para desestabilizar a própria definição da dança e colocar em questão o caráter das repre- sentações artísticas. É, ainda, uma alternativa para interpelar criticamente o mercado e o sistema de validação da dança. Espaços urbanos funcionam como caminhos úteis para encontrar outras poéticas cênicas e são especialmente propícios à produção de dança como pesquisa e prática in- vestigativa. A imprevisibilidade que lhe é característica fa- cilita a realização de experiências transformadoras. Cabem, também, para testar diferentes modos de relação entre ob- servados-observadores. 91 Ao abalar ou anular a distância física entre palco e plateia, a dança tende a se afastar de uma linguagem pré- -fabricada e converter-se num acontecimento, compondo uma relação de inserção, mais real e viva para os presen- tes. Ao converter espectadores em participantes, produz uma espécie de “situação social”, onde estes percebem o quanto sua experiência depende de si mesmos e dos outros (Lehmann, 2007, p. 173). Intensifica-se uma partilha de energia (e não de uma comunicação na qual a informação corre de um emissor a um receptor). Contudo, a fruição sempre dependerá do nível de interesse e engajamento do espectador, disponível ou não para ativar memórias, tecer nexos, construir significados. MUDA (2023), UMA EXPERIMENTAÇÃO EM ESPAÇOS URBANOS Há distinção entre danças compostas em salas fechadas e transportadas para serem exibidas em espaços urbanos, da- quelas empreendidas enquanto pesquisas e estudos compo- sitivo- cartográficos. Garrocho (2007, p. 38) explica que a cartografia ou o mapa é um procedimento de investigação e de pensamento com valor conectivo, aberto e múltiplo, pró- prio para pensar corporalmente e criativamente, estimular trajetos do corpo no espaço, facilitar conexões de invenção com diferentes planos e mídias. Ao operar via cartografia na dança, os artistas optam por compor com o espaço enquanto gerador de afecções, desafios e impulsos criativos. Ou seja, toda dança que se faz num espaço da rua reitera de modo especial a condição do encontro para ganhar existência. De acordo com Garrocho (2007, p. 125), em um processo de improvisação física e ex- perimental, uma conexão dentro-fora incide sobre “a poten- cialidade de sua reação a estímulos provenientes do exterior” e sobre “um desejo perceptivo, ou seja, de querer ampliar sua percepção, literalmente, abrindo espaço para que se opere um fluxo de sensações”. 92 A própria atitude de busca e de escuta mobilizará e moldará gestos e ações de dança. Note-se que aqui há grande abertura para o acaso, e que se misturam processo e produto, treinamento e criação, percepção e ação, real e ficção, impro- viso e composição. Com a compreensão acima citada, estruturei uma pro- posta de pesquisa em dança intitulada MUDA, para ser reali- zada em parques públicos, iniciada em 2022, em colaboração com a artista, bailarina e coreógrafa potiguara Erika Rosendo. O termo “muda” evoca uma série de significados di- versos: ação de mudar, renovar, remover e substituir; uma planta; uma mulher que não fala. Na trilha dessas acepções, o experimento MUDA se constituiu por diferentes sentidos: desacostumar o corpo e suas danças; ação de plantar(se), (re) nascer, insistir na permanência; ação de silenciar, de pausar. E, ainda, por duas questões fundamentais: o que vibra quan- do tudo parece calar? O que grita quando me recolho? Como experimentação aberta ao acaso, foi pensada para ser desenvolvida em espaços urbanos, estratégia escolhi- da para entrelaçar corpo e ambiente. Optamos por preservar a indeterminação e o risco como traços do processo criativo, B A IL A R IN A E C O R E Ó G R A FA E R IK A R O S E N D O E M M U D A, D E JU S S A R A X AV IE R | FO TO : C LA U D IA B A A R TS C H 93 utilizando dispositivos de improvisação e composição fun- damentados na descoberta poética de um corpo reconheci- do como intercâmbio, interrogação e desejo, atravessado por paradoxos e estados de equilíbrio e desequilíbrio. O processo de investigação artística englobou jogos per- ceptivos e exercícios de escuta do ambiente e exploração de estados afetivos “do” e “no” corpo. MUDA também compre- endeu a leitura do corpo como biografia e, portanto, revisitou um mapa de registros próprios do processo de ser viva (de Erika) em consonância com escolhas (mudanças conscientes)e imprevistos (mudanças imprevistas e incontroláveis). O cor- po como registro de histórias e experiências da artista serviu como fonte substancial de pesquisa do movimento, em pro- postas que transitaram na produção de uma dança de cunho grotesco e agressivo a uma dança mais harmônica e agradável. Todas as fotos que seguem são de Claudia Baartsch, profissional que acompanhou a série de experimentos execu- tados ao longo de 2023 em cidades de Santa Catarina. Elas exemplificam estratégias adotadas para compor outras cor- poreidades, dentre elas, a escolha por dançar numa árvo- re, relacionando-se obrigatoriamente com o desconforto e o B A IL A R IN A E C O R E Ó G R A FA E R IK A R O S E N D O E M M U D A, D E JU S S A R A X AV IE R | FO TO : C LA U D IA B A A R TS C H 94 risco. Tal troca indicou caminhos para diferentes estados de corpo e conquistas motoras, e envolveu um jogo entre ha- bilidades e saberes já incorporados com uma escuta atenta, capaz de permitir à artista a descoberta de outras danças. MUDA também investiu em operações de insistência (analogia ao status de sobrevivência dos artistas da dança) e permanência, com pesquisas de movimentos na posição de cabeça para baixo (analogia ao plantio que se desdobra num processo de enraizar-se e, ao mesmo tempo, crescer buscan- do o céu). Alternativas de movências funcionaram como de- safios físicos: por exemplo, o manter-se em posições corpo- rais exigentes, com grande desgaste de energia e força. Tais momentos combinaram uma investigação acerca das pró- prias vivências que provocaram pausa e silêncio. Fatos que transformaram radicalmente a vida (como a morte inusitada de pessoas próximas) e enfraqueceram a própria voz. Nes- se sentido, buscamos “fisicalizar” processos experienciais e inesperados de conhecimento. O esgotamento foi enfrentado não apenas na paragem, mas também com deslocamentos velozes nas múltiplas dire- ções e nos planos que os espaços abertos permitem. Cada B A IL A R IN A E C O R E Ó G R A FA E R IK A R O S E N D O E M M U D A, D E JU S S A R A X AV IE R | FO TO : C LA U D IA B A A R TS C H 95 espaço investigado foi propositor de interferências e modifi- cações, copartícipe da dança MUDA. Espaços públicos são povoados por multiplicidades, habitados por construções, sonoridades, pessoas, ações, ati- tudes e vidas diversas. Territórios de encontros, experiências cinestésicas e dramaturgias móveis que compõem uma dan- ça/acontecimento. Nela, o corpo tende a se afastar de ca- tegorizações, de princípios compositivos e práticas técnicas universais. Ele busca empreender experimentações, deslocar códigos e referências usuais, inventar parâmetros e desesta- bilizar o já conhecido. Desabituar o corpo. Tensionar “seus possíveis”. Questionar saberes e fazeres. A escolha por dançar em espaços urbanos privilegia a aventura do conhecimento e a diferença como potencial instauradora de novas perspectivas. Um exercício de criação de sintaxes singulares, que deseja permanecer apenas em um estado aberto favorável à invenção e variabilidade. 96 REFERÊNCIAS ASSUMPÇÃO, Pablo. Da rua como coisa ativa: sua força linguísti- ca, mística e estética. In: Instituto Festival de Dança de Joinville e ROCHA, Thereza (org.). Deixa a rua me levar. Joinville: Nova Letra, 2015. Disponível em: https://festivaldedancadejoinville. com.br/wp-content/uploads/2022/06/VIII-Seminarios-de-Dan- ca-Deixa-a-rua-me-levar.pdf#page=25. Acesso em: 27 set. 2023. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes do fazer. Petrópolis: Vozes, 1999. GARROCHO, Luiz Carlos. Cartografias de uma improvisação física e experimental. 2007. Dissertação (Mestrado em Ar- tes) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007. LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. Tradução de Pedro Süssekind. São Paulo: Cosac Naify, 2007. LOUPPE, Laurence. Poética da Dança Contemporânea. Tra- dução de Rute Costa. Lisboa: Orfeu Negro, 2012. XAVIER, Jussara Janning. Acontecimentos de dança: cor- poreidades e teatralidades contemporâneas. 2012. 233f. Tese (Doutorado em Teatro) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2012. 97 E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E D A N Ç A E P E R FO R M A N C E M AT U TI N O | F O TO : G A L O P P ID O 98 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E D A N Ç A E P E R FO R M A N C E M AT U TI N O | F O TO : G A L O P P ID O 99 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E D A N Ç A E P E R FO R M A N C E M AT U TI N O | F O TO : G A L O P P ID O 100 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E D A N Ç A E P E R FO R M A N C E M AT U TI N O | F O TO : G A L O P P ID O 101 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E D A N Ç A E P E R FO R M A N C E M AT U TI N O | F O TO : G A L O P P ID O 102 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E D A N Ç A E P E R FO R M A N C E M AT U TI N O | F O TO : G A L O P P ID O 103 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E D A N Ç A E P E R FO R M A N C E M AT U TI N O | G A L O P P ID O 104 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E D A N Ç A E P E R FO R M A N C E M AT U TI N O | F O TO : G A L O P P ID O 105 E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E D A N Ç A E P E R FO R M A N C E M AT U TI N O | F O TO : G A L O P P ID O 106 E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E D A N Ç A E P E R FO R M A N C E M AT U TI N O | F O TO : G A L O P P ID O 108 “O ideal é que não exista inclusão, que todos tenham espaço para dançar e ser quem são, sem preconceitos e sem rótulos”. Esse é o sonho do brasileiro Henrique Amoedo, diretor ar- tístico da companhia portuguesa Dançando com a Diferença. Na década de 1990, ao lado de Edson Claro, ele foi um dos pioneiros a trabalhar com o método Dança-Educação Física e sua aplicabilidade e adaptações para o trabalho com pessoas com deficiência. Embora o ideal de Amoedo ainda esteja longe de ser realidade, a inclusão é um tema cada vez mais em pauta na sociedade e, no que se refere à dança, atualmente diversos gru- pos e companhias desenvolvem trabalhos nesse sentido. Des- taco aqui trabalhos como Dança sem Fronteiras (SP) e Pulsar Cia. de Dança (RJ). Os trabalhos já desenvolvidos por profissionais de dan- ça com pessoas com deficiência são uma rica fonte, tanto para os que iniciam o trabalho nessa área quanto para o comparti- lhamento de experiências entre os que já têm conhecimentos específicos. Neste texto, escolhi me aprofundar mais na histó- ria de Amoedo, pelo fato já destacado de ser ele um pioneiro no desenvolvimento da dança com pessoas com deficiência. Karla Dunder DANÇA SEM BARREIRAS 109 UM INTRUSO NA DANÇA Tendo como foco o trabalho com pessoas com deficiência, a companhia Dançando com a Diferença, com sede na Ilha da Madeira, Portugal, tem em seu repertório parcerias com nomes ilustres da dança contemporânea como La Ribot, Rui Horta e Clara Andermatt. Um trabalho sério e reconhecido internacionalmente, mas que nasceu de um confronto pessoal de seu diretor, o paulistano Henrique Amoedo. Dançar ou trabalhar com a dança nunca esteve nos seus planos, na verdade, era algo que não passava pela cabe- ça do jovem Henrique. As Artes Cênicas eram um universo distante do seu dia a dia. Aos 14 anos, começou a trabalhar como office boy em uma corretora de valores e a ideia era simples: aprender o ofício, seguir carreira no mercado financeiro, ter uma boa renda no fim do mês, uma vida estável e confortável. Como gostava deesportes, que praticou desde a infância, decidiu cursar a faculdade de Educação Física, na Faculdade Integradas de Guarulhos – FIG. A ideia era cursar uma gradua- ção por satisfação pessoal e seguir com o trabalho mais rentável. “Não tinha intenção de atuar na área, o objetivo era seguir com meu trabalho, até porque o que eu receberia como professor de educação física seria muito inferior ao que eu já ganhava”, diz. Fez a graduação focado em seu projeto de vida. Ia mui- to bem na parte prática, mas na fase final da licenciatura, as aulas de educação física adaptada o incomodavam. Nesses momentos, preferia a parte teórica. Sempre que podia, esca- pava das aulas práticas com pessoas com deficiência. “Não quero trabalhar nessa área”, pensava o então universitário que também não queria fazer aulas de dança. Mas a vida não segue scripts. Foi em uma aula com o professor Almir Teles da Silva, fora da faculdade, em uma instituição filantrópica em São Paulo, chamada Casas André Luiz, que tudo mudou. E foi um choque. Todos os estudantes estavam em uma quadra quando entraram duas bailarinas: Ieda Maria Maia acompanhada da jovem Meire Rodrigues, em sua cadeira de rodas. “Aquela cena me impactou. Chorei 110 muito. Foi um bombardeio a todos os meus preconceitos. Aquele momento me despiu. Cheguei a odiar meu professor por um tempo, por me fazer sentir tudo aquilo”, comenta. O impacto da cena e as lágrimas foram um divisor de águas na vida do jovem e um convite para fazer um estágio com a coreógrafa Ieda Maria. Os planos mudaram comple- tamente e a meta, agora, era aprender cada vez mais sobre essa nova área que se descortinava. MUDANÇA DE ROTA A busca por novos caminhos passou por aulas com Rosan- gela Bernabé, professora de educação física e fisioterapeuta. Em 1988, ela deu início ao desenvolvimento de um trabalho pioneiro no Brasil com os elementos da dança junto a pessoas com deficiência física e, pelo reconhecimento desse trabalho, foi uma das ganhadoras do Prêmio Claudia 2001. Rosangela foi diretora e criadora do Grupo Giro, que já representou o Brasil em festivais de Arte e Cultura, desde sua fundação até o encerramento das atividades em 2016. C O R E O G R A FI A B E A U TI FU L P E O P LE , D E R U I H O R TA , P A R A O D A N Ç A N D O C O M A D IF E R E N Ç A | F O TO : J Ú LI O S IL VA C A S TR O 111 O primeiro contato prático de Amoedo com dança veio por meio das aulas com Ana Terra, bailarina, coreógrafa e professora-doutora do Instituto de Artes. Depois, vieram as experiências de contato e improvisação com a Cia. Nova Dança, tradicional companhia de São Paulo para experimen- tação em dança contemporânea. Anos mais tarde, uma parceria importante foi com o renomado coreógrafo argentino Luis Arrieta, para a criação da coreografia Marnatal. Uma história que começa com a parceria com Edson Claro. Foi na especialização em psicofisiologia que Amoedo conheceu o método Dança-Educação Física, desenvolvido por Edson Claro na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Um método multidisciplinar e interdisciplinar, que passa por vivências teórico-práticas. Dança e educação fí- sica se completam e o bailarino tem uma consciência corporal melhor, abrindo novas possibilidades para o corpo que dança. O método tem como proposta desenvolver um trabalho cor- poral voltado para a integração do indivíduo como um todo. Ou seja, uma técnica educativa e formativa de base. O contato com esse método foi um verdadeiro salto na trajetória do futuro diretor artístico Henrique Amoedo. Sem pensar duas vezes, a convite de Edson Claro, ele se mudou para Natal (RN). A partir desse momento, a dança entrou definitivamente em sua vida. Foi na UFRN que ele vivenciou na prática a experiência de trabalhar com um grupo de dança e bailarinos. Em 1995, ao lado do parceiro e professor Edson Claro, nasceu na pós- -graduação lato sensu Consciência Corporal da universidade a Roda Viva Cia. de Dança, que inseriu no cenário da dança bailarinos com deficiência. “Nunca tive o objetivo de criar uma companhia de dança, eu queria auxiliar no processo de reabilitação das pessoas com deficiência, as coisas foram acontecendo”, recorda. Em um primeiro momento, as atividades eram desen- volvidas no Hospital Universitário para a aplicação do mé- todo, mas logo seguiram para o departamento de artes da UFRN. A Roda Viva Cia. de Dança, que teve trabalhos assi- 112 nados por Ivonice Satie, Henrique Rodovalho e Luiz Arrieta, além do atores Domingos Montagner e Fernando Sampaio, da La Mínima Cia. Em 1998, o grupo chegou a se apresentar no Semanas da Dança, no Centro Cultural São Paulo. “Nos anos de 1990, pouco se falava sobre inclusão, não tínhamos noção desse conceito. Queríamos apresentar o nos- so trabalho. Se o elevador estava quebrado, colocávamos as pessoas nas costas e íamos. Muitos bailarinos tinham de ir para a companhia de ônibus, que na época não tinha nenhum tipo de adaptação. Acho que essa é uma característica muito brasileira: tínhamos um objetivo que era apresentar a nossa dança. Superamos muitas barreiras. Também percebemos que estar em um lugar obrigou as instituições a se adaptarem”. Essa necessidade de adaptação foi vivida na própria universidade que era sede da Roda Viva Cia. de Dança. Não havia rampas de acesso para as pessoas cadeirantes no De- partamento de Artes, mas, diante da demanda, a instituição teve de providenciar as adaptações. “Claro que enfrentamos preconceito durante esse processo, muitas pessoas nos olha- vam com estranhamento, mas nosso alvo era claro: quería- mos desenvolver o nosso trabalho e ponto”. C O R E O G R A FI A Ô S S , D E M A R LE N E M O N TE IR O F R E IT A S , P A R A O D A N Ç A N D O C O M A D IF E R E N Ç A | F O TO : C A R LO S F E R N A N D E S 113 Como todo trabalho de pesquisa, o grupo enfrentou situações diversas, erros e acertos. Foi o caso de um acidente durante um dos ensaios, na tentativa de encontrar o me- lhor movimento. “Estava tentando fazer com que o bailari- no chegasse aonde eu considerava o ideal e naquele ‘só mais um pouquinho’, ouvi um estalo. Entrei em pânico, soube que havia quebrado um osso. Tomado pelo desespero, cha- mei uma ambulância e acompanhei todo o procedimento no hospital. Fiquei arrasado”. Aprender a entender cada corpo e os seus limites foi uma das maiores lições no trabalho da dança inclusiva. Como resultado, a companhia foi a primeira a atingir a profissiona- lização de pessoas com deficiência no Brasil. Vieram os convites para participações em eventos seg- mentados e não segmentados, na época termos pouco utili- zados. Em 1997, a Roda Viva Cia. de Dança, representou o Brasil no “I Festival Internacional de Dança em Cadeira de Rodas”, em Boston, nos Estados Unidos. UM CICLO SE FECHA PARA QUE UM NOVO VENHA Mesmo com a companhia chamando a atenção internacional, muito em função do cuidado e da dedicação de Henrique Amoedo, o ciclo de pesquisas em Natal chegou ao fim. Um ciclo se fecha para que um novo venha. Assim, ele voltou para São Paulo, mais especificamente para Diadema, cidade da região metropolitana da capital, para participar da criação da Cia. Mão na Roda, grupo ligado à Companhia de Dança de Diadema, recém-criada por Ivonice Satie, em 1999. A proposta da Mão na Roda era parecida com a Roda Viva Cia. de Dança: mostrar que deficiência não é um obs- táculo para a arte, ao contrário, a arte acolhe as diferenças. Foi uma passagem rápida a sua pela companhia e, em 2000, Luis Ferron assumiu a coordenação do projeto. O grupo participava de aulas de dança contemporânea enfatizando o autoconhecimento corporal, ritmo, noção es- pacial, criatividade, condicionamento físico, interpretação e 114 improvisação. Além da diversidade de corpos dançantes, a companhia estava presente em diferentes lugares como tea- tros, praças e parques e, emboratenha alcançado o reconhe- cimento por suas ações integrativas, em 2015, a Secretaria Municipal de Cultura decidiu encerrar o projeto. BYE, BYE, BRASIL A passagem por Diadema foi rápida. Era preciso conhecer mais sobre o processo de criação em dança. Aprofundar técnicas, lapidar saberes. Hora de cruzar o oceano, mudar para a Europa e cursar o mestrado na Faculdade de Mo- tricidade Humana na Universidade de Lisboa. Tempo de recomeçar do zero. “Não foi fácil desenvolver o meu trabalho em Portu- gal. Não havia nada parecido com o meu trabalho no país e nem abertura para dar início a um novo projeto”. Foram várias as tentativas para desenvolver projetos sem as portas se abrirem. Muitas conversas, mas sem nenhum re- sultado efetivo. Até que um dia, Iracity Cardoso, a frente do C O R E O G R A FI A D O E S D IC O N , D E T Â N IA C A R VA LH O , P A R A O D A N Ç A N D O C O M A D IF E R E N Ç A | F O TO : P A U LO P A C H E C O 115 Gulbenkian Ballet como diretora artística, indicou o colega brasileiro para participar de um evento sobre dança terapia que aconteceria no Espaço T, na cidade do Porto, ao norte do país. O Espaço T é um lugar de integração social, um local de acolhimento de grupos mais vulneráveis e inclusão. “Não era exatamente a minha área atuar com dança terapia, mas fui. Ali pude compartilhar toda a minha ex- periência com a dança e o método que trabalhei com as pessoas com deficiência – demonstrei como a arte é um caminho de inclusão”. O resultado veio rápido com um convite para dar workshops sobre dança e inclusão na Ilha da Madeira. “Um trabalho que me permitia apresentar as técnicas que aprendi a usar ao longo da minha trajetória, ao mesmo tempo em que me permitia continuar com o mestrado”. Os workshops tinham duração de uma semana. A pro- posta era trabalhar não só com pessoas com deficiência, mas também com aquelas sem, de maneira inclusiva, respeitan- do o tempo de cada um para o aprendizado. O trabalho foi ganhando corpo até chegar ao Dançando com a Diferença. Muito mais que uma companhia de dança inclusiva, a proposta do grupo está em entender cada corpo de maneira única, buscando extrair toda a potencialidade de cada um. O trabalho tem como base o método Dança-Educação Físi- ca, mas também traz elementos do contato-improvisação e dos princípios propostos por Laban. “O nosso trabalho começa muito antes das aulas. Tra- balho a independência de cada um. Saber se organizar para chegar no horário, saber arrumar uma mala, enfim, coisas que vão refletir na maturidade de cada um”. Trabalhar com as dificuldades de cada um durante as aulas e ensaios é uma maneira de desenvolver habilidades e ganhos funcionais para o dia a dia. Coreógrafos brasileiros aceitaram o convite para criar es- petáculos para a companhia, como Ivonice Satie e Edson Claro. Ao mesmo tempo que apresentava as coreografias e experiências na Ilha da Madeira, o diretor artístico busca- va novos desafios para a companhia. “Mais uma vez, pre- 116 cisei ser resiliente. Imagine um brasileiro gay, dirigindo uma companhia com pessoas com deficiência da Ilha da Madeira – tinha tudo para dar errado na visão conserva- dora da época”. Foram anos enviando convites aos coreógrafos portu- gueses para uma parceria. Após cinco anos de insistência, Clara Andermatt, um dos expoentes da dança contemporâ- nea portuguesa, aceitou o desafio e criou o belo espetáculo Levanta os Braços como Antenas para o Céu. Foi uma experiência radical para a companhia, que ti- rou todos da zona de conforto. Clara rompeu com todos os padrões coreográficos que os bailarinos estavam acostuma- dos. Nada de trios ou duetos. Sem as clássicas diagonais. O figurino: bermudas e camisetas, o que gerou uma negociação entre os bailarinos, pois nem todos queriam expor próteses, por exemplo. Aceitar o próprio corpo foi um passo importante. O público também foi confrontado com as diferenças. Levanta os Braços como Antenas para o Céu foi uma ruptura para a companhia e abriu portas para que outros coreógrafos pu- dessem criar. C O R E O G R A FI A D O E S D IC O N , D E T Â N IA C A R VA LH O , P A R A O D A N Ç A N D O C O M A D IF E R E N Ç A | F O TO : J O S É C A LD E IR A 117 Rui Horta assinou Beautiful People, um trabalho pro- fundo, que discute a inclusão seriamente. “Não se trata, pois, simplesmente, de aceitar a diferença, mas antes de lidar e conviver com as vontades que nos chegam do lado de lá do espelho”, explica. Um espetáculo contundente, que “não es- conde a deficiência, nem a embrulha em sentimentos de pie- dade. De certo modo, aquilo que o coreógrafo faz é tornar mais visível a brutalidade e a injustiça com que a sociedade trata a pessoa com deficiência”. UM SALTO PARA O MUNDO Com as coreografias de Clara Andermatt e Rui Horta, a Dan- çando com a Diferença começou a conquistar Portugal e o mundo. Mais recentemente foi a companhia em destaque no GUIdance, um importante festival de dança contempo- rânea na cidade de Guimarães, em Portugal. Talvez um dos momentos mais emblemáticos da história da companhia seja a participação da coreógrafa espanhola La Ribot, em 2018. “Eu sempre admirei o tra- balho da La Ribot e foi uma troca muito bonita. Ela foi a primeira coreógrafa a trabalhar com a companhia sem falar português. Havia uma preocupação inicial de que alguns bailarinos com deficiência intelectual não com- preendessem o que era dito, mas a linguagem corporal rompe todas as barreiras. Desse encontro nasceu Happy Island, um espetáculo que alçou a companhia para o ce- nário internacional”. A própria La Ribot definiu seu trabalho da seguinte maneira: Imagine um território isolado do mundo, com regras próprias, onde a diferença é o elemento que os une e que define a maneira como eles vivem juntos como uma comunidade. Neste lugar, a constituição do que nos define como pessoas está sendo protegida de julg mentos baseados na comparação (La Ribot, 2018, s.p., tradução nossa). 118 Um trabalho bem ao estilo de La Ribot, sem conces- sões. Além da coreografia assinada pela espanhola, o espetá- culo contou com um filme de Raquel Freire com assistência coreográfica de Telmo Ferreira. Com Happy Island, a companhia circulou pela Europa e fez apresentações pelo Brasil. Roteiros que exigem planeja- mento, uma vez que a companhia exige atenção às necessida- des de cada indivíduo. “Hoje, nosso maior desafio é não deixar que essa máquina nos engula. Podemos ficar um tempo fora em turnê, mas vamos manter a companhia por aqui, para que as apresentações sejam prazerosas e não um motivo de stress”. Pouco antes da pandemia, a convidada foi Marlene Monteiro Freitas para criar ÔSS. “Não pude acompanhar o processo de criação. Foi um trabalho dela com a com- panhia, não podia ficar na sala. Para mim, o resultado foi ainda mais emocionante”. Atualmente, o grupo trabalha com Tânia Carvalho, a multiartista portuguesa que criou DOESDICON (Escondi- do), com um elenco mais improvável na visão do diretor. “Ela analisou cada um, acompanhou aulas e ensaios. Como quase todos os coreógrafos, queria trabalhar com todos, o C O R E O G R A FI A LE VA N TA O S B R A Ç O S C O M O A N TE N A S P A R A O C É U , D E C LA R A A N D E R M AT T, P A R A O D A N Ç A N D O C O M A D IF E R E N Ç A | F O TO : J Ú LI O S IL VA C A S TR O 119 que não é possível. Então, escolheu os mais jovens e o resul- tado é lindo”. Assim, a Dançando com a Diferença tem atraído a crí- tica especializada, com um olhar sem condescendência sobre esses corpos diferentes. “Mostramos que a dança inclusiva tem o seu lugar no cenário cultural – uma mudança na His- tória da Dança”. 120 REFERÊNCIAS AMOEDO, Henrique. Entrevista [27.06.2023]. Entrevistadora: Karla Dunder. Remota (120 min.). São Paulo, SP, Brasil – Ilha da Madeira, 2023. LA RIBOT,María. Happy Island. Disponível em: https://www. laribot.com/mobile/work/60. Acesso em: jul. 2023. 122 No início de 2023, um breve levantamento realizado com es- tudantes de licenciatura em dança do Centro-Oeste32 brasilei- ro buscou revelar o que os motivou a iniciar a carreira como professores nesta área e onde se deram seus primeiros contatos com a dança. Foram elencados espaços como: em casa, rua, festas familiares, bailes blacks, escola regular, escola e acade- mia de dança, igreja e demais espaços litúrgicos, internet e televisão, clipes musicais, espaços culturais, feiras e terreiros diversos (quintais e áreas afins) etc. Essa breve cartografia, realizada como exercício em sala de aula, demonstrou que ao menos 50% desses estu- dantes se iniciaram em artes corporais oriundas das mais diversas danças afrodiaspóricas e tradicionais-populares brasileiras (quadrilha junina, danças de salão, danças da cultura hip hop, dentre outras). Toda essa diversidade de estilos e espaços possíveis para as movências gestuais, nos quais muitas e muitos de nós temos um primeiro contato com essa linguagem, seja de maneira mais sistematizada ou não, pode nos conduzir ao processo de formação nas artes e de profissionalização na área, bem como parece também nos contar o porquê de uma suposta vocação imanente em 32 Levantamento realizado com 35 estudantes do primeiro semestre do curso de Licenciatura em Dança do Instituto Federal de Brasília, componente Práticas Integradoras I, ministrada pela autora ao longo do primeiro semestre de 2023. Para saber mais sobre, acesse https://www.ifb.edu. br/estude-no-ifb/62-estude- no-ifb/academico/1725- licenciatura-em-danca e https://www.ifb. edu.br/attachments/ article/22990/01PPC%20 LiDan%20-%202019%20 versa%20corrigida.pdf . Acesso em: 23 jul. 2023. Franciane Kanzelumuka Salgado de Paula SABERES-FAZERES EM DANÇA FIRMADOS NOS PONTOS RISCADOS DO LEGADO AFRICANO-BRASILEIRO 123 nosso habitus sociocultural da presença viva da “cultura do corpo”, “da dança” e “coreográfica” (Navas, 2017). Em nossas experiências, o corpo é território que se faz texto primordial para a criação do movimento, gesto e ação. Ele é reflexo das relações e atravessamentos socioculturais presentes nos contextos em que habitamos, nos inserimos e transitamos. A este respeito, a professora e pesquisadora Cássia Navas (2017) define separadamente cada categoria de “cultura” acima men- cionada, nos fazendo identificar e perceber as particularidades que existem no fazer gestual abarcado por cada uma delas. É importante ressaltar que não há valorações hierárquicas entre as três categorias e que elas podem nos ajudar ou possibilitar que criemos delimitações entre estilos de danças, mesmo que elas se borrem, tencionem ou se cruzem; entre locais, territorialidades e as intenções do que levam o surgimento delas. A autora parte do pressuposto de que existem formas específicas de mover-se e tais formas são orientadas por as- pectos idiossincráticos, ligados às “maneiras cotidianas de estar em movimento (ou em pausa), em redes onde se entre- laçam ações, atitudes, comportamentos corporais, estabele- cem-se dinâmicas de como o corpo se coloca em sociedade” (Navas, 2017, p. 28). E esse sotaque, “jeito de corpo”, diria respeito ao que a autora compreende por “cultura corporal”. Já a “cultura da dança” abrigaria dois eixos de manifes- tações em dança: um ligado às danças de tradições rurais, de devoção, por vezes presentes no tecido urbano, organizadas dentro do panorama de danças da cultura tradicional-po- pular; e outro, chamado pela autora de “internacional-po- pular”, que abrange as danças da cultura hip hop, danças sociais, o funk, o vogue, compartilhadas em âmbito global devido à indústria cultural e às redes sociais. Na categoria de “cultura coreográfica”, a autora reúne todas as obras cujo “objetivo precípuo é o de comunicar/representar/apresentar a experiência humana a partir da construção da dança en- quanto arte, difundida em teatros ou espaços que se tornam cênicos por propostas de sua transformação em settings da arte” (Navas, 2017, p. 26-27). 124 A esses processos de categorizações, é pertinente tam- bém trazermos o dado de que, historicamente, a narrativa da dança no Brasil nos conta que a primeira escola para a for- mação na área no país foi criada no Rio de Janeiro, no ano de 1927, pela bailarina russa Maria Olenewa33. Escola que estabeleceria um processo de formação dentro da “cultura coreográfica”, uma vez que ao longo de quase um século de existência manteve-se ligada por décadas (de forma intermi- tente) ao Theatro Municipal do Rio de Janeiro e deu origem ao corpo de baile deste. Ela é considerada o marco histórico para a formação profissional da(o) artista da dança, mais precisamente do balé, por inaugurar, segundo o pesquisador Roberto Pe- reira (2003, p. 91), “a construção de uma história, de uma tradição de dança, sistematizada, no país”, fomentando uma “continuidade de formação de dança que pudesse de- senvolver-se em solos brasileiros, resultando, mais tarde, em companhias profissionais de dança, coreógrafos, bai- larinos, professores, e, também, em um público que se tornava cada vez mais habituado a assistir à balés” (Idem, 2003, p. 91-92). 33 Maria Olenewa (1886 – 1965), bailarina russa que se estabeleceu no Brasil em 1927. Para conhecer um pouco mais de sua história, acesse http://theatromunicipal. rj.gov.br/eedmo/ . Acesso em: 23 jul. 2023. E S TU D A N TE S D O C U R S O D E E X TE N S Ã O C U LT U R A L | F O TO : I A R I D AV IE S 125 Quase 100 anos após a criação da escola, faz-se impres- cindível revisarmos as bibliografias ainda utilizadas para o ensino da história da dança, da dança-educação e das plura- lidades étnico-culturais sobre o ensino e a aprendizagem em dança no Brasil, tanto no que diz respeito à profissionaliza- ção de artistas da dança quanto a de artistas-educadores. É preciso fazer o exercício de rever tais narrativas a contrapelo da história. Afinal, desde muito antes do início do século XX, a dança se faz encarnada neste território não somente na presença dos povos originários e das populações africanas que para cá foram trazidas, mas também por meio da colonização portuguesa, que se utilizou de manifestações cênicas nos processos da violência colonial para a conversão da população originária e africana. Além disso, é fundamental desvelarmos como se tem estabelecido processos pedagógicos relacionados à dança cêni- ca em um espectro além dos sempre mencionados eixos Rio de Janeiro-São Paulo-Minas Gerais. Por que não nos indagar sobre como documentar e apresentar histórias e experiências de danças que estão além das narrativas burguesas e elitistas deste projeto de nação – ainda colonial – que segue apagando, marginalizando e exotizando, sob a égide do folclore, culturas balizares para o que compreendemos como cultura brasilei- ra, mesmo com mudanças na legislação educacional do país, como as estabelecidas pelas Leis 10.639/0334 e 11.645/0835? Nossa assunção estética de que herdamos jeitos de cor- pos africanizados, africano-brasileiros, afrodiaspóricos36, sin- copados num jogo entre o que foi estabelecido e reconheci- do como “arte pela arte” e o que foi considerado como sendo do povo, arcaico-tradicional, naif, revela a cada dia que a discussão “arte erudita” versus “arte popular” não dá con- ta de compreender as perspectivas educacionais, estéticas e poéticas quando tratamos das danças afrodiaspóricas, sejam as do campo da “cultura da dança”, sejam as que podem ser situadas no que é considerado “cultura coreográfica”. Afinal, trânsitos artístico-culturais entre fazeres-saberes afrodiaspó- ricos e fazeres-saberes euro-ocidentais seguem em tensiona- mentos há séculos. 34 A presente lei estabeleceu as diretrizes e bases na educação nacional para a inclusão no currículo oficial da rede básica deensino a obrigatoriedade da história e cultura afro-brasileira e africana, alterando a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Para mais detalhes e informações sobre a Lei 10.639/03, acesse https:// www.planalto.gov.br/ ccivil03/leis/2003/l10.639. htm . Acesso em: 23 julho 2023. 35 A referida lei alterou a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e modificou a Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, estabelecendo como diretrizes e bases da educação nacional, a inclusão no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Além disso, enfatiza que tais conteúdos devam estar presentes em áreas de educação artística (todas as linguagens) e histórias brasileiras. Para mais detalhes e informações sobre a Lei 11.645/08, acesse https://www.planalto. gov.br/ccivil03/ato2007- 2010/2008/lei/l11645.htm . Acesso em: 23 jul. 2023. 36 Muitas são as nomenclaturas para nos referirmos ao legado de origem negro-africana que se originou no processo de escravização da população africana ao longo dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX. 126 Da mesma forma que o professor e pesquisador Muniz Sodré (2002) identificou que alguns processos simbólicos mu- sicais, como o samba, choro e jazz, se deram no interior do universo branco, onde o sujeito negro confrontou tradições artísticas diferentes, o mesmo também ocorreu na dança que compreendemos como dança cênica/teatral afro-brasileira. Nessas teias dos saberes artístico-culturais entre sujei- tos negros e brancos, cito a Dança Afro criada por Mercedes Baptista37, que instaurou no Brasil a partir dos anos de 1950, um legado artístico fundamentado nas culturas afro-brasilei- ras, estabelecendo o jogo entre tradição e contemporaneida- de, entre gestos/atos da tradição africano-brasileira de origem banto e iorubá e acontecimentos cênicos ocidentalizados. O legado inaugurado por Dona Mercedes, assim como todos os outros sempre lembrados, originados no estado da Bahia nos anos de 1970 – ligados aos movimentos organi- zados da população negra, assim como a chegada de Clyde Morgan38 na Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia (Silva, 2010) –, seguem influenciando, até os tempos atuais, gerações de profissionais da dança, em especial profis- sionais negras e negros, que vem desenvolvendo perspectivas 37 Mercedes Baptista (1921-2014), natural de Campos dos Goytacazes (RJ), foi coreógrafa e bailarina. Primeira bailarina negra do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, é considerada a criadora de uma dança moderna brasileira, segundo a pesquisadora Marianna Monteiro (2011) por fundar na década de 1950 o Ballet Folclórico Mercedes Baptista, propondo uma dança teatral alicerçada pelas culturas negras brasileiras e friccionada pela dança moderna estadunidense e o balé clássico. 38 Clyde Alafiju Morgan (1940) é professor, pesquisador, dançarino e coreógrafo, atuou como docente no primeiro curso superior de Dança brasileiro – a Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia (UFBA) – entre 1971 e 1978, além de dirigir o Grupo de Dança Contemporânea (GDC) da escola. E S TU D A N TE S D O C U R S O D E E X TE N S Ã O C U LT U R A L | F O TO : I A R I D AV IE S 127 múltiplas de poéticas referentes à Dança Afro e demais dan- ças afrodiaspóricas ou danças negras. Para que possamos dimensionar os movimentos pe- dagógicos relacionados às aprendizagens de tais danças, to- maremos como referências as experiências de dois artistas da dança atuantes no Centro-Oeste brasileiro: Juliana Jardel39 e Júlio César40. Suas narrativas orais fomentam caminhos para a compreensão tanto das histórias das danças negras no Bra- sil como de procedimentos pedagógicos de transmissão dos saberes-fazeres africano-brasileiros do movimento, pois suas formações se encontram no chão de aprendizagem das cul- turas negras. Foi numa sexta-feira fria, mas ensolarada, dia que em respeito a “Oxalá, Lemba, Lissá, mãe, pai, avô, avó, pulsão de criação e palavra, silêncio ante o que não se dança ou ante a festa extrovertida do incompreensível”41 vestimos branco, que se deu o meu encontro com a artista da dança, profes- sora e pesquisadora Juliana Jardel e com o artista da dança, terapeuta corporal e professor Júlio César. Assim, a narrativa a seguir foi elaborada a partir das entrevistas realizadas com ambos, procurando evidenciar a presença da dança em suas vidas e os caminhos percorridos com relação aos processos pedagógicos vivenciados e desen- volvidos por eles. Por meio de suas memórias e de suas ge- nealogias de formação artística, foi possível traçar um amplo espectro dos locais em que se deram suas relações de ensino e aprendizagens em dança, em especial das danças negras, afrodiaspóricas. As experiências de vida e o modo como am- bos os artistas tiveram sua iniciação na dança se aproximam: em casa, em vivências comunitárias, em escolas de samba, no jazz dance, na dança contemporânea e balé, que expe- rienciaram em academias de dança. As escolas de samba, compreendidas como quilombos urbanos e espaços de aprendizagens de múltiplas linguagens de conhecimento, são espaços onde se presentificam as ela- borações das experiências negras, na materialização da trans- disciplinaridade das mais diversas linguagens artísticas. As escolas de samba se configuram como espaços de formação 39 Juliana Jardel é o nome artístico, em homenagem a seu irmão (in memoriam), de Juliana de Oliveira Ferreira (Goiânia [GO], 1977). Criadora, coreógrafa e intérprete do Grupo Corpo Suspeito. Licenciada em Dança, mestra em Performances Culturais (bolsa FAPEG) e doutoranda em Antropologia Social, todas formações pela Universidade Federal de Goiás – UFG. É integrante do LaGENTE – Laboratório de Estudos de Gênero, Étnico-raciais e Especialidades (UFG). 40 Júlio César é o nome artístico de Júlio César Pereira (São Paulo [SP], 1962). Arte-educador, coreógrafo, bailarino, músico e terapeuta corporal. Fundador e diretor artístico da Companhia Experimental de Dança Negra Contemporânea Mário Gusmão (CEDANCOMG), criada em 2007 em Brasília (DF). 41 Fragmento de Oxalá um Dia, de Tiganá Santana (2020). 128 libertária através da festa e da ludicidade. No entanto, é sem- pre importante lembrarmos que tais experiências são plurais, múltiplas e diversas, afinal “a experiência negra é ambígua, pois não há um preto, há pretos” (Fanon, 2008, p. 123). Ao contarem suas histórias sobre como adentraram à área do saber em dança, como se deram suas formações, as narrativas trazidas estão imbricadas pelas relações comunitá- rias negras. Então, inicio a entrevista de ambos perguntando onde se deu sua iniciação na dança: Antes eu sempre dizia dos lugares, das academias que passei. Mas hoje, eu faço uma outra retrospectiva. Res- pondo essa pergunta de outra forma. Venho de uma família muito dançante, em que minhas tias se reu- niam para arrumar os cabelos umas das outras. Uma família grande, que se reunia aos finais de semana para arrumar seus cabelos, limpar a casa e dançar. Foi com minha família que aprendi a dançar bolero, subindo no pé do meu avô, foi na minha família que aprendi a sambar, foi na minha família que eu aprendi o que é a potência de fazer parte dessa diáspora negro-africa- na. Meu tio, que já retornou para a massa de origem, E S TU D A N TE S D O C U R S O D E E X TE N S Ã O C U LT U R A L | F O TO : I A R I D AV IE S 129 tio Virgílio, fazia as fantasias de uma escola de samba daqui de Goiânia, a Brasil Mulato, e minha família sempre estava nessa escola, nós tínhamos a ala da nos- sa família. Então, se tem um lugar mais formal que comecei a dançar e entender que queria ser artista, foi na escola de samba, neste lugar de muita parceria, de muito cuidado. Aos oito, nove anos, comecei a fazer jazz na escola em que estudava, em Aparecida de Goi- ânia,pois fui criança na década de 1980, o auge do jazz dance. Passava muito filme musical, onde apareciam vários corpos negros e, na minha cabeça, eu tinha que me mudar para os Estados Unidos para ser bailarina, porque próximo a mim não tinha bailarinos. Muito cedo entendi que queria ser artista. Comecei a fazer jazz na escola com a professora Constância, que por sorte era uma mulher negra, maranhense. Nessa épo- ca, tinha o show do Juquinha no Teatro Goiânia. Acho que fui uma vez assistir e da outra vez já fui competir. Depois meu irmão, meu primo e eu começamos a via- jar em uma caravana com ele [Juquinha], em que imi- távamos a Banda Reflexus. Foi um momento muito bacana, porque as letras da banda falavam, tratavam de África. Acho que foi um dos momentos em que nós começamos a questionar de uma forma mais precisa o que era o continente africano, porque as letras traziam isso com riqueza de potência, sem se tratar o continen- te como lugar da escravidão (Juliana Jardel, fragmento de entrevista concedida à autora, julho/2023). Percebam como as experiências de Juliana Jardel e Jú- lio César se aproximam, há semelhanças em suas respostas: Eu iniciei com uma idade já avançada para a dança, apesar de ser de família de artistas. Meu bisavô, em São Paulo, era o Dionísio Barbosa, fundador da escola de samba que se tornou a Camisa Verde e Branco. Na época dele era o Cordão Verde e Branco, depois passou para o meu tio Inocêncio, depois para o meu primo Tobias e, agora, está nas mãos da minha prima Valéria. Eu cresci neste ambiente artístico. Tinha muito baile 130 também em casa ou próximo de casa, a gente sempre participava. Então, para mim, era muito normal es- tar no movimento da dança. A gente aprendeu a se manifestar na dança, principalmente com a cultura do samba-rock, que era muito presente nas casas, o fox, que meus pais dançavam. Isso foi me trazendo uma leitura corporal e da dança: o que naquela dança mexia em mim. Desde criança eu gostava desse lado artístico. Devia ter mais ou menos uns quatro anos quando abri uma revista com imagem de pessoas dançando, mos- trei para meu pai e falei: “é isso que eu quero fazer!”. Lembro também que em minha primeira aula no pré- -primário, tinha uma turma fazendo uma apresenta- ção de teatro. Isso também mexeu muito comigo, me encheu os olhos e eu falei: “é isso que eu quero fazer!”. Então, desde criança eu trago isso muito presente co- migo (Júlio César, fragmento de entrevista concedida à autora, julho/2023). Através de suas histórias orais, podemos identificar e traçar toda uma cartografia dos locais por onde a dança pode se originar, pulsar e, também, as genealogias de pessoas fa- E S TU D A N TE S D O C U R S O D E E X TE N S Ã O C U LT U R A L | F O TO : I A R I D AV IE S 131 zedoras da dança, pessoas que num circuito denominado de “artes cênicas” ou de “dança profissional”, não são lembradas como construtoras desse labor. Júlio César iniciou seu processo de formação em dan- ça aos 21 anos com Firmino dos Reis, professor de afro- -jazz, numa academia de ginástica em São Mateus, Zona Leste de São Paulo (SP), no final dos anos de 1980. Forma- ção esta que se dá praticamente junto a sua iniciação como arte-educador, quando começa a fazer uma série de cursos de profissionalização para arte-educação pela Secretaria do Menor de São Paulo. Paralelamente a isso, ele seguiu fazendo muitas aulas de dança e tendo encontros com grupos afros paulistas de dança e música, como a Bandalá, que ensaiava na Escola de Samba Unidos do Peruche. Nesse espaço dedicado ao sam- ba, ele conhece seu primeiro professor de dança afro, Mar- celo M’Dambi (in memorian), que fazia parte da Bandalá e foi professor de toda uma geração de artistas paulistas das danças negras. Nesse mesmo período, por volta dos anos de 1987/1988, ele conhece o bailarino e professor Firmino Pi- tanga, que além de M’Dambi, é outro artista-educador de referência para as danças negras paulistanas, formando mui- tas gerações de artistas da dança e do teatro em São Paulo desde sua chegada lá, em 1985. Além de fazer aulas de dança negra contemporânea com Firmino Pitanga, Júlio César passa a integrar a sua Cia. Batá Kotô, como dançarino e músico, seguindo no grupo, de forma intermitente, até meados de 1995. Outros professores de danças negras com linhas distintas de tra- balho também formaram Júlio, como Macalé dos Santos, que ministrava oficinas no Sesc Carmo, e Wilson Santos, que dava aulas de afro-jazz, dentre outros, incluindo pro- fessoras e professores que ministravam aulas em torno do estudo do movimento mais eurorreferenciado (trabalho de Rudolf Laban, o contato-improvisação) e artes corporais asiáticas, como o Kempô indiano. No entanto, para Júlio César ter sido aluno e integran- te da companhia de dança dirigida por Firmino Pitanga foi 132 um divisor de águas que lhe possibilitou compreender toda a multiplicidade presente nas danças negras: Ele [Pitanga] foi abrindo a cabeça dessa nossa geração de 1980. O pessoal da dança que conheceu o Firmino Pitanga começou a ver a dança afro com outras pos- sibilidades, saindo do viés da dança dos orixás e indo para uma linha mais contemporânea, abraçando o clássico ou o contemporâneo, sem perder a perspectiva e as características da dança afro e da dança negra con- temporânea. Isto foi bem interessante para mim e é o que venho desenvolvendo até então (Júlio César, frag- mento de entrevista concedida à autora, julho/2023). A história de como se deu a formação em danças ne- gras de Júlio César evoca toda uma história da dança de São Paulo que ainda não foi investigada de forma sistematizada e tão pouco documentada adequadamente. Ainda é incipien- te a feitura dessa arqueologia, mas podemos encontrar nos repositórios de universidades públicas, como a Universida- de Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), um conjunto interessante de pesquisas realizadas nos últimos 10 anos que visibiliza as muitas formas de acontecimentos e E S TU D A N TE S D O C U R S O D E E X TE N S Ã O C U LT U R A L | F O TO : I A R I D AV IE S 133 manifestações das danças negras em alguns estados do país, como Minas Gerais e São Paulo. Como arte-educador, Júlio César iniciou dando aulas no Sesc Carmo, ainda no final dos anos de 1980 e início de 1990, substituindo Marcelo M’Dambi ocasionalmente. Ao longo dos anos de 1990, ele pode ministrar aulas também pela Secretaria do Menor e pela Secretaria de Cultura de São Bernardo do Campo e Santo André, além de atuar em aca- demias de dança. Ele faz ainda uma interessante reflexão de como foi amadurecendo e encontrando sua especificidade em dar aulas: De vez em quando eu substituía meu professor, o Mar- celo M’Dambi, e, a partir daí, fui criando segurança no que estava aprendendo. No princípio, você é um reprodutor daquilo que aprende, mas à medida que fui amadurecendo, meu estilo foi se modificando, fui colocando aquela pitada especial, o meu jeito de dar aulas. Isso fez com que minha forma de trabalhar ga- nhasse outra escala, outro olhar. Gosto muito do estilo do Pitanga de trabalhar, a forma como ele passa a mo- vimentação, a didática, acho muito rica. Quando ele trabalha um contexto dos orixás, por exemplo, nem sempre coloca a dança dos orixás, mas utiliza a energia [deles] (Júlio César, fragmento de entrevista concedida à autora, julho/2023). Além de todo esse percurso, Júlio também traz um repertório ligado às manifestações tradicionais-populares brasileiras, pois integrou o grupo Abaçaí – Cultura e Arte, fundado por Toninho Macedo. Dessa forma, foi elaborando sua formação e seu modo de dar aulas de dança negra con- temporânea nessa encruzilhada de fazeres-saberes. Há 27 anos residindo em Brasília, ele vem desenvolven- do seu trabalho em dança-arte-educação em projetos sociais, como o Projeto Candanguinho, além disso, ministrou aulas de dança na FaculdadeDulcina de Moraes e em projetos de extensão realizados pela Universidade de Brasília – UnB. Em confluência com artistas-professores-pesquisadores, como o franco-senegalês Patrick Acogny, Júlio tem buscado desen- 134 volver também um trabalho cênico de dança negra contem- porânea, chegando a fundar, em 2007, a Companhia Expe- rimental de Dança Negra Contemporânea Mário Gusmão – CEDANCOMG: Eu nomeio meu trabalho como “dança negra contem- porânea”. Dança negra porque é a dança de expressão que se remete à dança de matriz africana. Contem- porânea, porque tem outras linguagens da dança que influenciam a dança negra, mas sem perder a caracte- rística da dança afro, e também porque a dança afro está sendo o tempo inteiro construída. Não tem uma forma só de você trabalhar o afro, você trabalha de- pendendo daquilo que encontra pelo caminho, que é essa diáspora toda de movimentos que a gente tem daqui do Brasil e da África, da dança congolesa, da dança Guiné-Conacri, enfim, dos ritmos das danças populares de matriz africana. Tudo isso contribui para a dança negra contemporânea (Júlio César, fragmento de entrevista concedida à autora, julho/2023). Nos últimos três anos, Júlio César oferece aulas livres de Dança Negra Contemporânea para um público de pes- E S TU D A N TE S D O C U R S O D E E X TE N S Ã O C U LT U R A L | F O TO : I A R I D AV IE S 135 soas adultas no Centro de Dança do Distrito Federal, um equipamento público, gerido pelo Governo da capital do país, de grande relevância para a classe da dança de Brasília. A presença de Júlio César no Centro de Dança e no Dis- trito Federal tem contribuído para a difusão do fazer-saber em danças afrodiaspóricas em parte do Centro-Oeste. Além disso, ele é referência para toda uma geração de artistas e ar- tistas-educadores do Distrito Federal e do entorno, quando se trata de danças negras. Artistas de gerações distintas e habitantes de territórios geográficos que se aproximam, Juliana Jardel e Júlio César são contemporâneos em seus fazeres em danças afrodiaspó- ricas. Retornemos à história de Juliana. Durante um interstício da infância para a adolescên- cia, ela parou de dançar de forma sistematizada, formal. Seu reencontro com a arte do movimento foi por meio do jazz, aos 16 anos, nas aulas de um professor negro chamado Sér- gio (in memoriam) e de aulas de dança contemporânea, na Escola de Arte Veiga Valle, em Goiânia (GO). Porém, em razão das dificuldades financeiras familiares, ela novamente precisou parar de dançar, retornando e escolhendo a dança definitivamente como profissão aos 26 anos. Nesse período, voltou às aulas na mesma escola de arte e integrou o Nôma- des Grupo de Dança, dirigido por Cristiane Santos. Para além da dança, a capoeira também se fez presente em sua vida. Seu pai foi capoeirista e ela conta que treinou capoeira regional por muitos anos no grupo Bimba Meu Mestre, com Mestre Onça e Marcão Tatu, no grupo Abadá, e depois com Charme e Mestre Suíno, no grupo Candeias. Nutrindo-se no prato onde a capoeira e o samba comem, é importante referenciar toda a vivência dessa artista em uma comunidade de matriz africana, pois ela é candomblecista. E, assim, sua comunidade-terreiro também se faz como um importante espaço de ensino-aprendizagem para a dança. A formação de Juliana no âmbito do ensino formal superior se deu na licenciatura em dança da Universidade Federal de Goiás – UFG, onde realizou uma pesquisa de ini- ciação científica sobre Maya Angelou e Ismael Ivo. Ela tam- 136 bém foi convidada a dar aulas em um projeto de extensão orientado pela artista, pesquisadora e docente Renata Zabe- lê (Kabilaewatala) de Afro-Brasilidades. Juliana Jardel reco- nhece que seu percurso na dança é elaborado no cruzo de saberes-fazeres distintos e afirma que: De lá pra cá eu venho fazendo essa dança, essa escrita que vai misturando tudo. E é bom misturar também, porque nos leva para esse modelo que vivemos dentro do Axé [candomblé], em que as coisas não se separam. Cada dia isto fica mais claro! Tenho aplicado esse mode- lo aqui, no meu cotidiano e tem dado certo para mim, acho que para outros também (Juliana Jardel, fragmen- to de entrevista concedida à autora, julho/2023). Como professora, atuou em academias de dança, ONGs, projetos sociais e escolas de educação infantil, onde pôde desenvolver um trabalho de consciência corporal com bebês e trabalhar relações étnico-raciais, realizando ações de dança-educação inspirada pelas danças dos orixás. Entretanto, foi ministrando aulas no curso de extensão na Universidade Federal de Goiás – UFG, que Juliana come- çou a aplicar, desenvolver e trabalhar, especificamente, com E S TU D A N TE S D O C U R S O D E E X TE N S Ã O C U LT U R A L | F O TO : I A R I D AV IE S 137 as danças dos orixás. Por conta disso, a terminologia utili- zada por ela é “dança afro-brasileira”. Ela acredita que essa terminologia é apenas um modo de mostrar as possibilida- des da diáspora africana através da dança. Ao longo de toda sua trajetória e experiência pedagógica, ela foi mesclando as danças dos orixás com outras referências de seu repertório gestual e, assim, elaborando um método, por ela denomina- do, de “Movimentos Atlânticos”. Juliana, que nos últimos três anos tem atuado como docente na licenciatura em Dança do Instituto Federal de Goiás, na cidade de Aparecida de Goiânia (GO), comparti- lha sua experiência na formação de docentes para a área da dança, com relação a como tem se dado nessa instituição a implementação da Lei 10.639/03: No Instituto Federal de Goiás (IFG) em Aparecida de Goiânia tem professores comprometidos com a Lei e com a discussão étnico-racial. Lá, estamos montando o NEABI (Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas) e temos feito um bom trabalho. O melhor é que foi até uma necessidade, a coordenação me procurou e me deu algumas disciplinas relacionadas a questões étnico-ra- ciais, porque a preocupação deles era ter uma disciplina sobre a Lei 10.639 e não saber aplicar na escola: “como vou montar uma dança e não ser racista ou reproduzir o racismo?”. Peguei também uma disciplina de estudo de caso de espetáculos e só trabalhei espetáculos de artistas atuantes negros, com corpos negros em cena, para os estudantes entenderem o que devem e não devem tra- balhar na escola. Os alunos falaram: “sua disciplina nos deu suporte no estágio”. Acredito que os alunos chega- rão ao final do curso mais preparados e perderão o medo [de tratar do assunto]. Eu falo para eles: “vocês têm que errar aqui, porque lá fora, na escola, é mais complica- do”. Mas vejo ainda uma resistência, um medo muito grande, principalmente quando veem uma professora negra. Mas eu digo: “falem, que se for ofensivo, se for racista, eu vou dizer” (Juliana Jardel, fragmento de en- trevista concedida à autora, julho/2023). 138 Passados 20 anos da criação e do processo de imple- mentação da Lei 10.639/03, Júlio César compartilha um pouco de suas observações com relação aos impactos dela no desenvolvimento de seus trabalhos no campo da dança- -educação não formal. Para ele, “há um preconceito muito grande, às vezes da própria direção ou das pessoas que estão ali e não colaboram, não se abriram para a lei” (Júlio César, fragmento de entrevista concedida à autora, julho/2023). Juliana reconhece que há dificuldades com relação ao entendimento e cumprimento da lei. Para ela, a escola que decide inserir os conteúdos presentes na lei só o faz porque é lei, e não por compreender a importância de re- paração histórica em relação ao processo de apagamento e invisibilidade etnocultural e das pluralidades identitárias da população brasileira. Ela observa também que, ainda, é somente no mês de novembro que artistas negras e negros são lembrados e convidados para realizarem ações artís- ticas, culturais e educacionais, muitas vezes, sem receber cachê. E que espaços educacionaistambém só vão se lem- brar da Lei 10.639/03 nesse mês da Consciência Negra e, muitas vezes, direcionar a responsabilidade em trabalhar E S TU D A N TE S D O C U R S O D E E X TE N S Ã O C U LT U R A L | F O TO : J O Ã O A N S E LM O 139 com conteúdos sobre africanidades para professores ne- gros e negras. Juliana Jardel e Júlio César reconhecem que ainda há de- safios pelo caminho, desafios estes impostos pelo racismo, e que há muito o que ser transformado para que as danças negras, afrodiaspóricas sejam devidamente reconhecidas e valoradas. Para Júlio, quando se está trabalhando com dança negra contemporânea ou com dança afro em projetos sociais em re- giões periféricas, por exemplo, a dificuldade ainda é mostrar que a dança afro é arte e não religião. Ele conta que o racismo religioso se faz presente nesses locais devido à forte presença das religiões chamadas “cristãs”, que insistem em sempre asso- ciar a cultura afro-brasileira e sua dança a aspectos negativos. Com esse exemplo, podemos perceber que por mais que a Lei 10.639/03 tenha como objetivo instituir na educa- ção formal básica o ensino das histórias e culturas africanas e afro-brasileiras, faz-se imprescindível sua reverberação em espaços de ensino não formal de dança como forma de com- bate ao racismo. Para isso, é necessária a formação adequada de docentes que atuam em todos esses âmbitos educacio- nais, para que possam trabalhar de maneira transdisciplinar e transversalmente os conteúdos solicitados pela Lei e colo- car em ação uma dança-educação antirracista. As histórias das vivências em danças de Juliana Jardel e Júlio César nos contam as singularidades em se atuar com as danças negras, revelando também a concomitância existente que há no ensino-aprendizagem das danças afrodiaspóricas: prática, história e de saberes se dão no e pelo corpo. Ambos os artistas-educadores se encontram na dança e em seus processos de aprendizagem nas parecenças perpassa- das pelas vivências comunitárias negras, nas escolas de samba, na formação em jazz dance – dança negra que precisa ser lem- brada de suas origens afrodiaspóricas – em sua infância e ju- ventude. Por meio de suas trajetórias é possível entender que nas danças afrodiaspóricas, as práticas etnoculturais/estéticas, artísticas e artístico-pedagógicas caminham sempre juntas. As experiências de modos de vida e vivências de artistas negras e negros da dança, que estruturam seus fazeres artístico- 140 -pedagógicos no legado africano-brasileiro difundindo as po- éticas, estéticas, culturas e histórias africanas e afrodiaspóricas revelam que tais danças engendram em si as culturas do cor- po, da dança e coreográfica, diluindo, borrando e implodindo fronteiras que podem excluir e desvalorizar fazeres artísticos- -pedagógicos com perspectivas culturais não hegemônicas. Ademais, falar sobre danças afrodiaspóricas de quais- quer perspectivas é sempre lembrar da constatação feita por Leda Maria Martins, de que “a cultura negra é uma cultura das encruzilhadas” (Martins, 1997, p. 26), que materializa no gesto transitoriedades, deslocamentos, confluências, tensões, fugas, desencontros, acasos, fricções, negociações. Nesta terceira década do século XXI e em tempos em que as danças afrodiaspóricas parecem estar cada vez mais pre- sentes nos espaços artísticos e educacionais formais e livres de formação profissional em dança (em suas mais diversas expressões), negociando com regras estabelecidas pelo modus operandi do métier da dança teatral ocidental, faz-se mais que necessário a compreensão desse saber-fazer desde dentro, para a valorização e o reconhecimento de movências gestadas no ponto riscado de encruzilhadas violentadas pela colonialidade. E S TU D A N TE S D O C U R S O D E E X TE N S Ã O C U LT U R A L | F O TO : I A R I D AV IE S 141 REFERÊNCIAS BRASIL. Legislação Federal Brasileira. Disponível em: https:// legislacao.presidencia.gov.br/. Acesso em: 29 jul. 2023. FERREIRA, Juliana de Oliveira. Danças afrodiaspóricas e pro- cessos educacionais. [Entrevista cedida a] Franciane Kanzelu- muka S. de Paula. Remota (Brasília, DF, Brasil – Goiânia, GO, Brasil). Julho, 2023. MARTINS, Leda Maria. Afrografias da memória: o reinado do rosário no Jatobá. São Paulo: Mazza, 1997. MONTEIRO, Marianna. Dança Afro: uma dança moderna bra- sileira. In: NORA, Sigrid; SPANGHERO, Maíra (org.). Húmus 4. Caxias do Sul: Lorigraf, 2011. p. 51-59. NAVAS, Cássia. A dança no Brasil, entre-culturas. In: NAVAS, Cássia; LAUNAY, Isabelle; ROCHELE, Henrique (org.). Dança, História, Ensino e Pesquisa: Brasil-França, ida e volta. For- taleza: Indústria da Dança do Ceará, 2017. p. 22-35. OLIVEIRA, Victor Hugo Neves de. 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SODRÉ, Muniz. O terreiro e a cidade: a forma social negro- -brasileira. Rio de Janeiro: Imago; Salvador: Fundação Cultu- ral do Estado da Bahia, 2002. 143 144 Cada vez que começo um curso de figurino ou um novo tra- balho com novos assistentes, gosto dos olhares encantados de quem tem um entusiasmo imenso e está pronto para mergu- lhar no fantástico mundo dos trajes de cena. Mas, para chegar ao encantamento do resultado, é preciso paciência, principal- mente nos cursos em que o tempo é curto e parece andar sem- pre um pouco mais rápido. As perguntas são muitas, e uma das mais recorrentes é: “Como criar o figurino perfeito?”. Infelizmente, não tenho uma resposta. Aliás, tenho muitas, as variáveis são infinitas, e nem posso começar a elencá-las para não parecer chata. O que consigo responder é: “Nunca esqueçam que a estrela não é você; a estrela é quem está no palco, embaixo dos holofo- tes, literalmente na luz”. E eles me respondem: “Sim, claro”, achando que estou subestimando-os, porém é a pura verda- de: todos os nossos esforços são focados nos protagonistas do espetáculo. O figurinista é só uma parte da engrenagem para que, todos juntos – ficha técnica e protagonistas –, possamos che- gar ao produto: o que será apreciado do outro lado do palco. Quem assiste ao espetáculo deve perceber o “todo” como Elena Toscano FIGURINO PARA DANÇA: ENTRE A FORMAÇÃO TÉCNICA E A PRÁTICA 145 um conjunto orgânico, os verdadeiros artistas são generosos e sabem como fazer ressaltar não somente o trabalho deles como também o dos colegas. COMO SE MONTA UM FIGURINO PARA O BALÉ? É um trabalho de equipe. É impossível produzir um bom fi- gurino sem a colaboração, até diria cumplicidade, de todos os integrantes da chamada “ficha técnica”. Desde o produtor até a camareira, há uma sequência na qual o/a figurinista é apenas uma pequena engrenagem, mesmo tendo a inteira responsa- bilidade do “produto final” no dia do ensaio geral. Assim, esse profissional precisa estar sempre disponível e atento a toda a movimentação da equipe artística. Durante os primeiros brainstormings de produção, o figurinista geralmente traz consigo alguma proposta ou pro- postas, e é exatamente nessas primeirasreuniões que começa o processo. Todavia, a atividade cênica já está em trabalho há um tempo, a produção está a todo vapor e as variáveis são muitas, mas o processo é sempre o mesmo; seja para a dança contemporânea ou o balé clássico, sempre tem um título, uma pauta em um teatro (ou sala) adequado ao tipo de espe- táculo e a ficha técnica definida. Entre o convite para produzir os figurinos de um espe- táculo e a estreia, existe um longo caminho. Muitas vezes, as escolhas não acontecem somente baseadas nos desenhos, mas, também, a partir de incontáveis fatores externos que devemos estar prontos para superar e prever, quando possível. Nos trajes de cena para espetáculos de dança, é pre- ciso estar atento às necessidades técnicas do movimento. Quem dança tem necessidades precisas e pontuais. Mesmo em uma montagem contemporânea, minimalista, é preciso pensar o vestuário inteiro a serviço dos movimentos que serão executados. Outro fator muito importante para o trabalho do figu- rinista é conhecer a história da indumentária e, no caso da dança, também a evolução do traje de balé, porque é na his- 146 tória que conseguimos inspiração, tendo em vista que tudo já foi criado. Temos, na verdade, o privilégio de reinventar e interpretar o figurino com o mais poderoso instrumento que temos à disposição: a evolução da tecnologia. UMA BREVE HISTÓRIA DOS TRAJES DE CENA PARA A DANÇA Os figurinos de balé constituem uma parte essencial do design do palco, e podem ser considerados como um registro visual da apresentação. Muitas vezes, eles são o único elemento que sobrevive da produção, representando uma imagem viva da cena de um evento que já deixou de existir. As origens do balé estão nos espetáculos da corte da Re- nascença na França e Itália, e as evidências de trajes específi- cos para o balé podem ser datadas do início do século XV. As ilustrações desse período mostram a importância das máscaras e das roupas para os espetáculos. O esplendor da corte refle- tia-se fortemente nos luxuosos trajes. O algodão e a seda eram misturados com linho, formando uma gaze semitransparente. E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E FI G U R IN O N A D A N Ç A | F O TO : S A M IR A D A N TA S 147 Desde o início do século XVI, teatros públicos estavam sendo construídos em Veneza (1637), Roma (1652), Paris (1660), Hamburgo (1678) e em outras cidades importantes. Nesses locais, os espetáculos de balé eram combinados com festividades de procissão e bailes de máscaras, e os trajes de palco tornaram-se altamente decorados, feitos de materiais caros. O traje básico para um dançarino era uma couraça justa, geralmente brocada, saia curta drapeada e capacete de- corado com penas. As dançarinas usavam túnicas de seda opulentamente bordadas em várias camadas com franjas. Componentes importantes do figurino eram as botas de salto alto ou de cunha, para ambos os dançarinos, que cons- tituíam os calçados característicos desse período. A partir de 1550, a vestimenta romana clássica exerceu for- te influência no design dos trajes, como o posicionamento dos decotes e das cinturas. Além disso, as saias de seda eram volu- mosas e o design dos penteados era baseado nos componentes da vestimenta cotidiana, embora no palco os principais deta- lhes fossem muitas vezes exagerados. Os vestidos dos dançari- nos masculinos eram influenciados pelas armaduras romanas. As cores típicas variavam entre cobre escuro, marrom e roxo. Do século XVII em diante, sedas, cetins, tecidos bordados com ouro verdadeiro e pedras preciosas aumentaram o nível de decoração espetacular. Os trajes da corte continuaram a ser o padrão para as artistas femininas, enquanto os dos dançari- nos masculinos se transformaram em uma espécie de uniforme embelezado com decoração simbólica para denotar caráter ou ocupação – por exemplo, uma tesoura representava um alfaiate. A primeira apresentação de balé russo foi encenada em 1675, quando adotaram os modelos de balé europeus. Em- bora os trajes dos artistas masculinos permitissem total liber- dade de movimento, as roupas pesadas e estruturas de apoio das dançarinas impediam gestos graciosos. Os dançarinos masculinos “en travesti” geralmente usavam saias na altura do joelho. Os trajes luxuosamente decorados desse período refletiam a glória da corte; os detalhes dos vestidos e das si- lhuetas eram exagerados para serem visíveis e identificáveis aos espectadores que os assistiam à distância. 148 Desde o início do século XVIII, o balé europeu esta- va centralizado na Ópera de Paris. Os trajes de cena ainda eram muito parecidos com os de uso comum na corte, po- rém mais elaborados. Por volta de 1720, surgiu o “panier”, uma anágua com aro, que elevava as saias a alguns centí- metros do chão. Durante o reinado de Luís XVI, os trajes da corte, do balé e o design arquitetônico da moda incor- poraram estampas decorativas estilo Rococó e guirlandas ornamentais. Flores, babados, fitas e rendas enfatizavam o estilo feminino opulento, enquanto os tons pastéis suaves de cidra, pêssego, rosa, azul e pistache dominavam a gama de cores dos trajes de palco. As dançarinas em papéis mas- culinos se tornaram populares e, especialmente após a Re- volução Francesa de 1789, os trajes masculinos refletiam o estilo neoclássico mais conservador e sóbrio, que dominava o design das roupas da moda cotidiana. No entanto, as perucas enormes e adereços de cabeça ainda restringiam a mobilidade dos dançarinos. Nos séculos XVIII e XIX, o balé russo e o europeu se desenvolveram de forma semelhante, sendo frequente- mente considerados parte integrante da Ópera. A partir E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E FI G U R IN O N A D A N Ç A | F O TO : C A M IL O B A R B O S A 149 do século XIX, os ideais do romantismo se refletiram nos figurinos de palco femininos com a introdução de corpetes justos, coroas florais e pérolas nos tecidos, além de colares e pulseiras, enquanto o estilo neoclássico ainda dominava o design dos trajes masculinos. Além disso, o papel da bai- larina como dançarina estrela tornou-se mais importante, e foi enfatizado com espartilhos justos, corpetes com joias e adereços de cabeça opulentos. Em 1832, o tutu branco com camadas de gaze de Marie Taglioni em “La Sylphide” estabeleceu uma nova tendência, em que as silhuetas se tornaram mais justas, revelando as pernas, e a coreografia exigia que as bailarinas usassem sapatilhas de ponta o tem- po todo. O balé russo continuou a se desenvolver no século XIX, e escritores e compositores como Tolstói, Dostoiévski e Tchaikovski mudaram o significado do balé por meio da composição de produções narrativas. Os coreógrafos do modelo clássico, como Marius Petipa, criaram balés de contos de fadas, incluindo A Bela Adormecida (1890), O Lago dos Cisnes (1895) e Raymonde (1898), tornando os tra- jes de fantasia muito populares. Na virada do século XX, os trajes foram reforma- dos novamente sob a influência mais liberal do coreógra- fo russo Michel Fokine. As saias das bailarinas mudaram gradualmente para se tornarem tutus na altura do joelho, projetados para mostrar o trabalho de ponta e os giros múl- tiplos, que formavam o foco da prática da dança. A dan- çarina Isadora Duncan libertou as bailarinas dos esparti- lhos e introduziu uma silhueta natural revolucionária. O empresário e produtor russo Sergei Diaghilev marcou essa época com suas inovações criativas, e figurinistas profissio- nais como Alexandre Benois e Léon Bakst demonstraram, em espetáculos como Schéhérezade (1910), que a influência do orientalismo havia se espalhado da moda para o palco e vice-versa. De fato, estilistas como Jean Poiret já haviam usado o formato de túnica, adotado pelos dançarinos na era pré-guerra, e na década de 1920, os figurinistas atuali- zaram os balés clássicos russos com túnicas exóticas e véus enrolados ao corpo. As dançarinas vestiamtúnicas soltas, 150 calças de harém e turbantes, em vez do tutu e do cocar de penas já consagrados. Ao invés de cores pastéis discre- tas, optaram por tons vibrantes, como amarelo, laranja ou vermelho, muitas vezes em padrões selvagens, que davam ao espectador uma impressão visual de exotismo excitante sem precedentes. Quando temos muito clara a história da indumentária e a evolução do traje de balé, precisamos estudar também a história da modelagem, porque, no caso de montagens clás- sicas, os trajes são códigos bem definidos e, mesmo querendo desafiá-los, é preciso conhecê-los muito bem. O modernis- mo liberalizou as regras dos trajes e, após a morte de Diaghi- lev, em 1929, o design dos trajes não foi mais impedido pelas restrições impostas pelos tradicionalistas. Atualmente, os dançarinos de balé se apresentam com vários trajes, que ainda podem incluir os designs tradicionais de Diaghilev. Em produções pós-modernas, como O Lago dos Cisnes, de Matthew Bourne, o figurinis- ta Lez Brotherston transformou as tradicionais e graciosas cisnes femininas em cisnes masculinos, sem camisa e com pernas de penas. C U R S O R E G U LA R D E FI G U R IN O N A D A N Ç A | F O TO : S A M IR A D A N TA S 151 AS COISAS SE COMPLICAM... A IMPORTÂNCIA DA COR E DOS TECIDOS Em todas as variações de trajes de cena, o significado das cores está estritamente interligado com a visão das cores na história. A variedade de pigmentos usados atualmente era desconhe- cida antes da descoberta das cores sintéticas. Por exemplo, os gregos antigos não usavam nomes fixos para indicar os dife- rentes tipos de cor, distinguindo-os com base em sua claridade ou escuridão, de modo que somente o branco e o preto eram usados de maneira definida. O termo xanthos poderia indicar tanto o fogo amarelo brilhante quanto o vermelho brilhan- te, bem como tons roxos e até mesmo azuis. Antigamente, as cores fundamentais eram, portanto, reduzidas a duas, branco e preto, ou seja, claridade e escuridão, da mistura das quais todas as outras derivavam. Na modernidade, as cores são parte essencial da nossa existência, elas nos cercam e preferimos umas às outras. Mas por quê? Qual é a história delas? A referência dos estudos sobre cores é Michel Pastoureau. Nascido em 1947, ele é o maior especialista mundial em história das cores e seus sig- nificados simbólicos. Ele relata: “Estudar a história da cor é uma maneira de entrar em contato com especialistas em outros campos, como historiadores de arte, historiadores de outros assuntos, mas também profissionais de moda, quími- cos, físicos, músicos. A principal tarefa da cor é classificar, associar, criar códigos e sistemas de sinais, exatamente da mesma forma que no escritório classificamos os documentos em pastas vermelhas, azuis, verdes ou amarelas. As roupas, por exemplo, têm um código de cores que classifica grupos, indivíduos e sociedades como um todo. Meu trabalho, por- tanto, lida com a relação entre cores e sociedade, porque não é possível entender as cores do tempo presente a não ser em relação às de épocas passadas”. Pastoureau ressalta que “fo- ram classificadas seis cores, e é muito difícil para o público entendê-las. São elas o branco, o vermelho e o preto às quais foram acrescentadas o azul, o verde e o amarelo nos tempos medievais. Vermelho tijolo, verde oliva, azul celeste são nu- 152 ances, tons, não são cores”. O especialista acrescenta: “sem- pre que me perguntam quais serão as novas cores, respondo que não serão cores, mas tons, tons de tons”. E se o universo das cores já é complexo, o dos tecidos não fica atrás, com uma imensa variedade de têxteis dispo- níveis no mercado atual. Antes de conhecer a história dos têxteis, no entanto, devemos entender o que são têxteis. Têx- til é uma técnica pela qual um tecido é feito, com o uso fios de urdidura e trama. Os tecidos não são produzidos apenas por tecelagem, mas também por tricô ou filtragem de fibras e fios. Têxtil é basicamente uma palavra latina derivada de Texere, e significa “tecer”. O fator que mais influenciou a “invenção” das roupas foi a necessidade que nossos ancestrais sentiam de proteger o corpo. A partir do uso das peles, simplesmente jogadas sobre o corpo, surgiu também a necessidade de as tornar ma- leáveis para que tivessem melhor assentamento e conforto. Dessa forma, no início da civilização, quando nossos ances- trais perceberam que precisavam cobrir os próprios corpos, começava a história dos têxteis e, ao mesmo tempo, a histó- ria da modelagem. E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E FI G U R IN O N A D A N Ç A E PA U LO P A LL A S | F O TO : S A M IR A D A N TA S 153 As primeiras manifestações de modelagem do vestuário surgiram a partir do momento em que o homem descobriu a técnica do curtimento das peles e da agulha de ossos. Ainda no período Paleolítico, somente pouco antes do século 7 a.C., foi descoberta a fibra. Precisamos também lembrar que os têxteis viraram um negócio mundial: na China, foram difundindo-se até expandirem para o subcontinente indiano e à África. O tecido fez mover a economia da antiguidade. Pes- quisas afirmam que a lã e a seda foram descobertas antes da fibra de algodão, e todas as fibras estavam disponíveis no subcontinente indiano. Os comerciantes árabes negociavam esses tecidos e os exportavam para vários países europeus. Com a revolução das fibras e dos tecidos de seda, criou-se a Rota da Seda, que interconectava comerciantes da China, do Egito, do subcontinente Indiano, das Arábias, da Pérsia e de Roma com seus negócios têxteis. Com a versatilidade proporcionada pelos tecidos, as pessoas passaram a criar suas próprias roupas, com diferentes designs, e assim nasceu a era clássica dos têxteis. Aos poucos, as roupas e os tecidos foram desenvolvi- dos. Muitas fibras novas, como vidro, bambu e outras fibras artificiais, foram produzidas. Usando essas fibras, alguns te- cidos exclusivos foram por sua vez criados, o que nos levou a um novo mundo da moda que é realmente significativo e maravilhoso. O processo é contínuo, está em andamento. Em 100 anos, os tecidos de hoje serão história. DETALHES QUE FAZEM TODA A DIFERENÇA No processo de criação de figurinos, é imprescindível ter no- ções de corte e costura para conseguir falar a mesma língua de quem vai executar os nossos trajes, já que nem sempre as pessoas leem e interpretam um desenho no mesmo jeito. É um grande diferencial saber como funciona uma modelagem. A costureira ou o alfaiate precisa entender exatamente o que – na nossa cabeça – é muito claro, tridimensional e em cores. Por isso croquis técnicos ajudam muito. 154 Não podemos esquecer que geralmente quem vai às compras é o figurinista, por isso é necessário conhecer os tecidos, a largura, a textura e o caimento, para conseguir comprar a quantidade certa de metros. Os aviamentos como botões, zíperes, ganchos e colchetes são outro capítulo técni- co muito importante. Conhecer os tecidos também é fundamental, pois, muitas vezes, antes ou depois da costura, é preciso realizar algum tratamento, envelhecimento ou pintura, operações que podem dar muito certo ou muito errado, dependendo, por exemplo, da composição do pano e sua percentagem de elastano ou de poliéster. A cor ou o tratamento são feitos por meio de reações químicas e, dessa forma, a mudança de um fator pode alterar totalmente o resultado. Esse conhe- cimento é ainda mais importante no caso de reciclagem de tecidos ou figurinos de outros espetáculos, que podem ser completamente transformados com acessórios e novas de- corações. Nesse caso, não temos uma etiqueta descrevendo a composição e precisamos descobrir sozinhos a natureza do tecido que transformaremos. Trabalhar com diferentes tipos de tecido é um conhecimento que se adquire com a experi- E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E FI G U R IN ON A D A N Ç A | F O TO : S A M IR A D A N TA S 155 ência prática, uma sensibilidade que se afina com o tempo. Sem dúvida, é preciso conhecer o caimento dos panos, a elasticidade (que depende da percentagem de lycra) e che- gar o mais perto possível da real composição do tecido. Isso acontece com a experiência: ao tocar um pano “saberemos” a composição e isso é muito importante, pois na luz de cena as cores mudam. O que pensamos ser um belíssimo veludo azul marinho, na luz daquela cena, vira marrom ou berinje- la. Outra cor muito perigosa, por exemplo, é o vinho e suas variações. Insisto nisso porque conhecer bem as cores, sua história e, principalmente, o suporte material colorido nos ajuda a fugir de perdas de tempo e de dinheiro. Sem falar do estresse de ter que refazer algum procedimento. CONCLUSÕES Numa produção, o elemento mais importante é a comunica- ção com os outros integrantes da equipe técnica, bem como assistir aos ensaios sempre que puder, em todas as etapas da produção. No teatro é o diretor de cena, na opera o regisseur e na dança é o coreografo a personagem que mais nos dá elementos para compor o figurino. Precisamos saber, passo a passo, o que vai acontecer na cena, os movimentos, as trocas, o tempo que temos para o artista mudar de traje durante o espetácu- lo, seja o figurino inteiro ou só uma parte. Nisso, precisamos coordenar as camareiras, figuras importantíssimas em todos os espetáculos em que atuam muitas pessoas. São elas que cuidam para que tudo aconteça rapidamente e em silêncio no backstage, o que é muito importante, além de tomarem conta do camarim quando as luzes apagam. Uma vez que conhecemos o que será representado, so- mente assistindo aos ensaios saberemos o que se exige dos bai- larinos e das bailarinas, quais os movimentos e, consequente- mente, os tipos de tecidos e o corte que nos deverá guiar. Precisamos também nos coordenar com o setor da ce- nografia e ter as amostras das cores sempre presentes, para 156 não fazer sumir as personagens no palco. É fundamental co- nhecer o tipo de iluminação que será usada, não só para prever variações cromáticas dos nossos figurinos como para ressaltá-los. Precisamos nos organizar para entregar quanto antes os trajes para os artistas ensaiarem, incluindo os adere- ços, pois viram elementos de cena. Não esqueçamos que se somam a todas estas ações as noções de história da arte, de modelagem, de teoria das cores, de corte e costura. Enfim, é preciso muito mais que o entu- siasmo para encarar esta profissão, a formação é fundamental. C U R S O R E G U LA R D E FI G U R IN O N A D A N Ç A | F O TO : S A M IR A D A N TA S 157 REFERÊNCIAS ANDRÉ, Paul. The Great History of Russian Ballet. Bour- nemouth, U.K.: Parkstone Publishers, 1998. BRUSATIN, Manlio. Storia dei Colori. Milano: Piccola Biblio- teca Einaudi, 1999. CHAZIN-BENNAHUM, Judith. A Longing for Perfection: Neoclassic Fashion and Ballet. Oxford: Fashion Theory 6, n. 4, p. 369-386, 2002. CLARKE, Mary; CRISP, Clement. Design for Ballet. London: Cassell and Collier, Macmillan Publishers, 1978. GOETHE, Johann Wolfgang von. La teoria dei colori. Lineamenti di una teoria dei colori. Milano: Il Saggia- tore, 2008. KIRSTEIN, Lincoln. Four Centuries of Ballet. New York: Do- ver Publications, Inc., 1984. KOHLER, Carl. A History of Costume. New York: Dover Pu- blications, 1963. MORRISON, Kirsty. From Russia with Love. Canberra: Na- tional Gallery of Australia, 1998. PASTOUREAU, Michel. I colori del nostro tempo. Milano: Ponte alle Grazie, 2010. PASTOUREAU, Michel. 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E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A V E S P E R TI N O | F O TO : G A L O P P ID O 160 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A V E S P E R TI N O | FO TO : G A L O P P ID O 161 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A V E S P E R TI N O | FO TO : G A L O P P ID O 162 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A V E S P E R TI N O | FO TO : G A L O P P ID O 163 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A V E S P E R TI N O | FO TO : G A L O P P ID O 164 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A V E S P E R TI N O | FO TO : G A L O P P ID O 165 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A V E S P E R TI N O | FO TO : G A L O P P ID O 166 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A V E S P E R TI N O | FO TO : G A L O P P ID O 167 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A V E S P E R TI N O | FO TO : G A L O P P ID O 168 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A V E S P E R TI N O | FO TO : G A L O P P ID O 169 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A V E S P E R TI N O | FO TO : G A L O P P ID O 170 IN Ê S B O G É A , D IR E TO R A A R TÍ S TI C A E E D U C A C IO N A L D A S P E D | FO TO : G A L O P P ID O 171 E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A V E S P E R TI N O | F O TO : G A L O P P ID O 172 173 Toda escola nasce a partir de um desejo, de uma vontade, de um cruzamento de informações, práticas e vivências que se transformam em ideias e se materializam num projeto/do- cumento. São muitas as camadas que se somam no processo de criação de um equipamento formativo: tempos, ações e modos de fazer diferentes que metaforicamente se unem para criar o solo fértil para a ideia de uma escola florescer. Assim, antes da criação da escola, tínhamos o desejo de reunir pessoas e dar origem a histórias e provocações que aguardavam a oportunidade para emergir o sonho da escola. Desde a sua fundação, em 2009, a Associação Pró-Dança tem a missão de elevar a dança em toda a sua potencialida- de e alcance, por meio da excelência artística e educacional, promovendo a cidadania, o profissionalismo e a transparên- cia na gestão. Seu desejo de dialogar, intervir e transformar a realida- de no ecossistema da dança levou-a a participar da convoca- ção pública realizada em novembro de 2021 pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo42, para a gestão da São Paulo Escola de Dança – Centro de Formação em Artes Coreográficas. A associação teve a oportunidade de 42 Desde 2023, a Secretaria passou a se chamar Secretaria de Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo. José Simões e Inês Bogéa A DANÇA EM MÚLTIPLAS DIMENSÕES: METODOLOGIA E DESENHO INSTRUCIONAL DA SÃO PAULO ESCOLA DE DANÇA 174 dialogar e potencializar suas ações com baseem um conjunto de informações proporcionadas por essa convocação. O desejo provocado se transformou em um documento/ mapa/projeto que se propôs a ser uma bússola, orientando o planejamento, a gestão, o ensino-aprendizagem, a formação e a avaliação da Escola e, por fim, corpos dançantes e atuantes em distintas áreas do ecossistema da dança. Surgiu, então, a pro- posta deste Projeto Pedagógico da São Paulo Escola de Dança. Nele são apresentados os objetivos, diretrizes e metas da Escola ao longo de um determinado período, no caso, de 2022 a 2026. Neste artigo, apresentam-se as camadas que motiva- ram e preencheram o antes e o depois do projeto escrito, como uma arqueologia. Segundo Libâneo (2005, p. 345), “o projeto é um documento que propõe uma direção política e pedagógica para o trabalho escolar, formula metas, prevê as ações, institui procedimentos e instrumentos de ação.”. Para Vasconcellos, trata-se de: [...] plano global da instituição. Pode ser entendido como a sistematização, nunca definitiva, de um pro- cesso de Planejamento Participativo, que se aperfeiçoa e se concretiza na caminhada, que define claramente o tipo de ação educativa que se quer realizar. É um ins- trumento teórico-metodológico para a intervenção e mudança da realidade. É um elemento de organização e integração da atividade prática da instituição neste processo de transformação (2014, p. 169). A São Paulo Escola de Dança nasce com o propósito de dar voz e espaço consistente para a reflexão, aprendizado e troca de saberes, conectando a dança com todas as linguagens artísticas e valorizando a diversidade e a identidade brasileira. A escola se une a outros espaços de formação na área da dança e outras instituições culturais e educacionais para ampliar as possibilidades de inserção dos participantes no mercado de trabalho. Tem sua sede na rua Mauá, no centro da cidade de São Paulo, no 3º andar do edifício da Estrada de Ferro Soroca- bana — edifício este que abriga a sede da Secretaria de Cultu- ra, no mesmo complexo cultural composto pela Sala São Pau- lo e a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. É também 175 próxima ao Museu da Língua Portuguesa, ao Museu de Arte Sacra, à Escola de Música Tom Jobim, à Pinacoteca do Estado e a apenas 500 metros da Estação da Luz. O edifício neoclás- sico foi projetado por Christiano Stockler das Neves (1889- 1982) em 1925, e, após o declínio das ferrovias no país, o local ficou praticamente abandonado. A partir de 1997, a Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo desenvolveu um projeto para transformá-lo no Complexo Cultural Júlio Prestes. A localização da escola era um dos aspectos relevan- tes no chamamento, que convocava sua reconfiguração para transformar o 3º andar em um espaço qualificado para o desenvolvimento da arte da dança. Cidade, espaço e lugar como agentes de relações capazes de atuar diretamente no corpo que dança, na vida dançante da cidade. Portanto, a sede da Escola está situada no centro da ci- dade, em um território extremamente cultural, próxima tam- bém da região da Cracolândia, um espaço degradado no cen- tro da maior cidade da América Latina. Seguindo as diretrizes da convocação pública, a São Paulo Escola de Dança oferece 50% das vagas a candidatos(as) autodeclarados(as) de baixa renda e em situação de vulnerabilidade social, com 20% para E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D A N Ç A E P E R FO R M A N C E V E S P E R TI N O N A E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A (2 02 3) | F O TO : M A R C O S A LO N S O 176 a população de etnia negra ou indígena, promovendo, assim, a inclusão e a diversidade. A implantação de mais equipamen- tos culturais na área pode contribuir para a requalificação do espaço urbano. Assim, o lugar ocupado pela Escola se relacio- na com um conjunto de memórias da cidade de São Paulo. Reconfigurar e ocupar o espaço é fundamental para este diá- logo entre o passado e o presente proposto pela Escola. A missão da Pró-Dança na Escola está em diálogo com a cidade ao fomentar a formação de artistas conectados com o mundo em que vivemos, dialogando com as diversas áreas do conhecimento, abertos à experimentação, à troca de saberes e à percepção de diversos pontos de vista. Busca valorizar as fortes características locais, utilizando arte e educação como elementos de transformação social, tendo em vista a promo- ção do ensino/aprendizado da dança. Seu propósito essencial consiste na formação de artistas/cidadãos com consciência re- flexiva e, ao mesmo tempo, profissionais qualificados no cam- po da dança, e se mantém atenta à necessidade de iniciativas que democratizem o acesso da população à formação artística. UM OLHAR SOBRE OS PROGRAMAS REGULARES, LIVRES E DE EXTENSÃO Na São Paulo Escola de Dança, o projeto tem uma aspiração profunda de conectar pessoas, de trazer possibilidades de se experienciar a dança e ampliar a formação técnica e de espe- cialização nesta área. Além disso, é o desejo de levar as artes da dança para diversos segmentos sociais, tornando-a mais acessí- vel, profissional e especializada, sempre em diálogo com as dis- tintas ações existentes. Nesse contexto, a Escola apresenta três modalidades de cursos: Extensão Cultural, Regulares e Livres, que oferecem oportunidades únicas para o desenvolvimento artístico, aprimoramento técnico e enriquecimento cultural. Os Cursos Regulares são cursos de arte, desvinculados da educação formal, abordando áreas como Dança e Perfor- mance; Técnicas de Dança (clássica, moderna e contempo- rânea); Teatro Musical (jazz dance, sapateado, canto e inter- 177 pretação); Dramaturgia da Dança (Direção, Dramaturgia, Coreografia e Sonoplastia); Figurino na Dança; Multimídias para Dança e Produção e Gestão Cultural. Compostos por 4 módulos, esses cursos são direcionados a estudantes a partir do segundo ano do Ensino Médio e oferecem a oportunidade ao aluno de, ao término do programa, requerer seu certifica- do e registro profissional regulamentado. Essa certificação é emitida em colaboração com a Delegacia Regional do Traba- lho (DRT), em parceria com os sindicatos correspondentes. Os Cursos de Extensão Cultural, por sua vez, são aber- tos a todas as faixas etárias e têm carga horária mínima de 64 horas-aula. São organizados através de curadorias, abordan- do temas e propostas distintas em sintonia com as demandas do mercado contemporâneo. Para aqueles que desejam iniciar sua jornada na dan- ça, ou para os já iniciados que buscam aprimorar suas habili- dades, há os Cursos Livres. Com duração de dois semestres, eles oferecem opções como Dança Clássica, Danças Urbanas, Dança de Salão e Dança Contemporânea. Cada programa abre portas para vivências singulares que permitem o contato de pessoas interessadas em experimentar a arte da dança. E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E D A N Ç A E P E R FO R M A N C E M AT U TI N O | FO TO : S A M IR A D A N TA S 178 CURSOS DE EXTENSÃO E CURSOS LIVRES: CRIATIVIDADE, EXPRESSÃO, TROCA DE CONHECIMENTOS, APRENDIZADOS E VIVÊNCIAS Os Cursos de Extensão Cultural na São Paulo Escola de Dança abordam diversos temas relevantes, como história das danças, técnicas específicas, introdução à dança, mercado de trabalho e integração com outras linguagens artísticas, como filosofia e estética43. Além disso, oferecem mesas de discussão, como atividades extraclasse, promovendo a troca de conhecimentos, reflexões e debates enriquecedores. A abordagem desses cursos é ampla, com conteúdos específicos, e possui distintas perspectivas para uma compre- ensão significativa e aprofundada. Profissionais já atuantes no mercado e iniciantes na dança podem se beneficiar dessas oportunidades de aprendizado. A flexibilidade também está presente, permitindo que os cursos e mesas de discussão acon- teçam de forma presencial, virtual ou em formatohíbrido. Cada um dos cursos de Extensão Cultural, conta com um curador e com cerca de 4 professores, que atuam em suas carreiras como curadores, artistas, pedagogos, técni- cos etc., proporcionando aos estudantes uma multiplicida- de de olhares e enriquecendo a compreensão dos temas em um contexto contemporâneo da arte na dança. Essa diver- sidade de especialidades traz uma riqueza de experiências, informações, conteúdos e conhecimentos que potenciali- zam a jornada dos estudantes e ampliam o compartilha- mento mútuo de saberes e aprendizados entre profissionais de diferentes áreas. Essa troca de ideias não apenas expande horizontes, mas também inspira novos caminhos e oportu- nidades profissionais. Os cursos livres proporcionam aprendizado e apri- moramento técnico e artístico para pessoas interessadas em dança, independentemente de sua formação ou nível de ha- bilidade. Esses cursos são ministrados por profissionais ex- perientes e abrangem uma variedade de estilos e técnicas, permitindo que os alunos desenvolvam suas capacidades, conheçam diferentes abordagens artísticas e expressem sua 43 Cursos oferecidos em 2022, com curadoria de Cássia Navas: 1) História Já; 2) Análise e Crítica de Dança; 3) História da Dança no Brasil; 4) Dance com Artistas; 5) Corpo, Memória e Ancestralidade; 6) Dança Comunidade – Vem pra Dança você Também; 7) Intradanças: Dramaturgias Transversais; 8) Coreografar a Arte da Dança; 9) Dança e Pedagogias: Histórias e Atualidade; 10) Danças: Técnicas, Métodos e Sistemas. Cursos oferecidos em 2023, com curadoria de Cássia Navas: 1) Dança do Brasil: experiências em topologias internacionais; 2) Técnicas, Métodos e Sistemas; 3) Trilhas Sonoras: Canto e Música para Dança; 4) Ensinar e Criar Dança para Crianças e Jovens; 5) Escrever e Criticar Dança: Diversidade do Olhar; 6) Vem Coreografar com Artistas!; 7) Pedagogia de Dança: Possibilidades atuais; 8) Introdução à história e historiografias da Dança; 9) Ensinar dança: possibilidades e desafios; 10) Práticas somáticas e improvisação em dança: panoramas. Cursos com curadoria de Enoque Santos: 1) Danças Negras: Memória e Contemporaneidade 2) Danças e Cozinha Brasileira: Ritmos e Sabores 3) Danças Urbanas e Dança Irlandesa: Vocabulários e Conexões 4) As Danças e Tradições Culturais pelo Mundo 5) Danças Urbanas, linguagens múltiplas; com curadoria de Erika Novaki: 1) Jazz Dance: Estilos e Variações 2) Dança contemporânea: pluralidade na dança 3) Teatro musical: repertório e criação 4) Ballet Clássico: Estilos para Dancar 5) Danças Urbanas, linguagens múltiplas 179 criatividade. Além disso, podem servir como uma porta de entrada para a formação profissional na área, preparando os alunos para ingressar em cursos mais avançados ou até mesmo em carreiras relacionadas à dança. Cada curso tem como objetivo propiciar a compreensão, o entendimento e a experiência de uma linguagem específica da dança, além de desenvolver noções de ritmo, consciência corporal e cria- ção. Além disso, os cursos livres trabalham as habilidades motoras e cognitivas dos alunos, bem como sua capacidade criativa e de apreciação artística. Também há a possibilidade de cruzar a dança com outras linguagens, como a música, o teatro, as artes visuais e a história das danças, enriquecendo ainda mais a experiência de aprendizado. CURSOS REGULARES: FORMAÇÃO E APROFUNDAMENTO TÉCNICO O ponto de partida para a reflexão e elaboração da propos- ta metodológica foi a formulação de questões que buscassem atender à demanda formativa e, ao mesmo tempo, organizas- sem um modo contemporâneo de ensino da dança. E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A V E S P E R TI N O | FO TO : C A M IL O B A R B O S A 180 Assim, a opção para nortear as ações foi dividir as re- flexões em diretrizes já conhecidas na estruturação de proje- tos pedagógicos. Buscou-se, portanto: um conjunto de princípios e/ou diretrizes sócio-po- líticos, epistemológicos e psicopedagógicos articu- lados a uma estratégia técnico-operacional capaz de reverter os princípios em passos e/ou procedimentos orgânicos e sequenciados, que sirvam para orientar o processo de ensino-aprendizagem em situações con- cretas (Manfredi, 1993). Esses fundamentos apresentados acima tornaram-se, portanto, o ponto inicial das reflexões e da elaboração de questões, considerando as articulações e dimensões sociopo- líticas, epistemológicas e psicopedagógicas em diálogo com o ecossistema da Dança. Na dimensão sociopolítica, podemos nos perguntar quem é, hoje, o artista de Dança? Como se dá o diálogo en- tre a dança e a educação? Que formação contribuirá para a inserção profissional do estudante no mundo da dança? Na dimensão epistemológica, indagamos sobre a ma- neira como geramos conhecimento no âmbito da dança, le- vando em conta suas particularidades, em uma abordagem dialética. Discutimos a relevância da teoria e suas implicações no contexto de uma educação crítica em dança. Exploramos os métodos de abordagem e reflexão dos conhecimentos pre- sentes fora do ambiente acadêmico, bem como sua relação com a produção de conhecimento na dança. Isso envolve a seleção dos conteúdos que comporão o percurso educacio- nal de ensino-aprendizagem. Por fim, na dimensão psicopedagógica, emergem outras questões relacionadas ao processo de aprendizagem: como ocorrerá o processo de aprendizagem? Qual é o papel do in- divíduo e de sua história no processo de formação? Qual é a relevância da colaboração e do aprendizado no ambiente e por meio do outro? Qual é a importância do artista enquan- to educador? Como o repertório do estudante interage com o repertório artístico e estético do educador, e como isso impacta e influencia os processos de ensino-aprendizagem? 181 Tais discussões tomaram forma e se organizaram em torno de dois motes, que orientaram as diretrizes artísticas para a estruturação do projeto pedagógico: “Por uma antro- pofagia de si” e “Artista não larga a mão de artista”. Em “Por uma antropofagia de si”, através da antropo- fagia, nos unimos de maneira social, econômica e filosófica, ao mergulharmos em conhecimentos singulares por meio da absorção e assimilação de experiências pessoais. A São Paulo Escola de Dança adota o pensamento antropofágico como seu alicerce, promovendo uma nova maneira de con- ceber a cultura, dança e corpo no Brasil, de forma que estas mantenham conexões com o mundo. A Escola busca uma perspectiva estética inovadora e um compromisso com a in- dependência cultural da dança, ressaltando a importância da criatividade ao “deglutir” os saberes da atualidade da dança em seu contexto curricular. Já em “Artista não larga a mão de artista”, a matriz cur- ricular da Escola enfoca a autonomia e o pensamento em rede para estimular o desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem do artista. O ambiente propicia a independência, a criativida- de e a autonomia dos alunos, promovendo uma rede colabo- E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E D A N Ç A E P E R FO R M A N C E V E S P E R TI N O | FO TO : I A R I D AV IE S 182 rativa na qual docentes, artistas convidados, técnicos, especia- listas e estudantes trabalham em conjunto, “de mãos dadas”, em diferentes níveis de atuação, ao longo dos cursos regulares. Essas diretrizes contribuíram na organização dos ima- ginários e das subjetividades no mundo do trabalho da dan- ça, o que potencializou a discussão e a construção coletiva de apropriação dos conceitos envolvidos na estrutura do proje- to pedagógico. A partir destas diretrizes, estão associados os princípios do saber-ser, saber-fazer e do saber-onde fazer, fato este que fomenta a relação dialógica docente/estudante. Segundo Frei- re, “não há docência sem discência, as duas se explicam, e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condiçãode objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar, e quem aprende ensina ao aprender” (2002, p. 25). Para além do ser e do fazer, cabe reiterar o papel da Es- cola no fomento e na discussão do lugar social dos estudantes/ artistas – o onde. Milton Santos aponta que “a inteligibilidade do lugar passa pela compreensão do mundo e vice-versa, cla- rificado pelas mediações da técnica, da política e do território, seus agentes e processos, sem ceder ao erro dualista de reduzir o lugar ao reflexo do global” (Santos, 2005, p. 155-164). A proposta de metodologia de ensino não está somen- te centrada no estudante, mas também nos diversos artistas, docentes, produtores, comunicadores e interlocutores parti- cipantes do mundo do trabalho. Não se trata de um professor mediador. Destaca-se o seu papel formador — reconhece-se todos os desafios associados a essa palavra, em razão de sua polissemia. Nesse processo, não se renuncia à importância da técnica e à sua relação com o ambiente profissional. É proposto um tripé: estudante/formador/mundo do trabalho no contexto da Dança. Além das atividades cotidianas com a equipe da Esco- la, os estudantes têm a oportunidade de experimentar, a cada módulo, processos criativos e artísticos e de participar de in- tercâmbios culturais e residências artísticas. Logo, isso amplia a formação profissional dos alunos, uma vez que se permite o contato com diversas perspectivas artísticas, o que pode in- 183 centivar a partilha de conhecimentos e enriquecer tanto o de- senvolvimento profissional quanto o individual dos discentes. Cabe, portanto, ressaltar que a proposta metodológica para os cursos regulares – METACOGNIÇÃO – desenvolve suas ações a partir do viés da Pedagogia de Projetos, estimulando o fluxo do conhecimento e da informação, e propiciando os espaços para experiência. Para Bernadete Beber et al.: Aprender é diferente de compreender, pois provoca mudanças de comportamento, proporciona reflexão sobre o próprio fazer pedagógico e faz do aprender um prazer. As situações de aprendizagem demandam di- versas estratégias para que seja viabilizado o aprender. O ensino aprendizagem é uma organização de proce- dimentos, com função clara que suscita o sujeito à re- alização de tarefas (2004, s.p.). O ensino em Arte requer que sejam elaborados pro- cedimentos singulares para a potencialização da criativida- de, da resolução de problemas complexos na cena etc. Do mesmo modo, o aprender em arte, no caso, aqui, em dança, também se encontra relacionado ao prazer, ao lúdico e à ela- boração de metáforas do mundo, dentre outras relações. E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E P R O D U Ç Ã O E G E S TÃ O C U LT U R A L, L U C A S G O N ZA G A E M O N IQ U E TO M A ZI | F O TO : S A M IR A D A N TA S 184 Neste contexto, o ensino de dança não busca somente fazer o estudante “saber algo”, mas promover o ensino-apren- dizagem por meio de competências, apontando as fragili- dades existentes para que os estudantes possam superá-las. Em outras palavras, a metodologia busca que cada estudante conheça o seu perfil cognitivo e, assim, seja capaz de valori- zar as competências e habilidades cognitivas já existentes, ao mesmo tempo, fomentando, motivando a busca por aquilo que lhe falta. O ensino ocorre em rede, construído em camadas in- dividuais dos estudantes a partir da noção da experiência vivida ao longo dos módulos no curso, aprendizados e trocas de experiências com outros estudantes, professores, coorde- nadores, superintendente, diretor, artistas convidados, entre outros. Cada módulo é uma unidade de conhecimento com começo, meio e fim, o que permite o ingresso do estudante em qualquer um dos módulos. Além disso, é compreendido como uma unidade de ensino autônoma, semestral, com ar- ticulação interna organizada por componentes gerais e espe- cíficos, que se integra numa proposta de ação para formação profissional presente na escola. São estruturas importantes no sistema, uma vez que são as unidades de conhecimento que funcionam como uma estrutura/território formada por lugares contíguos e em rede, com objetivos e procedimentos previamente definidos. Mesmo que sejam concebidos para serem partes autônomas, não são dissociados um do outro. No processo formativo como um todo nos Cursos Regula- res, o estudante deverá percorrer os quatro módulos. Cabe a este organizar os saberes dos “módulos” realizados ou pro- postos na construção do saber, destacando no processo de ensino-aprendizagem a autonomia do estudante. Compreender os determinantes da aprendizagem e da metacognição leva o sujeito à autoaprendizagem, onde a autoconsciência e a busca da superação das li- mitações devem estar presentes no ato de aprender. Ao aprendente cabe desenvolver a auto-observação para despertar suas competências até então adormecidas, superando seus receios e obstáculos (Beber, 2014). 185 Os processos didático-pedagógicos serão influencia- dos pela prática, ou seja, pelos conhecimentos definidos no mundo do trabalho. Cada módulo é formado por um conjunto de saberes organizados na matriz curricular, que se desdobra nos componentes curriculares estruturados em três etapas: “O que nos Une”, “Criação Artística e Estética” e “Mundo do Trabalho”. É importante ressaltar que nem todas as ações pedagógicas e formativas ocorrem no ambiente da sala de aula. Assim, algumas são organizadas como Territórios nos quais os conhecimentos podem se relacionar com as práticas do cotidiano ou apresentar o contexto, tema ou conteúdo de forma transversal em relação ao que é proposto em cada uma das etapas. A perspectiva nesses Territórios sempre envolve a cultura arte e cultura juntas. E essas ações se ampliam nos Territórios Culturais Expandidos (aqueles que surgem ao longo do semestre, em função das oportunidades articuladas pela Escola). A principal função dos Territórios é a de desenvolver relações com outros espaços de cultura, com os quais os Cursos Regulares possam estabelecer compartilhamentos de saberes e relações com a proposição de outros artistas das mais diversas áreas. E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R T É C N IC A S D A D A N Ç A V E S P E R TI N O N A E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A N A P R A Ç A JÚ LI O P R E S TE S (2 02 3) | F O TO : S A M IR A D A N TA S 186 As atividades nos cursos não são somente uma com- binação de condições técnicas e habilidades profissionais. São, também, atividades sociais. Emergem da interação com os outros, da convivência e da organização do equilíbrio emocional e relacional. Esse aspecto da convivência é rele- vante para as produções artísticas, pois na realização artística está em jogo uma série de funções que se desdobram naquilo que define como coletivo. No trabalho artístico, a atividade não almeja apenas o resultado do trabalho como uma operação técnica, mas também um significado simbólico. De acordo com Dejours, o reconhecimento é um dos principais expoentes simbólicos no mundo do trabalho. Portanto, é do reconhecimento en- tre pares que surge grande parte da satisfação na atividade. Assim, os binômios: ensino e aprendizagem; arte e cul- tura; dança e corporeidade; espaço e cidade, todos influen- ciados pela metacognição, desdobram-se na criação de uma metodologia singular para a formação em Dança. O desafio que se coloca diante de todos durante o pro- cesso de implantação e implementação da Escola é sistema- tizar os resultados, rever os percursos, apontar as correções formativas dos docentes que ainda estão habituados a pro- cessos unicamente hierárquicos de formação; produzir dados e informações que possam, ao longo do tempo, potencializar e pavimentar as propostas e hipóteses metodológicas aqui propostas na São Paulo Escola de Dança. 187 REFERÊNCIAS BEBER, Bernadétte; SILVA, Eduardoda; BONFIGLIO, Simoni Urnau. Metacognição como processo da aprendizagem. Rev. Psi- copedag. [online]. 2014, v. 31, n. 95 p. 144-151. Disponível em: http:// pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sciarttext&pid=S0103- 8 4 8 6 2 0 1 4 0 0 0 2 0 0 0 0 7 & l n g = p t & n r m = i s o . BEBER, Bernadétte. Reeducar, reinserir e ressocializar por meio da educação à distância [Tese de Doutorado]. Floria- nópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2007. p. 146. FIGUEIRA, Ana Paula Couceiro. Metacognição e seus con- tornos. Revista Iberoamericana de Educacion, p. 21, 1994. Disponível em: http://www.rieoei.org/deloslectores/ 446Couceiro.pdf. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 27. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002. p. 25. LIBÂNEO, José Carlos; OLIVEIRA, João Ferreira de; TOSCHI, Mirza Seabra Educação escolar: políticas, estrutura e organi- zação. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2010. MANFREDI, Sílvia Maria. Metodologia de Ensino – diferen- tes concepções. Campinas, 1993. Disponível em: https:// edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1974332/mod_resource/ content/1/METODOLOGIA-DO-ENSINO-diferentes-concep%- C3%A7%C3%B5es.pdf. SANTOS, Milton. Da totalidade ao lugar. São Paulo: Edusp, 2005. VASCONCELLOS, Celso dos S. Planejamento: Projeto de En- sino-Aprendizagem e Projeto Político Pedagógico – ele- mentos metodológicos para elaboração e realização. 24. ed. São Paulo: Libertad, 2014. 188 189 INTRODUÇÃO “Esse lugar chamado São Paulo Escola de Dança” Gosto de estar nesse lugar atemporal, nesse palco do encontro, do sonho, do conhecimento, do real, Nesta trama de corpos e corações, que se funde numa ligação intergeracional, profunda, essencial De diferentes rostos, de olhares e sonhos conhecidos Que despidos do mundo podem ser quem são, Gratidão que transborda a cada gesto, em cada corpo, versos de uma dança inscrita na imensidão Que reluz e nos alimenta nessa jornada de transformação, imersiva, coletiva, de resgate e de educação Nessa busca pelo caminho, no verso, no gesto, no amar, do verbo, pelo verbo amar Encontrar um abrigo, um amigo, um olhar, Um lugar para se inspirar, para sentir, para buscar, Um lugar de encontro e reencontro, com você, com o outro, com o dançar A chance de enxergar em outro olhar o espelho, num desejo de conseguir Intuir, construir, prosseguir, num caminho que se possa ser quem se é Nadar contramaré, sem ouro, sem nada, sem patilha no pé, Resistir, e quando a oportunidade vier, segura pela mão, e traça seus caminhos nos palcos da imensidão. Quando nada mais der conta, dança... Essa poesia, que trago como pano de fundo para as discus- sões que veremos neste texto, se fez necessária pelo senti- Adriana Celi Castelo Gomes CURSOS LIVRES, NÚMEROS, DESAFIOS E PROCESSO FORMATIVO EM DANÇA NA SÃO PAULO ESCOLA DE DANÇA 190 mento de que a escrita acadêmica talvez não desse conta de expressar camadas tão sensíveis, subjetivas e essenciais. Apenas uma tentativa despretensiosa de compartilhar num sopro poético um pouco da magnitude desse lugar chamado São Paulo Escola de Dança. Feita esta consideração, numa primeira reflexão, deve- mos considerar que a construção dos saberes em dança44 na cena contemporânea acontece de formas múltiplas, dialo- gando diretamente com a pluralidade de corpos, ideias e ide- ais. Tal multiplicidade nos permite analisar as diversas cama- das dessa trama formativa, que se estabelece principalmente por meio das políticas públicas de formação em dança. Neste cenário, a São Paulo Escola de Dança já nasce com um amplo escopo formativo pautado na diversidade e na democratização do acesso aos processos de formação e qualificação em dança. Para tal, a escola se estrutura em 4 eixos de atuação: Cursos Regulares, que têm como objeti- vo oferecer formação em caráter técnico; Cursos Livres, que promovem para a população em geral o acesso à linguagem da dança; Cursos de Extensão Cultural, que têm como obje- tivo contribuir para a criação, produção e discussão da dan- ça; e Oportunidades e Projetos Especiais, que possibilitam ações afirmativas e de oportunidade para estudantes de baixa renda e/ou em vulnerabilidade social. Feita esta introdução, neste capítulo direcionaremos o olhar ao eixo dois – Cursos Livres –, um eixo essencial e estruturante no cumprimento desse objetivo maior que é democratizar o acesso aos processos formativos em dança. NASCIMENTO, TRILHARES, DANÇA E TRANSFORMAÇÃO O projeto dos Cursos Livres nasce no final do segundo se- mestre de 2022 com o intuito de ampliar o escopo do públi- co-alvo até então contemplado pelo eixo dois. Nesse sentido, é importante sinalizar que no segundo semestre de 2022 o eixo dois era desenvolvido por meio do projeto denominado 44 Saberes em dança é um conceito desenvolvido por Godoy (2016) que diz da apropriação dos elementos que configuram a dança como uma linguagem artística. 191 Iniciação à Dança. Os cursos de iniciação também tinham por objetivo dar acesso ao aprendizado da linguagem da dança para a população em geral, mas seu público-alvo era especificamente adolescentes de 13 a 17 anos, matriculados no ensino fundamental ou médio. Tinham também como premissa disponibilizar, prioritariamente, 50% das vagas a estudantes em contexto de baixa renda ou em situação de vulnerabilidade social e/ou relacional. Com duração de dois semestres, os estudantes poderiam optar por um dos seguintes estilos: Dança Clássica, Danças Urbanas, Dança Criativa ou Dança Contemporânea. Os cur- sos tinham como proposição oferecer um espaço propício à experiência e à compreensão do que vem a ser dança, no que tange aos estilos propostos, e incentivar jovens intérpretes a assumirem esta expressão como profissão. Contudo, alguns desafios se impuseram, principalmente em relação à mobi- lização de público nessa faixa etária para a participação nos cursos. Além de a escola estar situada na área central da cida- de de São Paulo, o que pode ser um limitador de acesso ao público menor de idade, as escolas do território que atendiam essas faixas etárias eram, em sua maioria, de período integral, E S TU D A N TE S D O C U R S O L IV R E D E D A N Ç A C LÁ S S IC A | F O TO : J O Ã O A N S E LM O 192 o que impossibilitava a participação desses estudantes em ati- vidades no contraturno escolar. Diante desse cenário, ao final de 2022 a gestão da es- cola traz como proposição a ampliação do escopo do públi- co-alvo do eixo dois, implementando o projeto dos Cursos Livres. Em linhas gerais, os Cursos Livres consistem em um espaço artístico de vivências formativas que tem por objeti- vo promover o acesso à linguagem da dança para a popula- ção em geral. São indicados para o público de a partir de 13 anos de idade e desenvolvidos por meio dos cursos de Dança Contemporânea, Dança Clássica, Danças Urbanas e Dança de Salão. Nos quatro cursos, estão previstas também ativida- des extracurriculares que visam ampliar as experiências artís- ticas e pedagógicas dos estudantes. Os cursos são realizados em dois semestres, tendo cada um 76 horas-aula. Tal panorama nos dá subsídios para analisar outras tantas camadas que não emergem a olhos nus, mas que são estrutu- rantes nessa proposição artístico-pedagógica e estão alicerçadas, fundamentalmente, na democratização do acesso à formação em dança, principalmente no que tange à diversidade. A ARTE DO ACESSO: ENCONTROS E REENCONTROS COM O DANÇAR Neste universo formativo em que a escola atua, os Cursos Li- vres se tornam uma grande porta de acesso à linguagem da dança para diferentes públicos, um lugar de encontros e reen- contros com o dançar. Com sua perspectiva inclusiva e inter- geracional, o projeto acolhe pessoas que nunca tiveram con- tato com essa arte; artistas da dança e de áreas correlatas que desejam se aperfeiçoar e ampliar suas práticas; adolescentes e adultos que tiveram contato com a dança em alguma fase de suas vidas e encontram nos CursosLivres uma oportunidade de resgatar esses processos de iniciação e formação; pesquisa- dores, professores e bailarinos. É, enfim, um espaço que aco- lhe estudantes do ontem, do hoje e do amanhã, um espaço para resgatar, realizar e prospectar sonhos. 193 Pensando ainda sobre a democratização do acesso, ou- tro ponto importante a ser destacado é que essa democra- tização não se estende apenas aos estudantes, mas também aos artistas docentes que ministrarão os cursos. Anualmente é realizado o processo seletivo para docentes, o que dinami- za a trama formativa dos Cursos Livres, na medida em que oportuniza o acesso a diferentes artistas da dança e, conse- quentemente, amplia as perspectivas artísticas e pedagógi- cas para cada linguagem, que se renovam anualmente no contexto dessa proposição. Nesse contexto, o compartilhar dessas diferentes práticas docentes amplia também a ótica dos estudantes no processo de compreensão da construção de diferentes identidades estéticas45 em dança. É válido ressaltar que, no âmbito pedagógico, apesar de os Cursos Livres possuírem uma configuração de ensino múltipla e dinâmica, eles atuam de forma conectada e transversal, buscando pontos de diálogo e convergência entre os estilos e as linguagens de cada curso. São conduzidos por um tema norteador definido semestralmente e que segue como pano de fundo das discussões em aula. Esse tema é uma diretriz na escolha das atividades extracurriculares e culmina na ati- 45 Denomino aqui como identidade estética o estilo coreográfico e a linha de movimentos a serem desenvolvidos por cada artista docente. E S TU D A N TE S D O C U R S O L IV R E D E D A N Ç A C O N TE M P O R Â N E A | F O TO : J O Ã O A N S E LM O 194 vidade de encerramento do semestre, que pode se configurar em diferentes produções artísticas, principalmente pautadas no tema gerador, e nos recortes dos processos vivenciados em aula. Uma proposta que valoriza o processo, pautada na troca, na experiência e na construção coletiva de saberes. Traçado este panorama metodológico, é possível reco- nhecer que os Cursos Livres almejam que o estudante possa se tornar um agente transformador, tendo em vista que o ob- jetivo não é a repetição mecânica de qualquer tipo de técnica ou estilo, mas ter a oportunidade de ensinar ao corpo que, nesses estilos de dança, há uma série de códigos, temas e sub- temas culturalmente transversais que podem ser utilizados de diferentes formas, e que o corpo pode assimilar esses códigos e conhecimentos a fim de transformá-los em diversos saberes em dança e para a vida. De acordo com Godoy (2016), são os saberes a partir da vivência que, na dança, acontecem no corpo do estudante. Segundo a autora, a partir do sentido da experiência46 de Larrosa, o sujeito dançante se apropria, (in) corpora (vive pelo corpo) o autoconhecimento para trans- formar a vivência em experiência. Entre o tangível e o intangível, entre desejos e neces- sidades, nesse lugar vulnerável e enriquecedor da experiên- cia, e com um olhar muito atento à pluralidade e à garantia do acesso aos diversos atores desse ecossistema da dança, os Cursos Livres foram se desenhando nesse espaço de acolhi- mento para os diferentes sujeitos da experiência em dança47. Para que tal amplitude não fragilize o projeto pedagó- gico da escola, permitindo que ele seja efetivo para um pú- blico tão heterogêneo, foram se criando critérios dinâmicos, principalmente no que se refere aos processos de seleção de estudantes. Assim, algumas premissas seletivas foram estipu- ladas a partir de diretrizes da escola, de acordo com as carac- terísticas pedagógicas e de linguagem de cada curso ofertado. Quanto às prerrogativas institucionais, é importante pensarmos, num primeiro momento, que a São Paulo Es- cola de Dança, assumindo o papel de uma política pública estadual de formação para dança, pautada em perspectivas pedagógicas e artísticas contemporâneas, precisa trazer uma 46 “A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que nos correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, e escutar mais devagar, parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outro, cultivar a arte do encontro, calar muito ter paciência, dar-se tempo e espaço” (Bondía, 2014, p. 25). 47 “Sujeito da experiência em dança” ou “sujeito dançante” se referem às pessoas que vivenciam no corpo a linguagem da dança. 195 proposição educacional diferenciada dos demais projetos e políticas públicas de formação em dança já ofertados. Ou seja, para ter um trabalho diferenciado, a escola precisa con- siderar como critérios de seleção de estudantes fatores como: a vivência prévia e a trajetória formativa deste estudante, e o desejo de profissionalização na área da dança, principal- mente no caso dos cursos voltados para dança cênica, como a Dança Clássica e Contemporânea, e em certa medida tam- bém no caso do curso de Danças Urbanas. Isso porque a escola busca estar um passo além no que se refere à metodo- logia de ensino, levando em consideração a sua responsabi- lidade de auxiliar esses estudantes a ingressarem no mercado de trabalho, o que exige da instituição, portanto, mais do que a iniciação artística já desenvolvida por diversos projetos sociais de dança. Abrindo um parêntese, frequentemente os projetos sociais incluem a dança em seus programas, mas não neces- sariamente a compreendem como linguagem artística e do conhecimento. A dança torna-se passagem, atividade-meio para alcançar algum objetivo mais funcional, ou seja, a qua- lidade, amplitude, profundidade, aperfeiçoamento artístico E S TU D A N TE S D O C U R S O L IV R E D E D A N Ç A S U R B A N A S | F O TO : S A M IR A D A N TA S 196 e estético dos conteúdos ensinados e experiências vividas pe- los estudantes não têm a relevância que deveriam ter (Mar- ques, 2010). Ainda sobre o processo de seleção de estudantes, em contrapartida aos critérios priorizados em Dança Clássica e Dança Contemporânea, nos cursos de Dança de Salão e Danças Urbanas, questões como vivência prévia e desejo de profissionalização atuam mais em segundo plano. Principal- mente em relação à Dança de Salão, critérios como o dese- jo de ter um primeiro contato com a dança e encontrar na dança um lugar para saúde e socialização possuem maior relevância. Outra questão central nesse contexto é que os Cursos Livres trazem também como premissa disponibilizar, prioritariamente, 50% das vagas a estudantes em contexto de baixa renda ou em situação de vulnerabilidade social e/ ou relacional. Sob a perspectiva da gestão, a instituição desses crité- rios é uma tentativa de minimizar desigualdades e de otimi- zar a metodologia e as potencialidades de cada curso, indo de encontro às premissas e diretrizes institucionais da escola, na busca de garantir uma formação de qualidade em dança para esse universo de sujeitos dançantes. NÚMEROS DA MuDança A estratégia de alterar a faixa etária do público dos Cursos de Iniciação à Dança para além dos 17 anos, com a criação dos Cursos Livres, mostrou-se efetiva já no processo seletivo de estudantes do 1º semestre de 2023, dado o grande núme- ro de inscritos. O processo teve um total de 325 inscritos, sendo: 82 em Dança Clássica, 126 em Dança Contemporânea, 62 em Dança de Salão e 55 em Danças Urbanas. Destes, 172 ma- trículas foram efetivadas pelos estudantes, distribuídas nas quatro modalidades dos cursos, sendo: 36 em Dança Clás- sica, 36 em Danças Urbanas, 51 em Dança de Salão e 49 em Dança Contemporânea. 197A política de ação afirmativa prevista no item 3.3. do edital de seleção dos estudantes prevê: • 50% das vagas a candidato(a)s autodeclarado(a)s prove- nientes de contexto de baixa renda ou situação de vulnerabili- dade social e/ou relacional, assim entendidos aqueles que de- clararem renda familiar per capita de até um salário-mínimo; • 20% das vagas reservadas a candidato(a)s autodeclarado(a) s amarelo(as), preto(a)s, pardo(a)s ou de origem indígena. Tais percentuais foram garantidos, sendo considerados os seguintes indicadores sociais coletados na ficha de inscrição: • Renda mínima de até 1 salário mínimo; • Identidade de gênero (LGBTQIAPN+); • Candidato(a)s autodeclarado(a)s amarelo(as), preto(a)s, pardo(a)s ou de origem indígena. Já no processo seletivo do 2º semestre, os cursos tive- ram um total de 356 inscritos, sendo: 56 em Dança Clássica, 115 em Dança Contemporânea, 96 em Dança de Salão e 89 em Danças Urbanas. Destes, 137 matrículas foram efetivadas pelos estudantes, distribuídas nos quatro cursos: 32 em Dan- ça Clássica, 36 em Danças Urbanas, 38 em Dança de Salão e 31 em Dança Contemporânea. E S TU D A N TE S D O C U R S O L IV R E D E D A N Ç A D E S A LÃ O | FO TO : C A M IL O B A R B O S A 198 Tais números sinalizam a potência da reconfiguração feita no eixo dois, com a implementação dos Cursos Livres, em 2023, por parte da gestão educacional. Tal condução cor- responde às ideias de Schön, na medida em que se avalia e reflete sobre as próprias práticas profissionais até então ado- tadas para que ocorra a tomada de consciência e modificação visando novas ações (Andrade; Godoy, 2018). Com isso, a implementação do projeto dos Cursos Livres perpassou tam- bém pelo conceito de professor reflexivo trazido por Schön, que constrói os seus saberes na relação com a ação, reflexão e a volta à ação. A reflexão na ação é o saber que está presente na tomada rápida de decisão em determinada situação, a fim de solucionar um problema e reformular constantemente a sua prática (Andrade; Godoy, 2018). CONCLUSÃO Diante dessas reflexões, é possível observar que o projeto dos Cursos Livres, no que se refere ao escopo pedagógico da escola, acaba por ser estruturante na medida em que está alicerçado, fundamentalmente, na democratização do acesso à formação em dança, principalmente no diz respeito à diversidade. Nesse cenário, tornou-se uma grande porta para o ingresso de dife- rentes públicos, inclusive numa perspectiva intergeracional, para a vivência em dança, constituindo-se como um lugar de encontros e reencontros com o dançar. Outro ponto que merece ser destacado nesta reflexão é a dinamicidade metodológica de ensino, que se desenha a partir das diferentes perspectivas pedagógicas e artísticas de cada artista docente que atua nos cursos. É válido destacar, também, que a instituição dos critérios para os processos seletivos de estudantes possibilita minimizar desigualdades e otimizar a metodologia e as potencialidades de cada curso, corroborando as premissas e diretrizes institucionais da escola na busca por garantir uma formação diferenciada e de qualidade em dança para esse universo de sujeitos dançantes. 199 Quanto aos números, comprovou-se que a estratégia de ampliar o escopo da faixa etária dos Cursos de Iniciação a Dança para além dos 17 anos, com a criação dos Cursos Livres, foi efetiva, visto o grande número de inscritos tanto no primeiro quanto no segundo semestre. Nesse trânsito entre o tangível e o intangível, nesse lugar vulnerável e enriquecedor da experiência, e com um olhar muito atento à pluralidade e à garantia do acesso aos diversos atores desse ecossistema da dança, podemos afirmar que os Cursos Livres se tornaram esse espaço de acolhimen- to para os diferentes sujeitos da experiência em dança, nesse verdadeiro palco do encontro. E S TU D A N TE S D O S C U R S O S LI V R E S N A JA M M U LT IL IN G U A G E N S | F O TO : S A M IR A D A N TA S 200 REFERÊNCIAS ANDRADE, Carolina Romano; GODOY, Kathya Maria Ayres de. Dança com crianças: propostas, ensino e possibilidades. Curitiba: Appris, 2018. BONDÍA, Jorge Larrosa. Tremores: escritos sobre a experiência. Tradução de Cristina Antunes. 1. ed. Belo Horizonte: Autên- tica, 2014. GODOY, Kathya Maria Ayres de. Saberes em dança: possibili- dades de rasgar espaços para a formação profissional emanci- padora. In: Anais IV Congresso Nacional de Pesquisadores em Dança. Comitê Dança em Mediações Educacionais, Sal- vador, set. 2016. MARQUES, Isabel A. Linguagem da dança: arte e ensino. São Paulo: Digitexto, 2010. 201 202 O conhecimento é realizado em rede, mesmo que ela não se evidencie aos olhos, mentes e corpos de todos. Suas grafias fi- cam como que desconhecidas, mesmo entre aqueles e aquelas que convivam muito proximamente de centros de pesquisa e formação, teatros e mestres, em localizações que se constituem como polos culturais que concentram, de maneira ampla, ca- pital financeiro, cultural, simbólico e, portanto, estético, ar- tístico e coreográfico, como é o caso do estado de São Paulo, notadamente sua capital. Uma cidade como São Paulo, um dos centros da dança do mundo, concentra grande quantidade de pes- quisas, danças, companhias, escolas, bailarinos e coreó- grafos. É um centro de arte que recebe, de maneira ímpar, se a comparamos com outras capitais do Brasil, espetácu- los de muitos locais, haja vista incorporar-se como uma atuante metrópole consumidora e fruidora de bens cultu- rais e artísticos. Nesse sentido, poucas cidades do planeta podem ser a ela comparadas, mesmo que uma lacuna ainda persista: as obras de dança, inventadas e produzidas em seu terri- tório e no estado do qual é capital, pouco se apresentam Cássia Navas DESCONCENTRAR E DESCENTRALIZAR: HISTÓRIAS E HISTORIOGRAFIAS 203 fora de seus limites em território nacional ou alhures. Suas obras permanecem concentradas em territorialidades pau- listas, proeminentemente em topologias paulistanas, cujos teatros e espaços cênicos recebem obras de várias partes do país e do planeta. Estudar estas obras – paulistas ou não – e as trajetórias artísticas que as fizeram desembocar frente a plateias locais, coreografias de hoje e de ontem, faz parte de um labor his- toriográfico em dança da cidade e seu estado, sendo, mais recentemente, construída a várias mãos. Os resultados desse labor em historiografia/histó- ria muito dificilmente chegam aos estudantes e mesmo professores de dança, sendo necessário e fundamental que eles melhor se espraiassem por muitas topologias core- ográficas, gerando consensos e dissensos, reflexão e en- tendimento de um campo. Enfim, faz-se necessário, cada vez mais, difundir história e historiografias da dança para além da história que se encarna nos espetáculos, criadores e bailarinos. Nesse sentido, em 2019, os pesquisadores brasileiros Airton Tomazzoni (Centro Municipal de Dança de Por- to Alegre), Arnaldo Alvarenga (UFMG), Arnaldo Siqueira (UFPE), Beatriz Cerbino (UFF), Cássia Navas (UNICAMP), Eliana Rodrigues (UFBa), Henrique Rochelle (Outra Dan- ça/SP), Luciana Paludo (UFRGS), Rosa Primo (UFC) e Leonel Brum (UFC) fundaram uma rede (ainda a se estruturar) para aprofundar os trabalhos sobre o tema, a Rede de Pesquisa CoreoHistória. O projeto surgiu a partir do seminário IDA- -E-VOLTA (Bienal Internacional de Dança do Ceará/Teatro Sérgio Cardoso, 2016), no ano do programa “Danse: Bré- sil-France”, que também resultou no livro Dança, História, Ensino e Pesquisa. Tal preocupação, no entanto, não se restringe aos pes- quisadores em dança no Brasil. O desafio das ações em his- tória da dança se faz presente há algum tempo, em todo o campo coreográfico mundial, como o apresentado no texto que introduz a publicação L´histoire de la danse, repères dans le cadre du diplôme d´État. Cahiers de la Pédagogie (Paris: 204 Centre National de la Danse, 2000), escritopela pesqui- sadora-gestora Claire Roussier. Na introdução, a pesquisadora lista as dificuldades des- sa área de estudo. Segundo ela, é um campo que necessita de desenvolvimento mais aprofundado e construção de fontes primárias, tendo em vista a pouca bibliografia (se comparar- mos sua produção à de outras artes), a pequena quantidade de pesquisadores, quase sempre sobrecarregados, as poucas traduções de livros seminais em línguas locais, a falta de ar- quivos e de documentação organizada. A história da dança seria um canteiro aberto, em cons- trução constante e com pouco reconhecimento, mas abso- lutamente necessário por motivos que compartilhamos até hoje: aprofundar os estudos em dança clássica, moderna, contemporânea e atual; responder às interrogações da co- munidade de artistas da dança, procurando em cada um as ferramentas de expressão e reflexão; abrir-se para outros campos culturais, da arte e do conhecimento. Roussier refere-se ainda a recolocar o bailarino no co- ração da história, oportunizando-se uma “tomada de cons- ciência, a tolerância, o interesse mútuo, entre todos”, ao se E S TU D A N TE S D O C U R S O D E E X TE N S Ã O C U LT U R A L | F O TO : I A R I D AV IE S 205 valorizar seus saberes e dos demais artistas e métiers da dan- ça, a partir de especificidades (no plural). O crescimento da pesquisa em história e historiografia, também fruto de uma maior presença de graduação em dan- ça nas universidades do Brasil, vem resultando uma maior quantidade de escritos no campo, alguns deles publicados em pelo menos duas línguas: português e inglês. Com isso, presencia-se uma maior descentralização de conteúdos vá- rios, tornando, a conta-gotas, menos desconhecidas as traje- tórias de artistas, companhias e histórias de formação, cria- ção e difusão. DESCENTRALIZAR & DESCONCENTRAR Considerando que sempre haverá centros produtores que des- centralizarão os seus conteúdos, tomemos por dado que esses conhecimentos se deslocarão de um polo para outras topolo- gias a ele não centrais. Esses conhecimentos chegariam (e chegam) em forma e conteúdo definidos, abrindo espaço para serem ouvidos (lidos e dançados), replicados ou refeitos, muitas vezes assu- mindo o papel de colonizadores, mesmo em tempos pós-co- loniais ou decoloniais. Todavia, nesse cenário, lado a lado à descentralização, há outra maneira de ação, o modo da “desconcentração”, uma palavra-conceito muito utilizada pela gestão cultural pública francesa na década de 1980, anos do mandato do presidente da República François Mitterrand e de seu mi- nistro da cultura, Jaques Lang, período a respeito do qual se debruçam inúmeros estudos. Mas como se configura a “desconcentração”? Ela se dá por meio de uma nucleação da cultura/arte, mais forte, sim- bólica e financeiramente rentável, que abre tempo e espaço (investe capital financeiro e cultural) para que outra cen- tralidade — em princípio considerada “borda” — produza, transmita e difunda sua produção e seu conhecimento (ge- ralmente pouco ou nada conhecidos pela instituição respon- 206 sável pela abertura desse tempo-espaço), onde se dará, caso este seja o objetivo, a desconcentração de conhecimentos, em nosso caso, do campo da história da dança. Para mais saber sobre as diferenças entre esses concei- tos – descentralização e desconcentração –, segue um pouco do acontecido nas estruturas da gestão da dança francesa, sobretudo na década de 1980, quando medidas de descentrar do poder do estado central foram estabelecidas mediante ra- mificações de suas estruturas nas regiões administrativas da França. Ou seja, deixava-se de decidir à distância para deci- dir-se “de perto”. Diferentemente desse movimento na déconcentra- tion (desconcentração), o Ministério da Cultura (governo central) provia dinheiro diretamente às regiões, abstendo- -se de tomar as decisões sobre o seu planejamento finan- ceiro-administrativo. Como consequência desse estado de coisas, o conhecimento e a arte da dança também eram “lidos-ouvidos-dançados” a partir de características locais, abrindo-se o leque da alteridade, apesar da forte tradição cultural que enfeixa em Paris os principais vetores da arte do país. E S TU D A N TE S D O C U R S O D E E X TE N S Ã O C U LT U R A L | F O TO : C A M IL O B A R B O S A 207 SÃO PAULO ESCOLA DE DANÇA: HISTÓRIAS E HISTORIOGRAFIAS Voltando-se à importância de base da produção e disse- minação de história e historiografias da dança, quando da implantação dos cursos de extensão cultural da São Paulo Escola de Dança, deu-se especial importância a esse conteúdo no primeiro semestre de 2022, desde o início tendo-se em mente a descentralização e a desconcentração de conhecimentos. A extensão cultural da Escola, através de suas ações, viria a abordar temas da história da dança, técnicas espe- cíficas, conteúdos práticos e teóricos de iniciação à dança, atuação no mercado de trabalho, integrando-se com outras linguagens artísticas e/ou áreas do conhecimento e da arte. Dirigidos ao público em geral, seus cursos abrigam-se em quatro blocos: “Artes Coreográficas e Corpo que Dança”, “Coreografia, Arte de Muitos Palcos”, “Ensino-aprendizados Coreográficos” e “Artes Coreográficas e Seus Contextos”, se- gundo texto do site da Escola. A história da dança, primeiro tema a ser listado entre os seus conteúdos, faz parte do bloco “Artes Coreográficas e Seus Contextos”, composto de “cursos teórico-práticos do campo da história/historiografia, considerando-se a di- versidade de histórias que compõem a nossa sociedade, das mais conhecidas àquelas de grupos minoritários a fim de revelar a potência e a diversidade das artes coreográficas em seus diferentes e singulares contextos”, também segundo site da Escola. Com esse escopo, um dos primeiros cursos ministra- dos foi o “História Já”, realizado online, com quarenta va- gas preenchidas por estudantes de vários estados do país. Sua proposta foi o “estudo da história e historiografias da dança, ontem e hoje, a partir de uma abordagem cro- nológica linear, a cargo de um/uma professor(a) central, contando-se com abordagens de histórias/historiografias ‘não oficiais’, enfatizando-se as culturas e expressões liga- das a questões diaspóricas, indígenas e de gênero, que se- 208 rão apresentadas por palestrantes ao longo do calendário do curso”. Conforme seus objetivos também seriam abordados aspectos de danças étnicas (brasileiras e de comunidades es- trangeiras do/no Brasil) e/ou de danças do nacional-popular (da urbanidade, ruralidade e danças de origem rural que ha- bitam as cidades). A partir da seleção de professores, decidiu-se que con- taríamos com dois professores de base (acima chamados de centrais) – os selecionados foram Henrique Rochelle e Ivan Bernardelli, cujas aulas foram interpoladas por palestras de Gerson Steves (Histórias do Teatro Musical), Jerá Guarani (Danças do povo Guarani Mbya) e Inaicyra Falcão (Danças pretas, negras: ancestralidades). Com essa experiência, na realização do segundo cur- so online de história da dança (segundo semestre/2022), to- mou-se a decisão de mais profundamente descentralizar e desconcentrar as narrativas, constelando-se várias visões de mundo a partir de diferentes, entretanto nem sempre des- conectadas, histórias da dança das cinco regiões do Brasil: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. E S TU D A N TE S D O C U R S O D E E X TE N S Ã O C U LT U R A L | F O TO : S A M IR A D A N TA S 209 MEIOS DE DESCENTRAR, PÓS-PANDEMIA DE COVID-19 Há que se ressaltar que, ao longo da pandemia de Covid-19 (2020-2021), após tanto treino de aulas, palestras e espetáculos virtuais – que seguem acontecendo atualmente, embora em menor quantidade – a possibilidade de realizar-se um curso online por meio da plataforma Zoom devemos grandemente à presença descentralizada de professores e de estudantes ao longodeste curso, em experiência já vivenciada no “História Já”. No entanto, não foi somente isso que nos guiou. Na sele- ção de professores e professoras, privilegiou-se o topus da pes- quisa de cada mestre, ancorado em sua vivência, universidade e região de origem. O que já se anunciava, no curso História da Dança no Brasil, era buscar, a partir de abordagens cronológicas linea- res, o estudo da história e historiografia do Brasil com base nas pesquisas do campo histórico, privilegiando-se enfoques especializados de professores das cinco regiões do país. Com isso, os encontros nos trariam “abordagens de temas trans- culturais e, portanto, transestéticos, a arte se revelando pelo avesso e direito de seus percursos. A história sendo, desta maneira, penteada a contrapelo”, como no site da Escola. Para tanto, dos professores e professoras seriam de- mandadas abordagens de histórias/historiografias “não ofi- ciais”, enfatizando-se as culturas e expressões ligadas a ques- tões diaspóricas, indígenas e de gênero. Também poderiam ser abordados aspectos de danças étnicas (brasileiras e de comunidades estrangeiras do/no Brasil) e/ou de danças do nacional-popular (da urbanidade, ruralidade e das danças de origem rural que habitam as cidades). Tudo isso posto, em sua estruturação, cada docente tendo a responsabilidade de 16 horas-aula divididas em qua- tro encontros, a desconcentração de conteúdos e metodo- logias, durante o “Histórias da Dança no Brasil”, realizado pela e na extensão cultural da Escola, foi radical. Ao longo de suas 64 horas de duração, pela ação de um centro de formação/ensino, a SPED, colocou-se capital 210 cultural e financeiro – professores contratados e estudantes selecionados – em arena virtual, na qual a história da dan- ça de cinco regiões do país esparramou-se abundantemente diante de nós. Através da pesquisa em história e historiografia de cin- co pesquisadores, sediados em cidades diferentes: Arnaldo Siqueira (UFPE/Recife/Pernambuco), Waldete Brito (UFPA/ Belém/Pará), Airton Tomazzoni (Porto Alegre/Rio Gran- de do Sul), Rafael Guarato (UFG/Goiânia/Goiás) e Arnaldo Alvarenga (UFMG/Belo Horizonte/Minas Gerais), pudemos acompanhar os trajetos expostos por cada um deles. Cada encontro transformou-se num estar defronte a uma desconcentração de conteúdos, em aulas online síncro- nas, acompanhadas por estudantes atentos às similitudes, di- ferenças, origens e originalidades. Num programa de curso calcado no descentralizado (de professores e estudantes de todo o Brasil) e na descon- centração epistêmica, as historiografias inéditas e as histó- rias nada, pouco ou mal conhecidas foram sendo fiadas. A cada aula, professores e estudantes tecendo frente e verso de narrativas inaugurais para muitos dos que, no entrela- E S TU D A N TE S D O C U R S O D E E X TE N S Ã O C U LT U R A L | F O TO : S A M IR A D A N TA S 211 çamento de telas de computadores e smartphones, seguiam cada aula. Polos culturais estavam a conversar entre si, em diálo- gos nos quais se visualizavam redes de vários nós, numa po- rosidade de conhecimento em dança jamais construída antes em nosso país, pelo menos até onde minha vista alcança. Particularmente, a partir duma experiência de pes- quisadora-professora de longa data, e conhecendo dança de muitas partes do Brasil, me coloquei atenta a essas narrativas descentradas de minha topologia laboratorial de pesquisa cotidiana – a dança de muitas partes que acompanho mais de perto em São Paulo. A sensação era de alteridade, dum centro eu me des- locava para outro centro, me sentindo em sua borda, em seus entornos, tentando anotar o conteúdo desconhecido ou o parcamente conhecido, em ondas de desconcentração de conhecimento histórico de um campo no qual estruturo mi- nha vocação e talento de pesquisadora. Foi uma oportunidade não somente por mim aber- ta, àquele momento ainda como coordenadora da Exten- são Cultural da Escola, como também por aqueles que me precederam e por estes e estas desta hora, como Inês Bogéa, diretora artística e educacional da São Paulo Escola de Dan- ça, aqui representando as múltiplas equipes, coordenações e superintendências que mantêm essa escola em pé. Uma experiência única em dezesseis encontros, em que nos mirávamos em vários espelhos, repercutindo vários pon- tos de vista, transitando em percursos duma topologia trans- regional, transurbana e transestética, a partir da afirmação das diferenças que nos separam, mas também da constatação das similitudes, que deveriam nos unir em tempo em que tal contexto nem sempre se torna evidente. O investimento na descentralização veio a promover a desconcentração do co- nhecimento sobre história e historiografias da dança, sobre a dança em si. Que esses movimentos possam fazer a diferença no fu- turo próximo, a partir da dança, um campo que é uma das riquezas da cultura atual brasileira. Que isso fique claramen- 212 te expresso através das múltiplas narrativas que se construam em rede histórica, minimizando-se as intracolonizações ou colonizações predatórias, com respeito às tradições em arte e ancestrais, mas também ao novo, garantindo-se com genero- sidade a abertura à invenção processual do agora. E S TU D A N TE S D O C U R S O D E E X TE N S Ã O C U LT U R A L | F O TO : I A R I D AV IE S 213 REFERÊNCIAS FOSTER, Susan. Corporealities: Dancing Knowledge, Culture and Power. Chicago: Routledge, 1995. GINOT, Isabelle; MICHEL, Marcelle. La danse au XXeme. Siècle. Paris: Bordas, 1999. GUY, Jean-Michel. Les Publics de la danse. Paris: La Docu- mentation Français, 1991. LOUPPE, Laurence. Poétique de la danse contemporaine. Contredanse/Librarie de la Danse: Bruxelles/Paris, 1997. METZINGER, Charles. 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Acesso em: 25 jul. 2023. 215 PA R TI C IP A Ç Ã O D O S E S TU D A N TE S D O S C U R S O S LI V R E S D E D A N Ç A C LÁ S S IC A E D A N Ç A S U R B A N A S E M O Q U E B R A- N O ZE S N O M U N D O D O S S O N H O S D A S P C D | FO TO : M A R C E LO M A C H A D O 216 E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A N O S E S C B O M R E TI R O (2 02 2) | F O TO : J O Ã O A N S E LM O 217 E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A N O S E S C B O M R E TI R O (2 02 2) | FO TO : G IO VA N N A B A R A LD I 218 E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A N O S E S C B O M R E TI R O (2 02 2) | FO TO : J O Ã O A N S E LM O 219 E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A N O S E S C B O M R E TI R O (2 02 2) | FO TO : J O Ã O A N S E LM O 220 E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A N O S E S C B O M R E TI R O (2 02 2) | FO TO : G IO VA N N A B A R A LD I 221 E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A N O S E S C B O M R E TI R O (2 02 2) | F O TO : J O Ã O A N S E LM O 222 E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A N O S E S C B O M R E TI R O (2 02 2) | FO TO : G IO VA N N A B A R A LD I 223 E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A N O S E S C B O M R E TI R O (2 02 2) | FO TO : G IO VA N N A B A R A LD I 224 E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A N O S E S C B O M R E TI R O (2 02 2) | FO TO : G A B R IE LA P IN A E G IO VA N N A B A R A LD I 225 226 A metodologia e a formação nos cursos de dança podem va- riar dependendo do foco específico de cada curso, que se re- laciona diretamente ao contexto social, político e cultural na construção do saber do corpo que dança. Como descreve a pesquisadora Isabel Marques (2011, p. 48), “conhecimento em arte articula-se com o conhecimento através da arte, proble- matizando e abrindo um leque de possibilidades de relações entre arte, ensino, aluno e sociedade”. Nesse contexto, a dan- ça é uma forma de expressão artística que desempenha um papel significativo no desenvolvimento cultural e pessoal do indivíduo, possibilitando outras formas de se comunicar com o mundo. No processo de escolarização da dança, é essencial adotar uma metodologia sólida e proporcionar uma forma- ção adequada que dialogue com a sociedade, o estudante e a dança. Já no processo de formação em dança, é necessário compreender que prática e teoria caminham juntas, tecendo uma rede de conhecimentos da arte na construção de uma educação técnica e artística. Nesse sentido, na educação em dança o corpo do es- tudante é um colaborador no processo de ensino-aprendiza- gem e na produção de significados e percepções. À medida Flavio Lima PROCESSOS DE FORMAÇÃO EM DANÇA NOS CURSOS REGULARES DA SÃO PAULO ESCOLA DE DANÇA 227 que o estudante toma mais consciência do seu corpo e reflete sobre seu potencial artístico e técnico, desenvolve mais suas capacidades de realizar a dança na descoberta de si mesmo e do mundo que o cerca. É um processo de estudar a arte da dança como uma manifestação artística que transforma os estudantes em pensadores e fazedores de dança. Para o artista da dança, o corpo não é só uma realidade biológica, mas sim carregado de uma capacidade que, através da sua corporalidade, repercute nas relações humanas e no campo educativo. Por meio da dança, o bailarino(a)/dançarino(a) procura encontrar seu espaço e tempo no mundo, na bus- ca de uma corporeidade que dialogue com suas expectativas e anseios artísticos, reconhecendo seu momento histórico entre passado, presente e futuro, desenvolvendo-se a partir do aprendizado das diferentes linguagens/técnicas de movi- mento que aprende ao longo de sua formação. Os cursos regulares de formação em dança da São Pau- lo Escola de Dança oferecem oportunidades metodológicas de estudos práticos e teóricos em dança como “Dança e Per- formance”, “Técnicas de Dança” e “Teatro Musical”, entre outros do ecossistema da dança, nos quais o estudante tem a possibilidade de trabalhar com artistas da área, participar de projetos artísticos ou realizar pesquisas e projetos práticos no campo da dança. Ao longo do curso, o estudante tem contato com di- versas aulas de técnicas de dança que visam expandir o re- pertório de movimentos, explorando diferentes abordagens, assim como improvisação, composição coreográfica, dança clássica, dança contemporânea, dança moderna, danças afro- diaspóricas, entre outras linguagens da dança. Em relação às bases teóricas, estão incluídas disciplinas que fornecem aos estudantes uma compreensão dos fundamentos históricos, culturais e estéticos da dança. Os componentes abordam te- mas como a história da dança, análise de movimento, es- tudos culturais e estéticos, anatomia e fisiologia aplicadas à dança, entre outros conteúdos que dialogam com a con- temporaneidade. Desse modo, é importante ressaltar que a metodologia e a formação nos cursos de dança podem variar 228 de acordo com as abordagens pedagógicas adotadas por cada instituição, assim como as especializações dos docentes e as demandas específicas do mercado de dança. Entre os cursos oferecidos na São Paulo Escola de Dança está o curso regular de Técnicas de Dança, que visa o desenvolvimento artístico centrado na exploração e estu- dos das abordagens técnicas e estéticas envolvendo a dan- ça clássica, moderna e contemporânea, que é uma parte significativa do currículo. Os conteúdos são relacionados diretamente à corporalidade na busca da consciência corporal e de habilidades técnicas e expressivas percorrendo estudos sobre: tempo, frase, ritmo e duração do movimento, estruturação do movimento no espaço, anatomia e fisiologia do movimento. É uma proposta abrangente e estruturada para bailarinos que desejam aprimorar suas habilidades técnicas e expressivas. Com foco na compreensão dos fundamentos da dança, o curso visa proporcionar uma base sólida para o desenvolvimento artístico e aprimoramento técnico e cênico. Contando com aulas práticas e teóricas, os estudantes são orientados por profissionais experientes, capacitando-os a aprimorar as técnicas de dança e sua expressividade. E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A V E S P E R TI N O | FO TO : C A M IL O B A R B O S A 229 No decorrer dos módulos, os estudantes desenvolvem seus conhecimentos e estudam a técnica, a precisão e a flui- dez dos movimentos, por meio de exercícios específicos e sequências coreográficas. Também se busca estimular a cons- ciência corporal, coordenação motora, ganho de força mus- cular e o alinhamento postural, aprimorando a qualidade estética e propriedade nas técnicas de dança estudadas, além de possibilitar uma compreensão teórica sobre a história da dança e suas influências na dança contemporânea e moder- na, explorando a expressão emocional, a conexão com a mú- sica e a interpretação da dança. Para o curso regular de Teatro Musical na São Paulo Escola de Dança, são desenvolvidos ao longo dos módulos estudos corporais por meio das técnicas de dança específicas da área. Também são feitos estudos, a partir de uma gra- de de conteúdos necessária à formação em teatro musical, abordando de forma integrada as três principais áreas desse segmento artístico: interpretação, canto e dança. Dessa for-ma, o objetivo é desenvolver as habilidades de atuação do es- tudante, aprimorando sua expressividade e conexão com os personagens, por meio de exercícios de improvisação, análise de texto e montagem de cenas, assim como capacitá-los na técnica vocal, trabalhando a projeção, entonação e respira- ção, a fim de que possam cantar e interpretar canções com propriedade e emoção. Corporalmente, busca-se introduzir os estudantes em diferentes técnicas de dança que fazem par- te dos estudos em teatro musical, com ênfase na coordena- ção motora, ritmo e expressão corporal, proporcionando co- nhecimentos sobre produção teatral, cenografia e figurino, permitindo-lhes compreender a dinâmica dos bastidores de uma montagem teatral. A metodologia do curso é baseada em uma abordagem prática/teórica, participativa e colaborativa. A teoria é com- binada com a prática, permitindo que os estudantes viven- ciem situações reais de atuação no teatro musical. As aulas são ministradas por profissionais com experiência no cam- po da dança, música e teatro, garantindo uma aprendiza- gem fundamentada e de qualidade nas diferentes linguagens 230 que abrangem a formação em Teatro Musical. No curso são abordados: conteúdos de história e evolução do teatro mu- sical, apresentando os principais marcos e gêneros ao longo do tempo; técnica de interpretação, com exercícios de im- provisação, interpretação de monólogos e cenas, criação de personagens e trabalho em grupo; técnica vocal, que inclui aquecimento vocal, projeção da voz, controle respiratório e expressão através do canto; técnica de dança, abordando fundamentos de diferentes linguagens de dança utilizados no teatro musical, como jazz, sapateado, balé clássico e dan- ça contemporânea; assim como Preparação e Montagem de números musicais, incluindo ensaios e preparação de cenas musicais, com integração de atuação, canto e dança. Por fim, o curso de teatro musical é uma oportunidade para bailari- nos(as) e dançarinos(as) aprofundarem seus conhecimentos e habilidades em uma área ampla que abrange o canto, a dança e a interpretação. Dessa forma, ao término do curso, os estudantes estarão aptos a enfrentar os desafios da vida profissional no teatro musical. Para o curso de Dança e Performance, a preparação cênica é parte essencial. As aulas possibilitam o desenvol- E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R T E AT R O M U S IC A L N A E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A N A P R A Ç A JÚ LI O P R E S TE S (2 02 3) | FO TO : S A M IR A D A N TA S 231 vimento de conhecimento a partir de movimentos e ideias, explorando sua expressão artística e habilidades de compo- sição, na produção de sentidos e significados do corpo para a cena. Nos estudos da estrutura de movimento, a proposta é desvelar sentidos na busca de uma corporeidade singular. Ampliando a criatividade e as possibilidades de expressivi- dade corporal para a cena, o curso regular de Dança e Per- formance é um caminho de estudo que busca capacitar os estudantes através da conexão entre dança e performance, oferecendo a oportunidade de desenvolver suas habilidades e competências artísticas, bem como a compreensão por meio do movimento. Dessa maneira, o aluno é estimula- do a desenvolver as habilidades técnicas de dança, incluindo postura, flexibilidade, coordenação motora e domínio das diferentes linguagens da dança; explorar a interpretação e a performance no contexto da dança, compreendendo a ex- pressão emocional e a comunicação com o público; além de integrar a dança a outras formas de arte, como música, teatro e artes visuais, enriquecendo a experiência da performance. A troca de conhecimento entre estudantes e docentes resulta no aprimoramento de suas habilidades e compreen- são, aprofundando o entendimento das técnicas de dança, expressão corporal e da performance, bem como potenciali- zando sua capacidade de desenvolver uma dança singular. É uma oportunidade para aprofundar seus conhecimentos em dança, ampliar suas habilidades interpretativas e criativas, e descobrir novas possibilidades de atuação artística na dança, uma vez que os estudantes são encorajados a explorar sua dança em conexão com a contemporaneidade. O curso regular da São Paulo Escola de Dança é de- senvolvido de forma modular, sendo dividido em quatro se- mestres, e cada módulo tem estrutura com começo, meio e fim, dividido em três etapas: O que nos Une, Criação Artís- tica e Estética e Mundo do Trabalho. Na etapa O que nos une, o estudante vivencia os conteúdos práticos e teóricos pertinentes ao curso específico em que está estudando. São temas que têm um diálogo direto com o universo da dança no campo formativo, no contexto da contemporaneidade. 232 Durante o módulo acontece o Território Artístico, esse é o momento em que os cursos regulares do ecossistema da dança se reúnem para discussões e palestras que abordam te- mas relacionados à história da dança, análise de performan- ces e como a dança se integra com outras formas e estéticas. Também se incentiva a reflexão sobre a importância da ex- pressão pessoal e da autenticidade na dança. Ao mesmo tem- po em que participa do aprendizado a partir da prática de dança, o estudante é direcionado para refletir e compartilhar as suas experiências dançantes com o outro. Ainda durante essa etapa do módulo, o curso propõe pensar a dança a partir de um espaço específico, ou seja, a espacialidade onde a dan- ça cênica é realizada – eixo horizontal. Ao mesmo tempo, é atravessado por temas que dialogam com a sociedade e estão diretamente ligados à dança – eixo vertical. A etapa de Criação Artística e Estética nos cursos re- gulares de dança é o momento em que os estudantes parti- ciparão de processos de criação, sendo incentivados a viven- ciarem os ensaios e apresentações ao longo do curso, a fim de aplicar os conhecimentos adquiridos em situações reais a partir das criações coreográficas experienciadas no processo E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D A N Ç A E P E R FO R M A N C E M AT U TI N O N A E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A N A P R A Ç A JÚ LI O P R E S TE S (2 02 3) | FO TO : S A M IR A D A N TA S 233 criativo. O foco é proporcionar aos estudantes o aprimora- mento de suas habilidades técnicas nas diferentes linguagens da dança, desenvolvendo maior domínio dos movimentos e maior consciência corporal, visando o desenvolvimento téc- nico e artístico para uma atuação cênica mais consistente na vida profissional. A etapa O mundo do Trabalho é o momento em que o estudante, além de dar continuidade aos estudos técnicos e artísticos desenvolvidos nas etapas anteriores, reflete sobre as experiências vivenciadas, compreende as relações de inte- ração do seu lugar como intérprete, intérprete/colaborador e intérprete/criador em relação ao coreógrafo, necessários para o seu papel de atuação como artista da dança. Nesse sentido, relaciona os conhecimentos desenvolvidos nessa etapa com as possibilidades de atuação no mercado de trabalho. A par- tir do que foi desenvolvido coreograficamente, o estudante revisita o processo criativo com o propósito de aprender, a partir das problemáticas surgidas na criação, para realizar a reapresentação da obra coreográfica. É um processo forma- tivo de reflexão e repetição onde se busca um olhar pedagó- gico nas tarefas realizadas que serão somadas ao Seminário Artístico Temático. O Seminário Artístico Temático acontece concomi- tantemente à etapa O Mundo do Trabalho. É um encontro que reúne os estudantes de cada curso, para desenvolverem projetos artísticos com o objetivo de apresentar e compar- tilhar conhecimentos e experiências relacionados ao campo da dança, promover a troca de ideias, fomentar o desenvol- vimento artístico e incentivar a reflexão sobre questões ar- tísticascontemporâneas e históricas, além de impulsionar o diálogo crítico no campo da arte. Dessa maneira, os seminá- rios podem abordar diversas áreas artísticas, como pintura, escultura, fotografia, dança, teatro, música, literatura, cine- ma, entre outras. Os estudantes também podem participar de uma re- sidência artística, um projeto que oferece a oportunidade de vivenciar práticas artísticas e criativas desenvolvidas por profissionais selecionados pela instituição, visando a troca 234 de conhecimentos e outras experiências artísticas no uni- verso da dança. A companhia ou coletivo de dança que re- aliza a residência tem como foco envolver os artistas profis- sionais com os estudantes para troca de ideias e interação, através de processos criativos e propostas colaborativas. Nesse sentido, o estudante experimenta outras maneiras de lidar com o processo de criação, sendo motivado, junta- mente com os profissionais atuantes, a se desafiar em pro- cessos específicos de criação e pesquisa em dança, por meio de estruturas autorais de artistas, grupos e coletivos. Desse modo, o estudante terá a oportunidade não apenas de mer- gulhar em um processo criativo ou repertório coreográfico desenvolvido anteriormente, como também de receber su- porte, orientação e mentoria técnica e artística. A residên- cia tem duração de um mês, acontecendo no contratur- no do curso regular em que o estudante está matriculado. Trata-se de uma experiência transformadora, que permite aprimorar suas habilidades e explorar novas perspectivas, assim como expandir suas redes profissionais e criar opor- tunidades de se conectar com a criatividade de forma mais próxima e envolvente. R E S ID Ê N C IA A R TÍ S TI C A "F LO R E S TA " D E TH IA G O C O H E N C O M A P A R TI C IP A Ç Ã O D E E S TU D A N TE S D A S P E D | F O TO : S A M IR A D A N TA S 235 Por fim, as propostas educacionais apresentadas pela São Paulo Escola de Dança nos cursos de Dança e Perfor- mance, Técnicas de Dança e Teatro Musical buscam o de- senvolvimento a partir dos valores intrínsecos e reflexivos no campo da arte, permeado por outros fatores no processo de educação, no desenvolvimento do processo de ensino- -aprendizagem, em que o estudante vivencia informações cognitivas e afetivas, como parte integrada na construção de conhecimento. Assim, busca-se o desenvolvimento no en- sino e aprendizagem sustentados no movimento reflexivo, para costurar os fios que unem sensibilidade e conhecimen- to, movidos por desejos e intenções. Tal desenvolvimento pedagógico contribui para acionar a curiosidade, o pensa- mento, os sentimentos e a ação prospectiva para profissiona- lização, com o propósito de abrir possibilidades de inserção dos estudantes no ecossistema da dança dentro do mercado de trabalho. E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E D A N Ç A E P E R FO R M A N C E M AT U TI N O | FO TO : I A R I D AV IE S 236 237 O ensino na São Paulo Escola de Dança vai além do mero aprendizado de passos e movimentos coreografados. Na Es- cola, os estudantes desempenham um papel fundamental ao pensar a dança e seu ecossistema, desenvolvendo-se de manei- ra física, cultural e social. Isso é alcançado por meio de uma pedagogia que se baseia na metacognição. A metacognição, em sua essência, refere-se à capaci- dade de refletir sobre o próprio pensamento e aprender a aprender. No contexto do ensino de arte, esse conceito en- volve encorajar os estudantes a explorar e compreender suas próprias práticas artísticas, examinando seus processos de criação, tomando decisões conscientes e avaliando os resul- tados de seus esforços. Através da metacognição, os estudan- tes adquirem uma compreensão mais profunda de si mesmo por meio da dança, fortalecendo sua autoconfiança e senso de identidade criativa. Nesse contexto, é imprescindível ressaltar a relevância da Dramaturgia da Dança, especialmente nos cursos regula- res oferecidos pela São Paulo Escola de Dança. Este curso na cidade de São Paulo inaugura um espaço no que diz respeito à formação e ao futuro profissional da dança, contribuindo Luiz Fernando da Silva Anastácio PERSPECTIVAS DE ENSINO EM DRAMATURGIA NA SÃO PAULO ESCOLA DE DANÇA 238 de forma abrangente para a cultura. A partir das diversas possibilidades de atuação no ramo artístico, fundamenta e elabora a dança, de forma ética e estética, como um organis- mo vivo a considerar a sua época. A abordagem da Dramaturgia da Dança em um espa- ço educacional implica observá-la como um conceito dinâ- mico e em constante movimento, que vai além das noções tradicionais de linguagem dramatúrgica. Neste sentido, a Dramaturgia se constrói em um ambiente que gera fricções regulares, dinâmicas, e que interagem com diversas realida- des distintas. Embora o termo “Dramaturgia” seja originá- rio do teatro, na dança ele se tornou mais evidente no final da década de 1980, quando o pensamento da dança propôs rupturas na concepção de cena, intérprete e público, asseme- lhando-se a processos teatrais. A presença da Dramaturgia na São Paulo Escola de Dança promove uma reflexão aprofundada sobre os signi- ficados subjacentes e as intenções por trás dos movimentos coreográficos. Isso permite aos estudantes da área da dança gerar sentidos e expressar suas emoções e narrativas de ma- neira mais precisa e contundente. Através da compreensão e incorporação da Dramaturgia, a dança transcende a mera execução técnica e se torna uma poderosa forma de expres- são artística, revelando-se um elemento essencial da arte dos sentidos por meio do corpo em movimento, e utilizando gestos, expressões faciais, espaço, tempo, sonoridades, obje- tos cênicos, figurinos e tudo mais que possa criar uma expe- riência estética completa. No curso de Dramaturgia na São Paulo Escola de Dan- ça é possível que o estudante desenvolva maneiras de criar e organizar os signos da cena, o que torna possível com- preender de, maneira direta, como esses signos estabelecem atmosferas que tocam e despertam a imaginação. Na dan- ça, os elementos que compõem a cena possuem uma forma singular de se conectar e pensar a produção em arte, já que o movimento é parte essencial para localizá-la como uma episteme artística. Compreender tecnicamente que tudo em uma obra pode se tornar um contexto dramatúrgico permi- 239 te que realidades distintas se tornem uma experiência a ser considerada para um trabalho em dança. Na São Paulo Escola de Dança, o curso de Dramatur- gia está estruturado em quatro áreas de conhecimento que compõem funções específicas, porém complementares para a cena, como: Dramaturgista, Coreógrafo, Diretor e Sono- plasta. Cada uma dessas funções, com suas especificidades, possibilita que os estudantes desenvolvam uma compreen- são técnica aprofundada sobre esses papéis e como eles inte- ragem entre si, propiciando de maneira direta a observação da Dramaturgia como uma área necessária para pensar os novos rumos da dança. O estudo do papel do Dramaturgista na São Paulo Es- cola de Dança tem grande relevância ao direcionar esse fu- turo profissional para a compreensão da importância da pes- quisa, análise e contextualização da obra coreográfica através de uma perspectiva de uma função ainda pouco utilizada na dança. O estudante neste curso desenvolve maneiras de investigar o contexto histórico, social, cultural e artístico em que a dança está inserida, buscando referências e informa- ções que possam enriquecer a compreensão da obra. Essa E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E D R A M AT U R G IA D A D A N Ç A | F O TO : C A M IL O B A R B O S A 240 área de conhecimento colabora diretamente com o coreó- grafo e a equipe artística por meio da provisão de materiais e insights que possam nutrir a criação e o desenvolvimento do trabalho em dança. De ordem prática, o Dramaturgista auxilia naseleção de músicas, figurinos, cenários, iluminação, roteiro, narra- tivas e outros elementos que compõem a obra coreográfica, com o objetivo de criar uma atmosfera coerente com a pro- posta artística, o que minimiza distanciamentos dos obje- tivos iniciais. O estudante neste recorte do Dramaturgista, desenvolverá um olhar crítico e contextualizado para a ela- boração das possíveis criações, garantindo as possibilidades interpretativas da obra e sendo um importante interlocutor entre coreógrafo, intérprete, obra e público. O estudo do papel do coreógrafo no curso de Dra- maturgia na São Paulo Escola de Dança está ancorado em uma localização extremamente importante, uma vez que essa figura assume uma posição central na criação dos de- senvolvimentos coreográficos. As coreografias são pilares que solidificam os processos em dança tornando exequível a ela- boração da obra. Com essa compreensão, o estudante passa a desempenhar a função de mediador entre o subjetivo e o objetivo, tornando possível que propostas de movimentos se tornem materiais coreográficos, relacionando desde a prepa- ração corporal como procedimento de criação, concepção e estrutura das obras artísticas através da produção de movi- mentos. Esse entendimento do papel do coreógrafo promo- ve a capacidade de que o estudante consiga desenvolver, co- ordenar e assessorar processos de criação, além das possíveis relações com as afetações humanas produzidas no contato diário com o intérprete. O estudante, no âmbito coreográfico, desenvolve ha- bilidades para desafiar os intérpretes a explorarem possibili- dades de movimento, incentivando-os a alcançar qualidades técnicas distintas, através das possibilidades da expressão ar- tística. O coreógrafo desenvolve a capacidade de transmitir suas ideias e conhecimentos para o outro. Sendo assim, é fundamental o seu papel como um guia e mentor, inspiran- 241 do os intérpretes em suas possibilidades de atuação e apri- moramento em um ambiente colaborativo, encorajando a expressão individual e a conexão com outros intérpretes e fa- vorecendo o crescimento artístico e pessoal dos envolvidos. Sobre o Diretor, o estudante de Dramaturgia desen- volverá uma compreensão multifacetada desta função para a criação em dança. Sua atuação transcende o âmbito da simples direção coreográfica. Abrange uma gestão eficiente de recursos humanos e criativos, essenciais para a realização bem-sucedida de produções artísticas. Através da capacidade de liderar e inspirar artistas, dançarinos e equipe técnica, o diretor cria um ambiente de trabalho colaborativo, onde a criatividade floresce e os talentos individuais são valorizados e potencializados. No contexto do ensino e aprendizagem em dança, o diretor, através de distintas experiências, compreende as pos- sibilidades que fundamentam a concepção de uma obra, o que proporciona diretrizes que orientam e modelam a ex- periência artística. Sendo assim, o estudante desenvolve ha- bilidades que garantem a coesão e fluidez do espetáculo de dança como um todo. Esse papel requer uma compreensão E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E D R A M AT U R G IA D A D A N Ç A | F O TO : J O Ã O A N S E LM O 242 sobre liderança, gerenciamento eficiente de recursos e a ca- pacidade de colaborar com diversos profissionais da equipe de produção. O diretor é responsável por supervisionar todos os aspectos técnicos, logísticos e administrativos, garantindo que a visão artística seja realizada com excelência e dentro do cronograma estabelecido em uma relação colaborativa. Essa relação colaborativa permite ao estudante do cur- so de Dramaturgia, a partir de conhecimentos estruturantes que baseiam as áreas de conhecimento do curso, desenvolver habilidades para potencializar sua formação artística de ma- neira significativa. Ao participar ativamente dos processos criativos em uma produção de dança, seja como assistente de direção, seja como diretor colaborador, o estudante é imerso em um ambiente dinâmico e estimulante, em que a inter- secção entre a dramaturgia e a dança se torna palpável. Essa experiência proporciona um espaço propício para explorar a interação entre as intenções para a cena e o movimento, de- safiando-o a compreender e transmitir narrativas por meio do corpo em movimento. A colaboração em montagens de dança amplia os ho- rizontes do estudante, permitindo-lhe experimentar novas abordagens criativas, técnicas de composições coreográficas e desenvolvimentos de personagens através do movimento. Além disso, o estudante tem a possibilidade de trabalhar em equipe com profissionais que desenvolvem trabalhos core- ográficos, vivenciando através da dança maneiras concretas de atuação, no qual colabora com a capacidade de comuni- cação, resolução de problemas e pensamento crítico. Essa experiência vívida e colaborativa prepara o estudante de dra- maturgia, uma vez que permite que ele compreenda as espe- cificidades de atuação na área de dança e torne-se um agente de transformação na cena artística contemporânea. Na área de sonoplastia do curso de Dramaturgia, os estudantes se sensibilizam a compreender as possibilidades da música e dos sons como elementos fundamentais para a dança. Os alunos desenvolvem habilidades auditivas aguça- das e conhecimentos técnicos que lhes permitem criar uma sinergia harmoniosa entre o movimento corporal e a trilha 243 sonora. Eles aprendem a interpretar a música de forma sen- sível, identificando ritmos, nuances e estruturas sonoras que enriquecem a expressão artística da dança. Além disso, esses estudantes são capazes de trabalhar em colaboração estreita com direção, coreógrafos(as), bailarinos(as) e dramaturgistas, contribuindo para a seleção adequada de músicas e efeitos sonoros que ressoam com a intenção artística da coreografia. A sonoplastia, no contexto do curso de Dramaturgia, capacita os estudantes a se tornarem profissionais versáteis e criativos, já que, muitas vezes, profissionais dessa área não compreendem as particularidades e complexidades de um trabalho coreográfico. Aproximar o sonoplasta na formação em Dramaturgia é uma maneira de garantir que o estudante que construirá trilhas para dança seja um profissional que tenha em sua formação repertórios com base na experimen- tação empírica do que é dançar, coreografar e dirigir. Isso possibilitará a esse futuro profissional transcender as fron- teiras da linguagem corporal e sonora, desempenhando um papel importante na criação artística e estética de uma obra e tornando-se agente essencial para o enriquecimento e avan- ço da dança nas suas possibilidades e formas de expressão. E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E D R A M AT U R G IA D A D A N Ç A | F O TO : J O Ã O A N S E LM O 244 Podemos apontar que, metodologicamente, o curso de Dramaturgia da São Paulo Escola de Dança está em um âm- bito colaborativo tanto no que se refere ao ensino e apren- dizado com as suas frentes de atuação quanto no fato de fo- mentar para a área da dança a possibilidade de profissionais mais capacitados que possam desenvolver de forma técnica as funções na área de dança, enriquecendo seu ecossistema. Ao promover a interação entre intérpretes, coreógra- fos(as), músicos, musicistas, figurinistas e outros profissio- nais envolvidos na produção de um espetáculo de dança, o trabalho do estudante de Dramaturgia, de forma colabora- tiva, estimula um ambiente de aprendizado enriquecedor e criativo nessas relações coletivas. Os estudantes são incen- tivados a compartilhar ideias, perspectivas e experiências, o que fortalece a diversidade de abordagens artísticas e impul- siona o aperfeiçoamento das práticas da dança. Na Dramaturgia da Dança, o estudante tem oportu- nidade de experimentar a criação através de diferentes es- téticas, assimilando conhecimentos variados e aprimorando suas habilidades de comunicação, negociação e repertórioem dança. Além disso, o trabalho em equipe reforça a capa- cidade de adaptar-se a diferentes contextos e fortalece a con- fiança na expressão individual e coletiva. Essa abordagem colaborativa prepara o estudante para enfrentar os desafios do mercado de trabalho, no qual a cooperação é essencial para a criação de produções inovadoras e impactantes. Dessa forma, o trabalho colaborativo não apenas enriquece o pro- cesso de aprendizado em um curso de dança, mas também prepara os estudantes para uma carreira bem-sucedida e sus- tentável, impulsionando a arte da dança a novos patamares de excelência e criatividade. Na Dramaturgia da dança, o público é um elemento vital que completa a experiência artística, tornando-se parte do contexto no qual a obra está inserida por meio da sua inter- pretação, percepção e conexão emocional. A interação entre o público e os intérpretes cria um sentido único e efêmero, em que as experiências se entrelaçam, gerando uma troca simbó- lica de significados e sensações. Como diz Pina Bausch: 245 Tudo é sempre diretamente visível e cada espectador pode compreender de imediato com seu próprio cor- po e seu próprio coração. Essa é a maravilha da dança: que o corpo seja uma realidade pela qual se atravessa. Ele nos dá algo bastante concreto que se pode cap- tar, sentir e que nos move. Os espectadores são sem- pre uma parte do espetáculo, tal como eu própria sou uma parte do espetáculo, ainda que não esteja no pal- co. E cada espectador é convidado a confiar em seus próprios sentimentos. Em nossos programas também nunca há uma indicação de como as peças devem ser compreendidas. Temos de fazer nossas próprias experi- ências, como na vida. Isso ninguém pode nos impedir (Bausch, 2000, p. 11). Sendo assim, o curso regular de Dramaturgia da Dan- ça na São Paulo Escola de Dança assume uma importante função para o estado de São Paulo, ao localizar as possibili- dades de estudo em dança, compreendendo na dramaturgia uma área de conhecimento que apresenta fatos que adicio- nam camadas de significados, profundidades e aprofunda- mentos nas elaborações artísticas. Com isso, o profissional E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E D R A M AT U R G IA D A D A N Ç A | F O TO : S A M IR A D A N TA S 246 poderá, mesmo que situado em sua época, romper linearida- des que fragmentam a maneira preestabelecida de trabalhos de dança, objetivamente garantindo aos trabalhos dançados a oportunidade de se relacionar com os elementos da cena em uma camada proposital que explore questões sociais, po- líticas e culturais, ou mesmo mergulhando em aspectos mais abstratos da experiência humana. E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E D R A M AT U R G IA D A D A N Ç A E D O C E N TE T H IA G O N E G R A X A | F O TO : C A M IL O B A R B O S A 247 248 Da dramaturgia à gestão. Do clássico ao contemporâneo. Do teatro musical ao figurino. Da multimídia à performance. Os universos da arte da dança são múltiplos e plurais, sobretudo na São Paulo Escola de Dança — equipamento da Secretaria de Estado da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Governo do Estado de São Paulo, gerida pela Associação Pró- Dança, com direção artística e educacional de Inês Bogéa. Muito já se escreveu e se discutiu sobre a comunica- ção “da” e “e” na dança, porém, é preciso pensar ainda mais em uma comunicação que dança dentro do espaço no qual nasce grande parte do desejo de dançar: a escola de dança. Mas como se faz e pensa a gestão de comunicação no espaço da Escola? Como nos fazemos entender? Como se constrói a imagem de um projeto jovem e, sobretudo, uma linguagem que ao mesmo tempo deve apresentar, singularizar e revelar parte de quem somos? Quem é ou quem são os nossos públi- cos? Como dialogar e se fazer entender com cada um? Antes de nos debruçarmos sobre a questão da comu- nicação “da”, “para” e “que dança”, na São Paulo Escola de Dança, é preciso compreender o conceito de gestão, que vem do termo em latim gestione e configura o ato de administrar Marcela Benvegnu POR UMA COMUNICAÇÃO QUE DANÇA: A SÃO PAULO ESCOLA DE DANÇA EM PERSPECTIVA 249 ou de gerir recursos, pessoas ou qualquer objeto que possa ser administrado com alguma finalidade: seja em benefício próprio ou de uma entidade, cujo objetivo é o crescimento, estabelecido pela empresa por meio do esforço humano or- ganizado. Mesmo entre os tipos mais conhecidos — gestão de crise, de risco, artística, administrativa, financeira, de pes- soas, de tempo, entre outras —, todas passam pela questão da comunicação. “Não existe gestão sem comunicação”, diz Daniel Costa, administrador de empresas pós-graduado em Or- ganizações, Gestão de Pessoas e Dinâmica dos Grupos e autor de um livro cujo título é homônimo a esta citação. “Para existir qualquer tipo de relacionamento, precisa ha- ver, antes, comunicação entre aqueles que se relacionam”, afirma (Costa, 2014, p. 45). E aqui nos questionamos: se fala de dança para quem? Muitas vezes a mensagem não chega ao seu receptor, por não conter a própria informação a que e a quem se destina. “Co- municação é o que os outros entendem para um grupo social e só desta forma você a transforma em produto. A diferença está na qualidade da informação, na qual forma também é mensagem. Se comunicar é ouvir.” (Guanaes, 2020). Nos comunicamos de múltiplas formas ao longo das décadas. O digital entrou para ocupar um espaço inimagi- nado, quase infinito em possibilidades, que dita novos com- portamentos e consequentemente novas formas de comuni- cação quase que diariamente. Se o telefone e o papel eram os únicos modos de se entrar na casa de alguém há alguns anos, hoje, são diversas as possibilidades de acesso. É o cliente quem escolhe a forma como ele quer receber a informação, e é por isso que a instituição deve estar preparada para figurar em muitas plataformas, em diversos formatos comunicacio- nais, com uma mensagem que tenha estratégia, estrutura, clareza de entendimento e rapidez, para poder responder a cada um das interações e no modo mais efetivo possível para fazê-lo entender, ou seja, se fazer comunicar. E quando se pensa em gestão de comunicação, é pre- ciso pensar na construção da imagem, entendendo primor- 250 dialmente para quem se fala, o que esse consumidor deseja, como ele deseja e, sobretudo, com qual produto ele quer se relacionar. Desta forma, pode-se criar estratégias e proces- sos comunicacionais organizados para que a construção da imagem tenha valor. E quando falamos de imagem, é pre- ciso entender que imagem é aquilo que o outro vê, percebe, aprende e que tentamos reforçar sob a sua ótica. A imagem precisa traduzir um conceito e aqui texto também é imagem. Uma imagem é a representação de si. Ver o que você também é, sente e por vezes, deseja. É por isso que consumi- mos. Compramos a imagem do que queremos. É iconofágico. A iconofagia é o ato de devorar e de sermos devorados pelas imagens e como (e se) elas nos transmitem valor. “Quando você olha para uma imagem você tem uma reação, emocional e intelectual. A primeira resposta é a intelectual porque ela é baseada no reconhecimento, mas atrelada à memória que tem componente emocional” (Newson, 2007, p. 61). Norval Baitello Júnior, Doutor em Ciências da Co- municação pela Universidade Livre de Berlim e professor da Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, que se debruça E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E D A N Ç A E P E R FO R M A N C E V E S P E R TI N O E M AT U TI N O E M U LT IM ÍD IA S PA R A D A N Ç A | F O TO : C A M IL O B A R B O S A 251 sob o tema da iconofagia há décadas, afirma: “que alimen- tar-se de imagens significa alimentar imagens, conferindo- -lhes substância, emprestando-lhes os corpos. Significa en- trar dentrodelas.” (Baitello, 2011, p. 7). Imagens vendem, singularizam, traduzem. Podem ser construídas, e neste caso, precisam falar de dança e serem reais para efetivar e comunicar a ação. E é preciso lembrar o tempo todo que, muitas vezes, o receptor da mensagem não tem o mesmo entendimento do emissor e assim a linguagem deve ser ajustada. Grande parte da comunicação da dança fala da dança para dança, quando se deveria falar de dança para o todo: criando-se uma comunicação que dança, afinal, uma marca de dança fala de dança. O FUTURO DO PRESENTE Sem atalho, sem manual de instrução, muitas perguntas, nem todas as respostas e um objetivo: comunicar e conectar pesso- as. Assim se começa a pensar a estratégia de gestão de comu- nicação de um novo projeto, e não foi diferente com a São Paulo Escola de Dança, criada em 2021 por meio do Decreto Estadual nº 66.412 de 29 de dezembro de 2021 e publicado no Diário Oficial do Estado no dia 30 de dezembro do 2021. Um projeto que saiu do papel para ganhar vidas: mais de 1.000 alunos distribuídos em 20 Cursos de Extensão, quatro Cursos Livres e sete Cursos Regulares, ao ano. “Se a Escola nasce como uma instituição comprometi- da em dar voz e espaço consistente para a reflexão, o apren- dizado e a troca de saberes a partir da especificidade da dança interligada com todas as linguagens artísticas com foco em uma imprescindível valorização da pluralidade”48, é preciso que esse propósito seja traduzido pela comunicação, cum- prindo o objetivo da instituição, “que é o de proporcionar a construção do conhecimento no campo da dança, entenden- do a diversidade de corpos e estéticas como premissas da for- mação e profissionalização dos estudantes a fim de ampliar a possibilidade de inserção deles no mercado de trabalho”49. 48 Citação extraída do site da São Paulo Escola de Dança. 49 Ibidem. 252 Ao lado da criação da logomarca pelo Estado de São Paulo, do manual de uso desta, da tipografia pela designer Mayumi Okuyama, das relações com os órgãos competentes da Secretaria de Estado da Cultura, Economia e Indústria Criativas e das estratégias da direção artística e educacional de Inês Bogéa, entre muitos outros fatores — que fazem par- te de todo início de ação —, o ponto de partida da equipe de comunicação foi o de pensar e criar uma linguagem que dialogasse com os seus públicos de interesse — vale dizer aqui que sim, eles eram e são plurais: pessoas acima de 13 anos que quisessem ter contato com a dança, o público espe- cializado para saber da existência do projeto e somar esforços na difusão deste e o público espontâneo. Desta forma, foi preciso pensar em como promover engajamento — que tem total relação com o futuro, mas se não pensado no presente, não se efetiva — com todos esses públicos. “Antecipar o futuro é trabalhar no presente aqui- lo que se pretende alcançar. É fazer a gestão das etapas que serão construídas. É pedir para construir uma parede, mas mostrar a maquete completa.” (Costa, 2014, p. 49). E na ocasião nos perguntamos: onde estão essas pessoas? E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E M U LT IM ÍD IA S PA R A D A N Ç A N A E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A | F O TO : C A M IL O B A R B O S A 253 Nossa estratégia de comunicação inicial nasceu em um perfil no Instagram (@saopauloescoladedanca), em uma Es- cola ainda sem estudantes, que precisava se conectar com eles para criar o desejo de fazerem inscrição em um dos cin- co Cursos de Extensão50 disponíveis e, ao mesmo tempo, de se apresentar para o meio. Apesar de se ter um mundo de oportunidades no online a nossa frente, foi preciso um tra- balho praticamente artesanal, para se fazer existir e conhecer. E se para atingir o grande público deve-se começar por um espectador, foi pensando do micro para o macro, que esse corpo foi sendo criado, ao lado da linguagem escrita, do tom de cada texto, das imagens usadas e de processos comunica- cionais que foram além das estratégias de relações públicas. Estávamos no digital, mas também foi preciso ir a coletivos, escolas, grupos de dança, comunidades, aldeias indígenas, entre outros, para que pudéssemos nos apresentar e comuni- car para que viemos. A primeira ação em massa de divulgação gerou mais de 600 inscritos — de 23 Estados do Brasil, 151 cidades e de quatro países (Brasil, Portugal, Itália e Paraguai) — para 278 vagas, demonstrando um grande interesse do público pelas atividades da Escola nos Cursos de Extensão ofereci- dos. Começava-se ali, o início de uma relação com aqueles que queriam “nos consumir” e que poderiam ser porta-vozes da Escola para outros, um banco de dados, um mailing, e a criação de estratégias de ampliação desse campo, para que quando as inscrições dos Cursos Regulares se abrissem, pu- déssemos ter uma base de contatos inicial e o mais impor- tante: partimos sempre de uma comunicação humanizada, que responde individualmente às solicitações, que nomina e que sabe quem é o seu cliente. Hoje o Instagram da Escola tem mais de 10 mil seguidores orgânicos. Vale dizer que qualquer ação de comunicação é uma so- matória. É o resultado das estratégias de gestão da área, somadas aos envolvidos, à oportunidade e à oferta. Times de comunica- ção não trabalham sozinhos, não são responsáveis pelo sucesso ou pelo fracasso de uma atividade. São parte, integram um sis- tema que precisa de muitas pessoas para se fazer “dançar”. 50 Os cursos de Extensão da São Paulo Escola de Dança tiveram início entre os dias 28 de março e 2 de abril de 2022. Foram eles: 1. Corpo, Memória e Ancestralidade; 2. Dança e Pedagogias: Histórias e Atualidade; 3. História Já!; 4. Intradanças: Dramaturgias Transversais; 5. Danças: Técnicas, Métodos e Sistemas. Os cursos Regulares e Livres tiveram seu início em 1 de agosto de 2022. 254 À medida que estudantes foram chegando, as equipes se entrosando, o trabalho entre outras áreas da São Paulo Escola de Dança foi ampliado: a comunicação tem uma par- ceria estreita com o audiovisual com o intuito de dar ainda mais movimento às ações e publicações, através de fotos, ví- deos, entre outros, e com o time de marketing, para capta- ção, parcerias e ativações. E ao longo deste primeiro ano de trabalho da São Paulo Escola de Dança, um site, muitos vídeos, assessoria de im- prensa, publicações em todo país, ações de relações públicas, atendimentos diretos, perfis em diferentes plataformas de mí- dias sociais, calendários de publicação, estratégias de comuni- cação interna e externa, follows e muitas outras atividades tra- duzem parte da nossa identidade por meio da divulgação dos Cursos Regulares, Cursos de Extensão, Cursos Livres, Ações de Oportunidades e Projetos Especiais — como intercâmbio- -residências, entre outras, também validados por uma relação afinada com o setor de comunicação da Secretaria de Estado, que aprova e dialoga com a Escola em todas as suas ações e materiais (releases, fotos, flyers, cards, entrevistas) — revelan- do, assim, uma Escola singular, no plural. E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R M U LT IM ÍD IA S PA R A D A N Ç A N A E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A (2 02 3) | FO TO : M A R C O S A LO N S O 255 UMA COMUNICAÇÃO QUE DANÇA O desafio diário da gestão de comunicação da São Paulo Es- cola de Dança se dá na união e no equilíbrio entre a comuni- cação interna e externa. Não se pode pensar que por termos públicos distintos — o que já consome, o que quer consumir e o espontâneo — que elas devem ser feitas em separado. As ações devem ser planejadas para caminharem de forma inte- grada, ao passo que a divulgação de uma ação interna serve para registrar o momento para quem participou de um even- to, ação ou aula e criar memórias, ao mesmo tempo serve para publicizar externamente o acontecido. E é nesse encontro que alinguagem revela o próprio desejo de se fazer parte, seja de uma próxima atividade para quem está dentro da Escola seja do projeto mesmo, como aluno ou colaborador. Aqui também incide um cuidado: a comunicação externa só pode chegar à grande massa depois que os colaboradores sabem o que acon- tece dentro da própria instituição, via comunicação interna. Em termos jornalísticos poder-se-ia dizer que não podemos furar a nós mesmos. São nesses hiatos e encontros que a marca se fortalece e é possível falar de dança na comunicação como um todo e não somente em ações pontuais realizadas. É possível criar um conteúdo que vai além da própria ação, tendo a dança como protagonista por meio de projetos e desdobramentos extremamente variados: se fala de história, dramaturgia, pro- dução, figurino, iluminação, gestão, direção, performance, memória, multimídia, técnicas, economia, entre outros. As ações de comunicação da São Paulo Escola de Dan- ça também contam com recursos de acessibilidade comu- nicacional, como os posts de mídias sociais que desde o seu surgimento contam com legendas acessíveis. Os vídeos são publicados com legendagem e/ou audiodescrição, e materiais e ações específicas recebem interpretação em Libras (Lingua- gem Brasileira de Sinais). A Escola é meio, lugar de passagem. Ponte entre conhe- cimento, cultura, educação, gestão, comunicação, arte. Um espaço adaptativo, no qual habitam diversidade de corpos, 256 ideias e estratégias que podem ser revistas a qualquer tem- po, recriadas, lançadas e aferidas. Gestão é meio. É encontro entre cliente e empresa. Comunicação é meio. É o lugar da mensagem. Imagem e linguagem nos apresentam ao mun- do e vice-versa, colocando linguagem, imagem, mensagem e nós mesmos, em movimento, sempre. Aqui vale dizer que parte da comunicação da São Pau- lo Escola de Dança vem também do seu time de colabo- radores e pessoas que por aqui passam. É como fazer uma releitura de endomarketing, não como o marketing dentro da empresa, mas o marketing “dentro» das pessoas. A analogia em questão equivale a uma (re)conceitualização do conceito de endomarketing, delineando-o não meramente como a aplicação das estratégias de marketing no interior da empresa, mas como a incorporação das práticas de comunicação e marketing na vida das pessoas. Seria o famoso “boca a boca”. A prática do endomarketing assume a função de ge- rir a subjetividade, abrangendo os elementos que transcen- dem o tangível nas dinâmicas organizacionais. Assim, antes de comunicar, é preciso acreditar e validar o projeto, assim como foi feito quando a Escola era uma ideia no papel. Na E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R M U LT IM ÍD IA S PA R A D A N Ç A E D R A M AT U R G IA N A D A N Ç A N A E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A (2 02 3) | FO TO : M A R C O S A LO N S O 257 São Paulo Escola de Dança, além de os colaboradores acredi- tarem na potência da Escola, acredita-se na potência da arte da dança como elemento transformador, na qual se faz uma comunicação pensando a dança de dentro para fora — para quem nunca viu, para quem está em formação, para quem vive —, com o intuito de falar dela mesma dançando. E assim, nesses universos múltiplos e plurais — de uma ponta a outra, de um estilo a outro, de uma ideia à execução —, é possível tecer uma dança, uma coreografia de conjunto, de muitas vozes, de muitos criadores, na qual comunicação, gestão, linguagem, imagem e valor estão totalmente interli- gados, e seguem dia a dia, colocando a São Paulo Escola de Dança em perspectiva, por meio de uma comunicação que dança com ela. E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E M U LT IM ÍD IA S PA R A D A N Ç A | FO TO : J O Ã O A N S E LM O 258 REFERÊNCIAS BAITELLO JR., Norval. A Era da Iconofagia. São Paulo: Pau- lus, 2014. BENVEGNU, Marcela. Gestão de comunicação: a Construção de Imagem e Linguagem para e na Dança. In: XAVIER, Jussara; SOUZA Marco Aurelio da Cruz (Orgs.). Tudo Isto é Dança. Universidade Regional de Blumenau. Associação Nacional de Pesquisadores em Dança, 2021. COSTA, Daniel. Não existe gestão sem comunicação: como conectar endomarketing, liderança e engajamento. Porto Alegre: Editora Dublinense, 2014. NEWSON, Doug. Bridging the Gaps in Global Communica- tion. Oxford: Blackwell Publishing, 2007. SITES GUANAES, Nizan. Mundo Pós-Pandemia entrevista empre- sário Nizan Guanaes. Entrevista. CNN Brasil, São Paulo, 2020. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacio- nal/2020/06/05/mundo-pos-pandemia-entrevista-empresa- rio-nizan-guanaes | Acesso em: 10 de agosto de 2023. SÃO PAULO ESCOLA DE DANÇA: Sobre a Escola. São Paulo: 2022. Disponível em: https://www.spescoladedanca.org.br/sobre-a- -escola/ | Acesso em: 10 ago. 2023. https://www.spescoladedanca.org.br/sobre-a-escola/ https://www.spescoladedanca.org.br/sobre-a-escola/ 259 E S TU D A N TE S D O C U R S O D E E X TE N S Ã O C U LT U R A L | F O TO : S A M IR A D A N TA S 260 R E S ID Ê N C IA A R TÍ S TI C A "P A IS A G E N S E X TR A N H A S" D O C O LE TI V O A TR AV E S S A D A S C O M A P A R TI C IP A Ç Ã O D E E S TU D A N TE S D A S P E D | FO TO : C A M IL O B A R B O S A 261 A P R E S E N TA Ç Ã O D O P R O JE TO E S P E C IA L E M D A N Ç A | F O TO : S A M IR A D A N TA S 262 A P R E S E N TA Ç Ã O D O P R O JE TO E S P E C IA L E M D A N Ç A | F O TO : S A M IR A D A N TA S 263 E S TU D A N TE S D O C U R S O D E E X TE N S Ã O C U LT U R A L | F O TO : C H A R LE S LI M A 264 E S TU D A N TE S D O C U R S O D E E X TE N S Ã O C U LT U R A L | F O TO : S A M IR A D A N TA S 265 266 Inês Bogéa é bailarina, documentarista, escritora, professora e maitre de balé. De 1989 a 2001, foi bailarina do Grupo Corpo (Belo Horizonte-MG). Atualmente, é Diretora Artística e Edu- cacional da São Paulo Companhia de Dança e da São Paulo Es- cola de Dança. Tem formação como bailarina e professora pela Royal Academy of Dancing, é graduada em Filosofia pela PUC- -SP, doutora em Artes pela Unicamp e possui MBA em ‘Gestão Estratégica de Pessoas: Desenvolvimento Humano de Gestores’ pela Fundação Getulio Vargas. É professora nos cursos de espe- cialização Arte na Educação: Teoria e Prática, da Universidade de São Paulo (USP), e na Pós-Graduação Linguagem e Poética da Dança: Documentário, Memória e Dança, da Universidade Re- gional de Blumenau (FURB) em parceria com a Fundação Fritz Muller (FFM). Autora de livros infantis sobre dança e organiza- dora dos livros Oito ou Nove Ensaios sobre o Grupo Corpo, Passa- do-Futuro – Textos e fotos sobre a São Paulo Companhia de Dança, entre outros. Foi crítica de dança da Folha de S. Paulo (2001 a 2007). É autora de mais de setenta documentários sobre dança. SOBRE OS AUTORES 267 José Simões é educador e pesquisador nas áreas da Sociologia da Cultura, Ensino das Artes e Desenho Instrucional. Atual- mente, é Superintendente Educacional da São Paulo Escola de Dança e desenvolveu a proposta do modelo pedagógico da escola, em parceria com Inês Bogéa. Graduado em Artes Cêni- cas pela Unicamp (1992); mestre em Comunicação e Semióti- ca PUC-SP (2001); doutor em Artes pela USP (2007) e pós-dou- tor pelo Centro de Estudos Sociais/Universidade de Coimbra (2010) e pela Fundação Carlos Chagas (2017). Coorganizador do Léxico da Pedagogia do Teatro e do livro Cidade e Espetá- culo: a cena teatral luso-brasileira contemporânea. Foi secretário da Cultura e da Educação do município de Sorocaba, além de professor, pesquisador, coordenador e responsável pela imple- mentação do primeiro curso de licenciatura em Teatro Uni- versitário da região metropolitana de Sorocaba. Foiprofessor adjunto da Faculdade de Educação da UFMG. Em Portugal, atuou como pesquisador e avaliador de projetos teatrais pela Direção Regional de Cultura Centro-Coimbra (2008-2009). Ivan Bernardelli é bailarino, coreógrafo e pesquisador. Atu- almente, é diretor e bailarino da Dual, companhia de dança que parte de mitologias e fenômenos históricos relacionados à cultura brasileira para suas criações cênicas. Investiga danças desenvolvidas no Brasil ao longo dos séculos em relação aos contextos sociais e filosóficos em que se desenvolvem. Como bailarino, integrou o Balé Folclórico de São Paulo, Cia. de Dan- ças de Diadema, Cia. Siameses e Cie. À Fleur de Peau (França). Recebeu as premiações: Prêmio Denilto Gomes, Prêmio Arte e Inclusão e Prêmio Brasil Criativo 2016. Foi indicado ao APCA 2020, APCA 2017 e Prêmio Bravo 2017. Coreografou espetácu- los para a Cia. de Danças de Diadema (SP), Cia. Sansacroma (SP), Coletivo Trippé (PE) e Grupo Experimental (Recife-PE). 268 Kathya Maria Ayres de Godoy é artista da dança, docente formadora e pesquisadora. Atualmente, é docente sênior do programa de Pós-Graduação em Artes/Processos criativos em Dança do Instituto de Artes da UNESP. É formada pela Esco- la Municipal de Bailado, pela Royal Academy of Dancing e também mestra e doutora em Educação pela PUC-SP. Auto- ra de livros sobre Arte e Educação e Metodologias voltadas à pesquisa e ensino de Dança. Dirigiu o Grupo de dança En- -Cenna do Tuca (1991/2003), foi diretora artística do Grupo IAdança (2005/2017) e, desde 2019, dirige o Coletivo Híbrido, que trabalha performance em dança e teatro, no qual também atua como intérprete criadora. Coordenou o projeto Quinta em Dança – ações artísticas e educativas na cidade de São Pau- lo (2012 a 2017). Em 2021/22 dirigiu Jussara City – o paraíso das enchentes (fomento ao teatro 2020), e ganhou o edital nº39/21 de fomento a dança com a videoaula “O processo de criação como uma possibilidade de ensinar dança”. É fun- dadora e produtora executiva da Performarte Artes Cênicas e Ensino de Dança Ltda (2019). Carolina Romano de Andrade é artista da dança, pesquisadora, professora e autora de livros didáticos. Atua com dança e educação com experiência na formação de professores para a dança. É Bacharel, licenciada em Dan- ça, mestre em Artes pela UNICAMP e doutora em Artes pela Unesp-SP. Realizou dois pós-doutorados em Artes na UNESP e na UFRN, na área de arte/educação/dança. Atua como pro- fessora colaboradora do Mestrado Profissional em Artes, no Instituto de Artes – Unesp-SP. Ministrou diversos cursos de formação de professores na rede de ensino, para artistas e arte-educadores. É autora de livros sobre dança, educação e infância. Além disso, possui diversos capítulos de livros e artigos científicos sobre dança e educação publicados. 269 Jussara Xavier é artista da dança, pesquisadora, autora e or- ganizadora de diversos livros sobre dança. Foi bailarina nos grupos Raça Cia de Dança e Cena 11 Cia de Dança. Atual- mente, é coordenadora da pós-graduação Especialização em Linguagem e Poética da Dança da Universidade Regional de Blumenau (FURB) e professora do curso de Licenciatura em Dança da instituição. É pós-doutora em Filosofia pela Univer- sidade Federal de Santa Catarina (UFSC); mestre em Artes, Co- municação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); doutora em Teatro e Especialista em Dança Cênica pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Realizou a concepção e direção de diversos trabalhos artísticos na área da dança e do teatro. Foi professora substituta do curso Tecnologia em Produção Cênica na UFPR (2012-22) e da Graduação em Teatro da UDESC (2011-16). Pesquisadora do Programa Rumos Itaú Cultural Dança (SP, 2000 a 2009). Gestora de projetos, Coordenadora técnica, Professora e Pro- dutora na Escola do Teatro Bolshoi no Brasil (Joinville, 2001 a 2008). Atuou como coordenadora e curadora do Festival Internacional Múltipla Dança, com 11 edições realizadas. Karla Dunder é jornalista há mais de 20 anos com passagens pelas redações do jornal O Estado de S. Paulo e Record, onde trabalhou com o jornalista Heródoto Barbeiro. Tem mestrado em Comunicação e Cultura pela Universidade de São Paulo, com foco na pesquisa sobre a dança nos anos 1970. 270 Franciane Kanzelumuka Salgado de Paula é artista da dan- ça, docente e pesquisadora. Bacharel em Dança pela UNI- CAMP e mestra e doutora em Artes pela UNESP. Integrante e cofundadora da Nave Gris Cia Cênica. É pesquisadora do Grupo Terreiro de Investigações Cênicas (CNPq/UNESP). Fez parte da Será Quê? Cia de Dança, Cia. Teatro Dança Ivaldo Bertazzo e da E² Cia. de Teatro e Dança. Atuou como do- cente na Escola Livre de Dança de Santo André – ELD, na Licenciatura em Dança da Faculdade Paulista de Artes – FPA e como professora substituta na Licenciatura em Dança do Instituto Federal de Brasília – Lidan/IFB. Coorganizadora e coautora dos e-books “Acordar o chão: dramaturgias em danças contemporâneas negras” e “Tatu tá cavucando: dez anos de Grupo Terreiro de Investigações Cênicas: teatro, ritual, brincadeiras e vadiagens”. Coautora do livro “Giro epistemológico para uma educação antirracista”. Elena Toscano é figurinista, nascida em Treviso, na Itália, e formada em arquitetura em Veneza. Cursou moda, figurino e cenografia, graduando-se em Barcelona, onde também tra- balhou na área. Em 1994, mudou-se para o Brasil onde traba- lhou como figurinista de teatro e ópera. Foi também assistente de direção cênica de óperas e, durante muitos anos, coorde- nou os figurinos do projeto Pocket Ópera em diversos teatros e espaços cênicos. Foi professora de Cenografia e Figurinos na Universidade de Sorocaba (UNISO), indicada duas vezes entre os finalistas do prêmio Shell de Melhor Figurino e, no ano de 1999, foi vencedora da Bolsa Virtuose do Ministério da Cultu- ra. Em 2019, voltou para Itália onde seguiu o curso de roteiro da “Accademia di Cinema” de Verona e completou mais dois cursos da escola “Holden” de Torino. 271 Adriana Celi Castelo Gomes é gestora cultural, artista da dança e pesquisadora. Foi bailarina da Cia Independente de Dança de São Paulo, sob a direção de Edson Santos, de 2006 a 2010. Atualmente, é coordenadora de área dos Cursos Livres e de Ex- tensão Cultural da São Paulo Escola de Dança. É mestra em Arte-educação pelo Instituto de Artes da UNESP, graduada em Educação Física pela FEFISA, graduada em Pedagogia e pós-gra- duada em Dança e Consciência Corporal pela FMU, Linguagens da Arte pela USP e Gestão e Políticas Culturais pela Universida- de de Girona (Espanha) por meio da Cátedra UNESCO de Políti- cas Culturais em cooperação com o Itaú Cultural. Formada em Balé Clássico pela Pássaro de Fogo, estudou também na Escola Municipal de Bailado de São Paulo. É pesquisadora no grupo de pesquisa Estudos, Abordagens e Metodologias sobre Educação, Arte e Dança, do IA UNESP sob a coordenação da Profª Dra. Kathya Godoy. Ganhou diversos prêmios importantes como coreógrafa e bailarina em festivais. É presidente fundadora do Instituto Cultural Artevida. Cássia Navas é professora, autora, pesquisadora e curadora. Atu- almente, é curadora de Extensão Cultural da São Paulo Escola de Dança. É graduada em Direito pela USP (1981), doutora em dança e semiótica pela PUC-SP (1997), pós-doutora em artes pela ECA-USP (2002), especialista em gestão e políticas culturais pela Unesco – Université de Dijon/Ministère de la Culture France (1995). Atua como professora pesquisadora do Programa de Pós- -Graduação em Artes da Cena – Instituto de Artes/Unicamp, tendo sido professora convidada do Master Danse – Université de Paris. Autora de vários livros e artigos, foi pesquisadora do Idart/Secretaria Municipal de Cultura (SP), coordenadora da Rede Stagium e da Oficina Cultural Oswald de Andrade (São Paulo) e consultora do TD-Teatro e Dança (São Paulo, 2006-11). É curadora de projetos como o Programade Qualificação em Dança (São Paulo, 2015-21), Dança + Cidade (Sesc Pinheiros, SP/2015), Dancing: Inside Out (Frankfurt/2016), Plataforma Formação Estado da Dança (Piracicaba/2016), Seminários Ida- -e-Volta, Dança: Brasil-França (France Danse Brésil 2016-17), CCSP – Centro Cultural São Paulo: Dança em Diálogo (2015- 17) e Modo Casa (Sesc Registro, 2020). 272 Flavio Lima é artista da dança, pesquisador, professor de dança e coreógrafo. Integrou o elenco do Balé da Cidade de São Paulo (1993 a 2007), atuando como solista nas principais produções da companhia e participando de turnês em vários países do continente europeu. Atualmente, é coordenador de curso na São Paulo Escola de Dança. É formado em Fisiotera- pia pela Universidade Bandeirante de São Paulo (2011) e pós- -graduado no programa “Didático Pedagógico de Modalidade a Distância” – UNIVESP (2023). Mestre (2018) e doutorando no Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena – Universida- de Estadual de Campinas-SP. Formado em balé clássico com especialização no Ballet Nacional de Cuba – Havana (1992). Estudou por três anos nos cursos livres da London Contem- porary Dance School – Inglaterra. Ministrou disciplina de dança moderna – contemporânea na formação em dança do Projeto Núcleo Luz. Foi orientador em dança no Programa Vocacional Dança da SMC e no Programa Qualificação em Dança – Instituto de Apoio à Cultura, à Língua e à Literatu- ra. De 2013 a 2022, foi professor de dança contemporânea na Escola de Dança do Theatro Municipal de São Paulo. Luiz Fernando da Silva Anastácio é artista da dança, pesqui- sador e escritor. Se apresentou como bailarino e coreógrafo em todo o território brasileiro, e no exterior em todos os con- tinentes. É formado em dança, pós-graduado em Antropolo- gia e Cultura Africana e em Diversidade Cultural, possuindo extensão em Filosofia Africana. Atualmente, é coordenador de curso na São Paulo Escola de Dança e na ETEC de Artes. Co- ordenador, fundador e coreógrafo do grupo Ewé. Desde 2010, desenvolve trabalhos e pesquisas em dança em países africa- nos como África do Sul, Benin e Senegal. Estudou dança em diferentes países: Senegal, Benim, França, Croácia, Áustria, Portugal, Alemanha, EUA, Panamá e Colômbia. Coordenou o projeto coreográfico “Brasil Croácia Idas e Vindas”, no Fes- tival Internacional de Split. Autor dos livros Quando minha escrita na dança se tornou preta, Da Silva os que ficaram e os que voltaram e Igbá. 273 Marcela Benvegnu é jornalista, pesquisadora de dança e ges- tora. Atualmente, é Superintendente de Desenvolvimento Institucional da Associação Pró-Dança, instituição gestora da São Paulo Companhia de Dança e da São Paulo Escola de Dança. É master em Mídia, Comunicação e Negócios pela University of California (USA, 2017) e foi bolsista do progra- ma de mentoria executiva da Harvard Business School (USA, 2019). É mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC (críti- ca de dança), pós-graduada em Estudos Contemporâneos em Dança pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e em Ges- tão de Negócios pelo Business Behavior Institute, de Chicago. Foi coordenadora de Educativo e Comunicação (2009-2017) e de Registro e Memória, da São Paulo Companhia de Dança e consultora (2021). Atua como jurada, palestrante, crítica e jornalista convidada em eventos no Brasil e exterior. Já minis- trou palestras em instituições de ensino nos EUA, Inglaterra e Portugal. É codiretora do Congresso Internacional de Jazz Dance no Brasil desde 2009. É professora do curso de Pós- -Graduação em Dança e Consciência Corporal na Universi- dade Estácio de Sá e USC. Dirige a MB – Gestão de Imagem e Comunicação para a Dança. 274 M E S A D E D IS C U S S Ã O : C A R N AV A LI ZA R A D A N Ç A , C O M S ID N E Y FR A N Ç A , Y A S K A R A M A N ZI N I E C Á S S IA N AV A S | F O TO : J O Ã O A N S E LM O A U D IÇ Ã O P R O JE TO E S P E C IA L E M D A N Ç A, F LA V IO L IM A | F O TO : S A M IR A D A N TA S 275 C U R S O L IV R E D A N Ç A D E S A LÃ O , J O S É S IM Õ E S E A D R IA N A C E LI | FO TO : J O Ã O A N S E LM O C U R S O R E G U LA R D E TE AT R O M U S IC A L, M A R C E LA B E N V E G N U | FO TO : S A M IR A D A N TA S 276 A D R IA N A C E LI | FO TO : S A M IR A D A N TA S E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E D R A M AT U R G IA D A D A N Ç A, S A ÍD A P E D A G Ó G IC A, L U IZ A N A S TÁ C IO E A N D R É TE LE S | F O TO : S A M IR A D A N TA S P LA N E JA M E N TO E D U C A C IO N A L, J A N U Á R IO R IC A R D O , L U IZ A N A S TÁ C IO , F LA V IO L IM A E IN Ê S B O G É A | F O TO : S A M IR A D A N TA S 277 P R O JE TO E S P E C IA L E M D A N Ç A, A N D R E IA Y O N A S H IR O E IN Ê S B O G É A | F O TO : S A M IR A D A N TA S 278 E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E D A N Ç A E P E R FO R M A N C E M AT U TI N O N A E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A (2 02 3) | F O TO : M A R C O S A LO N S O 279 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E D A N Ç A E P E R FO R M A N C E V E S P E R TI N O N A E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A (2 02 3) | F O TO : M A R C O S A LO N S O 280 E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E D A N Ç A E P E R FO R M A N C E M AT U TI N O N A E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A (2 02 3) | FO TO : M A R C O S A LO N S O 281 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E D A N Ç A E P E R FO R M A N C E V E S P E R TI N O N A E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A (2 02 3) | FO TO : M A R C O S A LO N S O 282 E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E D A N Ç A E P E R FO R M A N C E M AT U TI N O N A E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A (2 02 3) | FO TO : F E LI P E S A N TO S 283 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E D A N Ç A E P E R FO R M A N C E M AT U TI N O N A E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A (2 02 3) | F O TO : M A R C O S A LO N S O 284 E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A V E S P E R TI N O N A E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A (2 02 3) | FO TO : M A R C O S A LO N S O 285 E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E D A N Ç A E P E R FO R M A N C E V E S P E R TI N O N A E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A (2 02 3) | FO TO : M A R C O S A LO N S O 286 E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A M AT U TI N O N A E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A (2 02 3) | FO TO : F E LI P E S A N TO S 287 E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E D A N Ç A E P E R FO R M A N C E M AT U TI N O N A E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A (2 02 3) | FO TO : M A R C O S A LO N S O 288 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E D A N Ç A E P E R FO R M A N C E M AT U TI N O N A E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A (2 02 3) | FO TO : M A R C O S A LO N SO 289 E S TU D A N TE D O C U R S O R E G U LA R D E D A N Ç A E P E R FO R M A N C E V E S P E R TI N O N A E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A (2 02 3) | FO TO : M A R C O S A LO N S O 290 E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A M AT U TI N O N A E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A (2 02 3) | F O TO : F E LI P E S A N TO S 291 E S TU D A N TE S D O C U R S O R E G U LA R D E TÉ C N IC A S D A D A N Ç A M AT U TI N O E T E AT R O M U S IC A L N A E TA PA D E C R IA Ç Ã O A R TÍ S TI C A E E S TÉ TI C A (2 02 3) | FO TO : F E LI P E S A N TO S GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO Governador | Tarcísio de Freitas Vice-Governador | Felício Ramuth Secretária de Estado | Marilia Marton Secretário Executivo | Marcelo Henrique de Assis Chefe de Gabinete | Daniel Scheiblich Rodrigues Coordenador da Unidade de Formação Cultural, Bruna Attina ASSOCIAÇÃO PRÓ-DANÇA – ORGANIZAÇÃO SOCIAL DE CULTURA CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO Presidente | Rachel Coser Vice-Presidente | Maria do Carmo A. Sodré Mineiro Membros | Adriana Celi Castelo Gomes, Alexandra Olivares de De Viana, Dilma Souza Campos, Eduardo Toledo Mesquita, Elisa Marsiaj Gomes, Eugênia Gorini Esmeraldo, Fernando José de Almeida, Flávia Fortuneé de Picciotto Terpins, José Fernando Perez, Luciano Cury, Maria Cristina Frias, Milton Coatti Filho, Priscilla Zogbi, Ricardo Campos Caiuby Ariani, Rodolfo Villela Marino, Wilton de Souza Ormundo CONSELHO FISCAL Presidente | Helio Nogueira da Cruz Membros | Iside Maria Labate Maiolini Mesquita, José Carlos de Souza, Eduarda Bueno (suplente) CONSELHO CONSULTIVO Membros | Andrea Sandro Calabi, Dolores Prades, Eric Alexander Klug, Flavia Regina de Souza Oliveira, Flávia Kolchraiber, João Gabriel Pennacchi, Jorj Petru Kalman, José de Oliveira Costa, Leontina Gioconda Bordon, Ricardo Uchoa Alves Lima, Walter Appel ASSOCIADOS Alexandra Olivares de De Viana, Ana Grisanti de Moura, Arnaldo Vuolo, Debora Duboc Garcia, Eduardo Toledo Mesquita, Elisa Marsiaj Gomes, Eric Alexander Klug, Eugênia Gorini Esmeraldo, Fernando José de Almeida, Gioconda Bordon, Henri Philippe Reichstul, Inês Vieira Bogéa, Jorj Petru Kalman, José de Oliveira Costa, José Fernando Perez, Luca Baldovino, Luciano Cury, Lygia da Veiga Pereira Carramaschi | Maria do Carmo Abreu Sodré Mineiro, Rachel Coser, Ricardo Campos Caiuby Ariani, Ricardo Cavalieri Guimarães, Ricardo Uchoa Alves Lima, Rodolfo Villela Marino, Suzana Maria Salles França Pinto, Walter Appel SÃO PAULO ESCOLA DE DANÇA DIREÇÃO Artística e Educacional | Inês Bogéa Administrativa-Financeira | Pétrick Joseph Janofsky Canonico Pontes SUPERINTENDÊNCIA Institucional e de Controladoria | José Galba de Aquino Desenvolvimento Institucional | Marcela Benvegnu Educacional | José Simões de Almeida Júnior CURSOS REGULARES Coordenação de Área | Junior Oliveira Coordenação do Curso (vespertino) | Flavio Lima Coordenação do Curso (matutino) | Luiz Anastácio Professores do Curso Dança e Performance | Dani Soares Barsoumian, Peticia Carvalho de Moraes, Ricardo Alves Januario Professores do Curso de Dramaturgia da Dança | André Teles, Paula Sales Professores Curso Técnicas de Dança | Alexandre Robson B. Ferreira, Andreia Ferreira Yonashiro, Bianca Matta Professor do Curso de Figurino na Dança | Alexandre dos Anjos, Paulo Pallas Professor do Curso Teatro Musical | Alex Maranhão, Tiago Kaltenbacher Professores do Curso de Multimídias para Dança | Marcela Abi Karam, Luiz Gustavo Gomes Cardoso Professores do Curso Produção e Gestão Cultural | Lucas Gonzaga Rosa, Monique Tomazi Analistas Educacionais | Brenda Oliveira, Bruna Marques CURSOS LIVRES E DE EXTENSÃO CULTURAL Coordenação de Área | Adriana Celi Curadores | Cássia Navas, Enoque Santos, Erika Novachi Professora de Dança Clássica | Marcela Paez Professora de Dança Contemporânea | Miriam Druwe Professora de Danças Urbanas | Ciça Veronese Professor de Dança de Salão | Luiz Renato de Melo Paz Analistas Educacionais | Jaqueline Santana, Renaildes Cintra Assistente Educacional | Gabriela Augusta Oliveira PRODUÇÃO, TERRITÓRIOS CULTURAIS, PROJETOS E OPORTUNIDADES Coordenador de Área | Felipe do Amaral Analista Educacional | Cristiane Maria Gomes Produtoras | Rafaela Zavisch, Laura Tula Assistente de Produção | Ananda Vieira Técnica de Som | Katheleen dos Santos Costa Técnico de Palco | Irom Daniel Pereira Dias ATENDIMENTO E APOIO ESCOLAR Coordenadora | Esmeralda Gazal Secretária Escolar | Naiane Cardoso dos Santos Analista Educacional | Felipe da Silva Diálogos e Práticas em Dança e Educação/ Bogéa, Inês; Simões, José (org.); texto: Gomes, Adriana Celi Castelo; Andrade, Carolina Romano de; Navas, Cássia; Toscano, Elena; Lima, Flavio; Paula, Franciane Kanzelumuka Salgado de; Bogéa, Inês; Bernardelli, Ivan; Simões, José; Xavier, Jussara; Dunder, Karla; Godoy, Kathya Maria Ayres de; Anastácio, Luiz Fernando da Silva; Benvegnu, Marcela; ilustração: Junior, Acrides; editora de conteúdo: Barros, Keyla; diagramação: Okuyama, Mayumi e Tegoshi, Juliana; - 1 ed. - São Paulo: Pormenores Serviços Editoriais LTDA, 2023. 294 p.: il. Texto bilíngue: Português/Inglês ISBN: 978-85-65356-01-5 Formato PDF 1. Dança e Educação 2. Ensino de Dança 3. Currículo para Dança 4. São Paulo Escola de Dança. I. Bogéa, Inês. II. Simões, José. III. Título CDD: 372.5 Ficha catalográfica elaborada por Thais da Silva Vicente – Bibliotecária CRB-8/10941 Dados Internacionais de Catalogação – CIP Assistentes Educacionais | Beatriz Vicente Soares, Calina Capitani, Ester Amanda Andrade, Gabriel Cassiano dos Santos, Sofia da Silva, Michele Viriato EQUIPE MULTIDISCIPLINAR Assistente Social | Alessandra Felice Bibliotecária | Thais da Silva Vicente Pedagoga | Cintia Bianca de Almeida MEMÓRIA Gerente | Charles Lima Produtora | Bárbara Modenese Assistentes de Audiovisual | Camilo Andres Munoz Barbosa, Iari Davies Auxiliar de Audiovisual | Samira Silva Dantas DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL Analistas de Comunicação | Adoliran Medrado, Dani Aoki, Maria Luiza Paulino, Renata Faila Analista de Mídias Sociais | Mariana Gonçalves Auxiliar de Educativo | Shay Amora Diagramadores | Rafael Alves Silva Ortiz Rojas, Renata Gammaro Barbosa Aprendiz | Lucia Beatriz Cardoso Santos ADMINISTRAÇÃO Gerente Administrativo-Financeiro | Marcio Tanno Coordenador Administrativo-Financeiro | Anderson Paulo de Brito Coordenadora de Recursos Humanos | Karen Ricci dos Santos Coordenador de Compras | Carlos Soares Assessora de Direção | Melinda Grienda Sliominas Assessores Executivos | Fernando Roberto Bertuce Gonzalez Analista Administrativo-Financeiro | Jeferson de Souza Dias Analista Contábil | Andreza Mendes Arquivista | Priscilla Baptista Casas Assistentes Executivas | Roberta dos Santos Vieira, Vanessa dos Santos Sampaio Assistentes de Compras | Emerson Candido da Silva, Samuel Lemos Assistentes Administrativo-Financeiro | Alan Antonio Querino, Dulce Catani Cesar Holanda, Edna Santana Bispo Assistente Fiscal | Hueider Guerreiro Assistente de Departamento Pessoal | Leandro Aparecido do Carmo Auxiliar Administrativo-Financeiro | Júlio da Silva Encarregada de Limpeza | Neide dos Santos Nery Aprendizes | Ana Julia Figueira, Marco Antonio Dantas COLABORADORES Consultoria Jurídica | Bolonhini & Carvalho Sociedade de Advogados Contabilidade | Quality Associados 294 _Hlk146034083 _Hlk143635971 _Hlk143641235 _Hlk143647464 _Hlk143647921 _Hlk143803230 _Hlk143649460