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ESTRUTURAS PSICANALÍTICAS AULA 2 Profª Juliana Santos 2 CONVERSA INICIAL Nesta etapa, vamos dar continuidade ao tema do diagnóstico diferencial da clínica psicanalítica. Para a psicanálise, o que lhe interessa, de fato, são as estruturas que constituem os fenômenos. Portanto, ao estabelecer um diagnóstico diferencial, como propôs Freud, estamos falando de uma ruptura com a psiquiatria que apresenta a cada nova edição do manual uma descrição nosográfica ampliada para estabelecer um diagnóstico. Assim, para pensarmos sobre a constituição estrutural que orienta o diagnóstico da clínica psicanalítica, temos que retomar os pensamentos iniciais de Freud. Freud, no Projeto para uma psicologia científica (1895), nos apresenta a fundação do aparelho psíquico através da primeira experiência de satisfação, onde a relação mãe-filho é uma fonte contínua de excitação e satisfação sexual que se intensifica a cada toque e faz despertar, na criança, a pulsão sexual. E é dessa relação primitiva e arcaica, na qual a criança se considera o objeto de amor exclusivo dessa relação, que Freud extrai o complexo de Édipo, como sendo, este, o fundamento da fantasia do sujeito, pois, como afirma Nasio (2007) na abertura de seu livro Édipo: o complexo do qual nenhuma criança escapa: “não, o Édipo nada tem a ver com sentimento e ternura, mas com corpo, desejo, fantasias e prazer. Provavelmente, pais e filhos amam-se ternamente e podem se odiar, mas, no coração do amor e do ódio familiar, medra o desejo sexual”. São, portanto, os efeitos da vivência edípica no psiquismo que, quando recalcado, desmentido ou foracluído, vão traçar o destino do sujeito e posicioná- los dentro ou fora da partilha dos sexos. Então, para esta aula, iremos nos deter de forma minuciosa sobre a teoria do complexo de Édipo que foi formulada por Freud em 1900 e que, desde então, sustenta a sua tese sobre a constituição psíquica, visto que o complexo de Édipo é o complexo nuclear da constituição das neuroses, como também da sexualidade humana. O Édipo é a experiência vivida por uma criança de cerca de quatro anos que, absorvida por um desejo sexual incontrolável, tem de aprender a limitar seu impulso e ajustá-lo aos limites de seu corpo imaturo, aos limites de sua consciência nascente, aos limites de seu medo e, finalmente, aos limites de uma lei tácita que lhe ordena que pare de tomar seus pais por objetos sexuais. Eis então o essencial da crise edipiana: aprender a canalizar um desejo transbordante. No Édipo, é a primeira vez na vida que dizemos ao nosso insolente desejo: “Calma! Fique mais tranquilo! Aprenda a viver em sociedade!” Assim, concluímos que o Édipo é a dolorosa e iniciática passagem de um 3 desejo selvagem para um desejo socializado, e a aceitação igualmente dolorosa de que nossos desejos jamais serão capazes de se satisfazer totalmente. (Nasio, 2007, p. 10) TEMA 1 – O ÉDIPO REI A peça do Édipo rei foi a inspiração de Freud para a sua teoria do complexo de Édipo. A peça retrata a história do jovem Édipo que, em dúvida quanto à sua origem, vai em busca de um oráculo. Este, lhe adverte sobre o seu destino e profetiza dizendo que Édipo mataria o seu pai e se casaria com a sua mãe. Horrorizado com a fala do oráculo, Édipo abandona sua cidade em Corinto, onde vivia com seus pais Pólibo e Peribéia, e vai em direção a Tebas, a fim de evitar o cumprimento da tão sinistra profecia enunciada pelo oráculo. No caminho para Tebas, Édipo se envolve numa briga com um desconhecido, tendo como resultado a morte do homem. Prosseguindo seu caminho, encontra-se com uma Esfinge às portas de Tebas, que lhe propõe um enigma, pelo qual, se Édipo o decifrasse, a cidade se livraria da peste que a assolava, caso contrário, seria devorado. Tendo decifrado o enigma, Édipo é acolhido como herói, recebendo em troca o trono de Tebas, que estava vago devido à morte do rei Laio. Juntamente com o trono, Édipo recebe a mão da rainha Jocasta. Com o passar do tempo, a cidade passa a ser assolada por uma nova peste, onde os sacerdotes declaram que o motivo da peste vinha por conta de um acolhimento dado a um culpado. Desse modo, enquanto o culpado se mantivesse encoberto, a peste seguiria dizimando a população. Édipo ordena, então, que houvesse uma investigação em busca do culpado. No transcorrer da investigação, eis que na cidade chega um adivinho, vindo de Tirésias, e ele dá indícios de que o culpado seria ninguém menos que o próprio Édipo. Ao final, depois da revelação de que Édipo seria um filho adotado por Pólibo e Peribéia, fica evidente que seus verdadeiros pais são Laio e Jocasta. Com isso, a trágica verdade emerge: rei Édipo, parricida e incestuoso. 1.1 A tese do complexo de Édipo Antes mesmo de publicar a sua tese do complexo de Édipo na Interpretação dos sonhos, Freud, em 1987, já havia abordado o tema com Fliess, seu amigo de correspondências, porém vale ressaltar que a construção 4 conceitual do complexo de Édipo como operador clínico foi elaborado ao longo de toda a sua obra. Édipo assassinou o seu pai e casou-se com a sua mãe e, para Freud, o efeito trágico da peça se efetua ao ecoar nos espectadores o reconhecimento de seus desejos criminosos, a saber: o assassinato do pai e o incesto com a mãe. Garcia Roza, em seu livro Introdução à metapsicologia Vol. II (2008), enfatiza que a verdade do parricídio e do incesto só emerge para Édipo no final do processo, pois entre a certeza do rei Édipo (ser herói) e a verdade do criminoso, interpõe-se um processo que transforma o primeiro momento no segundo, sendo este o produtor-revelador da verdade de Édipo. Em primeiro lugar, para Freud, o complexo de Édipo vem vinculado à interdição do incesto, diferentemente do que ocorreu na peça, onde após assassinar o pai, Édipo casa com a mãe e tem quatro filhos. Mas o que se segue da peça mostra que Édipo, ao descobrir seu ato incestuoso, fura seus olhos, se autocegando, o que, para Freud, configura-se uma punição, que equivale ao que ele nomeou de castração, uma consequência lógica da vivência edipiana. O mito de Édipo forneceu a Freud a estrutura de um desejo criminoso que se articula a uma proibição de um impossível de ser suportado. Por outro lado, por se tratar de um desejo, o sujeito se divide — rejeitando na consciência o desejo proibido e conservando no inconsciente, “entre não querer saber e um saber que não cessa de se escrever”, como declara Quinet em seu livro Édipo ao pé da letra (2015). Portanto, a condição de não saber do Édipo é a condição legitima do inconsciente, enquanto saber não-sabido, isto é, o saber inconsciente do qual o sujeito não quer conscientemente saber. Assim, o destino do complexo de Édipo tende sempre ao recalque, que resulta, como veremos, em algumas consequências psíquicas. TEMA 2 – O COMPLEXO DE CASTRAÇÃO Freud (1924) explica a relação do complexo de Édipo com o complexo de castração nos textos A organização genital infantil e A dissolução do complexo de Édipo. No primeiro texto, Freud apresenta a primazia do falo como característica da organização sexual infantil, onde o órgão genital masculino representa o falo. Freud então instaura a fase fálica no desenvolvimento sexual, 5 onde explica que o pênis está em posse comum a ambos os sexos, portanto, o falo é universal. Mas com o surgimento da imagem “acidental” do órgão genital feminino, faz emergir a primeira negação da falta de pênis e, posteriormente, a conclusão de que ele esteve lá, mas foi arrancado. Assim, para o menino, ele conclui que ele também pode ser castrado (ameaça de castração). Para a menina, a visão do pênis faz com que repare na sua falta (castrada). Dessa forma, Quinet (2015) declara: “Doravante, o falo imaginário, objeto ameaçado de perda para um, e objeto de inveja para outro, é inscritona subjetividade, para ambos os sexos como faltante (-). Nesse momento, que representa o declínio do Édipo para os meninos e a entrada no drama edípico das meninas, Freud estabelece o surgimento do supereu, como o herdeiro do complexo de Édipo, cujas exigências serão paradoxais, pois ao mesmo tempo que exige que se cumpra a lei, ordena a sua transgressão. Veremos isso adiante. Mas o que precisamos destacar por ora é que tal momento que constitui o complexo de castração é o momento de instauração da lei, pois, em termos, é a ameaça a castração que valida a vivência edipiana e funda a relação do ser humano através da interdição universal, a lei do incesto. 2.1 O efeito trágico da epopeia edipiana No texto Para além do princípio de prazer, Freud (1920) retoma a dimensão trágica do Édipo para mostrar que na repetição transferencial e nas relações amorosas, o que se repete é o que se encontra na própria estrutura do complexo de Édipo, que se conjuga com o complexo de castração, onde Quinet sublinha o “ser-para-o-sexo”: O laço da afeição, que via de regra liga a criança ao genitor do sexo oposto, sucumbe ao desapontamento, a vã expectativa de satisfação, ou ao ciúme pelo nascimento de um novo bebê, prova inequívoca da infidelidade do objeto da afeição da criança. Sua própria tentativa de fazer um bebê, afetuada com trágica seriedade, fracassa vergonhosamente. A menor quantidade de afeição que recebe, as exigências crescentes da educação, palavras duras e um castigo ocasional mostram-lhe por fim toda extensão do desdém que lhe concederam. (Freud citado por Quinet, 2015, p. 30) 6 Trata-se da experiência que está para além do princípio do prazer, o gozo oriundo daquilo que escapa a simbolização do complexo de Édipo, que mais tarde Lacan textualiza pelo não inscrição da relação sexual. TEMA 3 – TOTEM E TABU Na peça grega Édipo rei, o assassinato do pai permitiu o gozo à mãe, mesmo que tenha sido preciso pagar o preço dos olhos furados (castração real no corpo). Anos depois, Freud elabora o texto de Totem e tabu (1913-14), onde demonstra a interdição universal ampliando a discussão sobre o complexo de Édipo, projetando-o no âmbito social. Esse texto, segundo Quinet, é mais adequado do que o mito de Édipo, pois, como vimos, o próprio Édipo não tinha o complexo de Édipo. Em Totem e tabu, o pai da horda primitiva retinha o gozo total de todas as mulheres, enquanto seus filhos eram proibidos de gozar sexualmente delas. O gozo do pai primitivo era absoluto, e ameaça de castração os outros homens, pois ele era o único que podia gozar, já que seu gozo estava excluído de interdição. Certa vez, movidos pelo ódio da proibição, os filhos em comum acordo assassinam o pai gozador. No entanto, depois do pai assassinado, os próprios filhos restauram a interdição da endogamia e erguem um totem que simbolizava o pai morto, erigindo a interdição do incesto, ou seja, não se goza com a mulher do pai, esteja ele vivo ou morto. Nesse mito, verificam-se duas figuras do pai: o pai gozador e o pai morto, que após a sua morte assume a função do pai simbólico. Freud, então, ressalta no texto a importância do assassinato do pai da horda para que todos pudessem ter acesso ao gozo, mas não ao gozo supremo, pois, com o pai morto, o acesso ao gozo supremo também foi excluído. Quinet (2015) afirma que tanto na tragédia do Édipo rei, onde o parricídio permite o gozo à mãe ao preço da castração no real do corpo (os olhos furados), quanto no parricídio do pai da horda, onde se erige um totem que o representa e reafirma que o gozo supremo está barrado para o sujeito, é a função do pai, enquanto morto, ou seja, enquanto função simbólica, que faz barra o gozo da mãe, pois o sentimento de culpa é que faz vigorar o olhar de vigilância e a voz que critica sob a forma do supereu. Diz: 7 O gozo do pai desaparece com a sua morte e fica a Lei da interdição do incesto e o nome (substituto do pai que é um animal) como significante da lei e insígnia identificativa daquela “tribo”. Assim, o Nome-do-Pai elaborado por Lacan a partir do mito de totem e tabu nomeia o pai da lei e o pai da nomeação (função que Lacan atribuirá ao Nome-do-Pai nos anos 1970). (Quinet, 2015, p. 26) O pai é o personagem que ameaça com a castração para punir o sujeito pelo desejo incestuoso. Quinet (2015) apresenta as articulações propostas por Freud na seguinte ordem: 1º - desejo sexual com a mãe; 2º - ameaça da punição- castração; 3º - desejo de assassinar o pai. Lacan, ao incidir sobre a teoria do complexo de Édipo e o mito de totem e tabu, acrescenta que o pai é o portador da lei, não só para proibir o incesto, mas o pai da Lei simbólica que funciona no psiquismo com o significante do Nome-do-Pai, que articula a Lei e desejo [lei (do pai) e desejo (pela mãe)]. Para além da lei civilizatória imposta pela figura do pai, como pai simbólico, Lacan pontua que o pai de Totem e tabu é o pai gozador que submete todos a seu poder. Tal representação constitui a figura do pai real que, em Freud, recebe o nome de supereu, instância herdada pelo filho. TEMA 4 – A RELEITURA DO ÉDIPO EM LACAN A leitura que Lacan faz do complexo de Édipo rende novos horizontes para a clínica, pois ele coloca o Édipo no centro do diagnóstico estrutural, isto é, o complexo de Édipo surge como divisor de águas entre o campo da neurose e psicose, isso significa que, sem o complexo de Édipo, o sujeito responderá a partir da foraclusão do Nome-do-Pai. O Édipo em Lacan corresponde, então, a uma primeira metaforização, do desejo materno, pois como vimos em Freud, a mãe e o bebê inicialmente vivem uma relação plena de amor, com a incisão da lei do pai, o bebê se separa da mãe, e esse momento representa a entrada do sujeito na linguagem. Desse modo, verificaremos que os desdobramentos do complexo de Édipo nos ensinos de Lacan implicarão o sujeito na sua relação com o seu desejo, situando-o na partilha dos sexos. É, então, no seminário 5, As formações do inconsciente (1958), que Lacan traz à tona o que sempre esteve na mira de Freud, a função do pai. O pai, como um registro imaginário, tem a função de sustentar a lei simbólica através do significante do Nome-do-Pai, interditando o gozo da mãe. Assim, Lacan nos 8 ensina a ler o Édipo pela “metáfora paterna” uma operação lógica dos significantes que terá como resultado a inscrição do Nome-do-Pai no lugar do Outro. 4.1. A metáfora paterna A metáfora paterna é o modo como Lacan nos ensina a ler o acontecimento edipiano. Em primeiro lugar, verificamos a preeminência do simbólico sobre o imaginário e o real, e reordenando o campo das estruturas clínicas. A função simbólica do pai é apreendida pela linguagem, onde o pai se transforma num significante que Lacan nomeou de Nome-do-Pai. O momento fecundo que institui essa constituição pode ser pensado através do mito freudiano de Totem e tabu, onde o pai morto provoca uma dívida simbólica, que liga o sujeito a vida e a lei, destaca Antonio Quinet (2015). Desse modo, a função paterna evocada por Lacan não é a do pai genitor, e sim a função simbólica do significante do Nome-do-Pai que representa a lei simbólica no lugar do Outro. A importância do simbólico como um registro na organização psíquica é abordada por Lacan no seminário 3, As psicoses (1956), onde a função da estruturação da cadeia significante é destacada pelo seu arranjo especifico, que operar por meio da metáfora. Ou seja, a metáfora opera pela lei de linguagem, portanto, ela não ocorre por qualquer arranjo de significante, é preciso de um vínculo posicional, internos ao significante, para que haja ordem das palavras e, assim, gere um fundamento de sentido. Assim, é apenas por esse sentido, que ordena a cadeia significante, que a metáfora pode cumprir sua função e precipitar um novo sentido. “Para que vocês compreendamisso, basta lembrarem-se de que Pedro mata Paulo não é equivalente a Paulo mata Pedro”, portanto, a organização das palavras, da cadeia significante, é um sistema de linguagem de coerência posicional. Lacan afirma que o inconsciente funciona pela mesma lei de linguagem. Assim, a metáfora é a substituição de significantes que se articulam na cadeia, cuja função é criar um novo sentido a uma articulação já existente. Keylla Barbosa, em seu artigo “De Jakobson a Lacan: a construção da metáfora paterna”, declara: 9 Para que os significantes possam se substituir, eles devem estar encadeados e deve haver uma identidade entre eles, porque a identidade se dá pela posição, e, para haver pareamento posicional, é indispensável uma cadeia significante articulada. Portanto, se a metáfora se faz por uma articulação posicional, a condição para que ela exista é que haja articulação significante e que, nesta articulação, cada elemento ocupe a posição específica que lhe caiba. Um significante resta e outro é elidido. O significante que cai no decorrer desta operação não sai totalmente de cena. Ele se mantém em uma relação metonímica com o restante da cadeia. Portanto, é preciso sublinhar que na operação da metáfora, ela fica subordinada à metonímia, pois é ela que garante o encadeamento para dar origem a um novo sentido, ou seja, o significante metaforizado se mantém na cadeia pela metonímia: “É a metonímia a responsável por fazer com que toda significação remeta a outra e, deste modo, a cadeia não para de se articular”. A fórmula da metáfora apresentada por Lacan em De uma questão preliminar é a seguinte: Onde se lê assim: os S são significantes, x é a significação desconhecida e s é o significado induzido pela metáfora, que consiste na substituição, na cadeia significante, de S’ por S. A elisão de S’ está representado pelo risco, sendo essa a condição de sucesso da metáfora. No segundo termo da fórmula, o símbolo I (inconsciente) nos lembra que S’ foi recalcado. Vamos pelo exemplo de Antonio Quinet, que explica essa operação assim: se digo: “Maria é uma flor” é porque há um significante que encontro tanto em “Maria” quanto em “flor”: o significante “delicado”, podemos então escrever através da operação: Na metáfora paterna, o pai como significante que metaforiza o desejo da mãe para a criança vai ser posto por Lacan a partir do seminário 3, onde o pai totêmico, de Freud, passará assumir a função simbólica, instância da lei. Isso significa que o pai, que funciona para o filho, não é o pai genitor, mas trata-se do significante Nome-do-Pai. 10 O Nome-do-Pai é um significante e não uma pessoa, ele está no discurso da mãe, declara Antonio Quinet (2015). Assim, Lacan propõe uma operação simbólica, fundamental, que corresponde em Freud à epopeia edipiana, que efetuara a inscrição do Nome-do-Pai, o significante que permite a simbolização da procriação, isto é, da posição feminina e masculina na partilha dos sexos. Em última análise, o significante do Nome-do-Pai é o significante que estrutura o inconsciente como uma linguagem e instaura a ordem das leis de linguagem — metáfora e metonímia, portanto, trata-se do significante primordial para a organização psíquica. 4.1.2 A leitura da metáfora paterna Se tomarmos a metáfora por fração, verificamos que, de início, temos a relação mãe-bebê, onde o bebê está enredado ao Desejo-da-Mãe (DM), resume- se o desejo por ele (o bebê) como desejo dela. O denominador X é o que significa para o sujeito, portanto, uma incógnita, pois para o sujeito bebê, perante o desejo da mãe: o que ela quer? No segundo tempo, de um tempo lógico e não cronológico, o discurso da mãe insere na relação o Nome-do-Pai, pelo qual este vem substituir o DM, pela operação metafórica (trabalho, pai, corpo etc.); desse modo, X recebe uma significação, ou seja, um valor fálico: Assim, a operação de substituição metafórica resulta na inscreve o Nome- do-Pai no lugar do Outro em A. Logo, o sujeito entra na lógica fálica, pois o falo é significação dada ao desejo do Outro, que é marcado pela falta. O falo, diz Quinet, entra em jogo como significante (ɸ) produto da operação da metáfora paterna. Ele se distingue do falo imaginário, que é sempre 11 negativo (-φ), pois evoca nos homens a castração e nas mulheres a inveja desejo de pênis. Lacan faz da metáfora paterna a sua releitura do Édipo freudiano. TEMA 5 – OS TRÊS TEMPOS DO ÉDIPO Ainda no seminário 5, As formações inconscientes (1958), Lacan introduz uma nova forma de pensar o complexo de Édipo, distinguindo três tempos lógicos. • 1º tempo: momento em que a criança está totalmente identificada ao objeto de desejo da mãe. O bebê=falo, uma equivalência simbólica que é resultado do complexo de Édipo na mulher, pois daí resulta essa posição de identificação com o falo materno. Antonio Quinet (2015) sublinha que há nesse tempo três elementos: a criança, a mãe e o falo, sendo que a criança equivalente ao falo. Nesse tempo, a mãe está na posição do Outro absoluto, pois, para a criança, ela é a única capaz de suprir as suas necessidades, dependendo apenas da boa ou má vontade. Trata-se da lei do capricho, ressalta Quinet, na qual a criança se encontra assujeitada, assim, “nesse primeiro tempo lógico do Édipo, a mãe é para a criança um Outro absoluto. Se a criança jubilar, se ela atinge o equivalente ao orgasmo, como diz Freud em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, é porque ela responde de um lugar de objeto do desejo da mãe” (Quinet, 2015, p. 40). • 2º tempo: esse momento corresponde à inauguração da simbolização. Lacan explica essa passagem através do brincar da criança e resgata o jogo de carretel (fort-da), descrito por Freud em Além do princípio de prazer. Trata-se da repetição feita de forma lúdica pela criança, onde ela lança o carretel, fazendo desaparecer; depois puxa o carretel, fazendo reaparecer. Tal repetição seria uma forma de simbolizar o desaparecimento e o retorno da mãe que é enunciando pelas palavras que representam o seu afastamento e o seu retorno (fort-da). Lacan aponta nessa brincadeira uma tentativa de poder representar a mãe de forma simbólica pelo objeto e fonemas entonados. Pois, ao enunciar o par de fonema “ooo”, que Freud interpreta por fort (longe), e “aaa”, por da (aqui), 12 é fundada a sua entrada na linguagem, posto que é possível situar o par significantes (S1 – S2) base da cadeia significante, por onde se desloca o sujeito. Quinet diz assim: Ela (a criança) entra no binarismo significante (S1 – S2), fundamento da cadeia significante, por onde se desloca o sujeito. A mãe, podendo ser simbolizada por um significante, passa do status de objeto primordial ao de signo. A relação da criança com ela deixa de ser imediata, pois há uma mediação simbólica pela linguagem. (Quinet, 2015, p. 40-41) É preciso enfatizar que no segundo tempo do Édipo, essa operação que efetua a simbolização da ausência da mãe não ocorre de forma espontânea, é necessário que surja a intervenção de um quarto termo que possa inscrever a lei de interdição. Trata-se do significante do Nome-do-Pai, que se impõe barrando o desejo da mãe, interditando a posse da criança como objeto e significando para a criança que o desejo da mãe está para além dessa relação. O Nome-do-Pai, portanto, o pai enquanto uma função simbólica, entra em cena para metaforizar o lugar de ausência da mãe. Se no primeiro tempo o Outro, encarnado pela mãe, era um Outro pleno e absoluto, com a interdição do Nome- do-Pai o Outro é barrado e, assim, a lei simbólica se instaura para o sujeito, pela qual o Outro em A, passa a se constituir como lugar de lei, do pacto da fala. O segundo tempo do Édipo, portanto, equivale à castração simbólica, o recalque originário, pelo qual a criança perde a sua identificação ao falo da mãe, oupelo menos recalca. O falo é elevado ao nível de significante de desejo da mãe, pois a ela o falo falta também (A). Quinet declara assim: O Nome-do-Pai, inscreve-se no Outro, lugar ocupado anteriormente pela mãe, não simbolizada, permite a articulação entre o complexo de castração e o acesso ao simbólico no processo do Édipo. Por intermédio da metáfora paterna, a significação do falo é evocada no imaginário do sujeito. Antes disso, não havia tal possibilidade. Mas o preço de tornar-se significante é o próprio desaparecimento do falo. O efeito da castração simbólica aparece no imaginário como falta: (-φ). (Quinet, 2015, p. 41) Dessa forma o falo é elevado ao nível de significante (ɸ), como desejo do Outro, não como (-φ), que é a sua forma imaginarizada. O falo, diz Quinet, é o significante que permitirá ao sujeito atribuir significações a seus significantes, ou seja, é o significante que, por excelência, permite ao sujeito situar-se na ordem simbólica e na partilha dos sexos. “O sujeito passa de uma posição de ser falo a uma posição de falta-a-ser, entrando na dialética do ter ou não ter”. 13 • 3º tempo: configura-se pelo declínio do complexo de Édipo, onde o menino passa da posição inicial de ser o falo à posição de ter o falo, podendo a partir daí dar uma significação ao seu pênis. Nesse sentido, a figura do pai, enquanto marido da mãe, é tomado como modelo de identificação do Ideal do eu, cuja matriz simbólica é o significante do Nome-do-Pai. A mulher se situará como o objeto de desejo do homem, ser o falo. 5.1 A problemática do falo A assimetria que há no Édipo, entre menina e menino, deve ser entendida pela assunção do falo, isto é, ter ou não o falo como o elemento pivô, na qual a identificação sexual (e não genital) do sujeito se organiza e se diferencia. Patrick Valas (2001) nos ajuda a alcançar esse discernimento em seu livro As dimensões do gozo, que diz assim: • a menina entra no Édipo através do complexo de castração, isto é, como castrada, e ela sai pela angústia, que funciona para ela como equivalência da castração, pois na realidade a ela o falo só falta simbolicamente; ela não está privada de nenhum órgão; • o menino entra no Édipo pela angústia de castração, angústia de ser castrado, e sai pelo complexo de castração, o que significa que paira sempre sobre ele o temor de ser castrado - Freud precisa que se trata essencialmente de um temor que se enraíza no narcisismo. A posição de ter o falo ou ser castrado, é importante que se entenda, não se designa pela realidade anatômica, mas sim entre a presença e ausência de um único termo — o simbólico. A função simbólica que pode dizer ao homem tem o falo, enquanto a mulher se diz castrada. Isso porque o pênis, enquanto forma, é sede de um gozo privilegiado, que, como situa Patrick, Freud o designa muito bem, pois é a parte de libido que permanece fixada ao corpo próprio, porque sempre há uma parte de libido que não é transferida para o objeto. O falo, como definido por Lacan, “é a significação, nenhuma outra significação, que não a própria significação", dito de outra maneira, por Patrick valas: “o falo como significado é justamente o objeto que dá à criança a significação das idas e vindas da mãe, isto é, o falo enquanto ela não o tem e enquanto a criança o atribui a ela, na sua fantasia”. Sendo assim, o falo torna-se pivô da economia do desejo, na medida que ele é o desejo sexual (o que falta a mãe). 14 Lacan faz a distinção de dois falos, o falo como significante do desejo resultado da inscrição simbólica (ɸ) e o falo significado, que é o objeto imaginário da castração (-φ). Suas articulações se inscreve no processo da metáfora paterna, que se efetua no processo edipiano, onde um laço vem se estabelecer entre eles, por suas funções respectivas, como situa Patrick, não são intercambiáveis, naquilo que Lacan chama de heteróclito do complexo de castração — termo que aparece para lembrar que os elementos reais, imaginários e simbólicos que o organizam são heterogêneos. NA PRÁTICA A nova leitura de Lacan sobre o complexo Édipo deu ao conceito uma afinação precisa para a clínica, pois a referência edípica passou a se situar no centro da escuta para o diagnostico diferenciado das estruturas clínicas. Pois é só partir da escuta da epopeia edípica do sujeito que podemos pensar na hipótese de um diagnóstico diferencial. Na psicose, o sujeito não viveu o complexo de Édipo, a inscrição do Nome-do-Pai foi foracluído. Mas, na prática, como ouvir a história edipiana na clínica? Claro que o sujeito não fala declaradamente sobre a sua relação edipiana, pois ela é inconsciente. Ela em suas relações transferenciais. Por exemplo: nas entrevistas preliminares, o analista deve investigar as relações do sujeito, se ele é casado, se namora, com quem vive, se tem muitos amigos etc. Essas relações sociais apontam para o modo como o sujeito se posiciona no laço social. Certa vez, uma mulher de 49 anos, divorciada, sem filhos, formada em história, mas nunca exerceu a profissão, buscou análise, pois dizia que estava muito cansada da vida. Tudo lhe cansava, não tinha ânimo para nada, queria dormir e não falar com ninguém. Aparentemente, parecia um quadro de depressão, mas, ao ser questionada sobre o tempo que vinha se sentindo assim, ela responde que sempre foi assim, nunca viu sentido na vida. 15 Sobre o seu casamento, diz que na faculdade conheceu um rapaz muito bonito e que ele gostou dela, pois ela sempre chamou muita atenção. Assim, eles começaram a namorar, ficaram noivos, sem saber o real motivo, pois brigavam muito, ele vivia na praia e não gostava de trabalhar, mas que mesmo assim se casaram, pois queria ter um casamento bem chique e eles juntos faziam um belo casal. O casamento durou menos de um ano, um dia ele saiu e não voltou mais. O seu pai conseguiu anular o casamento e, depois dele, nunca quis ficar com ninguém. O decorrer de suas sessões foi marcado por relatos de intrigas familiares. Ela declaradamente odeia a sua mãe, chegando a agredi-la fisicamente, e nutre um amor sexual pelo seu pai. Suas declarações não passam por nenhum crivo de censura. Portanto, nesse curto recorte de um caso clínico, é possível notar que no discurso da paciente, o desejo como causa é esvaziado, pois a vivência edipiana que funda o desejo através da interdição do incesto não ocorreu. Nesse caso, a hipótese do diagnóstico estrutural é de uma psicose com delírios paranoicos. FINALIZANDO 1. O mito de Édipo forneceu a Freud a estrutura de um desejo criminoso que se articula a uma proibição de um impossível de ser suportado. Mas, por outro lado, por se tratar de um desejo, o sujeito se divide — rejeitando na consciência o desejo proibido e conservando no inconsciente, “entre não querer saber e um saber que não cessa de se escrever”, como declara Quinet (2015). 2. O complexo de castração é o momento de instauração da lei, pois, em termos, é a ameaça de castração que valida a vivência edipiana e funda a relação do ser humano através da interdição universal, a lei do incesto. 3. No mito de Totem e tabu, o pai é o personagem que ameaça com a castração para punir o sujeito pelo desejo incestuoso. Quinet (2015) apresenta as articulações proposta por Freud na seguinte ordem: 1º - desejo sexual com a mãe; 2º - a ameaça da punição-castração; 3º - desejo de assassinar o pai. Lacan, ao incidir sobre a teoria do complexo de Édipo e o mito de totem e tabu, acrescenta que o pai é o portador da lei, não só para proibir o incesto, mas o pai da Lei simbólica que funciona no 16 psiquismo com o significante do Nome-do-Pai, que articula a Lei e desejo [lei (do pai) e desejo (pela mãe)]. 4. Na releitura do complexo de Édipo em Lacan, ele vai resumir o complexo de Édipo na metáfora paterna, onde o Nome-do-Pai surge como um novo termo quevem barrar o gozo do Outro, destruído a identificação da criança com o falo da mãe. E elabora os três tempos lógicos do Édipo: 1º) A criança está identificada ao falo materno (mãe-bebê-falo); 2º) A criança perde a identificação ao falo e recalca, simbolizando a ausência da mãe pelo Nome-do-Pai (recalque originário); 3º) A saída do complexo de Édipo, onde a questão do falo é colocada entre o ser e o ter. 5. A problemática do falo: Lacan faz a distinção de dois falos, o falo como significante do desejo resultado da inscrição simbólica (ɸ) e o falo significado, que é o objeto imaginário da castração (-φ). 17 REFERÊNCIAS BARBOSA, K. De Jakobson a Lacan: a construção da metáfora paterna. Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica [online], v. 23, n. 3, p. 29-37, 2020. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1809-44142020003005>. Acesso em: 10 maio 2022. FREUD, S. As neuroses de defesa. In: Obras completas. Vol. I. Rio de Janeiro: Imago, 1996. _____. Conferência XXXI. A dissecção da personalidade. In: Obras completas. Vol. XXII. Rio de Janeiro: Imago, 1996. LACAN, J. De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. _____. Livro 5: as formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. NASIO, J. D. Édipo, o complexo do qual nenhuma criança escapa. Rio de Janeiro: Zahar. QUINET, A. Édipo ao pé da letra: fragmentos de tragédia e psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 2015. _____. Os outros em Lacan. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. VALAS, P. As dimensões do gozo: do mito da pulsão à deriva do gozo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.