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Prévia do material em texto

<p>Vivian Zerbinatti da Fonseca Kikuichi</p><p>Daniela Kamimura Rezende</p><p>Dáphine Luciana Costa Gahyva</p><p>Denise Rodovalho Scussel</p><p>Sandra Eleutério Campos Martins</p><p>Processos interativos com a</p><p>pessoa surda</p><p>Catalogação elaborada pelo Setor de Referência da Biblioteca Central Uniube</p><p>© 2018 by Universidade de Uberaba</p><p>Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser</p><p>reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico</p><p>ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de</p><p>armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito,</p><p>da Universidade de Uberaba.</p><p>Universidade de Uberaba</p><p>Reitor</p><p>Marcelo Palmério</p><p>Pró-Reitor de Educação a Distância</p><p>Fernando César Marra e Silva</p><p>Coordenação de Graduação a Distância</p><p>Sílvia Denise dos Santos Bisinotto</p><p>Editoração e Arte</p><p>Produção de Materiais Didáticos-Uniube</p><p>Projeto da capa</p><p>Agência Experimental Portfólio</p><p>Edição</p><p>Universidade de Uberaba</p><p>Av. Nenê Sabino, 1801 – Bairro Universitário</p><p>P941 Processos interativos com a pessoa surda / Vivian Zerbinatti da Fonseca</p><p>Kikuichi ... [et al.]. – Uberaba : Universidade de Uberaba, 2018.</p><p>192 p. : il.</p><p>Programa de Educação a Distância – Universidade de Uberaba.</p><p>Inclui bibliografia</p><p>ISBN 978-85-7777-767-9</p><p>1. Deficientes auditivos. 2. Deficientes auditivos – Educação. 3. Deficientes</p><p>visuais. I. Kikuichi, Vivian Zerbinatti da Fonseca. II. Universidade de Uberaba.</p><p>Programa de Educação a Distância. III. Título.</p><p>CDD 371.912</p><p>Sobre as autoras</p><p>Daniela Kamimura Rezende</p><p>Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia –</p><p>(UFU). Pedagoga com Habilitação em Educação Especial pela Universidade</p><p>de Uberaba (Uniube). Proficiente no Uso e no Ensino da Libras (MEC/Inep/</p><p>UFSC) PROLIBRAS. Proficiente na Tradução e Interpretação de Libras/Língua</p><p>portuguesa/Libras (MEC/Inep/UFSC) Prolibras. Intérprete de Língua Brasileira de</p><p>Sinais – Libras – (CAS/BH). Docente nos cursos de Licenciaturas, Fonoaudiolo-</p><p>gia, Educação Física, EAD e Pós -graduação da Uniube. Docente na Faculdades</p><p>Associadas de Uberaba (Fazu). Intérprete de Libras/Língua Portuguesa em</p><p>Escola Estadual no ensino médio (Uberaba – MG). Intérprete de Libras/Língua</p><p>Portuguesa na Uniube nos cursos presenciais e a distância. Integra a equipe</p><p>de trabalho do Núcleo de Atendimento Especializado (NAE) da Uniube. Atua e</p><p>desenvolve trabalhos na educação de pessoas surdas.</p><p>Dáphine Luciana Costa Gahyva</p><p>Mestre em Fonoaudiologia pela Faculdade de Odontologia de Bauru da Univer-</p><p>sidade de São Paulo (FOB/USP). Especialista em Linguagem pelo Conselho</p><p>Federal de Fonoaudiologia e pela FOB/USP. Graduada em Fonoaudiologia</p><p>pela FOB/USP.</p><p>Denise Rodovalho Scussel</p><p>Mestra em Educação e graduada em Pedagogia com habilitação em Supervisão,</p><p>Administração e Educação Especial pela Universidade de Uberaba (Uniube).</p><p>Gestora e docente do curso de Pedagogia dessa instituição.</p><p>IV UNIUBE</p><p>Sandra Eleutério Campos Martins</p><p>Mestra em Linguística pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Gradua da</p><p>em Letras pelas Faculdades Integradas de Uberaba (Fiub). Docente da Univer-</p><p>sidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).</p><p>Vivian Zerbinatti da Fonseca Kikuichi</p><p>Especialista em Psicopedagogia pela Faculdade da Região dos Lagos (Ferlagos).</p><p>Graduada em Pedagogia ─ Habilitação em Educação Especial pela Universidade</p><p>de Uberaba (Uniube), e Letras ─ Português/Inglês pela Universidade Federal do</p><p>Triângulo Mineiro (UFTM). Coordenadora Pedagógica da Escola para Surdos</p><p>Dulce de Oliveira. Professora de Língua Portuguesa (L2) para surdos, atua no</p><p>projeto de Estimulação Essencial para crianças surdas de 0 a 3 anos. Asses-</p><p>sora pedagógica do Departamento de Inclusão Educacional e Diversidade da</p><p>Secretaria de Educação e Cultura de Uberaba – MG.</p><p>Sumário</p><p>Apresentação ................................................................................................. IX</p><p>Capítulo 1 A abordagem socioantropológica da cultura surda ........................1</p><p>1.1 O que compreendemos por representação? ................................................................3</p><p>1.2 As representações da surdez .......................................................................................3</p><p>1.3 Um pouco da história da educação dos surdos............................................................5</p><p>1.4 A oficialização da língua de sinais no Brasil ...............................................................12</p><p>1.5 Conclusão....................................................................................................................15</p><p>Capítulo 2 O desenvolvimento da criança surda com enfoque no</p><p>desenvolvimento da linguagem e cognição .................................21</p><p>2.1 Revendo alguns conceitos..........................................................................................23</p><p>2.2 Fatores fundamentais para o desenvolvimento harmônico e integral na infância ......24</p><p>2.3 O papel do “outro” no desenvolvimento da linguagem em crianças surdas ...............27</p><p>2.4 Língua, linguagem e signo linguístico: uma revisão ...................................................29</p><p>2.5 Semelhanças e diferenças no processo de aquisição da linguagem e</p><p>estruturação do pensamento em crianças surdas e ouvintes ...................................31</p><p>2.6 Conclusão....................................................................................................................36</p><p>Capítulo 3 A audição e o processo de ensino -aprendizagem .......................41</p><p>3.1 Audição – som – fala – linguagem ..............................................................................43</p><p>3.2 Neuroanatomofisiologia da audição ...........................................................................48</p><p>3.3 Deficiência auditiva: aspectos gerais..........................................................................50</p><p>3.3.1 Classificação da deficiência auditiva quanto à localização ................................54</p><p>3.3.2 Classificação da deficiência auditiva quanto ao grau .........................................56</p><p>3.4 Desenvolvimento da função auditiva ..........................................................................59</p><p>3.5 Avaliação da audição ..................................................................................................61</p><p>3.5.1 Avaliação do comportamento auditivo ................................................................63</p><p>3.5.2 Audiometria tonal liminar ....................................................................................64</p><p>3.5.3 Audiometria condicionada ..................................................................................64</p><p>3.5.4 Audiometria com reforço visual ..........................................................................64</p><p>3.5.5 Logoaudiometria .................................................................................................65</p><p>3.5.6 Imitanciometria ...................................................................................................65</p><p>3.5.7 Emissões otoacústicas (EOAs) .........................................................................65</p><p>3.5.8 Potenciais Evocados Auditivos de Tronco Encefálico (Peate) ...........................66</p><p>VI UNIUBE</p><p>3.6 Transtornos do processamento auditivo .....................................................................67</p><p>3.7 Dispositivos eletrônicos: conceitos básicos ................................................................70</p><p>3.7.1 Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI) ........................................70</p><p>3.7.2 Sistema de frequência modulada (Sistema FM) ..............................................73</p><p>3.7.3 Implante coclear (IC) ......................................................................................74</p><p>3.7.4 Implante auditivo de tronco encefálico (ABI) ...................................................77</p><p>3.8. Educação de indivíduos com deficiência auditiva ....................................................78</p><p>no processo de aquisição da</p><p>linguagem e estruturação do pensamento em crianças surdas</p><p>e ouvintes</p><p>Pesquisas mostram que os estágios da aquisição da língua de sinais por crian-</p><p>ças surdas podem ser comparados aos da aquisição da língua oral por crianças</p><p>ouvinte, fato que caracteriza elementos semelhantes na organização mental do</p><p>conhecimento linguístico e estruturação do pensamento, com implicações idên-</p><p>ticas relativas ao desenvolvimento de habilidades cognitivas. Inúmeras seme-</p><p>lhanças poderiam ser apontadas entre as línguas de modalidade vísuo -espacial</p><p>e oral -auditiva; destacamos a presença dos universais linguísticos a que se</p><p>associam características sociolinguísticas e funções semântico -pragmáticas,</p><p>podendo ser encontrados tanto nas línguas orais quanto nas línguas de sinais,</p><p>confirmando que as línguas de sinais são manifestações da linguagem tanto</p><p>quanto as línguas orais.</p><p>A Semântica é o estudo do significado da palavra e da sentença, portanto trata</p><p>da natureza, da função e do uso dos significados. É a parte da Linguística que</p><p>se dedica a estudar a natureza do significado individual das palavras ou de</p><p>agrupamentos de palavras nas sentenças.</p><p>A Pragmática é o estudo da linguagem em uso, ou seja, de acordo com o contexto</p><p>e princípios da comunicação, portanto, envolve a relação entre a linguagem e</p><p>o contexto no qual é produzida.</p><p>32 UNIUBE</p><p>Assim, podemos concluir que as funções semântico -pragmáticas referem -se</p><p>ao sentido que as palavras adquirem de acordo com o contexto no qual são</p><p>utilizadas, fenômeno que acontece tanto nas línguas orais quanto nas línguas</p><p>de sinais.</p><p>pesquisando na web</p><p>Em relação aos universais linguísticos, existem casos em que a comparação com as</p><p>línguas orais não é imediata devido à natureza do canal perceptual de cada língua,</p><p>fato que não invalida a observação de que os universais linguísticos são encontrados</p><p>nas línguas de sinais:</p><p>I. Onde houver seres humanos, haverá língua(s). [...]</p><p>II. Não há línguas primitivas – todas as línguas são igual-</p><p>mente complexas e igualmente capazes de expressar</p><p>qualquer ideia. O vocabulário de qualquer língua pode ser</p><p>expandido a fim de incluir novas palavras para expressar</p><p>novos conceitos. [...]</p><p>III. Todas as línguas mudam ao longo do tempo. [...]</p><p>IV. As relações entre sons e significados das línguas faladas</p><p>e entre os gestos (sinais) e os significados das línguas de</p><p>sinais são em sua maioria arbitrários. [...]</p><p>V. Todas as línguas humanas utilizam um conjunto finito de</p><p>sons discretos (ou gestos) que são combinados para formar</p><p>elementos significativos ou palavras, os quais por sua vez</p><p>formam um conjunto infinito de sentenças possíveis. Todas</p><p>as gramáticas contêm regras de um tipo semelhante para</p><p>formação de palavras e sentenças. [...]</p><p>VI. Toda língua falada inclui segmentos sonoros discretos os</p><p>quais podem ser definidos por um conjunto de propriedades</p><p>ou traços. Toda língua falada tem uma classe de vogais e</p><p>uma classe de consoantes. Línguas de sinais apresentam</p><p>segmentos discretos na composição dos sinais. [...]</p><p>VII. Todas as línguas apresentam categorias gramaticais. [...]</p><p>VIII. Universais semânticos, como fêmea ou macho, animado</p><p>ou humano são encontrados em todas as línguas. [...]</p><p>UNIUBE 33</p><p>IX. Todas as línguas possuem formas para indicar tempo</p><p>passado, negação, interrogação, comando etc. [...]</p><p>X. Falantes de todas as línguas são capazes de produzir e</p><p>compreender um conjunto infinito de sentenças. Universais</p><p>sintáticos revelam que toda língua tem meios de formar</p><p>sentenças. [...]</p><p>XI. Qualquer criança normal, nascida em qualquer lugar</p><p>do mundo, de qualquer origem racial, geográfica, social ou</p><p>econômica é capaz de aprender qualquer língua à qual é</p><p>exposta (BRASIL, 2002, p. 86 -94).</p><p>saiba mais</p><p>Para saber mais, acesse: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lpvol1.pdf>.</p><p>Ainda em relação às semelhanças na aquisição da linguagem por crianças surdas</p><p>ou ouvintes, Petitto e Marantette (1991 apud KÖNIG; LEMES, 2007, p. 9), veri-</p><p>ficaram que “o balbucio é um fenômeno que ocorre em todos os bebês, surdos</p><p>ou ouvintes, como fruto da capacidade inata do ser humano para a linguagem”.</p><p>Estas autoras afirmam que as crianças balbuciam (oralmente) e realizam mani-</p><p>festações manuais até um determinado período e este desenvolvimento (oral e</p><p>manual) é paralelo nas crianças surdas e ouvintes.</p><p>Entretanto, nos bebês surdos, inicia -se uma fase no processo de aquisição de</p><p>linguagem em que as vocalizações são interrompidas. Por outro lado, nos be-</p><p>bês ouvintes, as produções manuais é que são interrompidas, pois será o canal</p><p>perceptual de aquisição da língua que determinará o desenvolvimento natural</p><p>da linguagem nos indivíduos, ou seja, bebês ouvintes aprenderão de forma</p><p>natural e espontânea a língua oral, pois esta modalidade respeita sua experiên-</p><p>cia auditiva. Bebês surdos só aprenderão de forma natural e espontânea uma</p><p>língua de modalidade vísuo -espacial que respeita sua experiência visual e sua</p><p>especificidade linguística.</p><p>34 UNIUBE</p><p>A grande diferença no processo de aquisição da linguagem entre crianças sur-</p><p>das e ouvintes está justamente na modalidade de língua a qual esta criança é</p><p>exposta e no papel do outro no processo de desenvolvimento dessa língua e,</p><p>consequentemente, na constituição do sujeito.</p><p>Segundo Goldfeld (2002), o adulto, além de estimular a comunicação da criança,</p><p>estimula seu desenvolvimento intelectual. Vygotsky (1998) afirma que o início</p><p>do desenvolvimento cognitivo nas crianças é interpsíquico, ou seja, surge da</p><p>relação entre o psiquismo do adulto e da criança.</p><p>Por volta dos dois anos de idade, a criança passa a utilizar a fala social com a</p><p>função de comunicação, substituindo a fala do adulto por sua própria fala. Em</p><p>relação à produção dos primeiros sinais ou das primeiras palavras, pode -se</p><p>afirmar que, apesar das especificidades e diferenças individuais entre crianças</p><p>surdas e ouvintes ou das diferenças entre as modalidades das línguas, existe</p><p>um desenvolvimento análogo no processo de aquisição e desenvolvimento da</p><p>linguagem.</p><p>Quando entendemos que a linguagem, além da função comunicativa, exerce</p><p>também a função de estruturação do pensamento, ou seja, assume o papel de</p><p>instrumento do pensamento mais importante que o homem possui, percebemos</p><p>a desvantagem da criança surda que é privada do contato com a língua de sinais</p><p>em relação à criança ouvinte que adquire a linguagem oral de forma natural e</p><p>espontânea.</p><p>Segundo Goldfeld (2002), a aquisição da linguagem provoca um padrão de</p><p>desenvolvimento cognitivo da criança. As funções mentais inferiores, tal como</p><p>a percepção natural, atenção involuntária e memória natural, com a mediação</p><p>da linguagem, transformam -se em percepção mediada, atenção voluntária e</p><p>memória mediada.</p><p>UNIUBE 35</p><p>Funções mentais</p><p>inferiores:</p><p>• percepção</p><p>natural</p><p>• atenção</p><p>involuntária</p><p>• memória</p><p>natural</p><p>Funções mentais</p><p>superiores:</p><p>• percepção</p><p>mediada</p><p>• atenção</p><p>voluntária</p><p>• memória</p><p>mediada</p><p>Mediação da</p><p>linguagem</p><p>Enfim, toda a cognição passa a ser determinada pela linguagem, ou seja, todos</p><p>esses aspectos diretamente relacionados à aquisição da linguagem influenciam</p><p>no desenvolvimento cognitivo da criança.</p><p>sintetizando...</p><p>Sendo assim, podemos entender que:</p><p>• conhecendo melhor a diferença entre aquisição de uma primeira língua e aprendi-</p><p>zagem sistematizada de uma segunda língua;</p><p>• refletindo sobre a importância do desenvolvimento da linguagem nos seres humanos</p><p>não como mero instrumento de comunicação, mas como elemento que proporciona</p><p>seu desenvolvimento linguístico, afetivo e cognitivo;</p><p>• e analisando a diferença entre uma língua de modalidade vísuo -espacial e oral-</p><p>-auditiva;</p><p>• podemos concluir que a língua de sinais seria a única língua que o surdo poderia</p><p>aprender de forma natural e espontânea a ponto de dominá -la plenamente!</p><p>Brito (1993 apud GOLDFELD, 2002, p. 45) afirma que:</p><p>[...] se a criança surda não for exposta à língua de sinais desde</p><p>seus primeiros anos de vida</p><p>sofrerá várias consequências:</p><p>36 UNIUBE</p><p>a) o surdo perde a oportunidade de usar a linguagem, senão</p><p>o mais importante, pelo menos um dos principais instru-</p><p>mentos para a solução de tarefas que lhe apresentam no</p><p>desenvolvimento da ação inteligente;</p><p>b) o surdo não há de recorrer ao planejamento para a solução</p><p>de problemas;</p><p>c) não supera a ação impulsiva;</p><p>d) não adquire independência da situação visual concreta;</p><p>e) não controla seu próprio comportamento e o ambiente;</p><p>f) não se socializa adequadamente.</p><p>As reflexões de Brito vêm ao encontro do pensamento de Fernandes (2003), que</p><p>afirma que proporcionar ao surdo a aquisição da língua de sinais como primeira</p><p>língua é a forma de oferecer -lhe um meio natural de aquisição linguística, visto</p><p>que se apresenta como uma língua de modalidade espaço -visual, não depen-</p><p>dendo, portanto, da audição para ser adquirida. Para Fernandes:</p><p>É direito do indivíduo surdo ter acesso ao instrumento linguís-</p><p>tico característico da comunidade à qual naturalmente pertence</p><p>(FERNANDES, 2003, p. 31).</p><p>A autora afirma, ainda, que, não havendo a possibilidade da aquisição da lín-</p><p>gua de sinais pelos surdos, todos os meios de introdução de um mecanismo</p><p>linguístico serão não naturais e exigirão um esforço que, além de desnecessário,</p><p>poderá prejudicar, de modo significativo, o desenvolvimento natural da criança.</p><p>2.6 Conclusão</p><p>Assim, podemos concluir que a aquisição espontânea da língua de sinais em</p><p>idade análoga àquela que as crianças ouvintes adquirem a língua oral evita</p><p>o atraso da linguagem e todas as suas consequências como: dificuldade de</p><p>percepção, generalização, abstração, formação de conceitos, atenção, me-</p><p>UNIUBE 37</p><p>mória, socialização, evolução das brincadeiras e composição de sentidos. Ao</p><p>evitar o atraso da linguagem, podem -se eliminar todas as dificuldades que</p><p>dele se originam.</p><p>Resumo</p><p>O presente capítulo traz uma reflexão sobre as etapas de desenvolvimento du-</p><p>rante a primeira infância, apontando semelhanças e diferenças entre crianças</p><p>surdas e ouvintes, favorecendo a identificação de elementos fundamentais para</p><p>o desenvolvimento harmônico e integrado das cinco áreas do desenvolvimento</p><p>neuropsicomotor de qualquer criança. Por meio da leitura proposta, será possível</p><p>perceber que tal desenvolvimento poderá acontecer, nas crianças surdas, de</p><p>forma análoga ao das crianças ouvintes, desde que seja respeitada sua condição</p><p>cultural e linguística diferenciada.</p><p>Partindo de uma revisão conceitual sobre língua, linguagem e signo linguístico</p><p>que favorecerá o entendimento de aspectos relevantes relacionados ao processo</p><p>de aquisição de linguagem em qualquer criança, será possível compreender a</p><p>importância da aquisição da língua de sinais para o desenvolvimento da lingua-</p><p>gem e cognição das crianças surdas, destacando neste processo a importância</p><p>do “outro” para a construção da subjetividade e identidade destas crianças.</p><p>Ao refletirmos sobre o papel do “outro” para o desenvolvimento integral da</p><p>criança surda, com foco na aquisição de linguagem e relacionando esse de-</p><p>senvolvimento às cinco áreas do desenvolvimento neuropsicomotor (motora,</p><p>cognitiva, linguagem, sensório -perceptiva e social/afetiva) perceberemos que a</p><p>grande diferença que se estabelece entre o desenvolvimento de crianças surdas</p><p>e ouvintes encontra -se na área da linguagem, por isso é fundamental o contato</p><p>dessas crianças, desde a mais tenra idade, com surdos adultos usuários da</p><p>língua de sinais que serão modelo linguístico e cultural para elas, oferecendo-</p><p>-lhes a oportunidade de aprender uma língua de forma natural e espontânea</p><p>que respeita a condição linguística diferenciada da pessoa surda.</p><p>38 UNIUBE</p><p>Atividades</p><p>Atividade 1</p><p>Segundo Quadros (1997), existe uma diferença fundamental entre o conceito</p><p>de aquisição ou aprendizado de uma língua. Pensando nesta diferença, diga</p><p>qual seria a língua adquirida pela criança surda de forma natural e espontânea</p><p>e justifique a importância desta aquisição.</p><p>Atividade 2</p><p>Cite e exemplifique os fatores intrínsecos e extrínsecos que influenciam no</p><p>desenvolvimento da criança.</p><p>Atividade 3</p><p>Pensando no desenvolvimento da criança surda sob a perspectiva da teoria</p><p>histórico -cultural de Vygotsky, explique em um texto de no máximo 10 linhas</p><p>em que consiste esta teoria.</p><p>Atividade 4</p><p>Coloque V (verdadeiro) ou F (falso) nas afirmativas que se seguem:</p><p>( ) Crescimento significa o aumento físico do corpo, já desenvolvimento é um</p><p>conceito amplo que se refere a uma transformação complexa, contínua,</p><p>dinâmica e progressiva, que inclui, além do crescimento, a maturação, a</p><p>aprendizagem e os aspectos psíquicos e sociais.</p><p>( ) As línguas de sinais são sistemas abstratos de regras gramaticais, naturais</p><p>das comunidades de indivíduos surdos que as utilizam.</p><p>( ) As crianças são seres em construção, maleáveis nas suas capacidades e</p><p>com uma inteligência que não poderá expandir -se à medida que o ambiente</p><p>a estimule.</p><p>( ) O desenvolvimento infantil acontece no sentido céfalo -caudal – da cabeça</p><p>em direção aos pés – e próximo -distal – do centro para as extremidades.</p><p>UNIUBE 39</p><p>( ) A primeira língua (L1) é aprendida de forma natural e espontânea, enquanto</p><p>a segunda língua (L2) é adquirida em ambiente sistematizado.</p><p>Atividade 5</p><p>Leia a citação:</p><p>A comunicação humana é essencialmente diferente e supe-</p><p>rior a toda outra forma de comunicação conhecida. Todos os</p><p>seres humanos nascem com os mecanismos da linguagem</p><p>específicos da espécie, e todos os desenvolvem normalmente,</p><p>independente de qualquer fator racial, social ou cultural (SÁN-</p><p>CHEZ, 1990, p. 17).</p><p>Articule a citação de Sanchez à importância da língua de sinais, explique por</p><p>que ela é importante para o surdo e como ela deve ser adquirida por ele.</p><p>Referências</p><p>ALMEIDA, M. E. B. de. Informática e formação de professores. Brasília: Ministério da</p><p>Educação, 2000.</p><p>BRASIL. Ensino de Língua Portuguesa para surdos: caminhos para a prática pedagógica.</p><p>Secretaria de Educação Especial – Brasília: MEC/Seesp, 2002.</p><p>______. Fundamentos técnico -científicos e orientações práticas para o</p><p>acompanhamento do crescimento e desenvolvimento. Ministério da Saúde, 2001.</p><p>Disponível em: <www.saudedacrianca.org.br>. Acesso em: 20 abr. 2010.</p><p>FENEIS. Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos. Disponível em:</p><p><http:// www.feneis.com.br/sob -libras.htm>. Acesso em: 20 abr. 2010.</p><p>FERNANDES, Eulália. Linguagem e surdez. Porto Alegre: Artmed, 2003.</p><p>FERREIRA BRITO, Lucinda. Integração social & educação de surdos. Rio de Janeiro:</p><p>Babel, 1993.</p><p>FREITAS, Marcos Cézar (Org.). História social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez,</p><p>1997.</p><p>40 UNIUBE</p><p>GOLDFELD, Márcia. A criança surda – linguagem e cognição numa perspectiva</p><p>sociointeracionista. São Paulo: Plexus, 2002.</p><p>KÖNIG, Roselene; LEMES, Adriana. Aquisição da linguagem das crianças surdas. 2007</p><p>Disponível em: <http://guaiba.ulbra.tche.br/pesquisas>. Acesso em: 20 abr. 2010.</p><p>LAJOLO, Marisa. Infância de papel e tinta. In: FREITAS, Marcos César de (Org.). História</p><p>social da infância no Brasil. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2003.</p><p>MORATO, Edwiges Maria. Linguagem e cognição: as reflexões de L. S. Vygotsky sobre a</p><p>ação reguladora da linguagem. São Paulo: Plexus, 2002.</p><p>QUADROS, Ronice Müller de. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre:</p><p>Artmed, 1997.</p><p>ROBINS, R. H. Pequena história da linguística. Tradução de Luiz Martins Monteiro. Rio de</p><p>Janeiro: Ao Livro Técnico, 2004.</p><p>SALLES, Heloísa Maria Moreira Lima et al. Ensino de língua portuguesa para surdos:</p><p>caminhos para a prática. Brasília: MEC/Seesp, 2004. v. 2. (Programa Nacional de Apoio à</p><p>Educação dos Surdos). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lpvol1.</p><p>pdf>. Acesso em: 30 maio 2011.</p><p>VIEIRA, Mayara. UFSC é referência na língua de sinais no Brasil. Disponível em: <http://</p><p>www.feneis.com.br/page/noticias_detalhe.asp?categ=1&cod=480>. Acesso em: 9 set. 2011.</p><p>VYGOTSKY, Liev Semionovitch. Pensamento e linguagem. 3. ed. São Paulo: Martins</p><p>Fontes, 1989; 1993; 2003.</p><p>Dáphine Luciana Costa Gahyva</p><p>Introdução</p><p>Caros alunos, neste capítulo, pretendemos orientá -los a respeito dos</p><p>aspectos clínicos e educacionais referentes às alterações do sistema</p><p>auditivo, de maneira que vocês consigam compreender as relações</p><p>entre a audição e o processo de ensino -aprendizagem.</p><p>Os aspectos clínicos dos comprometimentos auditivos estão intrinsica-</p><p>mente relacionados com os aspectos educacionais. Saber reconhecer</p><p>crianças com sinais sugestivos de uma deficiência auditiva ou outro</p><p>comprometimento auditivo, por exemplo, pode favorecer o diagnós-</p><p>tico e a intervenção precoce. O conhecimento a respeito dos diversos</p><p>dispositivos eletrônicos (função, manuseio, cuidados) disponíveis</p><p>possibilita aperfeiçoar a utilização dos mesmos em ambiente escolar.</p><p>O conhecimento sobre estratégias de comunicação favorece as trocas</p><p>de informações em sala de aula e facilita o aprendizado. O conheci-</p><p>mento das diversas propostas educacionais possibilita a adequação</p><p>dos objetivos e estratégias pedagógicas às características e condições</p><p>de seu(s) aluno(s).</p><p>Para que esse conhecimento seja possível, serão, aqui, apresentadas</p><p>informações bastante úteis, que possibilitarão a reflexão sobre as melho-</p><p>res formas de atuação nestes quadros. Num primeiro momento, faremos</p><p>uma abordagem sobre a audição, considerando sua neuroanatomomia e</p><p>o funcionamento deste sistema. Posteriormente, serão apresentados os</p><p>A audição e o</p><p>processo de</p><p>ensino -aprendizagem</p><p>Capítulo</p><p>3</p><p>42 UNIUBE</p><p>diferentes tipos e graus de deficiência auditiva, os aspectos importantes</p><p>do desenvolvimento da função auditiva e sua relação com o desenvol-</p><p>vimento da fala e da linguagem. Em seguida, faremos a descrição dos</p><p>procedimentos de avaliação disponíveis e que possibilitam o diagnóstico</p><p>dos diferentes tipos de comprometimentos auditivos. Também serão</p><p>apresentados a vocês os recursos tecnológicos disponíveis na atua-</p><p>lidade, auxiliares no processo educacional dessa população. E para</p><p>finalizar, com intuito de propiciar o máximo aproveitamento dos alunos</p><p>com deficiência auditiva ou outro comprometimento auditivo em sala</p><p>de aula e no ambiente escolar, os aspectos educacionais propriamente</p><p>ditos serão debatidos.</p><p>Sabemos que o trabalho educacional junto a essa população requer</p><p>profissionais capacitados, com conhecimentos multidisciplinares, sensi-</p><p>bilidade e flexibilidade para atender as diferentes necessidades de cada</p><p>um. Para tal, é fundamental que os profissionais envolvidos tenham uma</p><p>visão compreensiva da situação, de modo que estejam preparados para</p><p>mostrar às famílias como as necessidades de seus filhos podem ser</p><p>encontradas e como devem ser atendidas. As ideias expostas nesse</p><p>capítulo terão como base esse princípio.</p><p>Objetivos</p><p>Ao final deste capítulo, você deverá ser capaz de:</p><p>• compreender o mecanismo da audição; compreender a neuroa-</p><p>natomofisiologia da audição;</p><p>• reconhecer os tipos e graus de deficiência auditiva e sua relações</p><p>com o desenvolvimento da fala, da linguagem e do processo</p><p>educacional;</p><p>• reconhecer as possíveis características sugestivas de uma defi-</p><p>ciência auditiva e outros comprometimentos do sistema auditivo;</p><p>• compreender como funciona o processo de diagnóstico audioló-</p><p>gico e conhecer os procedimentos disponíveis;</p><p>UNIUBE 43</p><p>• conhecer e distinguir os dispositivos eletrônicos disponíveis</p><p>e sua aplicabilidade como auxiliares no processo de ensino-</p><p>-aprendizagem de indivíduos com alterações no sistema auditivo;</p><p>• conhecer as opções educacionais existentes e disponíveis para</p><p>o indivíduo com deficiência auditiva;</p><p>• conhecer as estratégias comunicativas e adaptações em sala</p><p>de aula que podem auxiliar o processo educacional nos refe-</p><p>ridos casos.</p><p>Esquema</p><p>3.1 Audição – som – fala – linguagem</p><p>3.2 Neuroanatomofisiologia da audição</p><p>3.3 Deficiência auditiva: aspectos gerais</p><p>3.4 Desenvolvimento da função auditiva</p><p>3.5 Avaliação da audição</p><p>3.6 Transtornos do processamento auditivo</p><p>3.7 Dispositivos eletrônicos: conceitos básicos</p><p>3.8 Educação de indivíduos com deficiência auditiva</p><p>3.9 Estratégias comunicativas e adaptações em sala de aula</p><p>3.10 Conclusão</p><p>3.1 Audição – som – fala – linguagem</p><p>A capacidade de ouvir é uma característica secundária da orelha e foi adquirida.</p><p>A função primária do órgão auditivo é manter o equilíbrio. Com a vida terrestre,</p><p>cresceu a importância da audição, porque a vegetação e o terreno irregular</p><p>diminuem o alcance visual, de modo que o sistema auditivo passou a ser uma</p><p>necessidade para que os animais pudessem perceber a aproximação de inimi-</p><p>gos e para procurarem seus semelhantes para a reprodução. Em função dessa</p><p>necessidade, houve uma evolução e aperfeiçoamento do órgão auditivo. Mas</p><p>44 UNIUBE</p><p>só para nós, seres humanos, este sistema permite o processamento de eventos</p><p>acústicos, como a fala, tornando possível a comunicação como expressão do</p><p>pensamento (FRAZZ et al., 2003).</p><p>Apesar de termos um conhecimento inerente de como ocorre o processo de</p><p>comunicação por meio da fala, normalmente não analisamos conscientemente</p><p>o que está envolvido, até que algo dê errado. Então vamos examinar a simples</p><p>situação de duas pessoas conversando para compreender como ela ocorre,</p><p>conforme explanação de Teles e Pegoraro -Krook (2006).</p><p>O falante (emissor) quer transmitir uma informação (ideia) à outra pessoa, que</p><p>é o ouvinte (receptor). Para isso, ele deve:</p><p>• organizar o pensamento;</p><p>• decidir o que quer dizer; e</p><p>• então, colocar aquilo que quer dizer numa forma linguística.</p><p>O ponto de partida deste circuito de comunicação que se inicia situa -se no cé-</p><p>rebro do falante, onde os conceitos acabam associados às imagens acústicas</p><p>que servem para exprimi -los.</p><p>Vejamos passo a passo como isso acontece.</p><p>A produção da fala começa com a conceitualização, quando planejamos o</p><p>conteúdo da mensagem e acontece uma busca ao léxico semântico, para en-</p><p>contrarmos os conceitos apropriados que desejamos veicular.</p><p>Segue -se então uma segunda etapa, denominada de formulação, que corres-</p><p>ponde à busca pelos fonemas (sons), palavras e regras sintáticas apropriadas</p><p>ao conteúdo que desejamos expressar. Assim, para que a mensagem possa ser</p><p>transmitida, é necessário selecionar palavras e colocá -las na ordem exigida pelas</p><p>regras gramaticais da língua para construir as frases. Esta etapa é chamada de</p><p>etapa psíquica ou linguística (do falante) da cadeia da fala.</p><p>UNIUBE 45</p><p>A cadeia da fala continuará em nível fisiológico, pois o cérebro enviará instruções</p><p>apropriadas, na forma de impulsos nervosos, aos órgãos do aparelho fonador</p><p>– pulmões, pregas vocais, línguas, lábios. Os impulsos nervosos propiciam a</p><p>movimentação desses órgãos cujo resultado final é a geração de ondas acústi-</p><p>cas. A esta etapa dá -se o nome de etapa fisiológica (do falante) da cadeia da</p><p>fala. As ondas acústicas em contato com as moléculas de ar do meio ambiente,</p><p>resultantes das articulações realizadas pelo falante, são transformadas em</p><p>ondas sonoras que se propagam por meio do ar até o ouvido do ouvinte. Este</p><p>processo físico é denominado etapa acústica (do falante).</p><p>Quando as ondas sonoras chegam até o ouvido do ouvinte (etapa acústica do</p><p>receptor), o mesmo processo se inicia, porém agora, numa ordem inversa. As</p><p>ondas sonoras, quando captadas pelo ouvido ativam o sistema auditivo do ou-</p><p>vinte e produzem impulsos nervosos que viajam ao longo do nervo auditivo para</p><p>o cérebro (etapa fisiológica do ouvinte). No cérebro, uma grande quantidade</p><p>de atividade nervosa já está ocorrendo, sendo essa modificada pelos impulsos</p><p>nervosos que chegam do ouvido. Esta modificação da atividade cerebral permite</p><p>o reconhecimento da mensagem emitida pelo falante, o que ocorre com base</p><p>nas experiências prévias do ouvinte. Esta etapa, na qual o ouvinte reconhece as</p><p>palavras e as sentenças compreendendo então a mensagem transmitida pelo</p><p>falante, recebe o nome de psíquica ou linguística do ouvinte.</p><p>Então, conforme esquema a seguir (Figura 1), podemos entender:</p><p>46 UNIUBE</p><p>Etapa psíquica ou</p><p>linguística do emissor</p><p>conceitualização</p><p>Planejamento da</p><p>mensagem e busca</p><p>ao léxico conteúdo da</p><p>mensagem e busca do</p><p>léxico semântico.</p><p>Etapa psíquica ou</p><p>linguística do</p><p>emissor – formulação</p><p>Busca pelos fonemas</p><p>(sons), palavras e regras</p><p>sintáticas apropriadas</p><p>ao conteúdo que</p><p>desejamos expressar.</p><p>Etapa fisiológica do emissor</p><p>O cérebro envia informações</p><p>apropriadas, na forma de impulsos</p><p>nervosos, para o aparelho fonador</p><p>(pulmões, pregas vocais, língua e</p><p>lábios): o resultado é a formação</p><p>de ondas acústicas.</p><p>Etapa acústica do emissor</p><p>As ondas acústicas em contato com</p><p>o ar são transformadas em ondas</p><p>sonoras e se propagam por meio do</p><p>ar até o ouvido do ouvinte.</p><p>Produção da fala</p><p>Etapa acústica do receptor</p><p>As ondas sonoras, quando captadas</p><p>pelo ouvido, ativam o sistema</p><p>auditivo do ouvinte.</p><p>Etapa fisiológica do receptor</p><p>Os impulsos nervosos viajam ao longo</p><p>do nervo auditivo para o cérebro.</p><p>Etapa psíquica ou linguística do</p><p>receptor</p><p>No cérebro, há o reconhecimento da</p><p>mensagem emitida pelo falante, o que ocorre</p><p>com base nas experiências prévias do ouvinte.</p><p>Nesta etapa, o ouvinte reconhece as palavras</p><p>e as sentenças, compreendendo então a</p><p>mensagem transmitida pelo falante.</p><p>Compreensão da fala</p><p>Figura 1: Esquema ilustrativo do mecanismo de produção e recepção da fala.</p><p>Fonte: Acervo EAD – Uniube.</p><p>Como pôde ser observado no circuito descrito acima, a fala é um ato fisioló-</p><p>gico que resulta na produção de ondas de som que viajam até nosso sistema</p><p>auditivo. Mas, e o som, o que é? O som é uma modificação da pressão que</p><p>UNIUBE 47</p><p>ocorre em meios elásticos, propagando -se em formas de ondas ou oscilações</p><p>mecânicas, longitudinais e tridimensionais. As ondas sonoras são mecânicas</p><p>porque necessitam de um meio material para se propagarem; são longitu-</p><p>dinais porque a direção da perturbação é a mesma de sua propagação; e</p><p>são tridimensionais porque se propagam no espaço. Assim, o som resulta</p><p>de um movimento ordenado vibratório de partículas materiais, gerando com-</p><p>pressões e rarefações sucessivas nos meios sólido, líquido e gasoso. Suas</p><p>características fundamentais são: frequência, intensidade e timbre (FRAZZ</p><p>et al., 2003).</p><p>A frequência é a altura do som. É mensurada em Hertz (Hz), que é o número</p><p>de ciclos de vibração que ocorrem em um segundo. O ouvido humano normal</p><p>pode perceber alturas de 20 a 20.000 ciclos por segundo e pode detectar di-</p><p>ferenças de frequência tão pequenas quanto 1 Hz. A intensidade diz respeito</p><p>à amplitude do som, mensurada em decibel (dB). O som mais suave que o</p><p>ouvido humano normal pode ouvir é ao redor de 0 dB. Relacionada à fre-</p><p>quência há a altura, que permite classificar o som em uma escala que varia</p><p>de grave a agudo. Quanto mais alta for a frequência, mais agudo será o som;</p><p>quanto mais baixa, mais grave ele será. Já a intensidade relaciona -se a sons</p><p>fracos e fortes. Quanto mais forte o som, maior a sua medição em decibel;</p><p>quanto mais baixo, menor será. O timbre é a qualidade do som. Através dele</p><p>é possível diferenciar a mesma nota musical produzida por instrumentos ou</p><p>fontes sonoras diferentes. Essa diferenciação é possível graças à contribuição</p><p>de cada frequência harmônica que compõe o som complexo, uma vez que a</p><p>frequência fundamental é a mesma.</p><p>Se a fala é o canal que viabiliza a expressão da linguagem, é a realização</p><p>motora da linguagem, o que é a linguagem? A linguagem é um processo</p><p>cultural e social, instalado sobre o desenvolvimento suficiente de funções</p><p>neurológicas e psíquicas que permite, por meio de signos e símbolos adquiri-</p><p>dos, a comunicação com nossos semelhantes. É a capacidade de simbolizar</p><p>e abstrair. Enquanto a fala compreende uma função produtiva, mecânica e</p><p>motora, a linguagem, em contrapartida, é perceptiva e cognitiva. Apesar de</p><p>representarem mecanismos distintos, o perfeito funcionamento de ambas</p><p>48 UNIUBE</p><p>só é possível mediante a integridade de uma série de</p><p>sistemas neurais que incluem acuidade auditiva, integri-</p><p>dade do processamento auditivo, integridade dos cen-</p><p>tros motores da fala, integridade estrutural do sistema</p><p>estomatognático, interação com as pessoas, contato</p><p>com uma determinada língua, desenvolvimento motor e</p><p>integridade do sistema nervoso central. Havendo falha</p><p>em um deles, os efeitos sobre o desenvolvimento da</p><p>fala e linguagem são notórios, ainda que em maior ou</p><p>menor grau. É o que ocorre sempre que nos deparamos</p><p>com comprometimentos no desenvolvimento do sistema</p><p>auditivo, como veremos a partir daqui.</p><p>3.2	 Neuroanatomofisiologia	da	audição</p><p>O fenônemo da audição é resultado de uma série complexa de eventos, que</p><p>ocorre ao nível da audição periférica (orelhas externa, média e interna) e ao nível</p><p>central (vias centrais de audição nas áreas auditivas subcortical e cortical). Como</p><p>veremos a seguir, para que o som seja interpretado corretamente no cérebro,</p><p>faz -se necessário o bom funcionamento de todas essas estruturas, podendo a</p><p>deficiência auditiva instalar -se quando algum impedimento ocorrer em qualquer</p><p>fase desse mecanismo.</p><p>A orelha externa possui a função de coletar e encaminhar as ondas sonoras</p><p>até a orelha média, amplificar o som, auxiliar na localização da fonte sonora</p><p>e, principalmente, proteger a orelha média e interna de agressões externas.</p><p>Compreende o pavilhão auricular, o meato acústico externo e a face externa da</p><p>membrana timpânica. O pavilhão auricular é a parte visível, que capta e dirige</p><p>as ondas sonoras para o meato acústico externo. As funções básicas do meato</p><p>acústico externo são a proteção e a ressonância sonora. A cera produzida</p><p>por glândulas ceruminosas da pele do meato forma uma película sobre esta,</p><p>impermeabilizando -o e protegendo -o da ação de microorganismos. A pele do</p><p>Sistema</p><p>estomatognático</p><p>É o conjunto de</p><p>estruturas anatômicas</p><p>que funcionam</p><p>integradamente, sob</p><p>comando do sistema</p><p>nervoso central, e</p><p>que se encontram</p><p>diretamente envolvidas</p><p>com a execução das</p><p>funções de fonação,</p><p>mastigação, deglutição</p><p>e respiração. São elas:</p><p>lábios, língua, dentes,</p><p>bochechas, palato,</p><p>músculos que atuam</p><p>nas funções acima</p><p>descritas, ossos da</p><p>face e da cabeça.</p><p>UNIUBE 49</p><p>meato forma a face externa da membrana timpânica. Quando o som atinge esta</p><p>estrutura, tem fim a fase de captação do som.</p><p>A orelha média é composta pelo tímpano e por três ossos muito pequenos: o</p><p>martelo (em contato direto com a membrana timpânica), a bigorna e o estribo (em</p><p>contato com a cóclea). Sob o impacto de ondas sonoras sucessivas encaminha-</p><p>das via orelha externa, a membrana timpânica vibra no seu todo, deslocando-</p><p>-se para dentro e para fora da orelha média e transmitindo o movimento para</p><p>os três minúsculos ossos da orelha média. A movimentação dessas estruturas</p><p>transforma o som em energia mecânica e colocam em movimento o líquido da</p><p>orelha interna.</p><p>Para o funcionamento adequado deste mecanismo, é necessário que haja</p><p>equilíbrio entre a pressão da orelha média com a pressão atmosférica, o que</p><p>ocorre por meio da entrada de ar nessa cavidade, proporcionada pela tuba</p><p>auditiva, um canal que comunica a orelha média com a rinofaringe. A tuba tem,</p><p>portanto, a função de igualar as pressões que atuam do lado externo e interno</p><p>da membrana timpânica, deixando -a livre para vibrar.</p><p>A orelha interna é composta pela cóclea – órgão da audição em formato de um</p><p>caracol – e pelo labirinto – relacionado aos mecanismos de manutenção do</p><p>equilíbrio corporal. Na cóclea existem milhares de células que são colocadas</p><p>em movimentos toda vez que o líquido da orelha interna é movimentado. A es-</p><p>timulação dessas células, por sua vez, converte a energia enviada pela orelha</p><p>média em estímulos elétricos capazes de excitar o nervo auditivo. Impulsos</p><p>elétricos partem do nervo auditivo até o córtex (no cérebro), onde o indivíduo</p><p>terá a percepção e interpretação do som.</p><p>Agora que vocês já conhecem os mecanismos da audição e a função de cada uma</p><p>das partes da orelha, já é possível imaginar as consequências que o comprometi-</p><p>mento</p><p>de cada uma delas pode trazer para o indivíduo? É o que veremos a partir</p><p>do item a seguir, que irá tratar dos aspectos relativos às deficiências auditivas.</p><p>Quando nos referirmos ao órgão da audição, considerando sua totalidade,</p><p>devemos usar o termo “orelha”. Esse procedimento é embasado na tradução</p><p>50 UNIUBE</p><p>da última edição da Terminologia Anatômica (antiga Nomina Anatômica), pu-</p><p>blicada pela Sociedade Brasileira de Anatomia, em 2001.</p><p>3.3	 Deficiência	auditiva:	aspectos	gerais</p><p>Caros alunos, a primeira questão a ser esclarecida neste capítulo diz respeito à</p><p>terminologia que será utilizada. Os termos surdo e deficiente auditivo serão</p><p>utilizados de maneira equivalente, referindo -se a todos aqueles que apresen-</p><p>tam a capacidade de audição reduzida, independentemente do grau em que se</p><p>manifestar, e que apresentam necessidades educacionais especiais.</p><p>Deficiência auditiva é a redução da acuidade auditiva em qualquer grau, que</p><p>prejudique a percepção dos sons, sejam eles ambientais ou de fala. Qualquer</p><p>que seja seu tipo, ela poderá comprometer, direta ou indiretamente, o desenvol-</p><p>vimento da fala, linguagem, social, psíquico e educacional da criança.</p><p>ponto ‑chave</p><p>A detecção da deficiência auditiva deve ser realizada o mais precoce possível, de</p><p>preferência nos primeiros meses de vida. Portanto, os profissionais que lidam com</p><p>crianças devem estar preparados para identificar seus sinais sugestivos e para</p><p>encaminhá -las para avaliação auditiva.</p><p>Durante as últimas décadas, a detecção precoce tem sido um desafio para o sistema</p><p>de proteção à saúde em todo o mundo, estabelecendo -se a necessidade de desen-</p><p>volver e implementar procedimentos de triagem auditiva em caráter universal ou em</p><p>grupos de bebês e alto risco.</p><p>O intervalo entre a suspeita da deficiência auditiva pelos familiares e o diagnóstico</p><p>audiológico permanece ainda muito longo. Na maioria dos casos, apesar de a suspeita</p><p>ocorrer durante o primeiro ano de vida, o diagnóstico ocorre somente entre o segundo</p><p>e terceiro ano, fazendo as intervenções clínicas e educacionais serem colocadas em</p><p>prática tardiamente, perdendo -se, assim, o período crítico de estimulação.</p><p>UNIUBE 51</p><p>Devemos lembrar que os primeiros anos de vida têm sido considerados críticos</p><p>para o desenvolvimento das habilidades auditivas e de linguagem. É neste pe-</p><p>ríodo que ocorre o processo de maturação do sistema auditivo central, sendo a</p><p>fase ótima da plasticidade neuronal para dar início a qualquer intervenção, que</p><p>irá favorecer, posteriormente, o potencial da linguagem, da alfabetização, do</p><p>desempenho acadêmico, emocional e social do indivíduo.</p><p>As deficiências auditivas podem ser classificadas de acordo com diferentes</p><p>critérios. Quando classificadas conforme a sua localização, dividem -se em peri-</p><p>féricas ou centrais. As periféricas ainda são classificadas como condutiva, mista</p><p>ou neurossensorial. Também são classificadas de acordo com o grau, dividindo-</p><p>-se em leve, moderada, severa e profunda. Ainda são classificadas quanto à</p><p>origem, podendo ser hereditária, congênita ou adquirida; quanto à lateralidade,</p><p>podendo ser unilateral ou bilateral; quanto à idade de aparecimento, se na fase</p><p>pré -linguística, perilinguística. Veja o Quadro 1 a seguir:</p><p>Quadro 1: Critérios de classificação das deficiências auditivas.</p><p>Critérios de classificação das deficiências auditivas</p><p>Localização Grau Origem Lateralidade</p><p>Idade de</p><p>aparecimento</p><p>Periféricas:</p><p>• condutivas</p><p>• mistas</p><p>• neurossensorial</p><p>Leve Hereditária Unilateral</p><p>Na fase pré-</p><p>-linguística</p><p>Centrais</p><p>Moderada Congênita Bilateral</p><p>Na fase</p><p>perilinguística</p><p>Severa</p><p>Adquirida</p><p>Na fase pós-</p><p>-linguísticaProfunda</p><p>Fonte: Acervo EAD – Uniube.</p><p>Todas essas classificações, como vocês poderão conferir a seguir, apresentarão</p><p>diferentes implicações clínicas, terapêuticas e educacionais.</p><p>52 UNIUBE</p><p>As causas da deficiência auditiva na criança ocorrem no período pré, peri ou</p><p>pós -natal. Lembrando que fatores de risco pré -natais são aqueles que acometem</p><p>a criança durante a gestação, os perinatais são problemas que ocorrem durante</p><p>o parto e os pós -natais, causas que acontecem após o parto.</p><p>Os fatores pré -natais são:</p><p>• herança genética;</p><p>• síndromes genéticas (mais de quatrocentas podem apresentar a deficiência</p><p>auditiva como característica);</p><p>• infecções congênitas pelo vírus da rubéola, citomegalovírus, herpes, toxo-</p><p>plasmose e sífilis; malformações da orelha interna;</p><p>• uso gestacional de substâncias teratogênicas, como</p><p>álcool, cocaína, medicamentos ototóxicos;</p><p>• radioterapia no primeiro semestre da gestação.</p><p>Na fase perinatal citamos:</p><p>• anóxia;</p><p>• prematuridade com peso abaixo de 1.500 gramas;</p><p>• hiperbilirrubinemia;</p><p>• traumatismos cranianos e incompatibilidade do fator Rh.</p><p>Já as causas adquiridas na fase pós -natal são de natureza variada. Em geral,</p><p>compreendem:</p><p>• causas metabóbicas como hipotireoidismo;</p><p>• infecções virais, como rubéola, varicela -zoster, ca-</p><p>xumba, citomegalovírus; meningite bacteriana; medi-</p><p>cação ototóxica;</p><p>• encefalite e otite média crônica.</p><p>Ototóxico</p><p>Quando uma droga</p><p>é desfavorável</p><p>ou prejudicial ao</p><p>sistema auditivo,</p><p>este medicamento</p><p>ou substância é</p><p>denominado ototóxico.</p><p>UNIUBE 53</p><p>Outro aspecto importante diz respeito ao período em que a deficiência auditiva</p><p>ocorreu, se antes do processo de aquisição e desenvolvimento de linguagem ou</p><p>em período em que as habilidades linguísticas já estivessem em fase de conso-</p><p>lidação. Neste sentido, são classificadas em pré e pós -lingual, respectivamente.</p><p>Se esta ocorreu no período pré -linguístico, as dificuldades do sujeito serão mais</p><p>acentuadas, pois ele ainda não teve nenhum contato com a percepção auditiva</p><p>propriamente dita. Mas, se ocorreu no período pós -linguístico, suas dificuldades</p><p>provavelmente serão menores, pois, como o próprio termo já diz, o indivíduo já</p><p>adquiriu a linguagem, e só posteriormente foi acometido pela perda da audição,</p><p>conhecendo, portanto, a linguagem oral.</p><p>A deficiência auditiva também pode ser bilateral, quando afeta as duas orelhas</p><p>(direita e esquerda), como também pode afetar apenas uma delas, caracteri-</p><p>zando uma perda auditiva unilateral. Neste último caso, algumas peculiaridades</p><p>devem ser esclarecidas, visto que em muitas circunstâncias a criança, a família e</p><p>a escola não estão atentas para o problema, que não é tão evidente quanto em</p><p>uma perda auditiva bilateral e só é descoberto quando sequências de eventos</p><p>desagradáveis passam a envolver a criança.</p><p>Quando uma perda auditiva unilateral é confirmada, a mesma dedicação e</p><p>atenção dos profissionais que lidam com a criança devem ser verificadas. Isso</p><p>porque sujeitos com audição em apenas uma das orelhas têm uma dificuldade</p><p>significativa para localizar a fonte sonora; dificuldades em escutar quando há</p><p>ruídos de fundo; desinteresse aparente ou falta de atenção; podem apresentar</p><p>comportamentos parecidos com crianças hiperativas; e, como esperado, apre-</p><p>sentam dificuldade consideravelmente maior em comunicação e aprendizagem,</p><p>em comparação às crianças com audição dentro dos limites de normalidade.</p><p>importante!</p><p>Creio que vocês estejam se perguntando neste momento sobre como lidar com este</p><p>aluno em sala de aula. E eu respondo que tão importante quanto saber como lidar</p><p>com ele é estar atento para os possíveis e discretos sinais sugestivos de uma perda</p><p>auditiva unilateral ainda não diagnosticada e que possa estar prejudicando o apro-</p><p>54 UNIUBE</p><p>veitamento de seu aluno. Quando eu digo isso, não me refiro que vocês devam ser</p><p>capazes de fazer um diagnóstico preciso (isso é papel do fonoaudiólogo e do médico</p><p>otorrinolaringologista), mas simplesmente de estarem atentos aos comportamentos</p><p>dos alunos para que julgamentos errôneos sejam evitados. Embora estas crianças</p><p>apresentem problemas acadêmicos, estes podem ser minimizados por meio de es-</p><p>tratégias como tratamento acústico da sala de aula, assento preferencial e uso de</p><p>sistemas de amplificação, como será apresentado no item “Estratégias comunicativas</p><p>e adaptações em sala de aula”.</p><p>Outras duas importantes classificações dizem respeito à localização do com-</p><p>prometimento auditivo e à sua gravidade. Como são as classificações mais</p><p>comuns, obtidas mediante diagnóstico audiológico, serão tratadas de maneira</p><p>mais detalhada no item a seguir. Espero que estejam animados e interessados</p><p>para darem prosseguimento nesta leitura.</p><p>3.3.1	Classificação	da	deficiência	auditiva	quanto	à	localização</p><p>A deficiência auditiva não tem uma causa única, mas decorre de um amplo espectro</p><p>de causas possíveis que incluem problemas hereditários, congênitos ou adquiridos,</p><p>que afetam porções diferentes da orelha e do mecanismo de audição. Dependendo</p><p>da região da orelha que for comprometida pelos fatores acima citados, a perda</p><p>auditiva poderá ser do tipo condutiva, neurossensorial ou mista. Cada uma delas,</p><p>associada ao grau em que estiver presente, trará consequências distintas para o</p><p>desenvolvimento de fala, linguagem e aprendizagem do indivíduo.</p><p>A compreensão acerca dessas relações é de grande importância em sala de aula.</p><p>Por um lado, possibilita que o professor saiba reconhecer um aluno com um pos-</p><p>sível comprometimento auditivo, tornando mais rápido o encaminhamento para os</p><p>profissionais necessários; e, por outro lado, esse conhecimento proporcionará o</p><p>entendimento maior a respeito das necessidades de um aluno já diagnosticado, o</p><p>que facilitará a busca pelas adaptações que se fizerem necessárias para favorecer</p><p>o seu aproveitamento escolar.</p><p>UNIUBE 55</p><p>3.3.1.1 Deficiência auditiva condutiva</p><p>A interferência de qualquer tipo na transmissão do som do meato acústico ex-</p><p>terno para a orelha interna causa uma perda auditiva condutiva (LOPES, 2006).</p><p>Ou seja, são consideradas perdas auditivas condutivas aquelas que resultam</p><p>de patologias que atingem a orelha externa e/ou média, as quais reduzem a</p><p>quantidade de energia sonora a ser transmitida para a orelha interna, fazendo</p><p>com que os sons sejam percebidos com menor intensidade.</p><p>Quando o paciente apresenta perda bilateral, tende a falar com voz fraca, devido</p><p>ao reforço dado pela integridade da via óssea. Na maioria dos casos, costumam</p><p>ser reversíveis após tratamento medicamentoso ou cirúrgico, conforme indicação</p><p>do médico otorrinolaringologista. Um exemplo é a perda auditiva causada por</p><p>infecções de ouvidos (otites).</p><p>O quadro de sinais e sintomas apresenta as seguintes características: história de</p><p>infecção de ouvido com secreção; sensação de líquido no ouvido; dor intensa;</p><p>sensação de diminuição da audição; coceira; febre; falta de apetite; distração;</p><p>presença de zumbido.</p><p>As constantes infecções da orelha média podem levar a sequelas irreversíveis</p><p>na audição e ainda possibilitar o crescimento de pequenas massas, os chama-</p><p>dos colesteatomas, que passam a invadir o ouvido médio causando grandes</p><p>complicações. Às vezes, a cirurgia é necessária para evitar novas infecções e,</p><p>secundariamente, tentar recuperar a audição que restou naquela orelha.</p><p>3.3.1.2 Deficiência auditiva neurossensorial</p><p>A deficiência auditiva neurossensorial é resultante de distúrbios que compro-</p><p>metem a cóclea ou o nervo coclear (LOPES, 2006). Nestes casos, a percepção</p><p>e interpretação dos sons ficam comprometidas, mesmo quando intensos. Nos</p><p>casos bilaterais, o sujeito pode apresentar alteração da qualidade vocal e no</p><p>padrão articulatório. Também tende a falar mais intensamente para manter a</p><p>possibilidade de monitoração auditiva. Geralmente apresenta desconforto em</p><p>56 UNIUBE</p><p>ambientes ruidosos. Esse tipo de deficiência auditiva é geralmente irreversível. O</p><p>grau pode variar de leve a profundo. Pode ter causa hereditária; congênita, que</p><p>é quando a mãe contrai alguma doença na gestação (rubéola, toxoplasmose,</p><p>herpes, caxumba, citomegalovírus); adquirida (por infecções, como meningite,</p><p>medicamentos ototóxicos, exposição a ruído, tumores, entre outros). Depen-</p><p>dendo da patologia causadora, pode haver presença de zumbido, queixa de</p><p>tontura e vertigem.</p><p>3.3.1.3 Deficiência auditiva mista</p><p>A deficiência auditiva mista é aquela em que aparecem componentes condu-</p><p>tivos e neurossensoriais em uma mesma orelha (LOPES, 2006). A alteração</p><p>está localizada na orelha externa e/ou média e na orelha interna. Caso o pre-</p><p>domínio esteja no componente condutivo, o reconhecimento de fala não está tão</p><p>comprometido e, em casos de predomínio neurossensorial, o reconhecimento é</p><p>rebaixado. O quadro de sinais e sintomas, em geral, manifesta -se da seguinte</p><p>forma: o componente neurossensorial aparece depois de um problema condutivo</p><p>crônico, como, por exemplo, as otites não tratadas ou mal tratadas.</p><p>3.3.1.4 Deficiência auditiva central</p><p>A deficiência auditiva central atinge a via central, ou seja, a porção do nervo</p><p>coclear e de suas conexões, que se encontram entre o núcleo coclear e o cór-</p><p>tex do lobo temporal. O indivíduo apresenta audição normal, porém, dificuldade</p><p>na compreensão da mensagem. Quanto mais complexa a mensagem sonora,</p><p>maior dificuldade haverá. Podem estar presentes componentes neurológicos</p><p>que tendem a predominar no quadro clínico geral.</p><p>3.3.2	Classificação	da	deficiência	auditiva	quanto	ao	grau</p><p>A literatura mostra que diferentes autores classificam de várias maneiras o grau</p><p>da perda auditiva, levando a diversas interpretações de um mesmo audiograma.</p><p>UNIUBE 57</p><p>Em geral, o grau é calculado com base na média aritmética obtida a partir dos</p><p>limiares tonais, nas diferentes frequências avaliadas.</p><p>Os termos utilizados para identificar o grau da deficiência auditiva são leve,</p><p>moderado, severo e profundo, como veremos a seguir. A normalidade é con-</p><p>siderada quando a média de limiares está entre 0 e 25 dB NA. Para facilitar a</p><p>compreensão acerca do assunto, o dB (decibel) é a medida da intensidade do</p><p>som. O dB NA (decibel, nível de audição) é a unidade utilizada na audiologia para</p><p>padronizar os níveis de pressão sonora audíveis por um indivíduo. O nível de 0</p><p>dB NA é considerado o menor nível de pressão sonora audível por um indivíduo</p><p>de audição normal, o que não significa ausência de som.</p><p>3.3.2.1 Perda auditiva leve</p><p>A perda auditiva leve é aquela cuja média de limiares encontra -se entre 25 e</p><p>40 dB NA (LOPES, 2006). Alguns estudiosos acreditam que uma perda auditiva</p><p>leve, quando estável, não terá necessariamente um efeito no desenvolvimento.</p><p>Em contrapartida, outros afirmam que poderá ter um efeito considerável na</p><p>comunicação e aprendizado.</p><p>Nesses casos, os sons das vogais são ouvidos claramente, mas as consoantes</p><p>surdas podem não ser percebidas. Pode estar relacionada a quadro de desaten-</p><p>ção e atraso no desenvolvimento de linguagem. O aparelho auditivo raramente</p><p>será colocado.</p><p>saiba mais</p><p>A Fonologia, disciplina que estuda os sons da fala, classifica os fonemas da língua</p><p>portuguesa entre fonemas surdos e sonoros, dentre outros. Os fonemas ditos sonoros</p><p>são aqueles cuja produção resulta da vibração das pregas vocais, ou seja, quando a</p><p>corrente de ar vem dos pulmões em direção à laringe e a glote encontra -se fechada.</p><p>A corrente de ar encontrará uma resistência à sua passagem e, ao forçar essa pas-</p><p>sagem, ocasionará a vibração das pregas vocais, presente na produção dos referidos</p><p>fonemas. Ao contrário, os fonemas surdos são produzidos quando a corrente de ar</p><p>58 UNIUBE</p><p>passa livremente pela glote, não produzindo a vibração das pregas vocais observada</p><p>nos fonemas sonoros. São exemplos de fonemas surdos o /p/; /t/; /k/; /f/; /s/; /ʃ/ – este</p><p>último é o fonema representativo do ch e x. São exemplos de sonoros o /b/; /d/; /g/;</p><p>/v/; /z/; /Ʒ/ – este último é o som correspondente ao j. A vibração das pregas vocais</p><p>é claramente perceptível quando produzimos o som sonoro colocando a mão no</p><p>pescoço, ao nível da laringe (produza o /v/ e depois seu correspondente surdo, o /f/,</p><p>que a vibração e sua ausência, respectivamente, ficarão claras). Uma outra estratégia</p><p>de percepção consiste em produzir os mesmos fonemas com os ouvidos tapados (a</p><p>vibração das pregas vocais é perceptível na produção</p><p>do fonema sonoro, por meio</p><p>de um “chiado” mais forte, o que não ocorre na emissão do fonema surdo). As estra-</p><p>tégias descritas são muito utilizadas em terapia fonoaudiólogica para crianças que</p><p>apresentam dificuldades relacionadas a essas classes de sons.</p><p>3.3.2.2 Perda auditiva moderada</p><p>Na perda auditiva moderada, a média de limiares auditivos encontra -se entre 41</p><p>e 70 dB NA. As pessoas com esse grau de perda perdem a maioria dos sons</p><p>da fala em uma conversação normal (LOPES, 2006).</p><p>As pessoas, com essa perda, podem manifestar desatenção, atraso no desen-</p><p>volvimento da linguagem e problemas de aprendizado. Provavelmente terão</p><p>dificuldades em aprender o significado das palavras; realizarão confusão entre</p><p>os sons da fala, devido à ausência ou escassez de informações auditivas; terão</p><p>dificuldades em aprender as regras gramaticais da língua, visto que muitos dos</p><p>elementos gramaticais apresentam uma baixa carga fonética, que os torna imper-</p><p>ceptíveis para o deficiente auditivo. Geralmente, respondem bem às atividades</p><p>terapêuticas e educacionais com ajuda de aparelho auditivo.</p><p>3.3.2.3 Perda auditiva severa</p><p>A deficiência auditiva severa é aquela cuja média de limiares situa -se entre 71</p><p>e 90 dB NA. A linguagem e a fala não se desenvolverão espontaneamente.</p><p>UNIUBE 59</p><p>Uma perda auditiva desse grau pode impedir o desenvolvimento da fala e lin-</p><p>guagem, além de resultar em problemas educacionais associados. Com auxílio</p><p>de intervenção precoce, do uso de dispositivos eletrônicos e de educação es-</p><p>pecializada, crianças com esse grau de perda podem ter bom desempenho em</p><p>fala e linguagem oral. Sem ajuda de dispositivo eletrônico, um sujeito com perda</p><p>severa não pode ouvir sons ou a conversação normal. Pode ouvir suas próprias</p><p>vocalizações, alguns sons ambientais muito altos e a fala na conversação mais</p><p>intensa e em contexto fechado.</p><p>3.3.2.4 Deficiência auditiva profunda</p><p>Na deficiência auditiva profunda, a média de limiares é superior a 90 dB NA.</p><p>Sem intervenção, o desenvolvimento da linguagem e fala não ocorre, visto que</p><p>as pessoas que têm essa deficiência são incapazes de ouvir sons. Com intensa</p><p>intervenção e uso de dispositivo eletrônico pode até ocorrer, mas lentamente</p><p>e com muita dificuldade. O papel da audição raramente será a principal via de</p><p>aprendizagem.</p><p>Antes de entrarmos no tópico sobre avaliação da audição, vamos conhecer um</p><p>pouquinho sobre como ocorre o desenvolvimento da função auditiva. Como</p><p>sabemos, as habilidades auditivas são essenciais para a linguagem oral e pro-</p><p>dução da fala. Assim, qualquer falha que ocorra no desenvolvimento dessas</p><p>habilidades, ainda que não relacionada a uma deficiência auditiva, pode indicar</p><p>algum comprometimento no processamento da informação auditiva, o que me-</p><p>rece tanta atenção quanto um quadro de deficiência auditiva.</p><p>3.4 Desenvolvimento da função auditiva</p><p>O desenvolvimento da função auditiva é o processo pelo qual a criança aprende</p><p>a reconhecer e a compreender os estímulos auditivos disponíveis. Ao nascer, o</p><p>recém -nascido apresenta respostas comportamentais aos sons, reflexas, que</p><p>desenvolvem -se à medida que o sistema auditivo vai atingindo sua maturidade,</p><p>como veremos a seguir.</p><p>60 UNIUBE</p><p>De zero a seis semanas, em um bebê com desenvolvimento da função auditiva</p><p>normal, podem ser observados os seguintes comportamentos: arregalar os olhos,</p><p>cessar a atividade, despertar do sono, startle (caracterizado por movimento</p><p>parecido com um susto), sobressalto, sucção, reflexo cocleopalpebral (caracte-</p><p>rizado pelo piscar de olhos e pela contração da sobrancelha). De seis semanas</p><p>a quatro meses apresenta movimento de olhos, piscar, acalmar -se, início da</p><p>movimentação da cabeça em direção aos sons. Este último por volta dos quatro</p><p>meses, quando a criança começa a ter controle de pescoço. Dos quatro aos sete</p><p>meses localiza a fonte sonora no plano lateral (direita e esquerda), tem atitude</p><p>de escuta e atenção ao som. Dos sete aos nove meses faz localização lateral</p><p>e inicia a localização para baixo. Dos nove aos treze meses localiza o som la-</p><p>teralmente e para baixo, além de iniciar a localização para cima. Dos treze aos</p><p>dezesseis meses faz localização lateral, para baixo e para cima. Dos dezesseis</p><p>aos vinte e quatro meses localiza diretamente os sons em todas as direções.</p><p>Concomitantemente, habilidades auditivas mais refinadas desenvolvem -se, cul-</p><p>minando com o processo de aquisição e desenvolvimento da fala e linguagem.</p><p>São diferentes níveis de habilidades auditivas que desenvolvem -se dentro de</p><p>uma sequência gradativa de complexidade. No primeiro estágio ocorre a de-</p><p>tecção da presença ou ausência do som, que pode ser verbal ou não verbal.</p><p>No segundo, ocorre a discriminação entre os estímulos iguais e diferentes, o</p><p>que também acontece com sons verbais e não verbais. No caso de sons não</p><p>verbais, as crianças aprendem a diferenciar os sons quanto à altura, intensi-</p><p>dade e frequência, por exemplo. No caso dos sons verbais, um nível muito mais</p><p>complexo, aprendem a discriminar vogais; palavras com grandes diferenças</p><p>em sua estrutura sonora e com diferenças sutis, palavras longas de palavras</p><p>curtas; palavras semelhantes auditivamente, ou seja, que se diferenciam ape-</p><p>nas por um som; também discriminam frases e curvas melódicas. No terceiro</p><p>estágio ocorre o reconhecimento auditivo, ou seja, a criança passa a identificar</p><p>os estímulos auditivos. Posteriormente ocorre a compreensão auditiva, quando</p><p>a criança entende o significado das mensagens. O desenvolvimento de outras</p><p>habilidades cognitivas como a atenção e a memória tem contribuição significativa</p><p>neste processo.</p><p>UNIUBE 61</p><p>Quando o bebê nasce e/ou adquire precocemente algum tipo de alteração au-</p><p>ditiva, estas reações comportamentais aos sons não são observadas ou são</p><p>observadas em idades mais avançadas. Nos casos da deficiência auditiva, o</p><p>desenvolvimento das referidas habilidades dependerá de fatores como o grau e a</p><p>época em que ela se instalou; época do diagnóstico e intervenção; características</p><p>da criança como a capacidade cognitiva, memória, atenção, desenvolvimento</p><p>emocional; características da família, ou melhor, suas atitudes no sentido de</p><p>proporcionar este desenvolvimento; qualidade do ambiente doméstico e escolar,</p><p>no sentido de proporcionar estímulos e atividades significativas para a criança</p><p>do ponto de vista auditivo; e claro, da utilização de um dispositivo eletrônico que</p><p>a permita fazer um bom aproveitamento de sua audição residual.</p><p>Sempre que houver dúvida quanto ao desenvolvimento da função auditiva um</p><p>fonoaudiólogo deverá ser consultado para que realize a avaliação da audição</p><p>da criança. No próximo item, os aspectos gerais relacionados a este assunto</p><p>serão abordados. Vamos prosseguir?</p><p>3.5 Avaliação da audição</p><p>Agora que vocês já adquiriram algumas noções sobre o funcionamento do sis-</p><p>tema auditivo, sobre os tipos e graus de deficiência auditiva, sobre o desenvol-</p><p>vimento auditivo, creio que estejam se perguntando quando uma criança deve</p><p>ser encaminhada para realizar exames de audição, e mais, como o diagnóstico</p><p>é obtido.</p><p>Os professores podem ter um papel importante na suspeita da deficiência au-</p><p>ditiva, visto que é no período escolar, momento em que a criança começa a ter</p><p>contato com um número maior de pessoas, que as dificuldades, muitas vezes</p><p>não percebidas em casa, podem se tornar mais perceptíveis.</p><p>62 UNIUBE</p><p>ponto ‑chave</p><p>Desta forma, deve -se estar atento aos comportamentos da criança suspeitando de</p><p>algum problema de audição quando, por exemplo, ela apresentar:</p><p>• atraso no desenvolvimento da linguagem;</p><p>• dificuldade para se comunicar pela linguagem oral;</p><p>• trocas de sons não esperadas para a idade, ou melhor, fala ininteligível;</p><p>• uso preferencial de gestos para se comunicar;</p><p>• desatenção;</p><p>• ausência de respostas para sons ambientais intensos;</p><p>• baixo rendimento escolar;</p><p>• quando não responde ao ser chamado;</p><p>• quando solicita de repetições.</p><p>Lembre -se de que, apesar da deficiência auditiva poder</p><p>ser diagnosticada em qual-</p><p>quer idade, quanto mais cedo isso acontecer, melhores serão as possibilidades de</p><p>desenvolvimento da criança!</p><p>A conduta mais adequada, nestas situações, é encaminhar o aluno para os profis-</p><p>sionais especializados, competentes para realização do diagnóstico audiológico.</p><p>O primeiro passo neste processo é a consulta com o médico otorrinolaringolo-</p><p>gista. Em seguida, é realizada a entrevista com o fonoaudiólogo, na qual serão</p><p>levantadas questões sobre a possível etiologia, época de início, tipo e grau</p><p>da deficiência auditiva, entre outros fatores relacionados à saúde, ao desen-</p><p>volvimento global da criança e sobre como a alteração auditiva, caso exista,</p><p>esteja interferindo no mesmo. Com base nessas informações, o fonoaudiólogo</p><p>UNIUBE 63</p><p>também terá condições de definir os procedimentos a serem realizados. Isso</p><p>porque atualmente são vários os procedimentos disponíveis para a avaliação</p><p>audiológica, selecionados de acordo com a faixa etária do indivíduo, sua condição</p><p>física e sua capacidade cognitiva para compreensão e realização das tarefas</p><p>que serão solicitadas. Ademais, o diagnóstico audiológico não é definido apenas</p><p>pelo resultado de um único exame. É necessário que uma bateria de testes seja</p><p>aplicada e analisada em conjunto, para que seja possível caracterizar o tipo de</p><p>alteração auditiva que a pessoa apresenta e, consequentemente, a conduta</p><p>mais adequada (ALVARENGA et al., 2006).</p><p>A avaliação da função auditiva é dividida de acordo com o tipo de teste utilizado:</p><p>os objetivos e os subjetivos. Os testes subjetivos são menos precisos, pois de-</p><p>pendem da resposta do paciente, o que pode interferir no resultado. Os testes</p><p>têm o resultado influenciado pelo interesse, cognição e participação do paciente,</p><p>o que exige habilidade, experiência e paciência do examinador. Os testes subjeti-</p><p>vos mais importantes são a audiometria comportamental, a audiometria tonal e a</p><p>logoaudiometria. Já os testes objetivos são aqueles cujos resultados baseiam -se</p><p>na leitura, por meio de equipamento, das mudanças que ocorrem no organismo</p><p>durante ou após a apresentação dos estímulos, ocorrendo independentemente</p><p>da participação do paciente. Os testes audiológicos objetivos compreendem a</p><p>imitanciometria, a avaliação das emissões otoacústicas e os potenciais auditivos</p><p>evocados. Na prática, os testes subjetivos geralmente antecedem os objetivos,</p><p>apesar de que isto não é uma regra. Esses exames devem ser realizados pre-</p><p>ferencialmente por profissionais com formação específica para esse fim, sendo</p><p>o audiologista o mais capacitado. A seguir, alguns esclarecimentos sobre os</p><p>respectivos procedimentos de avaliação serão apresentados.</p><p>3.5.1 Avaliação do comportamento auditivo</p><p>A avaliação audiológica comportamental é realizada em neonatos e lactentes</p><p>até os 2,5 anos. Baseia -se na observação das respostas comportamentais</p><p>evidenciadas por estímulos acústicos instrumentais (instrumentos musicais de</p><p>percussão), tons puros (audiometro pediátrico) e sons verbais. As respostas</p><p>esperadas a serem observadas variam de acordo com a idade e desenvolvi-</p><p>64 UNIUBE</p><p>mento da função auditiva (como apresentado no item anterior). Os estímulos</p><p>são apresentados em ordem decrescente de intensidade, sendo que os bebês</p><p>de até três meses de vida devem estar em estado de sonolência e, após essa</p><p>faixa etária, em estado de alerta (ALVARENGA et al., 2006).</p><p>3.5.2 Audiometria tonal liminar</p><p>É o principal teste a ser realizado, uma vez que permite identificar a presença</p><p>da deficiência auditiva e caracterizá -la quanto ao tipo e grau. O audiograma é a</p><p>ficha de registro das respostas obtidas pelo paciente. Na vertical encontram -se as</p><p>intensidades do som (medidas em decibel) e na vertical as frequências (medidas</p><p>em Hz). O teste é realizado em cabine acústica com fones de ouvido, os estímulos</p><p>sonoros (tons puros) são apresentados em ordem decrescente de intensidade, em</p><p>cada frequência e para cada orelha separadamente, até que seja obtida a menor</p><p>intensidade sonora capaz de gerar sensação auditiva no sujeito (ALVARENGA et</p><p>al., 2006). É considerado que o sujeito tem uma audição normal se ele detectar</p><p>os sons com intensidade mínima de 20 dB, em todas as frequências.</p><p>3.5.3 Audiometria condicionada</p><p>A audiometria condicionada é uma variante da audiometria vocal e tonal, que</p><p>pode ser realizada em crianças a partir de dois anos de idade. O objetivo é fa-</p><p>zer com que a criança faça a associação entre o estímulo sonoro apresentado</p><p>e um estímulo visual de reforço. A criança irá demonstrar que está ouvindo por</p><p>meio de um ato motor, como colocar uma peça de encaixe cada vez que ouvir</p><p>o som. A resposta inserida dentro do contexto lúdico possibilita a manutenção</p><p>da atenção e interesse por parte da criança durante o tempo necessário (AL-</p><p>VARENGA et al., 2006).</p><p>3.5.4 Audiometria com reforço visual</p><p>Pode ser realizada a partir dos seis meses. Assim como o teste anterior, permite</p><p>a obtenção de níveis mínimos de resposta em diferentes frequências. A criança,</p><p>UNIUBE 65</p><p>geralmente, fica posicionada no colo da mãe (ou não), enquanto o examinador</p><p>elicia os estímulos sonoros, fora do campo visual. A criança deve olhar para a</p><p>fonte sonora, recebendo neste momento o reforço visual. Neste caso, o com-</p><p>portamento da criança considerado é o olhar em direção ao som, sempre que</p><p>o estímulo auditivo é apresentado (ALVARENGA et al., 2006).</p><p>3.5.5 Logoaudiometria</p><p>Avalia a habilidade de detecção e reconhecimento dos sons da fala. O material</p><p>de fala a ser utilizado depende do grau da deficiência auditiva, idade do pa-</p><p>ciente e das habilidades de fala e linguagem. Pode ser solicitada a repetição</p><p>de palavras ou que aponte, dentre várias ilustrações, aquela solicitada pelo</p><p>examinador. A sua aplicação possibilita também a confirmação das respostas</p><p>obtidas na audiometria tonal.</p><p>3.5.6 Imitanciometria</p><p>Pode ser realizada em qualquer idade (desde recém -nascidos). A imitanciome-</p><p>tria verifica a condução sonora pela orelha média por meio da mensuração e</p><p>análise dos deslocamentos do sistema timpanossicular em resposta à variação</p><p>da pressão do som. O exame emprega uma sonda que é colocada no conduto</p><p>auditivo externo, que deve estar desimpedido de cerúmen. A imitanciometria</p><p>não define limiar auditivo, indica apenas se a condução do som está normal ou</p><p>alterada na orelha média.</p><p>3.5.7 Emissões otoacústicas (EOAs)</p><p>Também é um exame objetivo que pode ser realizado em qualquer idade. Ava-</p><p>lia a integridade da orelha interna, mais especificamente, das células ciliadas</p><p>externas (MUSIEK; RINTELMANN, 2001). As células ciliadas externas são as</p><p>primeiras estruturas a serem lesadas no caso de deficiência auditiva decorrente</p><p>de patologias adquiridas durante a gravidez ou na infância. As EOAs estarão</p><p>ausentes em sujeitos com perdas auditivas cocleares e poderão estar presentes</p><p>66 UNIUBE</p><p>naqueles que apresentam alterações em outras estruturas do sistema auditivo</p><p>(que não a cóclea). O exame é indolor, não invasivo, rápido, de baixo custo,</p><p>tem elevada sensibilidade, e a aparelhagem é portátil. Essas características</p><p>tornaram a EOAs o mais adequado e utilizado para as triagens auditivas em</p><p>recém -nascidos (VIEIRA et al., 2007; GATTO; TOCHETTO, 2007). Um resultado</p><p>normal indica integridade da fisiologia coclear para o nível de audição social</p><p>normal. Porém, um resultado alterado, em que as emissões otoacústicas estão</p><p>ausentes, pode ser um falso -positivo. Neste caso, há a necessidade de se avaliar</p><p>também a orelha média, visto que um simples acúmulo de cerúmen pode alterar</p><p>o teste. Desta forma, no caso de ausência de respostas, o exame é repetido, e</p><p>é realizada a imitanciometria para confirmação do resultado.</p><p>3.5.8 Potenciais Evocados Auditivos de Tronco Encefálico (Peate)</p><p>O Peate é um registro das respostas elétricas desencadeadas por um estímulo</p><p>sonoro, ao longo da via auditiva até o tronco cerebral. Especificamente, verifica</p><p>se a criança tem a sensação do som na cóclea, assim como a transmissão do</p><p>mesmo no</p><p>nervo auditivo e via auditiva central. Avalia a integridade funcional das</p><p>vias auditivas, desde o órgão receptor periférico até o córtex cerebral. É realizado</p><p>por meio de eletrodos de superfície colocados no couro cabeludo que buscam</p><p>captar estímulos elétricos gerados desde a cóclea até o tronco encefálico, após</p><p>um estímulo auditivo (click) gerado por meio de um fone de ouvido. Os registros</p><p>são constituídos por ondas sequenciais, em que cada onda representa o tempo</p><p>em que ocorreu uma sinapse na via auditiva central. As cinco primeiras ondas</p><p>são as mais importantes. O tempo de latência, intervalos de tempo entre ondas,</p><p>conformação da onda e comparação entre orelhas são os parâmetros analisa-</p><p>dos. Caso haja retardo, ausência de ondas, alteração do formato da onda ou</p><p>assimetrias entre os lados, o exame é considerado como alterado (VIEIRA et al.,</p><p>2007). O método possui uma avaliação objetiva, eletrofisiológica, não invasiva,</p><p>indicada para a avaliação da sensibilidade auditiva em neonatos, em pessoas</p><p>que não colaboram na testagem do comportamento auditivo e no diagnóstico</p><p>diferencial de problemas audiológicos periféricos ou centrais. Assim como a</p><p>EOA, pode ser usado para avaliar os neonatos pertencentes ao grupo de risco</p><p>UNIUBE 67</p><p>para surdez, podendo estender -se a todos os demais, como ocorre na triagem</p><p>auditiva neonatal universal.</p><p>Feitos os esclarecimentos sobre o diagnóstico audiológico, vamos tratar de um</p><p>assunto bastante interessante e que merece muita atenção quando falamos do</p><p>processo educacional de alunos com comprometimentos auditivos.</p><p>3.6 Transtornos do processamento auditivo</p><p>Existem indivíduos que possuem a queixa de não ouvir bem, mas quando rea-</p><p>lizamos um exame que avalia a sua acuidade auditiva os resultados revelam a</p><p>presença de audição normal. Vocês devem estar se perguntando como isso é</p><p>possível. Isso pode ocorrer devido a dificuldades no processamento auditivo da</p><p>informação. Mas o que é processamento auditivo?</p><p>O processamento auditivo refere -se ao que se faz com o que se ouve, ou melhor,</p><p>aos processos envolvidos na detecção e na interpretação de eventos sonoros.</p><p>Para que esses processos auditivos se desenvolvam é necessário, além da</p><p>capacidade biológica inata (integridade do sistema auditivo periférico e central),</p><p>a experienciação acústica no meio ambiente. Neste desenvolvimento, os pro-</p><p>cessos de memória e de atenção são muito importantes. A atenção refere -se</p><p>à capacidade de selecionar estímulos ou atender a um determinado som em</p><p>meio a outros competitivos. Já a memória permite estocar as informações para</p><p>poder recuperá -las quando houver necessidade. Quando há um impedimento</p><p>na habilidade de analisar e ou interpretar padrões sonoros, dizemos que há uma</p><p>desordem no processamento auditivo.</p><p>Dificuldades desta natureza podem ter consequências na linguagem, apren-</p><p>dizagem, leitura, socialização e resolução de problemas (FENIMAN, 2006).</p><p>No entanto, nem todo problema de linguagem, aprendizagem, socialização ou</p><p>resolução de problemas é decorrente de desordem no processamento auditivo.</p><p>As causas das desordens são variadas, podendo ser de origem genética ou de-</p><p>senvolvimental. A presença de perdas auditivas condutivas nos primeiros anos de</p><p>vida ou a prematuridade podem ser fatores de risco. Dessa forma, a estimulação</p><p>68 UNIUBE</p><p>de crianças a partir de leitura de histórias, aprendizagem de poemas, cantigas</p><p>infantis, trava -línguas e consciência fonológica são tarefas importantes para a</p><p>estimulação auditiva (GARCIA, 2006a).</p><p>As pessoas com este quadro, em geral, apresentam dificuldades na capacidade</p><p>de detectar sons; na capacidade de detectar diferenças entre sons; na habilidade</p><p>de determinar o local de origem do som, isto é, onde o som ocorreu no espaço;</p><p>dificuldade em identificar um sinal de fala na presença de outros competitivos;</p><p>dificuldade para reconhecer o sinal acústico quando partes dele são omitidas</p><p>ou distorcidas; dificuldade em reconhecer os estímulos auditivos; dificuldade em</p><p>extrair e utilizar a prosódia da fala, entre outras (GARCIA, 2006a).</p><p>A sintomatologia apresentada nestes quadros é diversificada, podendo as ma-</p><p>nifestações estarem presentes em maior ou menor número, assim como em</p><p>maior ou menor gravidade, dependendo do caso. São elas:</p><p>• dificuldade para ouvir;</p><p>• distração;</p><p>• demora em escutar e/ou entender quando chamada sua atenção;</p><p>• solicitação de repetições, do tipo “Hã?”, “O quê?”, ou “Não entendi!”;</p><p>• dificuldade para lembrar o que foi dito – problemas de memória;</p><p>• fala incompatível com o esperado para a idade;</p><p>• dificuldades escolares;</p><p>• dificuldade de compreensão em ambientes ruidosos;</p><p>• dificuldade para acompanhar conversas em que muitas pessoas falam simul-</p><p>taneamente;</p><p>• volume da televisão muito alto;</p><p>UNIUBE 69</p><p>• dificuldade de localizar o som;</p><p>• dificuldades em seguir orientações e executar ordens;</p><p>• dificuldade em contar um fato ou narrar uma história;</p><p>• dificuldade para transmitir um recado;</p><p>• dificuldade em seguir uma sequência de tarefas que lhe foi falada;</p><p>• dificuldade em entender piadas ou duplo sentido;</p><p>• dificuldade em trabalhar com conceitos abstratos.</p><p>Estes, assim como outros comportamentos, podem ser sinais de uma dificul-</p><p>dade no processamento auditivo da informação. Cabe retomar que muitos dos</p><p>comportamentos notados acima podem também aparecer em outras condições,</p><p>tais como Dificuldades de Aprendizagem, Transtorno do Déficit de Atenção e</p><p>Hiperatividade (TDAH), entre outros. Assim, sempre que suspeitar estar diante</p><p>de um caso dessa natureza, é importante que as devidas providências sejam</p><p>tomadas, para que o diagnóstico e tratamento mais adequado sejam feitos.</p><p>Por meio de uma equipe, no caso, multidisciplinar, a pessoa será avaliada e</p><p>submetida às condutas necessárias. Essa equipe é constituída, geralmente,</p><p>pelos seguintes profissionais: neurologista, otorrinolaringologista, audiologista,</p><p>fonoterapeuta, psicólogo e pedagogo. Tais profissionais disponibilizarão, mutua-</p><p>mente, informações referentes ao desenvolvimento do sujeito em questão, de</p><p>forma que todos consigam trabalhar da maneira mais eficiente possível. O fono-</p><p>audiólogo audiologista é o profissional responsável pela avaliação específica do</p><p>processamento auditivo. A testagem é realizada em cabine acústica, onde o indi-</p><p>víduo é colocado com fones auriculares por meio dos quais são aplicados testes</p><p>gravados em CD e apropriados para a faixa etária. Em caso de confirmação da</p><p>alteração, a fonoterapia será necessária para estimular o desenvolvimento das</p><p>referidas habilidades. O fonoaudiólogo também deverá atuar como orientador</p><p>dos demais educadores, para que as adaptações e estratégias compensatórias</p><p>70 UNIUBE</p><p>necessárias sejam colocadas em prática na escola, visando favorecer o apro-</p><p>veitamento do aluno. Estas informações encontram -se disponíveis logo adiante.</p><p>3.7 Dispositivos eletrônicos: conceitos básicos</p><p>3.7.1	 Aparelho	de	Amplificação	Sonora	Individual	(AASI)</p><p>O Aparelho de Amplificação Sonora Individual é um dispositivo eletrônico que tem</p><p>como função amplificar os sons, de maneira a permitir que o indivíduo utilize seu</p><p>resíduo auditivo efetivamente, proporcionando um auxílio para o entendimento</p><p>da fala e percepção dos sons ambientais. Assim como qualquer outro dispositivo</p><p>eletrônico, ele não tem o papel de substituir o ouvido humano, restaurando a</p><p>audição a ponto de trazê -la para a normalidade, mas sim de suprir parcialmente</p><p>as dificuldades causadas pela deficiência auditiva.</p><p>O seu funcionamento conta com três componentes básicos: o microfone, o</p><p>amplificador e o receptor. O som do ambiente entra no AASI por meio de um</p><p>microfone, que transforma os sinais acústicos (sons) em sinais elétricos. Estes</p><p>passam pelo amplificador, que aumenta a intensidade do sinal e, posteriormente,</p><p>são encaminhados ao receptor, que transforma novamente o sinal elétrico em</p><p>onda sonora. O som amplificado atinge o meato acústico do usuário – por meio</p><p>do molde auricular – de onde</p><p>é direcionado para a membrana timpânica e todo</p><p>o sistema auditivo do indivíduo (BLASCA et al., 2006).</p><p>saiba mais</p><p>Molde auricular: o molde auricular é uma peça confeccionada especialmente para a</p><p>orelha da criança. A sua escolha dependerá das características da criança e do tipo</p><p>de perda auditiva. Deve ser colocado corretamente na orelha para evitar dores no</p><p>usuário e também para que o aparelho trabalhe com toda a sua capacidade, já que</p><p>é ele o responsável por levar o som que sai do gancho do aparelho até a orelha e</p><p>por vedar a orelha prevenindo que o escape do som ocorra gerando a microfonia.</p><p>Caso o usuário não seja capaz de colocá -lo corretamente é necessário que alguém</p><p>o ajude. A forma e a colocação apropriadas do molde contribuem para eliminar o</p><p>UNIUBE 71</p><p>fenômeno da realimentação acústica (assobios). Um molde que não assenta bem</p><p>ou que aperta porque está mal colocado pode levar à má utilização do aparelho.</p><p>Dada a sua importância, é necessário que os responsáveis pelas crianças na escola</p><p>tenham um mínimo de conhecimento a esse respeito. A orientação e esclarecimento</p><p>de dúvidas com o fonoaudiólogo escolar ou clínico que acompanha os alunos é de</p><p>extrema importância.</p><p>Além desses componentes básicos, possui vários controles internos que ge-</p><p>ralmente são manipulados pelo profissional e que têm o objetivo de trabalhar</p><p>a onda sonora da melhor forma possível, de acordo com as necessidades de</p><p>cada indivíduo, a fim de oferecer a melhora da inteligibilidade de fala, por meio</p><p>de uma boa qualidade sonora e uma amplificação confortável.</p><p>Esse dispositivo é de fundamental importância para o processo educacional</p><p>das crianças com deficiência auditiva, especialmente aquelas que se encontram</p><p>inseridas em escolas comuns. Sendo assim é extremamente importante que pro-</p><p>fessores, familiares e todos aqueles que se relacionam com elas participem do</p><p>processo de adaptação do AASI, de modo que os melhores resultados possíveis</p><p>sejam obtidos. A seguir, encontram -se descritas algumas orientações extraídas</p><p>de Bevilacqua e Formigoni (2000, p. 21):</p><p>Primeiramente, é importante que a criança e todas as pessoas</p><p>que cuidam dela saibam que, para que o AASI desempenhe</p><p>o seu papel no desenvolvimento do usuário, deve ser usado</p><p>constantemente e estar em condições ideais de uso. Como será</p><p>e quanto tempo levará o trabalho de adaptação é muito relativo.</p><p>Depende de cada criança e de como os pais e professores</p><p>conseguem lidar com isso. É importante sempre incentivá -la a</p><p>usá -lo, mesmo que no início certa rejeição seja observada. O</p><p>tempo ideal de uso é o tempo máximo que a criança consegue</p><p>suportar, mas via de regra, deve aumentar gradativamente. Caso</p><p>ela tire o aparelho, deve -se respeitar sua vontade por algum</p><p>tempo e tentar colocá -lo novamente. E assim sucessivamente,</p><p>até a criança entender que deve estar sempre utilizando -o. Isso</p><p>porque elas acabam percebendo que é melhor estar com ele</p><p>do que sem e, assim, acabam por usá -lo durante todo o dia.</p><p>O certo é que, se trouxer benefício, elas acabam por usá -lo</p><p>72 UNIUBE</p><p>constantemente por se sentirem mais seguras com ele. Quando</p><p>bem adaptado, o AASI passa a fazer parte do esquema corporal</p><p>do deficiente auditivo, que só deverá tirá -lo para tomar banho,</p><p>dormir e fazer determinadas atividades físicas.</p><p>Ao ser colocado na criança, é importante mostrar -lhe que</p><p>aquele novo e estranho objeto é algo que lhe será útil e agra-</p><p>dável, que lhe dará retorno e que será benéfico. O ouvir</p><p>deve ser associado a algo prazeroso. A qualquer reação de</p><p>percepção do som que a criança tenha, deve -se incentivá -la</p><p>mais, mostrando -lhe o quanto isso é bom. É preciso mostrar</p><p>de onde vêm os sons, para que ela comece a perceber que</p><p>são significativos. É fundamental que sejam expostas aos sons</p><p>ambientais, em contextos situacionais e significativos para elas.</p><p>Como já dito, a adaptação do aparelho exige uma série de cuidados direcionados</p><p>a garantir a qualidade da amplificação. Ele só será eficiente para o usuário se es-</p><p>tiver funcionando adequadamente. Portanto, para que o melhor aproveitamento</p><p>possível deste dispositivo seja atingido no ambiente escolar (não me refiro aqui</p><p>apenas à sala de aula, visto que todo o ambiente escolar propicia a exposição da</p><p>criança a contextos situacionais extremamente significativos para ela, do ponto de</p><p>vista auditivo), é necessário que os profissionais que lidam com ela tenham noções</p><p>sobre esses cuidados. O ideal é que os fonoaudiólogos que acompanham estes</p><p>alunos façam um trabalho de orientação sistemática para a escola, mais diretamente</p><p>para os professores responsáveis, sobre como atuar com o aluno no sentido de</p><p>minimizar as possíveis dificuldades presentes neste processo.</p><p>Conforme dito anteriormente, o AASI não tem a finalidade e nem capacidade</p><p>de substituir a audição do indivíduo. Logo, o que se deve ter em mente é que</p><p>apenas o seu uso não será suficiente para que o deficiente auditivo venha a</p><p>desenvolver sua função auditiva, a linguagem e a aprendizagem escolar. Além</p><p>do trabalho terapêutico associado e uma atuação familiar adequada, é funda-</p><p>mental a disponibilidade da escola, e principalmente do professor, para receber</p><p>esse aluno e trabalhar de forma adequada suas necessidades, propiciando o</p><p>seu desenvolvimento.</p><p>UNIUBE 73</p><p>3.7.2 Sistema de frequência modulada (Sistema FM)</p><p>Assim como as pessoas ouvintes, as pessoas com deficiência auditiva sentem</p><p>dificuldade em entender a fala com a ocorrência simultânea de outros ruídos, o</p><p>que leva à dificuldade na comunicação e no aproveitamento escolar.</p><p>Ainda que as crianças se beneficiem com o uso de AASI ou Implante Coclear (IC),</p><p>os efeitos do ruído não são minimizados com tais dispositivos, uma vez que ambos</p><p>captam e amplificam todos os sons do ambiente na mesma proporção, inclusive</p><p>ruídos de fundo, mantendo uma relação sinal/ruído (dife-</p><p>rença entre o nível do sinal de fala e o nível do ruído) em</p><p>sala de aula desfavorável para esses alunos.</p><p>Para que uma relação sinal ruído possa ser considerada</p><p>favorável, é necessário pelo menos + 10 dB e, prefe-</p><p>rencialmente, + 20 dB, para que alunos com deficiência</p><p>auditiva participem efetivamente em sala de aula (JACOB</p><p>et al., 2010). Esta situação, contudo, não ocorre natural-</p><p>mente, uma vez que, devido à reverberação, ao ruído e</p><p>a mudanças na posição do professor, a média da relação</p><p>sinal ruído é somente +4 ou + 5 dB, podendo ser até 0 dB.</p><p>Diante das dificuldades descritas, uma alternativa plau-</p><p>sível seria tentar fornecer a transmissão direta da voz do</p><p>falante para o microfone do AASI ou do IC do aluno. É o</p><p>que faz o Sistema FM, um sistema tecnológico que visa</p><p>melhorar a captação do sinal da fala, proporcionando ao</p><p>usuário deficiente auditivo condições ideais de audição</p><p>e de um claro entendimento da fala, por meio da elimi-</p><p>nação dos fatores limitantes ao seu entendimento, que</p><p>são o ruído, a distância e a reverberação, presentes em</p><p>sala de aula. Mas como funciona este dispositivo?</p><p>Reverberar</p><p>Refletir, com grande</p><p>intensidade, o som.</p><p>É a persistência</p><p>do som numa sala,</p><p>após haver cessado</p><p>a vibração da fonte</p><p>que lhe deu origem.</p><p>A reverberação</p><p>excessiva pode</p><p>comprometer a</p><p>compreensão da</p><p>fala no ambiente</p><p>em que ela ocorre.</p><p>O seu tratamento</p><p>deve ser feito ainda</p><p>na construção e</p><p>projeto do ambiente,</p><p>dependendo de</p><p>sua finalidade. Em</p><p>ambientes abertos,</p><p>por exemplo, a</p><p>reverberação é muito</p><p>pouca; já em salas</p><p>de aula e auditórios,</p><p>cuidados especiais</p><p>devem ser tomados,</p><p>já que a reverberação,</p><p>se excessiva, poderá</p><p>comprometer a</p><p>compreensão das</p><p>mensagens.</p><p>74 UNIUBE</p><p>Atualmente, existem três tipos de sistema FM: o sistema FM pessoal, o sistema</p><p>FM de campo livre e o sistema FM autocontido. O sistema FM básico consiste</p><p>em duas unidades, sendo uma transmissora e uma receptora (BEVILACQUA;</p><p>FORMIGONI, 2000). O FM transmissor possui um microfone e é utilizado pelo</p><p>falante principal. O receptor é usado pelo aluno e pode ser acoplado ao AASI.</p><p>Funciona como um cabo invisível, conectando</p><p>3.9 Estratégias comunicativas e adaptações em sala de aula .......................................84</p><p>3.9.1 Estratégias comunicativas ...............................................................................84</p><p>3.9.2 Adaptações em sala de aula ............................................................................88</p><p>3.10 Conclusão..................................................................................................................90</p><p>Capítulo 4 A organização e o funcionamento da Língua Brasileira de</p><p>Sinais – Libras ..............................................................................99</p><p>4.1 A Libras é uma língua natural? .................................................................................102</p><p>4.2 Caracterizações das línguas de sinais – LS ...........................................................103</p><p>4.2.1 Iconicidade e arbitrariedade .............................................................................104</p><p>4.3 Desfazendo -se dos mitos .......................................................................................106</p><p>4.4 Como é possível estudar a fonologia de uma língua vísuo -espacial? .....................109</p><p>4.4.1 Como são formados os sinais? ........................................................................ 111</p><p>4.4.2 Os pares mínimos ...........................................................................................120</p><p>4.5 A morfologia das línguas de sinais .........................................................................122</p><p>4.5.1 Léxico e unidade lexical ≠ vocabulário e vocábulo ..........................................123</p><p>4.5.2 Processos de formação de sinais em Libras ..................................................124</p><p>4.5.3 Como se formam “as palavras” em Libras? .....................................................125</p><p>4.5.4 Formações de palavras por derivação ............................................................128</p><p>4.5.5 Os classificadores (Cl) ....................................................................................129</p><p>4.5.6 Tipos de classificadores ...................................................................................130</p><p>4.5.7 Formação de palavras por composição ..........................................................137</p><p>4.6 A flexão na língua de sinais ....................................................................................143</p><p>4.6.1 Flexão de pessoa ............................................................................................144</p><p>4.6.2 Flexão verbal ...................................................................................................147</p><p>4.6.3 Flexão de número ...........................................................................................149</p><p>4.6.4 Flexões de foco e aspecto temporal ...............................................................152</p><p>4.7 Sintaxe – de que maneira se estabelecem as relações sintáticas numa língua</p><p>vísuo -espacial como a Libras? .................................................................................155</p><p>4.7.1 A ordem da frase na língua de sinais brasileira ................................................162</p><p>4.7.2 E as interrogativas em Libras: como são formadas? .......................................166</p><p>4.8 E as variações linguísticas também ocorrem na Libras? .........................................170</p><p>4.9 Conclusão..................................................................................................................175</p><p>Apresentação</p><p>É o primeiro dia de aula. A euforia toma conta da escola. Todos estão ansiosos</p><p>por encontrar colegas, conhecer novos amigos, novas pessoas. A professora</p><p>entra na sala, trazendo na cabeça um sonho antigo e sempre novo: o de fazer</p><p>tudo melhor do que no ano anterior! Diante dela, rostinhos infantis esperam avi-</p><p>damente por suas palavras: o “bom dia” é respondido em coro pelas crianças. Ela</p><p>pede para que cada uma se apresente. Entre brincadeiras, sorrisos, tudo corre</p><p>bem, até que uma criança não consegue se apresentar como os colegas: uma</p><p>menina faz gestos e profere alguns sons, apenas. A professora fica atônita ─</p><p>grande é sua surpresa! Sente medo e, por instantes, algumas perguntas invadem</p><p>seu pensamento: o que fará com uma criança surda? Saberá ensiná -la? Como</p><p>começar? Entretanto, um gesto da criança chama a atenção da educadora para o</p><p>momento da situação. A menina que, antes, tentava comunicar -se, agora, abaixa</p><p>a cabeça, numa desistência silenciosa. A professora a observa atentamente e</p><p>consegue tempo para vê -la em detalhes: mãozinhas branquinhas em cima da</p><p>mesa; rostinho pequeno, olhinhos cabisbaixos que fitam o caderno, num gesto</p><p>de tristeza e constrangimento. Mas ─ algo acontece ─, subitamente, o silêncio é</p><p>rompido pelos passos da professora que vai ao encontro da menina. Com delica-</p><p>deza, a educadora levanta o rosto da infante, a olha nos olhos, profundamente,</p><p>e a acolhe num sorriso. Vitoriosas, as duas, professora e aluna, percebem que</p><p>há linguagens que transcendem palavras e descobrem, juntas, como começar!</p><p>Esperamos que essa cena o tenha sensibilizado e remetido ao tema inclusão,</p><p>pois este livro tem como principal objetivo trazer informações e possibilitar que</p><p>você construa conhecimentos sobre como interagir com a pessoa surda. En-</p><p>tretanto, nada do que dissermos aqui fará sentido, se você não se sensibilizar</p><p>com a presença de seu aprendiz.</p><p>VIII UNIUBE</p><p>Nem sempre sabemos como começar, mas talvez o começo seja, mesmo, a</p><p>nossa comoção diante da urgência de nossa presença e de nossas ações na vida</p><p>de nossos educandos. O ato de educar também é uma escolha. Não podemos</p><p>aprender e ensinar o que não queremos e para quem não queremos. Natural-</p><p>mente, nós, professores, temos receio quando nos deparamos com situações</p><p>inusitadas e desafiadoras, mas o conhecimento e o estudo devem ser sempre</p><p>um instrumento nas mãos daqueles que, realmente, querem fazer a diferença!</p><p>Sendo assim, prezado(a) aluno(a), acreditamos que os ensinamentos deste</p><p>livro constituem -se como uma oportunidade de você ter uma formação teórico-</p><p>-prática em relação à comunicação com as pessoas surdas, por meio da Língua</p><p>Brasileira de Sinais e de conhecimentos fundamentais para o atendimento das</p><p>especificidades educacionais de alunos surdos na Educação Básica. Ressalta-</p><p>mos que o Decreto no 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que regulamenta a Lei</p><p>de Libras, garante o direito à educação das pessoas surdas ou com deficiência</p><p>auditiva, e a inclusão dos alunos por meio de organização em escolas e classes</p><p>de educação bilíngue abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores bi-</p><p>língues. Garante ainda ao aluno surdo o atendimento educacional especializado</p><p>em turno diferenciado para o desenvolvimento de complementação curricular,</p><p>com utilização de equipamentos e tecnologias de informação. Para garantir</p><p>o atendimento educacional especializado das pessoas surdas, a partir desse</p><p>mesmo decreto, a Libras foi incluída como disciplina curricular obrigatória nos</p><p>cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível</p><p>médio e superior; por isso, também, explica -se a presença dessa nova unidade</p><p>temática em seu curso de graduação.</p><p>Nesse sentido, no primeiro capítulo, intitulado “A abordagem socioantropológica</p><p>da cultura surda”, você terá oportunidade de refletir sobre as especificidades lin-</p><p>guísticas e culturais da pessoa surda; conhecer um pouco da trajetória histórica,</p><p>dos modelos educacionais vigentes e da legislação específica que respalda o</p><p>processo de inclusão educacional e social do surdo. O capítulo contribuirá para</p><p>que identifique os fundamentos filosóficos e socioantropológicos que alicerçam</p><p>UNIUBE IX</p><p>os projetos envolvendo a educação de surdos. Além disso, possibilitará a aná-</p><p>lise das relações de saberes e poderes, estabelecidas entre surdos e ouvintes,</p><p>bem como a relevância que o aprendizado da língua de sinais representa para</p><p>o desenvolvimento linguístico, afetivo e cognitivo</p><p>o microfone que fica com o pro-</p><p>fessor ao AASI do aluno com deficiência auditiva. A proximidade do microfone</p><p>do FM transmissor do lábio do falante (no caso, o professor), de 10 a 20 cm,</p><p>assegura que o sinal de fala chegue ao microfone do AASI do aluno mais intenso</p><p>que o ruído de fundo, possibilitando uma relação sinal ruído de 15 a 20 dB, o</p><p>que não seria possível apenas com o AASI ou IC.</p><p>Existem modelos mais complexos, nos quais o receptor do FM contém o mi-</p><p>crofone ambiental que capta todos os sons ao redor, como também vozes de</p><p>pessoas que não estejam utilizando o FM transmissor, possibilitando ao usuário</p><p>participar de atividades em grupo, ouvir sua própria voz e monitorá -la (BEVILA-</p><p>CQUA; FORMIGONI, 2000).</p><p>Essa tecnologia é considerada, por alguns profissionais, a mais importante e</p><p>essencial ferramenta educacional já desenvolvida para alunos com deficiência</p><p>auditiva e é um recurso já utilizado em escolas brasileiras. Entretanto, o sis-</p><p>tema FM ainda não representa a realidade para maioria dos nossos alunos do</p><p>ensino público, seja por falta de conhecimento ou, principalmente, por falta de</p><p>interesse de investimento, em virtude do seu custo relativamente alto para os</p><p>nossos padrões. Isso faz com que sejam encontrados com maior frequência</p><p>em instituições de ensino superior e centros de especializados de reabilitação</p><p>com abordagem oral. Vale ressaltar que este tipo de sistema também beneficia</p><p>significativamente os alunos com desordem do processamento auditivo.</p><p>3.7.3 Implante coclear (IC)</p><p>O implante coclear é um dispositivo eletrônico inserido cirurgicamente, que es-</p><p>timula diretamente o nervo auditivo, por meio de pequenos eletrodos que são</p><p>colocados dentro da cóclea, permitindo a transmissão do sinal elétrico para o</p><p>UNIUBE 75</p><p>nervo, que o levará para o cérebro, a fim de ser decodificado pelo córtex cerebral.</p><p>É um aparelho muito sofisticado, que foi uma das maiores conquistas na área da</p><p>Engenharia ligada à Medicina. Possibilitou que a ideia de “restaurar” a audição</p><p>deixasse de ser uma possibilidade futurística e se tornasse uma realidade.</p><p>ponto ‑chave</p><p>E qual a diferença entre o implante coclear e os aparelhos auditivos convencionais? Os</p><p>aparelhos de audição amplificam os sons. Contudo, se a pessoa não escuta nada não</p><p>adianta aumentar o som. Já o implante não aumenta os sons. Ele é um estimulador</p><p>elétrico, que capta o som do ambiente, o converte em sinal elétrico, e então o envia</p><p>ao cérebro – pela estimulação direta no nervo auditivo –, onde será interpretado como</p><p>som. Todo esse processo ocorre, portanto, sem a participação do sistema auditivo</p><p>periférico. O implante faz o papel de todo o ouvido.</p><p>Agora eu pergunto: se o IC e o AASI representam duas opções de dispositivos</p><p>diferentes, será qualquer pessoa com deficiência auditiva uma candidata a uti-</p><p>lizar o IC ou existem critérios de indicação de um ou outro dispositivo? Qual é</p><p>a opção, o AASI ou IC?</p><p>O IC, por se tratar de um procedimento invasivo, não é a primeira opção de</p><p>dispositivo eletrônico a ser indicada em casos de deficiência auditiva. Para que</p><p>sua indicação seja feita, o paciente deve passar por um processo de avaliação</p><p>complexo, que exige a atuação conjunta de uma equipe multidisciplinar, que con-</p><p>sidera não só aspectos físicos e cognitivos do paciente, mas também a situação</p><p>da dinâmica familiar. Qualquer condição que possa excluir a sua indicação deve</p><p>ser notada. Apesar dos amplos critérios de indicação, não são todos os pacien-</p><p>tes que se beneficiam. De modo geral, está indicado para pacientes que têm</p><p>surdez neurossensorial bilateral de grau severo a profundo e que não obtiveram</p><p>resposta satisfatória com o uso de AASIs. O tempo de surdez também é outro</p><p>fator importante: quanto mais tempo o paciente fica privado de escutar, mais</p><p>difícil será sua reabilitação. Caso a perspectiva de benefício seja muito limitada,</p><p>o dispositivo poderá não ser indicado, ainda que o interessado apresente defi-</p><p>76 UNIUBE</p><p>ciência auditiva neurossensorial profunda. Daí a necessidade de um minucioso</p><p>processo de avaliação. Complementando, é de fundamental importância que</p><p>o treinamento auditivo adequado seja realizado após a colocação do implante,</p><p>para que o usuário aprenda ou reaprenda a ouvir.</p><p>Conforme descrito no site da Grupo de Implante Coclear do Hospital das Clínicas</p><p>e Faculdade de Medicina da USP, no que concerne aos benefícios do implante:</p><p>[...] os estudos e o acompanhamento em longo prazo mostram</p><p>que os melhores resultados com o implante coclear são em</p><p>pacientes crianças, com implantação quando ainda são peque-</p><p>nas (até 2 anos e 11 meses). Nas crianças implantadas ainda</p><p>bebês, a aprendizagem da língua oral ocorre mais facilmente</p><p>e, em geral, o desenvolvimento é muito próximo ao de uma</p><p>criança ouvinte. Isso se os devidos suportes forem oferecidos.</p><p>Em crianças com idade superior a 4 anos os benefícios são</p><p>altamente dependentes do seu nível de desenvolvimento de</p><p>linguagem e cognição. Entende -se por adequado nível de de-</p><p>senvolvimento de linguagem a criança que, apesar da deficiên-</p><p>cia auditiva, tem boa capacidade de expressão e compreensão</p><p>de linguagem, independente da modalidade.</p><p>(GRUPO DE IMPLANTE COCLEAR DO HC-FMUSP. Dispo-</p><p>nível em: <http://www.implantecoclear.org.br/>. Acesso em:</p><p>27 mar. 2010.)</p><p>Esses aspectos, dentre outros, são importantes fatores prognósticos para per-</p><p>cepção de fala após um ano de IC.</p><p>A sensação auditiva ocorre em frações de segundos. Todo o processo inicia -se</p><p>no momento em que o microfone presente no componente externo capta o sinal</p><p>acústico e o transmite para o processador de fala, por meio de um cabo. Como</p><p>explanado na referência mencionada,</p><p>[...] o processador de fala seleciona e codifica os elementos</p><p>da fala, que serão reenviados pelos cabos para a antena</p><p>transmissora onde será analisado e codificado em impulsos</p><p>elétricos. Por meio de radiofrequência, as informações são</p><p>transmitidas por meio da pele (transcutaneamente), as quais</p><p>UNIUBE 77</p><p>serão captadas pelo receptor estimulador interno, que está sob</p><p>a pele. O receptor estimulador contém um “chip” que converte</p><p>os códigos em sinais eletrônicos e libera os impulsos elétricos</p><p>para os eletrodos intracocleares específicos, programados</p><p>separadamente para transmitir sinais elétricos, que variam em</p><p>intensidade e frequência, para fibras nervosas específicas nas</p><p>várias regiões da cóclea.</p><p>Após a interpretação da informação no cérebro, o usuário é capaz de experi-</p><p>mentar sensação de audição.</p><p>3.7.4 Implante auditivo de tronco encefálico (ABI)</p><p>O implante auditivo de tronco encefálico é uma prótese que pretende restaurar</p><p>a função auditiva de pessoas surdas cuja causa da surdez não permite que seja</p><p>realizado o implante coclear. Quando o paciente não possui a cóclea e o nervo</p><p>auditivo, não há alternativa a não seu estimular diretamente o núcleo do nervo</p><p>auditivo que fica no tronco cerebral. É o que se propõe a fazer este dispositivo</p><p>que é o primeiro equipamento especificamente desenhado para transmitir os</p><p>sons diretamente ao tronco cerebral sem a necessidade da cóclea e do nervo</p><p>auditivo (GRUPO DE IMPLANTE COCLEAR DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS E</p><p>FMUSP, 2010).</p><p>Em estudo de revisão de literatura, Santos e Tochetto (2007) descreveram que</p><p>a reabilitação nestes casos é lenta em decorrência da ativação gradativa dos</p><p>eletrodos. Logo, os candidatos em potencial precisam estar dispostos a aceitar</p><p>as limitações do dispositivo, estar altamente motivados a utilizá -los no seu dia a</p><p>dia, assim como devem ter disponibilidade para o acompanhamento intensivo,</p><p>requerido no primeiro ano após a cirurgia.</p><p>A maioria dos pacientes se beneficia do equipamento pelo aumento de atenção,</p><p>detecção e discriminação dos sons, que proporcionam a melhora significativa</p><p>da sua comunicação e qualidade de vida. O som ouvido por este implante é</p><p>sempre beneficiado pelo uso combinado de pistas de leitura orofacial (GRUPO</p><p>DE IMPLANTE COCLEAR DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS E FMUSP, 2010).</p><p>78 UNIUBE</p><p>Para finalizar, é sempre</p><p>importante que os profissionais envolvidos na educação</p><p>do deficiente auditivo comprometam -se a fazer uso diário, sistemático e efetivo</p><p>de estratégias que auxiliem a comunicação com o aluno em sala de aula, inde-</p><p>pendentemente do tipo de dispositivo que ele utilizar. É fato que a utilização de</p><p>tais estratégias, com assiduidade e rigor, está ligada a efetividade do desenvol-</p><p>vimento pedagógico e social.</p><p>3.8	 Educação	de	indivíduos	com	deficiência	auditiva</p><p>Em relação à situação educacional das pessoas com deficiência auditiva, existem</p><p>três perguntas que devem ser consideradas, na atualidade. A primeira delas diz</p><p>respeito a como elas devem ser ensinadas; a segunda questiona onde devemos</p><p>ensiná -las; enquanto a terceira busca sabe o que devemos ensiná -las.</p><p>A primeira pergunta, obviamente, aborda a controvérsia entre a linguagem oral e</p><p>a Língua Brasileira de Sinais. A segunda diz respeito às modalidades de ensino</p><p>ou à colocação acadêmica real desses estudantes. Já a terceira, relaciona -se</p><p>exatamente com o que deve ser ensinado a um aluno em qualquer dia típico de</p><p>aula (NORTHERN; DOWNS, 2005).</p><p>A consideração mais importante na educação dessas pessoas é que as respostas</p><p>a essas perguntas devem levá -las a superar as suas dificuldades em dominar</p><p>as habilidades de linguagem, visto que, nestes casos, é a barreira da linguagem</p><p>que se coloca, muitas vezes, entre elas e a realização completa de seu desen-</p><p>volvimento acadêmico, intelectual, emocional e social. O desenvolvimento da</p><p>linguagem, portanto, deve ser o objetivo primário desse trabalho (NORTHERN;</p><p>DOWNS, 2005).</p><p>É fato que, por muito tempo, nós fomos erroneamente levados a colocar a</p><p>linguagem oral como objetivo primário para as crianças deficientes auditivas,</p><p>nunca nos dando conta de que o enriquecimento de suas vidas pode ser sa-</p><p>crificado pela habilidade simples em expressar verbalmente as palavras. Mas</p><p>vamos pensar: Que palavras são essas? E em quais relações e contexto? O</p><p>objetivo primário na educação de um indivíduo com deficiência auditiva deve se</p><p>UNIUBE 79</p><p>desenvolver habilidades linguísticas e garantir o desenvolvimento da comuni-</p><p>cação por qualquer meio possível. A linguagem oral, em geral, é grandemente</p><p>desejada pelos familiares, educadores e outros profissionais, contudo, não</p><p>deve se tornar o fundamento dos esforços educacionais do indivíduo. Assim,</p><p>para aqueles cuja deficiência auditiva possibilita o desenvolvimento pleno da</p><p>linguagem oral, sem que seu desenvolvimento cognitivo e emocional seja preju-</p><p>dicado, essa possibilidade não pode ser negada. Caso contrário, o objetivo de</p><p>desenvolver a fala/linguagem deve ser secundário ao objetivo de desenvolver</p><p>uma forte base linguística, que possa ser adquirida espontaneamente, como</p><p>é o caso da Libras (NORTHERN; DOWNS, 2005).</p><p>A família, particularmente os pais, é a parte mais importante do sistema de</p><p>apoio no processo educacional. Ela precisa estar inerentemente envolvida em</p><p>todas as decisões em relação ao seu filho. Os pais de uma criança, recen-</p><p>temente diagnosticada, lidam com a difícil tarefa de decidir qual modalidade</p><p>de comunicação servirá de base para o desenvolvimento e aprendizagem do</p><p>seu filho. É uma escolha sempre muito difícil, especialmente quando falamos</p><p>de pais ouvintes. Inicialmente, as desvantagens da Libras são óbvias para os</p><p>pais. Pelo fato de não ser a língua usada pela sociedade e pela família, eles</p><p>acreditam que seu filho terá dificuldade de se comunicar com os outros e, na-</p><p>turalmente, também se preocupam com o fato de ter que aprender uma nova</p><p>língua para que tenham condições de se comunicar com ele. Inicialmente, ela</p><p>é vista como fator de exclusão social. Ao mesmo tempo, podem se sentir inse-</p><p>guros em relação aos resultados incertos de serem alcançados na língua oral.</p><p>É certo que para algumas crianças a aquisição da fala é um objetivo possível;</p><p>porém, para outras será necessário aceitar uma menor competência, talvez</p><p>insuficiente para que sua aprendizagem ocorra de forma plena. Todas essas</p><p>dúvidas, faltas de esclarecimentos, medos e angústias precisam, portanto, ser</p><p>minimizados, para que as escolhas feitas sejam as mais coerentes possíveis,</p><p>de modo a assegurar que a criança atinja o máximo de suas capacidades</p><p>educacionais.</p><p>Por muitos e muitos anos, a atenção dos profissionais foi dedicada integralmente</p><p>à criança e pouca ênfase foi dada aos pais. É evidente que as famílias precisam</p><p>80 UNIUBE</p><p>de assistência. Felizmente, nos últimos anos, surgiram programas de habilitação</p><p>voltados para elas. Qualquer que seja o programa educacional em que o sujeito</p><p>esteja inserido, os pais devem receber suporte emocional que os ajude a reco-</p><p>nhecer, aceitar e compreender as necessidades educacionais de seu filho, para</p><p>que possam auxiliar neste processo. É função de todos os profissionais envolvidos</p><p>oferecer o conforto e a confiança necessária para que os melhores resultados</p><p>possíveis sejam alcançados. Esses resultados devem ser o desenvolvimento de</p><p>uma autoconfiança da criança, uma forte autoestima e a capacidade de se rela-</p><p>cionar bem com pessoas nos diversos ambientes (NORTHERN; DOWNS, 2005).</p><p>importante!</p><p>Outro aspecto importante ao se avaliar as possibilidades educacionais diz respeito à</p><p>identificação cultural (NORTHERN; DOWNS, 2005). As crianças têm necessidades</p><p>culturais. A cultura é o conhecimento que dá aos indivíduos uma compreensão com-</p><p>partilhada do mundo, além da aceitação de comportamentos e valores. A cultura nos</p><p>possibilita saber o que é esperado e previsto, assim como permite que os indivíduos</p><p>avaliem seu lugar dentro de seu grupo. Muito frequentemente, na ausência de uma</p><p>orientação ou de uma intervenção cuidadosa, a pessoa com deficiência auditiva pode</p><p>se tornar isolada da família e dos amigos. Esses problemas sociais complicam o</p><p>seu desenvolvimento. Crianças filhas de pais ouvintes podem sofrer rejeição ou não</p><p>aceitação dentro da própria casa. Nas escolas e classes comuns, quando a inclusão</p><p>não acontece, duas situações podem ser observadas. As crianças, frustradas, podem</p><p>apresentar problemas comportamentais em toda sua fase escolar, como também</p><p>podem desenvolver fortes laços emocionais e de lealdade entre si como alunos, o</p><p>que os leva a comunidades exclusivas de surdos quando adultos.</p><p>Portanto, tanto o ambiente doméstico quanto o escolar devem estar em constante</p><p>avaliação e todos os envolvidos devem estar cientes de que é preciso flexibilidade</p><p>para proceder aos ajustes necessários. Não é justo forçar uma pessoa em uma relação</p><p>de grupo na qual sua deficiência auditiva seja um detrimento tal que ela não possa</p><p>competir ou ser aceita completamente. Ela deve estar em um ambiente no qual a</p><p>comunicação possa ser obtida com sucesso, sem estresse ou censura. O equilíbrio</p><p>emocional é essencial para qualquer êxito no alcance dos objetivos educacionais</p><p>desejados para a pessoa deficiente auditiva (NORTHERN; DOWNS, 2005).</p><p>UNIUBE 81</p><p>Embora um enorme esforço de pesquisa tenha sido gasto</p><p>para determinar a melhor proposta educacional para o</p><p>deficiente auditivo, os resultados globais ainda são incon-</p><p>sistentes, ainda que tenham nos proporcionado grande</p><p>colaboração. Alguns estudos mostraram superioridade de</p><p>programas auriorais, enquanto outros obtiveram conclu-</p><p>sões contrárias. Obviamente, inúmeros fatores objetivos</p><p>e subjetivos, que podem ou não estar inter -relacionados,</p><p>influenciam os resultados. A seguir, algumas breves con-</p><p>siderações serão feitas.</p><p>De acordo com a abordagem oralista, a criança com deficiência auditiva deve re-</p><p>ceber a oportunidade de se comunicar por meio da linguagem oral. A estimulação</p><p>auditiva possibilitaria a aprendizagem da língua portuguesa e levaria a criança</p><p>surda a integrar -se na comunidade ouvinte e desenvolver a personalidade como</p><p>a de um ouvinte (ERNESTINO et al., 2006). Em busca desse objetivo foram de-</p><p>senvolvidas várias metodologias de oralização, sendo que todas se baseiam no</p><p>ensino da língua oral e não aceitam os sinais e/ou gestos. Essas metodologias</p><p>preconizam que os indivíduos que se tornarão bons ouvintes também devem</p><p>usar sua visão para se tornarem bons em leitura orofacial. É primordial o uso</p><p>de dispositivos eletrônicos individuais ou de frequência modulada (FM) e</p><p>um trabalho de educação auditiva precoce. Esse processo, todavia, é lento e</p><p>demorado. Depende da participação efetiva da família, do terapeuta, da criança</p><p>e da escola. Quando todas essas exigências são atendidas o resultado pode</p><p>ser muito bom.</p><p>A comunicação total preocupa -se em estabelecer comunicação efetiva entre</p><p>surdos e surdos, assim como surdos e ouvintes. Para que ela possa se estabe-</p><p>lecer, os interlocutores podem lançar mão de vários códigos, sejam eles orais e/</p><p>ou manuais, como a datilologia, português sinalizado, língua artificial que utiliza</p><p>o léxico da língua de sinais com a estrutura sintática do português, entre outros.</p><p>O uso dos códigos manuais simultaneamente com os códigos orais e seguindo a</p><p>estrutura da língua oral é chamado bimodalismo. Alguns autores afirmam que o</p><p>uso da comunicação total favoreceu mais os pais e professores ouvintes do que</p><p>Auriorais</p><p>O método aurioral</p><p>representa uma</p><p>opção de trabalho</p><p>junto às crianças com</p><p>deficiência auditiva</p><p>na atuação clínico-</p><p>-terapêutica, que</p><p>prioriza a utilização</p><p>da via sensorial</p><p>auditiva para o</p><p>desenvolvimento das</p><p>habilidades orais nos</p><p>deficientes auditivos.</p><p>82 UNIUBE</p><p>os alunos com deficiência auditiva (ERNESTINO et al., 2006). Dentro da abor-</p><p>dagem bilíngue espera -se que o surdo desenvolva a Libras como sua primeira</p><p>língua e a língua oficial de seu país como segunda língua, seja na modalidade</p><p>oral ou escrita. Essa aquisição pode ocorrer por meio do convívio com a comu-</p><p>nidade surda ou dentro de um programa educacional bilíngue (ERNESTINO et</p><p>al., 2006). Na educação de surdos, o bilinguismo é, portanto, o fato de o surdo</p><p>ser usuário de duas línguas. O paradigma de tratamento é quebrado e se es-</p><p>tabelece a ideia de educação de surdos. Educar nesta proposta é cuidar para</p><p>que se torne possível garantir que os processos naturais de desenvolvimento</p><p>do indivíduo surdo sejam preservados.</p><p>importante!</p><p>Apesar de todas as controvérsias presentes na literatura, a única certeza que temos</p><p>é que nenhuma metodologia única funciona para todas as crianças com deficiência</p><p>auditiva – surdez. Neste sentido, algumas tendências são observadas e descritas na</p><p>literatura, particularmente, por Bevilacqua e Formigoni (2000). Além do grau e do tipo</p><p>de deficiência auditiva, os parâmetros utilizados para tais definições são a capacidade</p><p>de utilização da audição residual e a atitude comunicativa, observando -se o padrão</p><p>de relação que o indivíduo apresenta com o meio ambiente.</p><p>1. Crianças que respondem a sons de fala sem AASI: são os casos que geralmente</p><p>têm benefícios com AASI não muito potente, em que o atendimento especializado</p><p>apresenta resultado em curto prazo. A opção metodológica para o atendimento es-</p><p>pecializado é a abordagem aurioral, em escolas comuns.</p><p>2. Crianças que respondem a sons de fala apenas com AASI: trata -se de crianças que</p><p>geralmente têm benefícios com amplificação média ou mais potente; que, dependendo</p><p>da evolução, utilizam -se pistas de leitura orofacial (capacidade de entender a palavra</p><p>falada por outra pessoa por meio dos movimentos dos lábios aliados à expressão</p><p>facial); em que inicialmente a opção metodológica para o atendimento especializado</p><p>pode ser aurioral. O atendimento especializado apresenta resultado em médio prazo</p><p>e sua evolução depende de inúmeros fatores, como: bom relacionamento entre te-</p><p>rapeuta, família e escola, disponibilidade familiar da criança, capacidade cognitiva,</p><p>etiologia da patologia da audição, época do diagnóstico. Conforme essa tendência,</p><p>essas crianças podem frequentar escola comum, desde que haja um trabalho</p><p>em conjunto entre escola e terapeuta.</p><p>UNIUBE 83</p><p>3. Crianças que não respondem a sons de fala com AASI: as crianças que não apre-</p><p>sentam um comportamento auditivo bem delineado no início do trabalho vão exigir</p><p>muito mais da sensibilidade e da competência do terapeuta para a escolha do caminho</p><p>supostamente mais adequado. Para essas crianças, a autora propõe o que deno-</p><p>minou prova terapêutica. Durante seis a oito meses, o especialista deve intensificar</p><p>o aprendizado da capacidade auditiva da criança, por meio de inúmeras vivências</p><p>com as mais diversas fontes sonoras, procurando desenvolver ao máximo a função</p><p>auditiva. Após o trabalho intensivo de audição durante alguns meses, avalia -se como</p><p>a criança em questão utiliza suas potencialidades e como vai estabelecendo suas</p><p>relações com a ajuda do dispositivo eletrônico e das pessoas diretamente envolvidas</p><p>no trabalho. Observa -se que as crianças que se beneficiam do dispositivo eletrônico,</p><p>passando a responder a sons verbais durante o trabalho auditivo, poderão ser en-</p><p>caminhadas	à	escola	comum	(nesta	situação,	a	opção	metodológica	pode	ser	a</p><p>abordagem aurioral). Caso contrário, deverão ser encaminhadas a uma escola</p><p>especial para surdos.</p><p>4. Crianças que não respondem a sons ambientais com AASI: caso seja possível,</p><p>essas crianças também são candidatas ao implante coclear. Cabe lembrar que as</p><p>crianças que inicialmente não respondem a sons ambientais com AASI, após algum</p><p>tempo de trabalho, poderão se desenvolver bem. Porém, dentro desse grupo, ape-</p><p>nas uma minoria conseguirá um bom padrão de voz e linguagem oral. Dependendo</p><p>do resultado obtido, a abordagem pode ser aurioral (considerando aqui as crianças</p><p>implantadas com sucesso) ou bilinguismo.</p><p>É preciso esclarecer que as situações descritas acima não constituem uma re-</p><p>gra. A massificação da educação em qualquer situação não faz sentido. O meio</p><p>pelo qual se levará uma criança a construir e a desenvolver seu potencial para</p><p>a aprendizagem é importante. É fundamental que a escolha seja feita visando</p><p>o melhor para ela e que, acima de tudo, os pais façam a escolha metodológica</p><p>confiando e participando do método escolhido.</p><p>84 UNIUBE</p><p>3.9 Estratégias comunicativas e adaptações em sala</p><p>de aula</p><p>A atuação com o aluno deficiente auditivo ou com outros comprometimentos</p><p>auditivos requer que as pessoas que convivem com ele tenham condutas que</p><p>favoreçam e auxiliem o seu desenvolvimento. Pais, terapeutas e professores,</p><p>todos devem procurar ter condutas coerentes, e, principalmente, habilidade,</p><p>sensibilidade e flexibilidade, em situações de vida diária e escolar, para adaptá-</p><p>-las às diferenças de cada um. A escola, antes de tudo, deve estar disponível</p><p>à inclusão e orientação, promovendo as adaptações necessárias e gerando</p><p>condições de permanência e aproveitamento do aluno em sala de aula.</p><p>3.9.1 Estratégias comunicativas</p><p>O aspecto da comunicação é, sem dúvida, a questão central no processo ensino-</p><p>-aprendizagem. O professor deverá, portanto, oferecer ao seu aluno experiências</p><p>significativas com a linguagem, desenvolvendo uma pedagogia apropriada e</p><p>estando atento a todas as formas de manifestação expressas por ele para que</p><p>tenha a compreensão de como seu pensamento se processa ou de que forma</p><p>poderá ter acesso ao seu funcionamento intelectual. Isso porque, em nossa rea-</p><p>lidade, nos deparamos com uma diversidade de alunos com deficiência auditiva,</p><p>com diferentes realidades no que diz respeito à comunicação. Existem alunos</p><p>que experimentaram propostas terapêutico -educacionais oralistas, alunos que</p><p>construíram a identidade surda e que têm a Libras – Língua Brasileira de Sinais</p><p>como primeira língua e, como segunda, a língua portuguesa na modalidade oral</p><p>e/ou escrita, bem como alunos que não tiveram acesso a programas de reabilita-</p><p>ção ou educacionais, não estabelecendo nenhuma forma de comunicação além</p><p>de gestos caseiros. Logo, se as atividades propostas não forem mediadas por</p><p>um veículo de comunicação acessível, todo o processo de ensino -aprendizagem</p><p>estará comprometido (BUFFA, 2006).</p><p>UNIUBE 85</p><p>ponto ‑chave</p><p>Um professor deve ter conhecimento de como e o que falar. Em contrapartida, para</p><p>os</p><p>alunos que se comunicam por Libras, deverá contar com a ajuda do intérprete,</p><p>além de ser recomendável, também, que procure ampliar seus conhecimentos sobre</p><p>essa língua, sobre a função do intérprete em sala de aula, além de buscar conheci-</p><p>mentos sobre as estratégias educacionais e de comunicação apropriadas para cada</p><p>aluno. Atenção: a seguir, algumas estratégias gerais sobre uso da voz, articulação,</p><p>atenção, expressões e comunicação, segundo Bevilacqua e Formigoni (2000) serão</p><p>apresentadas.</p><p>Faz -se importante destacar que muitas delas têm aplicabilidade para qualquer</p><p>aluno com deficiência auditiva e outros comprometimentos auditivos, independen-</p><p>temente de sua faixa etária, escolaridade e modalidade de comunicação utilizada.</p><p>Procure falar de forma clara, um pouco mais devagar do que o normal, usando</p><p>articulação normal e não exagerada. Falar alto faz com que a voz se torne inin-</p><p>teligível e a articulação forçada. Por isso, use a voz com intensidade normal.</p><p>Os padrões de entonação, ritmo, duração e intensidade dos sons das palavras</p><p>e frases podem ser percebidos auditivamente trazendo muitas informações de</p><p>caráter emocional. Fale próximo do aluno. À medida que nos afastamos dele o</p><p>som fica menos intenso. O ruído de fundo deve ser o menor possível, já que é</p><p>muito difícil para quem tem algum comprometimento no sistema auditivo ouvir</p><p>em sua presença (não só os deficientes auditivos).</p><p>Quando a intenção for chamar a atenção do aluno, use primeiramente a voz. É</p><p>preciso dar -lhe chance de usar sua audição. Procure chamá -lo pelo nome umas</p><p>três vezes. Caso não responda, utilize recursos visuais e diga -lhe que o chamou.</p><p>Evite tocá -lo, puxá -lo ou agarrá -lo para conseguir sua atenção. Nenhuma pessoa</p><p>gosta desse tipo de atitude. Ao falar com ele ou produzir qualquer ruído, dê um</p><p>tempo para que a informação auditiva seja processada. A espera é fundamental.</p><p>O silêncio e a pausa também têm conteúdo comunicativo. Desenvolva a atenção</p><p>auditiva e a comunicação oral nas atitudes do dia a dia, aproveitando as ativida-</p><p>86 UNIUBE</p><p>des de rotina para fazê -lo perceber os diferentes tipos de som. Os sons devem</p><p>ser significativos. Caso não sejam, ele aprende a ignorá -los. Aproveite todas as</p><p>oportunidades para falar com o aluno no momento exato em que ele solicita,</p><p>falando sobre o que ele esta interessado no momento. Também procure ampliar</p><p>os seus interesses gradativamente. Seja sensível à capacidade de atenção do</p><p>aluno. É importante sempre termos em mente que uma criança com deficiência</p><p>auditiva com dois, três ou quatro anos, por exemplo, pode ser um bebê auditiva e</p><p>linguisticamente, visto que a sua idade auditiva (e a sua capacidade de atenção,</p><p>também) corresponde ao tempo em que está fazendo uso de algum dispositivo</p><p>eletrônico que permita o seu acesso ao mundo sonoro. Sendo assim, ela ainda</p><p>está aprendendo a ouvir, por isso, necessita ser tratada de acordo. Portanto,</p><p>para reconhecer e saber lidar com esta situação, a sensibilidade é de extrema</p><p>importância.</p><p>Permita que o aluno com deficiência auditiva veja seu rosto de frente. Fique</p><p>em ambientes claros. Não cubra a boca com as mãos. A leitura orofacial re-</p><p>presenta um recurso importantíssimo de comunicação para deficiente auditivo.</p><p>Mastigar chiclete, comer, colocar objetos na boca, assim como outras atitudes</p><p>que prejudiquem a visualização do rosto (barba, bigode, óculos de sol) podem</p><p>comprometer o entendimento das informações e prejudicar a aprendizagem. Use</p><p>expressões faciais ricas e entonações que correspondam às ações, para que as</p><p>mensagens não se tornem confusas. Use gestos naturais com as mãos. Eles</p><p>não substituem a linguagem, mas como a comunicação envolve movimentos</p><p>do corpo, mímica, expressão facial, esses recursos podem ser utilizados como</p><p>apoio para que a comunicação se estabeleça.</p><p>É preciso que os professores estejam atentos e entendam as atitudes de comu-</p><p>nicação do aluno. Esta medida e imprescindível, especialmente para professores</p><p>que atuam com a Educação Infantil. Lembre -se de que, antes das primeiras</p><p>palavras, inúmeros comportamentos comunicativos já estão presentes e devem</p><p>ser respondidos efetivamente, de modo a encorajar a criança em suas tentativas</p><p>de comunicação. Quando se tenta entender uma criança, ela percebe que, ao</p><p>se comunicar, alguma coisa acontece. As respostas às tentativas de comunica-</p><p>ção podem ser dadas por meio de um sorriso, palavras, gestos com a cabeça.</p><p>UNIUBE 87</p><p>Independentemente da modalidade, sempre responda a sua comunicação.</p><p>Enfatize as imitações. Geralmente, as crianças gostam de fazer imitações. Por-</p><p>tanto, incentive a imitação de sons produzidos por animais, meios de transporte,</p><p>eletrodomésticos etc. Use repetições. A criança deve ouvir uma mesma palavra,</p><p>várias vezes, em diferentes situações, para entendê -la. Não se esqueça de que</p><p>as aprendizagens, em geral, são adquiridas no cotidiano. Logo, comunique -se</p><p>por meio de um contexto significativo, que permitirá a generalização das ativi-</p><p>dades naturalmente.</p><p>Principalmente com crianças, não use diminutivos ou fala infantilizada. Os dimi-</p><p>nutivos tornam as palavras mais extensas e faz com que todas tenham a mesma</p><p>terminação, dificultando o entendimento das mensagens e aquisição de vocabu-</p><p>lário. Também não se esqueça de que a comunicação envolve falante e ouvinte</p><p>em trocas de turno conversacionais. É natural de qualquer adulto, ao lidar com</p><p>crianças com alguma dificuldade no desenvolvimento da linguagem, adotar uma</p><p>postura ansiosa, que nos leva a verbalizar o tempo todo. É importante respeitar</p><p>as trocas de comunicação. Dê ao aluno um tempo para que possa processar</p><p>a mensagem e respondê -la. Crie pausas com expectativa para encorajar sua</p><p>resposta. O silêncio também é comunicação.</p><p>Use sentenças pequenas e simples para facilitar a compreensão dos enunciados.</p><p>Com alunos maiores, uma estratégia eficaz é pedir que repitam os comandos dados,</p><p>para que ambos, professor e aluno, estejam seguros de que a compreensão da</p><p>informação foi atingida e para que o professor consiga avaliar o nível de resposta</p><p>do aluno. Caso verifique que ele tenha dificuldade em alguma atividade particular,</p><p>trabalhe com algo mais básico. Só trabalhe com uma tarefa específica caso sinta</p><p>que o aluno tenha condições para desenvolvê -la. O aprender deve motivar o aluno</p><p>e não trazer frustrações! Tratando -se também de criança, caso não entenda o que</p><p>ela tentou falar, não tenha medo de dizer que não entendeu. Ao dizer -lhe que não</p><p>foi entendida, ela provavelmente tentará melhorar a sua produção de fala e também</p><p>aprenderá a utilizar a mesma estratégia caso não entenda o outro.</p><p>Repita as mensagens, sempre que necessário, quando perceber que o aluno</p><p>não compreendeu. Caso não haja a compreensão da mensagem, devemos</p><p>88 UNIUBE</p><p>simplificá -la, utilizando frases mais simples ou curtas, ou, também, usar sinôni-</p><p>mos ou expressões correspondentes. Esta última estratégia também favorece o</p><p>desenvolvimento lexical. Em atividades orais em sala de aula, a delimitação das</p><p>possibilidades de resposta para o aluno pode ser muito útil. Formule a pergunta</p><p>já apresentando as alternativas de resposta.</p><p>Na sala de aula, dependendo do nível de escolaridade em que estiver atuando,</p><p>ou mesmo em todo o ambiente escolar, também é interessante esclarecer aos</p><p>demais professores e colegas as necessidades do aluno deficiente auditivo. O</p><p>esclarecimento, em geral, desperta sentimentos de compreensão, amizade e</p><p>solidariedade, muito importantes para a integração de todos.</p><p>3.9.2 Adaptações em sala de aula</p><p>As adaptações podem ser de duas naturezas: adaptações dos objetivos peda-</p><p>gógicos e adaptações no ambiente físico da sala de aula.</p><p>Os objetivos pedagógicos devem ser adaptados, quando ne-</p><p>cessário, de forma a adequá -los às características e condições</p><p>dos alunos. É importante que determinados objetivos sejam</p><p>priorizados, a partir da análise do conhecimento já apreendido</p><p>pelo aluno e do grau de importância referido objetivo para o</p><p>seu desenvolvimento</p><p>e para o aprendizado do que lhe é signi-</p><p>ficativo. Em relação à avaliação, não é aconselhável que os</p><p>resultados das provas periódicas sejam supervalorizados em</p><p>detrimento do processo de construção de conhecimento do</p><p>aluno. Ao avaliar o conhecimento adquirido é importante que</p><p>sejam utilizados critérios compatíveis com as características</p><p>específicas do educando. Mais uma vez, é importante que os</p><p>professores desenvolvam sua sensibilidade e capacidade de</p><p>observação, para analisar a evolução ou dificuldades apresen-</p><p>tadas no processo de construção do conhecimento e aproveitá-</p><p>-las, como sinalizadores para os necessários ajustes nas ações</p><p>pedagógicas (BUFFA, 2006).</p><p>Com relação à análise das produções escritas, algumas con-</p><p>siderações também são relevantes. Devido à defasagem</p><p>linguística relacionada à língua portuguesa, os textos podem</p><p>apresentar falhas em todos os níveis: fonológico, semântico,</p><p>morfossintático e pragmático. Os alunos que se comunicam</p><p>UNIUBE 89</p><p>pela Libras podem apresentar “erros” decorrentes da interfe-</p><p>rência de sua primeira língua e da sobreposição das regras</p><p>da língua que está aprendendo, produzindo textos distantes</p><p>do padrão da língua portuguesa. Visto isso, a forma da lingua-</p><p>gem deve ser avaliada com flexibilidade, não devendo haver</p><p>muita exigência em relação aos elementos coesivos e também</p><p>de conjugação verbal, por exemplo. Ao contrário, devem ser</p><p>valorizados o conteúdo (nível semântico -lexical), o aspecto</p><p>cognitivo da linguagem, a coerência e a sequência lógica das</p><p>ideias (BUFFA, 2006).</p><p>Ademais, o assento preferencial para diferentes tipos de atividades a serem</p><p>realizadas; o uso do sistema FM; a checagem e auxílio para a compreensão</p><p>do que foi dito pelo professor e pelos colegas de classe; o fornecimento prévio</p><p>do material sobre o tema a ser desenvolvido na aula; provas adaptadas às ne-</p><p>cessidades do aluno; são algumas sugestões que podem auxiliar o trabalho do</p><p>professor na promoção das adaptações necessárias para o aluno com compro-</p><p>metimentos no sistema auditivo (BUFFA, 2006; GARCIA, 2006b).</p><p>Dentro de sala de aula existem alguns fatores que prejudicam a acústica, como</p><p>o ruído de fundo, a reverberação e a distância da fonte sonora. Estas questões</p><p>constituem um grande desafio ao entendimento de fala em ambiente escolar,</p><p>desafio este ainda mais significativo quando temos em sala de aula uma criança</p><p>com deficiência auditiva ou com outros comprometimentos dessa natureza (vocês</p><p>se recordam das crianças com transtorno no processamento auditivo?).</p><p>A relação sinal/ruído é a diferença do nível sonoro entre o sinal (voz do pro-</p><p>fessor) e o ruído da sala (barulho). Quanto maior a relação sinal/ruído, maior</p><p>a inteligibilidade da fala. Quanto menor (ruído maior que a fala do professor),</p><p>mais difícil será a compreensão. O nível sonoro diminui quando a distância da</p><p>fonte sonora (voz do professor) aumenta. O som da fala diminui 6 dB a cada</p><p>vez que se dobra a distância do professor (GARCIA, 2006b). Agora vamos ima-</p><p>ginar um aluno com algum comprometimento auditivo no fundo da sala de aula</p><p>e o professor na frente, com uma fonte de ruído próxima. É evidente que esse</p><p>aluno terá grande dificuldade para compreender a fala, não é mesmo? Além de</p><p>incomodar, o ruído causa uma quebra na comunicação, comprometendo a com-</p><p>preensão dos conteúdos ensinados. A distância em relação ao professor agrava</p><p>90 UNIUBE</p><p>ainda mais a situação, além de prejudicar a leitura orofacial, inclusive. Os alunos</p><p>com alteração na função auditiva deverão ter local preferencial na sala de aula.</p><p>Um outro problema comum é a reverberação (GARCIA, 2006b), que são ecos</p><p>discretos que podem acontecer em salas de aula resultantes da reflexão dos</p><p>sons. Quando a voz do professor ecoa continuamente na sala, cada eco irá</p><p>interferir na compreensão da próxima palavra, fazendo com que a explicação</p><p>fique mais difícil de ser entendida. Existem algumas maneiras de reduzir a re-</p><p>verberação em sala de aula, por meio de modificações na estrutura física, as</p><p>quais para serem realizadas, dependerão do interesse das escolas e da ajuda</p><p>do profissional qualificado.</p><p>3.10 Conclusão</p><p>Prezados alunos, esperamos que a leitura destas páginas tenha sido válida e</p><p>contribuído para a formação de vocês. É claro que, devido ao curto espaço,</p><p>cada assunto foi tratado de maneira generalizada, mas sempre com o intuito</p><p>de possibilitar uma base para que vocês tenham condições de aprofundar o</p><p>conhecimento proporcionado em futuras pesquisas. Essa busca depende do</p><p>interesse de vocês. As fontes de informação estão cada vez mais acessíveis a</p><p>todos. De qualquer modo, esperamos que os temas, aqui abordados, tenham</p><p>despertado o seu interesse pelo assunto.</p><p>O que pretendemos mostrar aqui, dentre outros aspectos, é a importância que</p><p>o ambiente escolar representa no processo de ensino -aprendizagem dos indi-</p><p>víduos com comprometimentos auditivos. Nesse contexto, é necessário que os</p><p>profissionais que com eles lidam procurem, cada um na sua área e de forma</p><p>integrada, criar recursos que favoreçam o desenvolvimento dessas pessoas.</p><p>Especialmente em tempos de inclusão, temos que desenvolver a consciência</p><p>de que apenas inserir o aluno no ensino regular não garante que ela aconteça.</p><p>Muito pelo contrário, pode ser o início de uma sequência desagradável de fatos,</p><p>com o poder de resultar no abandono escolar. Portanto, os professores devem</p><p>se sentir muito a vontade dentro da equipe de apoio, assumindo seu papel com</p><p>segurança. Toda e qualquer dúvida deve ser sanada. É imprescindível que per-</p><p>UNIUBE 91</p><p>guntem sempre o que necessitam saber e que discutam, frequentemente, sobre</p><p>o desempenho desses alunos com os profissionais da área da saúde envolvidos.</p><p>Assim como qualquer pessoa, é comum que o indivíduo com comprometimen-</p><p>tos auditivos tenha necessidades educacionais especiais em algum momento</p><p>da vida. Os profissionais deverão ter sensibilidade e competência técnica para</p><p>detectar estes momentos e incluí -lo em um processo educacional adequado</p><p>às suas necessidades. Vencendo este desafio, estaremos contribuindo para</p><p>reajustar a sociedade, tornando -a acolhedora para todos, indiscriminadamente,</p><p>com qualidade e igualdade de condições.</p><p>Resumo</p><p>Há muito tempo, sabe -se que a audição desempenha um papel muito impor-</p><p>tante na aprendizagem e que qualquer comprometimento neste sistema poderá</p><p>repercutir negativamente sobre este processo. Sabe -se também que o desen-</p><p>volvimento escolar satisfatório de educandos com necessidades educacionais</p><p>especiais depende fundamentalmente de professores capacitados e interessados</p><p>no trabalho com tais alunos. Com o objetivo de maximizar a capacitação destes</p><p>profissionais e atrair a sua atenção para o tema este material foi elaborado.</p><p>Este capítulo, “A audição e o processo de ensino -aprendizagem”, procura</p><p>introduzir informações para que os educadores entendam os mecanismos en-</p><p>volvidos com a audição e com o desenvolvimento da linguagem e da fala; para</p><p>que conheçam as implicações clínicas e educacionais decorrentes dos quadros</p><p>de deficiência auditiva/surdez, assim como de outros transtornos relacionados</p><p>ao desenvolvimento auditivo; para que compreendam a origem das possíveis</p><p>dificuldades e necessidades enfrentadas por seus alunos, e assim, tenham</p><p>condições de promover estratégias que busquem minimizar os obstáculos na</p><p>aprendizagem e que sejam coerentes com as propostas educacionais dispo-</p><p>níveis. Oferece, ainda, recurso e motivação para que a parceria entre família,</p><p>educadores e profissionais da saúde seja reforçada.</p><p>92 UNIUBE</p><p>Ao fim do texto, o leitor compreenderá que para se alcançar o sucesso acadêmico</p><p>nestes casos, mudanças estruturais e pedagógicas consideradas individualmente</p><p>são necessárias. Também perceberá a relevância da atuação do educador, da</p><p>sua sensibilidade e competência técnica, na construção do conhecimento dos</p><p>alunos com deficiência auditiva.</p><p>Atividades</p><p>Atividade 1</p><p>Analise as afirmativas a seguir, considerando V para as alternativas verdadeiras</p><p>e F para as falsas:</p><p>I. A utilização sistemática do AASI é importante e suficiente para que a criança</p><p>desenvolva sua audição residual.</p><p>II. O grau da deficiência auditiva é o único fator a ser levado em consideração</p><p>na escolha da melhor opção educacional da criança com deficiência auditiva.</p><p>III. A opção inicial pelo oralismo, pelo bilinguismo, ou por qualquer outra alterna-</p><p>tiva educacional deve ser feita pelos pais. Cabe aos profissionais envolvidos</p><p>no processo educacional, orientá -los da melhor forma possível, para que</p><p>tomem decisões seguras.</p><p>IV. Qualquer que seja a metodologia educacional eleita pelos pais, o aprendi-</p><p>zado da Língua Portuguesa, seja na modalidade oral e/ou escrita, se faz</p><p>necessário, já que será, também, o meio de comunicação compartilhado</p><p>com a comunidade ouvinte.</p><p>V. O método oralista é considerado o mais adequado para a educação de</p><p>surdos, ou seja, todo indivíduo com surdez deve, a qualquer custo, se co-</p><p>municar e aprender por meio da linguagem oral.</p><p>A sequência correta é:</p><p>a) ( ) FFVVF</p><p>UNIUBE 93</p><p>b) ( ) VFVFV</p><p>c) ( ) FVFVF</p><p>d) ( ) FFVFV</p><p>e) ( ) VVVFF</p><p>Atividade 2</p><p>Analise as afirmativas a seguir, considerando V para as alternativas verdadeiras</p><p>e F para as falsas:</p><p>I. Considerando que em sua sala de aula existam alunos surdos que se co-</p><p>municam oralmente e utilizam a audição como via de aprendizagem, mas</p><p>também, alunos surdos que se comunicam por Libras e que não utilizam a</p><p>audição como via de aprendizagem, seria recomendável a utilização de am-</p><p>bas as formas de comunicação em sala de aula, podendo contar o professor</p><p>com o auxílio de um intérprete.</p><p>II. A presença do intérprete em sala de aula torna desnecessário que o pro-</p><p>fessor aprenda a Libras.</p><p>III. Adotar uma posição preferencial do aluno com deficiência auditiva em</p><p>sala de aula constitui uma alternativa eficiente para compensar os efeitos</p><p>da relação sinal/ruído e da distância em relação à fonte sonora. Por isso,</p><p>a posição preferencial não tem relevância para alunos usuários de Libras</p><p>que frequentam a escola regular.</p><p>IV. Desatenção, atraso no desenvolvimento da linguagem, trocas de sons na</p><p>fala, dificuldades para acompanhar a turma, dificuldades de compreensão</p><p>na presença de ruído, dificuldade para localizar sons são sintomas exclu-</p><p>sivos de deficiência auditiva bilateral.</p><p>V. O papel do ambiente escolar é de fundamental importância para o desen-</p><p>volvimento das habilidades auditivas, principalmente na educação infantil,</p><p>quando os professores devem proporcionar estímulos e atividades signifi-</p><p>94 UNIUBE</p><p>cativas do ponto de vista auditivo. Essas atividades também possibilitam</p><p>aos profissionais a percepção a respeito de como está se dando o desen-</p><p>volvimento auditivo de seus alunos, devendo aqueles tomarem as medidas</p><p>cabíveis sempre que sinais sugestivos de dificuldades forem identificados.</p><p>a) ( ) VVVFF</p><p>b) ( ) VVFFV</p><p>c) ( ) VFFFV</p><p>d) ( ) VVVFF</p><p>e) ( ) VFFVV</p><p>Atividade 3</p><p>Em relação à classificação dos diversos tipos de deficiência auditiva, analise as</p><p>afirmações, a seguir:</p><p>I. A classificação dos diferentes tipos de deficiência auditiva não tem impor-</p><p>tância prática, visto que podemos esperar implicações clínicas, terapêuticas</p><p>e educacionais padronizadas para todos os sujeitos com comprometimento</p><p>no desenvolvimento do sistema auditivo.</p><p>II. A afirmativa acima está errada, uma vez que encontramos diferentes ma-</p><p>nifestações no desenvolvimento infantil de acordo com a localização, grau,</p><p>origem e idade de aparecimento da deficiência auditiva.</p><p>III. Considerando a localização do comprometimento, a deficiência auditiva</p><p>divide -se em periférica e central, podendo ainda aquela ser subdividida em</p><p>condutiva, mista e neurossensorial.</p><p>IV. Podemos esperar manifestações diferentes ao comparar os casos de de-</p><p>ficiência auditiva pré -linguística e pós -linguística. Aquelas são geralmente</p><p>congênitas ou hereditárias, enquanto estas, adquiridas.</p><p>UNIUBE 95</p><p>V. As otites são causas comuns de problemas auditivos condutivos, principal-</p><p>mente em crianças. O quadro de sinais e sintomas apresenta as seguintes</p><p>características: história de infecção de ouvido com secreção; sensação de</p><p>líquido no ouvido; dor intensa; sensação de diminuição da audição; coceira;</p><p>febre; falta de apetite; distração; presença de zumbido.</p><p>Marque a alternativa correta:</p><p>a) ( ) Todas as alternativas estão corretas.</p><p>b) ( ) Apenas a afirmativa II está errada.</p><p>c) ( ) Apenas a alternativa I está errada.</p><p>d) ( )Todas as afirmativas estão incorretas.</p><p>e) ( ) Apenas a afirmativa I está correta.</p><p>Atividade 4</p><p>Ao longo do capítulo, diversas manifestações dos diferentes tipos de deficiência</p><p>auditiva foram apresentadas. Aponte três manifestações das crianças que podem</p><p>caracterizar uma possível deficiência auditiva.</p><p>Atividade 5</p><p>Suponha que, em sala de aula, você tenha um aluno cujo ouvido esteja sempre</p><p>expelindo secreção com mau cheiro. Qual seria a sua conduta? Que comporta-</p><p>mentos do aluno poderiam também ser observados em sala de aula?</p><p>Referências</p><p>ALVARENGA, K. F.; LOPES, A. C.; FREITAS, V. S. Avaliação da audição em crianças. In:</p><p>GENARO, K. F.; LAMÔNICA, D. A.; BEVILACQUA, M. C. O processo de comunicação:</p><p>contribuição para a formação de professores na inclusão de indivíduos com necessidades</p><p>educacionais especiais. São José dos Campos: Pulso, 2006.</p><p>BEVILACQUA, M. C.; FORMIGONI, G. M. P. Audiologia educacional: uma opção</p><p>terapêutica para a criança deficiente auditiva. 3. ed. Carapicuíba: Pro -fono, 2000.</p><p>96 UNIUBE</p><p>BLASCA, W. Q.; FERRARI, D. V.; JACOB, R. T. S. Dispositivos eletrônicos aplicados</p><p>à surdez. In: GENARO, K. F.; LAMÔNICA, D. A.; BEVILACQUA, M. C. O processo de</p><p>comunicação: contribuição para a formação de professores na inclusão de indivíduos com</p><p>necessidades educacionais especiais. São José dos Campos: Pulso, 2006.</p><p>BUFFA, M. J. M. B. Distúrbios de audição, sua influência no processo ensino -aprendizagem e</p><p>estratégias educacionais como mediadoras neste processo. In: GENARO, K. F.; LAMÔNICA,</p><p>D. A.; BEVILACQUA, M. C. O processo de comunicação: contribuição para a formação de</p><p>professores na inclusão de indivíduos com necessidades educacionais especiais. São José</p><p>dos Campos: Pulso, 2006.</p><p>ERNESTINO, G. M. R. C.; NAKAMURA, J. L. Y. U.; BUFFA, M. J. M. B. Abordagens</p><p>educacionais para surdos. In: GENARO, K. F.; LAMÔNICA, D. A.; BEVILACQUA, M. C.</p><p>O processo de comunicação: contribuição para a formação de professores na inclusão de</p><p>indivíduos com necessidades educacionais especiais. São José dos Campos: Pulso, 2006.</p><p>FENIMAN, M. R. Reconhecendo as crianças com transtorno do processamento auditivo. In:</p><p>GENARO, K. F.; LAMÔNICA, D. A.; BEVILACQUA, M. C. O processo de comunicação:</p><p>contribuição para a formação de professores na inclusão de indivíduos com necessidades</p><p>educacionais especiais. São José dos Campos: Pulso, 2006.</p><p>FRAZZ, M. M.; MUNHOZ, M. S. L.; AILVA, M. L. G.; CAOVILLA, H. H.; GANANÇA; M. M. Som</p><p>e audição. In: ______. Audiologia clínica. São Paulo: Atheneu, 2003.</p><p>GARCIA, V. L. Processamento auditivo, alterações de linguagem e aprendizagem: como o</p><p>professor pode contribuir. In: GENARO, K. F.; LAMÔNICA, D. A.; BEVILACQUA, M. C. O</p><p>processo de comunicação: contribuição para a formação de professores na inclusão de</p><p>indivíduos com necessidades educacionais especiais. São José dos Campos: Pulso, 2006a.</p><p>______. Deficiência auditiva: estratégias comunicativas e adaptações em sala de aula. In:</p><p>GENARO, K. F.; LAMÔNICA, D. A.; BEVILACQUA, M. C. O processo de comunicação:</p><p>contribuição para a formação de professores na inclusão de indivíduos com necessidades</p><p>educacionais especiais. São José dos Campos: Pulso, 2006b.</p><p>GATTO, C. I.; TOCHETTO, T. M. Deficiência auditiva infantil: implicações e soluções. Rev.</p><p>Cefac, v. 9, n. 1, jan.-mar. 2007.</p><p>GRUPO DE IMPLANTE COCLEAR DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS E FMUSP. Disponível em:</p><p><http://www.implantecoclear.org.br/textos.asp>. Acesso em: 14 mar. 2010.</p><p>UNIUBE 97</p><p>JACOB, Regina Tangerino de Souza et al. FM listening evaluation for children.</p><p>[adaptação</p><p>para a língua portuguesa] Rev. bras. educ. espec. [on-line]. 2010, v. 16, n. 3, p. 359-373.</p><p>LOPES, A. C. Considerações sobre a deficiência auditiva. In: GENARO, K. F.; LAMÔNICA,</p><p>D. A.; BEVILACQUA, M. C. O processo de comunicação: contribuição para a formação de</p><p>professores na inclusão de indivíduos com necessidades educacionais especiais. São José</p><p>dos Campos: Pulso, 2006.</p><p>MUSIEK, F. E.; RINTELMANN, W. F. Perspectivas atuais em avaliação auditiva. São</p><p>Paulo: Manole, 2001.</p><p>NORTHERN, J. L.; DOWNS, M. P. Audição na infância. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara</p><p>Koogan, 2005.</p><p>SANTOS, S. N.; TOCHETTO, T. M. Implante auditivo de tronco encefálico: revisão de</p><p>literatura. Rev. Cefac, São Paulo, v. 9, n. 4, p. 543 -549, out .-dez. 2007.</p><p>SOCIEDADE BRASILEIRA DE ANATOMIA. Terminologia anatômica. São Paulo: Manole,</p><p>2001.</p><p>SOUZA, R. T. et al. FM listening evaluation for children: adaptação para a língua portuguesa.</p><p>Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, v. 16, n. 3, p. 359 -374, set.-dez. 2010.</p><p>TELES, L. C. S.; PEGORARO -KROOK, M. I. Introdução à comunicação humana. In:</p><p>GENARO, K. F.; LAMÔNICA, D. A.; BEVILACQUA, M.C. O processo de comunicação:</p><p>contribuição para a formação de professores na inclusão de indivíduos com necessidades</p><p>educacionais especiais. São José dos Campos: Pulso, 2006.</p><p>VIEIRA, A. B. C.; MACEDO, L. R.; GONÇALVES, D. U. O diagnóstico da perda auditiva na</p><p>infância. Pediatria, v. 29, n. 1, 2007.</p><p>Sandra Eleutério Campos Martins /</p><p>Daniela Kamimura Rezende</p><p>Introdução</p><p>Neste capítulo, vamos iniciar nossas reflexões reafirmando o papel fun-</p><p>damental que a linguagem desempenha em nossas vidas. A linguagem</p><p>é fator essencial para que as relações humanas se estabeleçam, pois</p><p>é pela linguagem que nós interagimos com os outros, expressamos</p><p>nossos pensamentos e emoções e podemos construir cultura, uma</p><p>vez que passamos nossas experiências e tudo aquilo que aprendemos</p><p>às novas gerações. Ela constitui a base de todas as nossas relações</p><p>sociais, políticas, afetivas, culturais e históricas, por isso é que com-</p><p>preender a linguagem nos possibilita compreender melhor o processo</p><p>sociocultural da humanidade.</p><p>Segundo Lyons (1987), linguagem é um sistema de comunicação natural</p><p>ou artificial, humano ou não, ou seja, qualquer meio de comunicação,</p><p>como a linguagem corporal, as expressões faciais, a maneira de nos</p><p>vestirmos, as reações de nosso organismo, a linguagem de outros ani-</p><p>mais, os sinais de trânsito, a pintura, a música, dentre outros. As línguas,</p><p>como o português, o inglês, o francês e o espanhol, constituem uma</p><p>das formas de linguagem, específica dos seres humanos. Um aspecto</p><p>fundamental a respeito da linguagem humana é que todo ser humano,</p><p>no convívio de uma comunidade linguística, fala ao menos uma língua,</p><p>a sua língua materna, aprendida com rapidez e facilidade surpreen-</p><p>dentes, até os cinco anos de idade, em estágios com características</p><p>Capítulo</p><p>4</p><p>A organização e o</p><p>funcionamento da</p><p>Língua Brasileira de</p><p>Sinais – Libras</p><p>100 UNIUBE</p><p>idênticas entre as comunidades linguísticas, independentemente da</p><p>ampla diversidade da experiência linguística e das condições sociais em</p><p>que se desenvolve o processo de aquisição. Ao falarmos de uma língua</p><p>materna, concebida como própria de uma comunidade de falantes que</p><p>a utilizam para interagir uns com os outros, estamos falando de língua</p><p>natural. É isso que se entende por uma língua natural que se opõe a</p><p>sistemas artificialmente construídos, como o esperanto.</p><p>É importante ressaltar que uma língua materna (ou natural) nem sempre</p><p>corresponde ao conceito estrito de nação, pois há países em que há</p><p>mais de uma língua materna oficiais, como é o caso do Canadá, com o</p><p>inglês e o francês. Na verdade, as comunidades linguísticas configuram-</p><p>-se por definições de natureza diversa, em que a noção de nação é</p><p>apenas uma. A comunidade surda insere -se nesse caso. Trata -se de</p><p>um grupo que não constitui uma nação, mas que, como qualquer outra</p><p>comunidade linguística, possui uma língua materna. É fato que não se</p><p>trata de uma língua oral, mas certamente constitui um traço identitário</p><p>desse grupo e possibilita a interação entre os seus membros e também</p><p>entre eles e pessoas ouvintes. Neste capítulo, vamos conhecer mais</p><p>sobre a Libras – Língua Brasileira de Sinais.</p><p>A intérprete de Libras, nas fotos que ilustram este capítulo, é a pro-</p><p>fessora Daniela Kamimura Rezende e as fotos são de autoria da</p><p>fotógrafa Neusa das Graças da Silva.</p><p>Objetivos</p><p>Ao final deste capítulo, você deverá ser capaz de:</p><p>• reconhecer a Língua Brasileira de Sinais – Libras como uma</p><p>língua natural;</p><p>• compreender como se constitui e como funciona a Libras;</p><p>• conhecer a estrutura fonológica, morfológica e sintática da Libras,</p><p>a partir das contribuições da Linguística;</p><p>UNIUBE 101</p><p>• identificar e reconhecer aspectos de variação linguística da Li-</p><p>bras.</p><p>Esquema</p><p>4.1 A Libras é uma língua natural?</p><p>4.2. Caracterizações das línguas de sinais – LS</p><p>4.2.1 Iconicidade e arbitrariedade</p><p>4.3 Desfazendo -se dos mitos</p><p>4.4 Como é possível estudar a fonologia de uma língua vísuo -espacial?</p><p>4.4.1 Como são formados os sinais?</p><p>4.4.2 Os pares mínimos</p><p>4.5 A morfologia das línguas de sinais</p><p>4.5.1 Léxico e unidade lexical ≠ vocabulário e vocábulo</p><p>4.5.2 Processos de formação de sinais em Libras</p><p>4.5.3 Como se formam “as palavras” em Libras?</p><p>4.5.4 Formações de palavras por derivação</p><p>4.5.5 Os classificadores (Cl)</p><p>4.5.6 Tipos de classificadores</p><p>4.5.7 Formação de palavras por composição</p><p>4.6 A flexão na língua de sinais</p><p>4.6.1 Flexão de pessoa</p><p>4.6.2 Flexão verbal</p><p>4.6.3 Flexão de número</p><p>4.6.4 Flexões de foco e aspecto temporal</p><p>4.7 Sintaxe – de que maneira se estabelecem as relações sintáticas</p><p>numa língua vísuo -espacial como a Libras?</p><p>4.7.1 A ordem da frase na língua de sinais brasileira</p><p>4.7.2 E as interrogativas em Libras: como são formadas?</p><p>4.8 E as variações linguísticas também ocorrem na Libras?</p><p>4.9 Conclusão</p><p>102 UNIUBE</p><p>4.1 A Libras é uma língua natural?</p><p>Ao contrário do que se acredita, as línguas de sinais não são meramente mímicas</p><p>e gestos soltos, utilizados pelas pessoas surdas para facilitar a comunicação.</p><p>São línguas com estruturas gramaticais próprias, sendo constituídas por todos</p><p>os níveis linguísticos, quais sejam, o fonológico, o morfológico, o sintático e o</p><p>semântico. O que é denominado de palavra ou item lexical nas línguas orais-</p><p>-auditivas é chamado de sinal nas línguas de sinais. A diferença entre as lín-</p><p>guas de sinais (espaço -visuais) e as demais línguas (orais -auditivas) é a sua</p><p>modalidade visual -espacial. Assim, as línguas de sinais (LS), dentre as quais</p><p>a Libras, são as línguas naturais das comunidades surdas. Libras, ou Língua</p><p>Brasileira de Sinais, é a língua materna dos surdos brasileiros e, como tal,</p><p>poderá ser aprendida por qualquer pessoa interessada pela comunicação com</p><p>essa comunidade.</p><p>O status de língua da Libras reside no fato de ser constituída por todos os com-</p><p>ponentes pertinentes às línguas orais, preenchendo, assim, os requisitos cien-</p><p>tíficos para ser considerada instrumental linguístico de poder e força. Além disso,</p><p>é interessante lembrar que estudos em indivíduos surdos mostram que a língua</p><p>de sinais apresenta uma organização neural semelhante à língua oral, ou seja,</p><p>que esta se organiza no cérebro da mesma maneira que as línguas faladas.</p><p>Os resultados desses estudos mostram que o processa-</p><p>mento da Libras envolve uma participação importante das</p><p>áreas cerebrais clássicas (Broca e Wernicke) relaciona-</p><p>das ao processamento linguístico e das áreas cerebrais</p><p>relacionadas ao controle e à interpretação das formas, dos</p><p>movimentos e das posições das mãos. Esses resultados</p><p>pioneiros no estudo da organização neural da Libras</p><p>mostram que o processamento de uma linguagem de</p><p>sinais envolve componentes específicos de análise visual</p><p>diferentes daqueles usados durante a análise auditiva,</p><p>além de circuitos comuns de processamento linguístico.</p><p>Áreas de Broca e de</p><p>Wernicke</p><p>Recebem o nome</p><p>em homenagem a</p><p>Karl Wernicke (1848-</p><p>-1905), médico,</p><p>anatomista, psiquiatra</p><p>e neuropatologista</p><p>alemão e Paul</p><p>Pierre Broca (1824-</p><p>-1880), um cientista,</p><p>médico, anatomista e</p><p>antropólogo francês.</p><p>UNIUBE 103</p><p>Da mesma forma que as línguas orais -auditivas, a língua de sinais não é universal,</p><p>isto é, cada comunidade linguística tem a sua. Temos, então, línguas de sinais</p><p>diferentes espalhadas pelo mundo. Observe a tabela a seguir.</p><p>Tabela 1: Siglas das línguas de sinais.</p><p>DENOMINAÇÃO SIGLA</p><p>Língua de Sinais Brasileira Libras/LSB</p><p>Língua de Sinais Urubu Kaapor (PovosTupi –</p><p>Maranhão -Brasil)</p><p>LSUK</p><p>Língua Gestual Portuguesa LGP</p><p>Lengua de Senas Chilena USC</p><p>Língua Italiana dei Segni LIS</p><p>Langue des Signes Française LSF</p><p>Langue des Signes Québecois LSQ</p><p>American Sign Language ASL</p><p>Hausa Sian Language (Nigéria) HSE</p><p>British Sign Language BSL</p><p>Língua de Sinais Australiana LSA</p><p>Língua de Sinais Indo -paquistanesa IPSL</p><p>4.2 Caracterizações das línguas de sinais – LS</p><p>Ao se caracterizar as línguas de sinais, é preciso ter em mente que essas</p><p>línguas utilizam a modalidade vísuo -espacial, que é diferente da modalidade</p><p>oral -auditiva, utilizada pelas línguas orais. Como aponta Ferreira Brito (1995,</p><p>p. 11), embora o canal vísuo -espacial não seja o preferido pela maioria dos</p><p>seres humanos para o desenvolvimento da linguagem, uma vez que a maioria</p><p>das línguas naturais são orais -auditivas, porém é uma alternativa que mostra</p><p>de imediato a força e a importância da manifestação da faculdade de linguagem</p><p>nos seres humanos.</p><p>104 UNIUBE</p><p>Outra distinção entre uma língua de sinais e uma língua oral reside na realização</p><p>das categorias linguísticas. Enquanto que nas línguas orais os mecanismos são</p><p>primordialmente sequenciais (um depois do outro), numa língua de sinais temos</p><p>a simultaneidade na realização dessas categorias linguísticas. Os mecanismos</p><p>simultâneos são produtivos nas línguas de sinais, pois é necessária a codificação</p><p>da atitude do falante em relação ao que está sendo descrito, especialmente a</p><p>distinção entre os tipos frasais – declarativo, interrogativo, exclamativo, imperativo</p><p>(diretivo/optativo/exortativo) por marcas não manuais, como expressões fisionômi-</p><p>cas e movimentos do pescoço, em sincronia com o movimento manual. Entretanto,</p><p>nas línguas orais, a simultaneidade é menos produtiva, embora exista, quando por</p><p>exemplo, para diferenciar um enunciado interrogativo de outro afirmativo, utiliza -se</p><p>da entoação e intensidade da cadeia linguística, juntamente com os segmentos</p><p>fônicos. Quadros (1995, p. 1) aponta que os sinais, em si mesmos, normalmente</p><p>não expressam o significado completo do discurso, mas que esse significado é</p><p>determinado por aspectos que envolvem a interação dos elementos expressivos</p><p>da linguagem. Por exemplo, os surdos utilizam a expressão facial e corporal para</p><p>omitir, enfatizar, negar, afirmar, questionar, salientar, desconfiar, entre outras.</p><p>4.2.1 Iconicidade e arbitrariedade</p><p>A questão da arbitrariedade do signo linguístico, a qual demonstra que, na</p><p>constituição do signo linguístico, a relação entre o significante (imagem acústica</p><p>/fônica) e o significado é arbitrária, ou seja, não existe nada na forma do signifi-</p><p>cante que seja motivado pelas propriedades da substância do conteúdo (signi-</p><p>ficado). É o que acontece nas línguas orais -auditivas, em que a articulação das</p><p>unidades da substância sonora (significante) produz sequências que em nada</p><p>lembram os traços semânticos do referente (significado). Entretanto, nas lín-</p><p>guas de sinais, muitos são os sinais que têm forte motivação icônica. Isso pode</p><p>ser explicado pela natureza do canal utilizado na modalidade vísuo -espacial,</p><p>no qual a articulação das unidades da substância gestual (significante) permite</p><p>a representação icônica de traços semânticos do referente (significado), o que</p><p>esclarece que muitos sinais reproduzam imagens do referente.</p><p>UNIUBE 105</p><p>O fato de a Libras ser de uma modalidade gestual -visual -espacial, as pessoas</p><p>pensam que são apenas sinais desenhados no ar, mas como já vimos, a Libras</p><p>tem sua estrutura gramatical própria e, não se resume em uma mímica ou ape-</p><p>nas um simples desenho no ar.</p><p>Os sinais icônicos, são aqueles que reproduzem a imagem do referente e os</p><p>sinais arbitrários são aqueles que não mantêm nenhuma semelhança com o</p><p>dado da realidade que representam. Vejam alguns exemplos:</p><p>Sinais icônicos</p><p>casa telefone</p><p>Sinais arbitrários</p><p>conversar saber</p><p>106 UNIUBE</p><p>Outras características poderiam ser lembradas para diferenciar as línguas orais-</p><p>-auditivas e as línguas vísuo -espaciais. Entretanto, apesar dessas distinções, é</p><p>mais importante o fato de que os universais linguísticos são encontrados tanto</p><p>nas línguas orais como nas línguas de sinais, provando que as línguas que utili-</p><p>zam a modalidade vísuo -espacial são manifestações da faculdade de linguagem</p><p>do mesmo modo que as que utilizam a modalidade oral -auditiva.</p><p>4.3 Desfazendo -se dos mitos</p><p>Muitas afirmações relacionadas a essa modalidade de língua são inadequadas</p><p>tanto do ponto de vista linguístico quanto social e pedagógico. Os estudos cien-</p><p>tíficos já provaram que muitas concepções que ainda hoje motivam as ações</p><p>educativas na família e, sobretudo, na escola não correspondem ao conheci-</p><p>mento já construído e divulgado sobre a língua de sinais. Muitas dessas con-</p><p>cepções se constituem em verdadeiros mitos. Confiram</p><p>algumas, a seguir.</p><p>• A língua de sinais seria uma mistura de pantomima e</p><p>gesticulação concreta, incapaz de expressar conceitos</p><p>abstratos.</p><p>Essa concepção não procede, pois, na língua de sinais,</p><p>podem -se discutir política, economia, matemática, fí-</p><p>sica, psicologia, respeitando -se as diferenças culturais</p><p>que determinam a forma com que cada língua expressa</p><p>qualquer conceito. Além disso, os estudos linguísticos</p><p>demonstraram que os aspectos icônicos ou pictográficos</p><p>de sinais individuais não são o aspecto mais importante</p><p>da estrutura e do uso da língua de sinais. Por exemplo,</p><p>o sinal manual para não, mesmo sendo considerado icô-</p><p>nico, tem significado completamente diferente na língua</p><p>americana de sinais, como podemos ver a seguir.</p><p>• Haveria uma única e universal língua de sinais usada por todas as comuni-</p><p>dades de surdos.</p><p>Pantomima</p><p>É um teatro gestual</p><p>que faz o menor uso</p><p>possível de palavras e</p><p>o maior uso de gestos.</p><p>É a arte de narrar</p><p>com o corpo. É uma</p><p>modalidade cênica</p><p>que se diferencia da</p><p>expressão corporal e</p><p>da dança, basicamente</p><p>é a arte objetiva</p><p>da mímica, é um</p><p>excelente artifício para</p><p>comediantes, cômicos,</p><p>clowns, atores,</p><p>bailarinos, enfim, os</p><p>intérpretes.</p><p>Fonte: Wikipédia.</p><p>Disponível em <http://</p><p>pt.wikipedia.org/wiki/</p><p>Pantomima>. Acesso</p><p>em: 2 set. 2011.</p><p>UNIUBE 107</p><p>Conforme relacionadas anteriormente, em cada país em que há comunidades</p><p>surdas, há uma língua de sinais diferente. No caso do Brasil, vimos que, além</p><p>da Libras, já se identificou a LS Urubu Kaapor, utilizada pelas comunidades</p><p>indígenas do estado do Maranhão.</p><p>Não Onde (ASL)</p><p>• Haveria uma falha na organização gramatical da língua de sinais, fazendo</p><p>com que essas sejam subordinadas e inferiores às línguas orais.</p><p>Outro mito, pois as línguas de sinais são independentes das línguas orais em</p><p>todos os países em que são utilizadas. Prova disso é que, mesmo nos países</p><p>cuja língua oficial é a mesma, há línguas de sinais diferentes entre si. Exemplo</p><p>disso é a diferença entre a língua de sinais do Brasil (Libras) e a língua gestual</p><p>de Portugal (LGP).</p><p>Não há falha alguma na organização gramatical da língua de sinais. É importante</p><p>compreender que, nas LS, os sinais não correspondem ao sentido literal das</p><p>palavras nas línguas orais. Assim, ao se insistir em compará -las às línguas orais,</p><p>verifica -se essa equivocada impressão de incompletude. O que ocorre, de fato,</p><p>é que a organização gramatical da língua de sinais é outra. Veja um exemplo</p><p>de um enunciado em português e em Libras:</p><p>108 UNIUBE</p><p>LIBRAS CINEMA O -P -I -A -N -O MUITO -BOM</p><p>PORTUGUÊS O FILME O PIANO É MARAVILHOSO</p><p>• A língua de sinais seria um sistema de comunicação superficial, com conteúdo</p><p>restrito, sendo estética, expressiva e linguisticamente inferior ao sistema de</p><p>comunicação oral.</p><p>Esta afirmação não é verdadeira, pois declara que faltam às línguas de sinais</p><p>complexidade e poder expressivo, sendo consideradas empobrecidas lexical e</p><p>gramaticalmente. Alguns relacionam esse empobrecimento lexical à ausência de,</p><p>por exemplo, os elementos de ligação, na língua de sinais. Mas já vimos que, sendo</p><p>de modalidade vísuo -espacial, a sua riqueza e expressividade são diferentes das</p><p>línguas orais, incorporando esses elementos de ligação na própria estrutura dos</p><p>sinais, por meio de ralações espaciais.</p><p>• As línguas de sinais teriam sido derivadas da comunicação gestual espontâ-</p><p>nea dos ouvintes.</p><p>Conforme já vimos, os sinais das línguas vísuo -espaciais não são apenas cópias</p><p>de gestos espontâneos, mas constituem legítimos signos linguísticos da língua</p><p>materna de comunidades surdas, que a caracterizam e a identificam.</p><p>• As línguas de sinais, por serem organizadas espacialmente, seriam processa-</p><p>das no hemisfério direito do cérebro, uma vez que esse hemisfério é respon-</p><p>sável pelo processamento da informação espacial, enquanto que o esquerdo,</p><p>pelo da informação linguística.</p><p>As pesquisas neurolinguísticas demonstraram que as línguas de sinais são</p><p>processadas no hemisfério esquerdo, assim como todas as outras línguas. Este</p><p>dado comprova que a produção da linguagem independe da modalidade das</p><p>línguas.</p><p>Após nos situarmos no amplo universo dos estudos linguísticos e das línguas</p><p>de sinais, passaremos ao estudo mais detalhado da organização fonológica,</p><p>morfológica, sintática e semântica da Libras.</p><p>UNIUBE 109</p><p>4.4 Como é possível estudar a fonologia de uma língua vísuo-</p><p>-espacial?</p><p>Para começo de conversa, vamos lembrar quais são os estudos da fonologia.</p><p>A fonologia estuda os sons do ponto de vista funcional como elementos que</p><p>integram um determinado sistema linguístico. A unidade básica da fonologia é o</p><p>fonema. O fonema é constituído por um conjunto de propriedades que se atuali-</p><p>zam simultaneamente em uma unidade mínima distintiva, ou traços distintivos,</p><p>que ocorre em uma determinada língua. Portanto, cabe à fonologia:</p><p>• descrever as diferenças fônicas intencionais, distintivas, que determinam</p><p>diferenças de significação;</p><p>• investigar o conjunto de traços necessários para descrever os sons/elementos</p><p>de qualquer língua;</p><p>• estabelecer como se relacionam entre si os elementos de diferenciação de</p><p>sentido e as condições em que se combinam uns com os outros para formar</p><p>morfemas, palavras e enunciados.</p><p>No caso das línguas orais, os traços distintivos que constituem o fonema</p><p>relacionam -se à articulação de cada som da língua.</p><p>Em se tratando das vogais, esses traços são:</p><p>a) a zona de articulação, o ponto ou a parte do aparelho fonador em que se</p><p>dá a aproximação ou o contato dos órgãos que cooperam para a produção</p><p>do fonema;</p><p>b) o papel das cavidades bucal e nasal, que determina se a corrente de ar dos</p><p>pulmões passará pela boca ou pelo nariz, determinando um som nasal ou oral;</p><p>c) a intensidade, a força com que pronunciamos as vogais;</p><p>d) e o timbre, ou seja, a maior ou menor abertura da boca.</p><p>110 UNIUBE</p><p>No caso das consoantes, temos:</p><p>a) o modo de articulação, isto é, como os fonemas são articulados: se o ar sai</p><p>roçando ruidosamente as paredes da boca estritada, temos as fricativas (f,</p><p>v, x, ç, s, z, j); temos as vibrantes, quando o ar produz um movimento vi-</p><p>bratório (r); e, finalmente, as laterais, articuladas, quando o ar, encontrando</p><p>a língua apoiada no palato, é forçado a sair pelas fendas laterais da boca</p><p>(l, lh). O ponto de articulação é o lugar onde os órgãos entram em contato</p><p>para a produção do som: bilabiais (p, b, m), labiodentais (f, v), linguodentais</p><p>(t, d), alveolares (s, z, r, l, n), palatais (j, g, x, lh, nh);</p><p>b) a função das cordas vocais diz respeito a se a corrente de ar põe as cordas</p><p>vocais em vibração (consoante sonora); caso contrário, a consoante será</p><p>surda;</p><p>c) a função das cavidades bucal e nasal, que determina se a corrente de ar</p><p>dos pulmões passará pela boca ou pelo nariz, determinando uma consoante</p><p>nasal ou oral.</p><p>Aqui, volto, então, à pergunta: como é possível estudar a fonologia de uma</p><p>língua vísuo -espacial?</p><p>O termo fonologia tem sido usado também para designar o estudo dos elementos</p><p>básicos distintivos da língua de sinais. Como as LS são de modalidade espaço-</p><p>-visual, uma vez que a informação linguística é recebida pelos olhos e produzida</p><p>pelas mãos, as unidades básicas da fonologia dessas línguas não são fonemas,</p><p>mas são elementos de natureza icônica, que também são compostos por um</p><p>conjunto de propriedades distintivas.</p><p>Os sinais apresentam uma estrutura dual, isto é, podem ser analisados em ter-</p><p>mos de um conjunto de propriedades distintivas (sem significado) e de regras</p><p>que orientam essas propriedades. Dessa forma, os estudiosos propuseram pa-</p><p>râmetros que não carregam significado isoladamente. Na comunidade científica,</p><p>prevalece, dessa forma, a ideia de que esses parâmetros são unidades mínimas</p><p>(fonemas) que constituem os morfemas nas línguas de sinais, de forma análoga</p><p>(semelhante) aos fonemas que constituem morfemas nas línguas orais.</p><p>UNIUBE 111</p><p>4.4.1 Como são formados os sinais?</p><p>Os sinais são formados a partir da combinação de cinco parâmetros fonológicos,</p><p>que formam as palavras e as frases num determinado contexto.</p><p>Nas línguas de sinais podem ser encontrados os seguintes parâmetros:</p><p>1. Configuração de mão (CM)</p><p>2. Movimento (M)</p><p>3. Locação (L)</p><p>4. Orientação de mão (Or)</p><p>5. Expressões não manuais (ENM)</p><p>4.1.1.1 Configuração de Mão (CM)</p><p>Trata -se da forma que a mão assume durante a realização de um sinal. A Libras</p><p>apresenta 46 CMs, conforme o Quadro 1 a seguir.</p><p>Quadro 1: Configurações de mão.</p><p>112 UNIUBE</p><p>Exemplos:</p><p>UNIUBE 113</p><p>telefone</p><p>CM [Y]</p><p>branco</p><p>CM [B]</p><p>114 UNIUBE</p><p>4.4.1.2 Movimento (M)</p><p>Para haver movimento é necessário que haja objeto e espaço. Na língua de</p><p>sinais, a(s) mão(s) do enunciador representa o objeto enquanto que a área em</p><p>torno do corpo do enunciador é o espaço em que o movimento se realiza, ou</p><p>seja, trata -se do deslocamento da mão durante a realização do sinal.</p><p>Exemplos, segundo as categorias do parâmetro movimento na língua de sinais</p><p>brasileira (FERREIRA -BRITO, 1990):</p><p>veado</p><p>CM [5]</p><p>ontem</p><p>CM [L]</p><p>galinha homem</p><p>UNIUBE 115</p><p>I – TIPO</p><p>a) Contorno ou forma geométrica: retilíneo, helicoidal, circular, semicircular,</p><p>sinuoso, angular, pontual;</p><p>b) interação: alternado, de aproximação, de separação, de inserção, cruzado;</p><p>c) contato: de ligação, de agarrar, de deslizamento, de toque, de esfregar, de</p><p>riscar, de escovar ou de pincelar;</p><p>d) torcedura do pulso: rotação, com refreamento;</p><p>e) dobramento do pulso: para cima, para baixo;</p><p>f) interno das mãos: abertura, fechamento, curvamento e dobramento (simul-</p><p>tâneo e gradativo).</p><p>II – DIRECIONALIDADE</p><p>a) Direcional</p><p>• Unidirecional: para cima, para baixo, para a direita, para a esquerda, para</p><p>dentro, para fora, para o centro, para a lateral inferior esquerda, para a lateral</p><p>inferior direita, para a lateral superior esquerda, para a lateral superior direita,</p><p>para específico ponto referencial;</p><p>• bidirecional: para cima e para baixo, para a esquerda e para a direita, para</p><p>dentro e para fora, para laterais opostas — superior direita e inferior esquerda.</p><p>b) Não direcional</p><p>• MANEIRA</p><p>Qualidade, tensão e velocidade</p><p>• contínuo</p><p>• de retenção</p><p>• refreado</p><p>116 UNIUBE</p><p>• FREQUÊNCIA</p><p>Repetição</p><p>• simples</p><p>• repetido</p><p>4.4.1.3 Locação (L)</p><p>Também designado por ponto de articulação. Trata -se da área no corpo em que</p><p>o sinal é articulado. Na Libras e também em outras línguas de sinais conheci-</p><p>das, o espaço de enunciação é uma área que contém todos os pontos dentro</p><p>de um raio de alcance das mãos em que os sinais são articulados. As locações</p><p>dividem -se em quatro regiões principais:</p><p>cabeça, mão, tronco e espaço neutro.</p><p>Veja as especificações na Tabela 2 a seguir.</p><p>UNIUBE 117</p><p>Tabela 2: Locações.</p><p>LOCAÇÕES</p><p>CABEÇA MÃO TRONCO ESPAÇO NEUTRO</p><p>Topo da cabeça Palma Pescoço</p><p>É o espaço em</p><p>frente ao corpo,</p><p>não toca em</p><p>nenhuma parte.</p><p>Testa Costas das mãos Ombros</p><p>Rosto Lado do indicador Busto</p><p>Parte superior do</p><p>rosto</p><p>Lado do dedo</p><p>mínimo</p><p>Estômago</p><p>Parte inferior do rosto Dedos Cintura</p><p>Orelha Ponta dos dedos Braços</p><p>Olhos Dedo mínimo Braço</p><p>Nariz Anular Antebraço</p><p>Boca Dedo médio Cotovelo</p><p>Bochechas Indicador Pulso</p><p>Queixo Polegar</p><p>4.4.1.4 Orientação de Mão (Or)</p><p>Trata -se da direção para a qual a palma da mão aponta na produção do sinal.</p><p>para cima para baixo</p><p>118 UNIUBE</p><p>4.4.1.5 Expressões Não Manuais (ENM)</p><p>Podem realizar -se por meio de movimentos na face, olhos, cabeça ou tronco e</p><p>têm duas funções nas línguas de sinais:</p><p>para dentro para fora</p><p>para o lado</p><p>(contralateral)</p><p>para o lado</p><p>(ipsilateral)</p><p>UNIUBE 119</p><p>• marcação das construções sintáticas: marcam senten-</p><p>ças interrogativas, orações relativas, topicalizações,</p><p>concordância e foco;</p><p>• diferenciação de itens lexicais: marcam referência</p><p>específica, referência pronominal, partícula negativa,</p><p>advérbio, grau ou aspecto.</p><p>Podem ocorrer duas expressões não manuais simulta-</p><p>neamente, como, por exemplo, as marcas de interrogação</p><p>e negação. Veja na Tabela 3 a seguir.</p><p>Tabela 3: Expressões não manuais da Libras.</p><p>EXPRESSÕES NÃO MANUAIS DA LIBRAS</p><p>I – ROSTO II – CABEÇA III – ROSTO E</p><p>CABEÇA</p><p>IV – TRONCO</p><p>PARTE</p><p>SUPERIOR</p><p>PARTE INFERIOR</p><p>•	 Sobrancelha</p><p>franzida</p><p>•	 Olhos</p><p>arregalados</p><p>•	 Lance de</p><p>olhos</p><p>•	 Sobrancelha</p><p>levantada</p><p>•	 Bochechas</p><p>infladas</p><p>•	 Bochechas</p><p>contraídas</p><p>•	 Lábios</p><p>contraídos e</p><p>projetados e</p><p>sobrancelhas</p><p>franzidas</p><p>•	 Correr da língua</p><p>contra a parte</p><p>inferior interna</p><p>da bochecha</p><p>•	 Apenas</p><p>bochecha direita</p><p>inflada</p><p>•	 Contração do</p><p>lábio superior</p><p>•	 Franzir do nariz</p><p>•	 Balancea-</p><p>mento para</p><p>frente e para</p><p>trás (sim)</p><p>•	 Balancea-</p><p>mento para os</p><p>lados (não)</p><p>•	 Inclinação</p><p>para a frente</p><p>•	 Inclinação</p><p>para o lado</p><p>•	 Inclinação</p><p>para trás</p><p>•	 Cabeça</p><p>projetada</p><p>para frente,</p><p>olhos</p><p>levemente</p><p>cerrados,</p><p>sobrancelhas</p><p>franzidas</p><p>•	 Cabeça</p><p>projetada</p><p>para trás</p><p>e olhos</p><p>arregalados</p><p>•	 Para frente</p><p>•	 Para trás</p><p>•	 Balanceamento</p><p>alternado dos</p><p>ombros</p><p>•	 Balanceamento</p><p>simultâneo dos</p><p>ombros</p><p>•	 Balanceamento</p><p>de um único</p><p>ombro</p><p>a frente</p><p>a frente,</p><p>a</p><p>Construções com</p><p>foco</p><p>São construções</p><p>em que ocorrem</p><p>componentes</p><p>duplicados dentro da</p><p>mesma oração e o</p><p>constituinte duplicado</p><p>encontra-se na</p><p>posição final. Essas</p><p>cópias aparecem</p><p>quando o constituinte</p><p>frasal é enfatizado,</p><p>mas de maneira</p><p>distinta da ênfase</p><p>dada ao tópico.</p><p>120 UNIUBE</p><p>4.4.2 Os pares mínimos</p><p>Como nas línguas orais, um sinal pode se distinguir de outro por apenas um</p><p>traço distintivo. Assim, na Libras, basta alterarmos a configuração de mãos de</p><p>um determinado sinal, e manter os demais parâmetros, para termos outro item</p><p>lexical. Observe a representação dos itens lexicais “pedra” e “queijo”, a seguir.</p><p>Como podemos ver, também na Libras, temos os pares mínimos, como na língua</p><p>portuguesa temos, por exemplo, pata/bata; vaca/faca, dentre outros. Vejamos,</p><p>então, alguns exemplos de pares mínimos em Libras. Observe, atentamente,</p><p>o traço distintivo.</p><p>a) Quanto à orientação de mão;</p><p>avisar telefonar</p><p>pedra queijo</p><p>UNIUBE 121</p><p>b) quanto ao movimento;</p><p>c) quanto à expressão facial ou corporal;</p><p>d) quanto à locação;</p><p>ter ganhar</p><p>trabalhar vídeo</p><p>triste à toa</p><p>122 UNIUBE</p><p>e) quanto à configuração de mão;</p><p>4.5 A morfologia das línguas de sinais</p><p>A morfologia é a parte da Linguística que estuda a estrutura interna das palavras</p><p>ou dos sinais, bem como as regras que definem como as palavras ou sinais</p><p>são formados. A morfologia tem como objeto de estudos os morfemas. O termo</p><p>morfema origina -se no grego morphé, cujo significado é forma. Enquanto para a</p><p>fonologia os fonemas são as menores unidades distintivas (lembram -se?), para</p><p>a morfologia, as unidades mínimas do significado são os morfemas.</p><p>Nas línguas orais, alguns morfemas constituem palavras, mas outros são ape-</p><p>nas parte de palavras. Podem -se formar novas palavras numa língua a partir do</p><p>acréscimo de morfemas a palavras já existentes. No caso do português, temos,</p><p>por exemplo: casa + sufixo eiro = caseiro.</p><p>O tipo de processo combinatório nas línguas de sinais é diferente. As novas</p><p>formas resultam, com frequência, de processos em que uma raiz é enriquecida</p><p>com vários movimentos e contornos no espaço de sinalização. Isso indica que, da</p><p>mesma forma que as línguas orais, as línguas de sinais apresentam um sistema</p><p>de estrutura e formação de palavras que se distribuem em classes.</p><p>água ainda não</p><p>UNIUBE 123</p><p>As línguas de sinais são sintéticas, assim como o grego e o latim, ou seja, al-</p><p>gumas informações relativas (por exemplo, aquelas dadas pelas preposições,</p><p>artigos e conjunções) são incorporadas ao sinal, fazendo com que não haja uma</p><p>lista tão ampla de classes de palavras como ocorre na língua portuguesa. Esse</p><p>tipo de processo combinatório, próprio das LS, faz com que muitas pessoas</p><p>julguem, por preconceito linguístico, as línguas de sinais como “pobres”. No</p><p>entanto, cientificamente, mais uma vez, fica demonstrado que uma língua nunca</p><p>é idêntica em todas as suas manifestações a nenhuma outra. Os estudos com-</p><p>parados de Linguística, Antropologia e Neurociências nos levam a constatar que</p><p>as diversas manifestações da linguagem humana não são melhores nem piores,</p><p>são simplesmente diferentes. O que é mais importante compreender é como</p><p>se estabelecem as relações comunicativas entre usuários de uma dada língua.</p><p>4.5.1	Léxico	e	unidade	lexical	≠	vocabulário	e	vocábulo</p><p>Nas relações comunicativas, o léxico tem um papel primordial porque ele contém</p><p>o vocabulário. O léxico é composto de unidades linguísticas, especificamente,</p><p>denominadas unidades lexicais, ou seja, as unidades mínimas que possibilitam</p><p>a formação dos morfemas e a compreensão de seus sentidos; já a unidade de</p><p>vocabulário é o vocábulo, isto é, a palavra plena.</p><p>Mas, então, o que distingue o vocabulário do léxico?</p><p>• Léxico = o inventário de todos os itens lexicais de uma língua: todos os vo-</p><p>cábulos e todos os elementos mórficos que são utilizados para a formação</p><p>de outros vocábulos, por exemplo, os afixos (sufixos e prefixos, em língua</p><p>portuguesa).</p><p>• Vocabulário = o conjunto de palavras que alguém ou um grupo de falantes</p><p>domina ao usar a língua. Vocabulário é, então, um domínio do léxico.</p><p>No caso da Libras, tanto os equivalentes aos vocábulos quanto aos demais</p><p>itens lexicais em uma língua oral são sinais. É muito comum as pessoas pen-</p><p>sarem que os vocábulos de uma língua de sinais são constituídos a partir do</p><p>alfabeto manual. Mas isso só ocorre quando não há um sinal equivalente, como</p><p>124 UNIUBE</p><p>é o caso de um nome próprio ou das palavras técnicas, como, por exemplo,</p><p>diafragma. Veja:</p><p>D I A F R A G M A</p><p>4.5.2 Processos de formação de sinais em Libras</p><p>A soletração manual não é o processo único de forma-</p><p>ção dos vocábulos (sinais) em Libras. Como podemos</p><p>observar no exemplo, a soletração manual das letras</p><p>de uma palavra em português é a mera transposição</p><p>espacial dos grafemas de uma palavra da língua oral,</p><p>por meio das mãos; apenas um meio de se fazer em-</p><p>préstimos em Libras. Assim como a palavra “xerox”, em</p><p>português, é um empréstimo do inglês, o exemplo ante-</p><p>rior ilustra o fenômeno do empréstimo em Libras, pois,</p><p>na maioria dos casos, existe o sinal correspondente à</p><p>situação, ao objeto ou à ideia e não é necessário usar</p><p>a soletração manual. Observe no caso de “certo”.</p><p>Situação 1 – soletração digital</p><p>.</p><p>C -E -R -T -O</p><p>Grafema</p><p>A unidade formal</p><p>mínima da escrita.</p><p>Mínima porque</p><p>não pode ser</p><p>desmembrada em</p><p>dois ou mais sinais</p><p>que também possam</p><p>ser tratados como</p><p>grafema. Formal</p><p>porque é abstrato,</p><p>não pode ser visto,</p><p>constituindo, então,</p><p>uma abstração</p><p>do indivíduo surdo. E, ainda,</p><p>a identificação das características que diferem a visão clínico -terapêutica e</p><p>socioantropológica em relação à surdez, reconhecendo qual é a imagem que</p><p>os discursos do mundo pós -moderno projetam sobre a pessoa surda e a língua</p><p>de sinais.</p><p>Em seguida, no capítulo “O desenvolvimento da criança surda com enfoque no</p><p>desenvolvimento da linguagem e cognição”, você terá a oportunidade de refletir</p><p>sobre o desenvolvimento da criança surda, em uma abordagem pedagógica.</p><p>Descobrirá semelhanças e diferenças em relação ao desenvolvimento de crian-</p><p>ças ouvintes e identificará elementos fundamentais para o desenvolvimento</p><p>harmônico e integrado das cinco áreas do desenvolvimento neuropsicomotor</p><p>de qualquer criança.</p><p>O texto “A audição e o processo de ensino -aprendizagem”, como terceiro ca-</p><p>pítulo, possibilita que você entenda os mecanismos envolvidos com a audição</p><p>e com o desenvolvimento da linguagem e da fala; que conheça as implicações</p><p>clínicas e educacionais decorrentes dos quadros de deficiência auditiva/surdez,</p><p>assim como de outros transtornos relacionados ao desenvolvimento auditivo;</p><p>que compreenda a origem das possíveis dificuldades e necessidades a serem</p><p>enfrentadas por seus possíveis alunos, e assim tenha condições de promover</p><p>estratégias que busquem minimizar os obstáculos na aprendizagem, reforçando</p><p>sempre a parceria com a família e outros profissionais.</p><p>Por último, por meio do capítulo “A organização e o funcionamento da Língua</p><p>Brasileira de Sinais ─ Libras”, você terá a oportunidade de reconhecer a Língua</p><p>Brasileira de Sinais ─ Libras como uma língua natural; entender como se constitui</p><p>e como funciona; reconhecer sua estrutura fonológica, morfológica e sintática,</p><p>e, ainda, identificar e reconhecer aspectos de sua variação linguística.</p><p>X UNIUBE</p><p>Esperamos que os conhecimentos construídos a partir deste livro possam,</p><p>realmente, oportunizar a você reflexões e sentimentos mais amplos e profundos</p><p>em relação às pessoas com deficiência auditiva e, ainda, que lhe possibilite uma</p><p>prática docente realmente inclusiva.</p><p>Newton Gonçalves Garcia / Renata de Oliveira</p><p>Introdução</p><p>Iniciamos, aqui, parte fundamental da sua formação como professor de</p><p>língua inglesa: a fonética. Porém, além de se dedicar ao estudo dessa</p><p>importante faceta da língua, você deve se preparar para ensiná-la ao</p><p>seu grupo de alunos.</p><p>Você que já iniciou ou inicia agora seus estudos da língua inglesa</p><p>certamente já teve dificuldades com a pronúncia desse idioma. Isso</p><p>é algo esperado de ocorrer já que se trata de um idioma com origens</p><p>na língua anglo-saxã, portanto, com características distintas de nosso</p><p>idioma de origem latina.</p><p>Apesar desse aspecto, por meio do estudo da fonética, é possível con-</p><p>seguir uma pronúncia inteligível aos falantes nativos e não nativos do</p><p>idioma, como frisa Underhill (200?, p.92) em:</p><p>The aim of pronunciation teaching can no longer be to get stu-</p><p>dents to sound [...] like native speakers, or more like the teacher</p><p>[…]. The primary aim must be to help learners to communicate</p><p>successfully when they listen or speak in English, often with</p><p>other non-native speakers.</p><p>O objetivo do ensino da pronúncia não pode ser mais fazer com que</p><p>os alunos soem como falantes nativos ou como seu professor. O obje-</p><p>tivo primário deve ser ajudar os aprendizes a se comunicar com</p><p>Fonética: a sonoridade</p><p>da língua inglesa</p><p>Capítulo</p><p>1</p><p>A abordagem</p><p>socioantropológica da</p><p>cultura surda</p><p>Capítulo</p><p>1</p><p>Denise Rodovalho Scussel /</p><p>Vivian Zerbinatti da Fonseca Kikuichi</p><p>Introdução</p><p>Em nosso cotidiano, convivemos com as mais diferentes manifestações</p><p>da diversidade cultural. Muitas vezes, por incompreensão ou falta de</p><p>informação, subjugamos (isto é, damos menos valor, desconsideramos)</p><p>as pessoas que se diferenciam, em seus hábitos, comportamentos e</p><p>linguagem, daquele padrão estabelecido pela sociedade em que esta-</p><p>mos inseridos. Subjugar é, portanto, um ato preconceituoso.</p><p>Reconhecemos que o século XXI tem se caracterizado pelas incertezas</p><p>e por questionamentos dos valores humanos que sustentaram o fazer e</p><p>o pensar do homem até então. Para compreender os questionamentos</p><p>desse novo tempo, nós – profissionais da educação – necessitamos</p><p>de uma disponibilidade interior que nos faz acolher, identificar e</p><p>enfrentar as mudanças de valores, costumes e hábitos. Essa disponi-</p><p>bilidade figura como uma condição que permite ao educador ter uma</p><p>postura diferenciada para “fazer acontecer a educação que valoriza a</p><p>diversidade humana e cultural”, na qual não há lugares privilegiados</p><p>para “alguns” seres humanos.</p><p>Cabe a nós, educadores, construtores e sujeitos da história, contribuir</p><p>para a construção de novo significado de diferença e dos valores hu-</p><p>manos, considerando o pensamento de Hall:</p><p>2 UNIUBE</p><p>Somos nós – na sociedade, nas culturas humanas – que</p><p>fazemos as coisas significarem, que significamos. Os signi-</p><p>ficados, consequentemente, mudam sempre de uma cultura</p><p>ou época para outra (HALL, 1997, p. 61).</p><p>É importante entender que as coisas, pessoas, gestos, cores, linhas,</p><p>palavras são significadas pelo homem em determinado tempo, em de-</p><p>terminado espaço e em determinada situação. Assim sendo, explicam -se</p><p>as transformações de sentido de uma época para outra, de um povo</p><p>para outro, e também as múltiplas formas de representação de tudo</p><p>que é produzido pelo homem.</p><p>Objetivos</p><p>Ao final deste capítulo, você deverá ser capaz de:</p><p>• reconhecer a imagem do sujeito surdo construída pelos discursos</p><p>do mundo pós -moderno;</p><p>• analisar as relações de saberes e poderes entre adultos surdos</p><p>e adultos ouvintes na perspectiva socioantropológica;</p><p>• reconhecer a identidade socioantropológica da cultura surda;</p><p>• analisar as atuais políticas públicas na educação de surdos;</p><p>• identificar os fundamentos filosóficos e socioantropológicos das</p><p>propostas de educação de surdos.</p><p>Esquema</p><p>1.1 O que compreendemos por representação?</p><p>1.2 As representações da surdez</p><p>1.3 Um pouco da história da educação dos surdos</p><p>1.4 A oficialização da língua de sinais no Brasil</p><p>1.5 Conclusão</p><p>UNIUBE 3</p><p>1.1 O que compreendemos por representação?</p><p>Representação é o processo pelo qual membros de uma comunidade, utilizando</p><p>sistemas de signos, produzem a comunicação de seus bens, valores, crenças,</p><p>sentimentos e conhecimentos. A representação pode ser verbal quando se uti-</p><p>lizam os sistemas de línguas orais; gráfica, sistemas de linhas e cores; visual,</p><p>quando são utilizados os sistemas de sinais, como, por exemplo, as línguas de</p><p>sinais utilizadas pelas comunidades de surdos. Sendo assim, para representar</p><p>uma ideia, um sentimento, um conhecimento, um objeto ou uma situação, é</p><p>necessário que se empregue um sistema de signos, de sinais significantes, que</p><p>tenham sentido para os seus usuários.</p><p>Esta noção de representação já carrega a importante premissa de que as coi-</p><p>sas – objetos, pessoas, eventos do mundo – não têm em si significado. Seus</p><p>significados lhes são atribuídos pelas comunidades, pelas sociedades em que</p><p>existem ou nas quais se relacionam.</p><p>Interpretações mais tradicionais entendem que somos aquilo que acreditamos</p><p>ser ou que nos fizeram acreditar que somos; e, ainda, que enxergamos no outro</p><p>aquilo que tem significado para nós. Assim, é possível ressaltar a forte influência</p><p>da educação na formação humana. O educar vai além do ensinar, e a escola</p><p>é o espaço designado socialmente para a aquisição e construção dos saberes</p><p>produzidos pela sociedade, sejam eles científicos, éticos, estéticos, econômicos,</p><p>históricos; enfim, de todos os saberes culturais.</p><p>Na perspectiva cultural, antropológica, os estudos relacionados às pessoas com</p><p>deficiências têm deixado claro que o mais importante é como o sujeito surdo</p><p>participa da sociedade, e qual a sua forma de relação com o outro nas diferentes</p><p>situações da vida social.</p><p>1.2 As representações da surdez</p><p>Antes de abordarmos, com mais profundidade, questões pertinentes a este ca-</p><p>pítulo, pense nos conceitos que você tem sobre língua, linguagem, normalidade,</p><p>inferida</p><p>pela delimitação de</p><p>características formais</p><p>das imagens do</p><p>discurso escrito.</p><p>UNIUBE 125</p><p>Situação 2 – sinal</p><p>certo</p><p>Na situação dois, temos o sinal (palavra) “certo” em Libras. Podemos perceber</p><p>que esse sinal não é articulado de forma linear como o são as soletrações das</p><p>palavras em língua portuguesa. O sinal tem uma estrutura distinta daquela das</p><p>soletrações de palavras que são formadas pela justaposição linear de seus</p><p>fonemas (componentes ou unidades mínimas distintivas).</p><p>Podemos, assim, verificar que a estrutura morfológica dos sinais da Libras é</p><p>complexa e apresenta marcas próprias das línguas vísuo -espaciais que não</p><p>existem nas línguas orais.</p><p>4.5.3 Como se formam “as palavras” em Libras?</p><p>Os morfemas são unidades que podem ter funções lexicais ou gramaticais. Por</p><p>exemplo, em português, as palavras casas, construção, falava e impossível são</p><p>constituídas de morfemas lexical e gramatical. Observe na Tabela 4 a seguir.</p><p>126 UNIUBE</p><p>Tabela 4: Morfemas lexical e gramatical.</p><p>MORFEMA LEXICAL MORFEMA GRAMATICAL</p><p>casa + s (indicação de plural)</p><p>constru(ir) + ção (indicação de nome)</p><p>fal(a) + va ( aspecto verbal = continuidade; tempo</p><p>verbal = pretérito perfeito)</p><p>im+poss(i) + vel (indica classe de adjetivos)</p><p>possível + im ( indica negação)</p><p>Conforme afirmamos anteriormente, em Libras, muitas vezes, os morfemas que</p><p>formam as palavras não são equivalentes aos do português. Vamos aqui, a título</p><p>de exemplo, mostrar alguns morfemas da Libras.</p><p>Tabela 5: Morfemas lexical e gramatical.</p><p>MORFEMA LEXICAL DE</p><p>ORIGEM</p><p>MORFEMA GRAMATICAL NOVO MORFEMA/NOVA</p><p>EXPRESSÃO</p><p>SENTAR movimento repetido (marca</p><p>de nome)</p><p>cadeira</p><p>BONITO expressão facial (marca de</p><p>grau aumentativo)</p><p>bonitão = muito bonito</p><p>BONITO expressão facial (marca de</p><p>grau diminutivo)</p><p>bonitinho</p><p>FALAR 2 mãos e movimentos</p><p>longos (aspecto</p><p>continuativo)</p><p>falava sem parar</p><p>PEGAR Cl:5 Classificador para</p><p>objetos redondos e grandes</p><p>pegar bola</p><p>PEGAR Cl:F Classificador para</p><p>objetos finos e pequenos</p><p>pegar botão</p><p>PODER movimentos da cabeça</p><p>(negação)</p><p>não poder</p><p>POSSÍVEL movimento inverso das</p><p>mãos (negação)</p><p>impossível</p><p>SABER movimento da mão para</p><p>fora (negação)</p><p>não saber</p><p>UNIUBE 127</p><p>Vejamos algumas ilustrações dos sinais, anteriores:</p><p>falar falar sem parar (falar pelos cotovelos)</p><p>Falar + o aspecto continuativo</p><p>pegar + classificador 5</p><p>poder/possível não poder</p><p>128 UNIUBE</p><p>Impossível</p><p>Saber Não saber</p><p>4.5.4 Formações de palavras por derivação</p><p>Podemos utilizar as ilustrações anteriores como exemplos de formação de pa-</p><p>lavras por derivação, explicando melhor as tabelas à página 126:</p><p>• CADEIRA deriva de SENTAR a partir do movimento repetido do primeiro;</p><p>• BONITINHO é derivado de BONITO por meio da adjunção da expressão facial,</p><p>marca de grau diminutivo;</p><p>• BONITÃO é derivado de BONITO por meio da adjunção do afixo expressão</p><p>facial, marca de grau aumentativo;</p><p>UNIUBE 129</p><p>• FALAR SEM PARAR é derivado de FALAR por meio da adjunção da mão</p><p>esquerda e do alongamento dos movimentos, marca de aspecto continuativo;</p><p>• PEGAR BOLA é derivado de PEGAR por meio da adjunção do afixo Cl:5,</p><p>classificador para objetos redondos grandes;</p><p>• PEGAR AGULHA é derivado de PEGAR por meio da afixação do morfema</p><p>gramatical Cl:F, classificador para objetos finos e pequenos;</p><p>• NÃO PODER é derivado de PODER por meio do afixo negativo, movimentos</p><p>da cabeça para os lados;</p><p>• IMPOSSÍVEL é derivado de POSSÍVEL por meio da inversão do movimento</p><p>de para baixo e para os lados, afixo também negativo;</p><p>• NÃO SABER é derivado de SABER por meio da afixação de um movimento</p><p>da mão para fora, morfema negativo também.</p><p>Com esses exemplos, pode -se notar que as primeiras palavras são formadas</p><p>a partir de seus radicais aos quais se juntam afixos ou morfemas gramaticais,</p><p>pelo processo de derivação.</p><p>4.5.5	Os	classificadores	(Cl)</p><p>Os classificadores são elementos estruturais da Libras que não existem nas</p><p>línguas orais. São formas que estabelecem noções de concordância em uma</p><p>língua; ou, ainda, formas representadas por configurações de mão que, ao</p><p>substituírem o nome que as precedem, podem vir junto de verbos de movimento</p><p>e de localização para, por exemplo, classificar o sujeito ou o objeto que está</p><p>ligado à ação do verbo.</p><p>130 UNIUBE</p><p>Podemos afirmar, portanto, que os classificadores na Libras são marcadores de</p><p>concordância de gênero para pessoas, animais ou coisas. São muito importantes,</p><p>pois ajudam a construir sua estrutura sintática, por meio de recursos corporais</p><p>que possibilitam relações gramaticais altamente abstratas.</p><p>Conforme Ferreira Brito (1995), muitos classificadores são icônicos em seu sig-</p><p>nificado em decorrência da semelhança existente entre a sua forma ou tamanho</p><p>do objeto referido. Às vezes, o Cl refere -se ao objeto ou ao ser como um todo,</p><p>outras vezes, refere -se apenas a uma parte ou característica do ser. Vejamos</p><p>alguns exemplos.</p><p>LIBRAS PORTUGUÊS</p><p>CARRO BATER POSTE</p><p>CI (verbo em movimento) CI</p><p>O carro bateu no poste</p><p>LIBRAS PORTUGUÊS</p><p>PRATOS EMPILHADOS</p><p>CI verbo em localização</p><p>Os pratos estão empilhados</p><p>4.5.6	Tipos	de	classificadores</p><p>4.5.6.1 Quanto à forma e tamanho dos seres (tipos de objetos)</p><p>• Cl [B]: Usado para especificar áreas lisas ou onduladas como</p><p>por exemplo: uma parede, uma mesa, uma rua, um telhado, um</p><p>notebook. Também pode ser usado para posicional veículos, um</p><p>carro, por exemplo, um atrás do outro, um ao lado do outro, ou</p><p>enfileirados.</p><p>• Cl [B]: Usado também para especificar áreas lisas, como por exem-</p><p>plo: uma bandeja, um espelho, um papel caindo.</p><p>• Cl [V]: Usado para especificar quando duas pessoas estão an-</p><p>dando juntas ou quando estão paradas. A direção para onde a</p><p>palma da mão estiver voltada será a mesma para onde as pes-</p><p>soas estão indo.</p><p>UNIUBE 131</p><p>• Cl [54]: Usado para especificar quatro pessoas andando juntas ou</p><p>várias pessoas enfileiradas.</p><p>• Cl: [Y]: Usado para especificar alguns objetos, como: telefone,</p><p>sapato de salto alto, jarra, ferro. Usado também para pessoas</p><p>gordas, avião.</p><p>• Cl: [C]: Usado para especificar objetos grossos ou cilíndricos, por</p><p>exemplo: um vaso de flores, um copo, uma garrafa.</p><p>• Cl: [G1]: Usado para especificar objetos quadrados, retangulares,</p><p>circulares etc., e também para designar locais como: aqui, ali e lá.</p><p>• Cl: [F]: Usado para especificar objetos cilíndricos, planos e peque-</p><p>nos, como: moedas, botões de uma camisa, um cano fino.</p><p>Na realização dos classificadores, as expressões faciais têm importância fun-</p><p>damental, uma vez que intensificam seu significado. Observem:</p><p>a) Para coisas grossas, ou grandes, usa -se as bochechas infladas e olhos bem</p><p>abertos.</p><p>132 UNIUBE</p><p>b) Para coisas estreitas ou finas, usa -se a expressão facial com olhos semi-</p><p>fechadas, franzir da testa, ombros levantados e leve inclinação da cabeça</p><p>para a frente.</p><p>c) Para tamanhos medianos, usa -se a expressão facial normal ou neutra.</p><p>UNIUBE 133</p><p>4.5.6.2 Quanto ao modo de segurar certos objetos</p><p>Cl: [F]: Usado para especificar objetos finos e pequenos, por exemplo: botões</p><p>de uma camisa, moedas;</p><p>Cl: [H]: Usado para especificar o modo de segurar um cigarro, uma tesoura;</p><p>Cl: [C]: Usado para especificar o modo de segurar um copo, um vaso de flores,</p><p>uma garrafa;</p><p>Cl: [As]: Usado para especificar o modo de segurar alguns objetos, como por</p><p>exemplo: uma faca, uma mala, uma sacola, um carimbo, uma caneca de chopp,</p><p>um serrote, um buquê de flores etc. Representa o próprio objeto, e é parte do</p><p>verbo, ou seja, da ação.</p><p>Na Libras, também se formam nomes a partir de verbos. Observe:</p><p>telefonar telefone</p><p>134 UNIUBE</p><p>sentar cadeira</p><p>perfumar perfume</p><p>UNIUBE 135</p><p>pentear pente</p><p>ouvir ouvinte</p><p>136 UNIUBE</p><p>Alguns sinais como SENTAR e CADEIRA são distintos quanto à forma para as</p><p>categorias verbo e nome, porém, a maioria deles não se distingue quanto às</p><p>categorias verbo, nome, adjetivo e advérbio. O que vai defini -los como tal é sua</p><p>função no enunciado. Podemos, entretanto, ilustrar alguns casos de palavras</p><p>que</p><p>poderiam ser derivadas de outras como é o caso de construir e construção,</p><p>em português. Vejam que, nas sentenças a seguir, identificamos um mesmo</p><p>item lexical como nome ou verbo, dependendo do contexto em que aparecem:</p><p>ELE NÃO LIMPAR -CHÃO -Cl:Y (com escova)</p><p>(= Ele não limpou com escova o chão)</p><p>ELE LIMPAR -CHÃO -Cl:Y (com escova) NÃO -Y</p><p>(= Ele não fez a limpeza do chão com a escova)</p><p>No primeiro caso, o item lexical LIMPAR -CHÃO -Cl:Y tem uma função verbal.</p><p>Entretanto, na segunda sentença, LIMPAR -CHÃO -Cl:Y tem uma função nominal,</p><p>ou seja, é um substantivo porque vem acompanhado de um verbo leve, NÃO -Y,</p><p>roubar ladrão</p><p>UNIUBE 137</p><p>que devido à sua natureza de verbo sem valência não pode ser considerado um</p><p>nome. Nesse caso, como os verbos chamados leves sempre vêm acompanhados</p><p>de um nome e como o único item capaz de preencher essa função nominal é o</p><p>sinal LIMPAR -CHÃO -Cl:Y, diremos que ele pode pertencer a ambas categorias:</p><p>LIMPAR -CHÃO -Cl:Y – verbo (limpou)</p><p>LIMPAR -CHÃO -Cl:Y – nome (limpeza)</p><p>4.5.7 Formação de palavras por composição</p><p>As palavras ou sinais em Libras também podem ser formados pelo processo de</p><p>composição, isto é, pela adjunção de dois sinais simples em formas compostas.</p><p>Por exemplo:</p><p>CASA + CRUZ = IGREJA</p><p>MULHER + PEQUENO = MENINA</p><p>HOMEM + PEQUENO = MENINO</p><p>Algumas regras morfológicas são aplicadas na criação de novas unidades com-</p><p>postas, as quais estão descritas e exemplificadas, a seguir.</p><p>a) Regra de contato: é muito comum um sinal incluir algum tipo de contato,</p><p>seja no corpo, seja na mão passiva. É importante observar que se um sinal</p><p>composto apresenta contato no primeiro ou no segundo sinal, o contato pode</p><p>permanecer nos dois sinais que formam o composto ou em apenas um deles.</p><p>Como exemplos da aplicação dessa regra na língua de sinais brasileira têm-</p><p>-se ACREDITAR (saber + estudar) e ESCOLA (casa + estudar).</p><p>138 UNIUBE</p><p>casa estudar</p><p>Escola</p><p>b) Regra da sequência única: caracteriza -se pela formação de compostos</p><p>na língua de sinais brasileira com a eliminação do movimento interno ou a</p><p>repetição do movimento. Os sinais PAI e MÃE (isoladamente) apresentam</p><p>movimento repetido. No entanto, se os sinais PAI+MÃE ocorrem juntos for-</p><p>mando um sinal composto, denotando PAIS, a repetição ou o movimento</p><p>interno do dedo são eliminados. Veja:</p><p>acreditar</p><p>UNIUBE 139</p><p>mulher tomar bênção (beijar a mão)</p><p>Mãe</p><p>homem tomar bênção (beijar a mão)</p><p>Pai</p><p>140 UNIUBE</p><p>tomar bênção (beijar a mão)</p><p>Pais</p><p>c) Regra da antecipação da mão não dominante: quando dois sinais são</p><p>combinados para formar um composto, frequentemente acontece que a</p><p>mão passiva do sinalizador antecipa o segundo sinal no processo de com-</p><p>posição. Por exemplo, no sinal composto BOA + NOITE, observa -se que a</p><p>mão não dominante aparece no espaço neutro em frente ao sinalizador com</p><p>uma configuração de mão que envolve o sinal composto, o que pode ser</p><p>observado também nos sinais ACREDITAR (saber + estudar) e ACIDENTE</p><p>(carro + bater):</p><p>UNIUBE 141</p><p>boa noite</p><p>acreditar</p><p>142 UNIUBE</p><p>A noção de numeral pode ser incorporada pela mudança de configuração de</p><p>mão do sinal. Por exemplo, um dia é marcado pelo dedo anular esticado e pelo</p><p>sinal de mês, na outra mão. Se são dois dias, estica -se também o dedo médio.</p><p>O mesmo ocorre com noções do tipo ontem e anteontem, em que também se</p><p>aponta alterando a configuração de mão do sinal, conforme pode ser observado</p><p>nas figuras.</p><p>Dia Dois dias Ontem Anteontem</p><p>Há ainda outro processo produtivo na Libras: a incorporação da negação pela</p><p>alteração de um dos parâmetros do sinal, que varia de item para item. Vejam nas</p><p>figuras que também a expressão facial colabora para a incorporação da negação.</p><p>acidente de carro</p><p>UNIUBE 143</p><p>Ter Não ter Gostar Não gostar</p><p>4.6	 A	flexão	na	língua	de	sinais</p><p>Como nas línguas orais, também há flexão nas línguas de sinais, quais sejam,</p><p>as flexões de:</p><p>• pessoa – muda as referências pessoais do verbo;</p><p>• número – indica o singular, o dual (a mão ficará com o formato de dois dedos</p><p>esticados), o trial (a mão ficará com o formato de três dedos esticados), o</p><p>quatrial (a mão ficará com o formato de quatro dedos esticados) e o plural,</p><p>para o qual há dois sinais: o sinal composto que indica a pessoa do discurso</p><p>no singular + grupo e a configuração da mão fazendo um círculo – nós;</p><p>• grau – distingue menor, mais próximo, muito, dentre outros;</p><p>• modo – faz distinções, como os graus de facilidade (muito fácil, razoavelmente</p><p>fácil, dentre outros);</p><p>• reciprocidade – indica relação ou ação mútua;</p><p>• foco temporal – aponta aspectos temporais, tais como progresso, graduação,</p><p>aumento, início e outros;</p><p>• aspecto temporal – apresenta distinções relacionadas a tempo, como por muito</p><p>tempo, continuamente, regularmente, repetidamente, dentre outras;</p><p>144 UNIUBE</p><p>• aspecto distributivo – distingue cada, alguns especificados, alguns não</p><p>especificados, para todos e outros.</p><p>Vejamos cada uma dessas flexões separadamente.</p><p>4.6.1 Flexão de pessoa</p><p>Neste item, entram em cena os pronomes pessoais.</p><p>Primeira pessoa</p><p>Singular: EU – Com a configuração de mão em G1, apontar para o próprio peito.</p><p>Dual: NÓS DOIS – Com a configuração de mão em K, primeiro encosta no pró-</p><p>prio corpo e depois direciona para a pessoa referida.</p><p>UNIUBE 145</p><p>Trial: NÓS TRÊS – Com a configuração de mão em W, proceder com o sinal</p><p>de nós.</p><p>Quatrial: NÓS QUATRO – Com a configuração de mão em 54, proceder com</p><p>o sinal de nós.</p><p>Plural:</p><p>NÓS (GRUPO) NÓS (TODOS)</p><p>Segunda pessoa</p><p>Singular: VOCÊ – Com a configuração de mão em G1, apontar para a pessoa</p><p>com quem está conversando.</p><p>146 UNIUBE</p><p>Dual: VOCÊS DOIS – Com a configuração de mão em V, apontar para as duas</p><p>pessoas referidas.</p><p>Trial: VOCÊS TRÊS – Com a configuração de mão em W, apontar para as três</p><p>pessoas referidas.</p><p>Quatrial: VOCÊS QUATRO – Com a configuração de mão em 54, apontar para</p><p>as quatro pessoas referidas.</p><p>Plural:</p><p>VOCÊS TRÊS</p><p>Terceira pessoa</p><p>Singular: ELE – Com a configuração de mão em G1, apontar para uma pessoa</p><p>que não esteja diretamente relacionada na conversa.</p><p>UNIUBE 147</p><p>Dual: ELES DOIS</p><p>Trial: ELES TRÊS</p><p>Quatrial: ELES QUATRO</p><p>Plural:</p><p>Os surdos, muitas vezes, ao se referir a uma outra pessoa que esteja presente</p><p>no mesmo local, mas necessita ser discreto, por educação, não utiliza apontação</p><p>para essa pessoa diretamente, faz um sinal com os olhos e um leve movimento</p><p>de cabeça em direção à pessoa mencionada ou aponta -se para a palma de sua</p><p>mão (voltada para a direção onde se encontra a pessoa citada).</p><p>4.6.2 Flexão verbal</p><p>Na Libras, os verbos dividem -se em três grupos:</p><p>• verbos simples (não se flexionam em pessoas e número e não incorporam</p><p>afixos locativos; alguns desses verbos apresentam flexão de aspecto);</p><p>• verbos com concordância (flexionam -se em pessoa, número e aspecto, mas</p><p>não incorporam afixos locativos);</p><p>• verbos espaciais (os que têm afixos locativos).</p><p>148 UNIUBE</p><p>Vejamos alguns exemplos de cada caso, a seguir.</p><p>a) verbos simples</p><p>b) verbos com concordância</p><p>c) verbos espaciais</p><p>conhecer amar aprender</p><p>dar enviar</p><p>colocar ir chegar</p><p>UNIUBE 149</p><p>4.6.3 Flexão de número</p><p>Muitas são as formas de verbos e substantivos apresentarem flexão de número</p><p>na Libras. A diferenciação entre o singular e o plural é uma das mais básicas e é</p><p>marcada por meio da repetição do sinal. Observe a seguir.</p><p>A distinção entre a flexão do verbo para um, dois ou mais referentes, constitui</p><p>outra forma de flexão de número. Ou o verbo apresenta uma referência gene-</p><p>ralizada ou direciona -se para mais de um ponto estabelecido no espaço. Veja</p><p>os exemplos.</p><p>ano anterior anos anteriores</p><p>João entregar “a” (livro) João entregar “a + b” (livro)</p><p>150 UNIUBE</p><p>Em relação à flexão de número dos verbos, temos, ainda, a marcação de aspecto</p><p>distributivo, conforme já mencionamos. Vejamos quais são elas.</p><p>a) Exaustiva – quando a ação é repetida exaustivamente;</p><p>João entregar “a + b + c” (livro) João entregar “a + b”</p><p>(distribuitiva não específica)</p><p>entregar para eles</p><p>UNIUBE 151</p><p>b) distributiva específica – quando a distribuição relaciona -se a referentes es-</p><p>pecíficos;</p><p>c) distributiva não específica – quando a distribuição relaciona -se a referentes</p><p>indeterminados.</p><p>entregar para eles</p><p>entregar para eles</p><p>(distribuitiva não específica)</p><p>152 UNIUBE</p><p>A reciprocidade na Libras também é marcada pela duplicação do sinal feita</p><p>simultaneamente. Observe.</p><p>4.6.4 Flexões de foco e aspecto temporal</p><p>Distinguem -se das de aspecto distributivo, pois não incluem a flexão de número,</p><p>mas referem -se à distribuição temporal. São elas:</p><p>olhar (recíproco)</p><p>entregar (recíproco)</p><p>UNIUBE 153</p><p>a) incessante: a ação realiza -se incessantemente;</p><p>b) ininterrupta – a ação se inicia e continua sem interrupção;</p><p>cuidar [incessante]</p><p>(cuidar + cuidar + cuidar rapidinho)</p><p>cuidar [ininterrupta] (cuidar parado)</p><p>154 UNIUBE</p><p>c) habitual – a ação que se repete, que apresenta recorrência;</p><p>cuidar [habitual] (cuidar + cuidar + cuidar mais devagar)</p><p>d) contínua – quando a ação apresenta uma recorrência sistemática;</p><p>gastar [contínua] (movimento circular maior)</p><p>UNIUBE 155</p><p>e) duracional – a ação apresenta um caráter durativo, mais perene.</p><p>gastar [duracional]</p><p>(movimento circular com uma e outra mão consecutivamente)</p><p>4.7 Sintaxe – de que maneira se estabelecem as relações</p><p>sintáticas numa língua vísuo -espacial como a Libras?</p><p>Em uma língua de sinais, como a Libras, as relações gramaticais são estabeleci-</p><p>das no espaço, de diferentes formas e por meio de diferentes recursos, dentre os</p><p>quais o estabelecimento nominal e o uso do sistema pronominal. Esses recursos</p><p>são essenciais para as relações sintáticas, pois qualquer referência usada no</p><p>discurso exige a indicação de um local no espaço de sinalização (no corpo do</p><p>sinalizador), observando algumas restrições. Esse local pode ser indicado por</p><p>meio de vários mecanismos espaciais. São eles:</p><p>156 UNIUBE</p><p>a) fazer o sinal acompanhado do local estabelecido para o referente;</p><p>casa (do João) casa (do Pedro)</p><p>b) direcionar a cabeça e os olhos (e talvez o corpo) em direção a um local par-</p><p>ticular e, ao mesmo tempo, com um sinal de um substantivo ou apontando</p><p>para o substantivo;</p><p>casa lá</p><p>UNIUBE 157</p><p>c) usar a apontação ostensiva antes do sinal de um referente específico, ao</p><p>contrário do mecanismo anterior;</p><p>aquela casa</p><p>d) utilizar um pronome (a apontação ostensiva) numa localização particular,</p><p>quando a referência for óbvia;</p><p>aquela casa nova</p><p>158 UNIUBE</p><p>e) utilizar um classificador para representar um determinado referente, em uma</p><p>localização particular;</p><p>carro carro passou um pelo outro</p><p>f) usar um verbo direcional (com concordância), incorporando os referentes</p><p>introduzidos no espaço previamente.</p><p>(eu) ir (casa)</p><p>Como os referentes podem estar presentes ou não, há mecanismos diferen-</p><p>tes para indicá -los, em cada caso. Quando os referentes estão presentes,</p><p>estabelecem -se os pontos no espaço, a partir da posição real ocupada pelo refe-</p><p>rente (o sinalizador aponta para si, para o interlocutor e para outros, por exemplo,</p><p>UNIUBE 159</p><p>indicando a primeira, segunda ou terceira pessoas do discurso). Entretanto, se</p><p>os referentes estiverem ausentes da situação de interlocução, estabelecem -se</p><p>pontos abstratos no espaço.</p><p>Esses verbos direcionais devem concordar com o sujeito e/ou com o objeto</p><p>indireto/direto do enunciado. Observem, nos exemplos a seguir, que há uma</p><p>relação entre os pontos estabelecidos no espaço e os argumentos incorporados</p><p>ao verbo. Além disso, a direção do olhar também acompanha o movimento. Isso</p><p>constitui um tipo de flexão específico das línguas de sinais.</p><p>(Ele(a)) <aOLHARb> do (Ele(a)) (Ele(a)) <aAJUDARb> do (Ele(a))</p><p>(Ele(a)) <aENTREGARb> do (Ele(a))</p><p>160 UNIUBE</p><p>Na Libras, algumas relações sintáticas são marcadas por expressões faciais,</p><p>junto com os sinais. Vejam alguns exemplos, a seguir.</p><p>a) Concordância gramatical marcada pela direção dos olhos.</p><p>< > do</p><p>b) Marcação relacionada ao foco.</p><p>< > mc</p><p>UNIUBE 161</p><p>c) Marcação de negativa.</p><p>< > n</p><p>d) Marcação de tópico.</p><p>162 UNIUBE</p><p>e) Marcação de interrogativas.</p><p>4.7.1 A ordem da frase na língua de sinais brasileira</p><p>Há várias possibilidades de ordenação das palavras nas sentenças, mas tudo</p><p>indica que há uma ordenação mais básica que as demais: sujeito – verbo –</p><p>objeto. Todas as sentenças com essa ordem são gramaticais.</p><p>Exemplo: Ela assiste TV.</p><p>Nesse exemplo, temos um verbo com concordância, com uma marca não</p><p>manual, da direção dos olhos que acompanham a concordância de pessoa</p><p>associada ao verbo.</p><p>UNIUBE 163</p><p>Além da ordem SVO, há outras estruturas frasais na Libras, que ocorrem espe-</p><p>cialmente quando a concordância associa -se à marcação não manual. Observe</p><p>os exemplos:</p><p>Ela TV assiste. (SOV)</p><p>Futebol ela gosta. (OSV)</p><p>Entretanto, mesmo ocorrendo as construções SOB e OSV associadas a marcas</p><p>não manuais, não é possível mudar o objeto de ordem, quando houver uma</p><p>estrutura complexa funcionando como objeto, como uma oração subordinada.</p><p>Vejam:</p><p>Libras: EU ACHAR MARIA IR EMBORA.</p><p>Português: Eu acho que a Maria foi embora.</p><p>Em Libras, também não é possível “colocar” os advérbios de frequência e os</p><p>temporais entre o verbo e o objeto. Normalmente, eles ocorrem antes ou no</p><p>final da oração. Os de frequência podem, ainda, ocorrer antes da forma verbal.</p><p>Libras: JOÃO COMPRAR CARRO ONTEM (ou ONTEM JOÃO COMPRAR</p><p>CARRO)</p><p>164 UNIUBE</p><p>Português: João comprou um carro ontem. (ou Ontem, João comprou</p><p>um carro.)</p><p>Libras: EU ALGUMAS VEZES BEBER LEITE.</p><p>Português: Eu algumas vezes bebo leite.</p><p>Por outro lado, a topicalização também pode alte-</p><p>rar a ordem básica – SVO.</p><p>Libras: DE FUTEBOL JOÃO GOSTAR.</p><p>Português: De futebol, João gosta.</p><p>Libras: DE FUTEBOL JOÃO NÃO GOSTAR.</p><p>Português: De futebol, João não gosta.</p><p>Libras: DE FUTEBOL JOÃO GOSTAR?</p><p>Português: De futebol, João gosta?</p><p>A ordem básica da frase em Libras pode ser alterada também pelo recurso da</p><p>topicalização. Os tópicos são associados com a marca não manual, isto é, essa</p><p>marca não pode se espalhar sobre a sentença.</p><p>Libras: CARRO QUAL DELE?</p><p>Português: Qual é o carro dele?</p><p>Libras: FRANÇA EU IR.</p><p>Português: À França, eu vou.</p><p>As frases em Libras com foco que incluem verbos sem concordância podem</p><p>gerar estruturas SOV:</p><p>Libras: EU PERDER LIVRO PERDER.</p><p>Português: Eu perdi o livro</p><p>Topicalização</p><p>Consiste em colocar o</p><p>tema do discurso, que</p><p>apresenta uma ênfase</p><p>especial, no início da</p><p>frase, seguindo -se</p><p>comentário sobre esse</p><p>tema.</p><p>UNIUBE 165</p><p>Muitas vezes, essa focalização permite o apagamento da cópia. Observem:</p><p>Libras: EU PERDER LIVRO PERDER.</p><p>EU (PERDER) LIVRO PERDER.</p><p>EU LIVRO PERDER. (SOB)</p><p>Português: Eu perdi o livro.</p><p>Também a elevação do objeto para a posição mais alta nas construções com</p><p>verbos com concordância resulta na ordem SOB:</p><p>Libras: JOÃO MARIA DAR LIVRO NÃO.</p><p>Português: João não deu o livro a Maria.</p><p>Podemos, ainda, ter a ordem (S)V(O) em Libras graças à possibilidade de omitir-</p><p>-se tanto o sujeito como o objeto nas construções com verbos com concordância.</p><p>Vejam o exemplo a seguir.</p><p>(S) dar (O) (eles) deram (algo) (eles)</p><p>Finalmente, a ordem VOS pode ocorrer em contextos de foco contrastivo. Notem:</p><p>Libras: QUEM COMPRAR CARRO JOÃO OU MARIA.</p><p>166 UNIUBE</p><p>COMPRAR CARRO JOÃO. (VOS)</p><p>Português: Quem comprou o carro João ou Maria?</p><p>João comprou o caro.</p><p>4.7.2 E as interrogativas em Libras: como são formadas?</p><p>Os elementos interrogativos em Libras – o que, quem, como, onde, por que, dentre</p><p>outros – podem mover -se para SPEC de CP ou manter -se na posição original.</p><p>Exemplo de enunciado com o elemento interrogativo na posição original, em</p><p>que esse elemento interrogativo ocorre na posição de sujeito:</p><p>Libras: QUEM GOSTAR MARIA?</p><p>Português: Quem gosta de Maria?</p><p>Exemplo de enunciado com o elemento interrogativo na posição original.</p><p>Libras: QUEM GOSTAR JOÃO?</p><p>Português: Quem gosta de João?</p><p>Exemplo de enunciado com o elemento interrogativo</p><p>na posição de objeto:</p><p>Libras: DE QUEM JOÃO GOSTAR?</p><p>Português: De quem João gosta?</p><p>UNIUBE 167</p><p>Na Libras, as construções interrogativas podem aparecer associadas a marcas</p><p>não manuais. Observe a expressão facial da mulher.</p><p>Libras: JOÃO PEGAR O QUÊ?</p><p>Português: O que João pegou?</p><p>É importante apontar também que as construções interrogativas nas orações</p><p>principais têm um sinal diferente do sinal de subordinadas. Nesse caso, a marca</p><p>não manual associada com a oração interrogativa subordinada é mais tensa do</p><p>que a produzida com a oração principal, além de poder ser produzida com uma</p><p>ou duas mãos. Nessa classe, temos três interrogativas:</p><p>a) Interrogativa 1: indagam sobre coisa normalmente associadas às palavras</p><p>interrogativas O QUÊ, COMO, ONDE, POR QUE, QUEM.</p><p>(Quê?)</p><p>168 UNIUBE</p><p>b) Interrogativa 2: expressam dúvida, desconfiança.</p><p>(Quê?)</p><p>c) Interrogativa 3: são as que aparecem em oração subordinada com expressão</p><p>facial diferenciada.</p><p>(Quê?)</p><p>Vejam mais um exemplo dos sinais que constituem uma oração subordinada</p><p>interrogativa:</p><p>UNIUBE 169</p><p>Libras: EU QUERO SABER QUEM JOÃO ESCOLHER.</p><p>Português: Eu quero saber quem o João escolheu.</p><p>Pode-se observar que a estruturação da Libras possui regras, elementos e</p><p>mecanismos próprios e não se usam artigos, preposições, conjuções, porque</p><p>esses conectivos estão incorporados ao sinal.</p><p>Por certo, ainda há muito o que se investigar e aprender sobre a Libras, mas, de</p><p>um modo geral, essa é a língua brasileira de sinais: uma língua natural, porque</p><p>usada por uma comunidade linguística brasileira, constituída dos níveis fono-</p><p>lógico, morfológico e sintático, como qualquer outro idioma usado como língua</p><p>materna de qualquer comunidade linguística.</p><p>170 UNIUBE</p><p>4.8 E as variações linguísticas também ocorrem na Libras?</p><p>Como em qualquer língua natural, nas línguas de sinais também ocorre varia-</p><p>ção linguística. Na maior parte do mundo, há, pelo menos, uma língua de sinais</p><p>usada amplamente na comunidade surda de cada país, diferente daquela da</p><p>língua falada utilizada na mesma área geográfica. Isto se dá justamente por-</p><p>que essas línguas são independentes das línguas orais, pois foram produzidas</p><p>dentro das comunidades surdas. Por exemplo, a Língua de Sinais Americana</p><p>(ASL) é diferente da Língua de Sinais Britânica (BSL), que difere, por sua vez,</p><p>da Língua de Sinais Francesa (LSF).</p><p>Exemplo:</p><p>NOME</p><p>ASL Libras</p><p>Além disso, dentro de um mesmo país há as variações regionais. A Libras</p><p>apresenta dialetos regionais, salientando assim, uma vez mais, o seu caráter</p><p>de língua natural, conforme já reafirmamos.</p><p>UNIUBE 171</p><p>Variação regional: representa as variações de sinais de uma região para outra,</p><p>no mesmo país.</p><p>Exemplo:</p><p>VERDE</p><p>Rio de Janeiro São Paulo Curitiba</p><p>MAS</p><p>Rio de Janeiro São Paulo Curitiba</p><p>Variação social: refere -se à variações na configuração das mãos e/ou no mo-</p><p>vimento, não modificando o sentido do sinal.</p><p>172 UNIUBE</p><p>Exemplo:</p><p>AJUDAR</p><p>CONVERSAR</p><p>AVIÃO</p><p>UNIUBE 173</p><p>SEMANA</p><p>Mudanças históricas: com o passar do tempo, um sinal pode sofrer alterações</p><p>decorrentes dos costumes da geração que o utiliza.</p><p>Exemplo:</p><p>AZUL</p><p>1o 2o</p><p>3o</p><p>174 UNIUBE</p><p>BRANCO</p><p>1o 2o</p><p>3o</p><p>4.9 Conclusão</p><p>Chegamos, assim, ao final deste capítulo. Trata -se, como teve oportunidade</p><p>de perceber, de assunto complexo, cuja assimilação exige muita atenção de</p><p>sua parte. Pudemos perceber que é pela linguagem que nós interagimos com</p><p>os outros, expressamos nossos pensamentos e emoções e podemos construir</p><p>cultura, uma vez que, por meio da linguagem, passamos nossas experiências</p><p>às novas gerações. Por isso ela tem papel muito importante em nossas vidas,</p><p>constituindo a base de todas as nossas relações sociais, políticas, afetivas,</p><p>culturais e históricas. Vimos que as línguas constituem uma das formas de lin-</p><p>guagem, específica dos seres humanos, os quais falam pelo menos uma língua:</p><p>a sua língua materna, que aprende até os cinco anos de idade, em estágios com</p><p>características idênticas entre as comunidades linguísticas, independentemente</p><p>UNIUBE 175</p><p>da ampla diversidade da experiência linguística e das condições sociais em que</p><p>se desenvolve o processo de aquisição. Ao falarmos de uma língua materna,</p><p>estamos falando de língua natural. As línguas de sinais, dentre elas a Libras, a</p><p>Língua Brasileira de Sinais, constituem sistemas de comunicação natural, uma</p><p>vez que as comunidades linguísticas configuram -se por definições de natureza</p><p>diversa, em que a noção de nação é apenas uma. A língua de sinais é a língua</p><p>materna da comunidade surda, porque, além de constituir um traço identitário</p><p>desse grupo, possibilita a interação entre os seus membros e também entre eles</p><p>e pessoas ouvintes. Pelo que você pode perceber, o estudo da Libras não se</p><p>esgota aqui, mas o que apresentamos é suficiente para dar a você a dimensão</p><p>da importância de seu estudo e da necessidade de prosseguir na busca de uma</p><p>compreensão cada mais ampla desse importante meio, não só de comunicação,</p><p>mas também de inclusão social, que é a língua de sinais. É importante que você</p><p>aprenda e se instrua a respeito das pessoas surdas e de sua língua, pois de</p><p>acordo com o censo demográfico de 2000 (IBGE), dos 24,6 milhões de pessoas</p><p>com deficiência no Brasil, 5,7 milhões apresentam algum tipo de deficiência au-</p><p>ditiva e dentre estas pessoas existem muitos surdos que se utilizam da Libras</p><p>para se comunicar e precisam apenas de nosso respeito pela sua diferença.</p><p>Resumo</p><p>Neste capítulo, você ficou conhecendo um pouco mais sobre a Língua Brasileira</p><p>de Sinais – Libras, principalmente sobre a sua organização e o seu funciona-</p><p>mento. Pôde perceber, inicialmente, que a língua de sinais é uma língua natural</p><p>e que constitui um sistema complexo. Vimos como se caracterizam as línguas</p><p>de sinais e conhecemos as diversas crenças que rondam a questão das línguas</p><p>espaço -visuais, as quais constituem apenas mitos. Pudemos verificar que, apesar</p><p>de não ser uma língua oral, a Libras tem também estudos de fonologia, uma vez</p><p>que também possui a sua unidade mínima distintiva. Assim, na língua de sinais,</p><p>também encontramos os pares mínimos, noção importante no que se refere ao</p><p>ensino. Em relação à morfologia, aprendemos sobre o léxico e a unidade lexical</p><p>da Libras; sobre os processos de formação de palavras nessa língua e sobre a</p><p>categoria dos classificadores, classe específica das línguas de sinais. Quanto</p><p>176 UNIUBE</p><p>à flexão, pudemos observar como a Libras se flexiona em relação ao verbo e</p><p>ao nome. Para finalizar, estudamos sobre a sintaxe da Libras: a ordem da frase</p><p>e como se formam as interrogativas. Assim, foi possível verificar que a Libras</p><p>possui, como qualquer outra língua oral, uma estrutura gramatical própria, com</p><p>seus níveis fonológico, morfológico, sintático e semântico, distinguindo -se, no</p><p>entanto, delas, por sua natureza visual -espacial, conhecimento que lhe possi-</p><p>bilitou ter uma visão ao mesmo tempo ampla e detalhada do tema.</p><p>Atividades</p><p>Atividade 1</p><p>Observe as afirmativas a seguir, a respeito da Libras:</p><p>I – As línguas de sinais constituem mímicas e gestos soltos, utilizados pelas</p><p>pessoas surdas para facilitar a comunicação.</p><p>II – As LS são sistemas complexos, com estruturas gramaticais próprias, cons-</p><p>tituídas nos níveis fonológico, morfológico, sintático e semântico como os</p><p>demais sistemas de língua que conhecemos.</p><p>III – A Libras difere das demais línguas por ser de modalidade oral-auditiva.</p><p>IV – As Línguas de Sinais (LS) são línguas naturais, como o português.</p><p>Estão corretas apenas:</p><p>a) ( ) I e III. d) ( ) II e III e V.</p><p>b) ( ) II e IV. e) ( ) I, IV e V.</p><p>c) ( ) I, II, III, IV e V.</p><p>Atividade 2</p><p>Segundo Lyons (1987), linguagem é um sistema de comunicação natural ou</p><p>artificial, humano ou não, ou seja, qualquer meio de comunicação, como a lin-</p><p>UNIUBE 177</p><p>guagem corporal, as expressões faciais, a maneira de nos vestirmos, as reações</p><p>de nosso organismo, a linguagem de outros animais, os sinais de trânsito, a</p><p>pintura, a música, dentre outros. Então, responda:</p><p>a) Qual a diferença entre uma língua natural e uma língua artificial?</p><p>b) A Libras é uma língua natural? Justifique sua resposta.</p><p>Atividade 3</p><p>A partir do que estudamos sobre a Libras e as línguas de sinais de um modo</p><p>geral, coloque V diante das afirmativas verdadeiras e F, diante das falsas:</p><p>a) ( ) A maioria das línguas naturais são orais -auditivas, portanto a Libras é</p><p>oral -auditiva.</p><p>b) ( ) A língua de sinais não é universal, isto é, as comunidades linguísticas</p><p>compreendem -se mutuamente.</p><p>c) ( ) Nas línguas orais os mecanismos são primordialmente sequenciais</p><p>(um depois do outro), porém nas línguas de sinais os mecanismos são,</p><p>predominantemente, simultâneos.</p><p>d) ( ) A distinção entre os tipos frasais realiza -se, essencialmente, por marcas</p><p>não manuais, tais como as expressões fisionômicas e os movimentos</p><p>do pescoço, em sincronia com o movimento manual.</p><p>e) ( ) Os sinais, para expressar o significado completo do discurso, necessitam</p><p>de outros aspectos que envolvem a interação dos elementos expressivos</p><p>da linguagem, tais como a expressão facial e corporal.</p><p>f) ( ) A simultaneidade no uso de mecanismos não existe nas línguas orais.</p><p>Atividade 4</p><p>Muitas afirmações relacionadas a essa modalidade de língua são inadequadas</p><p>tanto do ponto de vista linguístico quanto social e pedagógico. Os estudos</p><p>178 UNIUBE</p><p>científicos já provaram que muitas concepções que ainda hoje motivam as</p><p>ações educativas na família e, sobretudo, na escola não correspondem ao co-</p><p>nhecimento já construído e divulgado sobre a língua de sinais. Muitas dessas</p><p>concepções se constituem em verdadeiros mitos. Aponte esses mitos e explique</p><p>por que são falácias.</p><p>Atividade 5</p><p>Se as línguas de sinais são línguas espaço -visuais, como se explicam os estudos</p><p>de fonologia nessas línguas?</p><p>Referências</p><p>FERNANDES, E. Linguagem e surdez. Porto Alegre: Artmed, 2003.</p><p>FERREIRA-BRITO, L. Uma abordagem fonológica dos Sinais da LSCB. Revista Espaço:</p><p>INES, Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, 1990.</p><p>______. Por uma gramática de língua de sinais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995.</p><p>LYONS, John. Linguagem e linguística: uma introdução. Rio de Janeiro: LTC, 1987. 322 p.</p><p>QUADROS, R. M. de. As categorias vazias pronominais: uma análise alternativa com base</p><p>na Libras e reflexos no processo de aquisição. Dissertação (Mestrado), pela PUCRS. Porto</p><p>Alegre, 1995.</p><p>QUADROS, R. M.; KARNOPP, L. B. Língua de sinais brasileira – estudos linguísticos. Porto</p><p>Alegre: Artmed, 2006.</p><p>SALLES, H. M. M. et al. Ensino de língua portuguesa para surdos – Caminhos para a</p><p>prática pedagógica. Brasília: MEC, 2004. v. 1 e 2. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/</p><p>seesp/arquivos/pdf/lpvol1.pdf>. Acesso em: 2 dez. 2008.</p><p>STROBEL, K. L.; FERNANDES, S. Aspectos linguísticos da Libras. Curitiba: Seed/Sued/</p><p>DEE, 1998. Disponível em: <http://www8.pr.gov.br/portals/portal/institucional/dee/aspectos_</p><p>ling.pdf>. Acesso em: 2 dez. 2008.</p><p>Anotações</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>_______________________________________________________________</p><p>_______________________________________________________________</p><p>Anotações</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>________________________________________________________________</p><p>_______________________________________________________________</p><p>_______________________________________________________________</p><p>deficiência, inclusão.</p><p>4 UNIUBE</p><p>agora é a sua vez</p><p>Sem pesquisar em livros, revistas ou Internet, tente formular o seu conceito para</p><p>essas palavras. Escreva em seu caderno sobre o que pensou.</p><p>Depois, registre palavras nas quais você pensa quando vê a palavra surdez.</p><p>Para você o surdo é um deficiente? A surdez é uma doença, uma limitação? Pense</p><p>nesses questionamentos quando estiver realizando suas leituras.</p><p>Foi difícil responder às questões propostas? Certamente, muitas dúvidas surgiram</p><p>quando você começou a pensar com mais profundidade no assunto. Agora tente</p><p>não pensar em termos como certo ou errado. Realize suas leituras aberto às no-</p><p>vas reflexões e conceitos, seja curioso, pesquise, faça associações com outras</p><p>leituras que você já realizou durante sua caminhada. Seja ousado, crítico, reflexivo,</p><p>reelabore conceitos, discuta ideias, enfim, seja protagonista do seu processo de</p><p>aprendizagem.</p><p>Para iniciarmos nossas reflexões, vamos pensar sobre conceitos, concepções,</p><p>discursos e representações que prevalecem em relação à surdez. As diferentes</p><p>representações de surdez resultam em práticas que limitam ou ampliam o uni-</p><p>verso do exercício de cidadania das pessoas surdas. As visões que circulam so-</p><p>bre a surdez e os surdos estão presentes nas ciências, na religião, na educação,</p><p>nos consultórios, na mídia, no interior das famílias que, geralmente, reproduzem</p><p>os discursos de alguns que detêm o poder e o saber nas sociedades, e projetam</p><p>as imagens por eles produzidas em seus filhos e irmãos surdos.</p><p>Nesses discursos têm sido colocados focos de atenção na deficiência: o sujeito</p><p>surdo não é visto no todo de suas capacidades e habilidades. Enfim, são as</p><p>práticas discursivas e as condições sociais que os tentam definir e controlar. A</p><p>insistência nessa incompreensão e o enorme desconhecimento das particula-</p><p>ridades das pessoas surdas demandam que nós, os educadores, enfrentemos</p><p>uma luta para tirá -los do âmbito das perspectivas médicas, terapêuticas, as-</p><p>UNIUBE 5</p><p>sistencialistas, caritativas e outras que historicamente têm predominado, para</p><p>percebê -los em uma perspectiva cultural e da diversidade humana.</p><p>1.3 Um pouco da história da educação dos surdos</p><p>Nas mais antigas comunidades humanas, nas diversas regiões do mundo, sem-</p><p>pre nasceram pessoas surdas ou que perderam a audição na mais tenra idade.</p><p>Em cada um desses lugares, desenvolveu -se um sistema de língua próprio</p><p>dessas pessoas. Os registros históricos explicam que a comunicação entre elas</p><p>e as pessoas que ouviam se fazia pelas mãos e pela expressão do rosto. Até</p><p>o século XIX, embora enfrentando preconceitos, os surdos sempre usaram a</p><p>língua de sinais. A comunicação com os surdos, inclusive na escola, era gestual.</p><p>Aos poucos, foi ganhando espaço, na educação formal, uma linha de pensa-</p><p>mento na qual a comunicação dos surdos, e com eles, deveria ser por meio da</p><p>língua oral. Nessa linha, denominada oralista, os gestos eram proibidos e a fala</p><p>foi entendida como a única maneira de os surdos serem inseridos na vida social.</p><p>A consequência dessa forma de pensar a inter -relação ouvintes/surdos fez com</p><p>que as comunidades surdas se isolassem socialmente das demais, resistindo à</p><p>imposição da língua oral.</p><p>ponto ‑chave</p><p>Somente a partir de 1960, esta situação começa a se alterar, em virtude das pesquisas</p><p>realizadas pelo linguista americano Willian Stokoe por meio da Língua de Sinais Ame-</p><p>ricana – ASL. Desses estudos, resulta a definição das línguas de sinais como línguas</p><p>naturais dos indivíduos surdos. A divulgação desses estudos contribuiu decisivamente</p><p>para modificar os métodos de educação e, é importante ressaltar, modificar a percepção</p><p>da cultura surda para o próprio surdo e para as demais pessoas que com eles se</p><p>relacionam. Surgem, então, neste novo contexto, os defensores da língua de sinais.</p><p>Apesar das contribuições de inúmeros estudos e pesquisas, muitas pessoas</p><p>apresentam concepções inadequadas sobre as línguas de sinais, pois estão</p><p>6 UNIUBE</p><p>acostumadas a associar língua com fala (linguagem verbal), desconsiderando</p><p>que, ao se tratar de uma língua de sinais, deve -se associar língua a sinais.</p><p>Karnopp (1994 apud QUADROS, 1997), baseada em pesquisas realizadas em</p><p>diversos países sobre o estatuto linguístico das línguas de sinais, apresenta</p><p>algumas concepções inadequadas sobre essas línguas de modalidade visual-</p><p>-espacial. Na verdade todas essas concepções vêm sendo desmistificadas por</p><p>meio de pesquisas com diferentes línguas de sinais existentes no mundo. Assim,</p><p>estudiosos e linguistas têm mostrado a riqueza e complexidade das línguas de</p><p>sinais e contribuído para o reconhecimento de seu status linguístico.</p><p>importante!</p><p>Sabe -se que, atualmente, a linguística considera as línguas de sinais como sistemas</p><p>linguísticos legítimos, uma vez que se caracterizam como línguas naturais das comu-</p><p>nidades surdas, constituindo -se como traço identitário dessas pessoas. Pesquisas</p><p>recentes mostram que as línguas de sinais, sob o ponto de vista linguístico, são</p><p>completas, complexas, capazes de expressar qualquer conteúdo, transmitir qualquer</p><p>informação, além de possuírem uma abstrata estruturação nos diversos níveis de</p><p>análise.</p><p>No Brasil, são fundadas as associações de surdos e a Federação Nacional de</p><p>Educação e Integração de Surdos – Feneis, dirigida por surdos. Começam a ser</p><p>implantadas as primeiras escolas para pessoas surdas. As discussões metodo-</p><p>lógicas e pedagógicas para o ensino de surdos, fundamentadas em concepções</p><p>filosóficas, se ampliaram.</p><p>pesquisando na web</p><p>Caso queira conhecer mais sobre a história e o trabalho desenvolvidos pelo Instituto</p><p>Nacional de Educação de Surdos (Ines) ou pela Federação Nacional de Educação e</p><p>Integração dos Surdos (Feneis), visite os sites:</p><p>UNIUBE 7</p><p>• <http://www.ines.gov.br/>.</p><p>• <http://www.feneis.com.br/>.</p><p>No site da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos – Feneis,</p><p><www.feneis.com.br/page/legislacao.asp>, sugerimos que leia os seguintes textos:</p><p>• Lei no 10.436/2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais. Este é um</p><p>documento do Governo Federal no qual a Língua Brasileira de Sinais – Libras é</p><p>reconhecida como a língua natural da comunidade surda brasileira, e ainda legitima</p><p>a sua divulgação e propagação em todos os ambientes públicos, em suas diversas</p><p>áreas (saúde, social, educacional, cultural e outras).</p><p>• Lei no 10.845/2004: este documento institui o Programa de Complementação ao</p><p>Atendimento Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiências.</p><p>Atendimento a ser oferecido pelas instituições de ensino preferencialmente na</p><p>rede regular.</p><p>• Texto on -line disponível em <www.crmariocovas.sp.gov.br>: Um pouco da histó-</p><p>ria das diferentes abordagens na educação dos surdos, de Cristina B. F. de</p><p>Lacerda, fonoaudióloga que descreve a educação dos surdos como um problema</p><p>inquietante. Descreve sobre o panorama da educação dos surdos ao longo da</p><p>história e focaliza as principais abordagens educacionais (oralismo, comunicação</p><p>total e bilinguismo) e suas consequências.</p><p>• Texto on -line disponível em <www.educaremrevista.ufpr.br>: A Crise da Educação</p><p>Especial: uma reflexão política e antropológica, de Paulo Ricardo Ross. Este</p><p>trabalho analisa a concepção de homem, sociedade e educação, apresentada por</p><p>professores, em relação às necessidades ditas especiais, e, ainda, a implementação</p><p>da educação inclusiva, proclamada como “Educação para Todos”.</p><p>Ao longo da história da educação de surdos, destacaram -se três correntes pe-</p><p>dagógicas que continuam presentes ainda hoje, em maior ou menor intensidade,</p><p>nas instituições e/ou escolas que atendem alunos surdos. São elas: o oralismo,</p><p>a comunicação total e o bilinguismo.</p><p>8 UNIUBE</p><p>O oralismo</p><p>A proposta educacional oralista, presente com maior intensidade desde a anti-</p><p>guidade até o século XIX, fundamenta -se na “recuperação” do surdo, chamado</p><p>de deficiente auditivo. O oralismo enfatiza a língua oral em termos terapêuticos,</p><p>e como o foco dessa proposta</p><p>é o aprendizado da língua oral, não é permitido</p><p>ao surdo usar a língua de sinais, seja em sala de aula ou em ambiente familiar.</p><p>O que predomina nessa proposta é uma visão clínico -terapêutica da surdez que</p><p>acredita na “normalização” do surdo, preconizando a integração e o convívio</p><p>dessas pessoas com os ouvintes exclusivamente por meio da língua oral. Nessa</p><p>proposta, o trabalho pedagógico centra -se no ensino da fala, que passa a ser</p><p>mais importante do que aprender a ler ou escrever; assim, o surdo é considerado</p><p>um “deficiente”, pois o foco do oralismo é no déficit biológico da pessoa e não</p><p>em sua potencialidade.</p><p>saiba mais</p><p>Veja o que Duffy (1987) nos diz sobre pesquisas realizadas em relação à oralização:</p><p>Pesquisas realizadas nos Estados Unidos constataram que,</p><p>apesar do investimento de anos da vida de uma criança</p><p>surda na sua oralização, ela é capaz de captar somente cerca</p><p>de 20% da mensagem através da leitura labial e sua produção</p><p>oral, normalmente, não é compreendida por pessoas que não</p><p>convivem com ela. (DUFFY, 1987 apud QUADROS, 1997, p. 23)</p><p>Veja que essa é uma informação que nos incita a reflexão!</p><p>No Congresso de Milão, realizado em 1880, diretores renomados de escolas</p><p>da Europa propuseram proibir o uso da língua de sinais e priorizar um trabalho</p><p>educacional com a língua oral, representou segundo Skliar (1997, p. 75), “não</p><p>o começo da ideologia oralista, mas a sua legitimação oficial”.</p><p>UNIUBE 9</p><p>Hoje, as consequências dessa filosofia podem ser observadas por meio do</p><p>esmagador fracasso acadêmico vivenciado pelo aluno surdo. Sacks expressa</p><p>muito bem essa condição:</p><p>O oralismo e a supressão do Sinal resultaram numa deterioração</p><p>dramática das conquistas educacionais das crianças surdas</p><p>e no grau de instrução do surdo em geral. Muitos dos surdos</p><p>hoje em dia são iletrados funcionais [...] (SACKS, 1990 apud</p><p>QUADROS, 1997, p. 22).</p><p>Diante desse contexto educacional de fracasso, surge uma proposta que permite</p><p>o uso da língua de sinais com o objetivo de desenvolver a linguagem na pessoa</p><p>surda. Nesse caso a língua de sinais seria usada apenas como um recurso ou</p><p>estratégia para o ensino da língua oral. O ensino nessa perspectiva não enfatiza</p><p>mais, exclusivamente, a comunicação oral, mas a forma bimodal, por isso, essa</p><p>nova concepção é chamada de bimodalismo ou comunicação total.</p><p>Bimodalismo ou comunicação total</p><p>Tal proposta caracteriza -se pelo uso simultâneo de sinais e da fala, porém os</p><p>sinais são utilizados dentro da estrutura da Língua Portuguesa, descaracteri-</p><p>zando a estrutura da Língua de Sinais. Essa descaracterização leva Sacks e</p><p>outros pesquisadores a criticarem o bimodalismo:</p><p>Há uma compreensão de que algo deve ser feito (diante do</p><p>oralismo): mas o quê? Tipicamente, usando os sinais e a fala,</p><p>permita aos surdos se tornarem eficientes nos dois. Há outra</p><p>sugestão de compromisso, contendo uma profunda confusão:</p><p>uma linguagem intermediária entre o Inglês e o Sinal (ou seja,</p><p>o Inglês Sinalizado). [...] não é possível efetuar a transliteração</p><p>de uma língua falada em Sinal palavra por palavra, ou frase por</p><p>frase – as estruturas são essencialmente diferentes. Imagina-</p><p>-se com frequência, vagamente, que a língua de sinais é Inglês</p><p>ou Francês: não é nada disso; é ela própria, Sinal. Portanto, o</p><p>“Inglês Sinalizado”, agora favorecido como um compromisso, é</p><p>desnecessário, pois não precisa de nenhuma pseudolíngua in-</p><p>termediária. E, no entanto, os surdos são obrigados a aprender</p><p>os sinais não para ideias e ações que querem expressar, mas</p><p>pelos sons fonéticos em Inglês que não podem ouvir (SACKS,</p><p>1990 apud QUADROS, 1997, p. 24).</p><p>10 UNIUBE</p><p>Assim, tanto a concepção oralista quanto a concepção bimodal mostraram -se</p><p>insuficientes para garantir o aprendizado efetivo e significativo da pessoa surda,</p><p>pois ambas negam ao surdo a oportunidade de criar e experimentar uma língua</p><p>natural, desrespeitando sua condição cultural e linguística diferenciada.</p><p>Essas duas primeiras fases (oralismo e comunicação total) constituem grande</p><p>parte da história da educação de surdos no Brasil, porém a comunidade surda</p><p>e os educadores estão despertando para a importância e o valor da língua de</p><p>sinais no desenvolvimento afetivo, social e cognitivo da pessoa surda. Estão</p><p>tendo acesso a informações que são resultados de pesquisas e estudos sobre</p><p>as línguas de sinais, ressignificando, assim, conceitos acerca da surdez.</p><p>Bilinguismo</p><p>Atualmente, a educação de surdos no Brasil vive uma terceira fase, que ca-</p><p>racteriza um período de transição – a proposta educacional bilíngue. Eulália</p><p>Fernandes explica que o indivíduo surdo pode ser usuário de duas línguas: a</p><p>língua de sinais, língua natural e de fácil acesso à pessoa surda, constituindo-</p><p>-se, portanto, sua primeira língua, e no caso do Brasil a língua portuguesa, sua</p><p>segunda língua (L2). Porém, a autora afirma que a essência do bilinguismo não</p><p>pode ser confundida com a mera inclusão da língua, de sinais em sala de aula,</p><p>ao lado da língua portuguesa, ou da mera e simples tradução do conteúdo pe-</p><p>dagógico para a língua de sinais. Para Eulália, falar de bilinguismo na educação</p><p>significa pensar sobre o conceito de Educação em seu sentido mais amplo e</p><p>objetivo, refletir sobre o processo educacional do surdo e sua participação como</p><p>indivíduo na sociedade.</p><p>A proposta bilíngue apresenta uma visão socioantropológica da surdez,</p><p>percebendo -a como uma experiência visual e o surdo, como um ser que é lin-</p><p>guística e culturalmente diferente.</p><p>UNIUBE 11</p><p>ponto ‑chave</p><p>Os professores que buscam desenvolver uma prática bilíngue precisam considerar que</p><p>os surdos formam uma comunidade linguística minoritária caracterizada por comparti-</p><p>lhar uma língua de sinais, valores culturais, hábitos e modos de socialização próprios.</p><p>É preciso entender que a língua de sinais é traço identitário dessa comunidade e</p><p>que, além de favorecer o desenvolvimento de competências linguísticas e cognitivas,</p><p>garante -lhes uma forma de comunicação natural, eficiente e significativa.</p><p>Essas considerações acerca da concepção bilíngue de educação ajudam -nos a</p><p>entender que o problema da educação de surdos não se restringe à linguagem, pois</p><p>uma prática verdadeiramente bilíngue extrapola as questões linguísticas e leva -nos</p><p>a refletir sobre a importância do reconhecimento e valorização da diferença e não da</p><p>deficiência para a construção de uma sociedade realmente inclusiva.</p><p>Conhecer a trajetória histórica e educacional das pessoas surdas é importante</p><p>para percebermos que ela sempre esteve dialeticamente implicada com a con-</p><p>cepção de homem e cidadania ao longo do tempo e que, muitas vezes, a prática</p><p>docente e comportamentos sociais em relação à pessoa surda são um reflexo</p><p>dessas concepções.</p><p>É fundamental entender o papel crucial que a língua de sinais desempenha</p><p>para o desenvolvimento integral da pessoa surda. Segundo Lopes (2006 apud</p><p>SKLIAR, 1999, p. 33),</p><p>A língua de sinais, pelo que podemos observar, é um elemento</p><p>mediador entre o surdo e o meio social em que vive. Por in-</p><p>termédio dela, os surdos demonstram suas capacidades de</p><p>interpretação do mundo desenvolvendo estruturas mentais em</p><p>níveis mais elaborados.</p><p>Para Skliar (1999), “o bilinguismo resgata a identidade do surdo enquanto cida-</p><p>dão consciente, através da valorização da prática da língua de sinais”.</p><p>12 UNIUBE</p><p>ponto ‑chave</p><p>Skliar acredita que a língua de sinais anula a deficiência e permite que os surdos</p><p>consigam, então, ser uma comunidade linguística minoritária diferente e não um</p><p>desvio da normalidade.</p><p>Olhar para a trajetória histórica da educação de surdos no mundo e no Brasil,</p><p>para as concepções educacionais que prevaleceram em cada momento, para</p><p>as lutas e conquista dessa comunidade, possibilita -nos entender melhor os</p><p>reflexos desse contexto na vida social e acadêmica dessas pessoas. Assim,</p><p>teremos condições de refletir criticamente sobre o papel do professor bilíngue</p><p>e sua responsabilidade em promover uma educação maior, completa, relevante</p><p>e absoluta</p><p>para o aluno surdo.</p><p>1.4	 A	oficialização	da	língua	de	sinais	no	Brasil</p><p>Os movimentos de resistência dos surdos em relação à oralização e as pesqui-</p><p>sas científicas, comprovando a importância da língua de sinais, culminaram na</p><p>oficialização das Línguas de Sinais – LS em diversos países.</p><p>No Brasil, a comunidade surda recebeu o reconhecimento de sua língua oficial-</p><p>mente através da Lei federal no 10.436, de 24 de abril de 2002, que foi regu-</p><p>lamentada pelo Decreto no 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Esse decreto</p><p>garante o direito à educação das pessoas surdas ou com deficiências auditivas e</p><p>a inclusão dos alunos por meio de organização em classes de educação bilíngue,</p><p>abertas a alunos surdos e ouvintes, com a regência de professores bilíngues.</p><p>Vem garantir, ainda, ao aluno surdo o atendimento educacional especializado, em</p><p>turno diferenciado para a complementação curricular necessária, com utilização</p><p>de equipamentos e tecnologias de informação. Além de várias outras garantias,</p><p>o Decreto regulamenta a inclusão da Libras como disciplina curricular obrigatória</p><p>nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível</p><p>médio e superior e também nos cursos superiores de Fonoaudiologia.</p><p>UNIUBE 13</p><p>De acordo com o Ministério da Educação,</p><p>[...] as garantias individuais do surdo e o pleno exercício da</p><p>cidadania alcançaram respaldo institucional decisivo com a Lei</p><p>federal no 10.436, de 24 de abril de 2002, em que é reconhe-</p><p>cido o estatuto da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS como</p><p>língua oficial da comunidade surda, com implicações para a</p><p>divulgação e ensino, para o acesso bilíngue à informação em</p><p>ambientes institucionais e para a capacitação dos profissionais</p><p>que trabalham com os surdos (BRASIL, 2002, v. 2, p. 62).</p><p>Ao longo da história educacional dos surdos, observamos a influência que o</p><p>ouvinte sempre teve sobre a educação do surdo e, consequentemente, sobre o</p><p>surdo. Hoje, por meio de pesquisas realizadas pelos próprios surdos, vem sendo</p><p>feito um resgate histórico dessa trajetória educacional pela narrativa dos surdos</p><p>e não apenas pela ótica dos ouvintes.</p><p>pesquisando na web</p><p>Caso queira conhecer o Decreto no 5.626, de 22 de dezembro de 2005, na íntegra,</p><p>acesse o site do Feneis: <www.feneis.com.br/page/legislacao.asp>.</p><p>O Decreto no 5.626/2005 vem regulamentar a Lei no 10.436/2002, especificando todos</p><p>os serviços, atendimentos e benefícios para a pessoa surda e, consequentemente,</p><p>sua inclusão social.</p><p>Segundo Quadros (2005, p. 31), “a língua de sinais é uma das formas mais ex-</p><p>pressivas das culturas surdas e apresenta um papel fundamental nessas lutas”.</p><p>Mas embora estudos científicos demonstrem que a língua de sinais cumpre todas</p><p>as funções da língua natural, ainda persiste, na sociedade, uma ideia estereo-</p><p>tipada da LS: socialmente, é interpretada como mímica, meros gestos icônicos,</p><p>vista como uma língua primitiva e tantas outras interpretações distorcidas das</p><p>relações sociais.</p><p>Assim não se valoriza a língua de sinais como uma construção histórica e</p><p>social, produto da interação de um grupo de pessoas que se identificam pela</p><p>14 UNIUBE</p><p>comunicação visual. A língua de sinais, muitas vezes, é utilizada apenas como</p><p>recurso para o ensino da língua majoritária. O uso social ou pedagógico de uma</p><p>língua de modalidade visual ainda causa estranheza e põe em oposição surdos,</p><p>profissionais ouvintes e estudiosos.</p><p>Afirma, ainda, que os contextos educacionais atuais não têm proporcionado</p><p>o desenvolvimento das crianças surdas, sendo fundamental a aquisição da</p><p>linguagem e a interação com outros surdos para garantir às crianças o acesso</p><p>aos instrumentos que sua cultura oferece para pensar, aprender e interagir</p><p>com o conhecimento, identificando -se como sujeitos de um grupo com iden-</p><p>tidade cultural e linguística própria. Do mesmo modo, faz -se necessária uma</p><p>política que reconheça que as diferenças devem ser pensadas e construídas</p><p>com os diferentes, pois somente quando conseguirmos o reconhecimento</p><p>político da surdez enquanto diferença será possível conceber uma educação</p><p>para surdos.</p><p>A partir dessas considerações, podemos inferir que há uma tendência das esco-</p><p>las em homogeneizar as produções culturais e sociais, pois ainda não há uma</p><p>política que incorpore todas as implicações aqui discutidas. Cabe ressaltar a</p><p>falta de participação da comunidade surda na tomada de decisões quanto às</p><p>políticas educacionais para os surdos.</p><p>Nas discussões sobre educação do surdo, você pode perceber que se desta-</p><p>caram dois modelos de representação dos surdos e da surdez. Um é o modelo</p><p>clínico -terapêutico, que considera o surdo como um deficiente auditivo que</p><p>precisa unicamente de terapias da fala e sessões de oralização para diminuir</p><p>sua deficiência. Tais procedimentos são utilizados com o objetivo de tornar o</p><p>surdo o mais parecido possível com as pessoas ouvintes. E é nesse modelo</p><p>que se funda a proibição da expressão pela língua visual. Ele apenas mascara</p><p>a surdez ao tentar induzir a leitura labial e o aprendizado de algumas palavras</p><p>sem nenhum sentido para os surdos.</p><p>Na contramão desse modelo, temos a visão socioantropológica, outra forma</p><p>de entendimento da surdez e das pessoas surdas. No modelo socioantropoló-</p><p>UNIUBE 15</p><p>gico, concebe -se a surdez a partir da leitura cultural, na qual os surdos, em sua</p><p>comunidade, se agrupam para discutir e opinar sobre suas vidas, não apenas</p><p>porque têm em comum o fato de não ouvirem, mas por serem sujeitos visuais, o</p><p>que, num sentido ontológico, “permite reinterpretar suas tradições comunitárias</p><p>como construções históricas, culturais, linguísticas e não simplesmente como</p><p>um efeito de supostos mecanismos de compensação biológicos e/ou cognitivos”</p><p>(SKLIAR, 1998, p. 24).</p><p>É de extrema relevância o convívio da criança surda com outros surdos mais</p><p>experientes, que dominem a língua de sinais, pois estes se constituirão em</p><p>modelo cultural e linguístico para crianças e jovens surdos. É na interação com</p><p>os pares que surdos menos experientes adquirirão a língua de sinais de forma</p><p>natural e espontânea. Pais e familiares ouvintes também devem aprender a lín-</p><p>gua de sinais, preferencialmente no convívio com as comunidades surdas, para</p><p>garantir um ambiente linguístico adequado à criança surda, tanto no contexto</p><p>familiar como no social. O mesmo se aplica aos educadores e profissionais de</p><p>todas as áreas que convivem com o surdo.</p><p>1.5 Conclusão</p><p>Entendemos que a constituição de sujeitos surdos depende mais dos modos</p><p>pelos quais as relações sociais são constituídas ou significadas, frente a carac-</p><p>terísticas que configuram sua diferença, e dos modos pelos quais essa diferença</p><p>é falada, percebida e julgada, em situações de maior ou menor acolhimento, e</p><p>menos da condição orgânica em si.</p><p>O foco da política pública educacional deve ser o desenvolvimento humano, a</p><p>equidade das oportunidades educativas e a participação de todos, enfatizando</p><p>o eixo da humanização, do desenvolvimento integral e do processo de aprendi-</p><p>zagem, ao mundo da cultura e do conhecimento que devem estar inseridos na</p><p>política de educação inclusiva e social.</p><p>Temos que nos debruçar sobre esse tema, professores surdos, professores</p><p>ouvintes, profissionais da saúde, afetos à legislação, profissionais intérpretes,</p><p>16 UNIUBE</p><p>instrutores surdos, escolas especializadas, órgãos executivos de educação e,</p><p>prioritariamente, a comunidade surda, para juntos construirmos a educação in-</p><p>clusiva e a educação especializada, necessárias à formação do cidadão surdo.</p><p>Resumo</p><p>Neste capítulo, você teve a oportunidade de refletir sobre as especificidades lin-</p><p>guísticas e culturais da pessoa surda, conhecer um pouco da trajetória histórica,</p><p>modelos educacionais vigentes e legislação específica que respalda o processo</p><p>de inclusão educacional e social do surdo.</p><p>A leitura proposta contribuirá para a identificação dos fundamentos filosóficos e</p><p>socioantropológicos que alicerçam os projetos envolvendo a educação de surdos,</p><p>além de possibilitar a análise</p><p>das relações de saberes e poderes, estabelecida</p><p>entre surdos e ouvintes. Tal análise possibilitará a descoberta da relevância que</p><p>o aprendizado da língua de sinais representa para o desenvolvimento linguístico,</p><p>afetivo e cognitivo do indivíduo surdo.</p><p>Ao analisar as diversas representações atribuídas ao surdo, será possível iden-</p><p>tificar as características que diferem a visão clínico -terapêutica e socioantropo-</p><p>lógica em relação à surdez, reconhecendo qual é a imagem que os discursos</p><p>do mundo pós -moderno projetam sobre a pessoa surda e a língua de sinais.</p><p>Atividades</p><p>Atividade 1</p><p>Além da oposição à prática educativa tradicional oferecida aos surdos ao longo</p><p>da história, que contribuições o bilinguismo trouxe para a ressignificação do</p><p>conceito de surdez? Utilize a citação abaixo para sua reflexão:</p><p>[...] o bilinguismo é considerado um reconhecimento político</p><p>da surdez como diferença (SKLIAR, 1999).</p><p>UNIUBE 17</p><p>Atividade 2</p><p>Fazendo uma retrospectiva sobre os fatos mais relevantes que marcaram a</p><p>história da educação de surdos, explique por que a Lei Federal no 10.436 de 24</p><p>de abril de 2002, que reconhece a Língua Brasileira de Sinais como língua oficial</p><p>da comunidade surda, representa um marco importante para essa comunidade.</p><p>Atividade 3</p><p>Leia as citações, a seguir:</p><p>[...] o Congresso de Milão representou não o começo da</p><p>ideologia oralista, mas a sua legitimação oficial (SKLIAR,</p><p>1999, p. 22).</p><p>[...] essa data ainda é lembrada como a mais sinistra de sua his-</p><p>tória: como se fosse mesmo o “11 de setembro” deles quando</p><p>desabaram as torres gêmeas da cultura e da língua de sinais,</p><p>a do método misto e a do método manualista para educação</p><p>dos surdos. Ali começou uma longa e amarga batalha para</p><p>defender o direito de vida de língua de sinais (RÉE, 2005, p. 2).</p><p>Relacione as citações a seguir e produza um texto (de no máximo 20 linhas)</p><p>crítico ‑reflexivo sobre o impacto do Congresso de Milão (1880) na trajetória</p><p>educacional da pessoa surda.</p><p>Atividade 4</p><p>Qual é a importância da Lei Federal no 10.436, de 24 de abril de 2002, para a</p><p>comunidade surda? Histórica e politicamente, o que ela representa?</p><p>Atividade 5</p><p>Leia a citação, a seguir:</p><p>A comunicação humana é essencialmente diferente e supe-</p><p>rior a toda outra forma de comunicação conhecida. Todos os</p><p>seres humanos nascem com os mecanismos da linguagem</p><p>específicos da espécie, e todos os desenvolvem normalmente,</p><p>independente de qualquer fator racial, social ou cultural (SÁN-</p><p>CHEZ, 1990, p. 17).</p><p>18 UNIUBE</p><p>Considerando a citação e seus estudos, escreva sobre como a língua de sinais</p><p>pode ser adquirida.</p><p>Referências</p><p>BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Ensino de língua portuguesa para surdos.</p><p>Brasília, 2002. v. 2.</p><p>______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Lei no 10.436, de 24 de</p><p>abril de 2002.</p><p>______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Decreto no 5.626, de 22</p><p>de dezembro de 2005.</p><p>CORRÊA, Maria A. M. De rótulos, carimbos e crianças nada especiais. Caderno Cedes, São</p><p>Paulo, SP, n. 28, p. 69 -74, jul. 1992.</p><p>FERNANDES E. Surdez e bilinguismo: leitura de mundo e mundo da leitura. Disponível</p><p>em: <www.ines.org.br>. Acesso em: 3 set. 2008.</p><p>______. Linguagem e surdez. Porto Alegre: Artmed, 2003.</p><p>GOLDFELD, Márcia. Linguagem e cognição numa perspectiva sociointeracionista. São</p><p>Paulo: Plexus, 2002.</p><p>HALL, Sturt. Identidade cultural na pós -modernidade. São Paulo: DP&A, 1997.</p><p>LACERDA, Cristina B. F. de. Um pouco da história das diferentes abordagens na</p><p>educação dos surdos. Disponível em: <www.crmariocovas.sp.gov.br>. Acesso em: set.</p><p>2008.</p><p>QUADROS, R. M. Inclusão de Surdos. In: BRASIL. MEC. Ensaios pedagógicos:</p><p>construindo escolas inclusivas. Brasília: SEESP, 2005. v. 1.</p><p>______. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artmed, 1997.</p><p>UNIUBE 19</p><p>RÉE, Jonathan.Filósofo questiona. Instituto brasileiro de empreendedorismo social/IES.</p><p>Disponível em: < http://www.sentidos.com.br/canais/materia.asp?codpag=7809&codtip></p><p>Acessado em: 10 de set. de 2011.</p><p>SÁ, Nídia Regina Limeira de. Cultura, poder e educação de surdos. São Paulo: Paulinas,</p><p>2006.</p><p>SÁNCHEZ, C. Os surdos, a alfabetização e a leitura: sugestões para a desmistificação</p><p>do tema. Conferência. Secretaria de Estado de Educação do Paraná: Departamento de</p><p>Educação Especial, 2002 (Mimeo).</p><p>SÁNCHES, C. M. La increible y triste historia de la sordera. Caracas, Venezuela:</p><p>Impresión Ceprosord, 1990.</p><p>SILVA, Ângela Carrancho; NEMBRI, Armando Guimarães. Ouvindo o silêncio: educação,</p><p>linguagem e surdez. Porto Alegre: Mediação, 2008.</p><p>SKLIAR, Carlos (Org.). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação,</p><p>1998.</p><p>______. Atualidade da educação bilíngue para surdos. Porto Alegre: Mediação, 1999.</p><p>Vivian Zerbinatti da Fonseca Kikuichi</p><p>Introdução</p><p>O desenvolvimento humano é envolvido por conceitos heterogêneos das</p><p>mais diversas origens. Isso porque ele pode ser definido ou entendido de</p><p>várias formas, dependendo do referencial teórico que se queira adotar</p><p>e de quais aspectos se queira abordar.</p><p>O pediatra talvez definisse o desenvolvimento como o aumento da</p><p>capacidade do indivíduo na realização de funções cada vez mais</p><p>complexas; o neuropediatra pensaria mais na maturação do sistema</p><p>nervoso central e no consequente integridade dos reflexos; o psicólogo,</p><p>dependendo da sua formação e experiência, estaria pensando nos as-</p><p>pectos cognitivos, na inteligência, adaptação, inter-relação com o meio</p><p>ambiente; o psicanalista daria mais ênfase às relações com os outros</p><p>e à constituição do psiquismo. Na verdade, todas as definições apre-</p><p>sentadas estariam certas, pois cada profissional estaria pensando nos</p><p>aspectos que vivenciam em sua prática profissional. Entretanto, para</p><p>outro profissional, cada experiência diferente pode parecer incompleta</p><p>ou reducionista. O que nos confirma que o desenvolvimento vai além</p><p>de uma determinação biológica e necessita uma abordagem multicon-</p><p>ceitual, e, consequentemente, multiprofissional.</p><p>O desenvolvimento</p><p>da criança surda</p><p>com enfoque no</p><p>desenvolvimento da</p><p>linguagem e cognição</p><p>Capítulo</p><p>2</p><p>22 UNIUBE</p><p>Neste capítulo, você terá a oportunidade de refletir sobre o desenvolvi-</p><p>mento da criança surda, em uma abordagem pedagógica. Descobrirá</p><p>semelhanças e diferenças em relação ao desenvolvimento de crianças</p><p>ouvintes e identificará elementos fundamentais para o desenvolvimento</p><p>harmônico e integrado das cinco áreas do desenvolvimento neuropsi-</p><p>comotor de qualquer criança.</p><p>Por meio das leituras, reflexões e relato de experiência, perceberá que</p><p>o desenvolvimento da criança surda poderá acontecer de forma análoga</p><p>ao das crianças ouvintes, desde que respeitada sua condição cultural e</p><p>linguística diferenciada. Sendo assim, veja os nossos objetivos.</p><p>Objetivos</p><p>Ao final deste capítulo, você deverá ser capaz de:</p><p>• conhecer as fases iniciais do desenvolvimento da criança;</p><p>• analisar conceitos importantes relativos ao desenvolvimento</p><p>neuropsicomotor;</p><p>• compreender a importância da aquisição da língua de sinais para</p><p>o desenvolvimento da linguagem e cognição das crianças surdas.</p><p>Esquema</p><p>2.1 Revendo alguns conceitos</p><p>2.2 Fatores fundamentais para o desenvolvimento harmônico e inte-</p><p>gral na infância</p><p>2.3 O papel do “outro” no desenvolvimento da linguagem em crianças</p><p>surdas</p><p>2.4 Língua, linguagem e signo linguístico: uma revisão</p><p>2.5 Semelhanças e diferenças no processo de aquisição da linguagem</p><p>e estruturação do pensamento em crianças surdas e ouvintes</p><p>2.6 Conclusão</p><p>UNIUBE 23</p><p>2.1 Revendo alguns conceitos</p><p>Antes de entrarmos no tema proposto para este capítulo, vamos pensar em</p><p>conceitos importantes como: crescimento, maturação, desenvolvimento e de-</p><p>senvolvimento psicossocial, que muitas vezes são usados como sinônimos, mas</p><p>possuem significados bem diferentes.</p><p>Crescimento significa aumento físico do corpo, como um todo</p><p>ou em suas partes, e pode ser medido em termos de centímetro</p><p>ou de gramas. Traduz aumento do tamanho das suas células</p><p>(hipertrofia) ou de</p><p>seu número (hiperplasia).</p><p>Maturação é a organização progressiva das estruturas morfo-</p><p>lógicas, já que, como o crescimento, seu potencial está deter-</p><p>minado geneticamente. A maturação neurológica engloba os</p><p>processos de crescimento, diferenciação celular, mielinização</p><p>e o aperfeiçoamento dos sistemas que conduzem a coordena-</p><p>ções mais complexas.</p><p>Desenvolvimento é um conceito amplo que se refere a uma</p><p>transformação complexa, contínua, dinâmica e progressiva,</p><p>que inclui além do crescimento, a maturação, a aprendizagem</p><p>e os aspectos psíquicos e sociais.</p><p>Desenvolvimento psicossocial é o processo de humaniza-</p><p>ção, que inter -relaciona aspectos biológicos, psíquicos, cog-</p><p>nitivos, ambientais, socioeconômicos e culturais, mediante o</p><p>qual a criança vai adquirindo maior capacidade para mover -se,</p><p>coordenar, sentir, pensar e interagir com os outros e o meio</p><p>que a rodeia; em síntese, é o que lhe permitirá incorporar -se</p><p>de forma ativa e transformadora à sociedade em que vive</p><p>(BRASIL, 2001, p. 8-9).</p><p>Assim, refletindo sobre crescimento, maturação, desenvolvimento e desenvol-</p><p>vimento psicossocial, entendemos que as crianças são seres em construção,</p><p>maleáveis nas suas capacidades e com uma inteligência que poderá expandir -se</p><p>à medida que o ambiente a estimule.</p><p>24 UNIUBE</p><p>2.2 Fatores fundamentais para o desenvolvimento harmônico e</p><p>integral na infância</p><p>O desenvolvimento integral da criança está relacionado a um crescimento har-</p><p>mônico de sua aparelhagem e funcionalidade sensorial, perceptiva, psicológica,</p><p>intelectual, motora e de linguagem. Esse crescimento ocorre especialmente</p><p>durante as etapas críticas do desenvolvimento e maturação neurocerebral do</p><p>indivíduo. Desde antes do nascimento, toda criança possui um potencial de de-</p><p>senvolvimento que poderá ser otimizado na medida em que fatores biológicos</p><p>e ambientais forem favoráveis. Por isso, o desenvolvimento infantil deve ser</p><p>entendido como o produto da interação entre fatores genéticos, desenvolvimento</p><p>biológico e vivências ou experiências/estímulos oferecidos à criança.</p><p>Segundo Lajolo (2003), o significado da palavra infante, infância em sua origem</p><p>latina e nas línguas daí derivadas, está relacionado à ideia de ausência de fala.</p><p>Esta noção de infância como qualidade ou estado do infante, ou seja, aquele</p><p>que não fala, constrói -se a partir dos prefixos e radicais linguísticos que com-</p><p>põem a palavra: in = prefixo que indica negação; fante = particípio presente do</p><p>verbo latino fari, que significa falar, dizer. Portanto a noção de infância carrega</p><p>consigo a ideia daquele que não fala. Geralmente, define o período que vai do</p><p>nascimento até aproximadamente os 2 e 3 anos de idade, quando a fala já se</p><p>transformou em um instrumento de comunicação.</p><p>Não se estranha, portanto, que esse silêncio que se infiltra</p><p>na noção de infância continue marcando -a quando ela se</p><p>transforma em matéria de estudo ou de legislação. Assim, por</p><p>não falar, a infância não se fala e não se falando, não ocupa a</p><p>primeira pessoa nos discursos que dela se ocupam. E, por não</p><p>ocupar essa primeira pessoa, isto é, não dizer eu, por jamais</p><p>assumir o lugar de sujeito do discurso, e, consequentemente,</p><p>por consentir sempre um ele/ela nos discursos alheios, a</p><p>infância é sempre definida de fora (LAJOLO, 2003, p. 230).</p><p>Esse período é quando muitos eventos ocorrem pela primeira vez: o primeiro</p><p>sorriso, a primeira palavra, os primeiros passos, a primeiro alcançar de um objeto;</p><p>e é justamente o período em que se estabelece uma profunda diferença entre o</p><p>desenvolvimento linguístico da criança surda e da criança ouvinte. A criança é</p><p>UNIUBE 25</p><p>um ser dinâmico, complexo, em constante transformação, que apresenta uma</p><p>sequência previsível e regular de crescimento físico e de desenvolvimento neu-</p><p>ropsicomotor. Todavia, o contato com uma língua natural e pares experientes,</p><p>usuários desta língua, será um dos fatores determinantes para a aquisição de</p><p>linguagem em crianças surdas.</p><p>parada para reflexão</p><p>Segundo Quadros (1997, p. 83),</p><p>[...] a primeira língua, ou seja, L1, é adquirida de forma es-</p><p>pontânea e natural quando a criança é exposta à sua língua</p><p>materna, porém uma segunda língua (L2) só será aprendida</p><p>em ambiente artificial e de forma sistemática, observando</p><p>diferentes metodologias de ensino.</p><p>Pesquisas comprovam que o desenvolvimento infantil é influenciado por fatores</p><p>intrínsecos e extrínsecos, que provocam variações de um indivíduo para outro</p><p>e que tornam singular o curso do desenvolvimento de cada criança. Os fatores</p><p>intrínsecos determinam as características físicas da criança como: cor dos</p><p>olhos, cabelos, pele e outros atributos geneticamente determinados. Os fatores</p><p>extrínsecos começam a atuar desde a concepção, estando diretamente relacio-</p><p>nados com o ambiente da vida intrauterina proporcionado pela mãe por meio</p><p>das suas condições de saúde e nutrição. É importante ressaltar que mãe e feto</p><p>sofrem os efeitos do ambiente que os circundam, por isso, as mães não podem</p><p>esquecer que seu bem-estar emocional também influencia de forma significativa</p><p>o bem-estar do seu bebê. Após o nascimento, o ambiente em que a criança está</p><p>inserida, os cuidados dispensados pelos pais e familiares, o carinho, estímulos</p><p>e alimentação passam a fazer parte significativa no processo de maturação que</p><p>leva a criança da dependência à independência.</p><p>Do ponto de vista biológico, o desenvolvimento neurológico</p><p>inicia -se na concepção. As interações do indivíduo com o</p><p>meio ambiente modelam ao longo de sua vida (incluindo a</p><p>26 UNIUBE</p><p>intrauterina) tanto a estrutura como o funcionamento do seu</p><p>sistema nervoso central (SNC). Este por sua vez cresce e se</p><p>desenvolve com uma grande velocidade nos primeiros anos</p><p>de vida (BRASIL, 2001, p. 11).</p><p>Do ponto de vista da maturação, o desenvolvimento neuroló-</p><p>gico não acontece de maneira arbitrária, mas de acordo com</p><p>um plano contido no potencial genético, por meio de etapas</p><p>previsíveis e predeterminadas, no sentido céfalo -caudal – da</p><p>cabeça em direção aos pés e próximo -distal, ou seja, do</p><p>centro para as extremidades (BRASIL, 2001, p. 12).</p><p>Conforme o exposto acima, reconhecemos que fatores intrínsecos e extrínse-</p><p>cos, biológicos, neurológicos, maturacionais e psíquicos são responsáveis pelo</p><p>desenvolvimento harmônico do ser humano. No entanto, a experiência mostra-</p><p>-nos que os bebês dependem inteiramente de outra pessoa para se desenvolver.</p><p>Como sabemos, ao contrário dos outros animais, o ser humano não conseguiria</p><p>sobreviver sem ter o “outro” que o alimente, agasalhe, proteja -o e se comunique</p><p>com ele. Por isso, precisamos nos atentar para a importância da relação que se</p><p>estabelece entre mãe -bebê durante o desenvolvimento na infância.</p><p>Abordamos até agora a importância do desenvolvimento do sistema nervoso</p><p>central, da maturação, da motricidade, do psiquismo, mas ressaltamos que esses</p><p>elementos precisam somar -se à relevância que assume a presença do “outro”</p><p>no que se refere ao desenvolvimento da criança.</p><p>A partir de agora, refletiremos sobre o papel do “outro” para o desenvolvimento</p><p>integral da criança surda, com foco na aquisição de linguagem. Ao pensarmos</p><p>nas cinco áreas do desenvolvimento neuropsicomotor (motora, cognitiva, lin-</p><p>guagem, sensório -perceptiva e social/afetiva) perceberemos que a grande dife-</p><p>rença que se estabelece entre o desenvolvimento de crianças surdas e ouvintes</p><p>encontra -se na área da linguagem.</p><p>UNIUBE 27</p><p>2.3 O papel do “outro” no desenvolvimento da linguagem em</p><p>crianças surdas</p><p>Para propor um estudo sobre o desenvolvimento da criança surda temos como</p><p>alicerce a teoria histórico -cultural de Vygotsky, que afirma que as pessoas</p><p>constituem -se sujeitos por intermédio da linguagem. Veja o que Almeida nos</p><p>explica:</p><p>A teoria de Vygotsky tem como perspectiva o homem como</p><p>um sujeito total enquanto mente e corpo, organismo biológico</p><p>e social, integrado em um processo histórico. A partir de pres-</p><p>supostos da epistemologia genética, sua concepção de desen-</p><p>volvimento</p><p>é concebida em função das interações sociais e</p><p>respectivas relações com processos mentais superiores, que</p><p>envolvem mecanismo de mediação. As relações homem -mundo</p><p>não ocorrem diretamente, são mediados por instrumentos ou</p><p>signos fornecidos pela cultura (VYGOTSKY, 2003, p. 44).</p><p>Desde a mais tenra idade, a linguagem da criança é essencialmente social,</p><p>desenvolve -se no plano das interações sociais, das relações interpessoais e,</p><p>gradualmente, transforma -se em intrapessoal.</p><p>relembrando</p><p>A teoria histórico -cultural se baseia no princípio de que o desenvolvimento do indiví-</p><p>duo se dá como resultado de um processo sócio -histórico e cultural, enfatizando o</p><p>papel da linguagem e da aprendizagem nesse desenvolvimento à medida que este</p><p>indivíduo interage com seu meio. Para Vygotsky, a linguagem humana é o principal</p><p>instrumento de mediação verbal, constituindo -se como o sistema simbólico funda-</p><p>mental na mediação sujeito objeto (VYGOTSKY, 1989).</p><p>Por isso, o desenvolvimento da linguagem nas crianças depende das relações</p><p>sociais construídas com o “outro”. Pensemos em uma situação hipotética: em</p><p>uma casa em que todos os moradores são ouvintes, o desenvolvimento da</p><p>criança acontece por meio do contato com a língua oral, ou seja, é por meio do</p><p>28 UNIUBE</p><p>contato com um adulto que possui o domínio da linguagem oral que a criança,</p><p>dialeticamente, irá constituir -se como sujeito.</p><p>ponto ‑chave</p><p>Assim, em uma casa na qual todos os moradores são ouvintes, ou seja, comunicam-</p><p>-se por meio de uma língua de modalidade oral -auditiva e nasça, nessa família, uma</p><p>criança surda, com certeza, as pessoas terão que se reestruturar para garantir</p><p>que a criança não tenha atraso no desenvolvimento da linguagem. A criança</p><p>surda terá dificuldade em apropriar -se de forma natural da linguagem oral, uma vez</p><p>que esta forma de comunicação privilegia a função auditiva, devendo, portanto, ser</p><p>exposta a uma língua de modalidade vísuo -espacial – a língua de sinais, língua que</p><p>respeita sua especificidade linguística diferenciada.</p><p>A privação da criança surda ao contato com a língua de sinais e com pares</p><p>mais experientes, ou seja, adultos usuários desta língua, trará atrasos em seu</p><p>desenvolvimento de linguagem. Da mesma forma que crianças com acesso à</p><p>língua de sinais desde muito cedo desfrutam da possibilidade de adentrar o</p><p>mundo da linguagem com todas as suas nuanças.</p><p>relembrando</p><p>Vamos rever o conceito da língua de sinais Libra, de acordo com Vieira (2011, [s.p]):</p><p>[...] A Libras é a língua materna dos surdos brasileiros e, como</p><p>tal, poderá ser aprendida por qualquer pessoa interessada</p><p>pela comunicação com essa comunidade. Como língua, esta</p><p>é composta de todos os elementos pertinentes às línguas</p><p>orais, como gramática, semântica, pragmática, sintaxe e</p><p>outros, preenchendo, assim, os requisitos científicos para</p><p>ser considerada instrumental linguístico de poder e força.</p><p>Possui todos os elementos classificatórios identificáveis de</p><p>uma língua e demanda de prática para seu aprendizado,</p><p>como qualquer outra língua.</p><p>E, então, lembrou -se?!</p><p>UNIUBE 29</p><p>Assim, por meio da linguagem, a criança amplia suas relações com o outro e com</p><p>o mundo que a cerca, alcançando o desenvolvimento de suas funções mentais</p><p>superiores, pois esses processos são mediados, essencialmente, por signos.</p><p>O termo signo é utilizado por diversos autores com diferentes sentidos. Em</p><p>relação à surdez, muitos termos como o referido acima ganham significados</p><p>diferentes dos utilizados em outras áreas do conhecimento. Para que as ideias</p><p>expostas ao longo deste capítulo sejam bem compreendidas, apresentaremos</p><p>uma breve revisão de conceitos fundamentais.</p><p>2.4 Língua, linguagem e signo linguístico: uma revisão</p><p>Os conceitos de linguagem, língua e signo linguístico foram estudados e sis-</p><p>tematizados pelo linguista suíço Ferdinand Saussure, em 1916. Saussure é</p><p>considerado o pai da Linguística, pois foi a principal figura responsável pelas</p><p>mudanças de atitude ocorridas entre os séculos XIX e XX em relação aos estu-</p><p>dos da linguagem e seus elementos constituintes.</p><p>Segundo Robins (2004), Saussure separou a competência linguística dos falan-</p><p>tes, dando -lhes respectivamente os nomes de langue (língua) e parole (fala).</p><p>Para esse autor, a linguagem seria formada por dois elementos distintos: a</p><p>língua e a fala. A língua, para Saussure, é o aspecto social da linguagem, pois</p><p>é compartilhada por todos os falantes de uma comunidade e para ele, seria o</p><p>único objeto de estudo da Linguística. Já a fala, em sua concepção estruturalista,</p><p>seria o aspecto individual da linguagem, características pessoais que os falan-</p><p>tes imprimem à sua linguagem. Como Saussure não caracterizou a fala como</p><p>objeto de estudo da Linguística, não enfatizou esse elemento em seus estudos.</p><p>Os estudos de Saussure definiram como signo a união entre significante (imagem</p><p>acústica) e significado (sentido). Para ele, uma palavra ou expressão só poderia</p><p>ser considerada como signo se apresentasse essas duas faces indissociáveis.</p><p>Também determinou que o signo é social, arbitrário e imutável.</p><p>Outras interpretações foram dadas aos elementos que aparecem diretamente</p><p>ligados aos estudos sobre aquisição de linguagem.</p><p>30 UNIUBE</p><p>O psicólogo Vygotsky, estudioso da primeira metade do século XX, atribuiu ao</p><p>signo uma função intrinsecamente ligada ao indivíduo. Esse autor não nega a</p><p>função social do signo, mas admite que o significado das palavras evolui para</p><p>cada indivíduo. Assim, para Vygotsky, a língua não se constitui mero elemento</p><p>de comunicação entre as pessoas, mas caracteriza -se como um dos principais</p><p>instrumentos de desenvolvimento dos processos cognitivos do ser humano.</p><p>Segundo Goldfeld (2002), linguagem é tudo que envolve significação, que tem um</p><p>valor semiótico e não se restringe apenas a uma forma de comunicação. Segundo</p><p>a autora, é pela linguagem que se constitui o pensamento do indivíduo. A linguagem</p><p>constitui o sujeito, a forma como este recorta e percebe o mundo e a si próprio.</p><p>ponto ‑chave</p><p>A evolução do significado é uma conquista importante em relação à teoria de Vygotsky</p><p>e consequentemente à importância do desenvolvimento da linguagem para qualquer</p><p>ser humano. Para este autor, a aquisição da linguagem não termina quando a criança</p><p>pode dominar as estruturas linguísticas, uma vez que os significados (conceitos/</p><p>sentidos) continuam evoluindo no indivíduo. Portanto, em relação à criança surda,</p><p>podemos afirmar que não basta permitir -lhe a exposição à língua de sinais por um curto</p><p>período, em que acreditamos que as estruturas linguísticas básicas foram adquiridas,</p><p>ao contrário, é necessário o contato permanente com usuários desta língua para que</p><p>o pensamento da criança surda continue se estruturando e os signos linguísticos</p><p>internalizados possam evoluir.</p><p>Bakhtin (1990 apud GOLDFELD, 2002) também considera a significação um</p><p>aspecto bastante importante da língua, ressaltando que a enunciação só ganha</p><p>sentido no contexto social na qual está inserida. Esse autor percebe a língua</p><p>numa situação de diálogo constante. Para ele, a corrente comunicativa é inin-</p><p>terrupta e toda enunciação está relacionada com as enunciações anteriores e</p><p>posteriores a ela.</p><p>Neste capítulo o termo signo será utilizado para representar uma palavra que,</p><p>sendo marcada pela história e cultura de seus usuários, possui inúmeras possi-</p><p>UNIUBE 31</p><p>bilidades de sentidos. É importante ressaltar que a partir de estudos e revisões</p><p>bibliográficas, realizados e apresentados de forma sucinta neste trabalho, o sinal</p><p>(item lexical da língua de sinais) é um signo linguístico das línguas de modalidade</p><p>vísuo -espacial da mesma forma que as palavras nas línguas orais.</p><p>Diante das reflexões apresentadas até o momento, percebemos que, em relação</p><p>ao desenvolvimento da criança surda, o objeto de estudo sobre a aquisição da</p><p>linguagem deve ser deslocado do interior da criança surda para suas relações</p><p>interpessoais e o meio social no qual ela está inserida.</p><p>2.5 Semelhanças e diferenças</p>

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