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<p>DIREITO</p><p>PENAL II</p><p>Cinthia Louzada Ferreira Giacomelli</p><p>Das penas</p><p>Objetivos de aprendizagem</p><p>Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:</p><p> Descrever as teorias acerca das penas.</p><p> Definir os princípios informadores da pena.</p><p> Analisar a execução provisória da pena no Brasil.</p><p>Introdução</p><p>Quando um ato ilícito é cometido, cabe ao Estado penalizar o infrator por</p><p>meio da aplicação de sanções previstas em lei, que são as comumente</p><p>conhecidas penas. Assim, a finalidade principal da pena é retribuir o</p><p>crime praticado e prevenir a ocorrência de novos crimes, conforme o</p><p>entendimento da teoria mista adotada no Brasil, que corresponde à união</p><p>das teorias absoluta e relativa.</p><p>A aplicação das penas deve obedecer a princípios fundamentais,</p><p>dentre os quais se destacam o princípio da personalidade, que entende</p><p>a pena como personalíssima e devendo ser cumprida tão somente pelo</p><p>criminoso, e o princípio da inderrogabilidade, cuja previsão se refere ao</p><p>fato de que, uma vez verificada a infração penal, a pena não pode deixar</p><p>de ser aplicada.</p><p>Neste capítulo, estudaremos as teorias acerca das penas, os princípios</p><p>norteadores da sua aplicação e os principais aspectos acerca da execução</p><p>provisória da pena no Brasil.</p><p>Considerações teóricas</p><p>Pena é a sanção imposta pelo Estado ao indivíduo que pratica um crime e</p><p>cuja fi nalidade principal é retribuir o crime praticado, bem como prevenir a</p><p>ocorrência de novos crimes. Nesse sentido, há três teorias que fundamentam</p><p>a aplicação das penas. De acordo com a perspectiva da prevenção de novos</p><p>Identificação interna do documento Y7K7D4E7FM-WEBDGN1</p><p>crimes, Nucci (2009) ensina que é importante considerarmos dois aspectos:</p><p>um geral e outro especial, que se subdividem em outros dois, conforme o</p><p>Quadro 1.</p><p>Aspectos Subdivisões</p><p>Geral Negativo: corresponde ao poder de intimidação</p><p>que a pena representa para toda a sociedade</p><p>Positivo: demonstra a eficiência e a fi-</p><p>nalidade do Direito Penal</p><p>Especial Negativo: corresponde ao poder de intimidação que</p><p>a pena representa para o criminoso a fim de que</p><p>ele não volte a agir da mesma forma, o que se dá</p><p>por intermédio do seu recolhimento à detenção</p><p>Positivo: indica uma proposta de ressocialização</p><p>do criminoso com o intuito de que possa voltar ao</p><p>convívio social sem riscos de causar novos danos</p><p>Quadro 1. Aspectos da prevenção de novos crimes</p><p>Nesse contexto, a teoria relativa concede uma finalidade à pena, isto</p><p>é, a prevenção de novos crimes e a ressocialização do indivíduo criminoso.</p><p>Essa teoria tem como objetivo principal a prevenção de novos delitos, ou</p><p>seja, busca obstruir a realização de novas condutas criminosas e impedir</p><p>que os condenados voltem a delinquir, além de permitir que eles sejam</p><p>reintegrados à sociedade.</p><p>Por outro lado, a teoria absoluta, também denominada teoria retributiva,</p><p>prevê que a pena é uma forma de retribuição ao criminoso pela conduta ilícita</p><p>realizada. Trata-se da maneira de o Estado lhe retribuir o mal praticado a</p><p>alguém ou à sociedade como um todo. De acordo com essa teoria, não há</p><p>qualquer outro objetivo a não ser o de punir o condenado. Portanto, é um meio</p><p>de o criminoso compreender que é inadmissível o desrespeito com as normas</p><p>jurídicas e com a sociedade. Nesse sentido, Nucci (2009, p. 372) comenta:</p><p>Esse sistema vem sendo adotado, primordialmente, pelos Estados Unidos,</p><p>implicando no método vulgarmente denominado de “tolerância zero”. Dessa</p><p>forma, qualquer tipo de infração penal deve ser punido severamente, com o</p><p>objetivo de servir de exemplo à sociedade e buscando evitar que o agente</p><p>possa cometer atos mais graves.</p><p>Das penas2</p><p>Identificação interna do documento Y7K7D4E7FM-WEBDGN1</p><p>No sistema penal brasileiro, a pena representa o conjunto desses conceitos, o que</p><p>caracteriza a teoria mista, conforme podemos observar no art. 59 do Código Penal:</p><p>Art. 59 O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social,</p><p>à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do</p><p>crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja</p><p>necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:</p><p>I — as penas aplicáveis dentre as cominadas;</p><p>II — a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;</p><p>III — o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;</p><p>IV — a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie</p><p>de pena, se cabível (BRASIL, 1940, documento on-line).</p><p>A respeito das finalidades da pena, Nucci (2009) comenta que merece</p><p>destaque, também, o disposto no art. 5º, § 6º, da Convenção Americana sobre</p><p>Direitos Humanos: “as penas privativas de liberdade devem ter por finalidade</p><p>essencial a reforma e a readaptação social dos condenados”. Impossível, então,</p><p>desconsiderar o tríplice aspecto da sanção penal.</p><p>A teoria mista possui estreita relação com o garantismo penal, que é</p><p>um modelo normativo do Direito e que segue primordialmente a legalidade,</p><p>característica típica do Estado Democrático de Direito. O garantismo penal</p><p>pretende minimizar a violência e maximizar a liberdade, de forma a limitar</p><p>a atuação punitiva do Estado.</p><p>O modelo garantista possui as seguintes premissas:</p><p> Não há crime sem lei anterior que o defina.</p><p> Não há pena sem crime.</p><p> Não há lei penal sem necessidade, sendo que não há necessidade de</p><p>lei penal sem lesão.</p><p> Não há lesão sem conduta, sendo que não há conduta sem dolo e sem culpa.</p><p> Não há culpa sem o devido processo legal, sendo que não há processo</p><p>sem acusação e não há acusação sem prova que a fundamente.</p><p> Não há prova sem ampla defesa.</p><p>Portanto, o garantismo penal, entendido como modelo de Direito, está</p><p>baseado no respeito à dignidade da pessoa humana e dos seus direitos funda-</p><p>mentais, de maneira que as condutas estejam sujeitas aos princípios e às normas</p><p>do ordenamento jurídico vigente. Assim, a norma penal deve ser aplicada para</p><p>infrações mais graves, ignorando tipos penais de menor potencial ofensivo.</p><p>3Das penas</p><p>Identificação interna do documento Y7K7D4E7FM-WEBDGN1</p><p>De acordo com a Lei nº. 7.209, de 11 de julho de 1984, as espécies de penas podem</p><p>ser classificadas em privativas de liberdade, restritivas de direitos e multas, cumpridas</p><p>em regime fechado, semiaberto ou aberto (MARTINS, 2016, documento on-line). As</p><p>penas privativas de liberdade compreendem as de reclusão ou detenção, as restritivas</p><p>de direitos são as arroladas ao longo do art. 43 do Código Penal e as multas consistem</p><p>no pagamento de determinadas quantias ao fundo penitenciário.</p><p>Princípios informadores</p><p>No seu art. 5º, entre outros aspectos, a Constituição Federal de 1988 apresenta</p><p>os princípios fundamentais que norteiam a aplicação da pena:</p><p>Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,</p><p>garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabi-</p><p>lidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,</p><p>nos termos seguintes:</p><p>[...]</p><p>XXXIX — não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia</p><p>cominação legal (BRASIL, 1988, documento on-line).</p><p>Trata-se do princípio da legalidade, que consiste na proibição da aplicação</p><p>de pena sem que haja prévia previsão legal para tanto. Como consequência desse</p><p>princípio, há o princípio da inderrogabilidade, cujo significado é o de que,</p><p>uma vez verificada a infração penal, a pena não pode deixar de ser aplicada.</p><p>Outros dois princípios de suma importância em relação à pena estão pre-</p><p>vistos no art. 5º, XLV e XLVI, nos seguintes termos:</p><p>XLV — nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação</p><p>de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da</p><p>lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor</p><p>do patrimônio transferido;</p><p>XLVI — a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras,</p><p>as seguintes:</p><p>a) privação ou restrição da liberdade;</p><p>b) perda de bens;</p><p>c) multa;</p><p>d) prestação social alternativa;</p><p>e) suspensão ou</p><p>interdição de direitos (BRASIL, 1988, documento on-line).</p><p>Das penas4</p><p>Identificação interna do documento Y7K7D4E7FM-WEBDGN1</p><p>Trata-se do princípio da individualização da pena, que demonstra que</p><p>deve ser estabelecida uma pena exata e merecida para cada agente criminoso,</p><p>evitando-se a “pena-padrão”. Dessa forma, a pena é intransmissível, aspecto</p><p>que se refere ao princípio da personalidade ou da responsabilidade pessoal,</p><p>segundo o qual a pena é personalíssima e deve ser cumprida pelo próprio</p><p>criminoso, cujo dever será extinto com o falecimento do indivíduo em questão.</p><p>Já no art. 5º, XLVI, verificamos o princípio da proporcionalidade, que</p><p>indica o dever de que a pena aplicada seja proporcional ao delito praticado,</p><p>consideradas as espécies de pena previstas. Nesse sentido, a legislação prevê</p><p>também o princípio da humanidade, que proíbe a aplicação de penas do-</p><p>lorosas, tendo como escopo o respeito à dignidade da pessoa humana e à</p><p>integridade física e moral do condenado:</p><p>XLVII — não haverá penas:</p><p>a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;</p><p>b) de caráter perpétuo;</p><p>c) de trabalhos forçados;</p><p>d) de banimento;</p><p>e) cruéis;</p><p>XLVIII — a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo</p><p>com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;</p><p>XLIX — é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral</p><p>(BRASIL, 1988, documento on-line).</p><p>Assim, podemos afirmar que os princípios da pena primam pela individu-</p><p>alização, personalização e humanização como garantias de tratamento justo</p><p>ao condenado e com vistas a que o Direito Penal alcance a finalidade a qual</p><p>se propõe.</p><p>Execução provisória</p><p>A execução da pena é regulamentada pela Lei nº. 7.210, de 11 de julho de</p><p>1984, e objetiva efetivar as disposições da sentença, assim como proporcionar</p><p>condições para a integração social do condenado, o que caracteriza a adoção</p><p>da teoria mista, conforme estudamos anteriormente. Via de regra, a execução</p><p>da pena só ocorrerá com o trânsito em julgado da decisão condenatória, ou</p><p>seja, quando não há mais possibilidade de recurso para o réu contestar a pena</p><p>que recebeu.</p><p>5Das penas</p><p>Identificação interna do documento Y7K7D4E7FM-WEBDGN1</p><p>Assim prevê o art. 105 da referida legislação: “Transitando em julgado a</p><p>sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser</p><p>preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução”</p><p>(BRASIL, 1984, documento on-line). Contudo, é possível que também ocorra</p><p>execução em face daquele que, embora já tendo em seu desfavor alguma</p><p>condenação criminal, tal decisão ainda não tenha sido transitada em julgado</p><p>para a defesa, hipótese em que caberá a chamada execução provisória. Nesses</p><p>casos, a execução será para beneficiar o executado, considerando que poderá</p><p>ser antecipada a obtenção de benefícios, como a progressão de regime e o</p><p>livramento condicional. Nessas condições, a execução provisória poderá ocorrer</p><p>quando verificado o trânsito em julgado da sentença para o Ministério Público,</p><p>o condenado encontra-se preso em razão da decretação de prisão preventiva</p><p>(arts. 310, II; 321; e 387, parágrafo único, do Código de Processo Penal [CPP]).</p><p>O Supremo Tribunal Federal, em 2016, passou a admitir o início de cumpri-</p><p>mento da pena pelo réu após condenação em segunda instância e que aguarda</p><p>julgamento do processo em liberdade, estando pendente recurso especial ou</p><p>extraordinário. Esse posicionamento deu-se em virtude de decisão proferida</p><p>em julgamento ocorrido em outubro de 2016 no habeas corpus nº. 26.292/SP.</p><p>Contudo, em outubro de 2019, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento</p><p>das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº. 43, 44 e 54, voltou ao seu</p><p>posicionamento original (anterior ao de 2016), considerando constitucional o</p><p>artigo 283 do Código de Processo Penal, prevalecendo, portanto, a presunção</p><p>de inocência até o trânsito em julgado da ação penal. Ou seja, impossibilitou</p><p>novamente que o réu possa cumprir pena provisoriamente, sem o trânsito em</p><p>julgado da decisão, situação excetuada nos casos de prisão processual, ou seja,</p><p>prisão em flagrante, prisão temporária e prisão provisória (hipóteses em que há</p><p>prisão antes do trânsito em julgado da decisão). É importante considerarmos</p><p>que, em tais hipóteses, não há possibilidade de considerar violação ao princípio</p><p>da presunção de inocência, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal:</p><p>“[...] ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença</p><p>penal condenatória” (BRASIL, 1988, documento on-line). Observemos que o</p><p>condenado não está sendo preso antecipadamente para dar início à execução</p><p>da pena aplicada em sentença que ainda não transitou em julgado, pois ou ele</p><p>já está preso ou o recurso interposto conta com efeito suspensivo.</p><p>Ilustram, ainda, essa orientação as Súmulas nº. 716 e 717 do STF, aprova-</p><p>das em sessão plenária, cujos enunciados têm por pressupostos situações de</p><p>execução provisória de sentenças penais condenatórias. Vejamos:</p><p>Das penas6</p><p>Identificação interna do documento Y7K7D4E7FM-WEBDGN1</p><p>Súmula nº. 716. Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena</p><p>ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do</p><p>trânsito em julgado da sentença condenatória.</p><p>Súmula nº. 717. Não impede a progressão de regime de execução da pena,</p><p>fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar</p><p>em prisão especial (BRASIL, 2003, documento on-line).</p><p>A execução provisória torna-se possível, portanto, para a concessão de</p><p>eventuais benefícios ao condenado, tendo em vista que a situação jurídica do</p><p>executado não poderá ser alterada a fim de lhe acarretar maior prejuízo, pois é</p><p>necessário que já tenha ocorrido o trânsito em julgado para o Ministério Público.</p><p>BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Promulgada em 5 de</p><p>outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/</p><p>constituição.htm>. Acesso em: 20 ago. 2018.</p><p>BRASIL. Decreto-lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial</p><p>[da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 dez. 1940. Disponível em: <http://www.</p><p>planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 20 ago. 2018.</p><p>BRASIL. Lei nº. 7.210, de 11 de julho de 1984. Lei de Execução Penal. Diário Oficial [da]</p><p>República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 13 jul. 1984. Disponível em: <http://www.</p><p>planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm>. Acesso em: 20 ago. 2018.</p><p>BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmulas 701 a 736. Diário de Justiça, 9 out. 2003.</p><p>Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenc</p><p>iaSumula&pagina=sumula_701_800>. Acesso em: 20 ago. 2018.</p><p>MARCÃO, R. Execução penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. (Saberes do Direito, v. 9).</p><p>MARTINS, L. P. Das espécies de pena e dos regimes de cumprimento. Âmbito Jurídico,</p><p>v. 19, n. 148, maio 2016. Disponível em: <http://ambito-juridico.com.br/site/index.</p><p>php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=17164>. Acesso em: 20 ago. 2018.</p><p>MIRABETE J. F.; FABBRINI, R. N. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, 2014.</p><p>NUCCI, G. S. Manual de Direito Penal: parte geral e parte especial. São Paulo: Revista</p><p>dos Tribunais, 2009.</p><p>7Das penas</p><p>Identificação interna do documento Y7K7D4E7FM-WEBDGN1</p>