Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.
left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

Prévia do material em texto

<p>A Psicologia Analítica é uma religião?</p><p>In statu nascendi</p><p>[In statu nascendi do latim: No estado/na condição de nascer]</p><p>Tradução: Thyago Teixeira [os colchetes neste texto são anotações do tradutor]</p><p>Revisão: Luís Paulo Lopes</p><p>Texto original: SHAMDASANI, S. Is analytical psychology a religion? In statu nascendi. UK:</p><p>The Journal of analytical psychology: 1999. 44(4), 539–545.1</p><p>Sonu Shamdasani, Londres</p><p>Resumo: Este artigo elucida e discute as concepções de Jung sobre a relação entre</p><p>psicologia, psicoterapia e religião.</p><p>Palavras-chave: psicologia analítica, cristianismo, Movimento Emmanuel, Théodore</p><p>Flournoy, Michael Fordham, Sigmund Freud, William James, C. G. Jung, psicoterapia,</p><p>religião.</p><p>_____________________________________</p><p>Em Cult Fictions (1998b), propus-me a explorar a formação das primeiras instituições</p><p>de psicologia analítica. Isso me levou a examinar minuciosamente as evidências das</p><p>alegações de Richard Noll de que, sob o pretexto de fundar uma escola de psicologia, Jung</p><p>havia, na verdade, fundado um culto neopagão de adoração ao sol baseado em sua</p><p>divinização como o Cristo Ariano.</p><p>A principal evidência documental para essa alegação foi um documento que Noll</p><p>afirmou fazer parte do discurso inaugural de Jung ao Clube Psicológico em 1916. Como</p><p>mostrei em Cult Fictions, este documento, que chamei de ‘coletividade analítica’, não foi</p><p>nem escrito por Jung, e nem contém seu manifesto revolucionário em relação à psicologia</p><p>analítica. Eu concluí que a versão de Noll da fundação da psicologia analítica está cheia de</p><p>erros, citações equivocadas, transcrições erradas, interpretações tendenciosas e</p><p>informações exageradas ou fictícias. Tendo dispensado essas afirmações errôneas, agora</p><p>somos capazes de abordar a questão da relação da psicologia analítica com a religião</p><p>novamente.</p><p>Em Cult Fictions, mostrei como a linguagem teórica que Jung estava desenvolvendo</p><p>foi reformulada e levada a diferentes fins por aqueles ao seu redor. Esse processo de</p><p>ressignificação tem sido central para o desenvolvimento da psicologia analítica. Os</p><p>conceitos de Jung passaram a significar coisas radicalmente diferentes. No processo, muitas</p><p>das questões e fenômenos com os quais Jung estava lidando foram simplesmente</p><p>1 0021–8774/99/4404/539 © 1999, The Society of Analytical Psychology</p><p>Published by Blackwell Publishers Ltd, 108 Cowley Road, Oxford OX4 1JF, UK</p><p>350 Main Street, Malden, MA 02148, USA.</p><p>1</p><p>esquecidos ou deixados de lado. Houve uma infinidade de ressignificações silenciosas que</p><p>se apresentam perfeitamente como representantes das teorias de Jung, ou como</p><p>elaborações fiéis delas. Diversas vezes, os conceitos característicos de Jung são</p><p>simplesmente empregados como marcadores de identidade profissional, e o nome dele é</p><p>invocado puramente como uma autoridade legitimadora. O resultado é a situação dos dias</p><p>de hoje, onde esses conceitos assumiram uma plasticidade extrema. Isso abriu um terreno</p><p>interminável para as reinvenções de Jung. A psicologia analítica continua sendo falada no</p><p>singular. Eu sugeriria que fosse mais certo falar de um arquipélago de psicologias</p><p>junguianas que se divergem – algumas profissionais, outras não – que basicamente têm</p><p>pouco a ver uma com a outra, ou, por falar nisso, nem sequer têm a ver com Jung.</p><p>Continuar a se referir à psicologia junguiana hoje no singular – mesmo subdividida em</p><p>escolas – talvez tenha se tornado um anacronismo.</p><p>Dadas as variedades ilimitadas de psicologias junguianas, vou limitar-me a</p><p>considerar as concepções da psicologia de Jung e sua relação com a religião no que se</p><p>segue. Como observou William James, a variedade de definições de religião aponta para o</p><p>fato de que não há uma essência única para o termo (JAMES, 1902, p. 27).</p><p>Consequentemente, ele considerava o termo “religião” um nome coletivo. Assim, em vez de</p><p>apresentar uma definição de religião ou sobrepor as definições existentes, adotarei as</p><p>próprias concepções de Jung.</p><p>De acordo com o relato freudocêntrico predominante das origens da psicologia</p><p>analítica, a psicanálise se apresenta como matriz principal para o surgimento da mesma.</p><p>Argumentei anteriormente que isso equivale a nada menos do que a má colocação do</p><p>trabalho de Jung na história intelectual do século XX (SHAMDASANI, 1995, 1998a; ver</p><p>também TAYLOR, 1996, 1998). A psicologia de Jung estava muito mais intimamente aliada</p><p>e influenciada pelo trabalho de William James e Théodore Flournoy, citando apenas dois de</p><p>uma infinidade de outros autores. Jung os descreveu como as duas únicas mentes</p><p>excepcionais com quem ele foi capaz de conduzir diálogos sem complicações</p><p>(SHAMDASANI, 1995, p. 127).</p><p>O trabalho de Jung sobre a psicologia da religião baseou-se fortemente no trabalho</p><p>de Flournoy e James. Para Jung, como para Flournoy e James anteriores a ele, uma</p><p>condição necessária para a possibilidade de uma psicologia era que ela devesse considerar</p><p>todos os aspectos dos fenômenos humanos. Dada a relevância da religião na vida das</p><p>pessoas, concluiu-se que uma psicologia que não considerava os fenômenos religiosos não</p><p>merecia ser chamada de psicologia. Assim, a psicologia da religião não era simplesmente</p><p>um campo específico ou periférico, mas era essencial para a possibilidade de uma</p><p>psicologia geral. Dessa forma, Jung não abordou o tema da religião com uma definição</p><p>pré-estabelecida de psicologia. Em vez disso, o estudo dos fenômenos religiosos foi uma</p><p>das questões cruciais que ajudaram a definir o conceito da psicologia de Jung.</p><p>James forneceu uma definição ampla de religião como “os sentimentos, atos e</p><p>experiências de homens individuais em solitude, na medida em que eles apreendem a si</p><p>mesmos em relação a tudo o que possam considerar o divino” (JAMES, 1902, p. 31). De</p><p>acordo com Flournoy, a psicologia da religião teve duas origens principais: os</p><p>desdobramentos na tradição protestante, como representado por Auguste Sabatier, que</p><p>colocou uma ênfase crescente na experiência em oposição às construções dogmáticas e</p><p>pela escola americana de Daniels, Leuba e Starbuck (FLOURNOY, 1902). Para Flournoy, a</p><p>psicologia da religião tinha dois princípios centrais: a exclusão do princípio da</p><p>2</p><p>transcendência, e, em segundo lugar, a interpretação biológica. De acordo com o primeiro</p><p>princípio, a psicologia da religião não rejeita ou afirma a existência transcendente dos</p><p>objetos da religião. Ele a concebeu como uma ciência, tão agnóstica quanto a astronomia.</p><p>Os objetos da crença religiosa tinham uma realidade psicológica, mas a questão de sua</p><p>realidade metafísica era cientificamente insolucionável. O segundo princípio, a interpretação</p><p>biológica, consistia em ver essas experiências religiosas como a manifestação de processos</p><p>vitais e correspondia em estudar seu desenvolvimento, suas variações normais e</p><p>patológicas, sua dinâmica consciente ou subconsciente, suas relações com outras funções e</p><p>seu papel na vida do indivíduo e, finalmente, na vida da espécie humana em geral.</p><p>A principal preocupação da psicologia da religião era a experiência interior</p><p>diretamente. Para Flournoy, a primeira crença fundamental do psicólogo era o respeito à</p><p>experiência. A psicologia da religião também se interessava por dogmas, os quais ele via</p><p>como resultantes de reflexões subsequentes das experiências que desafiavam o ato da</p><p>descrição literal e que permaneciam incomunicáveis, exceto por meio de serem traduzidas</p><p>em imagens e símbolos discursivos. Flournoy considerou que a fonte da experiência</p><p>religiosa seria o subconsciente ou subliminar. Como James colocou: “Se houver poderes</p><p>superiores capazes de nos impressionar, eles podem ter acesso a nós apenas através da</p><p>porta subliminar” (JAMES, 1902, p. 243).</p><p>Em seu trabalho, Jung adotou esses princípios. Ele afirmou a natureza científica da</p><p>psicologia da religião, a exclusão do princípio da transcendência, o privilégio das</p><p>experiências internas e a nomeação do inconsciente como a fonte da experiência religiosa.</p><p>O passo adiante que Jung deu foi o de vincular essas questões à prática da psicoterapia.</p><p>Ele não foi o primeiro a conectar a psicoterapia com a religião.</p><p>Isso havia sido feito pelo</p><p>Movimento Emmanuel em Boston, que consistia em uma colaboração de psicoterapeutas e</p><p>líderes religiosos, cujo trabalho Freud abominava, mas Jung e James admiravam</p><p>(WORCESTER; MCCOMB; CORIAT, 1908).2</p><p>Ao derivar sua concepção da psicologia da religião de Flournoy e James, Jung</p><p>também herdou alguns dos problemas críticos de tais concepções. Embora eles tivessem</p><p>afirmado que sua psicologia da religião era agnóstica, era evidente que as categorias</p><p>específicas que eles usavam para entender diferentes tradições tinham uma ligação</p><p>essencial com o protestantismo. Um exemplo seria a concepção de James sobre o</p><p>significado do segundo nascimento da personalidade em The Varieties of Religious</p><p>Experience (1908). O mesmo problema era aparente no trabalho de Jung. De fato, em 1916,</p><p>Flournoy caracterizou a abordagem da escola de Zurique em relação à religião como sendo</p><p>essencialmente cristã. Foi precisamente por isso que ele preferiu essa do que a abordagem</p><p>judaica da escola freudiana (FLOURNOY, 1916, p. 195).</p><p>Em 1923, em seus seminários em Polzeath, Jung foi mais longe e comparou o</p><p>movimento da psicologia analítica com o cristianismo primitivo. De acordo com as anotações</p><p>de Esther Harding, Jung afirmou que a chama do espírito que deu origem ao cristianismo</p><p>havia morrido quando as pessoas se uniram para formar uma instituição. Ele previu que o</p><p>mesmo aconteceria com a psicologia analítica (HARDING, 1923, p. 19).</p><p>2 Depois de conhecer Freud e Jung na conferência de Clark, James escreveu a Flournoy informando-o da</p><p>“impressão muito agradável” que Jung causou nele. Freud, por outro lado, pareceu-lhe um “homem obcecado</p><p>por ideias fixas”: “Uma reportagem do jornal do Congresso disse que Freud havia condenado a terapia religiosa</p><p>americana (que tem resultados tão extensos) como muito ‘perigosa’ pois tanto quanto ‘não científica’. Ora!”</p><p>James para Flournoy,, 28 de setembro de 1909 (LE CLAIR, 1966, p. 224). Em suas palestras sobre psicanálise</p><p>em maio de 1912 , Jung elogiou o trabalho do Movimento Emmanuel (BOWDITCH KATZ, 1912–1913, p. 3).</p><p>3</p><p>Assim como James, Jung deu uma definição ampla de religião. Em 1937, ele</p><p>estabeleceu como:</p><p>Uma atitude particular da mente que poderia ser formulada de acordo com o</p><p>uso original da palavra religio, o que significa uma cuidadosa consideração</p><p>e observação de certos fatores dinâmicos que são concebidos como</p><p>‘poderes’: espíritos, daemons, deuses, leis, ideias, ideais ou qualquer nome</p><p>que o homem tenha dado a tais fatores em seu mundo o qual ele</p><p>reconheceu como poderoso, perigoso ou útil o suficiente para ser</p><p>cuidadosamente levado em consideração, ou grande, belo e significativo o</p><p>suficiente para ser adorado e amado com devoção. (JUNG, 1937a, §8)</p><p>Ele citou com aprovação os comentários de James a respeito do temperamento fervoroso de</p><p>muitos cientistas. A inclusão de “ideias, ideais e leis” indica a amplitude da definição.</p><p>Conforme Jung viu, os credos eram originalmente baseados em experiências do numinosum</p><p>[numinoso], e eram formas codificadas e dogmatizadas da experiência religiosa original. Em</p><p>contraste aos seus comentários em Polzeath, Jung agora apresentou uma visão menos</p><p>negativa desse processo de codificação. Ele argumentou que isso não precisa</p><p>necessariamente levar a um enrijecimento sem vitalidade, mas poderia fornecer uma forma</p><p>válida de experiência religiosa para milhões de indivíduos por milênios.</p><p>Se atribuirmos essa definição de religião tal qual uma atitude consciente que</p><p>corresponde a uma ‘consideração cuidadosa de fatores dinâmicos que são conceituados</p><p>como “poderes”’, resulta-se então que a psicologia analítica – concebendo seus poderes</p><p>como arquétipos – tinha uma atitude religiosa. O que Jung negou foi a questão de ser um</p><p>credo. Em um discurso após o jantar em Nova York no ano de 1937, Jung abordou a</p><p>questão de saber se a psicologia analítica era uma religião. Depois de exortar seu público a</p><p>fazer o que Cristo fez e, ao fazê-lo, permitir que Deus se torne homem, Jung teria dito:</p><p>Isso soa como religião, mas não é dessa forma. Eu estou falando apenas</p><p>como um filósofo. As pessoas às vezes me chamam de líder religioso. Não</p><p>sou isso. Eu não tenho uma mensagem, nem mesmo uma missão; apenas</p><p>uma busca [tentativa] de entender. Nós somos filósofos no sentido arcaico</p><p>da palavra, amantes da sabedoria. Isso evita, por vezes, a companhia</p><p>questionável de alguns que oferecem uma religião.3 (JUNG, 1937b, p. 98)</p><p>Em contrapartida, ele frequentemente atacou o sectarismo da psicanálise, escrevendo em</p><p>1930:</p><p>A psicanálise freudiana... teve um sucesso comparável apenas ao da</p><p>Ciência Cristã, da teosofia e da antroposofia – comparável não apenas em</p><p>seu sucesso, mas em sua essência, pois o dogmatismo de Freud está muito</p><p>3 Esta fala foi publicada pela primeira vez no ano de 1972 por Jane Abbott Pratt em Spring. Pratt, que</p><p>compareceu, afirmou que isso foi ministrado em 1937 no final do seminário de Nova York de Jung (PRATT, 1972,</p><p>p. 144). Foi reimpresso em 1975 em C. G. Jung Speaking , onde os editores afirmaram que foi discursado em</p><p>Nova York em 2 de outubro de 1936 , e citações subsequentes seguiram essa datação. No entanto, está errado.</p><p>O datilógrafo das notas que examinei é datado de 26 de outubro de 1937 (Library, C. G. Jung Institute of San</p><p>Francisco). Além disso, Jung inicia seus comentários observando que ele havia recentemente dado muita</p><p>atenção à questão da relação entre psicologia e religião em conexão com suas palestras em Yale (a referência</p><p>são as suas palestras em Terry sobre “Psicologia e Religião”, que foram proferidas em 1937 ).</p><p>4</p><p>próximo da atitude de convicção religiosa da Antroposofia e da Ciência</p><p>Cristã. (JUNG, 1930, §749)</p><p>Para Jung, não foram as teorias da psicanálise, nem a abordagem dela dos fenômenos</p><p>religiosos que a aproximaram da Ciência Cristã e da Antroposofia. Em vez disso, foi o seu</p><p>dogmatismo.</p><p>Jung se esforçou em tentar desenvolver uma psicologia do processo de fazer</p><p>religião. A tarefa era descrever a tradução e transposição da experiência numinosa dos</p><p>indivíduos em símbolos e, eventualmente, nos dogmas e credos das religiões organizadas.</p><p>Para que tal psicologia do processo de criação religiosa tivesse sucesso, era essencial que</p><p>a psicologia analítica não sucumbisse a um credo.</p><p>Em 1 917 , Jung afirmou que sua psicologia tinha dois lados: um que era inteiramente</p><p>prático e outro que era inteiramente teórico (Jung 1917 , p. 443 ). Por um lado, constituía um</p><p>método de tratamento ou instrução, e por outro, era uma teoria científica, relacionada com</p><p>outras ciências. Jung manteve consistentemente essa distinção. Essa distinção é</p><p>fundamental em qualquer discussão sobre a relação da psicologia analítica com a religião.</p><p>Em uma apresentação em uma conferência de psicologia em Zurique em 1942 , Jung</p><p>afirmou a propósito a psicoterapia:</p><p>Dificilmente posso ocultar o fato de que nós, psicoterapeutas, devemos</p><p>realmente ser filósofos ou médicos filosóficos – ou melhor, que já o somos,</p><p>sem querer admitir, uma vez que uma diferença muito gritante se abre entre</p><p>o que buscamos e o que é ensinado como filosofia nas universidades.</p><p>Pode-se também chamá-la de religião in statu nascendi [no estado/na</p><p>condição de nascer ], uma vez que na proximidade da grande confusão das</p><p>condições primordiais da vida, ainda não há separação de tal maneira que</p><p>se permita ser reconhecida uma diferença entre filosofia e religião. (JUNG,</p><p>1943, §181)</p><p>Como alguém pode entender isso? Em que sentido uma religião in statu nascendi – em um</p><p>estado de nascimento – não poderia ser considerada uma religião? Sugiro que possamos</p><p>abordar essa questão da seguinte maneira.</p><p>Em 1918 , Jung afirmou que a descristianização da visão de mundo predominante</p><p>levou a uma ativação extraordinária do inconsciente. Foi isso, por sua vez, que levou à</p><p>escola francesa de psicopatologia e hipnotismo, a qual formou as principais fontes da</p><p>psicologia analítica (JUNG, 1918, §21). Desse modo, a descristianização da visão de mundo</p><p>formou a condição histórica de possibilidade para o</p><p>surgimento da psicologia analítica. Essa</p><p>descristianização levou a uma eflorescência da criação do símbolo individual e a um</p><p>aumento acentuado na frequência de neuroses. A tarefa mais urgente foi a de chegar a um</p><p>acordo4 com essa atividade.</p><p>4 Nota do tradutor (1): Shamdasani aqui utiliza a expressão "coming to terms" que traduzimos literalmente como</p><p>"chegar a um acordo". Trata-se de uma expressão comumente utilizada por autores da escola clássica para</p><p>traduzir ao inglês a palavra alemã "auseinandersetzung". Na obra "Encounters with the Soul", Barbara Hannah</p><p>diz: “Essa intraduzível palavra alemã significa argumentar, discutir, analisar, tudo sugerindo chegar a um eventual</p><p>acordo". Assim, entendemos que "auseinandersetzung" significa não exatamente uma barganha, como o termo</p><p>"chegar a um acordo" poderia remeter, mas se refere a uma síntese dialética oriunda do confronto entre os</p><p>opostos e, portanto, ao método dialético de Jung.</p><p>5</p><p>Foi a prática da psicoterapia – ao invés do estudo comparativo e a exegese</p><p>psicológica dos símbolos religiosos – que aproximou a psicologia analítica da religião. A</p><p>nível cultural, a psicologia analítica procurou mediar os símbolos religiosos através da</p><p>interpretação deles de uma maneira que os tornassem acessíveis à perspectiva</p><p>contemporânea. Em um nível individual, a cura na psicoterapia consistia, em última análise,</p><p>em encontrar ou recuperar uma atitude religiosa. Isso poderia ser por meio do retorno a um</p><p>aspecto de crença ou filosofia específica ou através do processo de individuação. Este</p><p>último seria possível ao voltar-se para a função criadora de símbolos5 do inconsciente.</p><p>É com esse sentido que sugiro que entendamos os comentários de Jung de que a</p><p>psicoterapia, e em particular a psicoterapia que se ocupa com o processo de individuação,</p><p>poderia ser chamada de religião in statu nascendi : pois, na concepção de Jung, a fonte de</p><p>cura em um indivíduo seria a mesma fonte que teria dado origem às religiões. As analogias</p><p>mais próximas ao processo de individuação estariam nas tradições espirituais, como a yoga</p><p>Kundalini, os exercícios espirituais de Santo Inácio de Loyola e a alquimia medieval. A</p><p>principal diferença é que a iconografia (em um cenário ideal) não deveria ser estabelecida</p><p>antes. Pois se a iconografia do processo de individuação se tornar fixa e codificada, a</p><p>psicologia analítica também se tornaria, nos termos de Jung, um credo. De acordo com</p><p>Michael Fordham, isso foi precisamente o que alguns dos seguidores de Jung tentaram</p><p>fazer em oposição total às intenções de Jung (FORDHAM, 1985, p. 2; 1993, p. 117).</p><p>Referências</p><p>Flournoy, T. (1902). ‘Les principes de la psychologie religeuse’. Archives de Psychologie, 2,</p><p>33–57.</p><p>—— (1916). ‘Religion et psychanalyse’. Le Bloc-notes de la psychanalyse, 1984, 4, 191–9.</p><p>Fordham, M. (1985). Explorations into the Self. London: Academic Press.</p><p>—— (1993). The Making of an Analyst: A Memoir. London: Free Associations.</p><p>Harding, E. (1923). Notes of C. G. Jung’s Polzeath Seminar, July 1923. Unpublished.</p><p>Le Clair, R. (1966). The letters of William James and Théodore Flournoy. Madison: University</p><p>of Wisconsin Press.</p><p>James, W. (1902). The Varieties of Religious Experience. London: Penguin, 1986.</p><p>Jung, C. G. (1917). ‘The psychology of the unconscious process: an overview of the modern</p><p>theory and method of analytical psychology’. In Collected Papers on Analytical Psychology,</p><p>ed. Constance Long. London: Baillière, Tindall & Cox, 2nd ed., 354–444.</p><p>—— (1918). ‘On the unconscious’. CW 10.</p><p>—— (1930). ‘Introduction to Kranefeldt Secret Ways of the Mind’ (orig. Die Psychoanalyse).</p><p>CW 4.</p><p>—— (1937a). Psychology and Religion. CW 8.</p><p>—— (1937b). ‘Is analytical psychology a religion?’ In C. G. Jung Speaking: Interviews and</p><p>Encounters, eds. William McGuire & R. F. C. Hull. Princeton: Princeton University Press,</p><p>Bollingen Series XCVII, 1977.</p><p>—— (1943). ‘Psychotherapy and World-View’. CW 16.</p><p>Katz, F. Bowditch (1912–3). ‘Psychoanalysis. Lecture Notes, Dr. Jung’. Harvard Medical</p><p>School: Countway Library of Medicine.</p><p>Noll, R. (1997). The Aryan Christ: The Secret Life of Carl Jung. New York: Random House.</p><p>5 Nota do tradutor (2): termo técnico usado, do inglês “symbol-creating function”.</p><p>6</p><p>Pratt, J. A. (1972). ‘Notes on a talk given by C. G. Jung: “Is analytical psychology a religion?”’</p><p>Spring: An Annual of Archetypal Psychology and Jungian Thought, 144–8.</p><p>Shamdasani, S. (1995). ‘Memories, Dreams, Omissions’. Spring: Journal of Archetype and</p><p>Culture, 57, 115–37.</p><p>—— (1998a). ‘From Geneva to Zürich: Jung and French Switzerland’. Journal of Analytical</p><p>Psychology, 43, 1, 115–26.</p><p>—— (1998b). Cult Fictions: C. G. Jung and the Founding of Analytical Psychology, London &</p><p>New York: Routledge.</p><p>Taylor, E. (1996). ‘The new Jung scholarship’. The Psychoanalytic Review, 83, 547–68.</p><p>Taylor, E. (1998). ‘Jung before Freud, not Freud before Jung: the reception of Jung’s work in</p><p>American psychotherapeutic circles between 1904 and 1909’. Journal of Analytical</p><p>Psychology, 43, 1, 97–114.</p><p>Worcester, E., McComb, S. and Coriat, I. (1908). Religion and Medicine: The Moral Control</p><p>of Nervous Conditions. New York: Moffat Yard.</p><p>7</p>

Mais conteúdos dessa disciplina