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<p>PRINCÍPIOS DA DIGESTÃO EM RUMINANTES</p><p>As indigestões compõem um grupo de afecções que caracterizam a disfunção rumen-</p><p>reticular (r-r). Inicialmente, as indigestões são classificadas como primárias (quando o rúmen-</p><p>retículo são acometidos diretamente) e secundárias (sintomas acompanham enfermidades</p><p>sistêmicas ou com origem em outros órgãos: mastite, hipocalcemia, etc).</p><p>Indigestões Primárias são causadas por distúrbios motores (motilidade do rúmen-</p><p>retículo) / moléstias da parede ruminal) E distúrbios fermentativos no rúmen-retículo.</p><p>Distúrbios motores rumen-retículo (r-r) / moléstias da parere ruminal:</p><p> Reticuloperitonite traumática</p><p> Ruminites/reticulites</p><p> Paraqueratose ruminal</p><p> Timpanismo Gás Livre</p><p> Indigestão Vagal</p><p> Obstrução cárdia / orifício reticulo-omasal</p><p> Hérnia diafragmática</p><p>Distúrbios Fermentativos (microbianos/bioquímicos)</p><p> Inatividade da flora/Indigestão Simples</p><p> Timpanismo Espumoso</p><p> Acidose ruminal</p><p> Alcalose ruminal</p><p> Putrefação da ingesta</p><p>“A separação entre os processos patológicos (distúrbios motores e fermentativos) é</p><p>impossível, visto que alterações na motilidade causam alterações na fermentação</p><p>microbiana e também alteram a função de mistura e passagem dos líquidos ruminais para</p><p>fora dos pré-estomagos, enquanto que as alterações bioquímicas da fermentação influem na</p><p>motilidade rumenorreticular.”</p><p>A mucosa do rúmen-retículo (r-r) tem ampla capacidade de absorção e troca de produtos</p><p>da fermentação (não desempenha qualquer função de secreção). A manutenção apropriada</p><p>da fermentação nos pré-estomagos depende da coordenação de processos que propiciam</p><p>ambiente favorável; as exigências são: ingestão apropriada de quantidade e tipos de</p><p>substratos alimentares e água; substâncias tamponantes propiciada pela saliva; motilidade</p><p>r-r para mistura; ruminação e remastigacao; passagem aboral do material ingerido;</p><p>manutenção da temperatura e troca de eletrólitos e ácidos graxos voláteis (AGV) pela</p><p>parede ruminal. Visto que estas funções estão intimamente relacionadas, a alteração em</p><p>uma delas leva a distúrbios digestivos.</p><p>Em torno de 2 a 4 horas após a ingestão de alimentos, em função da fermentação</p><p>microbiana e produção de AGV, o pH ruminal atinge os níveis mais baixos (normalmente</p><p>entre 5,8 e 6,2 no caso de dietas compostas principalmente por fibras). A partir de então,</p><p>com o declínio da fermentação e absorção dos AGV produzidos, o pH se eleva novamente</p><p>voltando ao patamar próximo ao neutro.</p><p>Motilidade Rumenorreticular (r-r) e Distúrbios na função motora</p><p>A motilidade r-r se caracteriza por dois ciclos de contrações que funcionam</p><p>independentemente.</p><p>O ciclo primário se inicia com por contração bifásica do retículo que promove a mistura</p><p>da dieta e a separação de partículas maiores e menores; durante a segunda contração reticular,</p><p>o orifício reticulomasal relaxa e o conteúdo líquido localizado principalmente no retículo passa</p><p>para o omaso. O ciclo primário influencia diretamente a fermentação do rúmen, por misturar o</p><p>material ingerido e propiciar maior contato com a flora microbiana, macerando ainda mais as</p><p>partículas. Essa mistura da dieta impede acumulo de substratos ou produtos finais da</p><p>fermentação, distribui a saliva tamponante para neutralizar ácidos e promove maior contato da</p><p>ingesta com as papilas da parede ruminal, favorecendo a absorção dos AGV. A sequência</p><p>coordenada de contrações mantém a estratificação e assim permite a escolhe seletiva de</p><p>partículas menores para passagem ao omaso e retém as maiores para “quebras” digestivas. O</p><p>ciclo de contrações primárias é seguido por um ciclo secundário de contração, cujo objetivo é</p><p>expelir os gases formados durante a fermentação ruminal.</p><p>O ciclo secundário se inicia com contração em sentido cranial do saco cego</p><p>caudodorsal e saco dorsal. Nesse momento, ocorre o deslocamento do gás ruminal livre em</p><p>direção a cárdia e sua eliminação.</p><p>Obs: Tipicamente, há dois ciclos primários de contração e depois 1 secundário, no total de 3</p><p>contraçoes a cd 2 min.</p><p>A ruminação é uma das atividades mais características dos ruminantes e consiste na</p><p>regurgitação do alimento previamente ingerido, remastigação, salivação e deglutição, para</p><p>continuar o processo fermentativo. Na ruminação, os alimentos são reduzidos em partículas</p><p>menores, melhorando sua superfície de contato com a microbiota e ocorrendo maior exposição</p><p>dos nutrientes intracelulares, aumentando a eficiência do processo fermentativo. A ruminação</p><p>precede o ciclo primário de contração e se inicia com uma contração mais forte do retículo que</p><p>inunda a cárdia. O animal realiza um esforço inspiratório, porém, com a glote fechada de modo</p><p>que é criada uma pressão intratorácica negativa que atrai o conteúdo para dentro do esôfago.</p><p>Por meio de ondas antiperistálticas, o conteúdo é guiado até a cavidade oral. A porção líquida</p><p>do conteúdo é deglutida e a porção mais sólida é remastigada. Durante a mastigação, grande</p><p>quantidade de saliva é adicionada ao conteúdo. Após a mastigação o conteúdo é deglutido</p><p>novamente.</p><p>O tempo gasto durante a ruminação varia principalmente em função do tamanho das</p><p>partículas da ingesta. Esse tempo gasto durante a ruminação é de extrema importância já que</p><p>durante a mesma, o bolo alimentar é encharcado com grande volume de saliva rica em</p><p>tampões bicarbonato e fosfato que por sua vez, exerce um papel fundamental no controle do</p><p>pH ruminal. Dieta rica em fibras com o comprimento adequado das partículas, estimula um</p><p>maior tempo de ruminação. Por outro lado, dietas ricas em grãos, farelo, bem como fibras</p><p>finamente trituradas resultam em um tempo menor de ruminação e portanto aumentam as</p><p>chances de desenvolvimento de acidose ruminal.</p><p>Diversos fatores podem reduzir ou mesmo cessar a motilidade ruminal, entre elas febre,</p><p>dor, hipocalcemia, endotoxemia, lesão no nervo vago, sedativos e distensão excessiva do</p><p>rúmen.</p><p>A manutenção do padrão de motilidade exige um controle nervoso bem coordenado. Um</p><p>distúrbio na motilidade irá influencia a fermentação ruminal. Os estímulos excitatórios e</p><p>inibitórios para a motilidade são conduzidos via nervo vago até os centros gástricos na medula</p><p>oblonga e geram impulsos motores; em geral, o efeito da estimulação de nervos esplânicos</p><p>geram efeitos inibitórios e podem ser estimulados por distúrbios em outras estruturas do trato</p><p>gastrintestinal como distensão intestinal, manipulação cirúrgica, etc.</p><p>Queda ou ausência da atividade do ciclo primário normal (ou seja, hipomotilidade ou</p><p>estase ruminal) podem ser decorrentes de:</p><p>I. Queda da informação excitatória aos centros gástricos;</p><p>Os três principais receptores excitatorios são: a) receptores de tensão de baixo limiar no</p><p>retículo; b) receptores bucais; c) receptores ácidos no abomaso.</p><p>a) Receptores na musculatura do retículo são excitados quando há distensão do órgão</p><p>(durante a ingestão de alimentos) ou durante as contrações da parede reticular. Por isso há</p><p>aumento da motilidade r-r (contrações primarias) durante a ingestão.</p><p>b) A ingestão de alimentos estimula receptores localizados na cavidade oral e</p><p>consecutivamente os ciclos 1º e 2º. Desta forma, animais que não estão consumindo alimentos</p><p>apresentam hipomotilidade ruminal.</p><p>c) A acidez abomasal aumenta com o seu esvaziamento (passagem do conteúdo</p><p>abomasal ao intestino). Assim, ela estimula a motilidade ruminal para que assim, haja</p><p>progressão do alimento via orifício reticulomasal até o abomaso. Por isso que em patologias do</p><p>abomaso há redução da motilidade r-r.</p><p>Obs: características físicas e químicas do material ingerido no rúmen (fibras, água e produtos</p><p>químicos normais da fermentação) são importantes para a motilidade normal. Alterações destas</p><p>características implicam tanto em redução na ruminação quanto do ciclo primário de motilidade.</p><p>II. Aumento da Informação Inibitória:</p><p>Informações inibitórias ao centro gástrico se originam de:</p><p>a) Receptores de tensão de elevado limiar</p><p>localizados no retículo e saco ruminal cranial</p><p>(distensão do rúmen: timpanismo grave ou impactação ruminal);</p><p>b) Receptores de tensão no abomaso: a distensão abomasal (ex: impactacao ou</p><p>deslocamento de abomaso) inibe ciclo primário de contrações;</p><p>c) Receptores ácidos na parede ruminal: o aumento de concentrações de ácido no rumen</p><p>(acidose ruminal) inibe a motilidade;</p><p>d) Dor: aumenta a atividade nervosa simpática e secreção adrenal, bem como inibição dos</p><p>centros gástricos.</p><p>III. Depressão dos Centros Gástrico:</p><p>Reduz a ativação vagal motora. Pode ser induzida por fármacos depressores do SNC</p><p>(xilazina); endotoxemia, febre, alterações eletroliticas, etc.</p><p>IV. Defeitos na Inervação Vagal: lesão vagal (indigestão vagal);</p><p>V. Outros: hipocalcemia.</p><p>Quanto ao ciclo secundário, é bom lembrar que a atividade promovida pelo ciclo 2º</p><p>ocorre de forma independente do ciclo 1º.</p><p>A motilidade do ciclo 2º é estimulada pelo aumento da pressão dos gases ruminais que</p><p>excita os receptores de tensão, o que faz relaxar a cárdia e eructação dos gases acumulados.</p><p>Receptores que aparentemente diferem gases, de líquidos ou material sólido inibem o</p><p>relaxamento da cárdia se esta estiver encoberta por outro tipo de conteúdo que não seja gás</p><p>(ex: timpanismo espumoso).</p><p>Distúrios da Função Fermentativa Rumenorreticular</p><p>População Microbiana dos pré-estômagos</p><p>Ruminantes possuem uma relação simbiótica bem-sucedida com a microbiota ruminal. O</p><p>animal provê substrato e ambiente anaeróbio estável para a manutenção de uma grande</p><p>população microbiana composta por bactérias anaeróbias, protozoários e uma população</p><p>menor de fungos. A microbiota, por sua vez, provê proteína, vitaminas e ácidos orgânicos de</p><p>cadeia curta como fonte de energia para o bovino. A digestão da celulose é feita então pela</p><p>microbiota ruminal que produz ácidos graxos voláteis, a principal fonte de energia para o</p><p>ruminante. A maioria das bactérias ruminais são anaeróbias obrigatórias.</p><p>De acordo com o substrato utilizado e o produto final oriundo da fermentação, as</p><p>bactérias ruminais podem ser classificadas em celulolíticas, hemicelulolíticas, pectinolíticas,</p><p>amilolíticas, ureolíticas, produtoras de metano, fermentadoras de açúcares solúveis, utilizadoras</p><p>de ácidos, proteolíticas, lipolíticas e produtoras de amônia. É importante ressaltar que as</p><p>bactérias podem utilizar como substrato elementos da dieta ou produtos finais da fermentação</p><p>realizada por outras bactérias (pentose, glicose, lactato, succinato e formiato); essas bactérias</p><p>são importantes na remoção de produtos finais.</p><p>A distribuição de espécies na microbiota ruminal varia, principalmente em função da</p><p>dieta. Alterações na dieta exigem mudanças na população microbiana e impõe diferentes</p><p>velocidades de fermentação e ciclo metabólico do conteúdo ruminal. Diante de desvios</p><p>abruptos e dramáticos para regimes alimentares mais ricos em carboidratos, a flora facultativa</p><p>pode suplantar a normal ao produzirem excessos de ácidos e assim reduzirem o pH. Uma</p><p>mudança acentuada no perfil bacteriano do rúmen em função de dieta pobre em carboidratos</p><p>estruturais e rica em carboidratos não-estruturais é a característica fundamental que</p><p>desencadeia a acidose ruminal.</p><p>Os protozoários ruminais são anaeróbios e fermentam material vegetal para produção de</p><p>energia. Além de competirem com as bactérias pela utilização dos substratos alimentares, os</p><p>protozoários também ingerem bactérias. O papel dos protozoários na fermentação ruminal</p><p>ainda não foi plenamente esclarecido. Porém, os protozoários são considerados excelentes</p><p>indicadores da saúde ruminal, sendo observados na avaliação clínica do conteúdo ruminal.</p><p>A microbiota converte os principais nutrientes da dieta em ácidos graxos voláteis,</p><p>metano, dióxido de carbono, amônia e proteína microbiana. Alguns destes produtos são</p><p>eructados, outros são utilizados por outras bactérias, porém, a maior parte é utilizada pelo</p><p>hospedeiro. No rúmen, diversas fontes de carboidrato são fermentadas gerando como produtos</p><p>finais dióxido de carbono, metano e os ácidos graxos voláteis, acetato, butirato e propionato. As</p><p>proporções de cada elemento dependerão principalmente do substrato fermentado.</p><p>As bactérias celulolíticas (fermentadoras de celulose) realizam as quatro etapas de</p><p>fermentação e tem baixa taxa metabólica, com prolongado tempo de duplicação e de</p><p>fermentação da celulose. As condições ideais para esse grupo de bactérias envolvem um pH de</p><p>6,2 a 6,8.</p><p>As bactérias amilolíticas (fermentadoras de amido) tem maior taxa metabólica com</p><p>menor tempo de duplicação e de fermentação do amido. Esse grupo de bactérias se</p><p>desenvolve melhor em pH mais baixo, de 5,5 a 6,6.</p><p>A fermentação de proteínas é feita pelas bactérias proteolíticas. No processo, as</p><p>proteínas sofrem hidrólise por proteases bacterianas.</p><p>BIBLIOGRAFIA</p><p>DIRKSEN, G. Indigestiones en el bovino, 1981.</p><p>RADOSTITS, O. M., GAY, C. C., BLOOD, D. C., HINCHCLIFF, K. W. Clínica Veterinária. Um Tratado de</p><p>Doenças dos Bovinos, Ovinos, Suínos, Caprinos e Equinos. 9 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007</p><p>SMITH, B.P. Tratado de medicina interna de grandes animais. 3.ed São Paulo: Manole, 2006.</p>