Prévia do material em texto
<p>1</p><p>QUESTÕES/PROBLEMAS DA</p><p>FILOSOFIA: CONHECIMENTO,</p><p>VERDADE E JUSTIFICAÇÃO</p><p>Prof. Dr. Alex Sander da Silva</p><p>4</p><p>Nas vezes em que perguntamos para alguém o que entende por conhecimento, ge-</p><p>ralmente, sua resposta se limite a dizer que é “algo que aprendemos na escola ou</p><p>nos livros”. De fato, tal resposta não está totalmente incorreta, porque muito do que</p><p>sabemos hoje vem da escola e dos livros que lemos e estudamos. Porém ainda é uma</p><p>resposta incompleta à medida que nos diz de onde vem nosso conhecimento, mas</p><p>não informa o que é o conhecimento.</p><p>O CONHECIMENTO1</p><p>Observe a Figura 2 e tente encontrar as imagens que estão</p><p>nela. Numa primeira observação, evidencia-se a imagem de</p><p>um senhor e uma moça com um bebê no colo. Se observarmos</p><p>com atenção, veremos que, nas laterais, aparecem pequenos</p><p>rostos. Numa visão panorâmica, vemos o rosto de um coronel</p><p>com a mão de cão.</p><p>Tanto esta Figura quanto a da Problematização são as cha-</p><p>madas imagens ambíguas e, dependendo de como o cérebro</p><p>da pessoa funciona, o que varia para cada ser humano, você</p><p>pode ter mais facilidade para ver um tipo de imagem do que a</p><p>outra, enquanto outras pessoas podem achar mais difícil ver o</p><p>mesmo que você observou.</p><p>Embora isso seja apenas um exercício de percepção, na prá-</p><p>tica, podemos dizer que, em situações do cotidiano, nossos</p><p>sentidos podem nos enganar. Podemos ter percepções equi-</p><p>vocadas sobre as coisas e as pessoas. As imagens que vamos</p><p>construindo das pessoas e do mundo a nossa volta podem ser</p><p>frutos de nossa imaginação, mas essas imagens também re-</p><p>presentam a possibilidade de que algo existe e, se existe algo,</p><p>nós podemos conhecê-lo. Isto é: é possível o conhecimento.</p><p>O QUE É O CONHECIMENTO?</p><p>MAS, AFINAL DE CONTAS, O QUE É O CONHECIMENTO?</p><p>No entender de Luckesi e Passos (2012, p. 18), “o conhecimento é a elucidação da</p><p>realidade” (grifos dos autores). Dizer que o conhecimento é “elucidação da realidade”</p><p>significa compreender o conhecimento como uma forma de “iluminar”, “trazer à luz”</p><p>a realidade.</p><p>Nesse ponto, podemos entender o conhecimento como uma forma de compreensão,</p><p>iluminação intensa, isto é, o desvelamento (o tirar o véu) de algo até então desconhe-</p><p>cido. Desse modo, segundo Luckesi e Passos (2012, p. 19), “o conhecimento, como</p><p>elucidação da realidade, é a forma de tornar a realidade inteligível, transparente, clara,</p><p>cristalina”, por meio da qual se descobre a “essência das coisas” que se revela por</p><p>meio de suas aparências. O conhecimento torna a realidade um pouco mais familiar,</p><p>compreensível, isto é, algo antes desconhecido em uma realidade conhecida.</p><p>5</p><p>Um exemplo em que poderíamos pensar seria uma viagem para um lugar desconheci-</p><p>do: quando chegamos ao local, vamos tendo o primeiro contato, vamos descobrindo</p><p>uma nova realidade, descobrindo um novo mundo, uma nova cidade, um lugar que</p><p>nos era totalmente estranho e que passa a ser um pouco mais familiar. Dependendo</p><p>do tempo que vamos passar no lugar, vamos nos apropriando cada vez mais do co-</p><p>nhecimento desse lugar que fomos visitar.</p><p>De acordo com Luckesi e Passos (2012), no que se refere ao conhecimento como</p><p>“elucidação da realidade”, há quatro elementos fundamentais no processo do conhe-</p><p>cimento, a serem destacados: um sujeito que conhece; um objeto a ser conhecido; o</p><p>ato de conhecer e, por fim, um resultado do conhecimento propriamente dito. Veja o</p><p>esquema abaixo:</p><p>Figura 3 – Quatro elementos do processo do conhecimento</p><p>Fonte: elaborada pelo autor.</p><p>Segundo Luckesi e Passos (2012, p. 20), o conhecimento é a “compreensão/explica-</p><p>ção sintética produzida pelo sujeito por meio de um esforço metodológico de análise</p><p>dos elementos da realidade, desvendando a sua lógica, tornando-se inteligível”. O</p><p>sujeito é o ser humano que, com sua inteligência, constrói sua capacidade interior de</p><p>apropriar-se simbólica e representativamente do exterior. Ou seja, nossas ideias não</p><p>nascem somente de nós mesmos, mas na interação que fazemos com o mundo a</p><p>nossa volta. A partir desse contato é que vamos criando nossos conceitos e significa-</p><p>ções da realidade que nos rodeia.</p><p>O ato de conhecer é o processo dessa interação que fazemos com o mundo a nossa</p><p>volta, compreendendo sua lógica, e com a possibilidade de expressá-lo conceitu-</p><p>almente. O ato de conhecer é analítico e o resultado do conhecimento é a síntese</p><p>explicativa obtida da realidade.</p><p>PROCESSO DE PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO1.1</p><p>Se retomamos a resposta que as pessoas dão espontaneamente à questão inicial “O</p><p>que é o conhecimento?”, dizendo que o conhecimento é “algo que vem da escola e</p><p>6</p><p>dos livros”, podemos dizer que ela não é de toda errada. Quando as pessoas dizem</p><p>que o conhecimento vem da escola e dos livros, significa dizer que nos apropriamos</p><p>de um conhecimento resultado “de um processo de conhecer” (LUCKESI; PASSOS,</p><p>2012, p. 21). Um conhecimento pronto e elaborado de um livro ou de uma aula indica</p><p>que ele foi produzido por alguém. Muitas vezes, a experiência dessa forma de aquisi-</p><p>ção do conhecimento pelos livros, de modo particular, na escola, tem sido um proces-</p><p>so de “decorar informações”, sem torná-las uma compreensão efetiva da realidade.</p><p>Atualmente, os inúmeros dispositivos e aplicativos digitais disponíveis, nos possibili-</p><p>tam um amplo acesso às informações das mais variadas áreas do conhecimento. No</p><p>entanto, saber uma determinada quantia de informações não significa que temos um</p><p>conhecimento apropriado. O processo de produção de conhecimento como eluci-</p><p>dação da realidade decorre de um esforço sistemático de pesquisa, de estudo e de</p><p>descobertas. Somente depois de fazermos a experiência da apropriação do conheci-</p><p>mento é que podemos nos considerar com determinado nível de conhecimento.</p><p>A apropriação do conhecimento é “o modo pelo qual é possível ao sujeito humano</p><p>tomar posse de um entendimento da realidade” (LUCKESI; PASSOS, 2012, p. 28). Há</p><p>duas maneiras de se apropriar do conhecimento:</p><p>• Direta: a aquisição de uma compreensão da realidade que nasce do esforço de</p><p>entendê-la;</p><p>• Indireta: compreensão inteligível que temos por meio de um entendimento já pro-</p><p>duzido por outro (Ex.: prática escolar).</p><p>A aquisição indireta, muitas vezes, causa uma hipertrofia na apropriação do conheci-</p><p>mento, pois ele é transformado, mistificado, reificado como se fosse a própria reali-</p><p>dade. Pela hipertrofia, a realidade a ser conhecida fica obscurecida; o conhecimento</p><p>não será um pensamento sobre o objeto, mas o discurso sobre ele – disso decorre a</p><p>chamada “razão ornamental”.</p><p>Para Luckesi e Passos (2012, p. 31), “as apropriações diretas e indiretas do conhe-</p><p>cimento estão profundamente inter-relacionadas e são impositivamente necessárias.</p><p>Não há razão para desmerecer uma via e privilegiar a outra. Ambas as formas são</p><p>necessárias ao sujeito para que ele elucide o mundo em que vive”.</p><p>DICA</p><p>Em síntese, das questões que envolvem o sentido do conhecimento, podemos dizer que é</p><p>possível:</p><p>• entendê-lo como elucidação/iluminação da realidade;</p><p>• entendê-lo no processo de construção na interação entre sujeito e objeto, isto é, do</p><p>mundo interior com o mundo exterior;</p><p>• entender os modos de sua apropriação como compreensão da realidade.</p><p>7</p><p>Vimos, no tópico anterior, um conceito de conhecimento como elucidação da reali-</p><p>dade, de seu processo de produção e apropriação. Agora, interessa estudar se os</p><p>resultados do conhecimento têm sempre o mesmo nível de qualidade. Isto é, nos</p><p>perguntar se os significados desses níveis do conhecimento são adequados para vida</p><p>humana individual e coletiva. Interessa-nos, aqui, saber que existem explicações da</p><p>realidade diferentes com seus respectivos significados.</p><p>Por exemplo, saber o final de um filme é diferente de saber andar de bicicleta. Se digo</p><p>que sei andar de bicicleta, isso indica que adquiri uma habilidade que é fácil de ser</p><p>demonstrada. Basta pegar uma bicicleta e demonstrar minha habilidade de andar. No</p><p>caso do filme, se digo que sei o seu final, tenho que demonstrar minha compreensão</p><p>desse fenômeno de forma justificada.</p><p>Meu conhecimento precisa corresponder àquilo</p><p>que penso e porque tenho condições de demonstrar o que digo é verdadeiro (VAS-</p><p>CONCELOS, 2016, p. 159).</p><p>Primeiramente, abordaremos os níveis do conhecimento: o senso comum e o senso</p><p>crítico; em seguida, indicaremos os princípios fundamentais da verdade e da justifica-</p><p>ção do conhecimento.</p><p>Platão afirma que “quem não sabe nem dar nem receber explicação de alguma coisa,</p><p>carece do conhecimento dessa coisa” (apud VASCONCELOS, 2016, p. 158).</p><p>Quais as condições para que haja conhecimento?</p><p>O que você pensa sobre a frase de Platão?</p><p>REFLITA</p><p>NÍVEIS DO CONHECIMENTO</p><p>E SEUS SIGNIFICADOS2</p><p>A FILOSOFIA E O SENSO COMUM2.1</p><p>“Eu nasci há 10 mil anos atrás</p><p>e não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais”.</p><p>Fonte: SEIXAS, Raul; COELHO, Paulo. Há 10 mil anos atrás. In: SEIXAS, Raul. Há dez mil anos atrás. [s.I.]:</p><p>Phonogram, 1976.</p><p>REFLITA</p><p>8</p><p>A frase acima é da canção de Raul Seixas, que descreve vários fatos que teriam sido</p><p>presenciados por um estranho e velho narrador. É como se houvesse ocorrido coisas</p><p>de que todos nós, de algum modo, teríamos sido testemunhas, como se vivêssemos</p><p>há muito tempo para poder experimentar tais coisas. De algum modo, experimenta-</p><p>mos alguns conhecimentos prévios constituídos de um conjunto de opiniões, hábitos</p><p>e formas de pensamento advindos das inúmeras experiências cotidianas das pessoas.</p><p>Certamente, em algum momento, você já tenha ouvido algum ditado popular como “a</p><p>voz do povo é a voz de Deus”, “quem não chora não mama”, ou “as aparências enga-</p><p>nam”. De certa forma, os ditados populares evidenciam algum tipo de conhecimento</p><p>sobre alguma situação já experimentada que, por vezes, é um simples conjunto de</p><p>ideias ingênuas, mas que pode ter sua razão de ser, que é significativa e tem sua va-</p><p>lidade. A isso podemos chamar senso comum.</p><p>O senso comum, de acordo com Gallo (2013, p. 28), “caracteriza-se por um conheci-</p><p>mento absorvido sem maiores reflexões, sem aprofundamento”. É um tipo de conhe-</p><p>cimento acumulado por gerações, sem um esforço de busca de comprovação, tem</p><p>uma validade imediata e prática. Uma visão do mundo que, de algum modo, todos</p><p>nós buscamos e construímos de coisas que observamos e vivemos cotidianamente.</p><p>Coisas das quais tiramos conclusões e elaboramos explicações como se tivéssemos</p><p>nascido “há dez mil anos atrás”.</p><p>De acordo com Luckesi e Passos (2012, p. 36), diz-se que o senso comum é um co-</p><p>nhecimento “da prática utilitária”, porque ele dá “suporte ao conjunto das ações diá-</p><p>rias dos seres humanos em sociedade, sem se perguntar e sem explicar em essência</p><p>o que elas significam”. De algum modo, nos servem como guias práticos baseados</p><p>em ações costumeiras, as quais já nos “acostumamos” a fazer sem nos preocupar</p><p>com o fundamento desse modo de agir.</p><p>Podemos dizer que o senso comum é um tipo de conhecimento produzido e viven-</p><p>ciado superficialmente, baseado nas aparências dos fatos e acontecimentos cotidia-</p><p>nos. Porém, de algum modo nos ajudam a nos orientar no mundo de forma imediata,</p><p>de nos situar no mundo segundo determinados parâmetros, não nos exigindo apro-</p><p>fundamento e justificação.</p><p>A FILOSOFIA COMO SENSO CRÍTICO2.2</p><p>A Filosofia precisa, necessariamente, do conhecimento que as pessoas já têm, isto é,</p><p>não se pode ignorar o conhecimento prévio das pessoas. Como já vimos, a Filosofia</p><p>se caracteriza como um conhecimento racional que busca o aprofundamento da visão</p><p>que temos sobre o mundo, a natureza e o ser humano. Na visão de Deleuze e Guattari</p><p>(1992, p. 18), “mais rigorosamente, é a disciplina que consiste em criar conceitos.</p><p>Criar conceitos sempre novos é o objeto da filosofia. É porque o conceito deve ser</p><p>MAS O SENSO COMUM TEM ALGUMA IMPORTÂNCIA?</p><p>Ele pode ser o ponto de partida para a Filosofia, de modo que possamos chegar ao</p><p>que podemos chamar de senso crítico.</p><p>9</p><p>criado que ele remete ao filósofo como aquele que o tem em potência, ou que tem</p><p>sua potência e sua competência”.</p><p>Essa criação de conceitos se dá pelo exercício do pensamento e é feita “com base</p><p>naquilo que já se sabe, ainda que algumas vezes, no processo de pensar filosofi-</p><p>camente, esse conhecimento inicial acabe por ser abandonado” (GALLO, 2013, p.</p><p>29). Nesse sentido, partimos dos conhecimentos prévios determinados pelo senso</p><p>comum, mas à medida que vamos sofisticando nossas ideias, o senso comum vai</p><p>dando lugar ao senso crítico. No dizer de Luckesi e Passos (2012, p. 37), “o senso</p><p>comum, sofisticando-se, torna-se senso crítico”.</p><p>O QUE CARACTERIZA O SENSO CRÍTICO?</p><p>Diferente do senso comum, o senso crítico se caracteriza por seu caráter metódico e</p><p>sistemático de interpretação. Ele exige, como dito anteriormente, um patamar sofisti-</p><p>cado de produzir um entendimento sobre a realidade. No dizer de Luckesi e Passos</p><p>(2012, p. 39), “ele é intencional, voluntário e, por isso, utiliza-se de um variado recurso</p><p>lógico-metodológico para apreender a verdade da realidade”.</p><p>O senso crítico, como dito, busca, intencionalmente, a essência do conhecimento,</p><p>ou seja, seu verdadeiro significado em suas múltiplas determinações. De acordo com</p><p>Luckesi e Passos (2012), o senso crítico usa de recursos metodológicos, tais como:</p><p>Tomar o objeto de estudo como parte de um todo. Exemplo: os problemas</p><p>de habitação não pertencem a uma cidade específica, mas ao modelo social</p><p>em que vivemos que tem problemas de habitação;</p><p>Tomar um objeto singular como representante de um universal. Exemplo:</p><p>o problema habitacional de Criciúma/SC é um representante singular de um</p><p>universal, que é a questão da habitação na sociedade brasileira;</p><p>Tomar o objeto de estudo como uma manifestação aparente de algo que</p><p>não está sendo captável, a sua essência, por isso, torna-se necessário des-</p><p>vendar a essência na aparência, a interpretação não pode ser superficial nem</p><p>imediatista. Exemplo: quando vemos uma pessoa pedindo esmola na rua, se-</p><p>ria a aparência da pobreza; em essência, deveríamos descobrir as causas e</p><p>razões da pobreza;</p><p>Tomar o objeto de estudo como resultado de um passado. Nenhum obje-</p><p>to manifesta-se sem um determinado passado de precursores. Exemplo: um</p><p>acontecimento político não emerge gratuitamente de forma voluntária, ele tem</p><p>um passo que o torna compreensível.</p><p>Das considerações feitas até aqui, podemos dizer que o senso crítico é uma carac-</p><p>terística fundamental da Filosofia. Além disso, manifesta-se como um tipo de conhe-</p><p>cimento sofisticado da realidade. O que isso significa? Significa que o seu resultado</p><p>como processo de conhecimento, a sua explicação e a compreensão da realidade, de</p><p>certa forma, explicita mais proximamente o que ela é de fato.</p><p>10</p><p>A problemática central da nossa atenção tem sido o conhecimento e suas formas de</p><p>manifestação, seu processo e apropriação, bem como seus determinados níveis, seja</p><p>no senso comum ou no senso crítico. Como vimos, em Filosofia, o conhecimento é a</p><p>porta de entrada para a busca do sentido da vida, isto é, o conhecimento nos possi-</p><p>bilita encontrar a verdade e a justificação das coisas. Como podemos entender essa</p><p>ideia? Essa tem sido uma questão que mobilizou e mobiliza o pensamento dos filóso-</p><p>fos ao longo dos tempos. A Filosofia busca a verdade das coisas. Em larga medida,</p><p>para os estudiosos da área, a verdade é vista como o “cimento” de todas as teorias</p><p>do conhecimento (LUCKESI; PASSOS, 2012).</p><p>Segundo Vasconcelos (2016, p. 157), “para que exista conhecimento, são necessá-</p><p>rias três condições: crença, verdade e justificação” (grifos do autor). Essa tríade</p><p>indica um pressuposto aceito pelos filósofos e que remonta à Antiguidade Clássica.</p><p>Podemos ver, expresso nesses termos, no livro Diálogos de Platão, num diálogo entre</p><p>o filósofo Sócrates e o Teeteto. Veja um fragmento:</p><p>CONHECIMENTO</p><p>VERDADE E JUSTIFICAÇÃO3</p><p>Sócrates: [...] Por isso, quando alguém forma opinião verdadeira de qualquer objeto,</p><p>sem a racional explicação, fica sua alma de posse da verdade a respeito desse objeto,</p><p>porém, sem conhecê-lo, pois quem não sabe nem dar nem receber explicação de algu-</p><p>ma coisa, carece do conhecimento dessa coisa; porém se a essa opinião acrescentar</p><p>a explicação racional, então, ficará perfeito em matéria de conhecimento. Foi isso que</p><p>ouviste em sonhos, ou foi coisa diferente?</p><p>Teeteto: Foi exatamente isso.</p><p>Sócrates: Semelhante explicação te satisfaz, e admites agora que a opinião verdadeira,</p><p>acompanhada da razão seja conhecimento?</p><p>Teeteto: Sem dúvida.</p><p>Sócrates: Dar-se-á o caso, Teeteto, de termos conseguido encontrar hoje o que de</p><p>muitos tantos sábios procuravam e envelheceram sem encontrar?</p><p>Teeteto: Quer parecer-me, Sócrates, que a presente explicação foi muito bem condu-</p><p>zida.</p><p>Fonte: PLATÃO. Diálogos: Teeteto, Crátilo. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: UFPA, 2001. p. 126-127.</p><p>No diálogo, Sócrates defende que somente uma “opinião verdadeira acompanhada</p><p>da razão seja conhecimento”. Mesmo que ele tenha defendido isso em forma de</p><p>questionamento, podemos compreender que essa é a sua defesa. Ou seja, o co-</p><p>nhecimento tem a ver com uma crença verdadeiramente justificada. De acordo com</p><p>Vasconcelos (2016, p. 158), o campo que estuda o alcance do conhecimento, sua</p><p>verdade e justificação se chamam “epistemologia”, uma palavra que se origina do gre-</p><p>11</p><p>go epistéme, que significa “conhecimento” ou “ciência”. A epistéme se difere da doxa,</p><p>que significa “opinião” ou “crença”. O que, no texto, Platão chama de “explicação</p><p>racional”, a epistemologia atual chama de “justificação”, isto é, sair da mera “opinião”</p><p>e buscar fundamentá-la racionalmente para que se torne conhecimento verdadeiro.</p><p>Existem algumas formas de fundamentar as crenças e torná-las conhecimento ver-</p><p>dadeiramente justificado. O campo da Filosofia que trata dessas formas se chama</p><p>Lógica. Não pretendemos aprofundar as formas lógicas de fundamentação do co-</p><p>nhecimento, entretanto vamos apenas indicar alguns princípios gerais do conheci-</p><p>mento verdadeiro, apontados por Chauí (2000, p. 112-113), que podemos sintetizar</p><p>da seguinte forma:</p><p>As fontes e as formas de conhecimento são: a sensação, a percepção, a ima-</p><p>ginação, a memória, a linguagem, o raciocínio e a intuição intelectual;</p><p>Há uma distinção entre o conhecimento sensível e o conhecimento intelec-</p><p>tual;</p><p>A linguagem tem um papel fundamental no conhecimento;</p><p>Existe uma grande diferença entre opinião e saber, e entre aparência e es-</p><p>sência;</p><p>Há uma definição dos princípios do conhecimento verdadeiro (identidade,</p><p>não-contradição, terceiro excluído), da forma do conhecimento verdadeiro</p><p>(ideias, conceitos e juízos), e dos procedimentos para alcançar o conhecimento</p><p>verdadeiro (indução, dedução, intuição);</p><p>A distinção dos campos do conhecimento verdadeiro foi sistematizada por</p><p>Aristóteles em três ramos: teorético (referente aos seres que apenas podemos</p><p>contemplar ou observar, sem agir sobre eles ou neles interferir), prático (referen-</p><p>te às ações humanas: ética, política e economia) e técnico (referente à fabrica-</p><p>ção e ao trabalho humano, que pode interferir no curso da Natureza, criar ins-</p><p>trumentos ou artefatos: medicina, artesanato, arquitetura, poesia, retórica etc.).</p><p>Segundo Chauí (2000), para os gregos, a realidade é a Natureza e dela fazem parte</p><p>os humanos e as instituições humanas. Por sua participação na Natureza, os huma-</p><p>nos podem conhecê-la, pois são feitos dos mesmos elementos que ela e participam</p><p>da mesma inteligência que a habita e dirige. Aqui, podemos dizer que existe uma</p><p>dimensão ecológica que precisa ser retomada dos gregos, no sentido da compreen-</p><p>são da nossa constituição e imbricação com a Natureza. Fazemos parte dela, somos</p><p>natureza e, desse modo, temos a capacidade não somente de dominá-la para uso</p><p>próprio, mas para desvelá-la, compreendê-la, torná-la inteligível, para podermos, as-</p><p>sim, respeitá-la.</p><p>CONCLUSÃO</p><p>Como vimos, o conhecimento é uma forma de interpretação da realidade, uma forma</p><p>de elucidá-la, torná-la compreensível, ou seja, o conhecimento é a compreensão/</p><p>12</p><p>explicação sintética da realidade. Vimos também que, para que haja o conhecimento,</p><p>são necessários um sujeito que conhece e um objeto a ser conhecido, ambos inte-</p><p>ragem e, nesse processo de interação, há apropriação. O intuito do conhecimento é</p><p>fazer com que nos encontremos e nos aproximemos da verdade, para isso, faz-se</p><p>necessário enfrentar a realidade com todos os desafios que ela nos apresenta.</p><p>Não há conhecimento verdadeiro que não tenha sido confrontado com a realidade que</p><p>o sustenta. Admitirmos que não existe um conhecimento absoluto significa compre-</p><p>ender que o conhecimento é uma construção histórica, o que indica que aceitamos</p><p>que alguns conhecimentos podem mudar, à medida que eles já não correspondem à</p><p>realidade existente.</p><p>Desse modo, podemos concluir também que um determinado fenômeno pode ser</p><p>analisado por diferentes pontos de vista e que um mesmo dado pode ser entendido</p><p>em suas múltiplas determinações sociais, históricas e culturais. Para podermos en-</p><p>tender determinados conhecimentos, é preciso levar em conta os contextos em que</p><p>eles são concebidos. Nesse sentido, a Filosofia é um conhecimento que nos auxilia a</p><p>ter uma visão mais ampla da realidade que nos cerca, possibilitando construir novos</p><p>sentidos para nossa vida.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000.</p><p>DELEUZE, Gilles; GUATARRI, Felix. O que é Filosofia. Tradução de Luis B. L.</p><p>Orlandi e Roberto Machado. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.</p><p>GALLO, Silvio. Filosofia: experiência do pensamento. São Paulo: Scipione, 2013.</p><p>LUCKESI, Cipriano C.; PASSOS, Elizete Silva. Introdução à Filosofia. Aprendendo a</p><p>pensar. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2012.</p><p>SEVERINO, Antonio Joaquim. Filosofia. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2007.</p><p>VASCONCELOS, José Antonio. Reflexões: filosofia e cotidiano. São Paulo: Edições</p><p>SM, 2016.</p>