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<p>MORFOLOGIA E</p><p>GÊNESE DO SOLO</p><p>Natalia de Souza Pelinson</p><p>Histórico, conceitos e</p><p>funções dos solos</p><p>Objetivos de aprendizagem</p><p>Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:</p><p>� Sintetizar o histórico da ciência do solo.</p><p>� Definir o solo como um corpo natural.</p><p>� Listar as funções dos solos na paisagem.</p><p>Introdução</p><p>A sustentabilidade das comunidades humanas depende do uso racional</p><p>dos recursos naturais do meio que ocupam. Os solos contribuem para que</p><p>as necessidades humanas básicas sejam viabilizadas, como a produção</p><p>de alimentos e a explotação de água para múltiplos usos.</p><p>No mundo globalizado do século XXI, a preservação do solo de-</p><p>pende não apenas das escolhas de manejo por agricultores, silvicultores</p><p>e planejadores de terras agrárias, mas também de decisões políticas</p><p>sobre regras e legislações, valorização fundiária e subsídios. Dessa forma,</p><p>o conhecimento sobre propriedades desse recurso natural pode, inclusive,</p><p>garantir a preservação da sua qualidade.</p><p>Neste capítulo, você vai estudar a história e a importância do uso do</p><p>solo. Também vai ver os conceitos básicos e as principais funções que</p><p>os solos podem apresentar.</p><p>1 Ciência do solo: histórico e importância</p><p>Nas últimas décadas, houve grandes avanços na compreensão da importância</p><p>dos solos para ecossistemas e produção de alimentos. Entretanto, a necessidade</p><p>de preservação e utilização mais consciente dos recursos naturais, em especial</p><p>do solo, continua sendo um desafio para a sociedade. Para que os processos</p><p>de conservação do solo possam ser melhorados e sejam efetivos, precisamos</p><p>desenvolver uma melhor compreensão dos processos do solo. Observe que o</p><p>termo “solo” é empregado de forma distinta por profissionais de diferentes</p><p>formações acadêmicas, que podem considerar modelos e aspectos distintos</p><p>em cada contexto, adotando, portanto, diferentes conceitos para um mesmo</p><p>material geológico (PEJON; ZUQUETTE; AUGUSTO FILHO, 2019).</p><p>Neste material, quando o termo “solo” é utilizado no sentido amplo, estamos</p><p>nos referindo ao espaço volumétrico, composto por materiais sólidos (minerais</p><p>e matéria orgânica) e espaços vazios (que podem ser ocupados por água e/ou</p><p>ar), da superfície terrestre, independentemente de sua profundidade e formação.</p><p>A importância do solo</p><p>O solo é uma mistura complexa de sólidos inorgânicos e orgânicos, ar, água,</p><p>solutos, microrganismos, raízes de plantas e outros tipos de biota. Isso torna os</p><p>processos que ocorrem nesse ambiente complexos e dinâmicos. Microrganismos</p><p>catalisam reações de intemperismo do solo, e as raízes das plantas absorvem</p><p>produtos químicos inorgânicos que alteram a distribuição e a solubilidade</p><p>dos íons. Embora seja difícil separar os processos do solo, os cientistas que</p><p>o tomam por objeto de estudo organizaram subdisciplinas que estudam pro-</p><p>cessos físicos, biológicos e químicos, formação e distribuição do solo. Dessa</p><p>forma, existem especialistas que estudam tópicos específicos ou aplicados</p><p>de inúmeras áreas da ciência do solo (STRAWN; BOHN; CONNOR, 2020).</p><p>De maneira geral, há fatores que agem durante a formação geológica de</p><p>uma estrutura como o solo. Esses processos podem ser apresentados, basica-</p><p>mente, como intemperismos químicos e físicos, que propiciam a desagregação</p><p>de partículas das rochas, bem como a decomposição de outras substâncias.</p><p>Os solos são cruciais para a manutenção da vida na Terra, e os processos</p><p>causadores dos impactos ambientais a que são submetidos, com intensas perdas</p><p>da qualidade tanto dos solos quanto das águas, podem afetar de múltiplas for-</p><p>mas o que acontece nesse compartimento ambiental. Com a maior urbanização,</p><p>passamos a ter menos contato direto com o solo, ainda que apenas com sua</p><p>utilização responsável seja possível pensar na continuidade da vida humana,</p><p>uma vez que o nosso grau de dependência a esse recurso tende a aumentar, não</p><p>a diminuir. Tal afastamento provavelmente se refere ao nosso distanciamento</p><p>do sentimento de pertencer aos sistemas ecológicos (BRADY; WEIL, 2013).</p><p>Histórico, conceitos e funções dos solos2</p><p>A qualidade desse recurso natural, o solo, pode determinar qual será a</p><p>capacidade de tamponar efeitos negativos e de manter a vida, seja ela humana,</p><p>seja de plantas e demais seres vivos. São muitas as funções que o solo apresenta</p><p>e todas têm sua importância devida, fundamental e inter-relacionada de uma</p><p>forma ampla.</p><p>Breve histórico da ciência do solo</p><p>As atuais análises ambientais nos indicam que, com o aumento populacional</p><p>e a urbanização, precisamos nos preocupar em proteger, remediar e recuperar</p><p>nossos recursos naturais, de forma que eles não sejam esgotados em níveis</p><p>irrecuperáveis técnica e financeiramente. Nesse sentido, Strawn, Bohn e</p><p>O’Connor (2020) fazem uma curiosa ligação, resgatando um fato histórico</p><p>interessante: há cerca de 2.500 anos, o Senado da Atenas antiga já debateu</p><p>a produtividade do solo e expressou preocupações em manter e aumentar a</p><p>sua produtividade. Tal colocação sobre a produtividade é questionada até</p><p>hoje, em especial porque o risco do esgotamento dos recursos naturais não</p><p>é desejável e poderia inviabilizar as próximas gerações, não apenas sob o</p><p>sistema econômico adotado atualmente.</p><p>Segundo Brevik e Hartemink (2010), os seres humanos sempre apresenta-</p><p>ram uma íntima relação com o solo, uma vez que, mesmo antes do início da</p><p>agricultura “sedentária” (quando as sociedades passaram a ser organizar de</p><p>maneira sedentária, e não mais nômade), os solos eram reconhecidos como</p><p>fontes importantes para o cultivo de alimentos, fibras e combustíveis. Quando o</p><p>cultivo dessas culturas começou, foram percebidas diferenças nas propriedades</p><p>e tipos de solo, o que determinava a maneira como as pessoas cultivavam o</p><p>solo e as culturas que cultivavam em cada região.</p><p>O surgimento da ciência do solo se deu a partir das diferenças na per-</p><p>cepção e no desenvolvimento do pensamento científico, que foi propiciado,</p><p>inicialmente, seguindo as ciências básicas, como geologia, biologia, física e</p><p>química. Isso foi intensificado e valorizado na última parte do século XIX,</p><p>para que a ciência do solo se tornasse uma ciência consolidada e respeitada</p><p>(BREVIK; HARTEMINK, 2010).</p><p>A agricultura provavelmente colaborou para o surgimento da definição de</p><p>propriedades do solo, uma vez que, direta ou indiretamente, isso influencia nas</p><p>decisões sobre o uso da terra. A evidência mais antiga conhecida de práticas</p><p>agrícolas vem de um local próximo à vila de Jarmo, no Iraque, onde foram</p><p>encontrados instrumentos para colheita e lavoura que remontam a 11.000 BP</p><p>3Histórico, conceitos e funções dos solos</p><p>(TROEH; HOBBS; DONAHUE, 2004). A abordagem inicial provavelmente</p><p>era baseada em tentativa e erro para determinar onde as propriedades agrícolas</p><p>seriam estabelecidas, em locais nos quais os solos eram adequados e as condi-</p><p>ções eram favoráveis ao crescimento das culturas (BREVIK; HARTEMINK,</p><p>2010), talvez considerando a disponibilidade hídrica como fator decisório.</p><p>Evidências de irrigação foram encontradas no sul do Iraque, datando de 9.500</p><p>BP (TROEH; HOBBS; DONAHUE, 2004).</p><p>Vejamos a seguir uma breve evolução da ciência do solo.</p><p>Oriente Médio</p><p>A área entre os rios Tigre e Eufrates, no Iraque, tornou-se o lar das civilizações</p><p>da Mesopotâmia. Tanto os sumérios quanto os babilônios desenvolveram um</p><p>sistema avançado de canais de irrigação na região. A irrigação poderia estar</p><p>conectada ao desaparecimento de civilizações mesopotâmicas, no entanto,</p><p>posteriormente, durante a Idade Média, as sociedades islâmicas foram for-</p><p>madas e se espalharam da Península Arábica, tendo expoentes mundiais em</p><p>ciências e tecnologia, incluindo as ciências agrícolas e do solo (BREVIK;</p><p>HARTEMINK, 2010).</p><p>Egito, Grécia e Império Romano</p><p>Importantes observações podem ser tecidas a partir de narrativas aparentemente</p><p>desconexas. Por exemplo, os egípcios desenvolveram uma civilização ao redor</p><p>do rio Nilo que durou de cerca de 3.300 a 332 a.C. (BREVIK; HARTEMINK,</p><p>2010). A civilização egípcia era</p><p>baseada na irrigação, e a fertilidade de seus</p><p>solos agrícolas foi naturalmente mantida por meio das frequentes inundações</p><p>do rio Nilo (TROEH; HOBBS; DONAHUE, 2004). Os fenícios, por sua vez,</p><p>estiveram no auge entre 1.200 e 800 a.C. e foram os primeiros a construir</p><p>terraços em encostas íngremes no Líbano e na Síria.</p><p>Conquistados pelos romanos, os cartagineses eram excelentes agricultores,</p><p>com sistemas avançados de cultivo e irrigação, porém a erosão causada pelo</p><p>vento e pela água acabou removendo a camada superior do solo em torno</p><p>de Cartago. Hoje a região já não pode suportar, em termos de produtividade</p><p>agrícola, as mesmas populações que antes suportava (TROEH; HOBBS;</p><p>DONAHUE, 2004).</p><p>Histórico, conceitos e funções dos solos4</p><p>Brevik e Hartemink (2010) citam que os celtas, na Grã-Bretanha, cultivavam</p><p>plantações do outro lado da encosta para diminuir a erosão. Os terraços de</p><p>bancada, que remontam aos fenícios, eram usados na França moderna, e essa</p><p>prática possivelmente se iniciou na Polônia por volta de 5.500 a.C.</p><p>Em geral, as técnicas agrícolas foram aprimoradas na Europa com a ocupa-</p><p>ção dos romanos, cujo conhecimento agrícola foi desenvolvido, inicialmente,</p><p>sob a influência dos gregos. Posteriormente, houve incorporações de técni-</p><p>cas, como uso de esterco e adubo verde; plantio em terraços para reduzir a</p><p>erosão do solo; e classificação do solo, que incluía tamanho, densidade das</p><p>partículas, cor e fertilidade (TROEH; HOBBS; DONAHUE, 2004; BREVIK;</p><p>HARTEMINK, 2010).</p><p>Considerando que o Império Romano ocupou as áreas do Mar Mediterrâneo,</p><p>suas contribuições para a ciência do solo foram substanciais, incluindo, por</p><p>exemplo, a descrição dos solos do Império Bizantino (BREVIK; HARTE-</p><p>MINK, 2010). A agricultura declinou na Europa após a queda do Império</p><p>Romano; o declínio incluiu tanto a área de terra cultivada quanto a produção</p><p>agrícola (BREVIK; HARTEMINK, 2010). Por fim, o cultivo de campos</p><p>na encosta e outras medidas de conservação foram desenvolvidas nas Ilhas</p><p>Britânicas também bastante cedo (TROEH; HOBBS; DONAHUE, 2004).</p><p>Ásia</p><p>Na Índia, comunidades agrícolas neolíticas (séculos III a II a.C.) foram</p><p>encontradas em áreas com solos férteis no planalto de Deccan (BREVIK;</p><p>HARTEMINK, 2010). O início da agricultura na China se concentrava na</p><p>fértil planície de inundação do rio Amarelo. Os chineses estabeleceram uma</p><p>classificação específica baseada em fertilidade, cor, textura, umidade e vege-</p><p>tação de cobertura, e medidas de conservação do solo começaram na China</p><p>por volta de 950 a.C., consistindo, principalmente, em terraços de contorno</p><p>(TROEH; HOBBS; DONAHUE, 2004).</p><p>A agricultura japonesa foi influenciada pelos chineses até o século</p><p>IX d.C., após o que os japoneses interromperam a imigração. A falta de terras,</p><p>quantitativa e qualitativamente, levou os japoneses a valorizarem a fertilidade</p><p>do solo e várias práticas foram incluídas, como a aplicação de esterco e adubo</p><p>verde, crescimento de leguminosas, rotação de culturas e terraceamento em</p><p>encostas (TROEH; HOBBS; DONAHUE, 2004).</p><p>5Histórico, conceitos e funções dos solos</p><p>Américas</p><p>No século V a.C., a agricultura mexicana já adotava técnicas de plantio em</p><p>terraços e irrigação (BREVIK; HARTEMINK, 2010). As três civilizações</p><p>indígenas principais, Asteca, Maia e Inca, cultivavam terras de vale, em</p><p>terraços nas encostas das montanhas. Em teoria, são as civilizações antigas</p><p>mais bem-sucedidas em minimizar a erosão do solo e criar sistemas agrícolas</p><p>sustentáveis (TROEH; HOBBS; DONAHUE, 2004). Os astecas desenvolveram</p><p>ainda uma classificação do solo com base nas propriedades do solo (fertilidade,</p><p>textura, umidade e gênese), localização topográfica, vegetação e práticas</p><p>dos agricultores (BREVIK; HARTEMINK, 2010). Há pesquisas acerca da</p><p>formação de um solo escuro na região que, possivelmente, foi influenciada</p><p>pelo manejo dos povos indígenas do passado.</p><p>Solos na Revolução Científica: das sombras</p><p>à independência científica</p><p>Nas sociedades ocidentais, a Idade Média (entre os séculos V e XIV d.C.)</p><p>representou um período de repressão à ciência que incluía uma negação,</p><p>inclusive, ao conhecimento do solo que havia sido adquirido pelos gregos e</p><p>romanos. Essa não aceitação da ciência se deu paralelamente ao forte domínio</p><p>da religião na vida ocidental e à ausência de uma próspera comunidade cien-</p><p>tífica. Certamente, o conhecimento dos solos locais existia na Idade Média,</p><p>e, em algumas partes do mundo onde a religião teve menos influência, ele</p><p>pôde ser expandido. Entretanto, somente no Renascimento e no subsequente</p><p>desenvolvimento das ciências naturais é que o estudo científico dos recursos</p><p>naturais, incluindo o solo, começou no mundo ocidental efetivamente (BRE-</p><p>VIK; HARTEMINK, 2010).</p><p>O século XVI marcou o início do Renascimento na Europa, um período</p><p>em que a ciência e o pensamento científico voltaram a ser valorizados e a</p><p>crescer. Há uma série de eventos significativos que ocorreram no estudo de</p><p>solos durante esse período. A ciência do solo não era um campo científico</p><p>distinto oficialmente, mas muitos dos fenômenos investigados ocorrem no</p><p>solo, como o suprimento de nutrientes das plantas e as mudanças no uso do</p><p>solo ao longo do tempo.</p><p>Histórico, conceitos e funções dos solos6</p><p>Alguns dos primeiros trabalhos de solos realizados por pesquisas geológicas</p><p>estadunidenses foram aclamados por historiadores da ciência do solo. A teoria</p><p>do húmus da nutrição de plantas persistiu no século XIX e gerou um grande</p><p>número de experimentos, que deram origem ao campo da química do húmus</p><p>do solo e ao trabalho de cientistas como H. Davy e J. Berzelius (BREVIK;</p><p>HARTEMINK, 2010).</p><p>Segundo Brevik e Hartemink (2010), no final da década de 1820, C. Sprengel</p><p>refutou a teoria do húmus e propôs uma teoria sobre a nutrição mineral de</p><p>plantas. Em 1840, a teoria do húmus foi oficialmente substituída pela teoria</p><p>mineral da nutrição de plantas, quando von Liebig (1840) publicou Química</p><p>como um suplemento à agricultura e fisiologia das plantas. Lepsch (2011)</p><p>complementa que o húmus foi então considerado apenas um produto transi-</p><p>tório entre a matéria orgânica e os nutrientes minerais. As teorias dos estudos</p><p>de Liebig são consideradas revolucionárias e originaram a lei do mínimo,</p><p>que ainda é usada na agricultura para determinar os fertilizantes minerais a</p><p>suplementarem solos deficientes (LEPSCH, 2011).</p><p>Lepsch (2011) apresenta uma das mais figuras esquemáticas mais comuns para ilustrar a</p><p>lei do mínimo, desenvolvida a partir das discussões de Liebig, que você pode visualizar</p><p>na Figura 1. De maneira simplificada, a lei do mínimo considera o seguinte: de nada</p><p>adianta que haja excesso de inúmeros nutrientes no solo se houver a deficiência</p><p>de algum fator essencial, uma vez que uma quantidade abaixo da requerida pode</p><p>impedir o bom desenvolvimento vegetal. A alusão à capacidade de armazenamento</p><p>de água parece ideal: o elemento requerido mais próximo à deficiência deve ser o</p><p>indicador da intervenção necessária para que um solo se torne mais “saudável”, e é o</p><p>que “determina” a sua capacidade produtiva para certa cultura vegetal.</p><p>7Histórico, conceitos e funções dos solos</p><p>Figura 1. Lei do mínimo de Leibig.</p><p>Fonte: Adaptada de Lepsch (2011).</p><p>Brevik e Hartemink (2010) relatam que geólogos dos Estados Unidos</p><p>incluíam solos no escopo de seus trabalhos no início do século XIX. Uma das</p><p>principais contribuições do trabalho das pesquisas geológicas americanas foi</p><p>a descoberta de que nutrientes poderiam ser obtidos de minerais geológicos.</p><p>Por exemplo, eles descobriram que o potássio era um nutriente derivado do uso</p><p>da glauconita — também chamada de “areia verde”, que você pode visualizar</p><p>na Figura 2 — e que poderia ser utilizado como fertilizante nas plantações.</p><p>Grandes avanços foram feitos na cartografia e no mapeamento de solos</p><p>no século XIX. Staszic compilou um mapa de geologia-geomorfologia-solos</p><p>de várias folhas da Europa Oriental em 1806 e em 1856. A cartografia do solo</p><p>teve origem na Alemanha, França,</p><p>Áustria, Holanda e Bélgica nas décadas de</p><p>1850 e 1860, com base em ideias e classificações desenvolvidas em agrogeologia</p><p>(BREVIK; HARTEMINK, 2010). A área de mapeamento e classificação de</p><p>solos não é universal e pode ser considerada ainda em constante evolução.</p><p>Histórico, conceitos e funções dos solos8</p><p>Figura 2. Mineral glauconita.</p><p>Fonte: Glauconite (2018, documento on-line).</p><p>Um importante conceito de ciência do solo que se desenvolveu durante o</p><p>século XIX foi o perfil do solo. Dokuchaiev figurou entre os principais estu-</p><p>diosos que possibilitaram o desencadeamento da ciência genética do solo no</p><p>final do século XIX. Ele sintetizou o conceito de perfil do solo e introduziu</p><p>os horizontes A, B e C como eles são usados atualmente na ciência do solo.</p><p>Ele via A + B como constituindo o solo e C como rocha-mãe ou subsolo</p><p>(BREVIK; HARTEMINK, 2010).</p><p>Podemos considerar então que os solos ganharam independência científica</p><p>com a criação e aprofundamento da pedologia ou da pedogênese. Pedologia</p><p>é a ciência da gênese, morfologia e classificação dos solos.</p><p>O livro de Charles Darwin, The Formation of Vegetable Mould through the Action of</p><p>Worms (Formação de Húmus Vegetal pela Ação das Minhocas), de 1881, traz conceitos</p><p>importantes de biologia do solo, em especial sobre as interações de minhocas e o solo.</p><p>Como contribuição para o estudo de solos, traz um perfil de solo com as designações</p><p>A–B–C–D para os horizontes, que você pode visualizar na Figura 3, sendo A a camada</p><p>vegetal, B o solo superficial, C a linha da pedra e D a rocha (BREVIK; HARTEMINK, 2010).</p><p>Não é o perfil mais aceito hoje, mas com certeza apresenta a importância do trabalho</p><p>científico multidisciplinar.</p><p>9Histórico, conceitos e funções dos solos</p><p>Figura 3. Perfil de dolo proposto por Darwin em 1881.</p><p>Fonte: Adaptada de Brevik e Hartemink (2010).</p><p>Solos no Brasil</p><p>A preocupação inicial do russo Dokuchaiev, ao que concerne à pedologia,</p><p>corrobora para a criação das ciências do solo atual, que tem por objetivos</p><p>explicar a formação e estabelecer um sistema de classificação de solos.</p><p>O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística associa tal fato à necessidade</p><p>dos seguintes pontos (IBGE, 2015):</p><p>� correção da fertilidade natural dos solos;</p><p>� elevação da fertilidade dos solos;</p><p>� neutralização da acidez do solo;</p><p>� agrupamento e indicações de solos apropriados para determinadas</p><p>culturas;</p><p>� preservação dos solos (por exemplo, contra a erosão).</p><p>Histórico, conceitos e funções dos solos10</p><p>No Brasil, em 1887, foi criada a Estação Agronômica de Campinas, que,</p><p>mais tarde, receberia o nome de Instituto Agronômico de Campinas (IAC)</p><p>(IBGE, 2015). Algumas instituições antigas são a Imperial Escola de Medicina</p><p>Veterinária e de Agricultura Prática, fundada em Pelotas (1883), e a Escola</p><p>Agrícola Prática São João da Montanha, fundada em Piracicaba (1901), hoje</p><p>internacionalmente conhecida como Escola Superior de Agricultura “Luiz de</p><p>Queiroz” (ESALQ), da Universidade de São Paulo (USP).</p><p>Ainda segundo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2015),</p><p>podemos observar três marcos históricos brasileiros importantes:</p><p>� Em 1947, foi criada a Comissão de Solos, do Centro Nacional de Ensino</p><p>e Pesquisas Agronômicas (antigo CNEPA) do Ministério da Agricultura.</p><p>� Em 1970, o Departamento Nacional da Produção Mineral (antigo</p><p>DNPM) começou a execução de projetos de sensoriamento remoto</p><p>e geoprocessamento para análise dos recursos naturais da Amazônia</p><p>(RADAM).</p><p>� Em 1976, o Projeto Radam — Radar na Amazônia foi estendido para</p><p>todo o território nacional e passou a ser chamado de Projeto Radam-</p><p>-Brasil; por isso, hoje todo o território nacional tem mapas de solos na</p><p>escala de, no mínimo, 1:1 000 000.</p><p>No Brasil, é evidente a importância da universidade pública na manutenção de pes-</p><p>quisas sobre as ciências de solos, desde a ESALQ até universidades federais como as</p><p>de Lavras, Viçosa, Pelotas e muitas outras, que mantêm um alto nível em muitas linhas</p><p>de pesquisa diferentes, em um esforço conjunto com a Empresa Brasileira de Pesquisa</p><p>Agropecuária (Embrapa), o IBGE e outros órgãos governamentais.</p><p>11Histórico, conceitos e funções dos solos</p><p>Duas formas de obtenção de dados brasileiros muito facilitadas são o site do IBGE e</p><p>o da Embrapa.</p><p>� O IBGE tem uma página voltada à pedologia, com disponibilização de informa-</p><p>ções acerca da cartografia temática de solos, como mapas, arquivos vetoriais e</p><p>documentos. Pesquise “IBGE pedologia” no seu navegador da internet, que você</p><p>encontrará rapidamente o link para a página.</p><p>� A Embrapa tem uma unidade de pesquisa específica para solos e disponibiliza</p><p>informações e publicações específicas sobre a temática. Pesquise “Embrapa solos”</p><p>no seu navegador da internet e encontre o link para a página.</p><p>Esta foi uma breve introdução à longa e importante da história da ciência</p><p>do solo, sem os aprofundamentos que sistemas agrários florestais poderiam</p><p>conferir à análise. Nas próximas seções, você vai ver que as funções múltiplas</p><p>serão evidenciadas; é imprescindível entendermos os solos para que possamos</p><p>estabelecer critérios de uso e ocupação mantendo a conservação, sempre com</p><p>ênfase na real relevância desse recurso natural não renovável para a manutenção</p><p>da vida humana na Terra, bem como na preservação dos meios bióticos e na</p><p>qualidade dos meios abióticos.</p><p>2 O solo como um corpo natural</p><p>O solo da Terra consiste, na verdade, em numerosos indivíduos de solo, e</p><p>cada um pode ser descrito como um corpo tridimensional natural na paisa-</p><p>gem (STRAWN; BOHN; O’CONNOR, 2020). A concepção de o solo ser um</p><p>corpo natural se origina da análise de que o solo, em ambientes complexos</p><p>e produtivos, estabelece relações interfaciais entre as rochas (litosfera), o ar</p><p>(atmosfera), a água (hidrosfera) e os seres vivos (biosfera) (BRADY; WEIL,</p><p>2013; WEIL, BRADY, 2017). O produto dessa interface pode ser chamado</p><p>de pedosfera, que pode ser definida como a camada mais externa da Terra</p><p>(“composta por solo e sujeita a processos de formação”) ou como o conjunto</p><p>de solos em nível mundial (LEPSCH, 2011). Um quinto componente da Terra</p><p>é a antroposfera, que descreve a interação e a influência humana no meio</p><p>ambiente (STRAWN; BOHN; O’CONNOR, 2020). Essas relações podem ser</p><p>observadas na Figura 4.</p><p>Histórico, conceitos e funções dos solos12</p><p>Figura 4. Relações entre as diferentes esferas da Terra.</p><p>Fonte: Perez, Brefin e Polidoro (2016, p. iii).</p><p>Strawn, Bohn e O’Connor (2020) destacam que, independentemente de</p><p>como o ambiente é compartimentado para a análise, os processos químicos</p><p>que ocorrem no solo são aspectos importantes que afetam ambientes saudáveis</p><p>e ambientalmente mais adequados (sustentáveis). A forma como ocorre essa</p><p>interface do solo com os outros quatro compartimentos podem apresentar</p><p>variações conforme a escala analisada (WEIL; BRADY, 2017):</p><p>� Em uma escala de quilômetros: o solo concentra e direciona a água</p><p>da chuva para os rios e transfere os elementos, dos minerais das rochas</p><p>para os oceanos (exutório da bacia hidrográfica). Ainda nessa escala,</p><p>o solo também pode remover e adicionar significativas quantidades</p><p>de gases atmosféricos, o que poderia causar alterações no balanço de</p><p>gases como o dióxido de carbono e o metano.</p><p>� Em uma escala de metros: o solo poderia ser considerado uma zona</p><p>de transição entre a rocha-base e a superfície terrestre (atmosfera),</p><p>favorecendo o armazenamento da água e do oxigênio a serem disponi-</p><p>bilizados às plantas. De uma forma genérica, o solo pode disponibilizar</p><p>minerais provenientes das rochas para as plantas, bem como realizar</p><p>a decomposição e o armazenamento de restos orgânicos de plantas e</p><p>animais.</p><p>13Histórico, conceitos e funções dos solos</p><p>� Em uma escala milimétrica: o solo favorece a produção de diversos</p><p>ecossistemas para microrganismos diversos que atuam no solo, con-</p><p>duzindo a água e outros nutrientes para as raízes das plantas. O solo</p><p>fornece superfícies e condutos para soluções mesmo com inúmeras</p><p>reações bioquímicas</p><p>sendo processadas simultaneamente.</p><p>� Em escala de micrômetros ou até menor: o solo fornece superfícies</p><p>ordenadas e complexas, minerais ou orgânicas, que atuam como meio</p><p>suporte para a ocorrência de reações químicas de interação da água</p><p>com os seus solutos.</p><p>O conceito de solo como corpos naturais organizados a partir de sua pró-</p><p>pria gênese — ou seja, os solos são mais do que materiais não consolidados</p><p>localizados na superfície da Terra (PEREIRA et al., 2019) — e sua formação</p><p>envolve fatores ainda mais complexos do que puramente os intemperismos</p><p>(químicos e físicos). Dessa forma, as características e a distribuição geográfica</p><p>dos solos na paisagem apresentam relação com as condições ambientais em</p><p>um determinado local ao longo do tempo, como ilustra a Figura 5.</p><p>Figura 5. Fatores interferentes da dinâmica da formação do solo.</p><p>Fonte: Adaptada de Pereira et al. (2019, p. 5).</p><p>Histórico, conceitos e funções dos solos14</p><p>Como os solos têm um impacto significativo nas condições ambientais,</p><p>existe uma ligação direta entre processos evolutivos e os diferentes tipos de</p><p>solos. Segundo Strawn, Bohn e O’Connor (2020), alguns pesquisadores até</p><p>teorizam que as primeiras formas de vida evoluíram das interações de carbono</p><p>e nitrogênio com minerais argilosos, que é um tipo comumente observado nos</p><p>solos; supõe-se que as argilas catalisam os primeiros polímeros prebióticos</p><p>orgânicos. Embora não haja consenso absoluto para essa teoria, o papel dos</p><p>solos na manutenção da vida e do meio ambiente se mantém óbvio.</p><p>Classificar um solo quanto à sua origem (considerando materiais geológicos</p><p>originais, possíveis ciclos e processos de formação) nos permite entender as</p><p>propriedades atuais de um solo. Os processos de formação de solos ocorrem</p><p>de maneira contínua ao longo do tempo geológico e viabilizam a formação de</p><p>incontáveis tipos de solos, como podemos facilmente perceber observando as</p><p>paisagens terrestres. Nesse contexto de formação pedológica, os constantes</p><p>intemperismo possibilitam alterações significativas em cenários regionais,</p><p>que tornam os solos, muitas vezes, indivíduos únicos (PEREIRA et al., 2019).</p><p>Ao considerarmos a influência da infiltração da água no solo e o escoamento</p><p>superficial em topos e encostas, por exemplo, podemos afirmar que a infil-</p><p>tração e o escoamento superficial aceleram, respectivamente, os processos de</p><p>intemperismo químico e de erosão (desagregação e carreamento de partículas).</p><p>De maneira geral, quanto mais inclinado um terreno, menor será a infiltração</p><p>e maior será o escoamento superficial da água. Um exemplo seriam os solos</p><p>aluviares, aluvionares ou aluviões, que são solos transportados e depositados</p><p>pela água, sendo pouco desenvolvidos e de pequena espessura (na Figura 4,</p><p>anterior, corresponde à zona de “alúvio”). Desta forma, percebemos que a</p><p>espessura e o desenvolvimento das camadas e/ou horizontes estão diretamente</p><p>relacionados aos materiais originais e aos fatores de formação do solo (WEIL;</p><p>BRADY, 2017).</p><p>O perfil do solo e suas camadas (horizontes genéticos)</p><p>A pedologia busca compreender a interação entre os fatores e processos de</p><p>formação do solo e sua influência nos atributos morfológicos, físicos, químicos</p><p>e mineralógicos do solo. Conforme a intensidade dos processos pedogenéti-</p><p>cos, eles poderiam explicar a variabilidade dos tipos de solo que podem ser</p><p>observados na paisagem (PEREIRA et al., 2019).</p><p>15Histórico, conceitos e funções dos solos</p><p>Para que os perfis de solos possam ser observados, os pedólogos abriram</p><p>verdadeiras trincheiras, expondo as camadas da seção vertical a serem avaliadas,</p><p>como o exemplo mostrado na Figura 6. Pejon, Zuquette e Augusto Filho (2019)</p><p>explicitam que o material que, em geral, é localizado entre a superfície terrestre</p><p>e o substrato rochoso pode receber diversos nomes, como regolito, materiais não</p><p>consolidados, solos, depósitos superficiais e/ou materiais superficiais.</p><p>O regolito, de uma forma geral, interliga os diferentes compartimentos:</p><p>atmosfera, rocha, água e seres vivos. Diante disso, podemos considerar que</p><p>os quatro principais componentes do solo são o ar, a água, os minerais e a</p><p>matéria orgânica (BRADY; WEIL, 2013). Dessa forma, o solo pode segu-</p><p>ramente ser definido como um ecossistema e, considerando que há muitos</p><p>solos, um ecossistema extremamente diverso. Cada tipo de solo poderia ser</p><p>caracterizado por um conjunto único de horizontes (WEIL; BRADY, 2017),</p><p>apesar de podermos usar esquemas simplificados a partir da definição bá-</p><p>sica de horizontes genéticos. A proporção entre os componentes (minerais,</p><p>matéria orgânica, água e ar), bem como as espessuras de cada horizonte que</p><p>o solo pode apresentar, têm relação com as múltiplas funções que podem ser</p><p>desempenhadas.</p><p>Figura 6. Trincheira de observação de um solo escuro. Imagem capturada no Chile durante</p><p>uma reunião científica de pedólogos, em 1984.</p><p>Fonte: Adaptada de Lepsch (2011).</p><p>Histórico, conceitos e funções dos solos16</p><p>De maneira genérica, um solo é o resultado de processos sintetizadores</p><p>tanto construtivos quanto destrutivos. Weil e Brady (2017) descrevem que o</p><p>intemperismo das rochas e a decomposição de resíduos orgânicos são exemplos</p><p>de processos destrutivos, enquanto a formação de novos minerais, como</p><p>argilas e “novos compostos orgânicos estáveis”, podem ser considerados</p><p>exemplos de síntese ou adição. Um dos resultados desses processos de síntese</p><p>e reorganização de matérias resulta na formação das camadas contrastantes,</p><p>chamadas de horizontes do solo. O desenvolvimento desses horizontes na parte</p><p>superior do regolito é uma característica particular de cada solo, que o diferencia</p><p>da sua porção mais inferior (BRADY; WEIL, 2013 WEIL; BRADY, 2017).</p><p>Embora os horizontes do solo sejam camadas, nem toda camada de solo é, necessa-</p><p>riamente, um horizonte genético.</p><p>Um exemplo de modelo esquemático de horizontes pode ser visualizado na</p><p>Figura 7. Cada solo em particular é caracterizado por um conjunto único de</p><p>propriedades e horizontes, expressos no seu perfil e na natureza das camadas</p><p>de solo, visto que, nesta situação, ele pode estar relacionado à natureza das</p><p>condições ambientais locais (STRAWN; BOHN; O’CONNOR, 2020).</p><p>Note, na Figura 7, que o solo nesse perfil representativo pode ser definido</p><p>como sendo composto pelos horizontes O, A, B e C, sendo que o horizonte R</p><p>é o próprio material rochoso consolidado, ou seja, a base rochosa da região</p><p>do perfil, não necessariamente do material intemperizado que compõe o solo</p><p>localizado acima dele. O horizonte O é a camada exposta do solo. Em geral,</p><p>apresenta maior concentração de materiais orgânicos, podendo incluir a turfa</p><p>e a camada de folhas mortas (serrapilheira). O horizonte A pode apresentar</p><p>matéria orgânica, porém já é uma camada com sinais de intemperismo, que</p><p>são percebidos de uma forma mais evidente no horizonte B. O horizonte B,</p><p>portanto, é a camada mais intemperizada, conhecida como a máxima expressão</p><p>da gênese do solo. O horizonte C é uma camada composta por rochas decom-</p><p>postas — que não necessariamente correspondem ao material do horizonte R.</p><p>17Histórico, conceitos e funções dos solos</p><p>Figura 7. Perfil de solo com representação de horizontes</p><p>genéticos.</p><p>Fonte: Adaptada de Weil e Brady (2017).</p><p>Os horizontes de transição podem ser apresentados como mesclas entre essas termi-</p><p>nologias (AB, BA, BC, CB). Nesse caso, a primeira letra indicaria a aproximação maior. Por</p><p>exemplo, se dizemos que um horizonte é BC, queremos dizer que ele é uma camada</p><p>de transição entre os horizontes B e C, mas que se aproxima mais do horizonte B do</p><p>que do C.</p><p>Histórico, conceitos e funções dos solos18</p><p>3 Funções dos solos na paisagem</p><p>Os ecossistemas fornecem bens e serviços que podem ser valorados econo-</p><p>micamente (serviços ecossistêmicos monetizados), mas apresentam um valor</p><p>inestimável, como os listados a seguir (WEIL; BRADY, 2017):</p><p>� aprovisionamento e fornecimento de bens (por exemplo, água, alimentos</p><p>e princípios ativos medicinais);</p><p>� regulação e processos</p><p>de tratamento dos recursos naturais (purificação</p><p>de águas, decomposição de resíduos, controle de pragas e modificações</p><p>de gases atmosféricos);</p><p>� suporte e auxílio quanto à ciclagem de nutrientes, dispersão de sementes</p><p>e produção primária de biomassa;</p><p>� promoção de oportunidades de lazer ao ar livre.</p><p>A capacidade de um solo executar suas funções ecológicas reflete a com-</p><p>binação de propriedades físicas, químicas e biológicas, que pode ser gene-</p><p>ricamente chamada de qualidade do solo (BRADY; WEIL, 2013). Entre as</p><p>principais funções que os solos podem desempenhar, ilustradas na Figura 8,</p><p>podemos destacar as seguintes (LEPSCH, 2011; BRADY; WEIL, 2013; WEIL;</p><p>BRADY, 2017):</p><p>� Suporte: apoio ao crescimento das plantas, fornecendo suporte físico</p><p>para as raízes e elementos nutricionais para as plantas. A capacidade</p><p>de suporte de um solo varia de acordo com os nutrientes, animais e</p><p>vegetações; portanto, a capacidade de suporte varia de acordo com o</p><p>ecossistema analisado.</p><p>� Fornecimento de água: os solos podem regular a disponibilidade</p><p>hídrica. A perda, utilização, contaminação e purificação da água são</p><p>afetadas pelo solo.</p><p>� Sistema de tratamento da natureza: o solo funciona como um com-</p><p>partimento para tratamento de resíduos e ciclagem de nutrientes (bio-</p><p>disponilização e redisponibilização de nutrientes provenientes dos</p><p>materiais decompostos).</p><p>19Histórico, conceitos e funções dos solos</p><p>Figura 8. Funções básicas que um solo pode desempenhar.</p><p>Fonte: Adaptada de Weil e Brady (2017).</p><p>� Habitat para animais: a diversidade de animais e microrganismos é</p><p>muito vasta e será mais ampla quanto mais saudável for o solo.</p><p>� Equilíbrio gás-solo: os solos podem ajudar no controle da qualidade</p><p>do ar, absorvendo ou liberando gases, muitas vezes utilizando como</p><p>facilitadores os microrganismo que ali estão armazenados. O equilíbrio</p><p>térmico também pode ser considerado e, nesse caso, os solos exercem</p><p>uma função de isolamento da temperatura;</p><p>� Meio de engenharia: o solo desempenha um papel importante ao</p><p>propiciar a execução de obras de engenharia para que os ambientes</p><p>sejam adaptados à vida humana (fornecendo a base para a construção,</p><p>mas também insumos para isso).</p><p>Histórico, conceitos e funções dos solos20</p><p>Podemos observar algumas peculiaridades dessas seis principais funções</p><p>do solo. Sobre o solo atuando como suporte físico, quando o consideramos</p><p>um meio para crescimento de plantas, não é desejável que ele seja muito</p><p>compactado, principalmente porque a zona radicular precisa se estabelecer</p><p>e a estrutura das raízes pode variar grandemente de acordo com as culturas</p><p>vegetais. De uma forma geral, esse ambiente onde as raízes crescem apresentam</p><p>muitos microrganismos, que contam com mecanismos como a capacidade</p><p>catiônica do solo (CTC) para realizar a retenção de nutrientes, que podem ser</p><p>biodisponibilizados no meio.</p><p>O solo é um ambiente que “mantém” uma riqueza de organismos com</p><p>diversas atividades e funções (VAN ELSAS, 2019). Entre esses organismos,</p><p>os microrganismos têm um papel de relevante importância, pois desempe-</p><p>nham atividades essenciais nos principais processos do solo. No entanto, um</p><p>problema-chave em qualquer discussão sobre o solo como habitat microbio-</p><p>lógico é nossa visualização conceitual do solo.</p><p>O solo consiste em frações inorgânicas e orgânicas. As partículas inor-</p><p>gânicas do solo são classificadas em três grupos principais, de acordo com</p><p>seu tamanho: areia, silte e argila. As proporções desses grupos em qualquer</p><p>solo determinam a textura do solo, bem como a possibilidade de interação</p><p>entre microrganismos, partículas do meio e fluidos do solo. A fração de argila</p><p>pode ser correlacionada à função, por exemplo, de suporte para atividades de</p><p>engenharia em obras de fundamentos e estruturas de base, que demandam</p><p>solos mais estruturados e estáveis geotecnicamente. Além disso, as argilas</p><p>podem também ser correlacionadas à CTC do solo, uma vez que permitem que</p><p>íons sejam aderidos à superfície do meio poroso do solo (FETTER; BOVING;</p><p>KREAMER, 2018). Um solo mais poroso permite uma condutividade hidráulica</p><p>de fluidos em seu meio, porém retém menos os elementos que o atravessam.</p><p>Na caracterização geotécnica de um solo, é desejável que conheçamos seu compor-</p><p>tamento no estado natural e indeformado (IBGE, 2015).</p><p>21Histórico, conceitos e funções dos solos</p><p>Sobre a produção e/ou filtração da água, podemos correlacionar tal fun-</p><p>ção com as recargas dos aquíferos e mesmo com os próprios reservatórios</p><p>subterrâneos. A água pode ser armazenada subsuperficialmente em zonas</p><p>distintas do perfil geológico, dependendo da proporção relativa do espaço</p><p>poroso ocupado pela água, como ilustrado na Figura 9. A zona saturada tem</p><p>os poros preenchidos com água; já em uma zona de aeração sobreposta, os</p><p>poros contêm gases (principalmente, ar e vapor de água) e água (BEAR, 1972).</p><p>A zona de saturação pode se estender a certa distância acima do lençol</p><p>freático, dependendo do tipo de solo. De maneira geral, um aquífero é uma</p><p>formação geológica que contém água e permite que a água flua através de</p><p>seu meio poroso em condições de campo (BEAR, 1972; FETTER, 2014; FET-</p><p>TER; BOVING; KREAMER, 2018). Sendo assim, os componentes químicos</p><p>presentes na água podem indicar a qualidade da água, mas também algumas</p><p>informações sobre a geologia local, devido à interação água–rocha. Mesmo</p><p>um aquífero podendo ser uma camada geológica não alterada, a interação entre</p><p>as zonas saturadas e não saturadas é muito importante para a manutenção da</p><p>qualidade ambiental.</p><p>A contaminação de um solo com substâncias oriundas de atividades an-</p><p>trópicas pode prejudicar amplamente a sua capacidade de fornecer habitat</p><p>para os seus seres vivos, além dos riscos de contaminação das plantas que</p><p>poderiam ser direcionadas à alimentação humana ou ainda de contaminação</p><p>das águas (superficiais e subterrâneas). A CTC de um solo pode atuar retendo</p><p>ou retardando a contaminação, em conjunto com atividades microbiológicas que</p><p>promovem a redução desses contaminantes no meio. Entretanto, tais processos</p><p>de depuração, degradação e biorremediação podem ser muito demorados e,</p><p>quando aplicadas técnicas de engenharia, apresentar altos custos econômicos.</p><p>Dessa forma, Strawn, Bohn e O’Connor (2020) lembram que, embora o uso</p><p>sustentável do solo, que proteja a qualidade do meio, deva ser prioridade,</p><p>muitas vezes é necessário, em primeiro lugar, recuperar a qualidade daqueles</p><p>solos que já foram degradados.</p><p>Histórico, conceitos e funções dos solos22</p><p>Figura 9. Perfil de solo com representação das zonas saturada (com água) e</p><p>não saturada.</p><p>Fonte: Grotzinger e Jordan (2013, p. 485).</p><p>Com base nos conceitos aqui apresentados e discutidos, você pode perceber</p><p>que a sustentabilidade das comunidades humanas tem relação direta com a</p><p>preservação dos recursos naturais, em especial do solo. A formação e a di-</p><p>nâmica de tal recurso estão, por sua vez, ligadas ao manejo da agricultura, à</p><p>exploração mineral e à explotação de recursos hídricos, entre outras atividades</p><p>humanas. Sendo assim, tais análises e estudos corroboram para a correta gestão</p><p>dos solos, que só pode ser executada de forma segura conforme entendemos as</p><p>múltiplas funções que o solo apresenta e como esse corpo natural se relaciona</p><p>com outros compartimentos ambientais.</p><p>23Histórico, conceitos e funções dos solos</p><p>BEAR, J. Dynamics of fluids in porous media. New York: Prentice-Hall, 1972.</p><p>BRADY, N. C.; WEIL, R. R. Elementos da Natureza e Propriedades dos Solos. 3. ed. Porto</p><p>Alegre: Bookman, 2013.</p><p>BREVIK, E. C.; HARTEMINK, A. E. Early soil knowledge and the birth and development</p><p>of soil science. CATENA, v. 83, n. 1, p. 23–33, 2010.</p><p>FETTER, C. W. Applied hydrogeology. 4. ed. New York: Pearson Education, 2014.</p><p>FETTER, C. W.; BOVING, T.; KREAMER, D. Contaminant hydrogeology. 3. ed. Illinois:</p><p>Waveland Press, 2018.</p><p>GLAUCONITE. In: ENCYCLOPÆDIA Britannica. [S. l.]: Encyclopædia Britannica, 2018. Dis-</p><p>ponível em: https://www.britannica.com/science/glauconite.</p><p>Acesso em: 13 maio 2020.</p><p>GROTZINGER, J.; JORDAN, T. Para entender a Terra. 6. ed. Porto Alegre: Bookman, 2013.</p><p>IBGE. Manual técnico de pedologia. 3. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2015. (Manuais técnicos</p><p>em geociências, n. 4). Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/</p><p>liv95017.pdf. Acesso em: 13 maio 2020.</p><p>LEPSCH, I. F. 19 lições de pedologia. São Paulo: Oficina de Textos, 2011.</p><p>PEJON, O. J.; ZUQUETTE, L. V.; AUGUSTO FILHO, O. Geologia e solos. In: CALIJURI, M.</p><p>C.; CUNHA, D. G. F. Engenharia ambiental: conceitos, tecnologia e gestão. 2. ed. Rio de</p><p>Janeiro: Elsevier, 2019. p. 551–566.</p><p>PEREIRA, M. G. et al. Formação e caracterização de solos. In: TULLIO, L. (org.). Forma-</p><p>ção, classificação e cartografia dos solos. Ponta Grossa: Atena, 2019. p. 1–20. Disponível</p><p>em: http://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/202369/1/Formacao-e-</p><p>-caracterizacao-de-solos-2019.pdf. Acesso em: 13 maio 2020.</p><p>PEREZ, D. V.; BREFIN, M. L. M.; POLIDORO, J. C. Solo, da origem da vida ao alicerce das</p><p>civilizações: uso, manejo e gestão. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v. 51, n. 9, p. i–iv,</p><p>2016. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/pab/v51n9/0100-204X-pab-51-09-000i.</p><p>pdf. Acesso em: 13 maio 2020.</p><p>STRAWN, D.; BOHN, H. L.; O’CONNOR, G. A. Soil chemistry. 5. ed. Nova Jersey: Wiley-</p><p>-Blackwell, 2020.</p><p>TROEH, F. R.; HOBBS, J. A.; DONAHUE, R. L. Soil and water conservation for productivity</p><p>and environmental protection. 4. ed. Upper Saddle River: Prentice Hall, 2004.</p><p>VAN ELSAS, D. J. The soil environment. In: VAN ELSAS, D. J. et al. Modern soil microbiology.</p><p>3. ed. Boca Raton: CRC Press, 2019. p. 3–20.</p><p>Histórico, conceitos e funções dos solos24</p><p>Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun-</p><p>cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a</p><p>rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de</p><p>local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade</p><p>sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links.</p><p>VON LIEBIG, J. Die organische Chemie in ihrer Anwendung auf Agrikultur und Physiologie.</p><p>Braunschweig: F. Vieweg, 1840. Documento on-line: https://ia800902.us.archive.org/31/</p><p>items/dieorganischeche00lieb/dieorganischeche00lieb.pdf. Acesso em: 13 maio 2020.</p><p>WEIL, R. R.; BRADY, N. C. The nature and properties of soils. 15. ed. Londres: Pearson</p><p>Education Limited, 2017.</p><p>Leitura recomendada</p><p>FREEZE, R. A.; CHERRY, J. A. Groundwater. Nova Jersey: Prentice-Hall, 1979.</p><p>25Histórico, conceitos e funções dos solos</p>