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<p>Aprendizagem,</p><p>Competências</p><p>e Habilidades:</p><p>Considerações Iniciais</p><p>Normando José do Nascimento Junior</p><p>Aprendizagem,</p><p>Competências e Habilidades:</p><p>Considerações Iniciais</p><p>2</p><p>Objetivos da Aprendizagem</p><p>• compreender os fundamentos e os conceitos principais da aprendizagem hu-</p><p>mana e como eles se aplicam na vida cotidiana, baseando-se em estudos da</p><p>psicologia, pedagogia e neurociências;</p><p>• diferenciar os conceitos de habilidade e competência e entender como eles</p><p>se conectam, bem como sua importância no contexto atual;</p><p>• entender o conceito de situação de aprendizagem e descobrir como promo-</p><p>ver a aprendizagem de forma eficaz por meio da construção de situações de</p><p>aprendizagem significativas;</p><p>• conhecer a discussão sobre competências na pedagogia e como os estudos</p><p>na área da educação contribuem para o desenvolvimento de competências</p><p>e habilidades;</p><p>• Perceber a relação entre aprendizagem e experiências educativas, sendo ca-</p><p>paz de entender sua importância na atuação profissional do coach e em ou-</p><p>tras profissões para além da docência.</p><p>3</p><p>Fundamentos de Aprendizagem</p><p>Definição</p><p>Existe um debate amplo nas mais diversas áreas do conhecimento sobre o que é</p><p>aprendizagem. Essas ciências têm, ao longo do tempo, desenvolvido uma série de</p><p>teorias para explicá-la, contudo, definir a aprendizagem se torna um desafio porque,</p><p>ao fazer isso, acabamos nos ancorando epistemologicamente em uma dessas</p><p>teorias. Ou seja, se dizemos, por exemplo, que aprender é ser capaz de responder a</p><p>determinada pergunta corretamente, estamos consequentemente limitando todo o</p><p>processo de aprender inerente à humanidade a apenas esta concepção.</p><p>Por isso, para evitar essa redução, buscamos entender a aprendizagem considerando</p><p>os diversos aspectos que a influenciam. Assim, pode-se compreender a aprendizagem</p><p>como uma experiência social entre pessoas, que resulta na aquisição de novas</p><p>habilidades, competências e conhecimentos, ou na reelaboração dos conhecimentos/</p><p>habilidades/competências anteriores, construindo um resultado novo que alicerçará</p><p>as práticas posteriores dos indivíduos.</p><p>Diferentemente do que muitos pensam, inteligência ou acesso a bons espaços</p><p>educativos não são os únicos fatores a influenciar na aprendizagem de alguém.</p><p>Muitas variáveis afetam o desenvolvimento e a aprendizagem de uma pessoa, desde</p><p>sua alimentação até suas experiências na infância. Esses fatores influenciarão nas</p><p>condições do aprendente, podendo gerar dificuldades ou facilidades. No entanto,</p><p>queremos focar nas variáveis mais controláveis e observáveis por quem busca</p><p>ensinar ou aprender. Assim, de acordo com o educador Benjamin Bloom (1956), a</p><p>aprendizagem ocorre pela interação de três domínios: o domínio cognitivo, o afetivo</p><p>e o psicomotor, expressos na Figura 1.</p><p>4</p><p>Figura 1 – Três domínios da taxonomia de BLOOM</p><p>Fonte: Fonte: BLOOM, 1956. (Adaptado).</p><p>Essa ideia traça um importante caminho para a compreensão da aprendizagem,</p><p>muito valorizada na atualidade: o de que não há apenas um fator determinante no</p><p>processo de aprender, como o fator cognitivo/racional por exemplo, mas sim que a</p><p>aprendizagem só se efetua na integração de todos esses domínios. É o que o psicólogo</p><p>do desenvolvimento Lev Vygotsky (1988, p. 108) apresenta ao compreender que “o</p><p>intelecto não é precisamente a reunião de determinado número de capacidades gerais</p><p>– observação, atenção, memória, juízo etc. – mas sim a soma de muitas capacidades</p><p>diferentes, cada uma das quais, em certa medida, independente das outras”.</p><p>Outro psicólogo do campo da psicologia do desenvolvimento, Jean Piaget também</p><p>apresenta hipóteses do que seria a aprendizagem e seu papel ao longo do</p><p>desenvolvimento humano. Sua teoria ficou conhecida como epistemologia genética,</p><p>posto que sua investigação se preocupava em explicar como o conhecimento dos</p><p>indivíduos se origina, de onde ele advém. Assim, acompanharemos algumas da série</p><p>de contribuições que este teórico trouxe para o campo do desenvolvimento e da</p><p>aprendizagem.</p><p>Para Piaget, o desenvolvimento psíquico acontece desde o nascimento do indivíduo,</p><p>de forma espontânea e seguindo o curso do crescimento e do desenvolvimento</p><p>biológico. Ou seja: da mesma forma que o corpo passa por um processo de evolução</p><p>até chegar ao estado de maturação da fase adulta, quando os órgãos estão</p><p>desenvolvidos, o aparelho psíquico também passa por um processo similar.</p><p>5</p><p>Piaget dizia que o desenvolvimento precede a aprendizagem, uma vez que se inicia</p><p>a partir do nascimento. Então, ele concebeu o que ficou conhecido como os quatro</p><p>estágios do desenvolvimento, que vão desde o momento no qual a criança nasce,</p><p>quando já apresenta reflexos primitivos como a sucção, até a idade adulta, quando</p><p>apresenta ação intencional. O autor enfatiza que não se pode pular estágios, mas</p><p>que a passagem por um era pré-requisito para chegar aos estágios seguintes. Seria</p><p>o desenvolvimento, tanto biológico quanto psíquico, que possibilitaria aos indivíduos</p><p>a aprendizagem.</p><p>Piaget (2009) não trata a aprendizagem como algo espontâneo, como é o</p><p>desenvolvimento, mas sim como uma consequência da ação intencional de</p><p>educadores – famílias, instituições, escolas. Por isso, reforça que o educador deve</p><p>propor uma prática de ensino refletida e situada no desenvolvimento do sujeito, uma</p><p>vez que a tentativa de ensinar coisas para as quais o sujeito ainda não está pronto</p><p>é inútil e pode ser até nocivo. Ele coloca a necessidade de um ensino que respeite</p><p>o tempo dos indivíduos e seja baseado em etapas graduais, indo da mais simples a</p><p>mais complexa.</p><p>Apesar das diferentes visões nas teorias de Piaget (2009) e Vygotsky (1988), ambos</p><p>nos ajudam a compreender a aprendizagem a partir de um processo que não diz</p><p>respeito a uma aplicação estática de conhecimentos: eles entendem a aprendizagem</p><p>também de forma integral, na qual biologia, experiência social e condições psicológicas</p><p>não podem se dissociar, noção também defendida por Bloom (1956).</p><p>Compreendendo a Aprendizagem pela Interação</p><p>Compreendemos anteriormente que a cognição, a afetividade e o desenvolvimento</p><p>psicomotor são fatores essenciais no processo de aprendizagem. Mas quais outros</p><p>elementos são necessários para aprender? Esses questionamentos ganham ainda</p><p>mais relevância no episódio em que um menino de aproximadamente 11 anos foi</p><p>encontrado nas florestas de Aveyron, um povoado no sul da França, em 1798. O caso</p><p>foi retratado no filme O Garoto Selvagem (1969), de François Truffaut. Diferentemente</p><p>do esperado, o garoto, nomeado de Victor, “não sabia andar, falar ou expressar-se</p><p>compreensivelmente, o que denotava o seu ínfimo contato com a raça humana [...]”</p><p>(PEREIRA; GALUCH, 2012, p. 555). O menino, ainda, fazia barulhos semelhantes aos</p><p>de animais e não aceitava roupas nem práticas de higiene. Apesar disso, ele foi capaz</p><p>de sobreviver por mais de cinco anos nas florestas de Aveyron.</p><p>Essa história, além de inspirar muitos contos infantis, possibilitou que os cientistas</p><p>voltassem sua atenção para algo muito importante no processo de aprender: a</p><p>6</p><p>interação social. Após exames que mostraram que Victor não tinha nenhuma</p><p>deficiência ou anomalia cerebral, a conclusão foi que seu comportamento decorria da</p><p>falta de interação com humanos ao longo dos primeiros anos de seu desenvolvimento,</p><p>e que talvez nunca tenha visto alguém andar ou falar até o momento em que foi</p><p>encontrado.</p><p>O caso de Victor mostrou que todo o processo de aprendizagem, desde assuntos</p><p>escolares até comportamentos tidos por alguns como instintivos, só pode se</p><p>desenvolver na relação com outras pessoas. A aprendizagem exige interação. Esse</p><p>conceito é definido por Garton, citado por Moreira, da seguinte forma: “a interação</p><p>social implica em um mínimo de duas pessoas intercambiando informações (1999,</p><p>n.p.)”.</p><p>Já discutimos a forma com que os indivíduos aprendem a andar e falar, por exemplo.</p><p>Porém, a maneira que os indivíduos aprendem conteúdos formais, como os da escola</p><p>ou universidade, não é diferente. Ao entrar em contato com outros</p><p>indivíduos, a</p><p>aprendizagem é impulsionada. Entretanto, nas instituições de ensino, esse processo</p><p>espontâneo de aprender que ocorre ao se relacionar com outrem vem junto com</p><p>técnicas e caminhos para potencializar a aprendizagem.</p><p>Pensemos nesse exemplo: graças à tecnologia, têm-se desenvolvido diversos</p><p>aplicativos de conversação em que estudantes iniciantes de inglês conversam com</p><p>outras pessoas que já falam fluentemente esse idioma. Tal método foi pensado</p><p>como forma de promover experiências educativas entre um indivíduo experiente e</p><p>um iniciante. O sucesso desse método se deve à compreensão de que essa interação</p><p>impulsiona cada vez mais aquele que está no nível iniciante por meio da ajuda do</p><p>mais experiente, ao mesmo tempo em que consolida e desafia o experiente à medida</p><p>que ele ensina, já que, nas palavras de Vygotsky (1988, p. 113): “o que a criança</p><p>pode fazer hoje com o auxílio dos adultos, poderá fazê-lo amanhã por si só”. Ou</p><p>seja, nas instituições, tanto professores e tutores como cada estudante contribuem</p><p>na aprendizagem cumprindo o papel de facilitadores, inclusive utilizando diversos</p><p>instrumentos para mediar a aprendizagem.</p><p>Sabemos que no processo de aprendizagem precisa haver algo além de duas ou mais</p><p>pessoas juntas: é necessário também algo que as conecte. Este algo são os signos</p><p>e instrumentos, aos quais Vygotsky (1988) atribui o papel de mediar a aprendizagem</p><p>humana. Enquanto os instrumentos nos ajudam a nos relacionar com o campo</p><p>material da vida, como um martelo nos ajudando a transformar madeira em mesa, os</p><p>signos nos auxiliam a relacionarmo-nos com a realidade psíquica, permitindo também</p><p>a comunicação com o outro. Essa mediação não possibilita apenas a aprendizagem,</p><p>7</p><p>mas também toda a vida em sociedade que se constrói a partir dela, fazendo-se</p><p>essencial para a prática educativa.</p><p>Entendamos melhor o conceito de signo a partir de um exemplo: uma ferramenta</p><p>muito utilizada atualmente na avaliação da satisfação de pessoas é a roda da vida,</p><p>que, segundo Zarza (2015, p. 11), é uma “ferramenta que possibilita ao coachee avaliar</p><p>o aqui e agora — o presente, e fazer uma avaliação do nível de satisfação para carreira,</p><p>saúde, financeira, espiritual, amor, família, relacionamentos e divertimento e lazer”.</p><p>Esta autoavaliação, proposta dentro de um diagrama, representa diversas áreas da</p><p>vida, cada uma representada por uma fatia. Cria-se um esquema visual de como o</p><p>indivíduo tem se percebido em cada uma das esferas da sua vida. Mas de fato a vida</p><p>é dividida em partes, em fatias? E a satisfaçãopode ser representada por uma cor?</p><p>Não, e é essa a exata função do signo: converter em compreensível aquilo que é</p><p>muito abstrato. Os signos auxiliam a nos aproximarmos dessa abstração e lidarmos</p><p>tanto com nosso psiquismo quanto com o que compartilhamos com o mundo. As</p><p>próprias palavras são signos. Ao dizer a palavra amor, ela é incapaz de reduzir tudo</p><p>que o amor é, mas, ainda assim, quem ouve consegue entender.</p><p>O uso desses recursos é essencial para qualquer prática de aprendizagem e</p><p>desenvolvimento, pois ajuda a construir vínculos, a compreender melhor o outro</p><p>e a pensar estratégias com ele. Além da roda da vida, mapas mentais, anotações,</p><p>acrônimos e tantos outros são instrumentos eficazes que valem a pena aprender,</p><p>investir e usar. É importante ressaltar que, na teoria de Vygotsky (1988), a mediação</p><p>não é sinônimo da atuação como facilitador em um processo, mas sim o papel dos</p><p>instrumentos e signos a nos ajudarem a nos relacionarmos com a realidade.</p><p>Podemos concluir aqui, a partir do que foi apresentado, que é impossível tratar a</p><p>aprendizagem como uma relação de depósito, visto que os conteúdos não são como</p><p>objetos e a cognição humana não é como uma caixa que se abre e se insere coisas.</p><p>Somos seres de relação e aprendemos por meio dela, nos utilizando de instrumentos</p><p>e signos para tal.</p><p>Os Sujeitos da Aprendizagem</p><p>Compreendemos que a aprendizagem é um processo interpessoal, que não pode</p><p>ser efetuado sem que haja contato com outras pessoas. Chamamos de sujeitos da</p><p>aprendizagem aqueles que participam desse processo e, para compreender bem o que</p><p>é aprender e como o fenômeno da aprendizagem se constitui – tanto da perspectiva</p><p>cerebral quanto da social –, precisamos entender bem as características e o papel de</p><p>8</p><p>cada um desses sujeitos.</p><p>Na escola, uma das primeiras instituições formais preocupadas com a aprendizagem,</p><p>surge o conceito de aluno. Nos anos após a Revolução Industrial, as escolas</p><p>buscavam treinar de forma sistemática, padronizada e separada por faixas etárias</p><p>a aprendizagem dos estudantes para garantir que as empresas tivessem mão de</p><p>obra qualificada. Seu papel era comparecer às aulas, absorver o conteúdo exposto e</p><p>reproduzi-lo nas avaliações feitas pelo professor, e assim o aluno aprenderia a operar</p><p>de forma mecânica e padronizada nas grandes indústrias futuramente.</p><p>Em 1979, a banda de rock americana Pink Floyd lançou a música</p><p>Another Brick In The Wall, uma crítica ao modelo educacional</p><p>tradicional. Até hoje, ela é uma referência na música e na educação.</p><p>Assista ao videoclipe e preste atenção na letra da música para</p><p>refletir sobre o assunto.</p><p>Curiosidade</p><p>Essa perspectiva de aprendizagem compreende o sujeito da aprendizagem como</p><p>uma caixa vazia na qual o professor pode depositar conteúdos e depois pegá-los</p><p>de volta. Como uma caixa é estática, o aluno também não deveria se preocupar</p><p>em transformar, criticar ou aprimorar o conhecimento dado pelo professor, apenas</p><p>guardá-lo e colocá-lo para fora quando solicitado.</p><p>Essa perspectiva entende o sujeito aprendente como alguém passivo e incompleto,</p><p>que deve se submeter àqueles que realmente sabem: os professores. Apesar de</p><p>ter sido útil às demandas trabalhistas da época, esse conceito de aprendizagem</p><p>atualmente tem sido rebatido, porque parte da ideia que aquele que aprende não</p><p>atua sobre sua própria aprendizagem. Ao contrário disso, hoje sabe-se que o</p><p>sujeito aprendente é sempre ativo na aprendizagem, quer se engajando nela, quer</p><p>negando-a. Por isso, toda metodologia de aprendizagem, seja em âmbito escolar/</p><p>universitário ou fora dele, precisa envolver e valorizar esse sujeito, levando em conta</p><p>suas emoções, experiências de vida, sonhos e ações, entre outros. (FREIRE, 1987;</p><p>PINHEIRO; BATISTA, 2018).</p><p>Dessa forma, ao estudar a aprendizagem, é essencial nos atentarmos para não</p><p>reproduzir a ideia de um sujeito que apenas recebe o conhecimento, mas compreender</p><p>a aprendizagem como consequência da ação desse sujeito no mundo e da ação do</p><p>mundo sobre ele.</p><p>9</p><p>Psicologia Comportamental: Contribuições para a Aprendizagem</p><p>Agora, vamos nos aprofundar em algumas teorias que buscam explicar como se dá,</p><p>passo a passo, o processo de aprender. Voltando ao caso do menino de Aveyron:</p><p>é perceptível que o isolamento comprometeu a aprendizagem do garoto, ao passo</p><p>que nós, inseridos no contexto social, aprendemos uma série de condutas que se</p><p>tornam automáticas em nosso dia a dia. Será que o contato com outras pessoas</p><p>simplesmente insere comportamentos em nós? Compreenderemos como nosso</p><p>comportamento é moldado partindo da perspectiva comportamentalista, também</p><p>chamada de behaviorismo.</p><p>Para a corrente da psicologia comportamentalista, “a aprendizagem pode ser definida</p><p>como aquisição de novos conhecimentos do meio, cujo resultado é a modificação</p><p>do comportamento”, frase de Marcus Brandão, citada por Cruz e colaboradores</p><p>(2008). Mas o que isso significa? Significa que é a experiência com o meio, bem</p><p>como a forma com que ele reage a nosso comportamento, que nos leva a aprender,</p><p>ensinando-nos como devemos proceder nas próximas vezes. A esse processo de</p><p>aprender comportamentos a partir das suas consequências, o psicólogo B. F. Skinner</p><p>deu o nome de condicionamento operante:</p><p>“No condicionamento operante, o aprendizado se dá pelas consequências</p><p>do comportamento. Nesta direção, a emissão de determinada resposta</p><p>aumenta de frequência se os estímulos contingentes a ela forem</p><p>positivos para o organismo; ou, em contraste, diminui a frequência, caso</p><p>as consequências do comportamento sejam negativas” (CRUZ et al.,</p><p>2008, p. 2).</p><p>Imagine agora a seguinte situação: uma criança vai ao shopping com seus pais e vê</p><p>um quiosque de sorvete (a criança teve um estímulo sensorial). Sua reação ao que</p><p>viu é chorar exigindo dos pais um sorvete (a criança deu uma resposta ao estímulo).</p><p>Seus pais, por sua vez, dão o sorvete ao filho (sua resposta teve uma consequência).</p><p>10</p><p>Figura 2 – Exemplo de condicionamento operante.</p><p>Fonte: RIZZON, [s.d.]. Acesso em: 22/07/2020. (Adaptado).</p><p>Depois disso, é provável que, da próxima vez que a criança vir um quiosque de</p><p>sorvete ou algo que queira, ela se comporte da mesma forma, já que percebeu que</p><p>seu comportamento anterior teve um bom retorno por parte de seu meio, posto que</p><p>alcançou seu objetivo. Essa modulação de comportamento, quando constante, faz</p><p>com que o indivíduo responda da forma para a qual foi condicionado quase que</p><p>automaticamente, sem que haja um planejamento prévio. Isso significa que a criança</p><p>do exemplo não utilizaria espontaneamente o diálogo como recurso, mas manteria a</p><p>atitude de gritar, pois essa foi a estratégia que seu meio ensinou ser eficaz.</p><p>Entretanto, é importante lembrar que o ser humano não é uma máquina, e por isso,</p><p>apesar de ter seu comportamento modulado e alterado por suas experiências, não</p><p>pode ser adestrado ou mecanizado para responder da mesma forma todas as vezes.</p><p>Essa perspectiva de aprendizagem trazida por Skinner traz contribuições relevantes</p><p>quando ressalta que aprender é sempre um processo de troca entre sujeito e meio,</p><p>por ação e reação, enfatizando a experiência.</p><p>Também rompe com a ideia de que a aprendizagem ocorre sempre em contexto</p><p>padronizado e intencional, como na sala de aula. A teoria do comportamento de</p><p>Skinner aponta que vivências cotidianas também educam, e a aprendizagem está</p><p>presente desde conteúdos escolares até em como se relacionar com as pessoas, a</p><p>melhor forma de atravessar a rua ou porque não colocar o dedo na tomada.</p><p>11</p><p>Novas Experiências de Aprendizagem</p><p>Compreendendo melhor os fenômenos psíquicos, sociais e neurológicos da</p><p>aprendizagem, podemos nos questionar: a aprendizagem na contemporaneidade é</p><p>o mesmo processo de dois séculos atrás? Pode até ser, do ponto de vista estrutural,</p><p>mas agora temos infinitas novas variáveis a considerar. Ela está cada vez mais</p><p>difusa e amplificada, visto que agora estamos conectados com um número maior de</p><p>pessoas e pelas mais diferentes vias. Esse e outros fatores têm potencializado as</p><p>aprendizagens cotidianas e nos permitido aprender conteúdos diversos por meios</p><p>e plataformas também diversos. Ou seja, o acesso a conhecimentos que antes se</p><p>limitavam à escola e à transmissão oral agora se ampliou.</p><p>Assim, um ponto de reflexão importante nessa temática é que cada vez mais,</p><p>por meio da tecnologia, os processos de aprendizagem se potencializam, e o que</p><p>conhecemos como experiência educativa parece não dar conta dessas potências e</p><p>transformações. O modelo de escola que conhecemos é pensado para as demandas</p><p>da época da Revolução Industrial: alto índice de alunos não alfabetizados, pouca</p><p>informação circulando. A escola precisava de uma produção rápida de profissionais</p><p>em massa, de forma que o trabalhador estivesse apto a transitar em diversos ramos</p><p>da produção.</p><p>Entretanto, as necessidades atuais são bem diferentes. Murilo Gun, professor de</p><p>criatividade, em uma palestra evoca o conceito de cauda longa e sua relação com o</p><p>tempo em que vivemos. Ele nos convida a pensar, por exemplo, em uma livraria que</p><p>funcione em um espaço físico que possua limitações espaciais, fazendo que seus</p><p>responsáveis escolham quais livros deixar à mostra para o público da livraria, que,</p><p>neste caso, seriam alguns poucos títulos de alta popularidade, deixando os demais –</p><p>os menos populares – inacessíveis.</p><p>Porém, nas plataformas digitais de informação, esse limite de acervo se expande</p><p>de tal forma que praticamente todo conteúdo produzido sobre os mais diversos</p><p>assuntos se torna acessível. Desse modo, a cauda longa, mesmo que impopular, se</p><p>torna possível de acessar por pessoas que antes precisavam disponibilizar muito</p><p>mais tempo, dinheiro e locomoção especial para isso. Isso potencializa e facilita o</p><p>acesso aos mais diversos conteúdos.</p><p>Veja na figura 3 que à medida que se permite uma maior democratização tanto na</p><p>oferta quanto no consumo de informação, a cauda tende a alongar-se.</p><p>12</p><p>Figura 3 – Aumento da cauda longa - Democratização das ferramentas de distribuição.</p><p>Fonte: ANDERSON, 2006, p. 55. (Adaptado).</p><p>Apesar de a tecnologia ter potencializado e facilitado nosso acesso aos mais diversos</p><p>tópicos, ela não necessariamente faz o mesmo com a aprendizagem. Ficou claro</p><p>para nós que a quantidade de informações disponíveis na atualidade é tão abundante</p><p>que a maioria das pessoas não precisa mais da escola para garantir, por exemplo, o</p><p>acesso a conteúdos sobre a história do Brasil. A pergunta é: se a informação está</p><p>em todo lugar, que valor a escola e as instituições de aprendizagem ainda têm para</p><p>oferecer? A resposta é: o valor da troca.</p><p>Como já visto, as relações entre indivíduos são o principal gatilho da aprendizagem</p><p>humana, sendo essencial para que ela se desenvolva de modo satisfatório.</p><p>Ironicamente, essas mesmas relações são a parte mais negligenciada nas práticas</p><p>educativas, desde a educação familiar até a formação profissional. É comum que</p><p>o foco esteja sempre no conteúdo a ser aprendido, de forma que a fala repetitiva, a</p><p>leitura extensiva e a organização baseada em níveis de conhecimento estão presentes</p><p>em praticamente todas as instituições. Algumas focam também na técnica.</p><p>Em algumas organizações, o treinamento profissional é baseado na repetição, a fim de</p><p>que o funcionário aprenda a realizar uma função da forma mais mecanizada possível.</p><p>Mesmo que se tente aplicar esses modelos educativos, as relações interpessoais</p><p>nunca podem ser removidas, ainda que elas acabem por ser tratadas com desleixo,</p><p>gerando situações de apatia, autoritarismo, falta de engajamento e conflitos.</p><p>Mas essa abundância de informação tem alertado e lembrado que o papel do educador</p><p>não é depositar ou transferir conhecimento. Pinheiro e Batista (2018) nos lembram</p><p>que, segundo o psicólogo Carl Rogers, o educador deve atuar como um facilitador da</p><p>aprendizagem. Seu papel n ão é sobrepor seu saber ou seus valores aos do educando,</p><p>13</p><p>mas incentivar a curiosidade e a autonomia, não transmitindo o conhecimento, mas</p><p>criando as condições apropriadas para a aprendizagem.</p><p>Você sabia que em apenas uma edição semanal do The New York</p><p>Times existe mais informação do que um homem comum poderia</p><p>conhecer durante toda a sua vida na Inglaterra do século XVII? O site</p><p>Observatório da Imprensa, em 2014, apresentou este exemplo para</p><p>mostrar como vivemos em uma sociedade da hipercomunicação.</p><p>Curiosidade</p><p>O professor deve promover aquilo que apenas acervos de informação como a internet</p><p>não podem oferecer: motivação, colaboração e curiosidade, entre outros.</p><p>“Para isso, o professor deverá incentivar, possibilitar autonomia,</p><p>impulsionar e promover ações voltadas para o crescimento acadêmico.</p><p>Ou seja, disponibilizando variados métodos e recursos de pesquisa,</p><p>organizando esses materiais de forma reflexiva, buscando estimular o</p><p>desejo incessante na busca de conhecimento” (PINHEIRO; BATISTA, p.</p><p>75, 2018).</p><p>Aqui, a autonomia é um fator essencial. Em todos os espaços educativos, é comum</p><p>que os aprendizes cheguem com uma postura passiva, esperando que o educador</p><p>forneça todas as respostas, regras e direcionamentos, se colocando como incapaz</p><p>de gerir o próprio processo. Isso ocorre porque, na maior parte das experiências</p><p>escolares e familiares, aprender é tratado como sinônimo de obedecer a alguém</p><p>que sabe mais. O objetivo do profissional que busca propiciar uma aprendizagem</p><p>significativa é romper com esse padrão, se disponibilizando a facilitar e</p><p>colaborar</p><p>com o processo, mas centrando a atenção e os objetivos no aprendiz, a fim de que</p><p>ele aprenda não apenas conteúdos propostos, mas desenvolva autonomia, confiança</p><p>e iniciativa.</p><p>Cabe concluirmos que o processo de aprendizagem, ainda que analisado dos</p><p>mais diversos pontos de vista como fizemos, não se esgota. Ele é parte crucial da</p><p>experiência humana e precisa ser compreendido, investigado e promovido com</p><p>responsabilidade e engajamento. Ele constitui o crescimento não só cognitivo, mas</p><p>também afetivo e relacional, possibilitando o desenvolvimento de habilidades e</p><p>competências relevantes para a vida em comunidade. A atuação como educador não</p><p>14</p><p>deve estar centrada em ensinar fatos, mas principalmente em ensinar a aprender. E</p><p>isto serve para escolas, cursos on-line ou presenciais, mentorias e qualquer estrutura</p><p>institucional de aprendizagem.</p><p>Definição de Habilidade, Competência e a</p><p>Situação de Aprendizagem</p><p>A Vista de um Ponto</p><p>As definições sobre o que é habilidade ou competência são diferentes a depender</p><p>da perspectiva teórica que se toma. Leonardo Boff (2017, p. 2) diz que “todo ponto</p><p>de vista é a vista de um ponto. Para entender como alguém lê, é necessário saber</p><p>como são seus olhos e qual é a sua visão de mundo”. Começar entendendo isso é</p><p>importante para que sejamos capazes de alinhar nossa prática profissional à nossa</p><p>visão de mundo e de sujeito.</p><p>No tópico “Fundamentos de aprendizagem”, falamos sobre quem é o sujeito da</p><p>aprendizagem e que essa aprendizagem acontece por meio de interação e mediação.</p><p>Veremos agora algumas definições do que é competência e habilidade, bem como uma</p><p>leitura crítica da raiz epistemológica dessas concepções. Não buscamos apresentar</p><p>apenas um conceito nem reduzir as práticas ao que é certo ou errado. Os conceitos</p><p>citados são as reflexões de especialistas no tema que permitem compreender melhor</p><p>nossa realidade e assim atuar de forma mais significativa sobre ela.</p><p>Definindo Competências e Habilidades</p><p>Para isso, compreenderemos primeiro os conceitos de competência e habilidade,</p><p>e que lugar eles ocupam na nossa comunicação e no nosso pensamento.</p><p>Morfologicamente falando, os termos competência e habilidade se categorizam</p><p>como substantivos, uma vez que dão nome a coisas. Entretanto, podem dar origem a</p><p>palavras que se configuram como adjetivos, com o fim de caracterizar algo ou alguém.</p><p>Quando dizemos, por exemplo: “Neymar é um jogador de futebol muito habilidoso”,</p><p>estamos referindo-nos a uma característica do jogador. Assim, no discurso, a ideia</p><p>de competência e habilidade sempre vem relacionada a duas coisas: ao sujeito e à</p><p>ação que este sujeito realiza.</p><p>Tomando como referência o exemplo supracitado, “um jogador muito habilidoso” é</p><p>uma referência ao sujeito Neymar. Quando falamos de competência ou habilidade,</p><p>pressupõe-se que elas se referem sempre a alguém. Quando falamos a palavra</p><p>15</p><p>sujeito, estamos evocando o sentido gramatical da palavra, ou seja, nos referindo</p><p>ao responsável pela ação da oração, não nos limitando a uma esfera individual. Uma</p><p>instituição também pode ser um sujeito e quando dizemos que a seleção brasileira é</p><p>cinco vezes campeã do mundo, por exemplo, estamos falando de um sujeito que não</p><p>é um indivíduo, e sim uma instituição.</p><p>Essa ideia é bem explorada por Fleury e Fleury (2001, p. 183), que dizem que existem</p><p>três instâncias de compreensão da ideia de competência: “o nível da pessoa (a</p><p>competência do indivíduo), das organizações (as core competences) e dos países</p><p>(sistemas educacionais e formação de competências)”. Esse texto é uma referência</p><p>no tema deste conteúdo, e em breve voltaremos a ele. Por enquanto, cabe entender</p><p>que é impossível falar de competência/habilidade sem que se refira a um sujeito, seja</p><p>ele um indivíduo, objeto ou instituição.</p><p>Ainda utilizando a gramática como ponto de partida, pode-se dizer que existem</p><p>algumas palavras que demandam um complemento. Como estamos falando de</p><p>competências e habilidades como característica de um sujeito, o termo gramatical</p><p>que utilizamos para explicar os termos que servem para completar o sentido dos</p><p>adjetivos é o de complemento nominal.</p><p>Alguns adjetivos necessitam de complemento, outros não. Ao dizer que “Maria é</p><p>inteligente”, a ideia está completa e é possível entender a qualidade de Maria. Em</p><p>contrapartida, se a frase for “Maria é competente”, é necessário complementar a</p><p>ideia, delimitando em que ela é competente. Algumas vezes, a esfera em que Maria é</p><p>competente pode estar no contexto da conversa ou pode vir na sequência da frase.</p><p>Em ambos os casos, o adjetivo sempre demanda um complemento, ainda que muitas</p><p>vezes utilizemos esse termo de forma equivocada, como tendo um fim em si mesmo.</p><p>O Dicionário Online de Português define competência como a</p><p>“capacidade decorrente de profundo conhecimento que alguém tem</p><p>sobre um assunto”. Percebam que, nesta definição, conseguimos</p><p>ver tanto a presença do sujeito (alguém) como a ação na qual o</p><p>sujeito é competente (sobre um assunto).</p><p>Curiosidade</p><p>Assim, sempre que falamos de competências e habilidades, estamos nos referindo a</p><p>sujeitos e a ações que esses sujeitos realizam. Isso implica dizer que a competência,</p><p>16</p><p>em si mesma, não existe. Não há um coeficiente capaz de medir a competência geral</p><p>de alguém, tornando essa pessoa essencialmente competente. Ao contrário, avalia-se</p><p>a competência de alguém a partir da atividade que se propõe a fazer. Ninguém, então,</p><p>é competente em si: é sempre competente em algo.</p><p>Na definição de Vasco Moretto, citado por Cascardo (2020), “as competências são</p><p>um conjunto de habilidades harmonicamente desenvolvidas e que caracterizam por</p><p>exemplo uma função/profissão específica: ser arquiteto, médico ou professor de</p><p>química”. Apesar de não ser a única compreensão que utilizaremos aqui, Moretto</p><p>chama a atenção para a dimensão específica da competência, na qual há um</p><p>desenvolvimento amplo em um grupo de saberes e práticas, o que não implica em</p><p>saber tanto quanto sobre outros assuntos.</p><p>Pensemos em um exemplo a partir do antônimo de competente: incompetente. Não</p><p>é possível dizer que alguém é incompetente em tudo. Todo sujeito é competente em</p><p>algumas coisas, não competente em outras. Trabalhar com o desenvolvimento de</p><p>competências, então, implica em uma leitura das qualidades e características dos</p><p>sujeitos, buscando compreender seus pontos fortes e fracos, para então buscar o</p><p>seu desenvolvimento, considerando quais atividades o indivíduo faz ou deseja fazer,</p><p>seu contexto e seus objetivos. Não há uma fórmula universal.</p><p>Ou seja: para trabalhar com o desenvolvimento de competências e habilidades, é</p><p>necessário delimitar e conhecer bem quem é o sujeito que irá aprendê- las, quais serão</p><p>essas habilidades/competências e em que contexto serão aplicadas. É importante</p><p>que fique clara a relação entre o sujeito e as ações competentes que se pretende que</p><p>ele desenvolva. Partindo para as habilidades, de forma geral, Vasco Moretto define:</p><p>“As habilidades estão associadas ao saber fazer: ação física ou mental que</p><p>indica a capacidade adquirida. Assim, identificar variáveis, compreender</p><p>fenômenos, relacionar informações, analisar situações-problema,</p><p>sintetizar, julgar, correlacionar e manipular são exemplos de habilidades.</p><p>[...] As habilidades devem ser desenvolvidas na busca das competências”</p><p>(apud CASCARDO, 2020).</p><p>Dessa forma, pode-se notar que a habilidade é parte de algo maior, que é a competência.</p><p>Isso porque apenas a habilidade não garante que alguém seja competente em um</p><p>assunto, é preciso também que esta esteja aliada a conhecimentos e atitudes para</p><p>se tornar efetiva (FLEURY; FLEURY, 2001). Por exemplo, quando alguém busca uma</p><p>carreira como desenhista, músico ou ator, é comum que se pense que a habilidade</p><p>de exercer essas atividades será suficiente. Sem dúvidas ela é imprescindível, mas se</p><p>esse sujeito não se instrui sobre o assunto, não procura técnicas de aperfeiçoamento</p><p>17</p><p>no que faz nem tem uma postura atenta e sensível diante</p><p>do mundo para desenvolver</p><p>a criatividade, sua habilidade não será suficiente.</p><p>Em síntese, é possível ter habilidades sem ser competente, mas todo aquele que é</p><p>competente desenvolve suas habilidades.</p><p>Como dito, o texto de Fleury e Fleury (2001) é um referencial para a temática de</p><p>competência. Nele, os autores recuperam um debate teórico do conceito de</p><p>competência, citando profissionais clássicos e pioneiros neste tema. Com o objetivo</p><p>de enriquecer nossa conversa sobre o assunto, algumas ideias apontadas pelos</p><p>autores serão desenvolvidas.</p><p>Após uma discussão inicial do que é a competência, surge o questionamento:</p><p>como nos tornamos sujeitos competentes? Para Le Boterf (1995), a competência</p><p>se “situa numa encruzilhada, com três eixos formados pela pessoa (sua biografia,</p><p>socialização), pela sua formação educacional e pela sua experiência profissional</p><p>(apud FLEURY; FLEURY, 2001, p. 187). Ou seja, é por meio da experiência pessoal,</p><p>acadêmica e profissional que os indivíduos desenvolvem suas competências, e é</p><p>também nelas que eles percebem suas defasagens e são desafiados a melhorar.</p><p>Ainda, as competências nunca existem de forma universal, e sim contextual. Isto é,</p><p>cada tempo histórico vai demandar um padrão. Um homem no século XV possuía</p><p>competências totalmente diferentes das que temos hoje. No tópico anterior,</p><p>apresentamos alguns pontos relevantes para pensar em uma atuação que evidencie</p><p>o desenvolvimento de competências: focar na autonomia dos sujeitos e em pontos</p><p>que esses sujeitos querem desenvolver são extremamente importantes.</p><p>Neste conteúdo, nos deteremos a estudar competências com o objetivo de defini- las,</p><p>mas em breve falaremos sobre competências e habilidades para um profissional do</p><p>século XXI. Para isto, Fleury e Fleury (2001) nos apresentam a Figura 4, que contém a</p><p>ideia de competência como um valor tanto para o indivíduo como para a organização:</p><p>18</p><p>Figura 4 – Competências como uma fonte de valor para o indivíduo e para a organização</p><p>Fonte: FLEURY; FLEURY, 2001, p. 188. (Adaptado).</p><p>#PraCegoVer: Quisque purus odio, mollis in nulla ut, elementum cursus neque.</p><p>Maecenas sit amet dapibus tortor, at lobortis nibh.</p><p>O diagrama, além de apresentar algumas competências importantes, chama a</p><p>atenção para o lugar das organizações nessa discussão. As organizações são</p><p>pioneiras em apresentar contribuições no assunto e estão sempre buscando</p><p>estratégias para o desenvolvimento e aprimoramento das atividades que realizam,</p><p>uma vez que estas precisam de trabalhadores competentes para compô-las, a fim de</p><p>gerar retorno econômico, evitar relações conflituosas e garantir uma relação positiva</p><p>com parceiros e com a comunidade.</p><p>É importante dizer que nessa busca por bons colaboradores, nem sempre as</p><p>organizações estiveram focadas no que conhecemos hoje por competências. Por</p><p>muito tempo, o foco esteve em características unicamente pragmáticas e específicas,</p><p>como saber digitar rapidamente ou operar uma máquina. Essa postura gerou muito</p><p>prejuízo às grandes instituições, pelo gasto de tempo e por precisar investir em muitos</p><p>profissionais, uma vez que cada um tinha condições de realizar poucas atividades</p><p>apenas.</p><p>Instituições: O Lugar das Empresas e das Escolas no</p><p>Desenvolvimento de Competências</p><p>O grande problema dessa forma de seleção está no fato de que tais características</p><p>específicas não dão conta de todas as necessidades da instituição, além de poderem</p><p>ser facilmente substituídas posteriormente, com o avanço tecnológico. Por outro</p><p>lado, competências como versatilidade, engajamento e habilidades interpessoais</p><p>sempre serão necessárias para a organização, muitas vezes em falta uma vez</p><p>que não foram levadas em conta no momento da seleção. Outro problema é que</p><p>19</p><p>capacidades que não geram valor ao indivíduo tendem a ser aplicadas com baixo</p><p>engajamento e de forma mecanizada, sem que haja espaço para a construção de</p><p>novas soluções para a organização. O trabalhador se sente limitado e a empresa</p><p>perde grandes oportunidades.</p><p>Na atualidade, ao investir mais em profissionais competentes e menos em</p><p>profissionais mecanizados, o que se busca é a construção de uma equipe coesa, em</p><p>que os problemas são mais bem resolvidos e as atividades respondem ao esperado.</p><p>Espera-se também que a equipe seja capaz de ir além, com novas ideias e profissionais</p><p>engajados, uma vez que as atuações são valiosas tanto para a instituição quanto</p><p>para os profissionais.</p><p>Dessa forma, fica claro que as competências não se limitam a características</p><p>pessoais interessantes, que têm valor apenas para o sujeito. Também não se trata</p><p>de saberes mecânicos com valor apenas mercadológico. Pode-se concluir, com base</p><p>em Fleury e Fleury (2001), que competência é toda a aptidão do sujeito que agrega</p><p>valor social e econômico tanto para o indivíduo quanto para as organizações que ele</p><p>compõe. Nas palavras de Le Boterf (1995), “competência é um saber agir responsável</p><p>e que é reconhecido pelos outros”. Observe o Quadro 1, que ressalta as competências</p><p>necessárias para o profissional.</p><p>Saber agir Saber o que e por que faz. Saber julgar, escolher, decidir</p><p>Saber mobilizar recursos Criar sinergia e mobilizar recursos e competências</p><p>Saber comunicar Compreender, trabalhar, transmitir informações, conhecimentos</p><p>Saber aprender Trabalhar o conhecimento e a experiência, rever modelos mentais,</p><p>saber desenvolver-se</p><p>Saber engajar-se e</p><p>comprometer-se</p><p>Saber empreender, assumir riscos</p><p>Comprometer-se</p><p>Saber assumir</p><p>responsabilidades</p><p>Ser responsável, assumindo os riscos e</p><p>consequências de suas ações e sendo por isso reconhecido</p><p>Ter visão estratégica Conhecer e entender o negócio da organização, o</p><p>seu ambiente, identificando oportunidades e alternativas</p><p>Quadro 1 – Competências para o profissional</p><p>Fonte: FLEURY; FLEURY, 2001, p. 188. (Adaptado).</p><p>20</p><p>Apesar da discussão sobre as competências ter se iniciado nas organizações, ao</p><p>longo do tempo ela começa a adentrar também o campo da educação. Isso porque</p><p>começa-se a pensar que a escola, como uma instituição formal de ensino pela qual</p><p>grande parte da população passa, seria uma boa forma de ensinar competências que</p><p>o mercado de trabalho demanda.</p><p>Pense sobre isto: é mais fácil ensinar os alunos desde cedo sobre as competências</p><p>que eles precisarão quando adentrarem o mercado de trabalho ou esperar que estes</p><p>entrem nas empresas, para então serem treinados para atuar de forma competente?</p><p>Acredito que a conclusão é que a primeira opção é mais viável tanto do ponto de vista</p><p>econômico quanto educativo.</p><p>Afinal, qual o problema dessa lógica? A competência precisa agregar valor pessoal e</p><p>social, não é mesmo? O modelo escolar de desenvolvimento de competências iniciou-</p><p>se sendo fortemente influenciado pelo modelo de produção industrial; isso significa</p><p>que o ensino se dava de forma padronizada, mecânica e repetitiva. Esse padrão, do</p><p>ponto de vista da confecção de produtos em uma indústria, por exemplo, funciona</p><p>perfeitamente, mas conforme explicou-se, a escola precisa ser pensada de forma</p><p>que dê autonomia, desafie o aluno e que produza sempre uma aprendizagem nova e</p><p>significativa.</p><p>Em contrapartida, atualmente a escola tem focado muito na construção de</p><p>competências como resposta a demandas mercadológicas, mas que fazem pouco</p><p>sentido para os estudantes. Na medida em que a aprendizagem passa a não ser</p><p>significativa, isso gera uma série de problemas. Um desses problemas é o não</p><p>surgimento de uma situação de aprendizagem.</p><p>Construindo Situações e Possibilidades de</p><p>Aprendizagem</p><p>Ao pensar em uma situação propícia à aprendizagem, o que vem à cabeça possivelmente</p><p>é uma sala de aula com professor e alunos. Esse pode ser até um bom exemplo, mas</p><p>não necessariamente o único. A verdade é que toda experiência humana resulta em</p><p>algum aprendizado, mas quando buscamos sistematizar a aprendizagem, traçando</p><p>objetivos específicos a alcançar, é essencial não atentarmos apenas ao conteúdo,</p><p>mas a tudo que permeia essa experiência.</p><p>Chamamos de situação de aprendizagem a construção</p><p>e articulação, por parte do</p><p>professor/tutor, de uma condição possível para que ela ocorra. Neste caso, nos</p><p>21</p><p>apoiamos na ideia de Rubem Alves de que aprendizagem “é aquilo que fica depois</p><p>que o esquecimento faz o seu trabalho” (2011, p. 57). Isto é, aquilo que fica na</p><p>memória, mesmo depois de muito tempo. Assim, a situação de aprendizagem é um</p><p>contexto que propicia ao aluno muito mais do que um armazenamento temporário de</p><p>informações, mas de fato uma aprendizagem que carregará para a vida.</p><p>Em outras palavras, podemos usar a definição de Massucato e Mayrink (2015), que</p><p>dizem que a situação de aprendizagem é tudo “que resulta da atividade planejada pelo</p><p>docente e as intervenções pedagógicas que realiza para incidir na aprendizagem dos</p><p>alunos”. O primeiro passo para a construção de uma boa situação de aprendizagem é</p><p>ouvir o aluno. Ele é extremamente capaz de apontar seus interesses, suas dúvidas e</p><p>traçar seus desafios. De acordo com Rob Houben em entrevista concedida ao Google</p><p>for Education [s.d.]:</p><p>“o segredo do sucesso não é o QI e sim a paixão e a motivação. A</p><p>partir dos interesses dos alunos, podemos desenvolver habilidades</p><p>e conhecimentos. Dessa forma, a aprendizagem acontece em ritmo</p><p>acelerado, e os alunos passam a estar preparados para aprender pelo</p><p>resto da vida”.</p><p>Também cabe aos educadores a busca por evitar que outras variáveis possam</p><p>comprometer a aprendizagem. Desde a postura de superioridade do educador em</p><p>relação aos seus ouvintes até mesmo situações de violência no espaço educativo, é</p><p>preciso atenção para que elementos como esses não passem despercebidos e afetem</p><p>o trabalho. Isso não significa que não haverá intercorrências em uma boa situação</p><p>de aprendizagem, pelo contrário, uma situação propícia para a aprendizagem e o</p><p>desenvolvimento é aquela em que se diagnostica, se ouve e se intervém sobre os</p><p>problemas sem que a aprendizagemseja comprometida. O bom profissional deve</p><p>saber transformar tensões em oportunidades junto aos seus educandos.</p><p>Vale lembrar que o cuidado com as situações de aprendizagem não se restringe à</p><p>relação aluno-professor, uma vez que a aprendizagem não ocorre apenas na educação</p><p>formal, mas em toda relação onde há um sujeito e a vontade de aprender. Assim,</p><p>desde a educação de crianças no contexto familiar, em uma aula de dança ou em</p><p>espaços educativos de desenvolvimento pessoal, o espaço físico, afetivo e as práticas</p><p>realizadas precisam estar alinhadas ao desejo de criar uma situação proveitosa à</p><p>aprendizagem. Nesse sentido, cabe ao profissional que media essa relação construir</p><p>boas experiências de aprendizagem e manter-se examinando e questionando sua</p><p>própria atuação, a fim de que o aprendiz se perceba incluído, engajado e parte desse</p><p>ambiente.</p><p>22</p><p>De forma pragmática, em qualquer situação onde haja um sujeito, um objetivo de</p><p>aprendizagem e alguém para guiá-lo neste processo, é necessário responder as cinco</p><p>questões presentes na Figura 5:</p><p>Figura 5 – Questões fundamentais para o planejamento da aprendizagem</p><p>Fonte: Senai/DN, 2013, p. 124.</p><p>Essas questões fundamentais são extremamente importantes para a prática do coach.</p><p>Se entendemos que por meio do processo relacional estabelecido entre profissional</p><p>e cliente há aprendizagem (de comportamentos, de competências, de hábitos), então</p><p>um planejamento a partir dessas questões fundamentais são essenciais para um</p><p>acompanhamento significativo.</p><p>Desmistificamos a ideia de que um ambiente educacional se resume à sala de aula</p><p>da educação formal, compreendendo que é necessário muito mais do que isso para</p><p>23</p><p>garantir uma experiência educacional efetiva. A seguir, compreenderemos um pouco</p><p>como a discussão do desenvolvimento de habilidades e competências deixa de ser</p><p>um tema apenas da gestão de pessoas e alcança os estudos da pedagogia e das</p><p>ciências da educação. Estejamos cientes que essa temática não mudou de lugar, ao</p><p>contrário, se ampliou, de forma que deve ser também responsabilidade de todos os</p><p>que lidam com o indivíduo como aprendiz.</p><p>Pedagogia das Competências</p><p>Aprendendo Competências</p><p>Até agora, discutimos alguns fundamentos da aprendizagem, bem como os</p><p>conceitos de competência, habilidade e situação de aprendizagem. Agora, cabe-</p><p>nos pensar um pouco sobre a pedagogia das competências. Vale lembrarmos que,</p><p>apesar da Pedagogia ser reconhecida principalmente por sua atuação na escola e</p><p>com a infância, ela não se resume a isso. A relevância do estudo dessa temática</p><p>para o profissional coach está justamente no fato de que a pedagogia investiga e se</p><p>preocupa com a totalidade do processo de ensino e aprendizagem, tanto do ponto de</p><p>vista de entender o conceito quanto de desenvolver técnicas eficazes para o ensino</p><p>e a educação nas mais diferentes áreas.</p><p>Assim, partiremos para compreender o lugar que as competências têm ocupado do</p><p>ponto de vista pedagógico, e, antes de tudo, como a temática das competências sai</p><p>do campo organizacional e entra na pedagogia. Para isso, falaremos um pouco sobre</p><p>o conceito de inteligência.</p><p>Durante muito tempo, o que se entendia por inteligência estava atrelado ao conceito</p><p>de QI, de uma inteligência genérica e única, capaz de ser medida por meio de testes</p><p>padronizados. Consequentemente, as práticas pedagógicas realizadas decorriam</p><p>desse pensamento, de forma que alunos eram categorizados como aptos e inaptos</p><p>e havia pouca responsabilização das instituições no frequente fracasso dos alunos,</p><p>sempre atribuindo a culpa à suposta falta de inteligência dos indivíduos. Já na década</p><p>de 1980, algumas teorias como a de Gardner (1994) e Goleman (2011), colocaram em</p><p>xeque esse entendimento. O que chamávamos de inteligência – o modelo linguístico</p><p>e lógico-matemático escolar – é apenas parte de uma série de competências diversas,</p><p>as quais cada pessoa tem em maior ou menor grau.</p><p>24</p><p>Figura 6 – Caráter múltiplo das inteligências proposto por Gardner</p><p>Fonte: SMOLE, 1999, p. 15. (Adaptado).</p><p>A teoria das inteligências múltiplas de Howard Gardner (1994), publicada no livro</p><p>Estruturas da mente, propunha que o ser humano possui pelo menos sete inteligências.</p><p>A inovação na pesquisa de Gardner para o campo da educação é que ele questionava</p><p>o conceito de QI, de uma inteligência genérica e única, capaz de ser medida por meio</p><p>de testes padronizados. Essa teoria expressa a inteligência em seu “caráter múltiplo</p><p>e a possibilidade de vermos suas manifestações como uma teia de relações tecidas</p><p>entre todas as dimensões possíveis, e não mais sob a perspectiva de algo que possa</p><p>ser medido ou como um conjunto de habilidades isoladas” (SMOLE, 1999, p. 15). Nas</p><p>palavras do autor:</p><p>(...) a teoria das inteligências múltiplas diverge dos pontos de vista</p><p>tradicionais. Em uma visão tradicional, a inteligência é definida</p><p>operacionalmente como a capacidade de responder a itens em testes</p><p>de inteligência. A inferência a partir dos resultados de testes, de alguma</p><p>capacidade subjacente, é apoiada por técnicas estatísticas que comparam</p><p>respostas de sujeitos em diferentes idades; a aparente correlação desses</p><p>resultados de testes mediante idades e diferentes testes corrobora a</p><p>noção de que a faculdade geral da inteligência, g, não muda muito com a</p><p>25</p><p>idade ou com treinamento ou experiência. Ela é um atributo ou faculdade</p><p>inata do indivíduo.</p><p>A teoria das inteligências múltiplas, por outro lado, pluraliza o conceito</p><p>tradicional. Uma inteligência implica na capacidade de resolver problemas</p><p>ou elaborar produtos que são importantes num determinado ambiente</p><p>ou comunidade cultural. A capacidade de resolver problemas permite à</p><p>pessoa abordar uma situação em que um objetivo deve ser atingido e</p><p>localizar a rota adequada para esse objetivo. A criação de um produto</p><p>cultural é crucial nessa função, na medida em que captura e transmite</p><p>o conhecimento ou expressa as opiniões ou os sentimentos da pessoa.</p><p>Os problemas a serem resolvidos variam desde teorias científicas até</p><p>composições musicais para campanhas políticas de sucesso” (GARDNER,</p><p>1995, p. 21).</p><p>Apesar dos avanços e das enormes contribuições dessa teoria para a educação, a</p><p>nós interessa pensar que este autor, ao colocar as emoções, as relações com outros</p><p>sujeitos, a relação do sujeito com o corpo, entre outras, como modalidades de</p><p>inteligência, cria um novo campo teórico-prático: se são inteligências que podem ser</p><p>aprendidas, então também podem ser ensinadas.</p><p>Cria-se, desde então, uma nova esfera de pesquisa e atuação profissional no campo</p><p>da pedagogia que parte desses conceitos, buscando não apenas mensurar o que o</p><p>estudante sabe ou não, mas ajudando- o a desenvolver competências diversas de</p><p>maneira integral, posto que a inteligência não é tida mais como coeficiente imutável</p><p>que destina o sujeito ao sucesso ou ao fracasso. Agora os profissionais passam a se</p><p>dedicar a construir estratégias para lidar com aqueles alunos que antes eram vistos</p><p>como problemáticos por conta de seu suposto “baixo QI”.</p><p>Compreendendo o Campo de Estudo</p><p>Por fim, cabe apresentar o campo da pedagogia das competências. Esse campo “surge</p><p>associado à necessidade objetiva de um tipo de formação desvinculada da noção de</p><p>postos de trabalho e capaz de responder às permanentes flutuações das demandas</p><p>por novas capacidades operativas dos trabalhadores” (ARAÚJO, 2004, p. 499). Isto</p><p>é, a dinâmica aplicada no contexto industrial já não é suficiente para responder os</p><p>desafios na nossa sociedade, que o autor apresenta como “pós-fordista”.</p><p>Araújo (2004) diz ainda que na pedagogia baseada em competências, há um olhar para</p><p>a “nova realidade da sociedade capitalista pós-fordista e tem a pretensão de responder</p><p>26</p><p>às exigências desta nova realidade e de estabelecer novas práticas formativas e,</p><p>com isso, contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e de homens</p><p>plenamente desenvolvidos” (p. 499). O campo se configura, então, a partir de uma</p><p>crítica ao modelo de escola que falamos anteriormente, muito focado na reprodução</p><p>de informações e memorização de conceitos. Em uma pedagogia das competências,</p><p>importa mais desenvolver as capacidades dos sujeitos (CARVALHO, 2012). Ao longo</p><p>dessa disciplina, abordaremos vários caminhos, métodos e estratégias para uma</p><p>atuação que leve isso em consideração.</p><p>Um outro fator digno de destaque é de que grande parte das publicações feitas na</p><p>literatura brasileira sobre “pedagogia das competências” parte de uma vertente</p><p>intitulada de pedagogia crítica, que se baseia na perspectiva teórica do materialismo</p><p>histórico-dialético. Assim, é comum encontrar uma série de artigos que apresentem</p><p>críticas tanto ao campo quanto ao conceito de competências, associado à manutenção</p><p>do serviço da subjetividade humana ao capitalismo.</p><p>É o que reafirma Ferretti (2002, p. 299) ao atestar que “a ciência se transformou</p><p>rapidamente em força produtiva no contexto da produção capitalista”. Ele questiona</p><p>se tal pedagogia conduz à autonomização dos sujeitos a ela expostos ou à sua mera</p><p>adaptação às mudanças no trabalho e na vida social. Peçanha (2014), por sua vez,</p><p>diz que há um deslocamento conceitual das diretrizes pedagógicas da qualificação</p><p>para a competência. Isto é: o termo competências serve apenas para apresentar uma</p><p>nova roupagem ao modelo de educação mercadológica que sempre existiu.</p><p>Sobre isso, vemos Marx, uma grande referência no materialismo histórico-dialético,</p><p>lançar árduas críticas sobre um modelo focado em educar sujeitos puramente para o</p><p>trabalho: “Do sistema fabril [...] brotou o germe da educação do futuro que conjugará</p><p>o trabalho produtivo de todos os meninos além de uma certa idade com o ensino e</p><p>a ginástica, constituindo-se um método de elevar a produção social e de único meio</p><p>de produzir seres humanos plenamente desenvolvidos” (MARX, 1984, p. 554, grifo</p><p>nosso).</p><p>Araújo, somando-se a este grupo de autores, diz que:</p><p>a pedagogia das competências é limitada pelo neopragmatismo, que</p><p>restringe a formação ao atendimento imediato das demandas dos setores</p><p>produtivos e ao ajustamento das capacidades humanas aos ambientes</p><p>onde os indivíduos estão inseridos, e não se mostra capaz de concretizar</p><p>as finalidades que anuncia” (2004, p. 513) .</p><p>27</p><p>Essas críticas servem para pensarmos em uma atuação que não leve em consideração</p><p>apenas os ideais capitalistas, mas que sirvam principalmente aos sujeitos. Atuar com</p><p>o desenvolvimento de competências deve servir ao propósito de promover sujeitos</p><p>autônomos, por meio de uma educação emancipatória e significativa.</p><p>Ao compreendermos que o trabalho e a formação profissional são partes importantes</p><p>da vida em sociedade, compreendemos que as competências desenvolvidas por cada</p><p>um devem sim dizer respeito às demandas desses espaços. Porém, cabe sempre</p><p>atentar para o risco do silenciamento dos desejos pessoais e coletivos em nome do</p><p>trabalho e do lucro, e buscar promover habilidades e competências relevantes para os</p><p>sujeitos de forma integral. A partir dessa perspectiva é que precisamos desenvolver</p><p>nossas práticas educativas de desenvolvimento, seja na escola, no espaço de coaching</p><p>ou na vida como um todo.</p><p>28</p><p>Conclusão</p><p>Nesse conteúdo, aprendemos sobre a aprendizagem, ressaltando o papel das</p><p>habilidades e das competências. Compreendemos que a aprendizagem é uma</p><p>experiência social entre pessoas, que resulta na aquisição de novas habilidades,</p><p>competências e conhecimentos, ou na reelaboração dos conhecimentos/</p><p>competências anteriores, construindo um resultado novo que alicerçará as práticas</p><p>posteriores dos indivíduos. Entendemos que a aprendizagem não é só um fenômeno</p><p>escolar baseado na inteligência, mas que ele ocorre a partir de todos os domínios</p><p>do sujeito – incluindo os domínios cognitivo, afetivo e psicomotor – e tem como</p><p>principal vetor a interação e a experiência social.</p><p>Vimos que, nessa interação, a ação do sujeito gera consequências por parte do meio ao</p><p>reforçar ou punir comportamentos, o que resulta na aprendizagem. Ele denomina essa</p><p>modulação do comportamento de condicionamento operante. Também entendemos</p><p>que o nosso cérebro é um sistema pronto para aprender. Ele se organiza mediante</p><p>múltiplos sistemas funcionais e, graças à sua plasticidade, pode se transformar. Ele</p><p>se adapta a novos conteúdos e habilidades aprendidos e até mesmo se modifica</p><p>para reverter ou diminuir o comprometimento gerado por lesões cerebrais.</p><p>Entendemos, ainda, que diferentemente de uma visão tradicional que trata os</p><p>alunos como passivos e carentes da informação do professor, a visão emergente</p><p>da aprendizagem considera os conhecimentos prévios dos aprendentes, mediando</p><p>toda a relação de aprendizagem a partir de signos e instrumentos. Assim, o sujeito</p><p>tem um lugar ativo no seu próprio processo de aprendizagem por meio do desejo, da</p><p>investigação e da sua ação no mundo.</p><p>Vimos que, dadas a dinamização das informações e dos espaços educacionais, o</p><p>foco dos espaços de aprendizagem não pode mais estar na oferta de conteúdos</p><p>e sim na promoção da aprendizagem por meio da troca e do desenvolvimento da</p><p>autonomia no aprender, tendo os educadores como facilitadores desse processo.</p><p>Ou seja, os educadores têm como papel promover situações de aprendizagem</p><p>apropriadas, ofertando espaços adequados e planejados e evitando possíveis</p><p>variáveis prejudiciais ao processo.</p><p>Observamos que não aprendemos apenas conteúdos, mas também como agir no</p><p>mundo e que melhorar esse agir desenvolvendo competências e habilidades. Essas</p><p>competências são aptidões que formamos no decorrer da vida por meio dos nossos</p><p>conhecimentos, habilidades e atitudes que agregam valor tanto para o indivíduo</p><p>quanto para as organizações às quais nos vinculamos. Já as habilidades, que são</p><p>29</p><p>parte das competências, são aquelas coisas que sabemos fazer. Referem-se a ser</p><p>hábil em uma atividade – seja física ou mental – e devem ser desenvolvidas junto a</p><p>outros componentes das competências (conhecimentos e atitudes) para se tornarem</p><p>mais relevantes.</p><p>Assim, para desenvolver habilidades e competências, é importante criticar uma visão</p><p>totalmente mercadológica,</p><p>que vise apenas o lucro. Também não devemos nos ater</p><p>àquelas características que contêm apenas valor pessoal. É preciso desenvolver</p><p>valores e capacidades de importância pessoal e coletiva, tendo inclusive como</p><p>ferramenta a atuação do educador para facilitar tal processo. A pedagogia das</p><p>competências é um convite aos que atuam no processo de aprendizagem, das mais</p><p>diversas áreas, a basear suas práticas não na transferência de informação, mas no</p><p>desenvolvimento de valores relevantes para si e para o mundo.</p><p>30</p><p>Referências</p><p>ALVES, R . A pedagogia dos caracóis. Campinas: Verus, 2011.</p><p>ANDERSON, C. A cauda longa: do mercado de massa para o mercado de nicho. Rio</p><p>de Janeiro: Elsevier, 2006.</p><p>ANOTHER Brick In The Wall. Música de Pink Floyd. Londres: Harvest Records; Nova</p><p>Iorque: Columbia, 1979. (6min. 22s.), son., color.</p><p>ARAUJO, R. M. L. As referências da pedagogia das competências. Perspectiva.</p><p>Florianópolis, v. 22, n. 02, pp. 497-524, jul./dez. 2004.</p><p>BLOOM, B. Taxonomy of educational objectives: the classification of educational</p><p>goals. Londres: Longman, 1956.</p><p>BOFF, L. A águia e a galinha. São Paulo: Vozes, 2017.</p><p>CARVALHO, J. S. F. Pedagogia das competências. 2012. 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