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<p>Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)</p><p>(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)</p><p>Frigotto, Gaudêncio</p><p>Educação e a crise do capitalismo real / Gaudêncio Frigotto.</p><p>- 6. ed. - São Paulo: Cortez, 2010.</p><p>ISBN 978-85-249-1616-8</p><p>1. Desemprego 2. Educação profissional 3. Sociologia educa-</p><p>cional4. Trabalho e classes trabalhadoras - Educação L Título.</p><p>10-05930 CDD-370.113</p><p>índices para catálogo sistemático:</p><p>1. Crise do trabalho: Efeitos da educação 370.113</p><p>Gaudêncio Frigotto</p><p>Educação e a crise</p><p>do capitalismo real</p><p>6a edição</p><p>@CDRTEZ</p><p>~EDITOR~</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL</p><p>Gaudêncio Frigotto</p><p>Capa:aeroestúdio</p><p>Preparação de originais: Elisabeth S. Matar</p><p>Revisão: Maria de Lourdes de Almeida</p><p>Composição: Linea Editora Ltda.</p><p>Coordenação editorial: Danilo A. Q. Morales</p><p>Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização</p><p>expressa do autor e do editor.</p><p>© 1995 by Gaudêncio Frigotto</p><p>Direitos para esta edição</p><p>CORTEZ EDITORA</p><p>Rua Monte Alegre, 1074 - Perdizes</p><p>05014-001- São Paulo - SP</p><p>Tel.: (11) 3864-0111 Fax: (11) 3864-4290</p><p>E-mail: cortez@cortezeditora.com.br</p><p>www.cortezeditora.com.br</p><p>Impresso no Brasil- setembro de 2010</p><p>Em memória ao meu velho pai Miguel Domingos, de</p><p>quem guardo imensa saudade.</p><p>À lrma que, com dignidade, luta por ver reconhecidos</p><p>seus direitos de mulher camponesa e que me dá força nos</p><p>pequenos e grandes embates.</p><p>À Edith Ione, companheira no amor, nos sonhos e na</p><p>construção humana e intelectual.</p><p>À Giovana, Larissa e Alexandra que me asseguram sem</p><p>dizê-Ia, que é preciso ter utopia, pois nela reside a esperan-</p><p>ça de um novo modo de fazer a aventura humana.</p><p>Às Sandras e aos Eribertos, símbolos de uma nova cons-</p><p>ciência que emerge das classes populares historicamente</p><p>silenciadas pela violência, arbítrio e exclusão social.</p><p>lêCDRTEZ</p><p>'5EDITORA</p><p>Sumário</p><p>,'i Ias 9</p><p>Pr fácio 11</p><p>Introdução..................................................................................... 17</p><p>I. A EDUCAÇÃO COMO CAMPO SOCIAL DE DISPUTA</p><p>HEGEMÔNICA...................................................................... 27</p><p>1. A segmentação e fragmentação como estratégias da</p><p>subordinação dos processos educativos ao capital... 32</p><p>2. A educação alçada a capital humano - uma</p><p>esfera específica das teorias de desenvolvimento...... 43</p><p>3. Os homens de negócio, a sociedade do conhecimento</p><p>e o fim da sociedade do trabalho................................. 56</p><p>11. NATUREZA, ESPECIFICIDADE E CUSTOS HUMANOS</p><p>DA CRISE DOS ANOS 1970-1990 63</p><p>1. Natureza e especificidade da crise: o esgotamento</p><p>do Estado de Bem-Estar e do modelo fordista de</p><p>acumulação e regulação social., :..................... 66</p><p>1.1 A natureza estrutural da crise 67</p><p>1.2 A especificidade da crise do Estado de Bem-Estar</p><p>e do modelo fordista de regulação social............ 73</p><p>2. Os caminhos alternativos de enfrentamento da crise.. 83</p><p>3. Os custos sociais e humanos da alternativa</p><p>neoconservadora , 89</p><p>8 GAUD~NClO FRIGOTTO</p><p>11I. O FIM DA SOCIEDADE DO TRABALHO E A NÃO</p><p>CENTRALIDADE DO TRABALHO NA VIDA</p><p>HUMANA............................................................................... 97</p><p>1. A crise da sociedade do trabalho e a não</p><p>centralidade do trabalho............................................... 98</p><p>1.1 Claus Offe e a tese da perda da centralidade</p><p>do trabalho na vida social...................................... 102</p><p>1.2 Adam Schaff e o anúncio do fim do trabalho</p><p>abstrato na sociedade inÍormática 106</p><p>1.3 Robert Kurz e o colapso da modernização:</p><p>a crise do trabalho abstrato.................................... 110</p><p>2. Da compreensão da crítica da centralidade do</p><p>trabalho à crítica da crítica 114</p><p>IV. EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO HUMANA: AJUSTE</p><p>NEOCONSERVADOR E ALTERNATIVA</p><p>DEMOCRÁTICA.................................................................... 144</p><p>1. Os apologetas da sociedade do conhecimento e os</p><p>homens de negócio blefam e apostam no cinismo? 146</p><p>2. Formação e qualificação abstrata e polivalente e</p><p>a defesa do Estado mínimo: a nova (de)limitação</p><p>do campo educativo na lógica da exclusão 149</p><p>3. A formação humana unitária e politécnica:</p><p>o horizonte dos processos educativos que se</p><p>articulam aos interesses da classe trabalhadora 182</p><p>3.1 Escola unitária e politécnica: a formação na</p><p>óptica da emancipação humana............................ 184</p><p>3.2 A dilatação da esfera pública: da resistência</p><p>à alternativa política ao neoconservadorismo</p><p>na educação.............................................................. 194</p><p>V. CONCLUSÃO 207</p><p>Referências bibliográficas............................................................ 221</p><p>~CDRTEZ~EDITOR~ 9</p><p>Siglas</p><p>ANPEd Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em</p><p>Educação</p><p>BlO Banco Interamericano de Desenvolvimento</p><p>BIRO Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento</p><p>CAM Computer Aided Manufacturing</p><p>CBAl Comissão Brasileiro-Americano de Educação Industrial</p><p>COA Computer Aided Design</p><p>CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e Caribe</p><p>CESIT Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho</p><p>(Universidade Estadual de Campinas - SP)</p><p>CIAC Centro Integrado de Atenção à Criança</p><p>CIEP Centro Integrado de Educação Pública</p><p>INTERFOR Centro Interamericano de Pesquisa e Documentação</p><p>sobre Formação Profissional</p><p>CNI Confederação Nacional da Indústria</p><p>CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e</p><p>Tecnológico</p><p>OOEPLAN Companhia do Desenvolvimento do Planalto Central</p><p>CRUB Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras</p><p>CUT Central Única dos Trabalhadores</p><p>FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo</p><p>FMI Fundo Monetário Internacional</p><p>10 GAUDtNClO FRIGOnO</p><p>GAIT Acordo Geral de Tarifas e Comércio</p><p>IBAD Instituto Brasileiro de Ação Democrática</p><p>IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística</p><p>IEDI Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial</p><p>IEL Instituto Euvaldo Lodi</p><p>lliL Instituto Herbert Levy</p><p>IPES Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais</p><p>LDB Lei de Diretrizes e Bases</p><p>OEA Organização dos Estados Americanos</p><p>OIT Organização Internacional do Trabalho</p><p>ONU Organização das Nações Unidas</p><p>OREALC Oficina Regional de Educación para America Latina y</p><p>Caribe</p><p>PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento</p><p>PT Partido dos Trabalhadores</p><p>SENAC Serviço Nacional da Aprendizagem Comercial</p><p>SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial</p><p>TWI Trainning Within Industry</p><p>UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação,</p><p>Ciência e Cultura</p><p>USAID United States Aid Internacional Development</p><p>taCDRTEZ</p><p>~EDITORr:l 11</p><p>Prefácio</p><p>Os socialistas estão aqui para lembrar ao mundo que em</p><p>primeiro lugar devem vir as pessoas e não a produção. As</p><p>pessoas não podem ser sacrificadas. Nem tipos especiais de</p><p>pessoas - os espertos, os fortes, os ambiciosos, os belos,</p><p>aquelas que podem um dia vir a fazer grandes coisas - nem</p><p>qualquer outra. Especialmente aquelas que são apenas pessoas</p><p>comuns (...). É delas que trata o socialismo; são elas que o</p><p>socialismo defende. O futuro do socialismo assenta-se no fato</p><p>de que continua tão necessário quanto antes, embora os argu-</p><p>mentos a seu favor não sejam os mesmos em muitos aspectos.</p><p>A sua defesa assenta-se no fato de que o capitalismo ainda cria</p><p>contradições e problemas que não consegue resolver e que</p><p>gera tanto a desigualdade (que pode ser atenuada através de</p><p>reformas moderadas) como a desumanidade (que não pode</p><p>ser atenuada).</p><p>ERIC HOBSBAWM (1992b)</p><p>/\ pígrafe de Hobsbawm é apropriada para começar estas</p><p>I11'('V 'S palavras sobre o novo livro de Gaudêncio Frigotto. Não</p><p>IIII( 'nc porque o historiador inglês constitui urna das referências</p><p>111'1'111, nentes (tácitas ou explícitas) desta obra, mas também</p><p>!lI )I'q LI o seu conteúdo resume três das principais razões que</p><p>111' (')'1 tam a estimulante reflexão teórica aqui proposta pelo</p><p>1111101' do presente volume. Primeiramente, a necessidade de</p><p>12 GAUD~NClO FRIGOnO</p><p>pensar as condições históricas que dão origem à profunda cri-</p><p>se que atravessa hoje o capitalismo real, ultrapassando as visões</p><p>apologéticas e apocalípticas. Em segundo lugar, a opção por</p><p>realizar</p><p>list~ que desenvolveram amplas análises enfatizando que a</p><p>maior produtividade se dá pelo desenvolvimento de atitudes</p><p>adequadas e funcionais ao mundo do trabalho. Autores como</p><p>Bowles (1972) e Gintis (1971), conhecidos como radicais ameri-</p><p>canos, por suas análises terem uma inspiração marxista, enfati-</p><p>zam os aspectos do disciplinamento e das atitudes, focalizando</p><p>não apenas a questão da funcionalidade, mas sobretudo da</p><p>reprodução dos interesses do capital.</p><p>O conjunto de postulados básicos da teoria do capital</p><p>humano teve profunda influência nos (des)caminhos da con-</p><p>cepção, políticas e práticas educativas no Brasil, sobretudo, na</p><p>fase mais dura do golpe militar de 1964, anos 1968 a 1975.</p><p>No plano da política, de forma autocrática, o economicis-</p><p>mo serviu às forças promotoras do golpe, da base conceptual e</p><p>técnica à estratégia de ajustar a educação ao tipo de opção por</p><p>um capitalismo associado e subordinado ao grande capital. A</p><p>reforma universitária de 1968 e, sobretudo, a Lei de Diretrizes</p><p>e Bases da Educação Nacional, de 1971, corporificam a essência</p><p>deste ajuste.</p><p>A crítica à teoria do capital humano no plano internacional</p><p>e n~cional ~ão é recente. É ampla e bastante completa. No pla-</p><p>no internacional, além das análises anteriormente indicadas de</p><p>Bowles e Gintis, destacaria os trabalhos de Camoy (1987), La-</p><p>barca (1977), Finkel (1977 e 1990) e Hirchen e Kohler (1987). No</p><p>plano nacional, este debate desenvolve-se no interior do movi-</p><p>mento de redemocratização da sociedade brasileira. Desta-</p><p>cam-se os trabalhos de Rossi (1978), Galvan (1979), Salm (1980)</p><p>e Arapiraca (1982).</p><p>O objeto de tese de doutorado que desenvolvemos no</p><p>início dos anos 1980, publicado com o título A produtividade da</p><p>escola improdutiva, tem como eixo central de análise, a crítica ao</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL</p><p>47</p><p>caráter circular e positivista da teoria do capital humano e a ex-</p><p>plicitação das condições históricas, no interior do capitalismo</p><p>monopolista. que a produz. Por fim, um debate com as diferen-</p><p>tes perspectivas "críticas" da "teoria" do capital humano no</p><p>ampo educacional e suas implicações político-práticas para a</p><p>organização da educação que se articula aos interesses da(s)</p><p>lasse(s) trabalhadora(s) (Frigotto, 1984).</p><p>Sobre este aspecto, buscamos mostrar que a questão não</p><p>se situa, como as análises insistiam, na perspectiva de um linear</p><p>vínculo reprodutivista que tornava a escola um locus por exce-</p><p>lência produtor de mais-valia relativa (Rossi, 1978; Galvan,</p><p>1979) ou da tese do desvínculo que postulava que o capital</p><p>prescinde da escola (Salm, 1980). A escola é uma instituição</p><p>social que mediante suas práticas no campo do conhecimento,</p><p>valores, atitudes e, mesmo, por sua desqualificação, articula</p><p>determinados interesses e desarticula outros. No plano especi-</p><p>ficamente econômico, movimenta uma fatia do "fundo público"</p><p>que se constitui em pressuposto de investimentos produtivos.</p><p>O Programa de Merenda Escolar exemplifica, de forma clara, a</p><p>relação de enormes somas de recursos desse fundo que, como</p><p>demonstra Gianotti (1983, p. 268-275), mesmo sendo uma exie-</p><p>rioridade do capital, cumprem uma função crucial na realização</p><p>da mais-valia.</p><p>Uma síntese densa da trajetória da construção e desconstrução</p><p>da teoria do capital humano, no Brasil, nos anos 1980, é realizada</p><p>na tese de doutoramento por Luiz C. Basilio (1993).</p><p>Este mesmo debate, no contexto da crítica à matriz con-</p><p>ceptual que embasava as políticas e a organização da educação</p><p>nos longos anos da ditadura, está fortemente presente nas aná-</p><p>lises da Sociologia da Educação, realizadas por Cunha (1975,</p><p>1977), Warde (1979) e Paiva (1973); na administração e gestão</p><p>educacional, Felix (1984) e Paro (1986); e, no plano mais amplo</p><p>da Filosofia, Cury (1981) e Savianí (1980, 1986, 1989).</p><p>48 GAUDtNCIO FRIGOnO</p><p>Nos anos 1980, não só os debates dos educadores (Con-</p><p>ferências Brasileiras de Educação, reuniões científicas anuais</p><p>da ANPEd, seminários regionais de pesquisa), mas também as</p><p>publicações, sinalizavam que a crítica, para ser efetiva, não</p><p>basta engendrar a denúncia e a resistência, mas necessita abrir</p><p>perspectivas para as alternativas. O lema básico da Primeira</p><p>Conferência Brasileira de Educação (São Paulo, 1980) foi: in-</p><p>verter o sinal. Neste processo de inversão de sinal, as análises</p><p>dos movimentos sociais e os próprios movimentos fecundam</p><p>e ampliam a compreensão do educativo. Primeiramente se</p><p>ampliam as análises que buscam entender os processos edu-</p><p>cativos que se dão no conjunto das relações e lutas sociais e,</p><p>então, a problemática da escola é apreendida em sua relação</p><p>com estas lutas.</p><p>No âmbito da educação, o trabalho, na perspectiva mar-</p><p>xista de categoria ontológica e econômica central, constitui-se,</p><p>ao mesmo tempo, em um dos eixos mais debatidos tanto para</p><p>a crítica da perspectiva economicista, instrumentalista e mora-</p><p>lizante de educação e qualificação, como na sinalização de que</p><p>tipo de concepção de educação e de qualificação humana se</p><p>articula às lutas e interesses das classes populares."</p><p>A perspectiva moralista e higiênica do trabalho desenvol-</p><p>veu-se, no Brasil, desde o século passado, inicialmente as Es-</p><p>colas de Artes e Ofícios, para os desvalidos da sorte. Mais tarde,</p><p>nos anos 1930, foi reiterada pela Igreja Católica com o apoio do</p><p>governo Vargas, nos círculos operários, como antídoto ao peri-</p><p>9. É importante registrar que, ao falarmos dos interesses populares, não nos</p><p>filiamos na perspectiva daqueles que tomam como sendo estes interesses as misti-</p><p>ficações impostas à classe trabalhadora pelos aparelhos de hegemonia, sobretudo a</p><p>mídia. As mistificações populístas do saber popular, por vezes, têm um efeito polí-</p><p>tico tão perverso quanto aqueles que negam, in limine, a existência de um saber nas</p><p>classes populares. Penso que as análises de Gramsci sobre a questão do "senso co-</p><p>mum" (1978a) e de Kosik (1986) sobre pseudoconcreticidade e" a metafísica da vida</p><p>cotidiana", são balizarnentos fundamentais para não se cair nesta armadilha.</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 49</p><p>go da influência comunista. Atualmente reedita-se, como pa-</p><p>naceia para resolver (aumentar) a penalização dos aproxima-</p><p>damente cinco milhões de meninos e meninas que sobrevivem</p><p>nas ruas.</p><p>A óptica instrumentalista e pragmática, na vertente de ade-</p><p>quação ao mercado de trabalho, é desenvolvida nos anos 1940</p><p>com a criação da rede de escolas técnicas industriais e agrícolas,</p><p>SENAI e SENAC e, posteriormente, com a Lei n. 5.692/71,</p><p>ainda em vigor, com várias modificações, que define a profis-</p><p>sionalização compulsória no primeiro e segundo graus. Mani-</p><p>festa-se, esta última, numa perspectiva pedagogista do apren-</p><p>der-fazendo, muito em voga para justificar as escolas-produção.</p><p>No Capítulo IV mostraremos que esta perspectiva instrumen-</p><p>talista e imediatista continuam sendo a dominante, ainda que</p><p>os homens de negócio defendam uma formação e qualificação</p><p>geral, abstrata e polivalente.</p><p>Além do pensamento de Marx, debatido em alguns cursos</p><p>de pós-graduação (poucos), as obras de autores como Hobsbawm</p><p>(1981e 1987),Thompson (1989e 1991),Gramsci (1978),Vázquez</p><p>(1977), Schaff (1990), Manacorda (1990 e 1991), Braverman</p><p>(1977), Gorz (1980), Coriat (1989e 1994) e Enguita (1989, 1991),</p><p>entre outros, vão ter uma significativa influência para as análi-</p><p>ses da relação trabalho-educação no final da década de 1980 e</p><p>início da década de 1990. Embora a leitura dominante, como</p><p>mostra Arroyo (1991), venha demarcada por uma perspectiva</p><p>pessimista e de negatividade do trabalho e uma consequente</p><p>fixação na tese da resistência, há um salto qualitativo na análise</p><p>pedagógica. De outra parte, a crescente e fecunda aproximação</p><p>dos pesquisadores em educação, através dos programas de</p><p>pós-graduação e mediante a Associação Nacional de Pesquisa</p><p>e Pós-Graduação em Educação (ANPEd), com as Ciências So-</p><p>ciais permitiu uma abertura de análise. Esta aproximação</p><p>deu-se, sobretudo, no âmbito da História, Sociologia, Ciência</p><p>Política, Economia e, em menor proporção, na Antropologia.</p><p>50 GAUDtNCIO FRIGOnO</p><p>Esta última,</p><p>todavia, parece penetrar no campo educativo por</p><p>seu elo menos denso para a compreensão da educação no âm-</p><p>bito das relações sociais. Aparece, muitas vezes, como reificação</p><p>do singular, do diferente e da particularidade em contraposição</p><p>às análises de caráter mais estrutural.</p><p>O campo educativo, dominantemente aprisionado no pla-</p><p>no pedagógico escolar, alarga seu locus para o plano do conjun-</p><p>to das práticas e relações sociais, e a educação, como apontamos</p><p>anteriormente, passa a ser concebida como uma prática consti-</p><p>tuída e constituinte destas relações sociais. Arroyo, um dos</p><p>educadores que mais tem contribuído neste período para a</p><p>apreensão do educativo no tecido das relações sociais, ao exa-</p><p>minar como historicamente o mundo da produção se constitui</p><p>num espaço onde tanto a burguesia busca fabricar e formar o</p><p>trabalhador que lhe convém, como este luta, mediante suas</p><p>organizações, para superar os processos de alienação, indaga:</p><p>Se é aí que a burguesia e as classes trabalhadoras colocam o locus</p><p>do educativo, por que a história da pedagogia teima em situá-Ia,</p><p>e até exclusivamente, na escola? (Arroyo, 1987, p. 91)</p><p>O trabalho de Kuenzer (1985), A pedagogia da fábrica: as</p><p>relações de produção e a educação do trabalhador, inaugura, no âm-</p><p>bito educacional, a busca de se apreender, no tecido complexo</p><p>e diferenciado do mundo da produção e do trabalho, os pro-</p><p>cessos educativos em embate. O número de pesquisas, espe-</p><p>cialmente dissertações e teses, que seguem esta perspectiva tem</p><p>se ampliado significativamente.</p><p>Três trabalhos, sendo dois coletâneas, apreendem, na dé-</p><p>cada de 1980, o movimento de inversão do eixo na apreensão</p><p>da relação educação, escola-trabalho para trabalho-educação.</p><p>Uma primeira coletânea, Trabalho e conhecimento: dilemas</p><p>na educação do trabalhador (Frigotto, 1987),com textos de Arroyo,</p><p>Arruda, Gomez e Nosella, de um lado identifica a "superficia-</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 51</p><p>lidade teórica" do debate sobre trabalho-educação mediante</p><p>uma homogeneização do discurso e a não historicização da</p><p>categoria valor-trabalho e capital-trabalho (Frigotto) e de outro</p><p>explicita, no plano histórico mais amplo (Nosella e Arroyo) e</p><p>no plano das relações de produção atuais (Gomez e Arruda),</p><p>como esta relação se produz.</p><p>Na mesma época, e dentro da mesma perspectiva, Kuenzer</p><p>(1987) faz um amplo balanço da relação trabalho-educação no</p><p>Brasil. Este inventário resulta, ao mesmo tempo, do esforço de</p><p>aprofundamento teórico e de definição de diretrizes políticas</p><p>alternativas à tradição economicista dominante.</p><p>A segunda coletânea, organizada por Silva (1991),Trabalho,</p><p>educação e prática social: por uma teoria da formação humana, expõe</p><p>análises que focalizam a contradição da negatividade e da po-</p><p>sitividade do trabalho sob as relações capitalistas de produção</p><p>(Thompson, Manacorda, Lerena, Enguita, Silva, Arroyo); o</p><p>sentido do trabalho como princípio educativo em Gramsci</p><p>(Nosella) e as bases do embate da concepção e prática educati-</p><p>va, na perspectiva de uma formação humana dentro dos inte-</p><p>resses unidimensionais do capital e da luta por uma formação</p><p>omnilateral ou politécnica na óptica dos interesses dos trabalha-</p><p>dores (Frigotto).</p><p>Ao mesmo tempo que este debate se delineia no âmbito</p><p>da construção teórica, exercita-se no plano do embate político</p><p>e organizativo da educação, tanto no contexto do processo</p><p>constituinte, quanto no processo de elaboração e definição da</p><p>nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que está</p><p>em gestação desde 1988. A luta, no plano das diretrizes e no</p><p>plano das bases (condições de concretização das diretrizes),</p><p>dá-se dentro de um tecido social e cultural onde as elites diri-</p><p>gentes fazem o discurso da modernidade, mas estão prenhes</p><p>das práticas escravocratas, esta mentais e oligárquicas. Como</p><p>nos mostra Francisco de Oliveira (1992), Collor é a expressão</p><p>paradigmática da falsificação da modernidade.</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Edited by Foxit Reader</p><p>Copyright(C) by Foxit Software Company,2005-2008</p><p>For Evaluation Only.</p><p>52 GAUDÊNClO FRIGOnO</p><p>o início dos anos 1990 sinaliza, ao mesmo tempo, um</p><p>processo de aprofundamento da relação trabalho-educação, um</p><p>aumento significativo de pesquisadores da área que se preo-</p><p>cupam com essa temática'? e a busca, tanto no plano teórico,</p><p>como no plano político organizativo, da rediscussão da função</p><p>social da escola no conjunto das lutas pela efetiva democrati-</p><p>zação da sociedade brasileira.</p><p>Em relação à concepção da escola, o eixo básico centra-se</p><p>na questão da escola unitária, formação tecnológica ou politécni-</p><p>ca e no aprofundamento do sentido é das implicações políti-</p><p>co-práticas de tomar-se o trabalho como princípio educativo.</p><p>Trata-se de uma perspectiva que demarca, como explicitaremos</p><p>mais detalhadamente no último capítulo, uma clara contrapo-</p><p>sição às teses do neoconservadorismo que, definindo o merca-</p><p>do como o sujeito regulador da concepção e da organização da</p><p>educação, tende a etemizar a concepção instrumentalista, dua-</p><p>lista, fragmentária, imediatista e interesseira de formação huma-</p><p>na. Inúmeros trabalhos expõem este debate, entre eles, Macha-</p><p>do (1989, 1992),Kuenzer (1989, 1991, 1992), Saviani (1988, 1989),</p><p>Frigotto (1991a), Nosella (1992, 1993), Warde (1993), Market</p><p>(1992) e Rodrigues (1993).</p><p>O trabalho de Nosella sobre A escola de Gramsci (1992),pela</p><p>influência que Gramsci teve na área desde o início da década de</p><p>1980 e pelo nível de aprofundamento atingido em relação à</p><p>questão da escola unitária, educação tecnológica, enquanto an-</p><p>títese à visão interesseira e imediatista dos homens de negócio, é o</p><p>que mais avança neste debate. Trata-se de um esforço de precisar</p><p>questões que vêm carregadas de ambiguidade. Na mesma dire-</p><p>10.José dos Santos Rodrigues, ao levantar a participação das reuniões anuais</p><p>da ANPEd, desde 1989, mostra que no conjunto dos treze grupos de trabalho</p><p>institucionalizados na (ANPEd), o GT trabalho-educação, neste período, agre-</p><p>gava a participação de mais de 20% do total de participantes (Rodrigues, 1993,</p><p>p.23-24).</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 53</p><p>ção, O trabalho de Rodrigues, A educação politécnica no Brasil:</p><p>concepçãoem construção (1984-1992),nos permite, de forma densa,</p><p>apreender as diferentes nuances do debate sobre esta questão e</p><p>o tecido de realidade do qual tais análises emanam.</p><p>Este debate crítico nos auxilia, hoje, a perceber que o res-</p><p>gate das concepções marxistas de formação humana politécni-</p><p>ca ou omnilateral emerge no terreno das contradições do capi-</p><p>talismo neste final de século. O risco que se pode correr neste</p><p>campo é o mesmo para o qual Francisco de Oliveira chama</p><p>atenção em relação à análise econômica, que é o de transformar</p><p>a teoria marxista de crítica ao capitalismo em modelo ou aplicada</p><p>para resolver problemas operativos de política econômica= Esta ten-</p><p>dência certamente tem se manifestado de diferentes modos em</p><p>relação à concepção de politecnia. No âmbito do esquerdismo,</p><p>transformou-se em bandeira de palanque ou em novo jargão</p><p>da moda e, no âmbito da burocracia e tecnocracia do MEC e</p><p>dos organismos, instituições ou intelectuais zeladores da "for-</p><p>mação" que convém aos homens de negócio, em uma perspectiva</p><p>que ameaça acabar o que sefez e vem fazendo de bom em termos de</p><p>formação técnico-profissional.</p><p>A partir de 1990, uma nova categoria é incorporada ao</p><p>debate da relação trabalho-educação: a tecnologia. Este tema</p><p>tem tido sido enfatizado nas reuniões anuais da ANPEd, nas</p><p>Conferências Brasileiras de Educação e na participação da área</p><p>nas duas últimas reuniões de SBPC (1992 e 1993). Os debates</p><p>estão expostos em três coletâneas e outros trabalhos publicados</p><p>isoladamente em diferentes espaços.</p><p>A primeira coletânea, Sistemas educacionais e novas iecnolo-</p><p>gias, reúne textos de educadores que examinam a natureza e o</p><p>impacto das novas tecnologias sobre a sociedade, o trabalho e</p><p>a educação (Tempo Brasileiro, n. 105, jul. 1991).</p><p>11.Verentrevista de Francisco de Oliveira, "Marxismo não é modelo, é crítica",</p><p>Folha de S.Paulo, 13 jun. 1993.</p><p>54 GAUDÊNCIO FRIGOnO</p><p>A segunda</p><p>coletânea reúne textos de sociólogos, economis-</p><p>tas e cientistas políticos, trabalhando casos específicos do im-</p><p>pacto das novas tecnologias sobre o trabalho, o sindicalismo e</p><p>a formação dos trabalhadores (Educação & Sociedade, abro 1992).</p><p>Finalmente, a terceira coletânea, Trabalho-educação,conden-</p><p>sa um esforço conjunto de reflexão de sociólogos e educadores</p><p>na compreensão da natureza da nova base tecnológica e seu</p><p>impacto sobre o processo de trabalho e a formação humana</p><p>(vários autores, Papirus, 1992).</p><p>Este esforço de trabalho conjunto, se de um lado nos tem</p><p>ajudado a avançar sobre as perspectivas mistificadoras da</p><p>ciência e da tecnologia, tornadas corno variáveis suprassociais,</p><p>e as visões pessimistas e catastróficas, de outro tem permitido</p><p>apreender as tensões das análises em relação à educação. Des-</p><p>ta terceira coletânea destacamos os trabalhos de Machado</p><p>(1992), Magda Neves (1992) e Rezende Pinto (1992).</p><p>A análise de Machado sobre as mudanças tecnológicas e a</p><p>educação da classe trabalhadora enfatiza, sobretudo, a natureza da</p><p>qualificação numa perspectiva marxista e a especificidade da</p><p>nova base técnica do processo de produção. O trabalho de</p><p>Magda Neves tensiona as análises homogeneizadoras sobre as</p><p>novas tecnologias e mostra, mediante suas pesquisas, que na</p><p>realidade brasileira convivem formas tayloristas, fordistas e</p><p>pós-fordistas de organização e gestão do trabalho. Ao ressaltar</p><p>o caráter social das novas tecnologias, Neves nos mostra que a</p><p>positividade ou negatividade da nova base técnica está inscri-</p><p>ta nas relações de força concretas no plano político, econômico</p><p>e cultural mais amplo. O terceiro trabalho de Rezende Pinto,</p><p>Pessoas inteligentes trabalhando com máquinas ou máquinas inteli-</p><p>gentes substituindo trabalho humano], inscreve-se entre aqueles</p><p>que diagnosticam as demandas da nova base técnica dos seto-</p><p>res de ponta do processo produtivo e busca averiguar corno os</p><p>sistemas educacional e o de formação técnico-profissional po-</p><p>dem lhes ser funcionais. Por este caminho entende que a for-</p><p>mação para esta nova base técnica tem que tender à formação</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 55</p><p>abstrata, à policognição ou polivalência e vê corno desintegra-</p><p>dora a perspectiva da formação politécnica.</p><p>As análises de Machado e Neves, assinaladas anteriormen-</p><p>te, são também trabalhadas pelas contribuições de outros pes-</p><p>quisadores da área de Ciências Sociais que participaram dos</p><p>debates neste período com os educadores. Destaco as análises</p><p>de Nádya Castro (1992), R. P.Castro (1994), Helena Hirata (1991,</p><p>1993 e 1994), M. Salerno (1992 e 1994), Freyssenet (1992 e 1993),</p><p>Ferretti (1994) e Coraggio (1993).</p><p>Este rápido balanço da crítica ao reducionismo economi-</p><p>cista consubstanciado na educação pela "teoria do capital hu-</p><p>mano", corno salientamos, teve corno eixo central a categoria</p><p>trabalho. Por esta via não só o educativo é concebido corno</p><p>tendo seu locus no conjunto das relações e práticas sociais, corno</p><p>a escola, enquanto aparelho de luta hegemônica, passa a ser</p><p>entendida não corno reflexo das relações sociais, aparelho ape-</p><p>nas reprodutor das relações dominantes, mas ela mesma cons-</p><p>tituinte das relações sociais. No plano da análise crítica isto</p><p>significou, ao mesmo tempo, urna superação da visão simples-</p><p>mente reprodutora da escola e da educação, discutido no âm-</p><p>bito da Economia da Educação, a visão conspiratória de Rossi</p><p>e Galvan, ou aparelho ideológico descolado da base material,</p><p>corno analisa Salm (1980).12 Ou seja, rompeu-se com a visão que</p><p>busca apreender o vínculo ou a falta de vínculo linear dos pro-</p><p>cessos educativos com o sistema produtivo, para situá-los no</p><p>12. É nítida, nestas análises, a influência da leitura althusseriana da teoria</p><p>marxista de ideologia, onde a mesma é apreendida de forma descolada da base</p><p>material. Portanto, não a tomam, ela mesma, como um elemento constitutivo da</p><p>própria materialidade dos processos sociais. O grande sucesso dos textos althus-</p><p>serianos e, sobretudo do texto sobre os "aparelhos ideológicos de Estado", e mes-</p><p>mo o sucesso do livro de Bourdieu e Passeron - A reprodução - mais que outros</p><p>textos importantes de Bourdieu, se de um lado podem ser interpretados por uma</p><p>espécie de resistência ao aprofundamento das análises, de outro deve-se reconhe-</p><p>cer que, na conjuntura do início dos anos 1970,sob a violência da ditadura, assu-</p><p>miam uma espécie de efeito catártico.</p><p>56 GAUDÊNClO FRIGOnO</p><p>plano das mediações concretas constitutivas dos processos</p><p>sociais, onde a estrutura e superestrutura formam, na expressão</p><p>gramsciana, um bloco histórico.</p><p>Este percurso de duas décadas de construção teórica e de</p><p>luta no plano político organizativo da escola, conjunturalmen-</p><p>te, teve como espaço de embate o complexo, tortuoso e incon-</p><p>cluso processo de "transição" democrática e, dentro dele, o</p><p>processo de promulgação de uma nova Constituição e uma</p><p>nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Inúmeros</p><p>são os documentos que fazem o balanço do andamento das</p><p>démarches deste processo no campo da educação.</p><p>As grandes esperanças alimentadas pelas negociações a</p><p>partir de um projeto encampando boa parte das lutas históricas</p><p>dos educadores, com a vitória de Collor e a nova correlação de</p><p>forças no Congresso, aumentaram a cada dia sua desfiguração,</p><p>levando Florestan Fernandes (1992), numa análise deste pro-</p><p>cesso, a afirmar que a nova LDB estava sendo mutilada, cor-</p><p>rendo o risco de se transformar num frankenstein. Como veremos</p><p>no último capítulo, as definições que vão se solidificando na</p><p>nova LDB, pelo que a Câmara aprovou, explicitam claramente</p><p>o velho dilema da burguesia em matéria da função econômi-</p><p>co-social da educação. Este dilema, entre nós, se apresenta de</p><p>um lado pela demanda de ampliação da escola básica e uma</p><p>nova qualidade da mesma como exigência das necessidades da</p><p>nova base técnica do processo produtivo, dos processos de</p><p>reconversão tecnológica e, de outro, pela dificuldade de liberar</p><p>o campo educativo da esfera privada do mercado.</p><p>3. Os homens de negócio, a sociedade do conhecimento e o fim</p><p>da sociedade do trabalho</p><p>Os debates do início da década de 1990 sobre a natureza</p><p>das novas tecnologias caracterizadas como configuradoras da</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 57</p><p>Terceira Revolução Industrial, as mudanças na base técnica da</p><p>produção e o impacto sobre o conteúdo do trabalho, divisão do</p><p>trabalho e qualificação e formação humana nos permitem iden-</p><p>tificar uma problemática que se expõe como desafio teórico e</p><p>político prático para quem tomou como eixo de compreensão</p><p>dos processos educativos e da organização da escola unitária e</p><p>politécnica, a categoria trabalho.</p><p>Este desafio, que neste trabalho buscamos abordar e con-</p><p>figurar na sua anatomia mais geral e apenas referi-lo aos em-</p><p>bates concretos da realidade brasileira e latino-americana, se</p><p>manifesta em dois níveis diversos de problematicidade sobre</p><p>a mesma base histórico-material.</p><p>O primeiro desafio materializa-se no esforço de atender</p><p>novas formas de sociabilidade do capital, a um tempo, produ-</p><p>toras e resultado da crise do "modelo" fordista de desenvolvi-</p><p>mento e, portanto, de acumulação, concentração e centralização</p><p>de capital" que regulou as relações capitalistas no último meio</p><p>século. O controle e monopólio do progresso técnico e do co-</p><p>nhecimento que está na base desta nova sociabilidade é crucial</p><p>na competição intercapitalista e na subordinação do trabalho</p><p>ao capital. Mas o conhecimento é também uma força (material)</p><p>na concretização dos interesses dos trabalhadores.</p><p>Sob este terreno real opera-se a formulação de representa-</p><p>ções - que não são maquiavélicas, mas expressão da forma</p><p>mesma de conceber a realidade - que no plano político-ideo-</p><p>lógico se explicitam nas teses da sociedade pós-industrial,</p><p>pós-capitalista, sociedade global sem classes, fim das ideologias,</p><p>13. Labini, embora não seja um autor inscrito na tradição marxista de crítica</p><p>ao processo de acumulação, nos ajuda a entender o processo de concentração ca-</p><p>pitalista. Para Labini, este processo se dá mediante três formas</p><p>básicas: "A concen-</p><p>tração das unidades de produção (que pode ser chamada de concentração técnica),</p><p>a das empresas (concentração econômica) e a das empresas produtoras de bens</p><p>diferenciados ou grupos de empresas ligados entre si, principalmente por partici-</p><p>pação acionária (acumulação financeira)" (Labini, 1972,p. 35).</p><p>58 GAUDtNCIO FRIGOnO</p><p>sociedade pós-histórica. Como demonstra Gentili (1994), a</p><p>partir de uma ampla revisão de literatura internacional, estas</p><p>teses têm como pressuposto que isto resulta de um novo mo-</p><p>delo de organização social: a sociedade do conhecimento."</p><p>No plano econômico, no nível mundial, este novo modelo</p><p>de organização social implica um novo tipo de organização</p><p>industrial, baseada em tecnologia flexível (microeletrônica as-</p><p>sociada à informática, microbiologia e novas fontes de energia),</p><p>em contraposição à tecnologia rígida do sistema taylorista e</p><p>fordista e, como consequência, um trabalhador flexível, com</p><p>uma nova qualificação humana (Gentili, 1994).</p><p>Dentro desta "nova ordem", os mesmos organismos in-</p><p>ternacionais (FMI,BID,BIRD,UNESCO, OIT,UNICEF, USAID),</p><p>organismos regionais (CEPAL, CINTERFOR, OREALC), téc-</p><p>nicos dos Ministérios da Educação e de instituições ligadas à</p><p>formação técnica, empresários e mesmo pesquisadores se-</p><p>guiam, desde o final da década de 1940, o receituário do CBAI</p><p>para estabelecer os fatores responsáveis pela eficiência de for-</p><p>mação para o trabalho." a partir da década de 1960, passam a</p><p>obedecer o receituário do economicismo e tecnicismo veicula-</p><p>dos pela teoria do capital humano que submetem o conjunto</p><p>dos processos educativos escolares ao imediatismo da forma-o</p><p>ção técnico-profissional restrita. Porém, nos anos 1980, surgem</p><p>com novos conceitos e categorias que, aparentemente, não</p><p>apenas superam aquelas perspectivas, como lhes são opostas.</p><p>Trata-se, na verdade de uma metamorfose de conceitos sem,</p><p>14. Entre os autores trabalhados por Gentili destacamos as análises de Bell</p><p>(1973,1980), Toffler (1980, 1973, 1990) e Drucker (1982, 1987).</p><p>15. De acordo com Allen e Richars, os fatores responsáveis pela eficiência da</p><p>formação técnico-profissional são: fator geral (conhecimentos gerais), manual</p><p>(habilidades), específico (conhecimentos científicosbásicos das noções tecnológicas),</p><p>tecnológico (procedimentos técnicos), administrativo (capacidade de avaliar e</p><p>organizar) e social (adaptação aos interesses da empresa e dos clientes) (apud</p><p>Vianna, 1967).</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 59</p><p>todavia, alterar-se fundamentalmente as relações sociais que</p><p>mascaram.</p><p>No plano da ordem econômica, os conceitos ou categorias</p><p>pontes são: flexibilidade, participação, trabalho em equipe,</p><p>competência, competitividade e qualidade total. No plano da</p><p>formação humana são: pedagogia da qualidade, multi-habilita- o</p><p>ção, policognição, polivalência e formação abstrata. Nesta pers- o</p><p>pectiva configura-se uma crescente unanimidade do discurso</p><p>da "modernidade" em defesa da escola básica de qualidade.</p><p>Esta mudança de enfoque seria a explicitação real de que</p><p>a "nova (des)ordem" mundial, sob a égide da sociedade do co-</p><p>nhecimenio, estaria efetivamente delineando novas relações não</p><p>classistas, pós-industriais e, portanto, de processos educativos</p><p>e de formação humana desalienados e não subordinados aos</p><p>desígnios do capital? Os homens de negócio mudaram suas con-</p><p>o cepções e seus interesses? Ou estamos diante de transformações</p><p>que mudam efetivamente dentro da relação capitalista sem,</p><p>contudo, alterar a natureza desta relação? Qual a qualidade</p><p>deste novo dilema? Em que base material ele se assenta e que</p><p>possibilidades, no plano das contradições, engendra para aque-</p><p>les que lutam para liberar a educação da esfera privada, dos</p><p>·grilhões do capital e mesmo do imperativo mundo da necessida-</p><p>de e situá-Ia no plano da esfera pública e, portanto, protegida</p><p>do imediatismo interesseiro do mercado capitalista?</p><p>O primeiro desafio é, pois, de qualificar a base histórico-so-</p><p>cial das quais emergem essas novas exigências educativas e de</p><p>formação humana - rejuvenescimento da teoria do capital humano</p><p>-e de decifrar por que as teses de uma formação geral e abs-</p><p>trata, que prepara sujeitos polivalentes, flexíveis e participativos</p><p>aparecem ao mesmo tempo com as perspectivas neoconserva-</p><p>doras de ajuste no campo econômico-social e no campo educa-</p><p>cional mediante as leis de mercado. Nesta redefinição, expressão</p><p>dos problemas que as relações capitalistas, sobre uma nova base</p><p>científico-técnica enfrentam, quer no seu confronto intercapita-</p><p>••</p><p>60</p><p>GAUD~NClO FRIGOnO</p><p>lista na concorrência, quer nas formas renovadas de luta dos</p><p>trabalhadores, para fixar uma nova base de acumulação, situa-se,</p><p>ao nosso ver, o espaço da luta por alternativas tanto nos proces-</p><p>sos quanto no conteúdo do educativo. O terreno de embate está</p><p>pois, no plano da natureza específica que assumem as relações</p><p>sociais na sociedade capitalista deste fim de século.</p><p>Se esta primeira ordem de questões traz exigências novas</p><p>de um enfrentamento nos planos teórico e político para não</p><p>correr o risco de deixar sucumbir a análise à unanimidade das</p><p>aparências na defesa de urna nova /I qualidade" para a educação</p><p>e a formação, ou a urna posição conspiratória, pessimista e irra-</p><p>cionalista, a segunda ordem de questões se apresenta corno uma</p><p>espécie de um xeque-mate, em um complicado jogo de xadrez,</p><p>para aqueles que tornam o trabalho no seu processo histórico</p><p>corno categoria central de análise das relações humano-sociais</p><p>em geral e, especificamente, no campo educacional.</p><p>Aqui, o tensionamento é de outro calibre, quer pelos in-</p><p>terlocutores, quer pela leitura que fazem da crise ou da decre-</p><p>tação do fim da sociedade do trabalho e com ela o fim da centra-</p><p>lidade do mesmo corno categoria sociológica de análise, o fim</p><p>do trabalho abstrato e com ele o fim das classes sociais funda-</p><p>mentais. A função social da educação e a formação humana é,</p><p>para esta perspectiva, a de preparar para o tempo livre.</p><p>Os interlocutores aqui não são nem os economistas neo-</p><p>clássicos do capital humano, nem os homens de negócio, mas</p><p>sociólogos e filósofos filiados a perspectivas críticas na análise</p><p>social. Trata-se das análises sobre o trabalho na vida social</p><p>deste final de século, corno as de Offe (1989b), Schaff (1990) e</p><p>Kurz (1992) com os quais dialogaremos a seguir.</p><p>O enigma a ser decifrado aqui, no horizonte teórico expos-</p><p>to por Francisco de Oliveira (1988b), situa-se, ao nosso ver, na</p><p>apreensão da crise do padrão de desenvolvimento dos últimos</p><p>cinquenta anos, calcado na dilatação do fundo público e por essa</p><p>via a uma tendência de desmercantilização daforça de trabalho.</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 61</p><p>Na forma histórica concreta de desenlace desta crise, cujo</p><p>conteúdo e custo social e humano têm se apresentado de forma</p><p>diversa em diferentes regiões do mundo, inscreve-se a possibi-</p><p>lidade de ampliar o caráter social e público do fantástico pro-</p><p>gresso técnico e sua capacidade de satisfazer necessidades</p><p>humanas e liberar tempo livre, mundo de fruição e de efetiva</p><p>liberdade, ou aumentar o poder de destruição e ampliar o tem-</p><p>po liberado e aprisionado pela violência e alienação do desem-</p><p>prego estrutural e subemprego. Este desenlace comporta menos</p><p>profecias e mais sujeitos sociais (coletivos) concretos, agregan-</p><p>do forças para a positividade que a crise engendra.</p><p>A intenção deste trabalho, nos limites de sua elaboração,</p><p>é de qualificar a natureza destas duas ordens de questões no</p><p>que elas se articulam, no plano teórico e político-prático, com</p><p>a educação no seu vesgo neoconservador, cujo sujeito é o mer-</p><p>cado, na perspectiva neorracionalista ou (ir)racionalista do fim</p><p>da sociedade do trabalho, fim do trabalho e das classes sociais e,</p><p>finalmente, na perspectiva alternativa de situarem-se os pro-</p><p>cessos educativos e a escola no conjunto de forças que elegem</p><p>o ser humano corno sujeito social no desenvolvimento omnila-</p><p>teral de suas possibilidades históricas.</p><p>Ternos, corno eixo orientador do trabalho, que as diferen-</p><p>tes perspectivas anteriormente expostas decorrem</p><p>do tipo de</p><p>compreensão da crise profunda e do colapso do modelo de</p><p>desenvolvimento que serviu de resposta à Grande Depressão</p><p>do final da década de 1920. Trata-se de um modelo sobre o qual</p><p>sustentou-se o padrão de acumulação capitalistas neste último</p><p>meio século e que a literatura o denomina, mais comumente,</p><p>de modelo keynesiano, Estado de Bem-Estar Social ou Estado-previ-</p><p>dência, modelo fordista. Trata-se, corno analisa Francisco de Oli-</p><p>veira, de um padrão</p><p>que pode ser sintetizado na sistematização de uma esfera públi-</p><p>ca onde, a partir de regras universais e pactadas, o fundo públi-</p><p>co, em suas diversas formas, passou a ser o pressuposto do fi-</p><p>62 GAUDÊNCIO FRIGOnO</p><p>nanciamento da acumulação do capital, de um lado, e, de outro,</p><p>do financiamento da reprodução da força de trabalho, atingindo</p><p>globalmente a população por meio dos gastos sociais (Oliveira,</p><p>1988b, p. 20).</p><p>No primeiro caso, as visões neoconservadoras apontam</p><p>como solução aquilo que historicamente se mostrou como sen-</p><p>do a raiz do problema: o mercado como regulador do conjunto</p><p>das relações sociais. No segundo caso, as visões neorraciona-</p><p>listas ou irracionalistas, por fazerem uma análise mais lógica</p><p>que histórico-dialética da crise, suprimem os sujeitos sociais</p><p>em luta hegemônica e apontam a travessia mediante soluções</p><p>de natureza meramente institucional ou alternativas idealistas</p><p>ou "escatológicas". Trata-se de análises de ampla receptividade</p><p>e que, no caso brasileiro pelo menos, têm servido para alimen-</p><p>tar as perspectivas do "esquerdismo infantil" incapaz de per-</p><p>ceber mudanças na relação entre o Estado e a sociedade.</p><p>Um esquerdismo infantil impenitente julga que no fundo a</p><p>educação pública, a saúde pública, a previdência social e outras</p><p>instituições estruturadoras das relações sociais são apenas uma</p><p>ilusão e contribuem para reproduzir o capital. (Oliveira, 1988b,</p><p>p.21)</p><p>~CDRTEZ</p><p>~EDITORR 63</p><p>11</p><p>Natureza, especificidade e custos humanos</p><p>da crise dos anos 1970-1990</p><p>Inúmeras são as análises que, de diferentes formas, carac-</p><p>terizam a crise deflagrada, em âmbito planetário, a partir de</p><p>1970e cujos fatos mais marcantes se deram no final da década</p><p>de 1980. Nunca mudou tanta coisa em tão pouco tempo, exclamam</p><p>uns; nunca houve tanto fim, sentenciam outros.</p><p>Para uns, que jogam, como nos lembra Hobsbawm, uma</p><p>espécie de jogos de soma zero, é o fim das ideologias, do socia-</p><p>lismo, das classes sociais, da sociedade do trabalho, da plani-</p><p>ficação, da história, e a prova da superioridade dos mecanismos</p><p>"naturais" do mercado e, portanto, da necessidade da volta</p><p>aos mesmos. Para outros, esta, todavia, não é, como insiste</p><p>Hobsbawm, uma apreensão adequada para a crise atual,</p><p>exceto por pós-graduados de faculdades de administração que,</p><p>de hotéis Hilton espalhados pelo mundo, dão conselhos a paí-</p><p>ses do Terceiro Mundo e a países anteriormente socialistas.</p><p>(Hobsbawm, 1992a, p. 100)</p><p>o que existe, na verdade, é uma crise mais geral do pro-</p><p>cesso civilizatório, materializada de um lado pelo colapso do</p><p>64 GAUDtNCIO FRIGOTTO</p><p>socialismo real e, de outro, pelo esgotamento do mais longo e</p><p>bem-sucedido período de acumulação capitalista. Há, pois, uma</p><p>profunda crise do capitalismo hoje existente que apresenta</p><p>contradições mais agudas.</p><p>A problemática crucial de ordem político-econômica e</p><p>social da crise dos anos 1930 manifestava-se tanto no desem-</p><p>prego em massa, quanto na queda brutal das taxas de acumu-</p><p>lação. Ambos incidiam na reprodução da força de trabalho.</p><p>Mais de meio século depois a mesma questão volta à baila,</p><p>porém com uma materialidade histórica bem diversa. Como</p><p>veremos a seguir, na perspectiva que Francisco de Oliveira nos</p><p>apresenta, os longos cinquenta anos de sustentação, mediante</p><p>o fundo público, da acumulação capitalista, onde o financia-</p><p>mento da reprodução da força de trabalho é, entre outros, um</p><p>aspecto importante, permitiu ao capital (associado ao Estado)</p><p>um longo período de intensa reprodução ampliada e investi-</p><p>mento pesado no avanço tecnológico. Todavia, neste mesmo</p><p>período, o jogo de interesses implicados na reprodução. da</p><p>força de trabalho deslocou, em grande parte, o loeus desta dis-</p><p>puta da esfera privada para a esfera pública.</p><p>O resultado deste processo de intensa acumulação, parti-</p><p>cularmente nos países capitalistas centrais, foi um profundo</p><p>revolucionamento da base técnica do processo produtivo (Ter-</p><p>ceira Revolução Industrial), com impactos, positivos e negativos</p><p>sobre o trabalho humano. Configuram-se uma nova divisão,</p><p>mudanças no conteúdo, quantidade e qualidade do trabalho e</p><p>novas demandas de qualificação humana.</p><p>O ponto crucial é que o fato de a nova e fantástica base</p><p>técnica, potenciadora das forças produtivas, dar-se sob relações</p><p>de exclusão social, ao contrário de liberar tempo livre enquan-</p><p>to mundo da liberdade, produz tempo de tensão, sofrimento,</p><p>preocupação e flagelo do desemprego estrutural e subemprego.</p><p>O trabalho, enquanto força de trabalho, passa a constituir-se</p><p>numa preocupação visceral de tal sorte que, perversamente,</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 65</p><p>como nos indica Francisco de Oliveira, (1990, p. 12) o caráter</p><p>excludente das relações sociais determina que, nestas circuns-</p><p>tâncias, o trabalhador lute para manter-se ou para tornar-se</p><p>mercadoria.</p><p>O desemprego estrutural e o subemprego que atingem o</p><p>coração do capitalismo desenvolvido e de forma mais perversa,</p><p>porque com frágeis forças de resistência, o Terceiro Mundo e a</p><p>degradação ecológica resultam de um movimento de reorgani-</p><p>zação e regionalização do capitalismo e da estruturação de um</p><p>novo regime de acumulação capitalista, sob a égide, como bem</p><p>explicita N. Chomsky (1993, p. 6), dos "novos senhores do</p><p>mundo" ou "do governo mundial de facto": Fundo Monetário</p><p>Internacional, Banco Mundial, grupo dos sete países mais in-</p><p>dustrializados e o seu Acordo Geral de Tarifas e Comércio</p><p>(GATT). Este novo governo mundial tem na privatização do</p><p>conhecimento e nos processos de exclusão suas armas básicas.</p><p>Por certo, esta forma de resposta não é nem a única, nem a</p><p>humanamente desejável.</p><p>Neste capítulo buscamos, sucintamente, apreender a na-</p><p>tureza e especificidade da crise e dos processos que serviram</p><p>de enfrentamento às crises cíclicas do capitalismo, que atingem</p><p>seu ápice nos anos 1930, cuja base de sustentação teórica foi o</p><p>keynesianismo e cujo pressuposto básico, ao contrário das teses</p><p>da liberdade absoluta do mercado, implicava tomar como eixo</p><p>a planificação e, portanto, uma pesada intervenção do Estado</p><p>no processo econômico-social. Interessa-nos, de outra parte,</p><p>. assinalar os custos' humanos diferenciados da crise e as pers-</p><p>pectivas de seu enfrentamento.'</p><p>L Se é uma crise do processo civilizatório, tanto em sua gênese quanto na</p><p>sua manifestação atual e em suas perspectivas de enfrentamento, o colapso do</p><p>ocialismo real e o esgotamento das políticas do Estado de Bem-Estar Social não</p><p>podem, a despeito de suas especificidades, ser separados. Ver, neste sentido,</p><p>Hobsbawm (1992a,P: 3-106).Neste trabalho, limitamo-nos a examinar a crise do</p><p>capitalismo que se manifesta de forma clara desde o início da década de 1970.A</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Edited by Foxit Reader</p><p>Copyright(C) by Foxit Software Company,2005-2008</p><p>For Evaluation Only.</p><p>66 GAUDENClO FRIGOnO</p><p>É no quadro da compreensão da crise, portanto, e sobre-</p><p>tudo do que ela impacta sobre o trabalho humano, que pode-</p><p>mos enfrentar as questões básicas deste ensaio que se deli-</p><p>neiam, de um lado, pelas teses de base "neorracionalista" do</p><p>fim da sociedade do trabalho e da centralidade do trabalho</p><p>na vida humana, e pelas teses neoconservadoras do mercado</p><p>como instrumento de regulação do conjunto das relações so-</p><p>ciais e, de outro, pela relação desta ordem de questões com as</p><p>alternativas que se apresentam para a educação e a formação</p><p>humana.</p><p>1. Natureza e especificidade da crise: o esgotamento do Estado</p><p>de Bem-Estar e do modelo fordista de acumulação e regulação</p><p>social</p><p>É importante demarcar, neste primeiro item, que a crise</p><p>dos anos 1970-90 não é uma crise fortuita e meramente con-</p><p>juntural, mas uma manifestação específica de uma crise estru-</p><p>tural. O que entrou em crise nos anos 1970 constituiu-se em</p><p>mecanismo de solução da crise dos anos 1930: as políticas es-</p><p>tatais, mediante o fundo público, financiando o padrão de</p><p>acumulação capitalista nos últimos cinquenta anos. A crise não</p><p>é, portanto, como a explica a ideologia neoliberal, resultado da</p><p>demasiada interferência do Estado, da garantia de ganhos de</p><p>produtividade e da estabilidade dos trabalhadores e das des-</p><p>pesas sociais. Ao contrário, a crise é um elemento constituinte,</p><p>estrutural, do movimento cíclico da acumulação capitalista,</p><p>assumindo formas específicas que variam de intensidade no</p><p>tempo e no espaço.</p><p>base da análise aqui exposta tem como sustentação os trabalhos de Hobsbawm</p><p>(1992a e 1992b) e F. de Oliveira (1988b, 1992), que abordam a crise do Estado de</p><p>Bem-Estar Social.</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 67</p><p>1.1A natureza estrutural da crise</p><p>Ao tratar da especificidade do modo de produção capita-</p><p>lista, Marx, particularmente na obra O capital, nos mostra que</p><p>se trata de um modo social de organização cujo tecido estrutu-</p><p>ral do conjunto de suas relações sociais tem como objetivo</p><p>central e permanente a maximização da acumulação de capital.</p><p>Possui, como leis imanentes e necessárias, a acumulação, a</p><p>concentração e a centralização. É uma sociedade que produz</p><p>para produzir, isto é, somente se interessa por produzir bens</p><p>úteis para o consumo enquanto portadores da virtude do lucro,</p><p>da mais-valia e, portanto, da acumulação ampliada do capital</p><p>(Beluzzo, 1980).</p><p>A exploração capitalista diferencia-se da exploração dos</p><p>modos de produção precedentes por inscrever-se no próprio</p><p>processo social de produção mediante a separação entre a es-</p><p>fera econômica e política e pela unificação da produção e apro-</p><p>priação da mais-valia. Funda-se, pois, numa relação social</p><p>fundamental, formalmente igualitária, mas histórica e efetiva-</p><p>mente desigual: relação capital/trabalho - proprietários pri-</p><p>vados dos meios e instrumentos de produção e vendedores de</p><p>força de trabalho."</p><p>2. É fundamental que se distinga o trabalho enquanto atividade histórica de</p><p>autocriação humana (sob as mais diversas bases técnicas), mediante a produção</p><p>de bens materiais enquanto valores de uso, da forma abstrata mercadoria força de</p><p>trabalho que o mesmo assume sob as relações capitalistas na produção de bens</p><p>como valores de troca.</p><p>Por ser uma dimensão ontológica e histórica de produção de valores de uso,</p><p>"o trabalho é um processo de que participam o homem e a na tureza, processo em</p><p>que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu inter-</p><p>câmbio material com a natureza como uma de suas forças. Atuando assim sobre a</p><p>natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria nature-</p><p>za" (Marx, 1978). Nesta perspectiva, o homem constrói a si mesmo em intercâmbio</p><p>com os demais seres humanos e cria possibilidades novas para seu devenir.</p><p>Enquanto mercadoria, o trabalho torna-se uma força abstrata, sem conteúdo</p><p>concreto, que interessa ao capital como produtora de valores de troca, de mais-vá-</p><p>68 GAUDtNCIO FRIGOTTO</p><p>o capitalismo tem que engendrar o sujeito livre e igual ante o</p><p>direito, o contrato e a moeda, sem o que não poderia existir sua</p><p>ação seminal: compra e venda de força de trabalho e apropriação</p><p>de valor. Essa liberdade efetiva implica como paralelo seu a</p><p>igualdade abstrata da cidadania. (O'Donnel, 1981)</p><p>Trata-se de uma ilusória liberdade, na medida em que as</p><p>relações de força e de poder entre capital e trabalho são estru-</p><p>turalmente desiguais. É sob esta ilusão e violência que a ideo-</p><p>logia burguesa opera eficazmente na reprodução de seus inte-</p><p>resses de classe.</p><p>Ao contrário, todavia, do que o clássico ideário liberal ou</p><p>a morbidez apologética neoliberal apregoam, as "leis históricas"</p><p>sob as quais opera o capitalismo não são harmônicas, mas con-</p><p>traditórias e conflitantes. O caráter contraditório do capitalismo,</p><p>que o leva a crises periódicas e a ciclos abruptos e violentos,</p><p>como o demonstra Marx ao analisar a natureza do capitalismo</p><p>e a sociedade capitalista nascente, não advém de algo externo,</p><p>mas deriva da dominação do capital e exploração do trabalho.</p><p>Em lugar da suposta tendência ao equilíbrio e à igualda-</p><p>de dos agentes econômicos, trata-se de um sistema que, pela</p><p>concorrência sob forças e poder desiguais, conduz à acumula-</p><p>ção, concentração e centralização de capital. Ao capitalista</p><p>interessa produzir o máximo de mercadorias que condensem</p><p>o máximo de mais-valia. Para permanecer no "jogo" esta regra</p><p>é crucial. Por isso os diferentes competidores buscam, median-</p><p>te a incorporação crescente de ciência e tecnologia no processo</p><p>de produção, aumentar o capital morto e diminuir o capital</p><p>lia. "Os homens, antes de qualquer determinação concreta substancial, transfor-</p><p>mam-se em mônadas do dispêndio de força de trabalho abstrata. Em agregados</p><p>altamente diferenciados cooperam de forma diretamente social, porém em grau</p><p>mais alto de indiferença e alienação recíprocas. Podem satisfazer suas necessidades</p><p>apenas indireta e posteriormente, mediante o processo abstrato de automovirnen-</p><p>to do dinheiro".</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 69</p><p>vivo com o intuito de produzir mercadorias ao menor custo e,</p><p>portanto, condensadoras do máximo de mais-valia. Mas, ao</p><p>mesmo tempo que o capital necessita que as mercadorias sejam</p><p>monetarizadas, isto é, que seja realizada a mais-valia que con-</p><p>densam, é um sistema que tende a reproduzir como mercado-</p><p>ria a força de trabalho no seu processo reprodutivo global e a</p><p>excluir tanto força de tràbalho excedente quanto capitalistas</p><p>(in)concorrentes.</p><p>O caráter contraditório (de crise portanto) do modo de</p><p>produção capitalista explícita-se, historicamente e em formações</p><p>sociais específicas, de formas e conteúdos diversos, porém,</p><p>inexoravelmente, pela sua própria virtude de potenciar as for-</p><p>ças produtivas e por sua impossibilidade de romper com as</p><p>relações sociais de exclusão e socializar o resultado do trabalho</p><p>humano para satisfazer as necessidades sociais coletivas. Para-</p><p>doxalmente, mesmo com mais de dois terços da humanidade</p><p>passando fome ou morrendo de fome, a crise do capital é, hoje,</p><p>de superacumulação estatalmente regulada. Somente nesta</p><p>perspectiva pode-se entender as políticas do GATT.</p><p>A crise está, pois, organicamente engendrada na natureza</p><p>das relações sociais capitalistas e</p><p>não é nada mais do que a maneira violenta de fazer valer a uni-</p><p>dade das fases do processo de produção, que se tornam autôno-</p><p>mas. (~arx, 1978)</p><p>A literatura que analisa a gênese e o desenvolvimento</p><p>histórico do capitalismo, começando pelas análises de Marx,</p><p>Engels e Rosa de Luxemburgo, nos dá conta que, de tempos em</p><p>tempos, o sistema, de forma global, enfrenta crises violentas e</p><p>colapsos que não advêm de fatores exógenos, mas justamente</p><p>do caráter contraditório do processo capitalista de produção.</p><p>As crises de 1914, 1929 e agora a crise que se apresenta de for-</p><p>ma brutal dos anos 1970/90, exemplificam estas erupções</p><p>violentas de um processo de crises cíclicas. Os conteúdos, as</p><p>70 GAUDÊNClO FRIGOTTO</p><p>formas, os atores e forças em jogo e a gravidade dos destroços</p><p>são diversos no tempo e no espaço. Cabe, pacientemente, per-</p><p>quirir estas especificidades e evidenciá-Ias."</p><p>Trata-se, pois, de crises que têm uma mesma gênese es-</p><p>trutural, mas que cada vez traz uma materialidade específica.</p><p>Na busca de suplantar a crise o capitalismo vai estabelecendo</p><p>uma sociabilidade onde cada novo elemento que entra para</p><p>enfrentá-Ia constitui, no momento seguinte, um novo, compli-</p><p>cador.' A entrada do Estado como imposição necessária no</p><p>enfrentamento da crise de 1929 foi, ao mesmo tempo, um me-</p><p>canismo de superação da virulência da crise e um agravador</p><p>da mesma nas décadas subsequentes. A volta às teses mone-</p><p>taristas e mercantilistas protagonizadas pelo ideário neoliberal</p><p>explícita a ilusão de que o problema crucial esteja nos proces-</p><p>3. Metodologicamente é importante registrar que, para não esvaziar a densi-</p><p>dade das análises</p><p>de Marx sobre a natureza estrutural da crise no modo de produ-</p><p>ção capitalista, e transformar a agudez da concepção dialética materialista históri-</p><p>ca, na análise da realidade, em dogma e visão mecanicista, é crucial que a análise</p><p>apreenda as mediações, as profundas diferenças do capitalismo atual em relação</p><p>ao capitalismo do início do século XVIII.</p><p>4. Vários trabalhos, partindo das análises de Marx em O capital, sobre as formas</p><p>mediante as quais o capitalismo enfrenta suas crises cíclicas, abordam esta proble-</p><p>mática. Gianotti, em um texto sobre as "Formas de sociabilidade capitalista",</p><p>mostra como na atual fase do capitalismo o capital, para reproduzir-se, necessita</p><p>de "formas de produção postas pelo capital como o seu outro e que crescem com</p><p>ele". Neste contexto analisa a função do Estado, do fundo público, da riqueza social,</p><p>do trabalho improdutivo e a própria natureza das classes sociais (Gianotti, 1983,</p><p>p. 216-99). Francisco de Oliveira, em várias análises, das quais destacamos "O</p><p>terciário e a divisão social do trabalho" (1981),"O surgimento do antivalor: capital,</p><p>força de trabalho e fundo público" (1988b, p. 8-28), discute, no primeiro caso, a</p><p>ideia de que o trabalho improdutivo não é externo, alheio ao trabalho produtivo,</p><p>mas parte de um mesmo movimento contraditório. No segundo texto, expõe o</p><p>papel central do fundo público na superação da crise dos anos 1930e, portanto, na</p><p>definição do padrão de acumulação capitalista dos últimos cinquenta anos, padrão</p><p>este que, a partir dos anos 1970, entra em crise. Magdof (1978)mostra como a en-</p><p>trada do Estado na economia não se apresentou como uma escolha entre outras</p><p>alternativas, mas corno uma imposição.</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 71</p><p>os de planejamento e, portanto, de interferência do Estado na</p><p>economia.f</p><p>Para analisar a crise da sociedade capitalista dos anos 1970</p><p>é necessárbo, portanto, situá-Ia como uma crise com um con-</p><p>teúdo histórico mais complexo e, consequentemente, com uma</p><p>trama de sujeitos sociais e mediações mais complexa, e reco-</p><p>nhecer que seu enfrentarnento ou sua superação engendra a</p><p>possibilidade de processos de destruição e exclusão mais .p~~-</p><p>versos que os precedentes, embora também existam possibili-</p><p>dades de um novo patamar de conquistas da classe trabalha-</p><p>dora. A dominância dos processos de reestruturação do</p><p>capitalismo, de imediato, nos mostra, como veremos adiante,</p><p>uma cota diferenciada, em termos de perspectivas e de custos</p><p>humanos, nos países do Cone Norte e nos países do Cone Sul,</p><p>como é o caso da América Latina."</p><p>Se é verdade que o colapso abrupto do socialismo real deve</p><p>ser debitado a erros brutais dos rumos que a Revolução de 1917</p><p>foi tomando, transformando os dirigentes numa "classe de</p><p>burocratas", fixados num poder monolítico, autocrático e vio-</p><p>lento (é só lembrarmos do período estalinista), não podemos</p><p>esquecer que o mesmo resulta da história da exploração e atra-</p><p>so daquelas sociedades e, posteriormente, da violência perma-</p><p>nente do sistema capitalista mundial. Na visão de Marx, o so-</p><p>S. Certamente, o Estado sempre se constituiu num ator político na consecução</p><p>dos interesses da classe burguesa. Todavia, corno analisa Gramsci (1978),já na dé-</p><p>cada de 1920,a complexidade dos processos de acumulação foi desmascarando de</p><p>forma cada vez mais clara a imagem do Estado liberal neutro, árbitro do bem comum.</p><p>A atividade econômica, ao contrário de ser resultado de forças livres do mercado e</p><p>de uma racionalidade puramente técnica, resulta, cada vez mais, da atividade po-</p><p>lítica. Crises econômicas redundam em crises do Estado e vice-versa.</p><p>6. Diversos trabalhos publicados na década de 1990 que analisam a crise do</p><p>capitalismo reservam uma perspectiva bastante sombria para países como os que</p><p>constituem a América Latina. Ver, entre outros, Schaff (1990),R. Ronchey (1991),</p><p>R. Blackburn (1992), Furtado (1992), Wright (1983), Boron (1991 e 1994), Gomes</p><p>(1992).</p><p>72 GAUDtNClO FRIGOnO</p><p>cialismo se iniciaria em condições favoráveis onde a forma</p><p>capitalista de produção tivesse atingido o mais elevado grau</p><p>de desenvolvimento e contradição (Inglaterra, França ...) e daí</p><p>se expandiria num processo geral de ruptura com o capitalismo.</p><p>Ou seja, a passagem se daria onde o capitalismo, por suas "vir-</p><p>tudes" de produção e incapacidade de socialização desta pro-</p><p>dução, exacerbasse as contradições, e não pelo caminho do</p><p>quanto pior melhor. Como nos indica Hobsbawm:</p><p>(...) por este prisma, nem o advento de uma ordem social não</p><p>capitalista, que foi a República Soviética, nem a atual perspecti-</p><p>va de sua desintegração, podem ser vistas como fatos isolados,</p><p>mas sim como sérias mudanças de rumo dentro da configuração</p><p>maior da política e da economia mundiais. (Hobsbawm, 1992b,</p><p>p.134)</p><p>Este encaminhamento nos ajuda a não simplificar a análi-</p><p>se e, perante a perplexidade de uma crise profunda do sistema</p><p>mundial e da qual não temos clareza, não caiamos em atitudes</p><p>e interpretações políticas mórbidas. Profecias mórbidas e cínicas</p><p>como as do fim da história de Fukuyama, mediante as quais se</p><p>passa a ideia de que o capitalismo, com seu "deus mercado" (o</p><p>bem), finalmente impera absoluto com a morte do socialismo</p><p>e do comunismo e, por consequência, da teoria marxista que o</p><p>inspirou (o mal)?</p><p>7. É preciso registrar que, ao contrário da pretensa novidade, a critica externa</p><p>e interna à utopia socialista e às formas históricas que buscaram viabilizá-la concre-</p><p>tamente, não é nova. Por certo pode-se afirmar que é tão velha quanto a origem do</p><p>próprio socialismo ou socialismos. As críticas ao socialismo real, sob a hegemonia</p><p>soviética, já no final da década de 1920 eram profundas e duras por Gramsci na</p><p>Itália e, de forma crescente, por inúmeros marxistas e socialistas de diferentes par-</p><p>tes do mundo. Uma exemplar documentação destes embates pode ser encontrada</p><p>na coletânea de doze volumes organizada por Eric Hobsbawm, sobre a História do</p><p>marxismo, traduzida no Brasil pela Editora Paz e Terra. Uma recuperação destes</p><p>debates, incluindo as diferentes visões atuais no Brasil, é feita de forma sistemática</p><p>e bastante exaustiva por José C. Lombardi (1993, p. 121-322).</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 73</p><p>Contrastando com a morbidez profética dos apologetas</p><p>do fim da história e da supremacia da forma mercantilista de</p><p>relações sociais, um número significativo de intelectuais, com</p><p>matizes teóricos e ideológicos diversos e conflitantes, nos sina-</p><p>liza a necessidade de uma outra leitura. Assim é que os trabalhos</p><p>de Blackbum (1992), Hobsbawm (1992b), Alliez (1988),Ander-</p><p>son (1992),Williams (1984),Callinicos (1992),Kagarlitsky (1993)</p><p>e Ronchey (1991) interpretam a crise do socialismo como uma</p><p>trama de relações mais complexa que a simples auto dissolução</p><p>por inviabilidade histórica e concluem que esta crise não sig-</p><p>nifica que o vitorioso é o capitalismo.</p><p>Certamente devemos nos perguntar com G. Steiner "se o</p><p>chicote numa mão e o cheeseburger na outra, esgotam as alter-</p><p>nativas enfrentadas pela civilização humana".</p><p>1.2A especiflcidade da crise do Estado de Bem-Estar e do modelo</p><p>fordista de regulação social</p><p>A crise de caráter planetário que se explicita particular-</p><p>mente nos anos 1970 tem suas raízes bem mais remotas. Con-</p><p>traditoriamente, a crise dos anos 1970 tem na sua gênese as</p><p>estratégias de superação da crise dos anos 1930.As políticas do</p><p>Estado de Bem-Estar e os governos da social-democracia não</p><p>tiveram a capacidade de estancar um modelo de desenvolvi-</p><p>mento social fundado sobre' a concentração crescente de capital</p><p>e exclusão social. Este modelo de desenvolvimento, com base</p><p>na teorização keynesiana, tem sido caracterizado como sendo</p><p>o modelo jordista e neojordista de produção.</p><p>Como analisam vários autores," este modelo define-se por</p><p>diferentes características que podem ser assim sintetizadas:</p><p>8. Ver, a esse respeito, as análises de Alliez (1988), Lipietz (1988), Coriat (1988),</p><p>[acobi (1986) e Palloix (1982).</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Edited by Foxit Reader</p><p>Copyright(C) by Foxit Software Company,2005-2008</p><p>For Evaluation Only.</p><p>74</p><p>GAUDÊNClO FRIGOnO</p><p>a) uma determinada forma de organização do trabalho</p><p>fundada em bases tecnológicas que se pautam por um refina-</p><p>mento do sistema de máquinas de caráter rígido, com divisão</p><p>específica do trabalho, um determinado patamar de conheci-</p><p>mento e uma determinada composição da força de trabalho;</p><p>b) um determinado regime de acumulação, fundado numa</p><p>estrutura de relações que buscou compatibilizar produção em</p><p>grande escala e consumo de massa num determinado nível de</p><p>lucro;</p><p>c) e, por fim, um determinado modo de regulação social</p><p>que compreende a base ideológico-política de produção de</p><p>valores, normas, instituições que atuam no plano do controle</p><p>das relações sociais gerais, dos conflitos intercapitalistas e nas</p><p>relações capital-trabalho.</p><p>Por um período de aproximadamente 60 anos foi adotado</p><p>este modelo de desenvolvimento. Em sua primeira fase, como</p><p>expõe Alliez (1988), que vai até 1930, constitui-se num proces-</p><p>so de refinamento do sistema de maquinaria analisado por</p><p>Marx. Grandes fábricas, decomposição de tarefas na perspecti-</p><p>va taylorista, mão de obra pouco qualificada, gerência científi-</p><p>ca do trabalho, separação crescente entre a concepção e a exe-</p><p>cução do trabalho etc. O fordismo propriamente dito que se</p><p>caracteriza por um sistema de máquinas acoplado, aumento</p><p>intenso de capital morto e da produtividade, produção em</p><p>grande escala e consumo de massa, tem seu desenvolvimento</p><p>efetivo a partir dos anos 1930 e torna-se um modo social e cultu-</p><p>ral de vida após a Segunda Guerra Mundial.</p><p>A crise de 1929,que é uma crise de superprodução e, por-</p><p>tanto, uma ameaça de asfixiamento do sistema que não conse-</p><p>gue realizar as mercadorias produzidas, determina novas es-</p><p>tratégias para o enfrentamento da crise. Entre estas estratégias</p><p>destacam-se, no plano capitalista, o fascismo, o fordismo e o</p><p>americanismo.</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 7S</p><p>A segunda fase do sistema fordista entra justamente no</p><p>contexto das teses keynesianas que postulam a intervenção do</p><p>Estado na economia como forma de evitar o colapso total do</p><p>sistema. No plano supra-estrutural desenvolve-se a ideia de</p><p>Estado-Nação (totalitário ou democrático) e, após a Segunda</p><p>Guerra Mundial, ganha força a ideia de Estado de Bem-Estar</p><p>Social. É também neste período que os regimes sociais-demo-</p><p>cratas se apresentam como "alternativa" ao capitalismo "sel-</p><p>vagem" e aos projetos socialista e comunista. Neste contexto,</p><p>como nos mostra Hobsbawm (1992b), o sistema capitalista in-</p><p>corpora ideias da planificação socialista e principia um quadro</p><p>de recuperação e de estabilidade. O Estado de Bem-Estar vai</p><p>desenvolver políticas sociais que visam à estabilidade no em-</p><p>prego, políticas de rendas com ganhos de produtividade e de</p><p>previdência social, incluindo seguro desemprego, bem como</p><p>direito à educação, subsídio no transporte etc. O slogan de H.</p><p>Ford - nossos operários devem ser também nossos clientes - ca-</p><p>racteriza a estratégia econômica desta segunda fase do fordismo</p><p>que busca viabilizar a combinação de produção em grande</p><p>escala com consumo de massa.</p><p>As perspectivas de Francisco de Oliveira (1988b) e de E.</p><p>Hobsbawm (1992b), diferentes da maior parte das análises,</p><p>compreendem o surgimento, desenvolvimento e crise do for-</p><p>dismo e do Estado de Bem-Estar Social ou previdenciário,</p><p>dentro de uma dialética em cujo pacto, contraditoriamente, se</p><p>situou a possibilidade de sustentação do padrão de acumulação</p><p>capitalista. Este pacto envolve o financiamento, pelo fundo</p><p>público, do capital privado e, ao mesmo tempo, de forma cres-</p><p>cente, da reprodução da força de trabalho, aumentando de</p><p>forma generalizada a assistência da população não por carida-</p><p>de, mas como direito, mediante as políticas sociais de saúde,</p><p>educação, emprego etc.</p><p>(...) o fundo público, em suas diversas formas, passou a ser o</p><p>pressuposto do financiamento da acumulação de capital de um</p><p>76</p><p>GAUD~NClO FRIGOnO</p><p>lado, e, de outro, do financiamento da reprodução da força de</p><p>trabalho, atingindo globalmente toda a população por meio dos</p><p>gastos sociais. (...) o fundo público é agora, um ex ante das con-</p><p>dições de reprodução de cada capital particular e das condições</p><p>de vida, em lugar de seu ex posto típico do capitalismo concor-</p><p>rencial. (Oliveira, 1988b, p. 8-9)</p><p>Desta relação dialética entre o padrão de financiamento da</p><p>acumulação privada e da reprodução da força de trabalho, ten-</p><p>do corno vértice o fundo público, decorrem inúmeras conse-</p><p>quências que, tradicionalmente, eram consideradas corno pos-</p><p>síveis apenas dentro do socialismo. Hobsbawm destaca duas:</p><p>a) o capitalismo produziu urna abundância de bens e ser-</p><p>viços e "a maioria das pessoas comuns no Ocidente goza de um</p><p>padrão de vida muito além do que se poderia conceber há cin-</p><p>quenta anos. E, graças ao Estado de Bem-Estar Social, os pobres</p><p>possuem um abrigo contra os ventos do infortúnio". Por isso,</p><p>indica Hobsbawm, o argumento de que só o socialismo elimina</p><p>a pobreza, o desemprego, neste contexto, enfraqueceu;</p><p>b) muito do que uma vez foi visto corno típico de urna</p><p>economia socialista tem, desde os anos 1930, sido cooptado e</p><p>assimilado por sistemas não socialistas, principalmente urna</p><p>economia planejada e a propriedade estatal ou pública de in-</p><p>dústrias e serviços". Mesmo com a onda neoconservadora</p><p>deflagrada por Thatcher, na Inglaterra, e Reagan, nos Estados</p><p>Unidos, mostra Hobsbawm que, entre 1980 e 1987, de acordo</p><p>com dados do Banco Mundial, foram efetivadas 400 privatiza-</p><p>ções, sendo que metade delas apenas em cinco países, um deles</p><p>o Brasil (Hobsbawm, 1992b, p. 263-4).</p><p>A análise de Francisco de Oliveira também destaca a não</p><p>confirmação das previsões da pauperização:</p><p>O que se assiste é uma expansão do consumo de todas as classes</p><p>nos países mais desenvolvidos, e uma renovada e inusitada</p><p>expansão do investimento.</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 77</p><p>Mais amplamente, mostra-nos desdobramentos que se</p><p>tecem no plano da materialidade das relações sociais, decor-</p><p>rentes da relação orgânica entre o padrão de acumulação e re-</p><p>produção do capital e a reprodução da força de trabalho, cuja</p><p>dissolução não aceita esquemas lógicos, mas depende de forças</p><p>materiais reais. As despesas sociais se constituem num salário</p><p>indireto e permitem, portanto, a liberação do salário direto para</p><p>consumo de massa. Tais despesas são cruciais para o aumento</p><p>dos mercados de bens de consumo duráveis:</p><p>A presença dos fundos públicos, pelo lado desta vez da repro-</p><p>dução da força de trabalho e dos gastos sociais públicos gerais,</p><p>é estrutural ao capitalismo contemporâneo, e, até prova em</p><p>contrário, insubstituível. (Oliveira, 1988b, p. 10)</p><p>No âmbito do caráter contraditório da relação do fundo</p><p>público com o financiamento do capital privado e a repro~ução</p><p>da força de trabalho, outras consequências fundamentais ad-</p><p>vêm, tanto na perspectiva do capital quanto do trabalho e que,</p><p>face à crise, engendram alternativas com custos sociais e hu-</p><p>manos muito diversos.</p><p>Se o desenvolvimento do antivalor, corno o define Francis-</p><p>co de Oliveira (1988b), explicita corno a sociabilidade capitalis-</p><p>ta, mediante o fundo público, amplia urna gama de valores, de</p><p>riqueza social que não se constituem em capital, mas que além</p><p>de subsidiar diretamente o capital privado, favorece-o indire-</p><p>tamente assumindo grande parte dos custos de reprodução da</p><p>força de trabalho, liberando-o para investir no desenvolvimen-</p><p>to tecnológico, ao mesmo tempo produziu urna imensa gama</p><p>de bens e serviços públicos corno antimercadorias sociais e urna</p><p>desmercantilização significativa da reprodução da força de tra-</p><p>balho. A consequência política, crucial, deste processo é que o</p><p>embate por estes direitos se deslocou da esfera privada para a</p><p>esfera pública. Corno veremos a seguir, é neste terreno que se</p><p>dá o embate entre as perspectivas neoconservadoras, antide-</p><p>mocráticas, e as perspectivas democráticas em face da crise.</p><p>78 GAUDtNCIO FRIGOnO</p><p>Os limites deste modelo de desenvolvimento se fazem</p><p>sentir já ao final da década de 1960 com a progressiva satura-</p><p>ção dos mercados internos de bens de consumo duráveis,</p><p>concorrência intercapitalista</p><p>e crise fiscal e inflacionária que</p><p>provocou a retração dos investimentos. Desenha-se, então, a</p><p>crise do Estado de Bem-Estar Social, dos próprios regimes</p><p>sociais-democratas e principia-se a defesa à volta das "leis</p><p>naturais do mercado" mediante as políticas neoliberais, que</p><p>postulam o Estado Mínimo, fim da estabilidade no emprego e</p><p>corte abrupto das despesas previdenciárias e dos gastos, em</p><p>geral, com as políticas sociais. Este modelo teve nos governos</p><p>Thatcher, na Inglaterra e Reagan, nos Estados Unidos suas</p><p>âncoras básicas.</p><p>Inúmeras são as análises que buscam explicar a natureza,</p><p>contradições e determinações da crise do Estado de Bem-Estar</p><p>Social ou Estado assistencial, cuja sintomática se explicita pela</p><p>crescente incapacidade de o fundo público financiar a acumu-</p><p>lação privada e manter as políticas sociais de reprodução da</p><p>força de trabalho. Entre estas análises destacamos as de Offe</p><p>(1989a, 1990), Habermas (1987), O'Connor (1977a) e F. de Oli-</p><p>veira (19886).</p><p>Neste âmbito, as análises de Habermas e de Offe consti-</p><p>tuem contribuições instigantes cujo teor mais geral se radica</p><p>na tradição fecunda do legado marxista: a crítica ao Estado e</p><p>às relações capitalistas na "sua lógica cega e destrutiva de</p><p>autovalorização do capital". Noutros âmbitos, como veremos</p><p>adiante, as análises destes autores, como bem mostra Ander-</p><p>son (1985), têm afinidades peculiares com as perspectivas</p><p>estruturalistas na sua matriz francesa e, por este caminho, se</p><p>afastam da tradição marxista de compreensão histórica da</p><p>realidade social.</p><p>Por polemizarmos, no Capítulo III, a questão da tese pos-</p><p>ta por Offe da não centralidade do trabalho como categoria</p><p>sociológica fundamental, para não correr o risco de uma visão</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 79</p><p>reducionista e simplificadora da contribuição deste autor na</p><p>crítica mais geral às relações capitalistas e especificamente aos</p><p>limites, contradições e alternativas ao Estado de Bem-Estar,</p><p>destacamos alguns pontos que têm, positivamente, alimentado</p><p>o debate crítico.</p><p>A coletânea de dez ensaios e uma longa entrevista, edita-</p><p>dos por [ohan Keane, reúnem o conjunto mais amplo de análi-</p><p>ses, em diferentes circunstâncias, feitas por Offe nos anos 1970</p><p>e início dos anos 1980 sobre as contradições, crise, limites e</p><p>alternativas ao Estado de Bem-Estar Social (Offe, 1990).Nestes</p><p>ensaios, Offe expõe os limites intrínsecos e, portanto, estruturais</p><p>das políticas do Estado de Bem-Estar Social derivados de suas</p><p>múltiplas funções conflitivas de atender as necessidades priva-</p><p>das do capital e as demandas sociais e públicas crescentes. Este</p><p>caráter conflitivo se explicita sobretudo mediante a crise fiscal</p><p>que debilita as possibilidades de cumprir suas múltiplas funções</p><p>relativas ao capital privado e às demandas públicas. Explícita-se,</p><p>também, mediante os problemas de eficácia e de controle da</p><p>planificação central. Neste âmbito, Offe mostra-nos que a crise</p><p>também resulta dos problemas de legitimação do Estado de</p><p>Bem-Estar.</p><p>Por ser uma crise de natureza estrutural, Offe nos mostra</p><p>que não comporta saídas simples e fáceis. Neste sentido, sina-</p><p>liza três movimentos de resistência e que se põem como alter-</p><p>nativas.</p><p>A primeira, refere-se à perspectiva da "Nova Direita" que</p><p>postula a volta aos controles do mercado, do laissez faire. Para</p><p>Offe, esta alternativa se apresenta problemática, pois os neo-</p><p>conservadores não percebem que "o capitalismo está, ao</p><p>mesmo tempo, posto em perigo e possibilitado pelo Estado</p><p>de Bem-Estar". A segunda alternativa, que não exclui as pers-</p><p>pectivas da primeira, é o reforço ao corporativismo que busca,</p><p>ao mesmo tempo, revigorar os processos de mercado e neu-</p><p>tralizar demandas políticas com o intuito de aliviar os proble-</p><p>80</p><p>GAUDENClO FRIGOTTO</p><p>mas fiscais. Por diferentes razões, Offe vê este mecanismo</p><p>reforçado, embora também enfrente profundas dificuldades</p><p>advindas dos interesses em confronto que podem gerar pesa-</p><p>dos desequilíbrios.</p><p>Baseado na análise de que o Estado de Bem-Estar, ao mes-</p><p>mo tempo que tem viabilizado a administração da crise de re-</p><p>produção do capital, tem ampliado os espaços de controle da</p><p>esfera pública e, portanto, da perda de espaço do campo priva-</p><p>do sobre a vida cotidiana dos cidadãos, Offe aponta a alterna-</p><p>tiva "democrática e socialista". Na entrevista apresentada na</p><p>coletânea, Offe destaca como ponto crucial da estratégia socia-</p><p>lista o combate ao que Marx aponta como a lógica insaciável</p><p>de autovalorização do capital e de, portanto, um sistema que</p><p>não se preocupa com os valores de uso.</p><p>Este combate implica, para Offe, buscar formas de ampliar</p><p>os critérios de produção de valores de uso. Neste particular,</p><p>discorda das lutas pelo pleno emprego, defendendo a ideia de</p><p>desenvolvimento de trabalhos desvinculados da lógica "salá-</p><p>rio-trabalho", mediante cooperativas. Outros aspectos que</p><p>enfatiza são a ampliação dos direitos democráticos, a luta pela</p><p>paz, o movimento ecológico, a crítica à modernização predató-</p><p>ria e a fé cega no avanço tecnológico.</p><p>Em toda a sua análise embasada em argumentos sólidos,</p><p>como nos indica Keane na introdução à coletânea, é surpreen-</p><p>dente que Offe não considere as implicações da crescente na-</p><p>tureza transnacional do capital e a crise global do sistema ca-</p><p>pitalista.</p><p>A perspectiva desenvolvida por Offe sobre a crise do Es-</p><p>tado de Bem-Estar, de um modo geral, corrobora as análises de</p><p>Hobsbawm e de Francisco de Oliveira, que vêm balizando,</p><p>fundamentalmente, esta breve incursão na compreensão da</p><p>natureza e especificidade da crise dos anos 1970-90. Entende-</p><p>mos, todavia, que estas últimas, ao mesmo tempo que explici-</p><p>tam melhor muitos dos aspectos abordados por Offe, avançam</p><p>DUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 81</p><p>no plano teórico, econômico e político-ideológico. Um dos</p><p>pontos cruciais deste avanço é justamente a compreensão de</p><p>como joga a internacionalização do capital e, outro, a questão</p><p>das classes sociais.</p><p>No plano político e econômico a crise se dá nos proces-</p><p>sos de</p><p>internacionalização produtiva e financeira da economia capita-</p><p>lista. A regulação keynesiana funcionou enquanto a reprodução</p><p>do capital, os aumentos de produtividade, a elevação do salário</p><p>real se circunscreveram aos limites - relativos por certo - da</p><p>territorialidade nacional dos processos de interação daqueles</p><p>componentes de renda e do produto. (Oliveira, 1988b, P: 12-3)</p><p>Mostra-nos este autor que o processo de internacionaliza-</p><p>ção tirou parte dos ganhos fiscais sem todavia liberar o fundo</p><p>público de financiar a reprodução do capital e da força de tra-</p><p>balho.</p><p>No plano teórico, a crise do Estado de Bem-Estar é situada,</p><p>por Francisco de Oliveira, no interior do caráter contraditório</p><p>do sistema capitalista e, portanto, da questão dos limites deste</p><p>sistema.</p><p>Ora, a história do desenvolvimento capitalista tem mostrado,</p><p>com especial ênfase depois do Welfare State, que os limites do</p><p>sistema capitalista só podem estar na negação de suas categorias</p><p>reais, o capital e a força de trabalho. Neste sentido, a função do</p><p>fundo público no travejamento estrutural do sistema tem muito</p><p>mais a ver com os limites do capitalismo, como desdobramento</p><p>de suas próprias contradições internas. (Ibidem, p. 12-3)</p><p>/</p><p>Os sinais de esgotamento do modelo de desenvolvimen-</p><p>to fordista, enquanto regime de acumulação e regulação social,</p><p>coincidem, paradoxalmente, com um verdadeiro revolucio-</p><p>namento da base técnica do processo produtivo, resultado,</p><p>como se apontou anteriormente, do financiamento direto ao</p><p>82 GAUDÊNClO FRIGOnO</p><p>capital privado e indireto na reprodução da força de trabalho</p><p>pelo fundo público. A microeletrônica associada à informa ti-</p><p>zação, a microbiologia e engenharia genética que permitem a</p><p>criação de novos materiais e as novas fontes de energia são a</p><p>base da substituição de urna tecnologia rígida por urna tecno-</p><p>logia flexível.</p><p>Esta mudança qualitativa da base técnica do processo</p><p>produtivo, que a literatura qualifica corno sendo urna nova</p><p>Revolução Industrial permite, de forma sem precedentes, acelerar</p><p>o aumento da incorporação de capital morto e a diminuição</p><p>crucial, em termos absolutos, do capital vivo no processo pro-</p><p>dutivo. Vale registrar que a mudança para urna base técnica de</p><p>tecnologia flexível, informatizada, embora se dê em grau e</p><p>velocidade diferenciados, é urna tendência do sistema.</p><p>O impacto sobre o conteúdo do trabalho, a divisão do</p><p>trabalho, a quantidade de trabalho e a qualificação é crucial. Ao</p><p>mesmo tempo que se exige urna elevada qualificação e capaci-</p><p>dade de abstração para o grupo de trabalhadores estáveis (mas</p><p>não de todo) cuja exigência é cada vez mais de supervisionar o</p><p>sistema de máquinas informatizadas (inteligentes!) e a capacida-</p><p>de de resolver, rapidamente, problemas, para a grande massa</p><p>de temporários, trabalhadores "precarizados" ou, simplesmen-</p><p>te, para o excedente de mão de obra, a questão da qualificação</p><p>e, no nosso caso de escolarização, não se coloca corno problema</p><p>para o mercado.</p><p>Entre as várias estratégias de que o capital se utiliza para</p><p>retomar urna nova base de acumulação destacam-se os proces-</p><p>sos de reestruturação capitalista que incluem: reconversão</p><p>tecnológica, organização empresarial, combinação das forças</p><p>de trabalho, estruturas financeiras etc. De outra parte, corno</p><p>veremos adiante, as empresas deslocam-se de urna região para</p><p>outra saindo dos espaços onde a "classe trabalhadora" é mais</p><p>organizada e historicamente vem acumulando a conquista de</p><p>direitos.</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL</p><p>83</p><p>A contradição capital-trabalho, neste contexto, assume</p><p>urna dimensão nova que confere urna especificidade à crise que</p><p>abala o sistema oapitalista."</p><p>2. Os caminhos alternativos de enfrentamento da crise</p><p>A compreensão da crise no horizonte teórico, que acaba-</p><p>mos de sinalizar, permite-nos, a um tempo, perceber quais os</p><p>custos sociais e humanos da alternativa neoliberal de volta aos</p><p>mecanismos excludentes do mercado, e igualmente perceber</p><p>que a crise do Estado de Bem-Estar carrega consigo uma.posi-</p><p>tividade, cuja concretização política depende da capaCldade</p><p>dos sujeitos sociais concretos de manter e ampliar democ~at~-</p><p>camente a esfera pública na disputa dos bens, serviços e direi-</p><p>tos conquistados no terreno contraditório deste mesmo Estado</p><p>de Bem-Estar.</p><p>Importa também observar que o Estado de Bem-Estar e suas</p><p>instituições não são agora o "horizonte intransponível"; para</p><p>além dele, bate, latente, um modo social de produção superior.</p><p>Resta resolver um problema, intacto. que é o da apropriação dos</p><p>resultados desse modo social (...) Mas, decididamente, o acesso</p><p>e o manejo do fundo público são o necpltls ultra das formas sociais</p><p>do futuro. (Oliveira, 1988b, p. 19)</p><p>Tanto Oliveira' quanto Hobsbawm reconhecem que até o</p><p>presente a apropriação tem se dado dominantemente no senti-</p><p>do da reprodução do capital. Hobsbawm salienta três problemas</p><p>que, mesmo sob a égide do Estado de Bem-Estar, se agravaram</p><p>neste último meio século:</p><p>9. Roberto Schwarz, destaca que "pela primeira vez o aumento de produti-</p><p>vidade está significando dispensa de trabalhadores também em números absolutos,</p><p>ou seja, o capital começa a perder a faculdade de explorar trabalho" (Schwarz, 1992,</p><p>p.11).</p><p>84</p><p>GAUD~NClO FRIGOTTO</p><p>a) a questão ecológica, em face de um processo de desen-</p><p>v?~vimento sem limites, atingiu o ponto que pode de fato sig-</p><p>nificar a destruição da biosfera;</p><p>b) o aumento da distância entre habitantes dos países de-</p><p>senvolvidos e ricos e dos países pobres. Mostra-nos Hobsbawm</p><p>que o "mundo desenvolvido" em 1900 representava um terço</p><p>da humanidade e hoje representa apenas 15% a 20%. O PIB dos</p><p>países desenvolvidos que era, em 1900, três vezes maior que o</p><p>resto da humanidade, em 1980 era de aproximadamente 12,5</p><p>vezes;</p><p>c) por fim, o terceiro problema explícita-se no fato de que</p><p>(...) ao subordinar a humanidade à economia, o capitalismo</p><p>mina e corrói as relações entre seres humanos que formam as</p><p>sociedades e cria um vácuo moral em que nada conta a não</p><p>ser o desejo do indivíduo aqui e agora". (Hobsbawm, 1992b,</p><p>p.266-7)</p><p>No olhar vesgo da burguesia, a crise atual, uma vez mais,</p><p>aparece como um desvio das leis "naturais do mercado". A</p><p>pedra de toque dos neoconservadores está na crítica à exces-</p><p>siva intervenção e agigantamento do Estado, e postula-se, como</p><p>remédio, a volta da "regulação" do mercado e as políticas</p><p>~onetaristas. O ideário neoliberal e neoconservador protago-</p><p>nizado por Thatcher e Reagan, malgrado seu insucesso naque-</p><p>las sociedades, tornou-se a palavra de ordem para o ajusta-</p><p>mento (leia-se submissão às regras dos novos senhores do</p><p>mundo e suas instituições: FMI, BIRD, BID etc.) nos países da</p><p>América Latina e, agora, de forma avassaladora, para o Leste</p><p>Europeu.</p><p>Um dos representantes mais empedernidos deste olhar</p><p>vesgo no Brasil, R. Campos, ao criticar, como /I grande embuste",</p><p>a tendência intervencionista da Constituição de 1988, percebe</p><p>a origem deste mal desde a Constituição de Weimar, em 1919,</p><p>na Alemanha.</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 8S</p><p>Esse tipo de Constituição, que se popularizou na Europa após a</p><p>Carta Alemã de Weimar de 1919, tem pouca durabilidade. Ao</p><p>contrário da mãe das Cartas Magnas democráticas - a Consti-</p><p>tuição de Filadélfia - que é, como diz o professor James Bucha-</p><p>man, "política sem romance", as Constituições recentes fazem o</p><p>"romance da política". Baseiam-se em dois erros: primeiro, a</p><p>"arrogância" de que nos fala Hayek, de pensar que o processo</p><p>político é mais eficaz que o mercado na promoção do desenvol-</p><p>vimento; segundo, a ideia romântica de que o Estado, esse "mais</p><p>frio dos monstros" como dizia Nietszche, é uma entidade bene-</p><p>volente e capaz. (Campos, O Globo, 11/7/1993)</p><p>A volta às leis puras do mercado retoma, com vigor, as</p><p>teses conservadoras dos anos 1940, como as de F.Hayek e, mais</p><p>recentemente, as de Friedman que entraram na ordem do dia</p><p>na década de 1970 como sendo a nova e eficaz estratégia capaz</p><p>de suplantar a crise." Particularmente, as teses de Friedman</p><p>sobre o financiamento da educação, como veremos a seguir, são</p><p>hoje invocadas para legitimar políticas de descompromisso do</p><p>Estado nesta área.</p><p>Fundamentalmente, a tese neoliberal (que não é unívoca)</p><p>postula a retirada do Estado da economia - ideia do Estado</p><p>mínimo; a restrição dos ganhos de produtividade e garantias de</p><p>emprego e estabilidade de emprego; a volta das leis de mercado</p><p>sem restrições; o aumento das taxas de juros para aumentar a</p><p>poupança e arrefecer o consumo; a diminuição dos impostos</p><p>sobre o capital e diminuição dos gastos e receitas públicas e,</p><p>consequentemente, dos investimentos em políticas sociais."</p><p>Na realidade, não se trata de uma alternativa para a crise,</p><p>mas a busca da recomposição dos mecanismos de reprodução</p><p>do capital pela exacerbação da exclusão social.</p><p>/</p><p>10. Para uma análise das ideias de Hayek e Friedman, ver Bianchetti (1992).</p><p>11. Para uma análise mais detalhada das teses neoliberais e sua crítica, ver:</p><p>Villareal (1978), Finkel (1990) e Bianchetti (1992).</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Edited by Foxit Reader</p><p>Copyright(C) by Foxit Software Company,2005-2008</p><p>For Evaluation Only.</p><p>86 GAUDtNClO FRIGOnO</p><p>Uma coisa é ver o mercado como um guia para eficiênciaeco-</p><p>nômica. Vero mercado como o únicomecanismo de distribuição</p><p>dos recursos em economia, como veem os fanáticos do reaga-</p><p>nismo e do thatcherismo ou o Institute of Economic Affairs e</p><p>outros centros de pensamento ultracapitalista, é inteiramente</p><p>outra. O mercado produz desigualdade tão naturalmente como</p><p>combustíveis fósseis produzem poluição no ar. (Hobsbawm,</p><p>1992b,p. 264)</p><p>Em relação ao Estado, a questão crucial não é se é um</p><p>Estado máximo ou um Estado mínimo, mas qual Estado. Neste</p><p>sentido, Francisco de Oliveira mostra que a perspectiva conser-</p><p>vadora, na realidade, não postula reduzir o Estado em todas as</p><p>suas faces, mas apenas estreitar ou eliminar sua face pública.</p><p>(...) seu objetivo é dissolver as arenas específicasde confronto e</p><p>negociação, para deixar o espaço aberto a um Estado mínimo,</p><p>livre de todas as peias estabelecidas ao nível de cada arena es-</p><p>pecífica da reprodução do capital. Trata-se de uma verdadeira</p><p>regressão, pois o que é tentado é a manutenção</p><p>essa tarefa partindo de uma reflexão rigorosamente</p><p>crítica desde a perspectiva do materialismo histórico; um ma-</p><p>terialismo histórico renovado e capaz de reformular-se ele</p><p>próprio à luz do colapso do socialismo soviético e da queda dos</p><p>regimes comunistas da Europa Oriental. Por último, embora</p><p>certamente não menos importante, o livro de Frigotto propõe</p><p>um enorme desafio ético: pensar e compreender a crise do ca-</p><p>pitalismo desde um renovado enfoque socialista como forma</p><p>de contribuir para a construção de uma sociedade democrática</p><p>e radicalmente igualitária, fundamentada nos direitos e que</p><p>respeite as diferenças, a diversidade, uma sociedade - segun-</p><p>do Hobsbawm - de pessoas comuns, das maiorias, justamen-</p><p>te aquelas condenadas pelo mercado à mais absoluta miséria.</p><p>Este livro, de alguma forma, é a continuação mais eloquen-</p><p>te de A produtividade da escola improdutiva, texto que ainda hoje</p><p>continua sendo de consulta obrigatória para aqueles que de-</p><p>senvolvem pesquisas na área de Educação e Trabalho. Essa linha</p><p>de continuidade entre duas obras separadas por uma década</p><p>constitui, ao mesmo tempo, um dado alentador e trágico. Alen-</p><p>tador, porque Frigotto continua discutindo de forma clara e</p><p>decidida os enfoques economicistas que reduzem a educação</p><p>a um mero fator de produção, a "capital humano". Trágica,</p><p>porque ainda hoje esta última perspectiva continua expandin-</p><p>do-se com novas roupagens, com inéditas e sedutoras máscaras</p><p>que convencem, inclusive, muitos intelectuais que as combatiam</p><p>no passado. Tal continuidade entre ambos os trabalhos não deve</p><p>nos fazer pensar que, em seu novo livro, Frigotto limita-se a</p><p>denunciar que" o velho" ainda não morreu e que" o novo" é</p><p>apenas uma armadilha que encobre um status quo imune ao</p><p>passar do tempo. Justamente um dos valores mais destacados</p><p>deste trabalho reside em que o autor pretende discutir a racio-</p><p>II>UCAÇAo E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 13</p><p>nnlidade (ou irracionalidade) que encerram os enfoques do</p><p>1)' capital humano no atual contexto de profundas mudanças</p><p>vividas pelas sociedades de classe neste fim de século. A espe-</p><p>dfi idade da crise estrutural que atravessa hoje o capitalismo</p><p>tra! é o marco no qual cobram materialidade as perspectivas</p><p>liis utidas por Gaudêncio neste novo livro.</p><p>De fato, o contexto mais amplo da reestruturação capita-</p><p>Iisla contemporânea no plano político, econômico, jurídico e</p><p>\. lucacional funciona como um enquadramento iniludível</p><p>pura avançar tanto na crítica teórica aos enfoques apologéticos</p><p>cln ociedade pós-industrial, quanto para recusar as saídas</p><p>in ividualistas e místicas que acabam defendendo os intelec-</p><p>I~I is apocalípticos. Educação e a crise do capitalismo real é um</p><p>Iiv1'0 para ser lido à luz da atual hegemonia dos regimes neo-</p><p>Iil crais e neoconservadores (tanto na América Latina quanto</p><p>('lI um número nada desprezível dos países do Primeiro</p><p>Mundo), e reconhecendo as novas condições materiais e cul-</p><p>lu rais criadas a partir da crise do regime de acumulação for-</p><p>di ta, de seus Estados de Bem-Estar e da própria reorganiza-</p><p>~'J (ou desorganização) da classe operária que é derivada de</p><p>I,) l processo.</p><p>E aqui cobra sentido a dupla tarefa crítica à qual se propõe</p><p>l'rigotto.</p><p>Em primeiro lugar, discutir as novas concepções do "ca-</p><p>pital humano" que se respaldam na suposta legitimidade das</p><p>I' es do fim da história e das ideologias, segundo as quais (e</p><p>nfortunadamente) o mundo é e será para sempre capitalista. A</p><p>r' usa de tais perspectivas conduz o autor a discutir a validade</p><p>1<s posições que as caracterizam no plano educacional. Prigot-</p><p>to analisa assim três categorias básicas no discurso neoliberal</p><p>dos homens de negócio, dos organismos internacionais, das</p><p>burocracias governamentais conservadoras e dos intelectuais</p><p>r onvertidos: "sociedade do conhecimento", "educação para</p><p>n ompetitividade" e "formação abstrata e polivalente".</p><p>14 GAUDÊNClO FRIGOTTO</p><p>Em segundo lugar, realiza uma crítica não menos radical</p><p>aos enfoques defendidos por três autores que, desde ópticas</p><p>não convergentes e diferenciados ainda da trivialidade que</p><p>caracteriza os admiradores do capitalismo pós-industrial,</p><p>"acabam silenciando ou eliminando os grupos ou classes so-</p><p>ciais fundamentais e os movimentos com eles articulados como</p><p>sujeitos da história, (o qual os conduz), ironicamente, a refor-</p><p>çar a tese do fim da história": Adam Schaff, ela us Offe e Robert</p><p>Kurz.</p><p>No contexto de um capitalismo transformado, e não por</p><p>isso mesmo excludente e discriminador, Frigotto desenvolve</p><p>uma minuciosa análise marxista da educação. Enfoque mar-</p><p>xista que, na medida em que é aplicado a ele próprio, refor-</p><p>mula-se e enriquece-se. Logo, de certa forma, este livro difere</p><p>da citada obra A produtividade da escola improdutiva. O leitor</p><p>encontrará aqui novos conceitos, novos percursos teóricos,</p><p>novas perguntas e também, certamente, novas respostas a</p><p>velhas perguntas.</p><p>Por último, este livro possui um inestimável valor político.</p><p>Ele contribui com um conjunto de ideias relevantes no campo</p><p>da ação política e, ao mesmo tempo, está inspirado na necessi-</p><p>dade de profundar, defender e ampliar as experiências demo-</p><p>cráticas de resistência e oposição ao programa de ajuste neoli-</p><p>beral existentes em nossos países. No plano educacional, a~</p><p>reflexões de Frigotto inserem-se e inspiram-se em uma multi-</p><p>plicidade de experiências alternativas de gestão que foram (e</p><p>estão sendo) desenvolvidas no Brasil por administrações po-</p><p>pulares: Porto Alegre, Belo Horizonte, Angra dos Reis e muitas</p><p>outras que constituem hoje um modelo de gestão eficiente e</p><p>democrática de uma política educacional pública e de qualida-</p><p>de. Tais experiências inspiram o autor deste livro e são uma</p><p>referência tácita ao longo de todos os capítulos que compõem</p><p>o presente volume.</p><p>II)UCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 15</p><p>o novo livro de Gaudêncio ajuda-nos a pensar que é pos-</p><p>slvel "renascer das cinzas", que é possível e necessário lutar</p><p>I or um mundo mais justo e igualitário. Simplesmente, porque</p><p>n história ainda não terminou.</p><p>Pablo Gentili</p><p>Rio de Janeiro, maio de 1995.</p><p>~CDRTEZ</p><p>~EDITORR 17</p><p>Introdução</p><p>É difícil, mesmo para aqueles que transformaram o mar-</p><p>xismo (de Marx) de teoria da história e profunda ontologia em</p><p>doutrina ou crença, não reconhecer o colapso do socialismo</p><p>realmente existente e a necessidade de questionar pressupostos</p><p>teóricos e estratégias políticas que tomaram como referência o</p><p>pensamento e a obra de Marx e Engels. Isto, todavia, não sig-</p><p>nifica, como veicula a ideologia hoje hegemônica, que o proje-</p><p>to socialista é uma quimera do passado, a teoria histórica de</p><p>Marx e Engels está morta e, finalmente, a humanidade aprendeu</p><p>a respeitar as leis da liberdade natural do mercado, da livre concor-</p><p>rência e que, portanto, o capitalismo é a forma de organização</p><p>social definitiva e desejável da humanidade.</p><p>Este livro, que trata das relações trabalho-educação dentro</p><p>das profundas transformações deste final de século, por razões</p><p>éticas, teóricas e políticas, é um esforço de remar contra a cor-</p><p>rente. Primeiramente, sustentamos que o capitalismo deste final</p><p>de século enfrenta sua crise estrutural mais profunda e sua</p><p>perversa recomposição vem se materializando nas inúmeras</p><p>formas de violência, exclusão e barbárie. Épreciso, pois, mostrar,</p><p>sem concessões, a crise e o colapso do capitalismo real. Em se-</p><p>gundo lugar, entendemos que as concepções ontológicas e</p><p>teóricas do processo histórico elaboradas por Marx e Engels e</p><p>desenvolvidas por outros marxistas como Gramsci, continuam</p><p>sendo a base que nos permite uma análise radical para desven-</p><p>18 GAUDÊNClO FRIGOnO</p><p>dar a natureza e especificidade das relações capitalistas hoje e,</p><p>especificamente, da problemática do trabalho e da educação.</p><p>Base, também, para, na expressão de Eric Hobsbawm, renascer</p><p>das cinzas e construir uma alternativa socialista efetivamente</p><p>democrática de relações sociais.</p><p>Temos clareza de que no plano teórico este trabalho en-</p><p>frenta a tensão mais crucial. No presente, este embate dá-se</p><p>tanto com a avassaladora ideologia neoliberal ou neoconserva-</p><p>dora, que</p><p>do fundo públi-</p><p>co como pressuposto apenas do capital. (Oliveira, 1988b,p. 25)</p><p>A efetiva alternativa para a crise do Estado de Bem-Estar</p><p>e do modelo fordista de acumulação, como nos apontam</p><p>Hobsbawm e Oliveira, não é a regressão às leis de mercado e</p><p>nem a proposta da social-democracia, pois as estratégias políticas</p><p>que a viabilizaram tinham no fundo público sua razão básica. A</p><p>transnacionalização da economia expõe o limite de elasticidade</p><p>do fundo público e sua crescente incapacidade para atender a</p><p>reprodução ampliada do capital e da força de trabalho.</p><p>Também a perspectiva "de estilos de vida alternativos"</p><p>individuais ou em comunidade (Williams, 1984) ou as propos-</p><p>tas de regulação social advindas da doutrina social da Igreja</p><p>- por mais que se apresentem como uma opção contra o arbí-</p><p>trio do mercado, insiste Hobsbawm, não constituem solução</p><p>para os problemas que o mundo enfrenta hoje.</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 87</p><p>Os problemas do globo que hoje pode tornar-se inabitável pelo</p><p>mero crescimento exponencial em produção e poluição, sem</p><p>mencionar a capacidade tecnológicade destruição demonstrada</p><p>pela Guerra do Golfo,e osproblemas de um mundo dividido em</p><p>uma vasta maioria de povos famintos e Estados extraordinaria-</p><p>mente ricos,não podem ser resolvidos desta maneira. Maiscedo</p><p>ou mais tarde exigirão ação sistemática e planejada nacional e</p><p>internacionalmente e uma investida contra as fortalezascentrais</p><p>da economiade mercado de consumo. Exigirãonão apenas uma</p><p>sociedade melhor que a do passado, mas comosempre sustenta-</p><p>ram os socialistas,um tipo diferente de sociedade. (...)É por esse</p><p>motivo que o socialismoainda tem um programa 150anos após</p><p>o Manifesto de Marx e Engels.É por esse motivo que ainda está</p><p>no programa. (Hobsbawm, 1992b,p. 269-70)</p><p>A alternativa que pode incorporar o imenso progresso</p><p>técnico a favor das necessidades e ampliação da liberdade hu-</p><p>mana, malgrado o colapso do socialismo real, continua sendo</p><p>a do socialismo. As questões que se colocam são: que tipo de</p><p>socialismo e qual o caminho para a travessia? Por certo, sobre</p><p>as tentativas concretas de resposta a estas questões a história</p><p>tem lições amargas mas salutares.12</p><p>A crise do Estado de Bem-Estar e o colapso do socialismo</p><p>real parecem mostrar que o caminho de construção do socialis-</p><p>mo implica um tecido de realidade e de sujeitos políticos que</p><p>rompam, desde as vísceras- do regime capitalista mais desen-</p><p>volvido, sua coluna vertebral. A travessia não comporta fórmu-</p><p>las, mas como indicam vários pensadores - F. de Oliveira</p><p>(1992), Coutinho (1984 e 1991) e Hobsbawm (1992c) -, exige,</p><p>necessariamente, a radicalização da democracia.</p><p>12.Não é propósito deste trabalho analisar as razões históricas do colapso do</p><p>socialismo real e sua influência nas alternativas que se apresentam à crise deste</p><p>final de século. A coletânea organizada por Robin Blackburn (1992),o livro de</p><p>Boris Kagarlitsky (1993),entre outros trabalhos, nos permitem apreender tanto as</p><p>raizes históricas do colapso quanto as alternativas em disputa.</p><p>88 GAUDI:NCIO FRIGOTTO</p><p>Ao contrário das teses da direita da sociedade "pós-histó-</p><p>rica, pós-classista" e o império da lei de mercado ou das teses</p><p>de uma determinada esquerda que desloca o embate para o</p><p>terreno individual, subjetivista ou para uma "razão sensível</p><p>(ou cínica)" (Kurz, 1992), como mostram Oliveira (1988b) e</p><p>Jameson (1994), no embate da travessia não só persistem os</p><p>sujeitos sociais clássicos (as classes fundamentais), cuja apreen-</p><p>são demande ir além das aparências imediatas e nacionais, como</p><p>a própria sociabilidade capitalista e os interesses que a ela se</p><p>contrapõem, fazem emergir novos sujeitos políticos.</p><p>A democracia representativa é o espaço institucional no qual,</p><p>além das classes e grupos diretamente interessados, intervêm</p><p>outras classes e grupos, constituindo o terreno do público, do</p><p>que está acima do privado. São pois condições necessárias e</p><p>suficientes. Neste sentido, longe de desaparição das classes so-</p><p>ciais, tanto a esfera pública como seu corolário, a democracia</p><p>representativa, afirmam as classes sociais como expressões co-</p><p>letivas e sujeitos da história. (Oliveira, 1988b,p. 23)</p><p>A estruturação e ampliação da esfera pública, mediante</p><p>uma democracia representativa - no método, na forma e no</p><p>conteúdo -, é, para Oliveira, o caminho, de dentro dos limites</p><p>do "Estado-classista", para contrapor-se à lógica de exclusão</p><p>do mercado e do capital e para a travessia para o socialismo.</p><p>A trilogia proposta como alternativa, por Oliveira, é: método</p><p>democrático, esfera pública e socialismo. Coutinho, na mesma</p><p>perspectiva, defende que a luta pela democracia (de massa,</p><p>popular) e pelo socialismo é a mesma coisa: "a democracia não</p><p>é um caminho para o socialismo, mas sim o caminho do</p><p>socialismo".13</p><p>13. Para uma compreensão mais detalhada deste debate referido à realidade</p><p>brasileira ver Oliveira (1991),Coutinho (1984e 1994),Weffort (1992),Touraine (1995)</p><p>e Debrun (1983).</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 89</p><p>3. Os custos sociais e humanos da alternativa neoconservadora</p><p>Os efeitos do ajuste neoconservador no enfrentamento da</p><p>crise, que significa a definição de um novo modelo de acumu-</p><p>lação e regulação social, dentro de um novo reordenamento</p><p>mundial, têm como consequência o aumento da exclusão social.</p><p>A ideia de custos sociais e humanos materializa-se pelo aumento</p><p>da miséria absoluta, da fome, da violência, de doenças endê-</p><p>micas e pelo desemprego e subemprego estrutural que atinge</p><p>de modo diferenciado os países do Cone Norte e Sul.</p><p>Com a crise do sistema fordista de acumulação e regulação</p><p>social agudiza-se a desorganização do mercado mundial e</p><p>aguça-se a luta intercapitalista, ao mesmo tempo que se busca</p><p>um novo reordenamento e regionalização do capitalismo para</p><p>a partilha do mundo. Nesta partilha, o denominado "Grupo</p><p>dos 7", que constitui uma tróica (Gomes, 1992) - Estados Uni-</p><p>dos, Japão e Mercado Comum Europeu -, se é verdade que</p><p>estabelecem uma surda e feroz luta de interesses entre si, va-</p><p>lem-se dos organismos internacionais que os representam para</p><p>subjugar o restante do planeta.</p><p>Noam Chomsky, numa análise sobre os novos senhores da</p><p>humanidade, mostra que se no início do capitalismo</p><p>os mercadores e manufatureiros eram os principais arquitetos</p><p>da política de Estado, utilizando seu poder para levar desditas</p><p>terríveis aos vastos reinos que subjugavam, em nossa época os</p><p>senhores são, cada vez mais, as corporações supranacionais e as</p><p>instituições financeiras que dominam a economia mundial in-</p><p>cluindo o comércio internacional. (Chomsky, 1993,p. 6-18)</p><p>As formas de subjugação se dão por vários mecanismos.</p><p>Entre estes destacamos o GATT, dentro do qual se inserem a</p><p>imposição das leis de patentes aos países do Terceiro Mundo e</p><p>um perverso processo de privatização e monopolização do</p><p>conhecimento.</p><p>90 GAUDÊNClO FRIGOnO</p><p>A privatização do conhecimento é, ao mesmo tempo, uma</p><p>forma de aumentar a polarização da riqueza social e do poder</p><p>e uma ameaça à própria espécie humana. Em um debate com</p><p>cientistas sobre direitos humanos hoje, Norberto Bobbio adver-</p><p>te-nos sobre os riscos da privatização do saber tecnológico.</p><p>o conhecimento tornou-se a principal causa e condição neces-</p><p>sária para o domínio do homem sobre a natureza e sobre os</p><p>outros homens. C-.) Os novos direitos que relacionei - como</p><p>o direito de viver num ambiente não poluído, o direito à pri-</p><p>vacidade, o direito à integridade do patrimônio genético -</p><p>referem-se claramente às ameaças que não derivam da ciência</p><p>como tal, mas do uso que das suas descobertas e aplicações</p><p>fazem aqueles que, com base na força ou no consenso, têm</p><p>autoridade de tomar decisões obrigatórias para a coletividade.</p><p>Entre elas se encontram as decisões sobre a ciência. (Bobbio,</p><p>1991, p. 6)</p><p>A reestruturação e reorganização do capitalismo face à</p><p>crise, na busca de salvaguardar os processos de maximização</p><p>da acumulação, atingem de forma mais generalizada e brutal</p><p>os países do Hemisfério Sul mas, por ser urna crise estrutural</p><p>e por ser protagonizada por corporações transnacionais e pelo</p><p>domínio do capital financeiro, seus efeitos perversos se fazem</p><p>sentir em todas as partes do mundo, inclusive nos tradicionais</p><p>países ricos do Hemisfério Norte.</p><p>De acordo com o US Bureau of the Census, em 1975, 12%</p><p>ou 25,9 milhões de norte-americanos viviam abaixo da linha de</p><p>pobreza. Em 1992, os dados indicam a existência de 14,5% ou</p><p>36,9 milhões de norte-americanos abaixo do nível de pobreza.</p><p>(Jornal do Brasil, p. 5, 15 out. 1993).</p><p>Referindo-se a esta realidade dos Estados Unidos, N.</p><p>Chomsky mostra que se desenvolve no seu interior o modelo</p><p>terceiromundista, com ilhas imensamente privilegiadas em</p><p>meio a um mar de miséria e desespero.</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 91</p><p>Um passeio a pé por qualquer cidade norte-americana dá forma</p><p>humana às estatísticas sobre qualidade de vida, distribuição de</p><p>riqueza, pobreza e empregos e outros elementos do "paradoxo</p><p>de 92". Cada vez mais a produção pode ser deslocada para zonas</p><p>de alta repressão e baixos salários, e dirigida a setores privile-</p><p>giados na economia global. (Chomsky, 1993, p. 18)</p><p>Esta mesma análise é feita por Therborn (1988), referin-</p><p>do-se à realidade europeia. No prólogo de seu livro sobre de-</p><p>semprego, enfatiza que "o desemprego converteu-se na praga</p><p>do capitalismo avançado dos anos 1980". A Europa, como ve-</p><p>remos no Capítulo III, converteu-se numa verdadeira cortina</p><p>de ferro para impedir a entrada, em seus mercados, dos desen-</p><p>raizados e miseráveis do Terceiro Mundo.</p><p>Para a América Latina e o Terceiro Mundo em geral, a</p><p>despeito da sua heterogeneidade e do fato de que dentro do</p><p>caráter transnacional da economia haja ilhas de prosperidade</p><p>e privilégios, os custos humanos assumem proporções alarman-</p><p>tes. As análises da crise atual do capitalismo são de pessimismo</p><p>quando se referem à situação e perspectivas da América Latina</p><p>e Terceiro Mundo.</p><p>Num balanço da crise do capitalismo na década de 1980,</p><p>Blackbum nos oferece um retrato do que estão representando as</p><p>regras do ajuste imposto pelos países ricos aos países pobres.</p><p>Os frutos gerados pelo capitalismo nos anos 1980 não se disso-</p><p>ciam de um processo obsceno, que bloqueou as perspectivas de</p><p>um enorme número de pessoas nos países mais pobres - pri-</p><p>meiro por causa das dívidas que contraíram com os países mais</p><p>ricos, e, posteriormente, porque os seus produtos foram excluí-</p><p>dos do mercado. Em grande parte do Terceiro Mundo a distri-</p><p>buição do poder econômico e político não impediu a escassez</p><p>quase generalizada de víveres, nem epidemias de doenças curá-</p><p>veis. Não raro os movimentos em favor dos pobres, que tentaram</p><p>se opor a tal estado de coisas, tiveram por resposta a repressão</p><p>impiedosa e esquadrões da morte. (Blackburn, 1992, p. 108)</p><p>92 GAUDÊNClO FRIGOnO</p><p>A explicação mais surpreendente de como na reorganiza-</p><p>ção do capitalismo em crise, por seu caráter excludente o capi-</p><p>tal, com sua nova base tecnológica, ao contrário de potencializar</p><p>a vida humana - extensão das capacidades humanas - pode</p><p>tornar-se poder destrutivo, vem da OIT: A tecnologia empobrece</p><p>o Terceiro Mundo.</p><p>Praticamente todos os países da América Latina estão</p><p>submetidos ao ajuste dos centros hegemônicos do capitalismo.</p><p>Os dados que N. Chomsky apresenta do Banco Mundial indicam</p><p>que os países industrializados reduzem as rendas nacionais do</p><p>sul do planeta em cerca do dobro à ajuda financeira concedida</p><p>à região. Isto constrói um quadro de profunda perversidade na</p><p>relação Norte/Sul:</p><p>Os programas ditados pelo Fundo Monetário Internacional e</p><p>pelo Banco Mundial já ajudaram a dobrar a brecha entre os</p><p>países ricos e pobres desde 1960. As transferências de recursos</p><p>dos países pobres para os ricos chegaram a mais de US$ 400</p><p>bilhões entre 1982e 1990, o equivalente, em valores atuais, a mais</p><p>ou menos seis Planos Marshall "fornecidos pelo sul ao norte".</p><p>(Chomsky, 1993, p. 18)</p><p>Os mecanismos do confisco social dão-se mediante trans-</p><p>ferências por serviços da dívida externa; royalties e especulações</p><p>monetárias; perdas por deterioração dos termos de acordos de</p><p>comércio e lucros repartidos pelas multinacionais.</p><p>A análise sobre a dívida externa e o pagamento dos juros</p><p>da dívida, nos termos que têm sido colocados para o Brasil e</p><p>para os países latino-americanos, inviabiliza qualquer política</p><p>de retomada do desenvolvimento e dilapida de tal forma o</p><p>fundo público que impossibilita a manutenção de serviços que</p><p>são direitos dos cidadãos, como saúde, educação, seguro de-</p><p>semprego etc. Os dados analisados por M. Arruda para o caso</p><p>brasileiro são de extraordinária clareza para mostrar como se</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL</p><p>93</p><p>inviabiliza qualquer possibilidade de mudanças profundas sem</p><p>enfrentar a relação genocida com os "credores".</p><p>O balanço de pagamento de 1990 fechou com um deficit total de</p><p>US$ 3,3 bilhões, financiado pelo acúmulo de atrasados nos pag~-</p><p>mentos externos. No entanto, é o próprio Banco Central que di-</p><p>vulga o fato surpreendente de o Brasil ter pago US$ 7 b~ões de</p><p>amortizações, mais US$ 9,7 bilhões de juros aos credores interna-</p><p>cionais durante 1990, ano da moratória. (...) Na década p~ss:da</p><p>(1980-1989)o Brasil pagou aos credores exte.rn~sUS$147,5 ~ilh~es,</p><p>sendo US$ 96,8bilhões de juros e US$ 50,6bilhoes de amortízaçoes.</p><p>Apesar disso, a dívida passou de US$ 64,2 bilhões em 1980 para</p><p>US$115,1 bilhões em 1989. (Arruda, 1992, p. 58-64)</p><p>Robert Kurz, ao analisar a situação dos países da América</p><p>Latina, nos fala do sacrifício do TerceiroMundo e cita Simon ~1987),</p><p>para exemplificar a rendição da Argentina ao credo neoliberal:</p><p>A Argentina tornou-se o caso exemplar. d~ ~a estratégia im-</p><p>piedosamente praticada de desindustnalizaça~. Ent.re 1?75. e</p><p>1982 a produção industrial caiu 20% e a ocupaçao na mdust~I~,</p><p>em 40%. Crise de desemprego em massa fez com que a particí-</p><p>pação dos salários na renda nacional diminuísse de 49% para</p><p>32,5%. (Simon, apud Kurz, 1992, p. 175)</p><p>Este quadro, com o governo Menen, radicalizou-.se, c?~S-</p><p>tituindo-se o exemplo argentino como um caso paradIgmatlcO</p><p>de que o ajuste neoliberal traz uma receita avassaladora contra</p><p>as classes trabalhadoras. Trata-se de um modelo para poucos,</p><p>não mais que 30% da população.</p><p>Em uma análise sobre as políticas de ajuste para o caso</p><p>b ·1· M C C Soares expõe uma síntese de indicadoresraSI erro, . . .</p><p>que vários organismos nacionais e internacionais apresentam</p><p>e que mostram o agravamento da pobreza:</p><p>A taxa de crescimento do PIB caiu de 8,6% nos anos 1970 para</p><p>1,7% nos anos 80 e se tornou negativa no início dos 1990; o PIB</p><p>94</p><p>GAUDÊNClO FRIGOnO</p><p>per capita em 1990foiinferior ao de 1979;entre 1981e 1990caiu</p><p>5,3%; a dívida externa (corroborando os dados de Arruda), a</p><p>despeito da maciça transferência de recursos para o exterior,</p><p>subiu de US$ 64 para US$ 116bilhões de 1980a 1989;a percen-</p><p>tagem de brasileiros vivendo abaixo da linha de pobreza passou</p><p>de 24% em 1980para 39% em 1988;o salário mínimo real caiu</p><p>40% entre 1980e 1989;os salários, que se apropriavam de mais</p><p>de 50% da renda nacional no final da década de 1970,passaram</p><p>a deter no início dos anos 1990apenas 35%. (Soares, 1993,p. 12)</p><p>Estes dados mostram que ao lado das ilhas de riqueza e</p><p>ostentação, aninham-se o abandono infantil, a fome, a miséria,</p><p>as doenças endêmicas e, consequentemente a morte prematura.</p><p>A ONU, levando em conta a expectativa de vida, as taxas de</p><p>mortalidade infantil, a distribuição de renda e o nível educa-</p><p>cional da população, classifica o Brasil no septuagésimo país</p><p>do mundo em qualidade de vida (IstoÉ, p. 13, de 16 a 22 de maio</p><p>de 1993).</p><p>O número de crianças abandonadas (meninos de rua) na</p><p>América Latina é de aproximadamente dez milhões. Trata-se de</p><p>um contingente que tem crescido e que atinge, sobretudo, os</p><p>grandes e médios centros urbanos. Misturam-se crianças e jovens</p><p>que sobrevivem do trabalho na rua ou que têm a rua como seu</p><p>"mundo de vida". O documento O trabalho e a rua: crianças e</p><p>adolescentes no Brasil urbano dos anos 80 traça um retrato sombrio</p><p>de um contingente de aproximadamente cinco milhões de crian-</p><p>ças e jovens que trabalham em condições precárias e são vítimas</p><p>de todo o</p><p>tipo de exploração (Fausto e Cervini, 1992, p. 18-45).</p><p>Mais surpreendentes são os dados revelados por J. Mu-</p><p>zungu, em artigo na revista Globe, que constata a existência,</p><p>ainda hoje, de 15 milhões de escravos no mundo. Destes, 320</p><p>mil se encontram no Brasil (Muzungu, 1993, p. 38).</p><p>A síntese da lógica da acumulação de riqueza de um lado,</p><p>e da acumulação da miséria de outro, nos últimos 50 anos no</p><p>Brasil, nos é cruamente exposta por Celso Furtado:</p><p>l</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 95</p><p>Durante 50 anos o Brasil cresceu mais do que qualquer país do</p><p>mundo, alcançou uma das taxas de crescimento mais altas, 7%</p><p>ao ano - a cada dez anos o PIB dobrava. Mas o país fez isso</p><p>acumulando miséria. O crescimento é necessário, mas não sufi-</p><p>ciente. (Furtado, Jornal do Brasil, p. 13,3 out. 1993)</p><p>Tomando os países da América Latina no seu conjunto, C.</p><p>Villas (1991) mostra-nos que a aplicação das políticas neoliberais</p><p>representaram uma violência brutal sobre a vida da maioria</p><p>dos cidadãos destas nações. Nas duas últimas décadas, eviden-</p><p>cia-nos este autor, o número de miseráveis absolutos aumentou</p><p>em 70 milhões. Isto equivale, aproximadamente, a duas vezes</p><p>a população total da Argentina.</p><p>A realidade econômico-social que se está produzindo na</p><p>América Latina torna uma das teses básicas da doutrina neoli-</p><p>beral de Hayek - que a desigualdade é fundamental para a</p><p>eficiência e produtividade capitalista - uma lastimável profe-</p><p>cia que vem se realizando.</p><p>Face à lógica da concentração de capital de um lado e, de</p><p>outro, a exclusão crescente, não faltam estudos encomendados</p><p>pelos organismos que representam a intelligentzia dos ~rupos</p><p>que protagonizam esta realidade. Cinismo? Preocupaçao com</p><p>a manutenção da ordem?</p><p>Em estudo encomendado pelo Clube de Roma ao filósofo</p><p>Adam Schaff (1990), ao analisar o impacto da tecnologia sobre</p><p>a economia mundial, a política e os valores, conclui que em face</p><p>da atual crise que enfrenta o capitalismo se apresentam duas</p><p>saídas: a democratização e socialização da imensa capacidade</p><p>científico-técnica a serviço das múltiplas necessidades humanas</p><p>ou o "equilíbrio" mantido mediante a guerra e convulsões so-</p><p>ciais. Por ora as políticas do ajuste neoliberal, a Guerra do</p><p>Golfo, a violência e a criminalidade nos indicam que existe um</p><p>decisão em curso.</p><p>Partindo das análises da crise do Estado de Bem-Estar e</p><p>perante as tendências desenhadas de reestruturação capitalis-</p><p>96 GAUD~NClO FRIGOTTO</p><p>ta pela exclusão exacerbada, Hobsbawm, após fazer uma ba-</p><p>lanço sobre a crise do socialismo, convida-nos a lamentar com</p><p>Fukuyama por afirmar que 1989significava "o fim da história"</p><p>e, daí para frente, tudo seria tranquilamente liberal e livre</p><p>mercado. "Poucas profecias destinam-se a ter vida mais curta</p><p>que esta" (Hobsbawm, 1992a, p. 106). Em seguida, num outro</p><p>texto, conclui que "os socialistas estão aqui para lembrar ao</p><p>~undo que em primeiro lugar vêm as pessoas e não a produ-</p><p>çao. As pessoas não podem ser sacrificadas" (Hobsbawm,</p><p>1992b, p. 268).</p><p>~CDRTez</p><p>\l!lilfEDITORA 97</p><p>111</p><p>o fim da sociedade do trabalho</p><p>e a não central idade do</p><p>trabalho na vida humana</p><p>Neste terceiro capítulo vamos enfrentar uma das questões</p><p>formuladas no Capítulo I como desafio para aqueles que, no</p><p>campo social e, no caso específico, educacional, tomam como</p><p>categoria central de análise histórica o trabalho.</p><p>É no interior da discussão da crise do capitalismo ou mais</p><p>amplamente do "processo civilizatório" e do peso que joga a</p><p>nova base científico-técnica no processo produtivo, que várias</p><p>análises, tendo como campo de observação o espaço onde o</p><p>capitalismo mais avançou (em seu caráter positivo, mas também</p><p>destrutivo), expõem a crise da sociedade do trabalho e as presu-</p><p>míveis "alternativas". Por caminhos diversos, todavia, de uma</p><p>forma ou de outra, desembocam na questão do "desapareci-</p><p>mento" das classes sociais e no problema da passagem ou supe-</p><p>ração do capitalismo.</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Edited by Foxit Reader</p><p>Copyright(C) by Foxit Software Company,2005-2008</p><p>For Evaluation Only.</p><p>98 GAUDtNClO FRIGOTTO</p><p>1. A crise da sociedade do trabalho e a não centralidade</p><p>do trabalho</p><p>Tomaremos aqui, pela influência de seus trabalhos no</p><p>Brasil, as análises que Claus Offe, Adam Schaff e Robert Kurz</p><p>derivam da "crise da sociedade do trabalho".</p><p>De Claus Offe interessa-nos discutir, sobretudo, a tese da</p><p>"perda da centralidade do trabalho como categoria sociológica</p><p>fundamental para entender a vida social" e as categorias histó-</p><p>rico-analíticas que propõe como substitutas.</p><p>Do pensamento filosófico de Adam Schaff, analisaremos</p><p>a sua compreensão da "nova revolução tecnológica" e a ideia</p><p>do "fim do trabalho" na sua forma de trabalho abstrato, que</p><p>dela deriva.</p><p>Por último, um autor menos conhecido no Brasil e mesmo</p><p>nos meios acadêmicos de seu país, Alemanha, um autodidata,</p><p>motorista de táxi e membro de um pequeno grupo (alternativo),</p><p>Robert Kurz, que, numa obra "ousada" ou de "arrogância des-</p><p>concertante" (Gianotti, 1993, p. 48) e de amplo sucesso editorial</p><p>no nosso país, sustenta a tese do colapso da modernização,</p><p>entendida como a forma mercadoria de organização do conjunto</p><p>das relações sociais, incluindo a experiência do socialismo real,</p><p>que denomina de socialismo de caserna. Nesta obra prognosti-</p><p>ca, também, o fim da sociedade do trabalho; do trabalho abstrato</p><p>e, como consequência (lógica), o fim das classes sociais e do</p><p>capitalismo. Trata-se de uma análise que chega à mesma con-</p><p>clusão de Fukuyama - O fim da história - com sinal trocado,</p><p>como pondera Gianotti em uma perspicaz resenha desta obra.</p><p>Antes de buscarmos explicitar os argumentos básicos das</p><p>análises destes três autores, é importante salientar alguns aspec-</p><p>tos de contextualização teórico-histórica dos seus trabalhos.</p><p>Na discussão da tese da não centralidade do trabalho como</p><p>categoria sociológica de análise de Claus Offe, autor ligado ao</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 99</p><p>pensamento neofrankfurtiano, tomaremos como base um con-</p><p>junto de trabalhos por ele produzidos ou de textos em parceria</p><p>na coletânea que organizou, traduzida com o título Trabalho e</p><p>sociedade: problemas estruturais e perspectivas para o futuro da so-</p><p>ciedade do trabalho (1989). Trata-se de uma coletânea de textos</p><p>produzidos na Universidade de Bielefeld, no in!cio da déca~a</p><p>de 1980 e originariamente publicados em alemao. Na questao</p><p>específica da categoria trabalho, no nosso entender, como ve-</p><p>remos adiante, Offe desloca a sua análise do terreno histórico</p><p>para uma perspectiva de caráter neorracionalista e funcionalis-</p><p>ta. Isto contrasta, como mostramos no Capítulo II, com a sua</p><p>significativa contribuição na crítica e na análise da crise do</p><p>Estado de Bem-Estar.'</p><p>Adam Schaff é um filósofo polonês, com algumas obras</p><p>de peso desenvolvidas dentro da concepção marxist~ de histó-</p><p>ria e de realidade, como História e verdade (1974), e Lmguagem e</p><p>conhecimento (1964). Estas obras caracterizam~se pela densidade</p><p>filosófica e constituem-se em fontes referenciais de uma epis-</p><p>temologia histórico-dialética.</p><p>Co'ntrastando com estes textos, no ensaio Sociedade infor-</p><p>mática (1990), publicado originariamente na Alemanha com o</p><p>título Wohim führt der weg em 1985, Schaff arrisca hipóteses</p><p>arrojadas sem sentir-se na obrigação de trazer muitos argumen-</p><p>tos ou comprovações. Trata-se de um trabalho encomendado,</p><p>como já indicamos, pelo Clube de Roma,' no qual o autor ana-</p><p>1.Ver Offe, c., Capitalismo desorganizado. São Paulo: Brasiliense, 1989;Problemas</p><p>estruturais do Estado capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984;Contradicciones</p><p>en.el Estado del bienestar. México: Alianza, 1980;"Sistema educacional, sistema ocupa-</p><p>cional e política da educação - contribuição à determinação das funções sociais do</p><p>sistema educacional", Educação & Sociedade, São Paulo, n. 35, 1990.</p><p>2. O Clube de Roma é um organismo que constitui uma espécie de inte/ligen-</p><p>tzia, formado por intelectuais e empresários de tradição liberal-conservadora ou</p><p>progressista que buscam analisar estrategicamente os rum~s que toma o desenvol-</p><p>vimento econômico, político</p><p>e social, no âmbito das relaçoes internacionais,</p><p>100</p><p>GAUDtNCIO FRIGOTTO</p><p>lisa o impacto daquilo que denomina a "segunda revolução</p><p>técnico-industrial" sobre os âmbitos econômico, político-social</p><p>e cultural e sobre o indivíduo humano (sentido da vida, estilo</p><p>de vida e a busca de um novo sistema de valores). Neste traba-</p><p>~ho.amplia uma análise que publicou em 1984, cuja edição</p><p>italiana tem o título Occupazione e lavora ire Ia rivoluzione micra-</p><p>eleitronica (1984).</p><p>A análise de R. Kurz, exposta no livro O colapso da moder-</p><p>nização: da derrocada do socialismo de caserna à crise da economia</p><p>mundial (1992), situa-se no vértice de um debate que apreende,</p><p>de um lado, as interpretações sobre a derrocada do socialismo</p><p>real e, de outro, as conclusões sobre a vitória e supremacia</p><p>definitiva (enfim!) do sistema capitalista. Como indica R.</p><p>Schwarz na apresentação da obra, Kurz "arrisca uma leitura</p><p>inesperada dos fatos". Sustenta a tese de que a crise do Leste</p><p>Europeu é apenas a segunda etapa (a primeira foi protagoni-</p><p>zada pelo "Terceiro Mundo") da crise da sociedade das merca-</p><p>dorias; já que socialismo real (ou de caserna) e capitalismo, sob</p><p>formas diferentes, eram regidos por este sistema. A crise é,</p><p>portanto, da forma mercadoria e começa, agora, sua fase final</p><p>no coração do próprio capitalismo avançado. O livro de Kurz</p><p>foi originariamente publicado na Alemanha em 1991. Diferen-</p><p>temente dos outros dois autores, Kurz não tem nenhum outro</p><p>trabalho traduzido e publicado no Brasil.</p><p>Os três trabalhos têm como base de análise, fundamental-</p><p>mente, o "Primeiro Mundo", embora Schaff e Kurz se refiram</p><p>especificamente ao "Terceiro Mundo" e, coincidentemente, os</p><p>três foram publicados originariamente na Alemanha. As moti-</p><p>vações que dão origem aos estudos são diversas, assim como</p><p>sãhod~ve~sas as análises. Todavia, o que nos interessa é que os</p><p>tres dao enfase, em seus estudos, à crise da sociedade do trabalho.</p><p>Daí derivam análises que também têm perspectivas diversas,</p><p>mas os três abordam a crise do trabalho assalariado - do tra-</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 101</p><p>balho abstrato -, o desaparecimento das classes sociais e as</p><p>perspectivas de superação do capitalismo.</p><p>Por fim, na ordem das observações metodológicas prévias,</p><p>destacamos dois aspectos que julgamos pertinentes na intro-</p><p>dução deste debate.</p><p>O primeiro aspecto diz respeito à necessidade teórica, polí-</p><p>tica e mesmo ética, daqueles que, em suas análises, têm busca-</p><p>do na apreensão histórica da categoria trabalho o eixo para a</p><p>compreensão das relações sociais e práticas educativas visando</p><p>a estabelecer um debate crítico sobre as questões postas pelos</p><p>trabalhos anteriormente assinalados. Para a área de educação,</p><p>o aprofundamento destas questões é crucial, na medida em que</p><p>o eixo do trabalho como princípio educativo, na perspectiva de</p><p>Marx e, posteriormente, de Gramsci, tem balizado, em grande</p><p>parte, tanto o embate teórico, quanto o embate político prático</p><p>das últimas duas décadas no Brasil."</p><p>O segundo aspecto, de ordem mais geral, relaciona-se ao</p><p>tensionamento que as análises acima trazem, no âmbito epis-</p><p>temológico, teórico e político, para aqueles que, não por con-</p><p>fissão de fé, mas por um processo de aprofundamento e de</p><p>radicalidade na análise do real, desembocaram na concepção</p><p>materialista histórica formulada por Marx e Engels e buscam,</p><p>por esta concepção, apreender as múltiplas determinações e</p><p>mediações que constituem as estruturas necessárias da realidade</p><p>social e, ao mesmo tempo, uma determinada ontologia social.</p><p>Konder (1992), em relação a este último aspecto, conclui</p><p>seu perspicaz livro - O futuro dafilosofia da práxis: opensamento</p><p>de Marx no século XXI - com duas advertências extraídas, como</p><p>3. Esta afirmação pode ser confirmada pelo volume de publicações, teses,</p><p>dissertações e artigos produzidos sobre o tema na área de educação. Para um ba-</p><p>lanço da relevância que a questão do trabalho assumiu nas análises do campo</p><p>educacional, ver Josédos Santos Rodrigues, A educação politécnica no Brasil: concepção</p><p>em construção (1984-1992),dissertação de mestrado, UFF,1993.</p><p>102</p><p>GAUDtNCIO FRIGOnO</p><p>ele a denomina, de "duas expressões extraordinariamente agu-</p><p>das da filosofia da práxis" - Karel Kosik e Antonio Gramsci.</p><p>Ambas se aplicam ao contexto dos trabalhos que iremos analisar.</p><p>Registramos, todavia, a de Gramsci, apenas por ser a que tem</p><p>uma direta relação metodológica com este trabalho:</p><p>Na discussão científica,já que se supõe que o que interessa seja</p><p>a busca da verdade e oprogresso da ciência,demonstra sermais</p><p>"avançado" aquele que adota o ponto de vista segundo o qual</p><p>o adversário pode expressar uma exigênciaque deve ser incor-</p><p>porada, ainda que, como um momento subordinado, à sua</p><p>própria construção. (Gramsci,apud Konder, 1992, p. 140)</p><p>Esta advertência ganha um significado mais crucial pelo</p><p>fato de que os interlocutores que discutem a problemática da</p><p>crise da sociedade do trabalho, do fim da centralidade desta</p><p>categoria na análise social e do próprio fim do trabalho abstrato,</p><p>não são, como apontamos anteriormente, os teóricos do capital</p><p>humano das décadas de 1960 e 1970ou os apologetas da socieda-</p><p>de do conhecimento das décadas de 1980 e 1990, que revisitam e</p><p>vestem com novas roupagens esta mesma "teoria". Trata-se de</p><p>autores inscritos ou na tradição crítica da Escola de Frankfurt</p><p>ou em outras perspectivas da tradição marxista. Há que se qua-</p><p>lificar, todavia, em que medida esta tradição não é falseada.</p><p>Orientado por estas observações, inicialmente busco expor,</p><p>de forma sucinta, os argumentos dos autores na forma mais</p><p>original possível. Em seguida, estabelecerei uma discussão</p><p>crítica com os mesmos.</p><p>1.1Claus Offe e a tese da perda da centralidade do trabalho</p><p>na vida social</p><p>A argumentação que embasa a tese de Offe sobre a perda</p><p>da centralidade do trabalho enquanto categoria sociológica e,</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 103</p><p>portanto, enquanto conceito fundamental para apreender as</p><p>relações sociais, deriva de observações cotidianas, enquetes</p><p>diversas, pesquisas e argumentos de caráter histórico, que lhe</p><p>indicam estar a sociedade do trabalho em crise.'</p><p>Três argumentos iniciais são explicitados para sinalizar a</p><p>crise da sociedade do trabalho.</p><p>Começando pelo prefácio da coletânea, Offe vale-se de</p><p>um texto do ministro do Trabalho e da Ordem Social da Ale-</p><p>manha, cujo título é O trabalho continua, para afirmar que "isso</p><p>só pode ser interpretado (da mesma forma que a visita de</p><p>saúde em moribundos) como um sintoma da crise da socieda-</p><p>de do trabalho".</p><p>Um segundo argumento, corroborado por inúmeras aná-</p><p>lises de autores anteriormente mencionados, é que, embora a</p><p>produção econômica de bens e serviços cresça em pequena</p><p>monta, os dados evidenciam uma capacidade decrescente do</p><p>mercado de trabalho para absorver trabalhadores. Mas, para</p><p>Offe, mesmo que isso não ocorresse, a crise da sociedade do</p><p>trabalho se fundaria na "perda da qualidade subjetiva de cen-</p><p>tro organizador das atividades humanas, da autoestima e das</p><p>referências sociais, assim como das orientações morais".</p><p>Por fim, neste nível de argumentação, a crise da sociedade</p><p>do trabalho estaria evidenciada pela profunda diferenciação</p><p>interna dos que têm trabalho remunerado contratual.</p><p>Da crise da sociedade do trabalho, Offe deriva a perda do</p><p>caráter explicativo fundamental do trabalho como categoria</p><p>4. Por crise entende o autor como sendo urna situação na qual repentinamen-</p><p>te instituições tradicionais e evidências incontestáveis tornam-se controvers~s,</p><p>onde inesperadamente surgem dificuldades de relevância fundament~l, onde nao</p><p>se sabe o que vai acontecer. "Sociedade do trabalho" é urna expressao cunh~da</p><p>por Dahrendorf para referir-se à visão da sociologia clássica (Weber e Durk~el~)</p><p>que tem no trabalho a categoria explicativa central e é tornada como referência</p><p>por Offe.</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Edited by Foxit Reader</p><p>Copyright(C) by Foxit Software Company,2005-2008</p><p>For Evaluation Only.</p><p>104</p><p>GAUDtNClO FRIGOnO</p><p>sociológica. A argumentação de Offe se desenvolve mostrando</p><p>por que o trabalho empiricamente</p><p>se torna um objeto central</p><p>dos clássicos e por que, hoje, a Sociologia deve fundar seu</p><p>objeto em novas categorias. O fato de o trabalho constituir-se,</p><p>como o concebe Marx, "uma eterna necessidade natural da vida</p><p>social" não pode levar-nos a ignorar, segundo Offe, as transfor-</p><p>mações profundas de sua divisão, organização, fragmentação</p><p>e racionalidade daí derivada.</p><p>O que explica, de acordo com Offe, o fato de o trabalho ter</p><p>sido a categoria central nas análises dos clássicos deve-se a</p><p>razões objetivas do mesmo terem assumido posição estratégica</p><p>entre o fim do século XVIII e término da Primeira Guerra Mun-</p><p>dial. Esse dado estratégico adviria do processo de diferenciação</p><p>que o trabalho vai assumindo na superação da sociedade esta-</p><p>mental e na estruturação da sociedade capitalista, o surgimen-</p><p>to do proletariado e as contradições da racionalidade técnica</p><p>do processo de trabalho que visa a subjugar a natureza em</p><p>função das necessidades humanas e da racionalidade econômi-</p><p>ca burguesa:</p><p>É exatamente esse amplo poder macrossociológico determinan-</p><p>te do fato social do trabalho (assalariado) e das contradições da</p><p>racionalidade empresarial e social que o comanda, que agora se</p><p>torna sociologicamente questionável. (Offe, 1984, p. 16)</p><p>Ampliando a argumentação acima, observa que as pesqui-</p><p>sas da Sociologia industrial abandonaram o tema do trabalho</p><p>e este se reduz a "uma variável dependente de políticas de</p><p>humanização". A pesquisa se desloca para as "bordas" da es-</p><p>fera do trabalho, para temas como a família, papéis do sexo,</p><p>saúde etc. Serve-se Offe, todavia, das análises macrossocioló-</p><p>gicas sobre o surgimento da "sociedade pós-industrial de ser-</p><p>viços" para mostrar que a referência unitária do trabalho se</p><p>dilui. As atividades do setor secundário (industrial) diminuem</p><p>e se deslocam para o âmbito dos serviços, onde a heterogenei-</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISEDO CAPITALISMO REAL 105</p><p>dade é muito grande e não permite critérios similares de pro-</p><p>dutividade e racionalidade técnica.</p><p>Outra dúvida levantada por Offe é sobre a validade da</p><p>centralidade do trabalho para quem tem trabalho remunerado.</p><p>Os mecanismos de ordem moral onde" o trabalho poderia ser</p><p>normatizado como obrigação, no âmbito da integração social</p><p>ou instalado como imposição, no âmbito de integração sistêmi-</p><p>ca" não se sustentam hoje para organizar a vida pessoal, espe-</p><p>cialmente para os países de capitalismo avançado. Para Offe, o</p><p>elemento de integração fica invalidado pela tendência ao ano-</p><p>nimato dos indivíduos nestas sociedades e o de imposição,</p><p>diluído pelas garantias do seguro desemprego das políticas do</p><p>Estado de Bem-Estar.</p><p>O conjunto de trabalhos mencionados por Offe que descre-</p><p>vem diferentes dimensões da fragmentação e diferenciação dos</p><p>que trabalham e a produção de uma certa cultura do "não tra-</p><p>balho", pelos grupos de desempregados, o conduz à suposi~ão</p><p>de que "a consciência social não mais pode ser reconstruída</p><p>como consciência de classe" e, portanto, a Sociologia deve bus-</p><p>car outras categorias básicas para construir seu objeto.</p><p>Se a consciência social não mais pode ser reconstruída como</p><p>consciência de classe, a cultura cognitiva não mais pode ser re-</p><p>ferenciada ao desenvolvimento das forças produtivas, o sistema</p><p>político não mais se atém às condições de produção e ~a sup~-</p><p>ração dos conflitos distributivos, e se a sociedade nao mais</p><p>problematiza através de indagações que possam ser respon~idas</p><p>pelas categorias de escassez e de ocupação, então surge ev~de~-</p><p>temente a necessidade de um sistema de coordenadas conceituais</p><p>com o qual seria possível cartografar as esferas da realidade</p><p>social não plenamente determinadas pelo âmbito do trabalho e</p><p>da produção. (Offe, 1984, p. 34)</p><p>O caminho percorrido por Offe leva-o a apoiar-se num</p><p>referencial que não é da Sociologia clássica mas, como ele rnes-</p><p>106</p><p>GAUDÊNClO FRIGOnO</p><p>mo expõe, de uma teoria "que vá além da esfera do trabalho".</p><p>Esta escolha é explícita ao afirmar que:</p><p>Habermas apresenta em sua "teoria da ação comunicativa", uma</p><p>proposta teórica fundamentada na história da teoria social, e que</p><p>satisfaz essas necessidades. Afastando-se decidida e controver-</p><p>samente dos paradigmas da teoria dos conflitos, Habermas</p><p>constrói a estrutura e a dinâmica das sociedades modernas não</p><p>como um antagonismo autoenraizado na esfera da produção,</p><p>mas como a colisão entre os "subsistemas da ação objetivamen-</p><p>te racional", mediatizados pelo dinheiro e pelo poder, e um</p><p>"espaço vital (lebenswelt) auto determinado (eigensinni)" pelo</p><p>outro lado. (Offe, 1984, p. 34)</p><p>Finalmente, as categorias gerais que Offe define como</p><p>substitutivas da categoria trabalho, para fundar o objeto da</p><p>Sociologia não mais na perspectiva das contradições e conflitos,</p><p>mas na teoria da ação comunicativa, são o espaço vital, o modo de</p><p>vida e o cotidiano. No plano mais concreto, estas categorias se</p><p>explicitam em temáticas como "a família, os papéis dos sexos,</p><p>o comportamento divergente, a interação da administração</p><p>estatal com seus clientes etc." (Offe, 1984, p. 18)</p><p>1.2Adam Schaff e o anúncio do fim do trabalho abstrato na</p><p>sociedade informática</p><p>A análise de Schaff no texto Sociedade informática (1990)</p><p>busca apreender e dimensionar o profundo impacto daquilo</p><p>que o autor chama de Segunda Revolução Industrial, sobre a</p><p>formação econômica, política e cultural da sociedade e sobre o</p><p>indivíduo, o sentido e estilo de vida e sistema de valores. Esta</p><p>"Segunda Revolução Industrial" resulta de uma tríade que</p><p>muda qualitativamente a base técnica do processo produtivo e</p><p>afeta as relações sociais no seu conjunto: "a revolução micro-</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 107</p><p>eletrônica e a revolução técnico-industrial a ela associada (...).</p><p>A revolução da microbiologia com sua componente resultante,</p><p>a engenharia genética (...) e a revolução energética" (Schaff,</p><p>1990, p. 23).</p><p>Essa tríade traz uma mudança qualitativa em relação à</p><p>Primeira Revolução Industrial. Enquanto esta, por um período</p><p>de aproximadamente dois séculos de inventos, possibilitou</p><p>dilatar e substituir de forma fantástica a força física do homem,</p><p>a segunda a</p><p>que estamos assistindo agora consiste em que as capacidades</p><p>intelectuais do homem são ampliadas e inclusive substituídas</p><p>por autômatos, que eliminam com êxito crescente o trabalho</p><p>humano na produção e nos serviços. (Schaff, 1990,p. 22)</p><p>Ambas significaram saltos qualitativos." Todavia, para</p><p>Schaff a primeira revolução conduziu a diversas facilidades e</p><p>a um enorme incremento na produtividade do trabalho huma-</p><p>no, enquanto a segunda, por suas consequências, aspira a eli-</p><p>minação deste.</p><p>Para Schaff a transformação revolucionária da ciência e da</p><p>técnica, que traz modificações na produção e nos serviços, "deve</p><p>necessariamente produzir mudanças nas relações sociais".</p><p>No plano econômico, o impacto mais profundo é a redução.</p><p>da demanda de trabalho humano e o consequente acirramento</p><p>do desemprego estrutural. Esta tendência, segundo Schaff, é</p><p>/</p><p>5. A definição do número de "revoluções industriais" e a sua própria defi-</p><p>nição, não são temas sobre os quais exista concordância tranquila. Raymond</p><p>Williams (1984, p. 99), em uma análise crítica ao próprio conceito de Revolução</p><p>Industrial, nos indica que a literatura sobre o tema mormente apresenta-nos uma</p><p>classificação de três revoluções industriais. Uma primeira que vai de 1760a 1840,</p><p>cujo marco identificador é a máquina a vapor. Uma segunda, que vai de 1860 a</p><p>1910,cujos marcos básicos são diferentes formas de energia, mormente derivadas</p><p>do petróleo e da eletricidade. Por fim, a terceira, cujos marcos iniciais se dão na</p><p>década de 1950,com a energia nuclear, rnicroeletrônica e microbiologia.</p><p>108 GAUDtNClO FRIGOTTO</p><p>suprassistêmica e a solução não pode advir mediante o tradi-</p><p>cional auxílio desemprego. Para o autor, o problema será crucial</p><p>quando a redução da jornada de trabalho se aproximar ao nível</p><p>zero para grándes massas. Nesta situação haveria um custo</p><p>onde" o tempo livre se converteria em carga psíquica. Produz-se,</p><p>de fato, uma 'poluição' de tempo livre".</p><p>A saída para essa tendência, encontrada</p><p>por Schaff, seria</p><p>a substituição do trabalho tradicional- trabalho remunerado</p><p>-. por atividades que dessem "sentido à vida" - "ainda que</p><p>seJa somente para assegurar o bem-estar psíquico dos homens</p><p>que não trabalham".6 A operacionalização desta perspectiva</p><p>poderia vir mediante o tipo de estratégia postulada pelo me-</p><p>morando sobre The Triple Revolution, elaborada por um comitê</p><p>especial do The Santa Barbara Center of the Study of Democra-</p><p>tic Institutions em 1964, que recomenda:</p><p>Instamos que a sociedade, através das instituições jurídicas e</p><p>governamentais apropriadas, se comprometam sem reservas a</p><p>proporcionar, por direito, um rendimento a todo o indivíduo e</p><p>a toda a família. (p. 35)7</p><p>. Esta sociedade futura, para Schaff, não será nem o capita-</p><p>lismo, nem o socialismo, na forma como os conhecemos até</p><p>hoje. Por falta de outra denominação melhor, sugere que se</p><p>denomine de economia coletivista. Partindo uma vez mais do</p><p>6. Enquanto a fórmula keynesiana em face do desemprego em massa dos</p><p>anos 1930 defendia que o Estado deveria empregar trabalhadores nem que fosse</p><p>para abrir e fechar buracos para manter o emprego e a demanda agregada, aqui a</p><p>busca do trabalho não remunerado visa ao equilíbrio psíquico. Isto seria a solução</p><p>em uma SOCiedade que faz do tempo livre tempo escravizado? Adiante retomare-</p><p>mos esta questão.</p><p>7. Em face dos dados que analisamos no Capítulo II sobre a especificidade</p><p>da cnse e os custos humanos da reorganização do capitalismo, os "conselhos" do</p><p>The Santa Barbara Center, mencionados por Schaff, lembram os conselhos dos</p><p>confessores aos renitentes pecadores!</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL</p><p>109</p><p>memorando supracitado, conclui que esta sociedade não po-</p><p>derá prescindir da planificação:</p><p>o descobrimento histórico do período posterior à Segunda</p><p>Guerra Mundial é que o destino econômico da nação pode ser</p><p>dirigido. (...) A essência desta direção é a planificação. O requi-</p><p>sito democrático é a planificação a cargo de corporações públicas</p><p>para o bem geral. (...) O objetivo será a direção consciente e ra-</p><p>cional da vida econômica através de instituições planificadoras</p><p>submetidas ao controle democrático. (p. 40)</p><p>Ao analisar o impacto da Revolução Tecnológica, Schaff</p><p>precisa qual o tipo de trabalho desaparecerá e as consequências</p><p>em termos das classes sociais. Diferentemente de Claus Offe,</p><p>ressalva a dimensão ontológica do trabalho. O que desapare-</p><p>cerá é</p><p>o trabalho que consiste no emprego da própria capacidade em</p><p>troca de um determinado salário ou equivalente sob a forma do</p><p>preço recebido pelo fruto do trabalho de alguém. (...) Para evitar</p><p>erros de interpretação, devemos salientar que a eliminação do</p><p>trabalho (no sentido tradicional da palavra) não significa o de-</p><p>saparecimento da atividade humana, que pode adquirir as for-</p><p>mas das mais diversas ocupações. (p. 42) .</p><p>Partindo do pressuposto do fim do trabalho na sua forma</p><p>de trabalho abstrato, Schaff conclui, também, pelo fim das</p><p>classes sociais fundamentais:</p><p>É pois um fato que o trabalho, no sentido tradicional da palavra,</p><p>desaparecerá paulatinamente e com ele o homem trabalhador,</p><p>e, portanto, também a classe trabalhadora. (...) Como dissemos,</p><p>pode ser que ocorram mudanças de caráter socialista. Estas</p><p>poriam fim à propriedade privada dos meios de produção e dos</p><p>serviços em larga escala e, consequentemente, também à classe</p><p>capitalista, o que corresponderia a uma modificação radical da</p><p>estrutura social. (p. 43)</p><p>110</p><p>GAUDt:NCIO FRIGOTTO</p><p>No plano político, coerente com os pressupostos que ado-</p><p>ta, admite mudanças profundas. O problema crucial neste</p><p>campo é o da democracia. Esta demanda a necessidade de</p><p>elevar-se a consciência social. Neste particular, Schaff destaca</p><p>o papel primordial da educação. Importante, também, é a aná-</p><p>lise que faz da relação Estado e sociedade. A questão Estado ou</p><p>não Estado e a contraposição do universal e do particular são,</p><p>para Schaff, falsos dilemas.</p><p>Estado ou governo local, dado que o dilema é a rigor apenas</p><p>aparente, deve ser superado pela fórmula centralismo mais</p><p>governo local. A solução, portanto, segue o sentido de comple-</p><p>mentaridade e não o espírito dos contrários que se excluem</p><p>mutuamente. (p. 68)</p><p>Finalmente, no plano cultural e do indivíduo, as mudanças</p><p>tecnológicas caminham, para o autor, no sentido da produção</p><p>do cidadão do mundo, do homem universal. Este hemo unioer-</p><p>salis também caminhará à procura de um novo estilo e modo</p><p>de vida que se desloca do homo laborans para o homo ludens. Isto</p><p>implicará urna nova ética e, portanto, novos valores.</p><p>Pela sociedade informâiica, embora não se garanta automa-</p><p>ticamente o "paraíso", percebe Schaff as condições objetivas</p><p>para o homem produzir-se e autocriar-se livre da maldição</p><p>bíblica do "ganharás o pão com o Suor de teu rosto". Esta tare-</p><p>fa, marca da pela utopia, conclui, só poderá resultar do homem</p><p>enquanto ser social, isto é, corno resultado do conjunto de re-</p><p>lações sociais.</p><p>1.3Robert Kurz e o colapso da modernização: a crise do trabalho</p><p>abstrato</p><p>A análise de Kurz, "que arrisca urna leitura inesperada dos</p><p>fatos", marcadamente irracionalista, pela amplitude e diversi-</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 111</p><p>dade dos problemas que aborda, transcende o escopo deste</p><p>trabalho. Buscamos, tanto neste item corno no debate a seguir,</p><p>apreender a tese central de seu trabalho relacionada com a</p><p>crise da sociedade do trabalho e do trabalho abstrato, a questão</p><p>das classes sociais e a perspectiva que apresenta para a supe-</p><p>ração da sociedade regida pela forma mercadoria de relações</p><p>sociais.</p><p>A tese básica do autor é a de que a modernização consti-</p><p>tuída pela forma mercadoria de relações sociais entra numa</p><p>crise qualitativamente diferente das crises cíclicas e está no</p><p>horizonte do colapso. A peculiaridade da tese de Kurz é que a</p><p>forma mercadoria de produção e de relação social inclui a so-</p><p>ciedade capitalista regida (mais ou menos) pela liberdade das</p><p>regras de mercado e o socialismo real - socialismo de caserna,</p><p>corno o denomina -, que foi incapaz de romper com o trabalho</p><p>abstrato, mas apenas o regulou pelo estatismo.</p><p>Esta tese, por si e pelos argumentos que utiliza, traz à tona</p><p>um longo debate que, corno apontamos no Capítulo lI, longe</p><p>de ser novo, tem a idade do próprio capitalismo e das propos-</p><p>tas socialistas.</p><p>No tocante à questão do trabalho, das classes sociais e da</p><p>perspectiva da ruptura do capitalismo, a análise de Kurz apos-</p><p>ta deterministicamente na agonia e no fim do trabalho abstrato,</p><p>da mercadoria força de trabalho e, corno consequência lógica,</p><p>o fim das classes sociais. Embora não torne corno argumento</p><p>imediato as características específicas da "revolução tecnológi-</p><p>ca" para desenhar a agonia do trabalho abstrato, de forma</p><p>media ta as torna, na medida em que debita esta crise ao avan-</p><p>ço das forças produtivas.</p><p>O questionamento mais geral que Kurz apresenta, é sobre</p><p>a lógica do éthos da sociedade do trabalho. Entendida corno socie-</p><p>dade do trabalho sob a forma mercadoria, trabalho abstrato,</p><p>portanto, postula que esta sociedade não pode ser tornada como</p><p>"um estado fundamental ontológico da humanidade". É justa-</p><p>112 GAUD~NCIO FRIGOTTO</p><p>mente a forma mercadoria do trabalho e do trabalhador abs-</p><p>trato, sem referência concreta, fetichizada na forma alienada do</p><p>dinheiro e cujo objetivo é a produção de mais dinheiro, que</p><p>define a essência do capitalismo e que, para o autor, o socialis-</p><p>mo real não rompeu. Pelo contrário, para Kurz,</p><p>em nenhum outro lugar, esse éthos protestante do homem abs-</p><p>trato de trabalho dentro de uma sociedade transformada numa</p><p>máquina de trabalho, declarada por Max Weber como caracterís-</p><p>tica constitutiva ideológica e histórica do capitalismo, foi posto</p><p>em prática com mais fervor e rigor do que no movimento operá-</p><p>rio nas formações sociais do socialismo real. (Kurz, 1992, p. 25)</p><p>Para expor a essência da forma mercadoria, o autor recor-</p><p>re a Marx quando mostra que a mesma é uma forma histórica</p><p>que inverte a lógica da necessidade. O que importa não é pro-</p><p>duzir bens úteis enquanto "valores de uso", algo imposto im-</p><p>perativamente</p><p>para o ser humano enquanto ser de necessidades.</p><p>O que importa é produzir bens como valor de troca, uma ati-</p><p>vidade que traz em si a própria finalidade:</p><p>Os recursos humanos e materiais (força de trabalho, instrumen-</p><p>tos, máquinas, matérias-primas) deixam de ser simples compo-</p><p>nentes do metabolismo entre os homens e a natureza, que servem</p><p>para a satisfação das necessidades. Passam a servir, apenas, para</p><p>a autorreflexão tautológica do dinheiro como "mais dinheiro".</p><p>Necessidades sensíveis somente podem ser satisfeitas, portanto,</p><p>pela produção não sensível de mais-valia, que se impõe cega-</p><p>mente como produção abstrata, em empreendimentos indus-</p><p>triais, de lucro. (Kurz, 1992, p. 28)</p><p>O conflito básico da modernização, insiste Kurz,</p><p>não é aquele entre trabalho e não trabalho, como sempre supôs</p><p>o marxismo ingênuo do movimento operário da luta de classes,</p><p>mas sim aquele entre o conteúdo social e a forma social, incons-</p><p>ciente, do próprio trabalho. (p. 43)</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL</p><p>113</p><p>Por este caminho busca aquilo que indica ser um dilema</p><p>da teoria de Marx que não foi até o presente superad? Este</p><p>dilema se explicita de um lado na afirmação do movimento</p><p>operário enquànto posição de trab~lhad~~, posição de classe e</p><p>de outro, pela crítica da economia política que desmascara</p><p>justamente a classe trabalhadora (o proletariado), n~o con:o</p><p>sendo uma categoria ontológica, mas como categona social</p><p>construída historicamente. Neste sentido conclui que</p><p>do mesmo modo que se excluem a antologia do trabalho e a</p><p>crítica do trabalho abstrato, excluem-se, também, a posição do</p><p>trabalhador e a crítica da vida do trabalhador. (p. 71)</p><p>O que está cada dia mais evidente para Kurz é a tese ce~-</p><p>tral de Marx - contradição entre o avanço das forças produti-</p><p>vas e o caráter opaco das relações sociais de produçã~. ~ mo-</p><p>vimento letal desta contradição se efetivaria pela mediação da</p><p>concorrência capitalista que iria</p><p>alcançar, inevitavelmente, mediante o desenvolvimento ininter-</p><p>rupto das forças produtivas, o ponto de uma "aboliçã~ .do tra-</p><p>balho", isto é, do trabalho de produção abstrato, repetltlvo,. so-</p><p>mente destinado a criar valores; com isso, no entanto, supnme</p><p>também sua razão de ser, fazendo obsoleta a si mesma. (...) A</p><p>concorrência trabalha, sem saber e sem querer, na destruição do</p><p>seu próprio fundamento. (p. 80-81)</p><p>Nesta perspectiva, Kurz lembra uma das teses de Marx</p><p>desenvolvida na crítica à economia política burguesa segundo</p><p>a qual</p><p>a concorrência no sistema produtor de mercadorias era histori-</p><p>camente necessária para iniciar, numa forma a princípio ainda</p><p>inconsciente e fetichista, a emancipação humana dos fundamen-</p><p>tos puramente naturais do trabalho como "labor", como sofri-</p><p>mento, como "suor de teu rosto". (p. 79)</p><p>114</p><p>GAUD~NClO FRIGOTTO</p><p>A questão intrigante na análise de Kurz e que veremos a</p><p>seguir, é de que ao mesmo tempo em que incita à luta para o</p><p>rompimento da forma mercadoria de relações sociais de alie-</p><p>nação, este embate fica sem o sujeito clássico - a classe traba-</p><p>lhadora que admite já não existir enquanto tal. Esta questão fica</p><p>ainda mais problemática quando assinala que a ruptura, a su-</p><p>peração da crise e a instauração de uma nova sociedade, não</p><p>se farão por esquemas administrativos estatistas, mas por um</p><p>"consciente movimento social (...) movimento que teria que</p><p>derrubar, com violência maior ou menor, também esses apara-</p><p>tos". Não descarta, ressalvadas as diferenças históricas, a forma</p><p>das clássicas revoluções burguesas. Na sua utopia "prognosti-</p><p>ca um final não feliz, marcado pela violência".</p><p>Kurz atribui às Ciências Sociais especial relevância no</p><p>esforço para elevar-se a consciência social crítica. Em face do</p><p>caráter destrutivo, violento e excludente da sociedade das</p><p>mercadorias e sua razão abstrata universal, postula a emergên-</p><p>cia de uma razão sensível. Formar-se-ia, por esta "razão sensível",</p><p>um sujeito social e político para deflagrar a ruptura?</p><p>2. Da compreensão da crítica da centralidade do trabalho à</p><p>crítica da crítica</p><p>Os referenciais se tornam velhos quando não</p><p>têm mais capacidade explicativa e não porque</p><p>esses se enfrentam com problemas novos.</p><p>PAOLA MANACORDA</p><p>Nesta seção buscaremos levantar algumas questões e</p><p>contra-argumentações das ideias anteriormente expostas. Os</p><p>autores, como já assinalamos, não se situam num mesmo ter-</p><p>reno teórico e nem mesmo, na maioria das vezes, empírico-his-</p><p>tórico. Todos eles, todavia, têm o mérito de trazer ao debate</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL</p><p>uma problemática teórica e socialmente candente. De o~tra</p><p>parte trazem elementos de diagnóstico da fase atual do capita-</p><p>lismo, particularmente sobre o trabalho humano, de extrema</p><p>relevância político-social e, portanto, para o~ processo~ ed~c~-</p><p>tivos que se dão nos diferentes espaços, movimentos e ~n.shtU1-</p><p>ções da sociedade. Este diagnóstico, sobre o qual as analises se</p><p>multiplicam, pode ser explicitado, no âmbito do trabalho, por</p><p>indicações como as de Alain Touraine:</p><p>Na era industrial o trabalho era considerado o centro do mundo.</p><p>Ele catalisava ao mesmo tempo a vida das pessoas e a estrutura</p><p>da sociedade. Isso acabou: o trabalho mudou e, de repente,_ o</p><p>"mundo do trabalho", ou o que resta dele, mantém uma relaçao</p><p>problemática com o mundo tout court. (Touraine, 1993, p. 31;</p><p>tradução nossa)</p><p>As dificuldades e discordâncias com as abordagens acima</p><p>representadas não residem fundamentalmente no plano feno-</p><p>mênico dos dados que, como nos adverte Kosik (19_86), ,revela</p><p>e esconde a realidade, mas no plano interpretativo. Nao ha como</p><p>negar mudanças profundas no conteúdo, na divisão, na quan-</p><p>tidade e qualidade de trabalho demandad~ no processo pro-</p><p>dutivo da fase atual do capitalismo. Todavia, parece-nos p~o-</p><p>blemático deduzir da crise do trabalho no interior das relaçoes</p><p>capitalistas de produção e das mud~ças de sua natureza, a</p><p>perda da centralidade do mesmo na VIda humana. . . . ,</p><p>A análise de Claus Offe, com todas as ressalvas positivas Ja</p><p>apontadas para o debate contemporâneo, ao dis:~tir a.proble,-</p><p>mática do trabalho, afasta-se das perspectivas cnt~cas ligad~s :</p><p>concepção materialista histórica de análise da realidade SOCIal.</p><p>8 Por materialismo histórico entendemos, como explícita M. Manacorda</p><p>. . " I tra o ideologismo e a falsa cons-(1991a, P: 97), lia expressão imediata da uta con ra o I "</p><p>"A • domínante: na realidade em Marx, se trata, antes de tudo, de um modismo,ctertcra " r " to" Ou</p><p>que reduza toda a separação entre matéria e espírito, entre ser e pensamen .</p><p>115</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Edited by Foxit Reader</p><p>Copyright(C) by Foxit Software Company,2005-2008</p><p>For Evaluation Only.</p><p>116</p><p>GAUDENC/O FRIGOTTO</p><p>É importante registrar que a Escola de Frankfurt desen-</p><p>volve-se dentro de urna vertente da tradição marxista denomi-</p><p>nada por M. Lõwy (1990, p. 139) marxismo racionalista, cuja</p><p>densa tradição vem desde os anos 1930, com escritos de</p><p>Horkheimer, Marcuse e, após a Segunda Guerra Mundial, com</p><p>trabalhos de Adorno. Atualmente, os autores mais expressivos</p><p>vinculados a esta escola são os neofrankfurtianos Habermas e</p><p>Offe, com urna densa produção. Habermas propõe-se um pro-</p><p>jeto de reconstrução do materialismo histórico.</p><p>Offe reconhece sua dívida para com a tradição marxista</p><p>numa entrevista dada a David Held e J. Keane, em Londres, em</p><p>1982, afirmando que no passado se considerava antes de tudo</p><p>e acima de tudo marxista, mas que atualmente, mesmo que isto</p><p>lhe traga situações embaraçosas, defende urna postura meto-</p><p>dológica eclética nas Ciências Sociais.</p><p>Estou convencido de que não existe nas Ciências Sociais contem-</p><p>porâneas um paradigma singular suficientemente desenvolvido</p><p>e coerente para que se possa prescindir de outros paradigmas.</p><p>(...) O ecletismo é certamente legítimo dentro da Sociologia teó-</p><p>rica e empírica, se com isso quisermos indicar uma disposição</p><p>para aprender tanto da tradição marxista como das tradições</p><p>que incluem weberianos, durkheimianos e outros. (Offe, 1990,</p><p>p.258)</p><p>Na perspectiva em que situamos este debate entendemos</p><p>que a análise que Perry Anderson faz da Escola de Frankfurt</p><p>,</p><p>como lembra Gianotti ao discutir a teoria do valor: "Por certo, uma teoria do valor</p><p>talvez não tenha utilidade para todos aqueles que apenas tratam de calcular a</p><p>renda nacional. (...) Mas para todos nós que, além de estarmos interessados no</p><p>funcionamento do capital, indagamos ainda as condições de seu vir-a-ser que,</p><p>portanto, propomos uma concepção de ciência que investiga tanto o funcionamen-</p><p>~oquanto os modos de constituição do fenômeno, a análise do valor surge como a</p><p>uruca capaz de emprestar inteligibilidade às categorias com que o sistema labora</p><p>na sua superfície" (Gianotti, 1983,p. 227).</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 117</p><p>no contexto da crise do marxismo ocidental, nos ensaios Con-</p><p>siderações sobre o marxismo ocidental (1976), posteriormente em</p><p>A crise da crise do marxismo (1985), onde faz urna autocrítica por</p><p>não ter incluído no primeiro urna análise da obra de Habermas</p><p>e, finalmente, no seu mais recente trabalho publicado no Brasil,</p><p>O fim da história: de Hegel a Fukuyama (1992), é a mais abrangen-</p><p>te e consistente. A compreensão positiva e, ao mesmo tempo</p><p>crítica, da obra de Habermas, autor com quem Offe trabalha há</p><p>longos anos, mais especificamente, nos ajuda a qualificar melhor</p><p>a natureza deste debate.</p><p>No balanço da crítica do marxismo ocidental, Anderson</p><p>mostra que, à exceção de Gramsci, o marxismo ocidental cami-</p><p>nha por um abandono ao internacionalismo e no contexto das</p><p>derrotas dos movimentos operários desloca-se do trabalho</p><p>empírico-histórico e sua vinculação com os partidos e sindica-</p><p>tos para o âmbito da academia. Dominam as temáticas da su-</p><p>perestrutura e um embate de discurso. O marxismo, neste</p><p>terreno, não só cai na armadilha estruturalista como neste cam-</p><p>po é derrotado. Os sinais de retorno à tradição clássica estão,</p><p>para Anderson, no mundo anglo-americano e nórdico.</p><p>A análise sobre o edifício teórico de Habermas é, ao mesmo</p><p>tempo, realçada pela sua densidade e abrangência, quanto por</p><p>duras críticas. Ao referir-se ao programa de Habermas de "re-</p><p>construir o materialismo histórico", Anderson salienta: .</p><p>A escala e o perfil arquitetõnico do edifício teórico resultante</p><p>- sintetizando investigações epistemológicas, sociológicas,</p><p>políticas, culturais e éticas em um único programa de pesquisa</p><p>- não possuem nenhum equivalente efetivo na filosofia con-</p><p>temporânea, de qualquer inspiração. O ponto de partida para</p><p>qualquer avaliação da obra de Habermas deveria compreender</p><p>adequadamente a superioridade dessa façanha. As ideias que se</p><p>entrelaçam para formar o seu sistema filosófico precisam, con-</p><p>tudo, ser situadas com alguns parâmetros comparativos. (An-</p><p>derson, 1985,p. 70)</p><p>118 GAUDÊNCIO FRIGOnO</p><p>A~ si~á-Io como o "principal herdeiro do tema hegeliano</p><p>da reahza~ao plena d~ razão" e ao mostrar as saídas que Ha-</p><p>berma~ da para a cnse da sociedade capitalista, Anderson</p><p>conclui que, politicamente, assume hoje posições similares às</p><p>que Hegel assumia no seu tempo.</p><p>A c.orrespondência entre as duas arquitetônicas é, com efeito,</p><p>mais do que formal. Politicamente, com o ajustamento adequa-</p><p>do para o tempo decorrido, há uma curiosa semelhança em seus</p><p>resultado~ f~nais. Cada um aceita o mercado da época como a</p><p>or~em objetiva de qualquer vida econômica moderna, embora</p><p>assmaland~ as suas disfunções sociais, para as quais não parece</p><p>haver remédio estrutural. Cada um aceita o Estado do dia como</p><p>a for~a necessária de liberdade subjetiva e adverte contra as</p><p>ten~ah.vas de avançar para além dela, na direção de formas mais</p><p>r~dI~aI~de autodeterminação. A República Federal está a alguma</p><p>distância da Prússia pós-Reforma, mas a adesão de Habermas à</p><p>democracia parlamentar é historicamente tão convencional para</p><p>o seu tempo quanto a de Hegel à monarquia constitucional. Não</p><p>leva a maiores esperanças de transformação de baixo para cima.</p><p>(Anderson, 1992, p. 78)9</p><p>9. ~ tônica de. um desenraizamento com os movimentos políticos e de uma</p><p>apreensao do movimento empírico-histórico pelo marxismo ocidental e em parti-</p><p>cular pela tradição da Escola de Frankfurt, explicitados na análise de Anderson</p><p>persistem em trabalhos recentes de Habermas e sobre temas candentes. Comen-</p><p>tando o mais rec~nte trabalho de Haberrnas, traduzido no Brasil, Passado como fu-</p><p>turo (Te~po_Brasllelro, 1993), que trata de temas sobre a queda do muro de Berlim,</p><p>a re~mÍIcaç~o da Alemanha, a Guerra do Golfo, a reunificação europeia e o novo</p><p>cenano_histonco, E. Sader critica a frieza das respostas dadas por Habermas sobre</p><p>temas tao candentes. "Se ele se alarmou com as 2.000 ações militares contra Bagdá</p><p>e com os ataques dos skud contra Israel, de forma ingênua reconhece o papel da</p><p>ONU, que autOrIZOUos aliados a empregar meios militares quando o ' .</p><p>P' d C '11 _ ,propno</p><p>erez e ue ar, entao secretário-geral da entidade, se sentiu sumamente vexado</p><p>pela ,for~a como as Nações Unidas foram atropeladas pelos Estados Unidos no</p><p>eplso~JO . Sader mostra ainda que Habermas, quando perguntado sobre o que os</p><p>alemaes orientais perderam com a reunificação, cita apenas alguns filmes anti</p><p>e programas editoriais dos anos 1950. Fala do desemprego disfarçado etc., "qll:~~</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL</p><p>119</p><p>A questão teórica mais pontual que nos interessa na aná-</p><p>lise da centralidade do trabalho e onde Offe se situa sobre esta</p><p>questão, relaciona-se à proximidade de muitas coordenadas do</p><p>pensamento de Habermas ao estruturalismo francês. O ponto</p><p>crucial desta proximidade, que situa Habermas no</p><p>limiar entre o marxismo e o não marxismo foi o seu argumento</p><p>de que Marx se equivocara ao atribuir uma primazia fundamen-</p><p>tal à produção material, na sua definição da humanidade como</p><p>espécie e na sua evolução como história. (Anderson. 1985, p. 70)</p><p>Anderson observa sucessivos deslocamentos do corpo</p><p>teórico de Habermas para contestar a primazia da produção</p><p>material, partindo da noção genérica de interação social em con-</p><p>traposição à economia, deslocando-se para a centralidade da</p><p>comunicação e esta cada vez mais identificada com a linguagem.</p><p>o terceiro estágio foi então atribuir a primazia total das funções</p><p>comunicativas sobre as produtivas, na definição da humanidade</p><p>e desenvolvimento histórico: ou seja, nos termos de Habermas,</p><p>da "linguagem" sobre o "trabalho". Já na época de Knowledge</p><p>and Human Interests, Habermas declarou - cunhando uma nota</p><p>vechiana - que "o que nos destaca da natureza é a única coisa</p><p>cuja natureza podemos conhecer: a linguagem". (Anderson, 1985,</p><p>p.71)</p><p>do se sabe dos violentos retrocessos sociais - dos quais as mulheres originárias</p><p>da parte oriental são as principais vítimas, ao lado dos aposentados, dos artistas,</p><p>imigrantes e estudantes. Quanto ao desemprego disfarçado, as dezenas de milhões</p><p>de desempregados estruturais mantidos ou não pelo Estado alemão não servem</p><p>para que faça qualquer tipo de comparação". Sader conclui, e é isto que nos inte-</p><p>ressa chamar atenção mais que tudo, que "ao longo de suas respostas Habermas</p><p>dá a impressão de querer mais adequar-se aos juízos de uma consciência kantiana</p><p>do que intervir para alterar a realidade que, supostamente, deve índígná-lo Suas</p><p>palavras são excessivamente mansas, mesmo quando revelam forte condenação.</p><p>(...) Justamente ele, que tantas contribuições já deu para a construção de uma esfe-</p><p>ra pública e para a denúncía da modernidade incompleta e da falsidade das teorias</p><p>da pós-modernidade" (Sader, 1993, p. 3).</p><p>120</p><p>GAUDÊNClO FRIGOnO</p><p>Offe, corno analisamos na seção anterior, torna corno ho-</p><p>rizonte teórico substitutivo à concepção marxista da fundamen-</p><p>talidade das relações sociais de produção material, a teoria da</p><p>ação comunicativa de Habermas.</p><p>Corno nos aponta M. Manacorda (1991b, p. 96-7), Me é um</p><p>neofrankfurtiano que se filia à perspectiva de oposição às cate-</p><p>gorias econômicas marxianas corno elementos fundamentais</p><p>ordenadores da vida social (as relações de produção, relações</p><p>de trabalho), deslocando tal fundamentalidade para o plano da</p><p>política e do sujeito, enfatizando "a família, os negócios, o Esta-</p><p>do, a escola, definidos corno princípios organizativos fundamen-</p><p>tais". Por esta</p><p>via sobrepõe e contrapõe política à economia e o</p><p>político aparece centrado na individualização dos conflitos.'?</p><p>A consequência imediata do abandono das relações de</p><p>produção material da existência, enquanto relações sociais,</p><p>relações, portanto, entre os homens, leva Offe a afastar-se da</p><p>dimensão histórica e ontológica do trabalho e do trabalho en-</p><p>quanto valor de uso que, sob diferentes formas concretas, torna</p><p>o homem artífice de seu devenir, e a fixar-se na forma do tra-</p><p>balho assalariado, forma mercadoria, ainda que, criticamente.</p><p>Ao desconsiderar a dimensão ontológica do trabalho (que</p><p>é sempre histórica) mascara-se, corno nos mostra Konder ao</p><p>expor o pensamento marxiano, que pelo trabalho</p><p>o sujeito humano se contrapõe e se afirma como sujeito, num</p><p>movimento realizado para dominar a realidade objetiva: mo di-</p><p>10.Sobre esta questão, M. Manacorda nos lembra: "Em Marx são sempre os</p><p>homens - os sujeitos - que entram em relações determinadas entre eles. Faz até</p><p>sorrir encontrar hoje - em alguns neomarxistas - essa afirmação de Marx como</p><p>uma descoberta (dos sujeitos) em oposição à matéria de Marx. Esses neomarxistas</p><p>nos admoestam que as crises das instituições e dos processos econômicos são</p><p>produtos das intervenções dos homens", e se propõem a "elaborar uma luta de</p><p>classe das teorias" ou de "reconstruir uma unidade dialética entre objetividade e</p><p>subjetividade, entre teoria e coisas práticas. E tudo isso, dizem, para ir além de</p><p>Marx" (Manacorda, 1991a,p. 96).</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 121</p><p>fica o mundo e se modifica a si mesmo. Produz objetos e, para-</p><p>lelamente, altera sua própria maneira de estar na realidade ob-</p><p>jetiva e de percebê-Ia. E - o que é fundamental - faz a sua</p><p>própria história. "Toda a chamada história mundial- assegura</p><p>Marx - não é senão a produção do homem pelo trabalho hu-</p><p>mano". (Konder, 1992, p. 105)11</p><p>Os argumentos de Offe, todavia, são bastante frágeis no</p><p>plano dos dados empírico-históricos, dentro da ótica que assu-</p><p>me. Mesmo se nos fixarmos numa visão eurocêntrica, nada</p><p>parece indicar que para as grandes massas de trabalhadores, o</p><p>trabalho entendido corno emprego, venda da força de trabalho,</p><p>esteja ausente corno algo fundamental do espaço=.do modo</p><p>de vida, do cotidiano. O Estado de Bem-Estar dos regImes so-</p><p>ciais-democratas, cujo argumento para mostrar que ofere~e</p><p>segurança de sobrevivência aos trabalha~o:es é de que estana</p><p>superada a ideia quem trabalha não tem direito a comer - corno</p><p>mostramos no capítulo anterior, embora tenha representado</p><p>significativos ganhos para os trabalhadore.s, ~ão representou o</p><p>desaparecimento da crise estrutural do capitalismo, mas apenas</p><p>urna forma de resposta à crise dos anos 1930. Talvez se Offe,</p><p>que em vários trabalhos critica o Estado assist.enc.ial, levasse</p><p>estas críticas às últimas consequências, corno indicamos nas</p><p>análises de Hobsbawm, de Oliveira e Therborn, não afirmaria</p><p>com tanta segurança que o trabalho, mesmo na sua forma mer-</p><p>cadoria, não faz hoje parte das preocupações do trabalhador.</p><p>Ao criticar as perspectivas atuais de luta pelo pleno em-</p><p>prego corno algo que se afasta das lutas originais da cla~se</p><p>trabalhadora contra o "salário-emprego" e indicando o trabalho</p><p>11. Para um aprofundamento da concepção ontológica do traba~o. e_para</p><p>evitar o erro de confundir as mudanças do conteúdo do trabalho, a divisão do</p><p>trabalho, a gestão do trabalho e, mesmo, a superação do trabalho, sob a forma</p><p>mercadoria de relações sociais, com o trabalho em geral como cnador da Vida</p><p>humana, sugerimos a leitura de Lukács (1978 e 1979), Kosik (1986), Konder</p><p>(1992).</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Edited by Foxit Reader</p><p>Copyright(C) by Foxit Software Company,2005-2008</p><p>For Evaluation Only.</p><p>122</p><p>GAUD~NCIO FRIGOnO</p><p>cooperativo como alternativa, Offe contradiz duplamente o</p><p>argumento de que o trabalho já não ocupa o espaço vital dos</p><p>:,rab~~adores, p~~meiro admitindo que existe uma luta pelo</p><p>salano-trabalho , segundo porque a alternativa do trabalho</p><p>cooperativo, que reconhece como forma democrática e socia-</p><p>lista de trabalho, também é trabalho. (Offe, 1990, p. 299)</p><p>. ,P~lo contrário, tomando algumas das fontes - jornais e</p><p>periódicos - que Offe utiliza para concluir que o trabalho não</p><p>se constitui em categoria sociológica fundamental, podemos</p><p>mostrar que a Europa, em face do desemprego estrutural que</p><p>a atormenta, especialmente a partir da crise do Estado de</p><p>Bem-Estar que se agrava no final da década de 1970 e em face</p><p>da pr~ssã? de desempregados do Terceiro Mundo que buscam,</p><p>no Primeiro Mundo, asilo econômico, vem estruturando uma</p><p>verdadeira cortina de ferro para proteger postos de trabalho:</p><p>Inglat~rra tent~ ~e tornar inexpugnável. (...) Os britânicos já</p><p>garantiram o direito de ser o único país a controlar suas frontei-</p><p>ras dentro da Europa unificada (O Globo, 7/7/1991).</p><p>O trigésimo mês consecutivo de crescimento do desemprego,</p><p>que atmge agora 2,87 milhões de pessoas (10,1%da força de</p><p>traba!h~), levou o governo inglês a lançar ontem um pacote</p><p>econorruco (...) (Jornal do Brasil, 1992).</p><p>Dias de pânico para moradores ilegais na Alemanha. Cem mil</p><p>podem ser expulsos pela nova lei.AAlemanha (fora a ex-RDA</p><p>onde até agora praticamente não há imigrantes) recebeu no ano</p><p>passado quase um milhão de pessoas (O Globo, 7/7/1991).</p><p>. ~m maio de 1993, o Parlamento alemão aprovou lei res-</p><p>tnngmdo a entrada de estrangeiros no país, que entrou em</p><p>vigor e~ j.ulho ~o mesmo ano, para frear um processo que já</p><p>teve mao invertida. A Alemanha, no final do século passado,</p><p>fomentava a saída de seus cidadãos em busca de novas terras.</p><p>Após a Segunda Guerra Mundial buscou atrair estrangeiros</p><p>para os trabalhos pesados, "sujos" e sem exigência de qualifi-</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 123</p><p>cação. A crise do Estado social-democrata, a mudança da base</p><p>técnica do processo produtivo que poupa e dispensa trabalha-</p><p>dores coincidiu (e não por acaso) com um surto de "asilados e</p><p>exilados" econômicos.</p><p>De acordo com dados publicados no Jornal do Brasil, em</p><p>1961 os imigrantes representavam apenas 1,2% da população</p><p>da Alemanha. Hoje, 32 anos depois, representam 8%. A pro-</p><p>gressão é geométrica. Em 1987 foram 57 mil pedidos de asilo</p><p>econômico; em 1992, 438 mil (Jornal do Brasil, p. 20, 29 maio</p><p>1993).</p><p>Alemãs ocidentais retrocedem 40 anos. Alemãs perguntam se</p><p>estão velhas e exigem o direito ao trabalho (Jornal do Brasil, 11</p><p>ago.1991).</p><p>A paciência dos suíços com os imigrantes acabou em abril de</p><p>1987,quando a população aprovou, em plebiscito uma lei que</p><p>determina (...) a possibilidade de fechar as fronteiras.Os suíços,</p><p>como disse o próprio chefe do departamento de refugiados,</p><p>Peter Arbens, vivem hoje um estado de pavor de imigrantes (O</p><p>Globo, 7/7/1991).</p><p>Itália cria ministério para conter imigração (O Globo, 7/7/1991).</p><p>Em recente pronunciamento o candidato e virtual novo</p><p>dirigente máximo da Alemanha, do Partido Social Democrata,</p><p>surpreendeu o mundo com a afirmação de que era necessário</p><p>proibir a imigração pois esta compromete a identidade alemã.</p><p>Estas manchetes poderiam multiplicar-se várias vezes</p><p>expressando não s6 que a exacerbação da distância entre Pri-</p><p>meiro e Terceiro Mundo leva milhões de pessoas a buscarem o</p><p>exílio e asilo econômico nos países mais desenvolvidos, como o</p><p>agravamento do desemprego no Primeiro Mundo torna a si-</p><p>tuação cada vez mais crítica.</p><p>Por trás destas manchetes, todavia, estudos de maior den-</p><p>sidade como os de Therborn (1988), revelam-nos uma situação</p><p>de profunda crise também no Primeiro Mundo.</p><p>124</p><p>GAUD~NCIO FRIGOnO</p><p>A leitura dos dados do Quadro 1 indica claramente as</p><p>tendências:</p><p>Quadro 1</p><p>Taxa de desemprego em porcentagem da força de trabalho</p><p>País</p><p>11,3</p><p>8,4</p><p>11,3</p><p>10,4</p><p>7,0</p><p>4,5</p><p>10,6</p><p>2,2</p><p>14,9</p><p>5,2</p><p>3,5</p><p>10,1</p><p>7,4</p><p>1991 1992</p><p>Áustria 10,2</p><p>7,7</p><p>10,3</p><p>9,9</p><p>6,3</p><p>4,4</p><p>10,3</p><p>2,0</p><p>15,3</p><p>3,1</p><p>1,5</p><p>8,8</p><p>6,9</p><p>Bélgica</p><p>Canadá</p><p>França</p><p>Alemanha</p><p>Holanda</p><p>Itália</p><p>Japão</p><p>Espanha</p><p>Suécia</p><p>Suíça</p><p>Inglaterra</p><p>Estados Unidos</p><p>Fonte: OECD - 1993. In: Jornal do Brasil, p. 20, 13 jun. 1993.</p><p>Esta mesma fonte indica que, no caso da Alemanha,</p><p>as</p><p>taxas de desemprego de 1993 da população economicamente</p><p>ativa são de 10,1%, com uma previsão de 11,3%para 1994.Para</p><p>os pequenos países da Europa, a taxa média era de 12,5% em</p><p>1993 e uma projeção de 12,9% para 1994.</p><p>A revista Futuribles, cujos números 165 e 166 de maio de</p><p>1992 se atêm ao debate sobre tempo de trabalho, mostra, para-</p><p>doxalmente, que, enquanto nos últimos cinquenta anos o avan-</p><p>ço das forças produtivas foi fantástico, a jornada de trabalho,</p><p>para o cada vez mais reduzido número de trabalhadores com</p><p>emprego estável (não mais de 35%), estagnou, na Europa, ao</p><p>redor de 40 horas semanais. Cria-se uma situação em que o</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 125</p><p>/</p><p>operariado europeu, com nível mais elevado de consciência</p><p>política, é forçado a negociar tanto salários quanto o tempo da</p><p>jornada em condições desfavoráveis, já que as empresas mul-</p><p>tinacionais ameaçam sair para outros países ou regiões de alta</p><p>repressão e baixos salários. Hobsbawm (1992c, p. 267), ao sina-</p><p>lizar que se sacrificam cidades inteiras em nome da lucrativi-</p><p>dade, lembra o filme Roger and Me, que demonstra o drama da</p><p>cidade de Flint, quando a General Motors fechou suas fábricas.</p><p>O que vem ocorrendo hoje, especialmente na França, exempli-</p><p>fica esta tendência.</p><p>No início dos anos 1990 o governo alemão e de outras</p><p>nações do Mercado Comum Europeu estão propondo aos tra-</p><p>balhadores a redução da jornada de trabalho com diminuição</p><p>proporcional dos salários.</p><p>Mais perversos são os indícios das agressões aos exilados</p><p>econômicos, cidadãos de segunda categoria - subclasse - na</p><p>Alemanha, e as pressões que têm começado a aparecer em di-</p><p>ferentes países, por parte dos trabalhadores empregados, que</p><p>reclamam por ter que manter, mediante impostos cada vez mais</p><p>pesados, os desempregados.</p><p>As análises de Offe corroboram estas tendências, sem,</p><p>contudo examiná-Ias mais a fundo. Uma sociologia do trabalho</p><p>que atente para as relações sociais de produção marca das pela</p><p>exclusão social crescente, cujo resultado é não apenas o aumen-</p><p>to do desemprego estrutural e subemprego mas também de</p><p>uma crescente concentração de capital nas mãos de poucos,</p><p>deveria mostrar que, nesta circunstância, perversamente, o</p><p>trabalhador luta para ser mercadoria, já que o fato de ser em-</p><p>pregado (mesmo sob a forma de mercadoria, é menos dramá-</p><p>tico que o desemprego ou subemprego).</p><p>Apreendida a problemática anterior de outra forma, como</p><p>a expõe Alliez (1988),o tempo livre, ao contrário de se constituir</p><p>em mundo de liberdade, de fruição, do lúdico, um novo "modo</p><p>de vida", torna-se tempo escravizado, tormento do desempre-</p><p>126 GAUDÊNCIO FRIGOnO</p><p>go e subemprego. As estatísticas de desemprego e subemprego</p><p>do Terceiro Mundo e a precária proteção social dos desempre-</p><p>gados traduz um quadro mais perverso.</p><p>A analogia que poderíamos fazer é de que a libertação dos</p><p>escravos, em nosso caso com imenso retardamento, que se co-</p><p>locou como condição de implantação das relações capitalistas</p><p>de produção e como elemento ideológico importante para jus-</p><p>tificar a legalidade capitalista, sob o capitalismo não significou</p><p>efetivamente uma libertação. Em certas circunstâncias o "liber-</p><p>to", tanto pelas condições objetivas da nova relação de trabalho</p><p>marcada pela cultura escravocrata e acrescida da legalidade</p><p>capitalista, como pelas condições subjetivas do próprio escravo,</p><p>caiu numa situação pior que a de escravo, pelo menos na pers-</p><p>pectiva de sua reprodução material. No Brasil, produziu-se toda</p><p>uma legislação de violência legal sobre o "liberto", mediante a</p><p>lei de terras que vedava acesso à propriedade rural aos "libertos"</p><p>e mediante a "lei da vadiagem".</p><p>Na moderna sociedade das mercadorias, sob a égide do</p><p>capital financeiro, da tecnologia flexível, das máquinas inteli-</p><p>gentes, da robótica e do fantástico campo da microeletrônica,</p><p>microbiologia, engenharia genética e novas fontes de energia,</p><p>a liberação do homem da máquina que o embrutece e, portan-</p><p>to, tecnologia que tem a virtualidade de liberar o homem para</p><p>um tempo maior para o mundo da liberdade, da criação, do</p><p>lúdico, paradoxalmente o escraviza e o subjuga, sob as relações</p><p>de propriedade privada e de exclusão, ao desemprego e subem-</p><p>prego. A profundidade da crise consiste exatamente em que a</p><p>repetição da história, sob estas condições de avanço das forças</p><p>produtivas, torna cada vez mais difícil esconder a farsa.</p><p>Os argumentos utilizados por Offe em relação à divisão do</p><p>trabalho também carecem de maior densidade analítica. Primei-</p><p>ramente, em suas análises, não incorpora a questão da divisão</p><p>internacional do trabalho, centrando-se numa perspectiva eu-</p><p>rocêntrica. De outra parte, os argumentos da diminuição dos</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL</p><p>127</p><p>trabalhos no setor secundário e a tendência à terceirização se,</p><p>por um lado, descrevem efetivamente uma tendência do pro-</p><p>cesso produtivo sob uma nova base técnica que destrói, cinde,</p><p>cria ou recria e desloca ocupações, por outro lado, escondem</p><p>uma compreensão da divisão social do trabalho que "naturaliza"</p><p>a separação dos níveis produtivos não evidenciando, portanto,</p><p>a existência de uma inter-relação necessária entre o processo</p><p>imediato de produção e o processo de circulação e consumo.</p><p>Como nos mostra F.de Oliveira, na análise do terciário e divisão</p><p>social do trabalho no contexto do capitalismo atual:</p><p>A recuperação da própria noção de divisão social do trabalho</p><p>torna-se possível apenas se abandona o "naturalismo das distin-</p><p>ções" entre mercadorias e serviços e um certo "moralismo" que</p><p>subjaz por trás da utilização dos conceitos de trabalho produti-</p><p>vo e improdutivo. (Oliveira, 1981, p. 14)</p><p>Offe, ao fixar-se dominantemente na descrição fenomêni-</p><p>ca do "mundo do trabalho" e ao não apreender as determinações</p><p>e mediações constitutivas da nova configuração da divisão</p><p>social do trabalho, resultante de uma perspectiva epistemoló-</p><p>gica neorracionalista, acaba, pelo menos neste particular, cons-</p><p>truindo sua análise dentro da ótica dos fatores, cuja crítica</p><p>profunda e sintética foi feita por K. Kosik:</p><p>A teoria dos fatores assevera que um fator privilegiado, a eco-</p><p>nomia, determina todos os outros - como o Estado, o direito, a</p><p>arte, a política, a moral- mas deixa de lado o problema como</p><p>surge e se configura o complexo social, isto é, a sociedade como</p><p>formação econômica; e pressupõe a existência de tal formação</p><p>como um fato já dado, como forma exterior ou como campo onde</p><p>um fator privilegiado determina todos os outros. (Kosik, 1986,</p><p>p.104)</p><p>Na análise de Offe o que vai aparecer é que a formação</p><p>econômica, as relações sociais econômicas, e o trabalho, enquan-</p><p>128</p><p>GAUD~NC/O FRIGOnO</p><p>to relação s~cial e dimensão ontológica, se reduzem a fatores.</p><p>P~rante a cnse das relações sociais econômicas capitalistas e a</p><p>cnse do t~abalho abstrato, da forma mercadoria força de traba-</p><p>lho, ~ue. e profunda, e dos mecanismos utilizados para fazer</p><p>face a cnse, sem superá-Ia, por inscreverem-se na perspectiva</p><p>dos fatores, busca. deslocar o eixo da análise na procura de</p><p>outro fator determmante: "sentido da vida" cotidi ". " ' I Iano e espa-</p><p>ço vI.tal . Por esse caminho, mesmo que o autor não demonstre</p><p>ter SI~O suyerada, rompida a relação capital-trabalho, relação</p><p>de alienação e, portanto, de violência (física e simbólica), que</p><p>funda as classes fundamentais, conclui que a "ação ._. " comUlllca</p><p>~,IV~: p~r afas~ar-se da teoria dos conflitos, dá conta melhor da</p><p>dinâmica SOCIaldas sociedades modernas".</p><p>É novamente Kosik que nos permite apreender sob que</p><p>concepção de trabalho Offe opera sua análise:</p><p>Na Soc~ologiado trabalho, na Psicologia do trabalho (...) e nos</p><p>respectIvos conceitos sociológicos, psicológicos e econômicos</p><p>etc., se examinam e se fixam determinados aspectos do trabalho.</p><p>enquanto isso, o problema central- o que é o trabalho _ ou ~</p><p>compr~endi~~ em si mesmo como um pressuposto não analisa-</p><p>do e ~:It~acnhcamente (...) ou então é conscientemente afastado</p><p>da crencia como "problema metafísico" ( ) E b. ... m ora pareça</p><p>haver nada mais notório e banal do que o trabalho, está demons-</p><p>trado que esta</p><p>tem no mercado o deus regulador do conjunto das</p><p>relações sociais, quanto com determinadas posturas pós-mo-</p><p>dernistas que, ao negarem a razão histórico-dialética, o devenir</p><p>histórico e de elos de universalidade humana, acabam reifican-</p><p>do o momentâneo, o transitório, o efêmero e a capilaridade do</p><p>micro, do local e do circunstancial. A "utopia, por este caminho,</p><p>fica esmaecida e com ela, a ação política. Dá-se, também, de</p><p>forma mais complexa, como veremos ao longo do texto, com</p><p>posturas de pensadores de tradição marxista, mas cujas análises</p><p>acabam trabalhando mais o plano lógico e racionalista que</p><p>efetivamente o plano histórico da realidade.</p><p>Três razões de ordem teórica e ético-política nos animam</p><p>a prosseguir a análise da educação em suas relações com a</p><p>produção material (economia) e, mais amplamente, com a pro-</p><p>dução ideológica e simbólica (ideias, valores, concepções, co-</p><p>nhecimentos etc.) no terreno do marxismo. Isto não nos exime</p><p>da necessidade de dialogar e debater com contribuições que,</p><p>não pertencendo a esta tradição teórica ou até combatendo-a,</p><p>são valiosas e indispensáveis para a compreensão da proble-</p><p>mática aqui analisada.</p><p>A primeira, nos é sintetizada por Jameson (1994) quando</p><p>nos lembra que" o marxismo é a ciência do capitalismo" e, por-</p><p>tanto, não podemos postular sua morte se o seu objeto não de-</p><p>sapareceu. Ao contrário, diz o autor, o marxismo é a única teoria</p><p>( I az de pensar o capitalismo dentro de uma perspectiva his-</p><p>Inri n dial êtica evitando reducionismos, não sendo, todavia,</p><p>11111111' '\' t 'R r ducionismos e à reificação conceitual.</p><p>I1 HIC AÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 19</p><p>A segunda razão é explicitada por Paola Manacorda (1984),</p><p>11) < firmar que uma teoria não deve ser abandonada porque</p><p>"11 frcnta problemas novos. Uma teoria é superada quando não</p><p>1('11) capacidade de nos ajudar a analisar estes problemas. Neste</p><p>1111rticular, uma vez mais, Jameson qualifica a natureza da crise</p><p>,10 marxismo. As crises do paradigma marxista sempre ocorreram</p><p>cvatamente nos momentos em que seu objeto de estudo fundamental</p><p>o capitalismo - parecia estar mudando de aparência, ou passando</p><p>!,ur mutações imprevistas e imprevisíveis. (Jameson, 1994, p. 66)</p><p>Por fim, cabe insistir na tarefa da esquerda, particularmen-</p><p>1\' dos socialistas, de não aderir ao pragmatismo do capitalismo</p><p>\ I 1 ' globaliza sua forma de extração de mais-valia e redefine</p><p>li, formas de exclusão. Pelo contrário, como assinala Anderson</p><p>(19 5), os que lutam para superar as relações capitalistas de</p><p>produção da existência, por serem essencialmente excludentes,</p><p>\ I 'vem aprender da direita a não transgredir princípios ideoló-</p><p>I' i os e teóricos. O autor adverte-nos de que, na década de 1940,</p><p>Ilc yek era uma voz isolada quando postulava a restrição à li-</p><p>/) .rdade e à democracia como fundamentais para o sucesso</p><p>capitalista. Trinta anos depois suas teses são a base da onda</p><p>n ioiiberal que avassala o mundo. Neste sentido, ao mesmo</p><p>l 'mpo que devemos combater teórica e politicamente a tese do</p><p>11'1 rcado como regulador das relações humanas mostrando sua</p><p>in apacidade de regular direitos fundamentais (saúde, educação,</p><p>.ultura etc.), necessitamos afirmar a democracia como valor</p><p>universal e a solidariedade como base da utopia socialista.</p><p>O pressuposto fundamental da análise materialista histó-</p><p>ri a é de que os fatos sociais não são descolados de uma mate-</p><p>rialidade objetiva e subjetiva e, portanto, a construção do conhe-</p><p>imento histórico implica o esforço de abstração e teorização do</p><p>movimento dialético (conflitante, contraditório, mediado) da</p><p>r alidade. Trata-se de um esforço de ir à raiz das determinações</p><p>múltiplas e diversas (nem todas igualmente importantes) que</p><p>onstituem determinado fenômeno. Apreender as determina-</p><p>ções do núcleo fundamental de um fenômeno, sem o que este</p><p>20 GAUDtNClO FRIGOnO</p><p>fenômeno não se constituiria, é o exercício por excelência da</p><p>teorização histórica de ascender do empírico - contextualiza-</p><p>do, particularizado e, de início, para o pensamento, caótico - ao</p><p>concreto pensado ou conhecimento. Conhecimento que, por ser</p><p>histórico e complexo e por limites do sujeito que conhece, é</p><p>sempre relativo.</p><p>A educação no Brasil, particularmente nas décadas de 1960</p><p>e 1970, de prática social que se define pelo desenvolvimento de</p><p>conhecimentos, habilidades, atitudes, concepções e valores</p><p>articulados às necessidades e interesses das diferentes classes</p><p>e grupos sociais, foi reduzida, pelo economicismo, a mero fator</p><p>de produção - "capital humano". Asceticamente abstraída das</p><p>relações de poder, passa a definir-se como uma técnica de pre-</p><p>parar recursos humanos para o processo de produção. Essa</p><p>concepção de educação como "fator econômico" vai consti-</p><p>tuir-se numa espécie de fetiche, um poder em si que, uma vez</p><p>adquirido, independentemente das relações de força e de clas-</p><p>se, é capaz de operar o "milagre" da equalização social, econô-</p><p>mica e política entre indivíduos, grupos, classes e nações.</p><p>N o livro A produtividade da escola improdutiva: um (reiexame</p><p>das relações entre educação e estrutura econômica capitalista (Pri-</p><p>gotto, 1984), buscamos analisar: os pressupostos e estrutura</p><p>interna da "teoria do capital humano"; as condições históricas</p><p>no capitalismo monopolista que demandaram, produziram e</p><p>configuraram este conjunto de ideias, conceitos e doutrina que,</p><p>ao mesmo tempo, ocultam seus fundamentos; a mecanicidade</p><p>das análises que buscam vincular ou desvincular linearmente</p><p>a educação do processo de produção; as consequências do</p><p>economicismo no plano político-educacional brasileiro; e, por</p><p>fim, os elementos teóricos e político-práticos de "inversão de</p><p>sinal" esboçado pela sociedade brasileira, materializado na</p><p>luta por um projeto educativo- articulado aos interesses dos</p><p>trabalhadores.</p><p>Formulada no bojo das teorias do desenvolvimento nos</p><p>centros mais avançados do capitalismo monopolista, a "teoria</p><p>111111AI,Ao I fi CRISE DO CAPITALISMO REAL 21</p><p>1I1II11pitalhumano" disseminou-se, sendo rapidamente absor-</p><p>li 1.,p '10' países do "Terceiro Mundo". No Brasil e, mais am-</p><p>I 1111H'nl" n.aAmérica Latina, fez escola. É no final da década</p><p>I. I%() lU os programas de pós-graduação em educação e as</p><p>I I. IlId \(I -s d educação introduzem nos seus currículos a dis-</p><p>'I" 11.1H'on mia da Educação.</p><p>() I'f •it do economicismo na política educacional, refor-</p><p>1III1IlI.11id logia do regime militar, se expressaram, negati-</p><p>11111'1111',I' várias formas: pelo desmantelamento da escola</p><p>I 111"111I' rcf rço da educação como "negócio"; pelo dualismo</p><p>1'111I11111'1'inlizavauma quantidade e qualidade de serviços</p><p>101111111unnts diversos para as classes trabalhadoras e classe</p><p>.1111111111111,';p 10 tecnicismo e fragmentação que diluíram e</p><p>I 11111'11'1'im o processo de conhecimento; pela proletarização</p><p>111111'11',11Irio público ete. Efeitos que perduram e, em muitos</p><p>I 'I' " Ilgrnvam.</p><p>111, Inos depois, num contexto da crise do Estado de</p><p>111I 1111011 do modelo fordista de regulação social que sus-</p><p>Itlllll ti pn 11'-0 de acumulação do capitalismo nos últimos</p><p>I" 1"' 1111111110' dos mecanismos de reestruturação econômi-</p><p>, 111,111illIll I 'Ia exclusão, este trabalho busca, fundamental-</p><p>111111 1111111,',11'duas ordens de questões.</p><p>I11li 11' i r'< inaliza que as novas demandas de educação</p><p>111111.ldll I 01' diferentes documentos dos novos senhores do</p><p>",{II IIMI, B10, BIRO - e seus representantes regionais</p><p>I I I', 1., )"'RLAC - baseadas nas categorias sociedade do</p><p>11/1'1,/',11'/1/11, uualidade total, educação para a competitividade,jor-</p><p>, ,1,11, /11I111li poliualente, expressam os limites das concepções</p><p>I li 11111díl (') i tal humano e as redefinem sob novas bases.</p><p>I 1111\11'1I!i"ltod mudança das categorias e a necessidade de</p><p>111 I 111111\11LIreza excludente das relações sociais, especifi-</p><p>ItI 11 1111'11\1/1contradições que o capital e os homens de ne-</p><p>"li 1111I 111 n.te encontram para adequar a educação aos</p><p>111,'11'I',. líxplicita, de igual modo, um espaço de contra-</p><p>22 GAUDfNCIO FRIGOTTO</p><p>dição dentro do qual é possível desenvolver uma alternativa</p><p>pretensa banalidade enotoriedade se baseiam em</p><p>um.eq~í~oco: na representação cotidiana e na sua sistematização</p><p>s.oclOloglcanão se pensa no trabalho em sua essência e genera-</p><p>lidade, mas sob o termo trabalho se entendem os processos de</p><p>trabalho a o - d balh .. ' ~eraçao e tra o, os diversos tipos de trabalho</p><p>e aSSImpor diante, (Kosik, 1986, p. 177-8)</p><p>Contrastando com esta perspectiva de trabalho Kosik</p><p>r~sg~ta o senti~o ontológico de trabalho, sentido este :mpres-</p><p>cindfvo] para nao esbarrar no reducionismo da concepção dos</p><p>fatores:</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 129</p><p>o trabalho, na sua essência e generalidade, não é atividade labo-</p><p>rativa ou emprego que o homem desempenha e que de retomo,</p><p>exerce uma influência sobre a sua psique, o seu habitus e o seu</p><p>pensamento, isto é, sobre esferas parciais do ser humano. O traba-</p><p>lho é um processo que permeia todo o ser do homem e constitui a</p><p>sua especificidade. Só o pensamento que revelou que no trabalho</p><p>algo de essencial acontecepara o homem e o seu ser,que descobriu</p><p>a íntima, necessária conexão entre os problemas" do que é o tra-</p><p>balho" e "quem é o homem", pôde também iniciar a investigação</p><p>científica do trabalho em todas as suas formas e manifestações</p><p>(...) e bem assim a investigação da realidade humana em todas</p><p>as suas formas e manifestações. (Kosik, 1986, p. 178)</p><p>Em suma, a questão crucial em relação à análise de Offe,</p><p>não é que ele não consiga descrever questões do cotidiano da</p><p>crise do trabalho e da sociedade do trabalho, particularmente</p><p>na realidade europeia. a problema está no fato de que, ao</p><p>abandonar a perspectiva ontológica do trabalho, desenvolve</p><p>urna análise que o leva a vários sofismas de composição. O</p><p>mais geral destes sofismas é de que de dados relativos ao pro-</p><p>blema crucial e à crise do trabalho enquanto emprego, tarefa,</p><p>ocupação, deduz a crise do trabalho em geral e daí, a perda de</p><p>sentido do trabalho enquanto categoria sociológica para expli-</p><p>car as relações sociais.</p><p>A análise de Schaff, mesmo que em diferentes momentos</p><p>possa engendrar um reducionismo do tipo a que Offe chega na</p><p>análise do trabalho, é explícita em afirmar que a crise e "o fim</p><p>do trabalho" se referem à dimensão do trabalho abstrato, o</p><p>trabalho sob as relações capitalistas, e não ao trabalho como</p><p>atividade humana constitutiva do próprio homem. Schaff, ao</p><p>fazer esta referência explícita está se defendendo de críticas a</p><p>um trabalho anterior no qual tal ressalva não aparecia." Por</p><p>isto, na obra a que estamos nos referindo aqui, deixa claro que</p><p>12. Trata-se, sobretudo, da crítica de Paola Manacorda, entre outros, ao livro</p><p>Occupazione e lavora in Ia riooluzione microelettronica, Milano, Mondatori, 1984.</p><p>130</p><p>GAUDÊNClO FRIGOnO</p><p>a~ afirr~ar O fim do trabalho como emprego sob o capitalismo,</p><p>nao esta se referindo ao fim do trabalho como atividade huma-</p><p>na, como processo constitutivo do próprio ser humano.</p><p>A tensão e problemática da análise de Schaff e mais enfa-</p><p>ticamente ~~ Kurz, sit~am-se no determinismo tecnológico de</p><p>autodestrUlçao do capitalismo. Isto pelo fato, como veremos a</p><p>seguir, de que ambos, cada um ao seu modo, definem o desa-</p><p>par:cimento das classes fundamentais produzidas pela relação</p><p>capital-trabalho, sem que a relação social capitalista tenha de-</p><p>saparecido. O nó górdio, uma vez mais, incide na perspectiva</p><p>da 'yassa~e~", da ruptura, ou da superação do modo de pro-</p><p>duçao ~apItalIsta. Isto fica tão mais complicado à medida que</p><p>as utopias de uma nova sociedade se fundam ou sobre a virtu-</p><p>de apologética da "revolução tecnológioa" (Schaff) ou de uma</p><p>"razão sensível" (Kurz).</p><p>Em relaç~o à análise de Schaff, parece-nos importante</p><p>mostrar, mediante as contribuições de Raymond Williams</p><p>Ramón Pena Castro e, sobretudo, Paola Manacorda, os riscos</p><p>do determinismo tecnológico.</p><p>, .A questão c.entral que precisamos aprofundar é de que as</p><p>analIses que se fixam na apreensão das diferentes "revoluções</p><p>tecnolóei "13ecno ogI.cas no plano descritivo, em seus efeitos positivos</p><p>ou negatIvos, acabam por borrar a problemática central dos</p><p>rr.:ecanismos, das forças sob as quais as mudanças ou "revolu-</p><p>çoes tecnológicas", nascem, se difundem e incidem sobre o</p><p>trabalho, os valores, o tempo livre e a vida em seu conjunto.</p><p>Na verdade, o que se deve dizer é outra coisa. O pleno signifi-</p><p>cado da revolução industrial não se reduz à introdução e ao</p><p>_ .13. Willia,:ns(1984),chama a atenção para o fato de que o conceito de "revolu-</p><p>ç~omdustnal ,na sequencia de primeira, segunda e terceira revolução industrial,</p><p>50 pode ser tomado dentro de "um significado meramente técnico" do tTo d . ermo.</p><p>o avia, se seguíssemos por este terreno apenas descritivo, possivelmente, teríamos</p><p>que falar em muitas revoluções industriaís.</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 131</p><p>desenvolvimento de novas forças produtivas. O que começou a</p><p>mudar a partir de 1760 foi todo o conjunto de relações de pro-</p><p>dução, as quais, finalmente, constituíram uma nova ordem social.</p><p>(Williams, 1984)</p><p>Na mesma perspectiva, Ramón Pena Castro mostra-nos o</p><p>equívoco daquilo que denomina o "fetichismo tecnológico",</p><p>que consiste em tratar a ciência e a tecnologia como variáveis</p><p>independentes e determinantes, escondendo as relações sociais</p><p>que as produzem. Ao tratar da relação trabalho e qualificação</p><p>mostra que este fetichismo se desenvolve dentro do seguinte</p><p>raciocínio: a ciência determina a tecnologia, a tecnologia impõe</p><p>o tipo de organização de trabalho, o tipo de organização de</p><p>trabalho determina as qualificações e, por extensão, as exigên-</p><p>cias de ensino e da formação humana.</p><p>Fica evidente que este raciocínio escamoteia as determinações</p><p>econômico-políticas, omitindo o dado essencial: o desenvolvi-</p><p>mento da ciência e da tecnologia depende dos poderes econô-</p><p>micos e políticos. (Castro, R. P., 1992, p. 6)</p><p>É, todavia, Paola Manacorda (1984) que, dentro da mesma</p><p>perspectiva de Williams e Castro, efetiva críticas diretas ao</p><p>pensamento de Schaff." Inicialmente, a autora ressalta que em-</p><p>bora Schaff esteja engajado na luta do fim do trabalho alienado,</p><p>a utopia que propõe é pouco fundamentada e problemática.</p><p>Num primeiro aspecto chama a atenção para o fato de que</p><p>as análises das mutações tecnológicas, ao estilo de Schaff, têm</p><p>levado a confundir como iguais questões profundamente dis-</p><p>tintas. Há necessidade de distinguir-se a mudança efetiva do</p><p>conteúdo do trabalho e as mudanças da organização e divisão</p><p>14. A crítica de Paola Manacorda a Schaff aqui incorporada resulta de urna</p><p>. síntese de seu pensamento no livro Laooro e intelligenza nell'eiã microeleitronica,</p><p>1984.</p><p>132 GAUDÊNClO FRIGOnO</p><p>do trabalho das mudanças das relações sociais de produção.</p><p>Schaff cai no erro metodológico de induzir-se das mudanças</p><p>do conteúdo do trabalho, da organização do trabalho, uma</p><p>inevitável mudança nas relações sociais de produção. Por esse</p><p>caminho, igualmente se induz da revolução científico-técnica,</p><p>sob as relações sociais capitalistas, a revolução tout court.</p><p>Sobre a posição de Schaff do "fim do trabalho", Manacor-</p><p>da observa que as conclusões bombásticas da superação do</p><p>trabalho enquanto atividade para satisfazer as necessidades</p><p>humanas materiais deriva de uma tradição econômica que se</p><p>nega a ir além dos efeitos visíveis para estudar os mecanismos</p><p>que os provocam. Por esse caminho, confundem-se as mudan-</p><p>ças do conteúdo, organização, quantidade de trabalho com a</p><p>finalidade mesma do trabalho. Neste sentido, vai apontar que</p><p>Schaff, por vezes, sobrepõe três finalidades do trabalho: prover</p><p>a satisfação das necessidades humanas, meio de construir a</p><p>realização da capacidade criativa e o papel de identidade social.</p><p>Para Schaff, a primeira dimensão está incorporada pela máqui-</p><p>na e as duas outras, em função desta, sofrem uma profunda</p><p>reorientação psicológica e social.</p><p>É preciso questionar o pressuposto de que as máquinas</p><p>incorporam quase todo o trabalho entendido como instrumen-</p><p>to de satisfação das necessidades humanas. Isto, em última</p><p>análise, implica supor que as necessidades, e o trabalho para</p><p>satisfazê-Ias, são quantidades finitas. Ora, as necessidades</p><p>hu-</p><p>manas são históricas e não finitas. O trabalho; enquanto pro-</p><p>cesso de criação do homem e de satisfação de suas necessidades,</p><p>não pode ser considerado finito. Não há, pois, um limite teóri-</p><p>co nem das necessidades, nem das atividades humanas.</p><p>Por fim, Paola Manacorda também critica a perspectiva de</p><p>Schaff de que a automação e a nova "revolução tecnológica"</p><p>acabam com os trabalhos desqualificados, repetitivos e nocivos,</p><p>mostrando que não existem trabalhos nocivos e repetitivos por</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL</p><p>133</p><p>si. Existem modos nocivos e desumanizadores de desenvolver</p><p>um determinado trabalho. Isto indica que o problema está na</p><p>forma de organização e divisão do trabalho, nas relações de</p><p>trabalho sob as relações capitalistas e não na natureza em si do</p><p>trabalho, definida uma vez para sempre. A utopia é, justamen-</p><p>te, romper com a perspectiva utilitarista e da forma valor de-</p><p>terminadas pelas relações sociais capitalistas.</p><p>No plano empírico, inúmeros trabalhos recentes, em dife-</p><p>rentes países, tanto ligados à medicina do trabalho quanto a</p><p>dimensões sociológicas, psicossociais e antropológicas, confir-</p><p>mam as análises de Manacorda."</p><p>No plano epistemológico e teórico, a análise de Schaff</p><p>sobre a "revolução tecnológica" e o trabalho contrasta com suas</p><p>análises sobre história e linguagem. Como nos demonstra Ko-</p><p>sik, não existe uma divisão arbitrária entre mundo da necessi-</p><p>dade (plano da reprodução material do homem - resolvido</p><p>pelo trabalho) e mundo da liberdade (espaço de criação pro-</p><p>priamente humana - desenvolvido no plano da arte).</p><p>A divisão do agir humano em trabalho (esfera da necessidade)</p><p>e arte (esfera da liberdade) capta a problemática do trabalho e</p><p>do não trabalho apenas aproximadamente e apenas sob certos</p><p>aspectos. Esta distinção parte de uma determinada forma histó-</p><p>rica do trabalho como de um pressuposto não analisado e,</p><p>portanto, aceito acriticamente, sobre cujo fundamento se petri-</p><p>ficou a divisão do trabalho surgida historicamente, em trabalho</p><p>15. Ver, por exemplo, os estudos de Magda de Almeida Neves, Mudanças</p><p>tecnológicas e os impactos sobre o trabalho e a qualificação profissional (São Paulo, 19:1,</p><p>mimeografado) e As trabalhadoras de Contagem: uma história outra, uma outra hzstorza</p><p>(tese de doutorado, USP, 1990); e Roberto Moraes Pessanha. Tecnologia da informação</p><p>e organização do trabalho (Rio de Janeiro, COPPE, 1992); trata-se de um estudo onde</p><p>se analisa o emprego de alta tecnologia no processo off-shore de exploração do</p><p>petróleo na bacia de Campos (RJ) e as condições precárias de trabalho dos traba-</p><p>lhadores, muitos deles com elevada qualificação.</p><p>134 GAUDÊNCIO FRIGOnO</p><p>físico-material e trabalho espiritual. Nesta distinção fica oculta</p><p>uma ulterior característica essencial da especificidade do traba-</p><p>lho como agir humano que não abandona a esfera da necessida-</p><p>de mas ao mesmo tempo a supera e cria nela os reais pressupos-</p><p>tos da liberdade. A representação do tempo livre como férias</p><p>organizadas é absolutamente estranha a Marx. É claro que a</p><p>criação de um tempo livre como dimensão qualitativamente nova</p><p>da vida humana se conjuga com a criação de uma sociedade livre.</p><p>(Kosik, 1986, p. 188)</p><p>Isto nos permite sustentar, de modo inequívoco, que a</p><p>criação de "espaço vital" a que se refere Offe ou do mundo</p><p>laudens a que se refere Schaff pressupõe a ruptura das relações</p><p>sociais de alienação que transformam o tempo livre (desempre-</p><p>go, subemprego) em tormento e não em fruição. O mundo da</p><p>liberdade pressupõe imperativamente a "riqueza" do mundo</p><p>da necessidade."</p><p>A análise de Schaff sobre o papel da tecnologia na supe-</p><p>ração da forma mercadoria de trabalho e, como consequência,</p><p>o desaparecimento da classe trabalhadora não enfrenta a</p><p>questão da forma que assumem as classes sociais no capita-</p><p>lismo transnacional e sua análise converge com as perspectivas</p><p>16. Kosik acrescenta urna explicação em nota de rodapé que me parece im-</p><p>portante para entender a divisão arbitrária em que incorre Schaff, acima analisada:</p><p>"A relação entre necessidade e liberdade é urna relação historicamente condicio-</p><p>nada e historicamente variável. É, portanto, perfeitamente coerente, do ponto de</p><p>vista materialista, que Marx reduza o problema da liberdade à redução do tempo</p><p>de trabalho, isto é, à criação de tempo livre, e neste sentido traduza a problemáti-</p><p>ca de necessidade e de liberdade na história em relação a tempo de trabalho e</p><p>tempo livre. (...) O tempo livre, o tempo que está à nossa disposição, é a própria</p><p>riqueza (destinada) em parte à fruição do produto, em parte à livre manifestação</p><p>de urna atividade que não é, corno o trabalho, determinada pela coação de uma</p><p>finalidade exterior que deve ser cumprida e cujo cumprimento é uma necessidade</p><p>natural ou um dever social! corno se queira" (Marx, Theorien iiber de Mehrwert, v.3,</p><p>p. 305; tradução nossa).</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL</p><p>13S</p><p>da sociedade do conhecimento e do tecno-economicismo ou tec-</p><p>nocratismo.</p><p>A análise de Kurz, sob a argumentação "bem arrumada",</p><p>própria do discurso estruturalista, que por não enfrentar a</p><p>trama do enredo das mediações, conflitos e contradições da</p><p>materialidade histórica, sempre é bem acabado, nos leva a uma</p><p>espécie de história sem saída onde o "ex-sujeito explorado",</p><p>a(s) classe(s) trabalhadora(s) expia(m) seu fracasso numa mór-</p><p>bida espera do apocalipse.</p><p>Tanto Gianotti (1993) quanto F. de Oliveira (1993c), em</p><p>duas resenhas onde analisam a obra aqui focalizada - O co-</p><p>lapso da modernização - enfatizam que Kurz reduz a análise</p><p>histórica mediante uma análise lógica, constituindo-se num</p><p>"dedutivista":</p><p>Ele deduz das categorias mais gerais do marxismo um movimen-</p><p>to da história. Confunde lógica e política. Ele opera um desloca-</p><p>mento, que é uma falsificação de Marx, ao colocar a questão do</p><p>fetiche no âmbito da concorrência. (...) O fetiche em Marx não</p><p>está apenas na concorrência, nem apenas na produção, o fetiche</p><p>está em todo o sistema, está em todo o processo. Por que ele faz</p><p>isso?Porque eleprecisa abrir mão da classeoperária. Elevai tomar</p><p>uma tese que está em Habermas, que é o fim da sociedade do</p><p>trabalho. (Oliveira, Folha de S.Paulo, p. 6, 13/7 j1993b)</p><p>Somente ignorando os processos históricos complexos,</p><p>diferenciados e produzidos por sujeitos sociais concretos,</p><p>mostram-nos Gianotti e Oliveira, podem levar Kurz a ver no</p><p>socialismo real uma espécie de fotocópia do capitalismo, sobre-</p><p>tudo na sua forma estatista.</p><p>O resultado dos "arranjos lógicos", da teoria da crise do</p><p>capitalismo e o congelamento das classes sociais substituídas por</p><p>uma categoria fluida - razão sensível - conduzem-no a uma</p><p>visão apocalíptica da história, que sequer pode ser incorporada</p><p>136</p><p>GAUDÊNClO FRIGOTTO</p><p>"à tradição 'pessimista' dentro do marxismo (...) ou à tradição</p><p>racionalista da Escola de Frankfurt" mas acaba sendo o "irra-</p><p>cionalismo mais idealista dos últimos tempos". (Oliveira, 1993c,</p><p>p.57)!7</p><p>Mesmo percorrendo caminhos diferentes, e ambos se</p><p>opondo ao status quo, as utopias "alternativas" de Schaff e Kurz</p><p>convergem para perspectivas que Williams e Hobsbawm iden-</p><p>tificam como de influência comunitária e eclesial.</p><p>Williams nos mostra que, face à crise atual da sociedade</p><p>capitalista, o pensamento conservador tenta passar a ideia de</p><p>que toda utopia, especialmente as "utopias sistemáticas't.w é</p><p>totalitária. A moda deste final de século é de uma falta de uto-</p><p>pia sistemática - o inferno ou vazio organizado. Este vazio se</p><p>traduz pela seguinte ideia:</p><p>(...) a simples tentativa de criar um novo tipo de sociedade, mais</p><p>justa, mais racional e mais humana, conduz, por seus próprios</p><p>processos e impulsos, e entre eles sobretudo o planejamento, ao</p><p>oposto: uma ordem mais repressiva, mais arbitrária, mais pa-</p><p>dronizada e desumana. (Williams, 1984,p. 21)</p><p>Essa perspectiva não é senão, diz-nos Williarns, um magní-</p><p>fico truque. A utopia fundamentada, com todas as suas limitações,</p><p>é um poderoso instrumento para romper com as relações sociais</p><p>dominantes. Significa, ao mesmo tempo, uma contestação às</p><p>relações dominantes e um projetar de novas</p><p>relações sociais.</p><p>17. Para uma visão mais geral da fluidez e dos arranjos da análise de Kurz,</p><p>da natureza lógica, metafísica, escatológica e irracional (para ficar em alguns dos</p><p>adjetivos utilizados pela crítica) da mesma e de importantes indicações das razões</p><p>de seu sucesso no seio da esquerda no Brasil, ver as resenhas do livro de Kurz, O</p><p>colapso da modernização, feitas por Luiz Carlos Bresser Pereira, e, especialmente, por</p><p>José Artur Gianotti e Francisco de Oliveira, em Novos Estudos CEBRAP, n. 36, p.</p><p>46-57, jul. 1993c.</p><p>18.A utopia sistemática funda-se a partir da crítica da ordem estabelecida e na</p><p>proposição de estratégias de mudança para uma nova ordem de relações sociais.</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 137</p><p>Mas o tipo dominante admirado de utopia é de outra na-</p><p>tureza:</p><p>Não se baseia em um novo sistema como crítica do sistema</p><p>existente, nem em uma alternativa cuidadosamente detalhada.</p><p>Seu propósito é, por sua vez, produzir desejo. Trata-se de um</p><p>estímulo criativo para sentir e relacionar de uma maneira dife-</p><p>rente, ou para fortalecer e confirmar sentimentos e relações reais</p><p>que não se encontram na ordem existente e não podem ser vivi-</p><p>dos dentro dela. Este tipo de utopia heurística tem muito em</p><p>comum com os movimentos que colocam em prática estilos de</p><p>vida alternativos individuais ou de pequenas comunidades e,</p><p>de modo crucial, com uma tendência importante e provavelmen-</p><p>te crescente do pensamento religioso. (Williams, 1984, p. 23)</p><p>/</p><p>Embora Schaff insista na dimensão de homem social for-</p><p>mulada por Marx, e Kurz nos fale de um "coletivo" dotado de</p><p>uma consciência crítica, ambos, por caminhos diversos, têm</p><p>como pressuposto que a passagem para urna nova ordem, que</p><p>evitam chamar de socialista, se dá sem o concurso das classes</p><p>sociais.</p><p>Do lado de Schaff, como vimos, a positividade da revolu-</p><p>ção tecnológica levaria ao desaparecimento da classe trabalha-</p><p>dora e, dependendo das circunstâncias, da classe capitalista.</p><p>Em Kurz, a contradição maximizada entre o avanço das</p><p>forças produtivas e o engessamento das relações sociais, implo-</p><p>diria tanto a burguesia quanto o proletariado. A resistência se</p><p>daria na tecnocracia, burocracia e aparelhos de cunho militar,</p><p>policialesco ou paramilitar (um resíduo do estatismo tanto do</p><p>capitalismo quanto do socialismo de caserna). Em lugar da</p><p>classe trabalhadora, um coletivo dotado de uma "razão sensí-</p><p>vel" e, portanto, substitui-se a dialética da materialidade das</p><p>relações sociais, com sujeitos sociais, por uma utopia (ir)racio-</p><p>nalista ou por um determinismo lógico.</p><p>O caráter mecanicista da inevitabilidade do colapso do</p><p>capitalismo, em Kurz, ou do congelamento dos sujeitos sociais,</p><p>138</p><p>GAUDfNClO FRIGOnO</p><p>e, portanto, da presença da ação política contra-hegemônica,</p><p>fica patenteada na imagem que o autor usa para fazer entender</p><p>a lógica do colapso. Kurz compara a lógica inexorável do co-</p><p>lapso do capitalismo a um campeonato de futebol. No início há</p><p>muitos times, mas, à medida que a competição se desenvolve,</p><p>vão sendo eliminados, até que num determinado momento o</p><p>campeonato inevitavelmente chega ao embate final. O time</p><p>vencedor, ao derrotar todos fica sem possibilidade de continuar,</p><p>pois ao liquidar todos não tem mais com quem competir. Assim</p><p>estaria se dando com o capitalismo."</p><p>Kurz esquece, entre outras coisas, que o "jogo" das relações</p><p>sociais é de outra natureza. Mas mostra ser um observador</p><p>desatento do próprio futebol. O fim de um campeonato mun-</p><p>dial, certamente, não é o fim (da história) do futebol, mas ape-</p><p>nas daquele campeonato. O time vencedor, dependendo das</p><p>regras, pode começar o novo campeonato com alguma vanta-</p><p>gem, mas isto não lhe garante a nova vitória, pois as forças em</p><p>luta podem ter modificado.</p><p>No seu novo livro publicado na Alemanha em 1993 e tra-</p><p>duzido pela Editora Paz e Terra com o título A volta do Potemkin</p><p>(1994), insiste em sua tese irracionalista e pessimistas Ele próprio</p><p>explicita o teor deste novo de trabalho em entrevista à Folha de</p><p>S.Paulo, por ocasião da Feira do Livro de Frankfurt, em 1993:</p><p>Uma nova crítica ao capitalismo não pode mais aproveitar as</p><p>ideias de luta de classe e poder. Isto está ultrapassado. Mas é</p><p>necessária uma terceira alternativa, que não é a de Estado e de</p><p>mercado. Estamos num ponto de destruição do sistema de mer-</p><p>cado, de destruição social e econômica. Epode ser que entremos</p><p>num estado de destruição total e que não haja terceira alternati-</p><p>va. (Folha de S.Paulo, p. 4,12/10/1993)</p><p>19. Este exemplo foi desenvolvido por Kurz num debate, em 20/4/1993, na</p><p>Universidade Federal Fluminense (RJ), no qual repetia, pela quarta ou quinta vez,</p><p>a conferência síntese de seu livro para os brasileiros. (Conferência gravada)</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 139</p><p>A "matriz" do determinismo tecnológico em Schaff, o</p><p>dedutivismo e (ir)racionalismo de Kurz, as previsões escatoló-</p><p>gicas e a falta de um detalhamento mais sistemático das pro-</p><p>postas alternativas de ambos nos permitem perceber que as</p><p>suas "utopias" se definem pelas de segundo tipo, analisadas</p><p>por Williams.</p><p>As classes sociais fundamentais não são um dado que</p><p>possa se dissolver por si mesmo. A gênese das classes funda-</p><p>mentais hoje existentes se materializa mediante relações sociais</p><p>e de força que, de um lado, encontram os donos dos meios e</p><p>instrumentos de produção cujo interesse primordial é a busca</p><p>incessante da acumulação e do lucro e, de outro, aqueles que</p><p>em relação ao capital se organizam na defesa de seus interesses</p><p>enquanto vendedores de sua força de trabalho.</p><p>As classes fundamentais originam-se de um processo</p><p>histórico, de urna relação social. Neste sentido, não se pode</p><p>confundir as mudanças das formas de sociabilidade capitalista,</p><p>isto é, dos mecanismos históricos, dos novos atores e as dife-</p><p>rentes formas e estratégias de refuncionamento do capitalismo</p><p>em face das suas crises, e das formas que assumem as classes</p><p>sociais, com o desaparecimento efetivo das relações capitalistas,</p><p>e, portanto, das classes sociais.</p><p>É neste sentido que F. de Oliveira (1987) e Jameson (1994)</p><p>nos mostram que o fato da crescente opacidade e, portanto,</p><p>dificuldade de apreendermos as classes sociais na sociedade</p><p>contemporânea, não nos permite pura e simplesmente anunciar</p><p>tranquilamente o fim da sociedade de classes.</p><p>J</p><p>A opacidade da divisão e das relações entre as classes é contem-</p><p>poraneamente de tal densidade que o trabalho teórico de dar-lhes</p><p>transparência caminha no sentido inverso do movimento da</p><p>história do capitalismo. No sentido de que enquanto o sistema</p><p>capitalista se afirma sistematicamente enquanto tal, borrando</p><p>ou anulando ou ainda subordinando as formas que o precederam,</p><p>sendo portanto mais transparente o caráter do sistema em si</p><p>140</p><p>GAUDtNClO FRIGOTTO</p><p>mesmo, o movimento das classes vai em sentido inverso, isto é,</p><p>torna-se mais complexo e difícil reconhecer, enfim, o perfil das</p><p>classessociais.Menosque uma simplesassimetría ou assíncrona,</p><p>paradoxal ou geométrica, dos dois movimentos, que permitisse</p><p>suas decodíficaçõesparcializadas, trata-se do contrário: é de um</p><p>movimento de unidade dos contrários. (Oliveira, 1987,p. 10)</p><p>[ameson indica que é necessário ir além das aparências e</p><p>insistir em categorias marxistas que são tidas como anacrônicas:</p><p>modo de produção, revolução, socialismo e classe social.</p><p>A globalização, que significou uma crisena produção nacional,</p><p>e também nas instituições (sic) de uma forçade trabalho nacional</p><p>em diminuição, deverá causar o aparecimento de formas inter-</p><p>nacionais de produção, com as correspondentes relações de</p><p>classe. (...) É necessário insistir tanto na inevitabilidade desse</p><p>novo processo de formação global de classe como também nos</p><p>dilemas representacionais os quais ele nos confronta atualmen-</p><p>te. (Tameson,1994,p. 81)</p><p>Nas análises de Schaff, de Kurz e mesmo de Offe, prefere-se</p><p>o atalho da supressão das classes fundamentais, confundindo</p><p>as formas que as classes e os grupos fundamentais assumem</p><p>no capitalismo contemporâneo com a sua desaparição.</p><p>Por esta razão, também, desfazem-se apressadamente da</p><p>utopia socialista</p><p>e das lutas concretas que esta utopia nos indi-</p><p>ca hoje - face à avassaladora ideologia neoliberal- na dila-</p><p>tação da esfera pública.</p><p>O socialismo significavida garantida: o direito à educação livre</p><p>e ao cuidado com a saúde; o direito à comunidade e associação;</p><p>o direito ao trabalho (questão nada irrelevante perante as con-</p><p>dições endêmicas do desemprego pós-moderno) e o direito ao</p><p>lazer, à cultura e à aposentadoria. (Iameson, 1994,p. 74)</p><p>Para que a teoria se constitua em efetiva força material, a</p><p>análise necessita perquirir mais fundo tanto a questão da crise</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 141</p><p>do capitalismo neste final de século e seus mecanis~_os de re-</p><p>composição, quanto a crise do trabalho e das condições para-</p><p>doxais onde o aumento fantástico da potenciação das forças</p><p>produtivas, sob as relações de exclusão, não tenha p~r~itido</p><p>socializá-Io na qualificação da vida humana. Ao contrano, sob</p><p>muitos aspectos não só da classe trabalhadora, mas p~rticular-</p><p>mente desta, a penúria e a exclusão aumentaram. MaIS global-</p><p>mente, o caráter destrutivo destas relações põe em risco o</p><p>próprio ecossistema. A análise e as propostas utópicas que ul-</p><p>trapassem as perspectivas de Offe, de Sch.affe de ~u~z, enquan-</p><p>to caminho de ruptura, são cada vez mais necessanas.</p><p>A crise da forma mercadoria de trabalho, do trabalho abs-</p><p>trato, portanto, não significa o fim da centralidade do t~abalho</p><p>enquanto processo criador do humano na sua dupla e ID:epa-</p><p>rável dimensão de necessidade e liberdade. A superaçao da</p><p>crise somente se efetivará, pela raiz, mediante um processo de</p><p>embates concretos que concorram para a negação das relações</p><p>sociais de produção fundas na cisão das classes soci~is, p:la</p><p>mercantilização da força de trabalho, em suma, pela alienação,</p><p>Esta travessia não se dará quer pelo concurso, pura e sim-</p><p>plesmente, da "revolução tecnológica", quer pela "ação comu-</p><p>nicativa" ou pela "razão sensível". Resultará, concr~tamente, ~e</p><p>um embate de forças cuja configuração cada vez mais opaca nao</p><p>elide sua existência, as classes e grupos sociais, mas os pressupõe.</p><p>A radicalização da luta democrática e neste movimento o con-</p><p>trole, "acesso e manejo" do fundo público na dilatação dos di-</p><p>reitos e das conquistas das classes subalternas, como nos mostram</p><p>Francisco de Oliveira, Hobsbawm e Anderson, entre outros,</p><p>constituem-se no campo de definição da desmercantilização do</p><p>conjunto das relações sociais e o terreno sobre o qual se desenham,</p><p>como nos assinala Oliveira, as "formas sociais do futuro".</p><p>A natureza deste embate tem uma especificidade regional</p><p>e "nacional", todavia, os problemas que engendra têm profun-</p><p>. • - fI •• "das determmaçoes transnacionais .</p><p>142 GAUD~NClO FRIGOnO</p><p>o número de organizações internacionais intergovernamentais</p><p>cresceu de 151 em 1951 para 280 em 1972 e para 365 em 1984;</p><p>o número de organizações internacionais não governamentais foi</p><p>de 832 para 2.173 em 1972, e mais que dobrou nos doze anos</p><p>que se seguiram, atingindo 4.615 em 1984. (Hobsbawm, 1990,</p><p>p.206)</p><p>A explosão de nacionalismos, especialmente onde o socia-</p><p>lismo real predominou até seu" desmoronamento", são, em face</p><p>desta realidade, como analisa Anderson, "fogos de artifício".</p><p>O horizonte histórico gravita numa outra direção:</p><p>o futuro pertence ao conjunto de forças que está ultrapassando</p><p>a Nação-Estado. Até agora elas foram capturadas ou impulsio-</p><p>nadas pelo capital, uma vez que o internacionalismo, nos últimos</p><p>cinquenta anos, mudou de lado. Enquanto a esquerda não con-</p><p>seguir retomar a iniciativa nesta área, o atual sistema estará se-</p><p>guro. (Anderson, 1992, p. 131)</p><p>As implicações dos encaminhamentos aqui expostos para</p><p>o embate político, político-sindical e para os processos educa-</p><p>tivos que se estruturam nos diversos âmbitos e movimentos da</p><p>sociedade e na instituição escolar, são de diferentes ordens.</p><p>No próximo capítulo, discutiremos as implicações das</p><p>formas de apreensão da crise do capitalismo dos anos 1970-90,</p><p>face aos interesses que se confrontam no campo específico das</p><p>alternativas de propostas e ações educativas, atendo-nos, par-</p><p>ticularmente, ao caso brasileiro. Muito embora estejamos num</p><p>recanto tropical definido como "Terceiro Mundo", onde as</p><p>relações de exclusão vêm sobredeterminadas pela violência do</p><p>capital transnacional e, portanto, os custos humanos são po-</p><p>tenciados geometricamente, nem tudo é negatividade. O ine-</p><p>quívoco avanço das forças produtivas e as contradições que</p><p>daí advêrn, engendram uma positividade que deve e que pode</p><p>ser dilatada pela ação política das classes, grupos e movimen-</p><p>tos sociais. No caso brasileiro, os sujeitos sociais coletivos que</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL</p><p>143</p><p>se confrontam quer com as formas de "capitalismo selvagem"</p><p>praticado pelas velhas oligarquias, quer com as form~s do</p><p>capitalismo "moderno", da participação, do tr~balho ennqu_e-</p><p>cido, da sociedade do conhecimento e da qualidade total, nao</p><p>só aumentaram em quantidade como engendram uma nova</p><p>qualidade.</p><p>144 I@CDRTEZ</p><p>~EDrTORA</p><p>IV</p><p>Educação e formação humana:</p><p>ajuste neoconservador e</p><p>alternativa democrática*</p><p>A disputa em torno da realidade ou irrealidade do</p><p>pensamento - isolado da prática - é um problema</p><p>puramente escolástico.</p><p>K. MARX, Tese (9) sobre Feuerbach</p><p>N? capítulo.introdutório buscamos explícítar que o campo</p><p>educatIvo e, mais amplamente, a formação humana tem se</p><p>constituí~~, desde o p~oj.etoda burguesia nascente, u~ campo</p><p>problemático para definir sua natureza e função social. Os di-</p><p>lemas - que assumem conteúdos históricos específicos - de-</p><p>corr~m, de um lado, do fato de que a forma parcial (de classe),</p><p>mediante a qual a burguesia analisa a realidade, limita, em</p><p>* Este capítulo, orig~almente escrito para este livro, foi publicado, com algu-</p><p>mas ~iferenças em relaçao a esta versão, na coletânea organizada por Pablo A. A.</p><p>Gentil! e Tornas Tadeu da Silva (1994,p. 31-92).</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 145</p><p>certa medida, a concretização de seus próprios interesses; de</p><p>outro, porém, decorrem da existência de interesses concretos</p><p>antagônicos dos grupos sociais que constituem a classe traba-</p><p>lhadora e que tornam o campo educativo, na escola e no con-</p><p>junto das instituições e movimentos sociais, um espaço de luta</p><p>hegemônica.</p><p>O inventário (breve) deste embate, no plano mais geral e</p><p>especificamente na realidade brasileira, mostra que na teoria e</p><p>na prática não somente se avançou bastante na apreensão de</p><p>sua natureza, como ele assume uma especificidade no bojo da</p><p>crise do capitalismo dos anos 1970-90 que expõe questões de-</p><p>safiadoras para aqueles que entendem o espaço educativo como</p><p>um loeus importante da luta e construção da democracia subs-</p><p>tantiva. A primeira ordem de questões, como explicitamos ao</p><p>final do Capítulo I, liga-se a uma mudança dos homens de</p><p>negócio em face da educação e formação humanas e a segunda</p><p>explícita-se pelas teses do fim da sociedade do trabalho e da</p><p>não centralidade do trabalho, hoje, na apreensão da realidade</p><p>social.</p><p>Partimos do pressuposto de que estas duas ordens de</p><p>questões, muite diversas e mesmo, em certo sentido, excluden-</p><p>tes no âmbito da análise e de posicionamento político-ideoló-</p><p>gico, estruturam-se a partir da apreensão que fazem das novas</p><p>formas de sociabilidade capitalista, do papel do progresso téc-</p><p>nico e, sobretudo, da crise do modelo de desenvolvimento que</p><p>regulou os processos de acumulação nos últimos cinquenta</p><p>anos. O Capítulo IIbuscou delinear a compreensão que fazemos</p><p>da crise do capitalismo no seu aspecto estrutural e a sua espe-</p><p>cificidade neste final de século e, ao mesmo tempo, demarcar</p><p>a direção do embate teórico e político por onde as conquistas</p><p>da classe trabalhadora podem se ampliar. A dilatação da esfera</p><p>pública e a organização para deter o controle e manejo demo-</p><p>crático do fundo público constituem-se no eixo de luta face ao</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Edited by Foxit Reader</p><p>Copyright(C) by Foxit Software Company,2005-2008</p><p>For Evaluation Only.</p><p>146</p><p>GAUDÊNCIO FRIGOTTO</p><p>neoconservadorismo que busca circunscrevê-los ao domínio</p><p>privado do capital (tese</p><p>do Estado mínimo).</p><p>No Capítulo III buscamos trabalhar a segunda ordem de</p><p>questões mediante a leitura crítica das teses sobre o fim da so-</p><p>ciedade do trabalho e do trabalho como categoria de análise social,</p><p>explicitando os argumentos básicos, o horizonte teórico-histó-</p><p>rico em que se firmam e algumas de suas consequências no</p><p>plano político-prático.</p><p>Neste último capítulo objetivamos explicitar, inicialmente,</p><p>a perspectiva básica dos homens de negócio no campo educativo</p><p>e .de f~rmação humana face à crise do modelo fordista de orga-</p><p>mzaçao e gestão do trabalho e, portanto, face às novas bases</p><p>que a reconversão tecnológica e a redefinição do padrão de</p><p>acumulação capitalista demandam na reprodução da força de</p><p>trabalho.</p><p>No plano teórico-histórico, interessa-nos expor o signifi-</p><p>cado das teses da formação polivalente e educação geral abstra-</p><p>ta e sua (des)articulação com a perspectiva do Estado mínimo.</p><p>Em seguida buscaremos discutir o significado e a pertinência</p><p>teórica e histórica da concepção de educação politécnica e for-</p><p>mação humana omnilateral, no plano da luta hegemônica que</p><p>se articula aos interesses da classe trabalhadora, e a defesa e</p><p>ampliação da esfera pública como condição de possibilidade</p><p>de seu efetivo desenvolvimento.</p><p>1. Os apologetas da sociedade do conhecimento e os homens de</p><p>negócio blefam e apostam no cinismo?</p><p>Antonio Gramsci nos adverte que face à crise, por esta</p><p>manifestar-se no fato de que "o velho não morreu e o novo</p><p>ainda não pode nascer", é comum surgirem interpretações e</p><p>comportamentos mórbidos. Esta morbidez, mormente, mani-</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 147</p><p>festa-se por previsões escatológicas, profecias, culto ao irracio-</p><p>nalismo e posturas cínicas.</p><p>No contexto da discussão que estamos fazendo neste tra-</p><p>balho, esta morbidez explícita-se, claramente, como assinalamos</p><p>nos capítulos anteriores, nas teses conservadoras do fim da</p><p>história de Fukuyama, tese da sociedade do conhecimento de</p><p>Toffler e, a partir dela, o fim das classes e sobretudo do prole-</p><p>tariado, sendo este substituído pelo cogniiariado) ou por teses</p><p>como as de Kurz - que ironicamente alguns críticos situam</p><p>como o Fukuyama da esquerda - que deduzem da crise" da</p><p>sociedade do trabalho" a autodissolução das classes sociais. No</p><p>mesmo rastro do fim da sociedade do trabalho e com ela o fim</p><p>do conflito, Offe e Schaff não postulam como novo ator social</p><p>a "razão sensível" de um coletivo indefinido (Kurz), mas o</p><p>deslocamento para questões como o sentido da vida e da pre-</p><p>paração do homem para o mundo do lazer.</p><p>Não é difícil, por certo, ao confrontar os processos histó-</p><p>ricos específicos com estas profecias, surpreender traços de uma</p><p>espécie de jogo do truco, onde o blefe é uma tática singular, e</p><p>nem percebermos um elevado grau de cinismo. Mais explícito</p><p>isto pode tornar-se quando analisamos as perspectivas de edu-</p><p>cação e formação humana postuladas pelos homens de negócio</p><p>ou pelos seus mentores intelectuais, assessores e consultores,</p><p>em realidades culturais como a brasileira, onde a burguesia se</p><p>constituiu mediante uma metamorfose das oligarquias.'</p><p>)</p><p>1. Toffler deduz o fim da divisão do trabalho e das próprias classes sociais</p><p>em decorrência das mudanças do conteúdo e reorganização do processo de traba-</p><p>lho, motivadas pela introdução, no processo produtivo, de uma nova base técnica</p><p>constituída fundamentalmente pela microeletrônica associada à informatização</p><p>- que exige uma força de trabalho que se ocupa mais com a "cabeça" do que com</p><p>os braços e força muscular (Toffler,1973,1980e 1985).</p><p>2. O ensaio de F.de Oliveira intitulado Cal/ar: a falsificação da ira (1992)mostra</p><p>do que é capaz a classe ou classes dominantes brasileiras para manter o apartheid</p><p>social existente, montado historicamente sobre a violência (econômica, política e</p><p>148 GAUDtNCIO FRIGOTTO</p><p>Se é sustentável, todavia, aquilo que Marx e Engels nos</p><p>assinalam em A ideologia alemã, é preciso perquirir o tecido</p><p>histórico-social a partir do qual se explicitam uma determina-</p><p>da consciência e determinadas categorias ou necessidades:</p><p>A causa não está na consciência, mas no ser.</p><p>Não no pensamento, mas na vida.</p><p>Este pressuposto nos conduz a um fio condutor na análise</p><p>sobre as alternativas educacionais em disputa hegemônica hoje</p><p>e pode ser formulado da seguinte forma: o embate que se efe-</p><p>tiva em torno dos processos educativos e de qualificação hu-</p><p>mana para responder aos interesses ou às necessidades de re-</p><p>definição de um novo padrão de reprodução do capital ou do</p><p>atendimento das necessidades e interesses da classe ou classes</p><p>trabalhadoras firma-se sobre uma mesma materialidade, em</p><p>profunda transformação, onde o progresso técnico assume um</p><p>papel crucial, ainda que não exclusivo.</p><p>Trata-se de uma relação conflitante e antagônica, por con-</p><p>frontar de um lado as necessidades da reprodução do capital e</p><p>de outro, as múltiplas necessidades humanas. Negatividade e</p><p>positividade, todavia, teimam em coexistir numa mesma tota-</p><p>lidade e num mesmo processo histórico e sua definição se dá</p><p>pela correlação de força dos diferentes grupos e classes sociais.</p><p>O fantástico progresso técnico que tem o poder de dilatar o grau</p><p>de satisfação das necessidades humanas e, portanto, da liber-</p><p>dade humana, e que tem estado sob a lógica férrea do lucro</p><p>privado, ampliando a exclusão social, não é uma predestinação</p><p>natural, mas algo produzido historicamente.</p><p>Neste sentido, a questão não é de se negar o progresso</p><p>técnico, o avanço do conhecimento, os processos educativos e</p><p>policial ou parapolicial). Os processos de falsificação, de blefe e o cinismo aparecem</p><p>claramente.</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 149</p><p>de qualificação ou simplesmente fixar-se no plano das perspec-</p><p>tivas da resistência, nem de se identificar nas novas demandas</p><p>dos homens de negócio uma postura dominantemente maquia-</p><p>vélica ou, então, efetivamente uma preocupação humanitária,</p><p>mas de disputar concretamente o controle hegemônico do pro-</p><p>gresso técnico, do avanço do conhecimento e da qualificação,</p><p>arrancá-los da esfera privada e da lógica da exclusão e subme-</p><p>tê-los ao controle democrático da esfera pública para potenciar</p><p>a satisfação das necessidades humanas. O eixo aqui não é a</p><p>supervalorização da competitividade, da liberdade, da quali-</p><p>dade e da eficiência para poucos e a exclusão das maiorias, mas</p><p>a da solidariedade, da igualdade e da democracia.</p><p>2. Formação e qualificação abstrata e polivalente e a defesa do</p><p>Estado mínimo: a nova (de)limitação do campo educativo na</p><p>lógica da exclusão</p><p>O eixo de análise que buscamos esboçar nos permite per-</p><p>ceber que a crescente literatura que desenvolve as teses do</p><p>surgimento de uma sociedade "pós-industrial", sem classes,</p><p>fundada não mais sobre os processos excludentes característicos</p><p>de um processo produtivo transformador da natureza e consu-</p><p>midor de fontes de energia não renovável, mas de uma economia</p><p>global onde o principal recurso é o conhecimento, o qual não</p><p>teria limites e estaria ao alcance de todos, opera dentro de um</p><p>nível profundamente ideológico e apologético. Este nível de</p><p>formulação, fortemente veiculado pelos organismos internacio-</p><p>nais que representam o capitalismo transnacional, inscreve-se</p><p>no horizonte dos "economistas filantropos" a que Marx se refe-</p><p>re ao discutir a perspectiva que os mesmos têm de educação.</p><p>o verdadeiro significado da educação, para os economistas fi-</p><p>lantropos, é a formação de cada operário no maior número</p><p>possível de atividades industriais, de tal sorte que se é despedi-</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Edited by Foxit Reader</p><p>Copyright(C) by Foxit Software Company,2005-2008</p><p>For Evaluation Only.</p><p>150</p><p>GAUDfNCIO FRIGOTTO</p><p>do de um trabalho pelo emprego de uma máquina nova, ou por</p><p>uma mudança na divisão do trabalho, possa encontrar uma</p><p>colocação o mais facilmente possível. (Marx, 1983, p. 81)</p><p>Em seguida, Marx vai demonstrar como esta filantropia</p><p>chocava-se, objetivamente, com a lógica do processo de valori-</p><p>zação do capital.</p><p>Se as perspectivas filantrópicas persistem, de várias for-</p><p>mas, e retomam força</p><p>no interior do ajuste neoliberal, como a</p><p>tese da sociedade do conhecimento que transforma o proleta-</p><p>riado em "cognitariado",? elas convivem com demandas que o</p><p>inventário da literatura internacional e nacional identifica como</p><p>um nova "qualidade" da educação escolar e dos processos de</p><p>qualificação ou requalificação da força de trabalho.</p><p>O que efetivamente mobiliza, no caso brasileiro, com um</p><p>atraso de um século em relação às conquistas da universalização</p><p>da escola básica na Europa, empresários como A. E. de Moraes,</p><p>? maior "capitão" da indústria nacional, como o apresenta a</p><p>un~~ensa, a bradar, face ao fato de que Coreia, Hong Kong, Japão,</p><p>México, Venezuela têm, respectivamente, 94%, 69%, 96%, 55%</p><p>e 45% dos seus jovens cursando o segundo grau e que este ín-</p><p>dice chega a apenas 35% no Brasil: educação, pelo amor de Deus</p><p>(A. E. de Moraes, Folha de S.Paulo, p. 2, 20/6/1993).</p><p>Este "lamento", sem perder o caráter moralista e filantró-</p><p>pico que funciona como uma espécie de mea culpa de uma</p><p>burguesia que ainda cultiva posturas escravocratas e olígárqui-</p><p>cas, revela demandas efetivas dos homens de negócio de um</p><p>trabalhador com uma nova qualificação que, face à reestrutu-</p><p>3. Uma forte manifestação desta "vocação" filantrópica e moralizante das</p><p>elites empresariais, políticas, eclesiásticas e mesmo da "intelectualídado", no Bra-</p><p>sil, dá-se mediante a visão de que a escola é o locus por excelência destinado a</p><p>solucionar o problema da violência, dos meninos e jovens infratores, da pobreza,</p><p>do subemprego, do mercado informal, do desemprego e hoje, especialmente, dos</p><p>desenraizados meninos e meninas de rua.</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 151</p><p>ração econômica sob nova.base técnica, lhes possibilite efetivar</p><p>a reconversão tecnológica que os torne competitivos no emba-</p><p>te da concorrência intercapitalista.</p><p>A explicitação de que esta demanda tem caráter orgânico</p><p>pode ser apreendida tanto pela ação dos organismos de classe</p><p>dos empresários nacionais (CNI, FIESP, IEL) e sua articulação</p><p>com os organismos internacionais (FMI, BID,BIRD,OIT), quan-</p><p>to por uma crescente literatura internacional e nacional que</p><p>analisa a crise do modelo fordista de organização e gestão do</p><p>trabalho, a reorganização mundial da economia e do processo</p><p>produtivo e as consequências para a educação e qualificação</p><p>da força de trabalho.</p><p>Neves (1994), ao analisar as propostas educacionais dos</p><p>empresários no Brasil, tomando o final da década de 1980 e</p><p>início da década de 1990, mostra que a CNI foi mudando sua</p><p>estrutura organizacional para poder situar-se no interior das</p><p>mudanças que o processo produtivo internacional experimen-</p><p>ta e os desdobramentos em termos de produtividade, compe-</p><p>titividade, relações de trabalho ete. A CNI criou quatro novos</p><p>conselhos técnicos permanentes de: política econômica, relações</p><p>de trabalho e política social, política industrial e desenvolvi-</p><p>mento tecnológico e de integração internacional. Como destaca</p><p>Neves, a partir de 1990 a questão educacional passa a fazer</p><p>parte permanente do Conselho de Relações de Trabalho e De-</p><p>senvolvimento Social.</p><p>Em outra pesquisa sobre a modernização industrial e a ques-</p><p>tão dos recursos humanos, C. Salm e A. Fogaça (1991) detectam</p><p>que entre as maiores empresas do complexo industrial brasi-</p><p>leiro os atributos mais valorizados nos trabalhadores relacio-</p><p>nam-se a conteúdos desenvolvidos pela educação geral. Par-</p><p>tindo destes estudos Salm (1992) assinala:</p><p>no intuito de estimular o debate, terminaria arriscando dizer que</p><p>o capitalismo brasileiro, pelo menos na sua parte menos rude,</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Edited by Foxit Reader</p><p>Copyright(C) by Foxit Software Company,2005-2008</p><p>For Evaluation Only.</p><p>152 GAUDÊNCIO FRIGOnO</p><p>menos cartorial, está, pela primeira vez na história deste país,</p><p>interessado na promoção de transformações radicais em nosso</p><p>sistema educacional. (Salm, 1992, p. 100)</p><p>Gentili (1994), num estudo empírico-analítico sobre Poder</p><p>econômico, ideologia e educação, envolvendo uma amostra de 28</p><p>empresas que introduziram os processos de reconversão tec-</p><p>nológíca e de organização do processo produtivo e processo de</p><p>gestão do trabalho na Argentina, identifica uma grande homo-</p><p>geneidade do discurso empresarial em relação à demanda de</p><p>uma nova qualificação e uma "revalorização" da formação</p><p>geral. Gentili vai mostrar, todavia, que por trás desta homoge-</p><p>neidade se localizam interesses muito delimitados que conver-</p><p>gem para aquilo que conforma os trabalhadores às novas ca-</p><p>racterísticas do processo produtivo.</p><p>Após uma ampla revisão de bibliografia internacional e</p><p>alguns textos nacionais sobre produção e qualificação, Paiva</p><p>(1989) chega a indicações muito parecidas:</p><p>Não há dúvida de que as transformações nas estruturas produ-</p><p>tivas e as mudanças tecnológicas colocam à educação novos</p><p>problemas. Mas certamente algo se simplifica. Pela primeira vez</p><p>existe clareza suficiente de que é sobre a base da formação geral</p><p>e sobre patamares elevados de educação formal que a discussão</p><p>a respeito da profissionalização começa. E para obter tais obje-</p><p>tivos o consenso político nunca pôde ser tão amplo, na medida</p><p>em que unifica trabalhadores, empresários e outros setores so-</p><p>ciais. (Paiva, 1989, p. 63)4</p><p>Que transformações da base material são estas que condu-</p><p>zem a romper, no plano das concepções, aquilo que parecia mos-</p><p>trar-se como algo natural- o adestramento do trabalhador?</p><p>4. Paiva analisa sobretudo a realidade europeia e americana. Mesmo assim,</p><p>chama atenção para a complexidade da questão e para sua heterogeneidade. O que</p><p>está sinalizando, de acordo com a autora, são tendências.</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 153</p><p>Ao final do século XIX,o empresário Geraldo Mascarenhas</p><p>expunha aquilo que era senso comum para a época, decorren-</p><p>te da concepção taylorista de homem e de trabalhador e que se</p><p>traduziu em políticas educativas e a criação de inúmeras insti-</p><p>tuições educativas organizadas para tal fim,"</p><p>o adestramento do homem para o trabalho sempre foi e será</p><p>uma das mais importantes tarefas da administração industrial.</p><p>A ela grande atenção tem sido dedicada, como uma das condições</p><p>essenciais para a conquista da boa produtividade. (Giroletti,</p><p>1987, p. 1)</p><p>No Brasil, a perspectiva do adestramento e do treinamen-</p><p>to foi dominante até recentemente. A legislação educacional</p><p>promulgada sob a égide do golpe de 1964 e tendo o economi-</p><p>cismo como sustentação teórico-ideológica ainda está vigente,</p><p>embora profundamente questionada e, em parte, superada es-</p><p>pecialmente nos Estados e municípios onde a gestão educacio-</p><p>nal passou a ser controlada por forças políticas democráticas.</p><p>Inúmeros trabalhos de todos os matizes buscam dar conta</p><p>desta mudança. Em boa parte destas análises observa-se uma</p><p>óptica apologética, parte desenvolve uma perspectiva que se</p><p>pretende crítica, mas que opera dentro da visão conspiratória.</p><p>Tem se ampliado, porém, o número de trabalhos que buscam</p><p>apreender o intrincado caminho contraditório das transforma-</p><p>ções que vêm ocorrendo no mundo e o impacto sobre nossa</p><p>realidade. Não buscamos, aqui, detalhar os meandros destas</p><p>diferentes perspectivas. Fixamo-nos neste último aspecto.</p><p>Não compactuando com a tese do quanto pior melhor e com</p><p>as perspectivas apologéticas, parece-nos importante mostrar</p><p>5. Como vimos no Capítulo I, toda a política de formação profissional e</p><p>técnica desde os anos 1940 vinha vincada com a perspectiva do adestramento. Para</p><p>uma compreensão da perspectiva ideológica e pedagógica da formação profissio-</p><p>nal, ver Frigotto (1977 e 1983).</p><p>154 GAUDÊNClO FRIGOTTO</p><p>primeiramente que os novos conceitos abundantemente utili-</p><p>zados pelos homens de negócio e seus assessores - globalização,</p><p>integração, flexibilidade, competitividade, qualidade total,</p><p>participação, pedagogia da qualidade e defesa da educação</p><p>geral, formação polivalente e "valorização do trabalhador" -</p><p>são uma imposição das novas formas de sociabilidade capita-</p><p>lista tanto para estabelecer um novo padrão de acumulação,</p><p>quanto para definir as formas concretas de integração dentro</p><p>da nova reorganização da economia</p><p>mundial.</p><p>A súbita redescoberta e valorização da dimensão humana</p><p>do trabalhador está muito mais afeta a sinais de limites, pro-</p><p>blemas e contradições do capital na busca de redefinir um novo</p><p>padrão de acumulação com a crise de organização e regulação</p><p>fordista, do que a autonegação da forma capitalista de relação</p><p>humana. Ou seja, as inovações tecnológicas, como analisamos</p><p>no Capítulo Ill, longe de serem "variáveis independentes", um</p><p>poder fetichizado autônomo, estão associadas às relações de</p><p>poder político-econômico e, portanto, respondem a demandas</p><p>destas relações." Em seguida, cabe mostrar que o ajuste neoli-</p><p>beral se manifesta no campo educativo e da qualificação por</p><p>um revisitar e "rejuvenescer" a teoria do capital humano, com</p><p>um rosto, agora, mais social?</p><p>6. Parodiando Magdof (1978)que, ao discutir a "era do imperialismo", mos-</p><p>trava que a intervenção do Estado na economia não era uma escolha, mas uma</p><p>imposição para a crise do capitalismo dos anos 1930,a mudança dos capitalistas</p><p>em facedo trabalho, à educação básica e à qualificação, na crise dos anos 1970/1990,</p><p>também não é uma escolha, mas uma imposição. Cabe, para aqueles que buscam</p><p>romper a forma capitalista de relações sociais, não desconhecer os limites e as</p><p>contradições que os "homens de negócio" enfrentam, para, partindo deles, poten-</p><p>cializar os interesses dos trabalhadores e de novas relações sociais.</p><p>7. Coraggio, numa discussão sobre a Economia y educaciôn. en America Latina,</p><p>destaca que" discutir el sentido dei rejuvenecimento de Ia categoria capital humano,</p><p>originariamente propuesta por el economista Theodoro Schultz en los 60, es una</p><p>tarea teórica que habrá que emprender si se quiere tener una mayor comprensión</p><p>dei processo de recomposición de Ia economia mundial" (Coraggio, 1993,p. 6).</p><p>.,</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 155</p><p>Os grandes mentores desta veiculação rejuvenescida são</p><p>o Banco Mundial, BID,UNESCO, OIT e os organismos regionais</p><p>e nacionais a eles vinculados. Por esta trilha podemos perceber</p><p>que tanto a integração econômica quanto a valorização da</p><p>educação básica geral para formar trabalhadores com capaci-</p><p>dade de abstração, polivalentes, flexíveis e criativos ficam su-</p><p>bordinadas à lógica do mercado, do capital e, portanto, da di-</p><p>ferenciação, segmentação e exclusão. Neste sentido, os dilemas</p><p>da burguesia em face da educação e qualificação permanecem,</p><p>mesmo que efetivamente mude o seu conteúdo histórico e que</p><p>as contradições assumam formas mais cruciais.</p><p>Em relação ao primeiro aspecto, já mostramos no Capítu-</p><p>lo II a natureza da crise do modelo fordista de regulação eco-</p><p>nômico-social e as implicações na reestruturação capitalista.</p><p>Retomamos aqui, pela relação mais direta com o debate que</p><p>estabelecemos neste trabalho, algumas dimensões relativas à</p><p>reestruturação pós-jordistaB no que ela impacta sobre a organi-</p><p>zação produtiva, a organização, conteúdo e divisão de trabalho</p><p>e os processos de formação humana.</p><p>Esta reestruturação assume especificidades diferenciadas</p><p>entre os países que puderam, por um considerável período</p><p>histórico no interior das políticas do Estado de Bem-Estar, "es-</p><p>gotar" os ganhos do modelo fordista - elevadas taxas de</p><p>acumulação, ganhos de produtividade no emprego e consumo</p><p>de massa - dos países, como o Brasil, em que predominou</p><p>aquilo que a literatura denomina de jordismo-perijérico. Nestes</p><p>países não se constituiu efetivamente um mercado com insti-</p><p>tuições e atores sociais sólidos; o que predominou foram rela-</p><p>8. A expressão "pós-fordismo" que sinaliza a tendência da mudança da base</p><p>técnica do processo produtivo, dos métodos de gestão da produção, da força de</p><p>trabalho etc., que, na realidade, quer significar um novo paradigma, não pode ser</p><p>tomada como algo homogêneo nem mesmo nos países de capitalismo avançado.</p><p>Em realidades como a brasileira convivem formas tayloristas, fordistas e "pós-for-</p><p>distas" de organização do processo produtivo e de gestão da força de trabalho.</p><p>156 GAUDÊNClO FRIGOnO</p><p>ções tayloristas e, em casos como o brasileiro, associadas ao</p><p>clientelismo e populismo.?</p><p>Os novos conceitos relacionados ao processo produtivo,</p><p>organização do trabalho e qualificação do trabalhador aparecem</p><p>justamente no processo de reestruturação econômica, num</p><p>contexto de crise e acirrada competitividade intercapitalista e</p><p>de obstáculos sociais e políticos às tradicionais formas de orga-</p><p>nização da produção. A integração, a qualidade e a flexibilida-</p><p>de constituem-se nos elementos-chave para dar os saltos de</p><p>produtividade e competitividade.</p><p>A viabilidade para este salto, demarcada por relações de</p><p>poder no plano político-econômico e, portanto, por restrições</p><p>de várias ordens, está inscrita no efetivo acesso à nova base</p><p>científico-técnica formada pela tríade apresentada por Schaff</p><p>(1990) e outros autores: microeletrônica, microbiologia e sua</p><p>resultante - a engenharia genética e novas fontes de energia.</p><p>Neste cenário os grandes grupos econômicos e os organismos</p><p>que os representam, "os novos senhores do mundo", ou "o</p><p>poder de fato" (FMI, BIRD), empenham-se pelo controle priva-</p><p>do desta nova base científico-técnica.</p><p>O quê, de específico, efetivamente, traz a nova base cien-</p><p>tífico-técnica que faculta mudanças profundas na produção,</p><p>organização e divisão do trabalho e faz os homens de negócio</p><p>demandarem mudanças nos processos educativos e de qualifi-</p><p>cação? Como, concretamente, esta nova base científico-técnica</p><p>9. Francisco de Oliveira assinala os pré-requisitos para que o mercado se</p><p>constitua efetivamente em uma categoria histórica concreta. "O mercado real e</p><p>concreto é um conjunto de instituições saturadas historicamente da força dos</p><p>agentes sociais. Ele não é nada mais do que isto. Se isso pode ser traduzido em</p><p>fórmulas e indicadores, depende da densidade histórica dos agentes sociais espe-</p><p>cíficos. Falar de mercado e de força de trabalho no Brasil, com 60 por cento da</p><p>população no mercado informal, é uma piada. Isto não tem densidade histórica,</p><p>não corresponde à categoria teórica que é manipulada nos planos" (1990).</p><p>/</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 157</p><p>é incorporada no processo produtivo e quais suas implicações</p><p>face aos conflitos e luta de classes?</p><p>A resposta a estas questões, no seu conjunto ou em alguns</p><p>de seus aspectos, é marcada pela controvérsia e esta tem sua</p><p>origem, como apontamos acima, no confronto das perspectivas</p><p>apologéticas, conspiratórias e histórico-críticas e mesmo no</p><p>interior de cada uma destas perspectivas.</p><p>Tomando como referência alguns trabalhos dentro da úl-</p><p>tima perspectiva," podemos depreender, em primeiro lugar,</p><p>que a nova base científico-técnica, ainda que de forma não</p><p>homogênea e no seu aspecto mais geral, permite uma mudan-</p><p>ça radical, um salto qualitativo em relação à lógica da mecani-</p><p>zação e automação derivadas da eletromecânica.</p><p>A máquina a vapor e, mais tarde, a descoberta do petróleo</p><p>e da eletricidade, permitiram potenciar e substituir, em grande</p><p>medida, a força física do animal e do trabalhador. A base me-</p><p>cânica e eletromecânica caracteriza-se por um conjunto de</p><p>máquinas fixas, com rigidez de programação de sequência e</p><p>movimentos para produtos padronizados e em grande escala.</p><p>Sob esta base, característica do taylorismo e fordismo, os custos</p><p>de mudança são elevadíssimos e, por isso, ficam evidentes os</p><p>limites para uma automação flexível.</p><p>As mudanças da tecnologia com base microeletrônica,</p><p>mediante a informatização e robotização, permitem ampliar a</p><p>capacidade intelectual associada à produção e mesmo substituir,</p><p>por autômatos, grande parte das tarefas do trabalhador. Como</p><p>nos mostra Castro, "as novas tecnologias (microeletrônicas,</p><p>informáticas, químicas e genéticas) se diferenciam das anterio-</p><p>10.Para uma discussão detalhada, numa perspectiva crítica da questão acima,</p><p>ver: Coriat (1994, 1988,1989),Hirata (1993, 1991),Freyssenet (1993, 1992),Boyer</p><p>(1986),Enguita (1989,1990,1991),Atkinson (1987),Janossy (1979),Schmitz e Car-</p><p>valho (1988),Salerno (1991,1992),R. P.Castro (1994),Machado (1992)e Machado</p><p>e Silmar (1994).</p><p>158 GAUDtNCIO FRIGOnO</p><p>res pelo predomínio da informação sobre a energia" (Castro,</p><p>1994, p. 6). A informação é a "terceira dimensão da matéria,</p><p>sendo as outras duas energia e massa" (Rubin, 1993, apud</p><p>Castro, 1994, p. 40). Os proces-sos microeletrônicos, mediante o</p><p>acoplamento de máquinas a computadores e informatização,</p><p>permitem uma alteração radical no uso, controle e transforma-</p><p>ção da informação. Facultam, de outra parte, a flexibilização</p><p>das sequências, de integração, otimização do tempo e do con-</p><p>sumo de energia e uma profunda mudança da relação do tra-</p><p>balhador com a máquina."</p><p>É, pois, no exame da incorporação deste novo padrão</p><p>tecnológico (reconversão tecnológica) no processo de organi-</p><p>zação da produção e circulação, com novos materiais e proces-</p><p>sos, e nova organização, divisão e gestão do trabalho, que po-</p><p>demos identificar o surgimento de um número crescente de</p><p>conceitos-ponte ou jargões - globalização, qualidade total, flexi-</p><p>bilidade, integração, trabalho enriquecido, ciclos de controle de</p><p>qualidade - que tendem a se tornar senso comum entre os</p><p>homens de negócio, e seus assessores, e que ocupam longos de-</p><p>bates em seminários, simpósios, nos mais diversos âmbitos,</p><p>inclusive e, de modo crescente, nas universidades."</p><p>A tradução destes conceitos em termos concretos dá-se</p><p>mediante métodos que buscam otimizar tempo, espaço, energia,</p><p>11. "A mutação qualitativa consiste no seguinte: todo o progresso produtivo</p><p>realizado até o presente assentava-se na transformação da matéria mediante em-</p><p>prego de fontes de energia mais e mais potentes, agora a transformação da matéria</p><p>pode ser feita de forma mais rápida, barata e perfeita, graças à utilização de infor-</p><p>mação codificada, memorizada, por meio de linguagens e sinais que automatizam</p><p>saber e saber-fazer humano, com baixos custos de energia e de trabalho vivo"</p><p>(Castro, 1994, p. 40-1).</p><p>12. É importante enfatizar que, muitas vezes, estes conceitos, em realidades</p><p>culturais, econômicas e educacionais tão díspares como no caso brasileiro, quer</p><p>pela existência de um empresariado que teima em não abrir mão de suas origens</p><p>e métodos oligárquícos. quer por razões de natureza das próprias relações interca-</p><p>pitalistas, não refletem, de fato, uma realidade concreta. Neste tipo de realidade o</p><p>risco das visões apologéticas se amplia enormemente.</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 159</p><p>/</p><p>matérias, trabalho vivo, aumentar a produtividade, a qualida-</p><p>de dos produtos e, consequentemente, o nível de competitivi-</p><p>dade e de taxa de lucro. Entre estes métodos, a literatura des-</p><p>taca: just in time e kan ban, que objetivam, mediante a integração</p><p>e flexibilização, a redução do tempo e dos custos de produção</p><p>e circulação, programando a produção de acordo com a deman-</p><p>da; métodos ou sistemas vinculados ao processo de produção</p><p>como CAD e CAN e a vinculação de ambos ensejando a inte-</p><p>gração do projeto com a manufatura; ou, como mostra Salerno</p><p>(1994), outras estratégias menos enfatizadas mas importantes</p><p>de estruturação e organização das empresas ou entre empresas</p><p>que concorrem para os objetivos acima. Salerno destaca ajoca-</p><p>lização, que "consiste em concentrar esforços naquilo que é a</p><p>vantagem competitiva da empresa"; a descentralização produtiva,</p><p>que consiste em deixar de produzir certos componentes e</p><p>comprá-los de terceiros; definição de projetos específicos, redu-</p><p>ção dos níveis hierárquicos etc.</p><p>Na medida em que, como vimos nos Capítulos II e III, o</p><p>fantástico progresso técnico vem demarcado pela lógica priva-</p><p>da da exclusão, este conjunto de métodos e técnicas de organi-</p><p>zação e gestão do processo produtivo não só se inscreve nesta</p><p>lógica como é um mecanismo de ampliação da mesma. Os</p><p>custos humanos são cada vez mais amplos, evidenciados pelo</p><p>desemprego estrutural que aumenta, atingindo sobretudo os</p><p>jovens e os velhos, o emprego precário e a produção, mesmo</p><p>no Primeiro Mundo, de cidadãos de segunda classe.</p><p>Os sinais do caráter de exclusão da reestruturação capita-</p><p>lista são tão fortes que nos induzem a procurar, para além da</p><p>ênfase apologética da valorização do trabalhador e da sua for-</p><p>mação geral e polivalente, qual é seu efetivo sentido políti-</p><p>co-prático. Tomados os termos em que a questão é posta pelos</p><p>organismos internacionais e pelos organismos de classe ou</p><p>instituições que representam os homens de negócio lembram-nos</p><p>da imagem formulada por Brecht ao dizer que, olhada de lon-</p><p>160 GAUD~NClO FRIGOnO</p><p>ge, a sociedade capitalista parece uma tábua horizontal onde</p><p>todos são situados em condições de igualdade, mas que, olha-</p><p>da de perto, manifesta ser uma gangorra.</p><p>O apelo à valorização, face à reestruturação econômica,</p><p>do "fator trabalho", da educação geral e formação polivalente</p><p>foi enfatizado por organismos como OIT, já em meados da</p><p>década de 1970. Ana Maria Rezende Pinto (1992), em um tra-</p><p>balho com título sugestivo, Pessoas inteligentes trabalhando com</p><p>máquinas ou máquinas inteligentes substituindo o trabalho humano,</p><p>examina como vários países desenvolvidos buscaram ajustar</p><p>os sistemas educativos e a utilização de outras estratégias</p><p>empresariais, para fazer face às necessidades de um sistema</p><p>produtivo que incorpora crescente mente a nova base tecnoló-</p><p>gica. Deste exame amplo, incluindo indicações do caso brasi-</p><p>leiro, no qual constata uma ênfase na demanda de educação</p><p>geral, conclui: "As mudanças em curso nos sistemas de ensino</p><p>examinados parecem sugerir que a produtividade da escola</p><p>improdutiva já não é de todo funcional à ordem capitalista"</p><p>(Rezende Pinto, 1992, p. 21).</p><p>Na mesma direção, referindo-se às propostas dos empre-</p><p>sários, L. W. Neves destaca:</p><p>o empresariado parece estar sedando conta de que obaixonível</p><p>de escolaridade de amplas camadas da população começa a se</p><p>constituir em obstáculo efetivo à reprodução ampliada do capi-</p><p>tal, em um horizonte que sinalizapara o emprego, em ritmo cada</p><p>vez mais acelerado, no Brasil, de novas tecnologias de base mi-</p><p>croeletrônica e da informática assim como de métodos mais</p><p>racionalizadores de organização da produção e do trabalho, na</p><p>atual década. (Neves, 1994,p. 10)</p><p>Se a investida dos homens de negócio, em defesa da escola</p><p>básica, dá-se sobretudo a partir do final dos anos 1980, é preci-</p><p>so ter presente, todavia, que isto não significa que antes disto</p><p>os mesmos não estivessem atentos em relação à educação que</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 161</p><p>lhes conuémt? A "novidade" reside exatamente no fato de a</p><p>crítica incidir no puro e simples adestramento e na proposta da</p><p>educação básica geral.</p><p>A identificação dos atores orgânicos desta investida em</p><p>defesa da escola básica e de suas propostas nos permite perce-</p><p>ber que a mesma se move dentro de inúmeras contradições e é</p><p>marcada pela histórica dificuldade e dilemas da burguesia face</p><p>à educação dos trabalhadores.</p><p>O movimento é, ao mesmo tempo de crítica ao Estado, à</p><p>ineficiência da escola pública, de cobrança do Estado na manu-</p><p>tenção da escola e defesa da privatização ou de mecanismos</p><p>privatizantes. Com algumas pequenas variantes, as preocupa-</p><p>ções básicas relativas ao ajustamento da educação aos interesses</p><p>empresariais são expostas em documentos da FIESP,CNI, IEL,</p><p>SENAI, Instituto Herbert Levy da Gazeta Mercantil, Instituto</p><p>Liberal, IEDI (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento</p><p>Industrial) ou em documentos de órgãos do governo ou vin-</p><p>culados a alguma universidade.</p><p>A FIESP,organismo que expressa as ideias mais conserva-</p><p>doras do empresariado, lamenta-se sobre os riscos de investir</p><p>na nova base tecnológica face ao fato da falta de mão de obra</p><p>especializada e retoma a tese do capital humano:</p><p>A carência de pesquisa básica e aplicada, a escassez de mão de</p><p>obra especializadae a rápida obsolescênciadas inovaçõestomam</p><p>os investimentos em setores de alta tecnologiaosmais arriscados</p><p>13. Especialmente a partir dos anos 1930, podemos perceber que a questão da</p><p>educação e, sobretudo, do treinamento e qualificação para moldar e "fabricar" os</p><p>trabalhadores é algo que preocupa as lideranças políticas e empresariais. Em rela-</p><p>ção às démarches para a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem</p><p>Industrial,</p><p>ver Frigotto (1977). Se nos anos 1930, os empresários tiveram que ser induzidos</p><p>por Getúlio Vargas para cuidarem da formação profissional, hoje vemos que seus</p><p>organismos de classe tomam a iniciativa para fazer valer seus interesses de classe</p><p>face ao Estado.</p><p>162 GAUDÊNClO FRIGOTTO</p><p>em um país de industrialização recente como o Brasil. Uma</p><p>ênfase maior em tecnologia de ponta deverá ocorrer quando o</p><p>país estiver apto a investir maior parcela de recursos na forma-</p><p>ção de capital humano e P&D. (FIESP,1990)</p><p>A CNI dispõe de um Instituto - IEL - especificamente</p><p>encarregado de analisar as tendências e as necessidades do</p><p>setor industrial no plano da educação e formação técnico-pro-</p><p>fissional. Trata-se de um instituto criado em 1969com o objeti-</p><p>vo precípuo de funcionar como uma espécie de embaixador</p><p>para sensibilizar e envolver as universidades públicas e priva-</p><p>das na defesa das necessidades da indústria nacional. Só no ano</p><p>de 1992, o IEL elaborou o projeto Pedagogia da Qualidade, com o</p><p>apoio do CNI, SENAI e SESI, coordenou o Encontro Nacional</p><p>Indústria-Universidade sobre a Pedagogia da Qualidade (23 e</p><p>24 de março de 1992), realizou mais dezesseis encontros esta-</p><p>duais sobre educação para a qualidade e quinze cursos sobre</p><p>qualidade total (relatório do IEL de 1992).</p><p>O IEDI, que reflete mais claramente o ideário dos empre-</p><p>sários de mentalidade mais aberta e que se articulam com</p><p>pesquisadores ligados a institutos de pesquisa ou a universi-</p><p>dades, também em 1992, produziu o documento Mudar para</p><p>competir: a nova relação entre competitividade e educação, estratégias</p><p>empresariais. Neste documento, após uma análise do esgotamen-</p><p>to do modelo fordista de organização da produção e do traba-</p><p>lho e de caracterizar a especificidade da nova base técnica</p><p>vinculada, sobretudo, à microeletrônica e à informática, apon-</p><p>tam a questão educacional, particularmente uma sólida educa-</p><p>ção básica geral, como um elemento crucial à nova estratégia</p><p>industrial (IEDI, 1992).</p><p>Com uma mesma perspectiva, mas buscando influenciar</p><p>diretamente as políticas educacionais do governo, o Instituto</p><p>Herbert Levy da Gazeta Mercantil e a Fundação Bradesco en-</p><p>comendaram a João Batista Araujo de Oliveira e Cláudio de</p><p>Moura Castro a coordenação de um documento sobre Educação</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 163</p><p>fundamental e competitividade empresarial: uma proposta para o</p><p>gcoerno" Nesta proposta situam a escola básica como um dever</p><p>fundamental do Estado e apresentam diferentes formas me-</p><p>diante as quais as empresas podem colaborar com o poder</p><p>público na educação básica e no tipo de educação demandada</p><p>para as empresas.</p><p>A investida para se implantarem os critérios empresariais</p><p>de eficiência, de "qualidade total", de competitividade em</p><p>áreas incompatíveis com os mesmos, como educação e saúde,</p><p>desenvolve-se hoje dentro do setor "público". O que é, sem</p><p>dúvida, profundamente problemático é a pressão da perspecti-</p><p>va neoconservadora para que a escola pública e a universidade</p><p>em particular e a área da saúde se estruturem e sejam avaliadas</p><p>dentro dos parâmetros da "produtividade e eficiência empre-</p><p>sarial". Mais preocupante ainda, quando os próprios dirigentes</p><p>das universidades públicas aderem às ideias da 11 qualidade</p><p>total", sem qualificar esta qualidade."</p><p>14. João Batista Araujo de Oliveira esteve vinculado durante muitos anos à</p><p>FINEP e, à época da realização do documento, servia a OIT em Genebra. Cláudio</p><p>de Moura Castro, foi pesquisador do IPEA, coordenador do Programa ECIEL</p><p>(Programa de Estudos Conjuntos de Integração para a América Latina) nos anos</p><p>1970 e, à época da elaboração do documento, era diretor dos Programas de For-</p><p>mação Técnica da OIT.Os colaboradores, todos eles ou estão ou tiveram passagem</p><p>em órgãos governamentais - Antônio C. R. Xavier, Cláudio Gomes Colin A.</p><p>Macedo, Emílio Marques, Guiomar Namo de Mello, Maria Tereza Infante e Sérgio</p><p>Costa Ribeiro.</p><p>15.No plano mais geral são exemplos indicativos desta estratégia os debates</p><p>recentemente promovidos pelo CODEPLAN-DF, sobre "Gestão da qualidade:</p><p>tecnologia e participação" (CODEPLAN, 1992)e pelo Instituto Nacional de Altos</p><p>Estudos (INAE) e FINEP (1993).No plano mais específico da educação, evidencia</p><p>esta tendência a relação cada vez mais estreita entre o IEL(Instituto Euvaldo Lodi)</p><p>da CNI e o CRUB(Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras). Só em 1992,</p><p>o IELpromoveu mais de uma dezena de seminários com diversas universidades.</p><p>Há universidades que já tem seu "Programa de qualidade total e cornpetitividade".</p><p>Para uma crítica a este tipo de adesão acrítica ver Chaui (1993), Cano (1992) e</p><p>Anderson (1995).</p><p>164</p><p>GAUD~NClO FRIGOTTO</p><p>Ao depurarmos o discurso ideológico que envolve as teses</p><p>da "valorização humana do trabalhador", a defesa ardorosa da</p><p>educação básica que possibilita a formação do cidadão e de um</p><p>trabalhador polivalente, participativo, flexível e, portanto, com</p><p>~levada capacidade de abstração e decisão, percebemos que</p><p>lst~ decorre ~ais da própria vulnerabilidade que do novo pa-</p><p>drao produtIv.o, altamente integrado. Ao contrário do que</p><p>cert~s perspectivas apresentavam na década de 1970,que prog-</p><p>nosticavam a "fábrica automática", autossuficiente, as novas</p><p>tecnologias, ao mesmo tempo que diminuem a necessidade</p><p>quantitativa do trabalho vivo, aumentam a necessidade quali-</p><p>tativa do mesmo.</p><p>Dois aspectos nos ajudam a entender por que o capital depende</p><p>de trabalhadores com capacidade de abstração e de trabalho em</p><p>equipe. Como nos mostra Salerno, o novo padrão tecnológico</p><p>c:lcado em sistemas informáticos projeta o processo de produ-</p><p>çao com modelos de representação do real e não com o real. Estes</p><p>modelos, quando operam, entre outros intervenientes, em face</p><p>de uma matéria-prima que não é homogênea, podem apresen-</p><p>t~r problemas que comprometem todo o processo. A intervenção</p><p>direta de um trabalhador com capacidade de análise torna-se</p><p>crucial para a gestão da variabilidade e dos imprevistos produtivos</p><p>(Salerno, 1992, p. 7).</p><p>Por serem sistemas altamente integrados, os imprevistos,</p><p>os problemas, não atingem apenas um setor do processo pro-</p><p>dutivo, mas o conjunto, e o trabalhador parcelar do taylorismo</p><p>constitui-se em entrave. Não basta, pois, que o trabalhador do</p><p>"novo tipo" seja capaz de identificar e de resolver os problemas</p><p>e os imprevistos, mas de resolvê-los em equipe:</p><p>Para enfrentar a "vulnerabilidade" tecnológica, o capital redes-</p><p>cobriu a humanidade do trabalhador assalariado que foi igno-</p><p>rada pelo taylorismo. Forçado pela vulnerabilidade e complexi-</p><p>dade de sua base tecno-organizacional o capital passou a se</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 16S</p><p>interessar pela apropriação de qualidades sociopsicológicas do</p><p>trabalhador coletivo por meio dos chamados sistemas sociotéc-</p><p>nicos de trabalho em equipes, dos círculos de qualidade etc.</p><p>Trata-se de novas formas de gestão da força de trabalho que</p><p>visam a garantir a integração do trabalhador aos objetivos da</p><p>empresa. (R. P. Castro, 1994,p. 43)</p><p>Os aspectos aqui assinalados revelam que estamos diante</p><p>de um processo em que o capital não prescinde do saber do</p><p>trabalhador e do saber em trabalho" e é forçado a demandar</p><p>trabalhadores com um nível de capacitação teórica mais eleva-</p><p>do, o que implica mais tempo de escolaridade e de melhor</p><p>qualidade. Revelam, de outra parte, que o capital, mediante</p><p>diferentes mecanismos, busca manter tanto a subordinação do</p><p>trabalhador quanto a "qualidade" de sua formação. Mas é</p><p>também neste processo que se evidenciam os próprios limites</p><p>e ambiguidades do ajuste neoconservador e, igualmente, o</p><p>terreno sobre o qual as forças que lutam por uma democracia</p><p>substantiva ou por uma sociedade socialista democrática devem</p><p>trabalhar. Nesta luta o conhecimento, informação técnica e</p><p>política constituem-se em materialidade alvo de disputa.</p><p>A estratégia mais geral de subordinação dá-se mediante,</p><p>como vimos, o mecanismo de exclusão social, materializado no</p><p>desemprego estrutural crescente e no emprego precário, tam-</p><p>bém crescente, na contratação de serviços e enfraquecimento</p><p>do poder sindical.</p><p>O estudo feito por um grupo de pesquisadores america-</p><p>nos, com a participação de pesquisadores de dezenove outros</p><p>Oaíses, para examinar o sistema de produção da Toyota (toyo-</p><p>tismo), considerado pela literatura como sendo o sistema que</p><p>16. Para uma análise da natureza das questões que uma série de pesquisas</p><p>buscam evidenciar ao examinar como se explicitam contradições, porosidades e</p><p>lacunas no processo produtivo que depende de um saber que se elabora no espaço</p><p>do trabalho, ver Heloisa H. Santos (1992)e N. L. Franzoi (1991).</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Edited by Foxit Reader</p><p>Copyright(C) by Foxit Software Company,2005-2008</p><p>For Evaluation Only.</p><p>166</p><p>GAUDÊNClO FRIGOTTO</p><p>origina os processos de "qualidade total", flexibilização, tra-</p><p>balho participativo, do qual resultou o livro The machine that</p><p>changed the uiorld (1990), ao mesmo tempo que expõe uma</p><p>perspectiva apologética deste sistema, sintetiza sua lógica</p><p>e~c~udente: "Trabalhadores em excesso têm que ser expulsos</p><p>rápida e completamente da fábrica para garantir que as inova-</p><p>ções deem certo".</p><p>No campo da educação e formação, o processo de subordi-</p><p>nação busca efetivar-se mediante a delimitação dos conteúdos e</p><p>da gestão do processo educativo. No plano dos conteúdos, a</p><p>e.du~aç~o geral, abstrata, vem demarcada pela exigência da po-</p><p>lioalência ou de conhecimentos que permitam a "polícognição".</p><p>O conceito de polícognição tecnoIógica, que busca explicitar</p><p>as demandas emergentes do sistema produtivo capitalista den-</p><p>tro do novo padrão tecnológico, se caracteriza por um conjun-</p><p>to de conhecimentos que envolvem:</p><p>a) domínio dos fundamentos científico-intelectuais subjacentes</p><p>às diferentes técnicas que caracterizam o processo produtivo</p><p>moderno, associado ao desempenho de um especialista em um</p><p>ramo profissional específico; b) compreensão de um fenômeno</p><p>em ~roc~sso no que se refere tanto à lógica funcional das máqui-</p><p>nas mtehgentes como à organização produtiva como um todo;</p><p>c) responsabilidade, lealdade, criatividade, sensualismo; d)</p><p>disposição do trabalhador para colocar seu potencial cognitivo</p><p>e comportamental a serviço da produtividade da empresa. (Re-</p><p>zende Pinto, 1992,p. 3)</p><p>A autora destaca que o conceito de polivalência é de cunho</p><p>mais operacional e mostra as exigências demandadas do "novo"</p><p>trabalhador:</p><p>boa formação geral, atento, leal, responsável, com capacidade</p><p>de perceber um fenômeno em processo, não dominando, porém,</p><p>os fundamentos científico-intelectuais subjacentes às diferentes</p><p>técnicas produtivas modernas. (Ibidem, p. 4)</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 167</p><p>Essa distinção apreende aquilo para o qual a literatura</p><p>crítica tem chamado a atenção em relação a diferentes formas</p><p>de "polivalência", já que há tipos de atividades polivalentes</p><p>que não demandam nenhuma maior qualificação e se trata</p><p>apenas de intensificação do trabalho.'? Evidencia, por outro</p><p>lado, a tensão real sobre a qual se dá a formação e qualificação</p><p>humana para estar a serviço da produtividade da empresa quando</p><p>esta se vê impelida, para manter-se competitiva, a entrar num</p><p>processo de reconversão tecnológica."</p><p>Roberto Boclin, um dos mais destacados dirigentes do</p><p>SENAI, que há mais de três décadas trabalha em sintonia fina</p><p>na adequação da força de trabalho aos interesses dos empresá-</p><p>rios industriais e cuja projeção no plano dos que fazem da</p><p>educação um negócio o alçou a presidente do Conselho Estadual</p><p>de Educação do Estado do Rio de Janeiro, durante o governo</p><p>Moreira Franco, após uma ampla avaliação da crise do modelo</p><p>fordista, define o tipo de formação necessária atualmente. Ao</p><p>fazê-lo, explícita. ao nosso ver, como o conceito de polivalência</p><p>e policognição, na perspectiva dos homens de negócio ou de seus</p><p>prepostos, expressam mistificação apologética, necessidades</p><p>efetivas do capital, ambiguidades e contraposição clara com as</p><p>perspectivas que situam o homem e suas necessidades como o</p><p>eixo da produção e da formação:</p><p>;</p><p>17. Salerno mostra que é preciso distinguir-se entre "trabalhador multifun-</p><p>cional e multiqualificado": "enquanto o primeiro se caracteriza por operar mais de</p><p>uma máquina com características semelhantes - o que pouco lhe acrescenta em</p><p>termos de desenvolvimento e qualificação profissional-, o segundo desenvolve</p><p>e incorpora diferentes habilidades e repertórios profissionais" (Salerno, 1992, p.</p><p>18). Lucilia Machado, numa mesma perspectiva e contrastando à concepção de</p><p>polivalência o conceito de politecnia, aponta que a polivalência "não significa</p><p>obrigatoriamente intelectualização do trabalho, mesmo tratando-se de equipamen-</p><p>tos complexos" (Machado, 1991,p. 53).</p><p>18.A pesquisa sobre Processo de trabalho, sindicato e conhecimento operário no</p><p>contexto da reconversão produtiva - o caso AAU do Uruguai (Garayalde, 1992),é pa-</p><p>radigmático para entender-se os dilemas e dificuldades do capital e a importância</p><p>do movimento sindical para compreender estes limites.</p><p>168</p><p>GAUDÊNCIO FRIGOnO</p><p>Longe de se pensar na desqualificação da força de trabalho pelo</p><p>advento da informatização, o que se considera é a formação</p><p>integral do técnico, que de uma certa forma vem a ser a poliva-</p><p>lência, distinta dos princípios marxistas e ajustada à realidade</p><p>do desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Vem a ser uma</p><p>visão teórico-prática que ofereça um aprofundamento do conhe-</p><p>cimento, que possibilite a assimilação dos processos de trabalho</p><p>e que ofereça múltiplas condições de acesso a emprego. A poli-</p><p>valência na escola deve aproximar-se da polivalência do trabalho.</p><p>(Boclín, 1992, p. 21)</p><p>Esta delimitação, como reiteramos ao longo deste trabalho,</p><p>não se faz sem contradições e conflitos. As inúmeras receitas</p><p>dos "consultores de Recursos Humanos", que anunciam "o que</p><p>se espera do profissional do ano dois mil", convergem para as</p><p>seguintes características: flexibilidade, versatilidade, liderança,</p><p>princípios de moral, orientação global, hora de decisão, comu-</p><p>nicação, habilidade de discernir, equilíbrio físico-emocional (O</p><p>Globo, p. 42, 11/7/1993). O gerente geral de Recursos Humanos</p><p>da Atlantic vai mais longe na caracterização do profissional do</p><p>futuro: "Ter uma boa base de conhecimentos é fundamental. A</p><p>cultura traz sensibilidade para gerir. Épreciso conhecer expres-</p><p>sões da cultura, história, artes, grandes filmes" (Pernando</p><p>Guimarães, O Globo, p. 44,11/7/1993).</p><p>Esta demanda real de mais conhecimento, mais qualifica-</p><p>ção geral, mais cultura geral se confronta com os limites ime-</p><p>diatos da produção, da estreiteza do mercado e da lógica do</p><p>lucro. No caso brasileiro, o atraso de um século, pelo menos,</p><p>na universalização da escola básica é um dos indicadores do</p><p>perfil anacrônico e opaco das nossas elites e um elemento cul-</p><p>tural que potencia o descompasso do discurso da "modernida-</p><p>de" e defesa da educação básica de qualidade, da ação efetiva</p><p>destas elites.</p><p>O processo constituinte e o longo período de mais de cin-</p><p>co anos (1989-1995), de debate na definição da Lei de Diretrizes</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 169</p><p>e Bases da Educação Nacional evidenciam, de forma exemplar,</p><p>este atraso da fração mais numerosa da burguesia e os dilemas</p><p>dos setores mais avançados desta mesma burguesia. O peso</p><p>dos parlamentares de tradição oligárquica barrou avanços mais</p><p>significativos.</p><p>Florestan Pernandes, um dos parlamentares que mais se</p><p>empenhou na defesa das propostas dos educadores progressis-</p><p>tas, representados num fórum permanente de 34 instituições</p><p>científicas e sindicais da área, reiteradamente tem mostrado</p><p>como as forças conservadoras se opunham à promulgação de</p><p>diretrizes e bases que configurassem um amplo reforço à esco-</p><p>la pública, laica e unitária. Referindo-se ao processo constituin-</p><p>te Pernandes conclui:</p><p>A educação nunca foi algo de fundamental no Brasil, e muitos</p><p>esperavam que isso mudasse com a convocação da Assembleia</p><p>Nacional Constituinte. Mas a constituição promulgada em 1988,</p><p>confirmando que a educação é tida como assunto menor, não</p><p>alterou a situação. (Fernandes, 1992)</p><p>Mais tarde, ao examinar o processo de elaboração e defi-</p><p>nição da LDB, Pernandes, uma vez mais, mostra como estas</p><p>de sociedade e de educação democráticas que concorrem para</p><p>a emancipação humana.</p><p>A segunda centra-se na apreensão crítica das teses do fim</p><p>da sociedade do trabalho e na perda da centralidade do traba-</p><p>lho como categoria de análise das relações sociais. Esta ordem</p><p>de questões se apresenta como uma problematização teórica</p><p>para aqueles que têm no trabalho, nas suas diversas formas</p><p>históricas, uma categoria central na compreensão das relações</p><p>sociais e, entre estas, os processos e as relações educativas.</p><p>O pressuposto do qual partimos neste trabalho é que estas</p><p>duas ordens de questões diferem e, de um modo geral, são</p><p>conflitantes, mas que, paradoxalmente, se articulam, se reforçam</p><p>e se identificam em alguns aspectos, como é o caso da ideia de</p><p>sociedade do conhecimento e do desaparecimento das classes</p><p>sociais. Ambas, por caminhos diversos, se desenvolvem a par-</p><p>tir da apreensão que fazem da crise do Estado de Bem-Estar ou,</p><p>mais amplamente, da crise do capitalismo e do socialismo real</p><p>nestas últimas décadas (anos 1970/1990).</p><p>O trabalho é estruturado em quatro capítulos. Na realida-</p><p>de, na ordem de construção da análise, o vértice do conjunto</p><p>da problemática aqui discutida encontra-se no segundo capí-</p><p>tulo, que trata da natureza estrutural da crise do capitalismo,</p><p>dos traços conjunturais específicos que a mesma assume a</p><p>partir dos anos 1970, das alternativas político-sociais de enfren- .</p><p>tamento da crise e dos custos humanos diferenciados da mesma.</p><p>A análise se delineia pela compreensão de que a tese do fim da</p><p>história, de Fukuyama, seus pressupostos e corolários, que</p><p>parte da dedução da crise do socialismo real como prova defi-</p><p>nitiva da impossibilidade de substituir o "livre mercado" capi-</p><p>talista por qualquer outro tipo de relação social, apenas encobre</p><p>a crise desta forma de organização social, mas não a suprime,</p><p>nem a minimiza. De outra parte, por mais cruel que seja a for-</p><p>ma assumida atualmente pela exclusão social e dominância das</p><p>políticas neoliberais ou neoconservadoras, não são razões su-</p><p>II IUCAÇAo E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 23</p><p>fi i ntes para posturas analíticas e políticas neoanárquicas,</p><p>1\' 'a tológicas ou irracionalistas. A concepção dialética de reali-</p><p>t lide humano-social, enquanto uma teoria da história, parece,</p><p>Ii I speito das profecias de seu fim, constituir-se no horizonte</p><p>I olítica e humanamente mais pertinente. Por certo, não sem</p><p>dvsafios, limites e riscos.</p><p>Dentro desta compreensão, o primeiro capítulo demarca,</p><p>ni ialmente, a concepção de educação como prática social que</p><p>(' define, nos múltiplos espaços da sociedade, na articulação</p><p>I'om os interesses econômicos, políticos e culturais dos grupos</p><p>l)tl classes sociais. A educação é, pois, compreendida como</p><p>1'1 imento constituído e constituinte crucial de luta hegemônica.</p><p>I';xpomos, em seguida, de forma sucinta, os dilemas e as estra-</p><p>I~gias da burguesia para subordinar a educação à esfera priva-</p><p>tlu do capital. Detemo-nos, sobretudo, na apreensão da crítica</p><p>S oncepções de educação dominantes na década de 1970 no</p><p>llrasil e no movimento de inversão, resultante dos embates da</p><p>d \ ada de 1980, tendo como um dos eixos centrais de análise a</p><p>rutegoria trabalho. Por fim, nesta introdução, demarcamos as</p><p>luas ordens de questões teórica e político-prática, acima refe-</p><p>ri Ias, que se colocam para aqueles que buscam entender as</p><p>r .lações sociais e os processos educatívos tendo o trabalho</p><p>li Imano como categoria central.</p><p>O terceiro capítulo discute a tese do fim da sociedade do</p><p>Irabalho, face à reestruturação econômico-social e política den-</p><p>11"0 de uma nova base técnica e as derivações que se extraem</p><p>(I .sta tese sobre o trabalho enquanto categoria sociológica de</p><p>nnálise, e o fim das classes sociais. Partimos de trabalhos pon-</p><p>luais de Claus Offe, Adam Schaff e Robert Kurz, autores com</p><p>trajetória teórico-intelectual e política bastante diversa, mas que</p><p>I ar diferentes caminhos apontam o fim da sociedade do traba-</p><p>lho e com ela, das classes sociais fundamentais. Buscamos,</p><p>inicialmente, contextualizar estes trabalhos, publicados origi-</p><p>nariamente na Alemanha no final da década de 1980 e início de</p><p>I 90, tanto em relação à produção mais ampla dos autores,</p><p>24 GAUDÊNClO FRIGOnO</p><p>quanto à sua perspectiva eurocêntrica. Realçamos, em seguida,</p><p>os argumentos básicos sobre a crise da sociedade do trabalho</p><p>e a não centralidade do trabalho enquanto categoria explicativa</p><p>das relações sociais. Por fim, neste capítulo, debatemos critica-</p><p>mente, em Schaff, o determinismo tecnológico, em Offe, o redu cio-</p><p>nismo da categoria trabalho e, em Kurz, o mecanicismo das relações</p><p>sociais e sua perspectiva irracionalista. Dos três, apontamos o</p><p>silenciamento ou a eliminação dos grupos ou classes sociais</p><p>fundamentais e os movimentos a eles articulados corno sujeitos</p><p>da história. Corno consequência, mostramos que estas análises,</p><p>com nuances diversas e mais claramente em Kurz, acabam,</p><p>ironicamente, reforçando a tese do fim da história. O horizonte</p><p>da travessia para o socialismo fica esmaecido em perspectivas</p><p>utópicas de cunho religioso e escatológico, corno nos mostra</p><p>Rayrnond Williams.</p><p>O quarto e último capítulo debate as bases conceituais e</p><p>políticas da perspectiva neoliberal ou neoconservadora de</p><p>educação para ajusta-Ia ao processo de redefinição do novo</p><p>padrão de acumulação e à alternativa democrática. No plano</p><p>teórico, às categorias de sociedade do conhecimento, qualidade total,</p><p>flexibilidade, participação, formação abstrata e polivalente que os</p><p>homens de negócio e os intelectuais a eles articulados utilizam</p><p>para expressar o tipo de demanda de educação e formação</p><p>profissional, são contrapostas as categorias de escola unitária,</p><p>educação eformação humana omnilateral, tecnológica ou politécnica, .</p><p>expressando as demandas dos grupos sociais que constituem</p><p>a classe trabalhadora. No plano político prático, à tese do Esta-</p><p>do mínimo, da regulação da educação pelo mercado, e aos</p><p>processos de descentralização autoritária, é apresentada a al-</p><p>ternativa da ampliação da esfera pública e, portanto, da demo-</p><p>cratização do Estado pela ação orgânica e transparente da so-</p><p>ciedade civil.</p><p>Ressaltamos, nesta análise, que a "nova qualidade" de</p><p>formação humana demandada pelos homens de negócio sinaliza</p><p>o desenvolvimento de urna materialidade histórico-social cujas</p><p>1111! AÇAo E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 25</p><p>Inntradições engendram, para além de sua negatividade, urna</p><p>111 ll-ji tividade que pode ser politicamente capturada pelas forças</p><p>I'ol'l1.prometidas com a efetiva emancipação humana. A classe</p><p>.lominante brasileira, pela sua postura prática em face do pro-</p><p>I' 'H '0 constituinte e de definição da Lei de Diretrizes e Bases da</p><p>I':ducação Nacional e, agora, na revisão constitucional revela</p><p>'lu \ é, corno se referiu Marx aos alemães na Contribuição à cri-</p><p>11mda filosofia do direito de Regel, coetânea "filosófica" no dis-</p><p>I li r O sobre a modernidade, mas não é "coetânea histórica",</p><p>num mesmo da burguesia dos centros hegemônicos do capita-</p><p>I H1'l10.Na prática evidencia sua matriz cultural escravocrata,</p><p>nligárquica, elitista e despótica.</p><p>Poderia ser afirmado o mesmo, ou pelo menos em parte,</p><p>rum relação a certas forças de "esquerda" que reduzem o Esta-</p><p>do ao governo e se fixam na trincheira da resistência, na pers-</p><p>jll' tiva do quanto pior melhor ou em posturas irracionalistas.</p><p>t ) mbate contra-hegemônico traz a exigência da construção de</p><p>1 1111 a alternativa que tenha a democracia corno o valor funda-</p><p>111 .ntal.</p><p>Na conclusão, buscou-se demarcar algumas questões cen-</p><p>lI'. is do trabalho no seu conjunto. Reitera-se que a problemáti-</p><p>1,1 xplicitada pelos homens de negócio, pelos apologetas da so-</p><p>I'i .dade do conhecimento ou pelos críticos da sociedade do</p><p>Irnbalho, por tratar-se de formas específicas e diferenciadas de</p><p>\' irnpreender a crise do capitalismo deste final de século, em</p><p>.u limites, também de forma diferenciada, explicitam contra-</p><p>li ões que ajudam a qualificar, tanto o debate teórico, quanto</p><p>ll-l alternativas políticas, numa perspectiva democrática. O li-</p><p>mite destas</p><p>forças contradizem na prática o discurso da modernidade.</p><p>Eu penso que nós havíamos chegado a um projeto de Lei de</p><p>Diretrizes e Bases da Educação Nacional que poderia ter vigên-</p><p>cia durante 10 ou 15 anos, até que surgissem discussões para</p><p>realizar-se um projeto de lei mais adequado às exigências da</p><p>situação histórica brasileira. No entanto, os interesses que se</p><p>chocaram dentro do Parlamento são tão destrutivos que o pro-</p><p>jeto que já havia passado por todas as comissões, e por elas</p><p>aprovado, acabou, por manobras principalmente de partidos</p><p>ultraconservadores - como PDS, PFL e outros - voltando à</p><p>deliberação das comissões. E aí surgiram negociações que tor-</p><p>naram o projeto, já com muitas limitações, muito mais precário.</p><p>Eu comparo o que aconteceu a um conjunto de decapitações,</p><p>170 GAUDÉNClO FRIGOTTO</p><p>pelas quais a melhor parte de alguns dispositivos ou foi trans-</p><p>formada ou foi eliminada. (Fernandes, 1992, p. 28)</p><p>As mutilações e subterfúgios que foram se introduzindo</p><p>no projeto de LDB colocam o campo educacional como um dos</p><p>espaços onde claramente - como analisam alguns cientistas</p><p>sociais - o Estado, enquanto sociedade política (Executivo,</p><p>Parlamento e Judiciário), não reflete o avanço político-organi-</p><p>zativo da sociedade civil. Um único representante das forças</p><p>ultraconservadoras, deputado A. Tinoco, ligado ao grupo de</p><p>Antônio Carlos Magalhães, apresentou mais de mil e duzentos</p><p>destaques. O enfraquecimento da escola pública e o reforço às</p><p>teses privatistas e mercantilista, em boa medida, se constituem</p><p>numa falsa vitória e, portanto, um limite aos próprios interesses</p><p>de frações da moderna burguesia.</p><p>Pelo confronto entre o texto original do deputado Otávio</p><p>Elísio (Projeto de Lei n. 1.258, de 1988), que transformou em</p><p>forma de projeto de lei as teses básicas de longos anos de de-</p><p>bate dos educadores em seminários nacionais e regionais, nas</p><p>CBEs (Conferências Brasileiras de Educação), reuniões anuais</p><p>da ANPEd, cuja síntese se explícita na Carta de Goiânia (reunião</p><p>da ANPEd, 1986), e num texto de Saviani (1988), com o projeto</p><p>aprovado na Câmara dos Deputados em maio de 1993,pode-se</p><p>perceber que as mutilações a que se refere Florestan Fernandes</p><p>deram-se tanto no plano das concepções quanto das bases, con-</p><p>dição material e efetiva para que os princípios não redundem</p><p>em querelas escolásticas.</p><p>No plano conceptual e organizativo, o projeto aprovado</p><p>pela Câmara desvertebra a proposta de escola unitária que com-</p><p>preende o ensino Fundamental e Médio. Não só fixa uma "ter-</p><p>minalidade" com cinco anos de escolaridade como mantém o</p><p>dualísmo entre ensino geral propedêutico e ensino técnico."</p><p>19. É preciso registrar que nesta desvertebração as forças conservadoras</p><p>tiveram uma surpreendente ajuda mediante o projeto de LDBproposto no Sena-</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 171</p><p>Esta decepção em relação à proposta de Darcy Ribeiro,</p><p>todavia, não era a última. O mesmo projeto que servira de</p><p>alívio ao governo Collor está agora servindo ao projeto auto-</p><p>crático no campo educativo para o governo Fernando Henrique</p><p>Cardoso. Lembrando os velhos métodos da época da ditadura,</p><p>agora com mais gravidade, os grupos de trabalho formados</p><p>dentro do MEC substituem as inúmeras instituições da socie-</p><p>dade civil que durante mais de seis anos debateram e negocia-</p><p>ram uma proposta democrática de LDB. Chegamos, em maio</p><p>de 1995,com uma proposta de LDBsem a participação da maior</p><p>parte das instituições sociedade já que última síntese é compos-</p><p>ta pelas propostas do atual Ministério da Educação e do proje-</p><p>to do senador Darcy Ribeiro. Em ambos os casos foram ouvidas</p><p>pessoas e alijadas as organizações e instituições que compu-</p><p>nham o fórum por uma LDB democrática. Mais uma LDB que,</p><p>por não expressar os anseios e direitos da sociedade terá, na</p><p>prática, vida curta.</p><p>Já pela proposta fragmentária e dualista da escola funda-</p><p>mental podemos ver que os representantes dos homens de negó-</p><p>cio no Congresso, monitorados pelos organismos classistas,</p><p>esvaziaram os clamores de uma educação fundamental e média</p><p>nos moldes do Japão e tigres asiáticos (referências obrigatórias</p><p>nos discursos dos empresários para sinalizar a educação que</p><p>do por Darcy Ribeiro, elaborado por ele e um pequeno grupo de assessores, como</p><p>bem mostra F. Fernandes: "Eis que estávamos prestes a sofrer uma decepção</p><p>única. Nada menos que o senador Darcy Ribeiro iria tomar a peito de apresentar</p><p>um projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional no Senado. Sua</p><p>impaciência não permitiu que a Câmara dos Deputados terminasse o seu trabalho,</p><p>ocasião em que o projeto tramitaria normalmente, no Senado e sofreria transfor-</p><p>mações. Por que essa precipitação? O senador, como representante do PDT, sen-</p><p>tiu-se à vontade para aliviar o governo Collor de uma tarefa ingrata. Recebendo</p><p>suas sugestões (e por essa via os anseias imperativos do ensino privado) e apro-</p><p>veitando como lhe pareceu melhor o projeto mencionado, mostrou aquilo que se</p><p>poderia chamar de versão sincrética 'oficial' daquela lei" (Fernandes, Folha de S.</p><p>Paulo, p. 12,6/11/1992).</p><p>172 GAUDtNClO FRIGOnO</p><p>necessitam dos trabalhadores) ou apelos expostos em documen-</p><p>tos de empresários tais como:</p><p>Queiramos ou não, estamos em plena era tecnológica. (...) A</p><p>evidência histórica referente às relações entre educação e produ-</p><p>tividade é incontornável. Predominam as altas tecnologias de</p><p>produção e informação e nenhum país se arrisca entrar em com-</p><p>petição por mercados internacionais sem haver estabelecido um</p><p>sistema educacional onde toda a população, e não só a força de</p><p>trabalho, tenha atingido no mínimo 8 a 10 séries de ensino de</p><p>boa qualidade. (Penteado, 1992, p. 5)</p><p>Na prática, todavia, o que os representantes dos empresá-</p><p>rios aprovaram no Congresso foi a terminalidade aos cinco anos</p><p>de escolaridade. Naturaliza-se assim, o longo e perverso des-</p><p>caso com a educação pública para as classes populares demar-</p><p>cando como patamar possível apenas a alfabetização funcional.</p><p>Ora, isto entra em total contradição com a ideia de uma forma-</p><p>ção abstrata e polivalente capaz de facultar aos futuros traba-</p><p>lhadores uma capacitação para operarem o sistema produtivo</p><p>sob a nova base tecnológica.</p><p>Mas, ao examinarmos a proposta de educação técnica e</p><p>profissional veiculada pelos organismos ligados aos empresá-</p><p>rios, direta ou indiretamente, percebemos, mais claramente, o</p><p>limite e estreiteza das elites na luta para ter o controle privado</p><p>desta modalidade de ensino, mesmo quando este é mantido</p><p>pelo Estado. A luta destas elites, com o apoio da maior parte</p><p>das direções das escolas técnicas e setores atrasados do próprio</p><p>magistério e funcionários, é de manter o sistema de ensino</p><p>técnico-industrial como um enclave no sistema de educação."</p><p>20. A gestão das escolas técnicas, salvo raras exceções, é profundamente au-</p><p>tocrática. Esta estrutura se consolidou sobretudo durante a ditadura, e mesmo com</p><p>o processo de redemocratização os professores encontram grande resistência para</p><p>suas lutas até hoje.</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 173</p><p>o exame mais cuidadoso do tipo de ensino que se oferece</p><p>nestas escolas, mesmo que seja tido como o de melhor qualida-</p><p>de, revela-nos que é demarcado pela estreiteza do ajuste ao</p><p>mercado de trabalho. A concepção das ciências - Física, Quí-</p><p>mica, Matemática, Biologia e Ciências Sociais - é, como mos-</p><p>tram alguns trabalhos, de natureza escolástica. A seletividade,</p><p>de outra parte, é total. Há casos em que há uma vaga para 59</p><p>candidatos. As evidências estatísticas mostram que o argumen-</p><p>to de que é para formarem-se técnicos de nível médio necessá-</p><p>rios à incorporação ao mercado de trabalho é falso para o</p><p>grupo social que frequenta as escolas técnicas federais."</p><p>No plano da formação profissional evidencia-se, ainda</p><p>mais claramente, o descompasso entre o discurso e a prática.</p><p>Durante o processo constituinte efetivou-se um grande esforço</p><p>para que aquilo que é inusitado em toda a América Latina - a</p><p>formação profissional estar delegada pelo Estado ao absoluto</p><p>controle dos empresários - tivesse uma gestão tripartite.</p><p>Reivindicava-se</p><p>uma efetiva participação, do Estado e das</p><p>centrais dos trabalhadores. Nada mais daquilo que o ideário</p><p>liberal ensina. A mobilização do empresariado e seus prepostos</p><p>foi extraordinária e esta proposta não passou.</p><p>No processo da LDB buscou-se criar, não no Ministério do</p><p>Trabalho - que em matéria de formação profissional quase</p><p>sempre foi um condomínio dos interesses privados - mas no</p><p>Ministério da Educação, um Conselho Nacional de Formação</p><p>Técnico-Profissional com a formação tripartite já assinalada. Esta</p><p>proposta também foi duramente combatida e não aprovada.</p><p>Uma outra exemplificação em nível mais específico que</p><p>mostra o atraso das elites em face até de suas necessidades é a</p><p>21. Para uma análise sobre a natureza e qualidade do ensino técnico-industrial</p><p>ver: Braga (1991), Lopes (1990) e R. J. de Oliveira (1990). Para uma análise da polí-</p><p>tica de ensino técnico na última década, sua "melhoria" e expansão, ver Frigotto e</p><p>Ciavatta Franco (1993).</p><p>174 GAUD~NClO FRIGOTTO</p><p>não aprovação da proposta de liberação dos trabalhadores jo-</p><p>vens e adultos que trabalham e estudam, por um período de</p><p>duas horas, mantendo-lhes o mesmo salário. Por aí percebemos</p><p>qual o efetivo interesse dos empresários para com a educação</p><p>pública e, também, as dubiedades e conflitos que enfrentam em</p><p>face dos seus interesses.</p><p>As posturas político-práticas anteriormente exemplificadas</p><p>encontram sua expressão mais geral na tese do Estado mínimo</p><p>e na descentralização (autoritária). Na realidade, como vimos</p><p>no Capítulo II, a ideia de Estado mínimo significa o Estado</p><p>máximo a serviço dos interesses do capital. Postula-se que o</p><p>Estado reproduza a força de trabalho com um nível elevado de</p><p>formação (formar trabalhadores polivalentes, com capacidade</p><p>de abstração para tomar decisões complexas e rápidas), o que</p><p>leva tempo e elevado investimento, mas sem contribuir para o</p><p>fundo público. Esta contradição decorre, por certo, da forma</p><p>parcial como a burguesia apreende a realidade social.</p><p>O desmonte do Estado no Brasil, na sua capacidade de</p><p>financiar a educação e outros serviços, como a saúde, que são</p><p>incompatíveis com a lógica do mercado e do lucro, não chegou</p><p>até o presente a níveis tão perversos como, por exemplo, na</p><p>Argentina e Chile, porque há forças sociais organizadas que se</p><p>contrapõem."</p><p>Como corolário do Estado mínimo este desmonte faz-se</p><p>mediante diversos mecanismos. As apologias da esfera privada,</p><p>da descentralização e da flexibilização, como mecanismos de</p><p>democratização e de eficiência, são os mais frequentes. Na</p><p>22. Os processos de dilapidação do fundo público pelos interesses privados</p><p>têm sido tão brutais no Brasil e tão naturalizados, que o Partido dos Trabalhadores</p><p>(PT), a CUT e outras forças de esquerda, que tiveram papel decisivo no destrona-</p><p>mento de Collor e que estão revelando o tecido podre e corrupto plotado nas vís-</p><p>ceras do Estado, são criticados pela imprensa - a serviço do conservadorismo</p><p>- como espiões criminosos, promotores da desordem.</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 175</p><p>prática, a descentralização e flexibilização têm se constituído</p><p>em processos antidemocráticos de delegação a empresas (pú-</p><p>blicas ou privadas), à "comunidade", aos Estados e aos muni-</p><p>cípios a manutenção da educação fundamental e média, sem</p><p>que se "desentulhe" os mecanismos de financiamento median-</p><p>te uma efetiva e democrática reforma tributária. Também, ig-</p><p>nora-se a tradição clientelista que caracteriza a pequena políti-</p><p>ca do interior, fortemente controlada por forças rstrógradas.P</p><p>Dentro de uma tradição que apresenta fórmulas mágicas e,</p><p>portanto, inorgânicas, para resolver a questão educacional</p><p>(CIEPs,CIACs, programa de qualidade total, construtivismo etc.)</p><p>e que Nosella (1993) identifica como sendo resultado da mega-</p><p>lomania e ganância eleitoreira e, de acordo com Cunha (1991),</p><p>podem advir do eleitorismo, do experimentalismo pedagógico ou do</p><p>voluntarismo ideológico, a fórmula mais recente junta a ideia dos</p><p>cupons de um dos papas do neoliberalismo, Milton Friedman</p><p>(1980)24com a da escola "cooperativa". Na prática cada escola</p><p>acabaria se tornando um microssistema educacional.</p><p>Por esta simbiose, os professores, agora" donos" da esco-</p><p>la, seriam remunerados de acordo com a "produtividade". Esta</p><p>composição vem sendo experimentada, desde o início dos anos</p><p>1990, pela prefeitura de Maringá (PR) e tem sido apresentada</p><p>como meta salvacionista por governos de alguns Estados e pelo</p><p>próprio governo federal, particularmente por intermédio do</p><p>MEC. A ênfase deste início do governo F.H. Cardoso é de pre-</p><p>miar as escolas bem-sucedidas. Uma vez mais a ideia de uma</p><p>avaliação rigorosa efetivada por instituições de elevada capa-</p><p>23. Para uma compreensão dos entraves para a educação pública alojados nos</p><p>microespaços de poder local, ver Leroy (1987).</p><p>24. M. Friedman entende que a escola é uma empresa como qualquer outra e</p><p>deve ser regulada pelo mercado. Sua tese postula que o governo deveria distribuir</p><p>"cupons" mediante os quais os pais buscariam no mercado educacional o tipo de</p><p>escola que melhor atenda às suas expectativas.</p><p>176</p><p>GAUDENClO FRIGOnO</p><p>cidade técnica, em todos os níveis de ensino, revela, ao mesmo</p><p>tempo, urna concepção tecnocrática de avaliação e urna visão</p><p>reducionista das diversas e complexas determinações que estão</p><p>na base do fracasso escolar.</p><p>a prefeito de Maringá (PR), o primeiro a concretizar esta</p><p>"fórmula", foi alçado a urna espécie de embaixador do experi-</p><p>mento no país e até em congressos internacionais. A Fundação</p><p>Getúlio Vargas (RJ)foi convidada a dar respaldo técnico à ideia</p><p>e, se possível, generalizá-Ia corno modelo num dos Estados da</p><p>federação.25</p><p>Urna variação desta ideia é o estímulo que o governo vem</p><p>dando à classe média e mesmo às classes populares para que</p><p>organizem nas empresas públicas onde trabalham, tipo Banco</p><p>do Brasil, Petrobras, ou nos bairros e conjuntos habítacíonaís,</p><p>escolas cooperativas. a governo, por esta via, dissimula o des-</p><p>monte do sistema educacional mediante a ideia de cooperativa.</p><p>A cooperativa de ensino transforma-se, assim, no Programa</p><p>Nacional de Cooperativas Escolares com um sistema operacio-</p><p>nal desenhado, prevendo a divisão dos cooperados por renda,</p><p>profissão, espaço e subsídios dos municípios, estados e gover-</p><p>no federal (ver Cedraz, 1992, p. 29-32).</p><p>Esta estratégia é reforçada mediante o apoio do governo</p><p>federal ao sistema da Campanha Nacional de Escolas da Co-</p><p>munidade (CNEC). Em fevereiro de 1993 o governo comprou,</p><p>25. A FGV do Rio de Janeiro, em 1990, encarnando a era Collor, fechou unila-</p><p>teralmente nove institutos ligados às Ciências Sociais. Entre eles o IESAE (Institu-</p><p>to de Estudos Avançados em Educação), considerado pela área entre os melhores</p><p>centros de pós-graduação do país. Dia após dia, explicita-se como um escritório de</p><p>intermediação de recursos (grande parte deles públicos). A razão de fechar os nove</p><p>instit~tos foi. econô~ca. Após seu fechamento, todavia, instalou mais um posto</p><p>bancano na mstituíção, ocupando mais da metade do espaço da livraria. Neste</p><p>momento, sintomaticamente, entra no processo de acompanhamento e avaliação</p><p>de projetos de "qualidade total" financiados pelo Banco Mundial em âmbito de</p><p>sistemas estaduais de educação.</p><p>DUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 177</p><p>mediante convênio, cinquenta mil vagas da CNEC. Este apoio</p><p>permite hoje que a CNEC compre espaço de televisão para</p><p>divulgar seu trabalho. Aquilo que foi criado corno um projeto</p><p>emergencial transforma-se numa política permanente e cada</p><p>vez mais ampliada.</p><p>Na lista infindável de mecanismos de descentralização e</p><p>flexibilização antidemocráticas nos deparamos com convênios</p><p>mais espúrios corno o firmado entre a União, as empreiteiras</p><p>da construção civil e a Rede Globo de Televisão para urna am-</p><p>plo projeto de alfabetização. Pelo que a sociedade está desco-</p><p>brindo, mediante as CPls do impeachment e do Congresso Na-</p><p>cional, as empreiteiras são especialistas na dilapidação do</p><p>fundo público, mas, pelo que sabemos, não têm credenciais no</p><p>campo pedagógico-educacional. 26</p><p>No senso comum que se vem formando sobre</p><p>os problemas</p><p>da educação e da saúde, a deslisura tecnocrática tem insistido</p><p>que estes problemas se devem a um mau gerenciamento e à</p><p>falta de acompanhamento e avaliação. Junto a este senso comum</p><p>o ideário neoliberal ou neoconservador vulgariza a ideia de que</p><p>o Estado, a esfera pública, é um paquiderme pesado e ineficien-</p><p>te, incapaz de gerenciar e avaliar adequadamente. Corno con-</p><p>sequência, estão surgindo fundações (empresas ou empreiteiras</p><p>de serviços), muitas delas redefinindo seus objetivos originais,</p><p>que se especializam em gerenciamento e avaliação. Já mencio-</p><p>namos o caso da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro.</p><p>Paradigmático, para entender-se esse tipo de interrnediação, é</p><p>também o caso da Fundação Cesgranrio.</p><p>A Fundação Cesgranrio surgiu, no período ditatorial, para</p><p>realizar e gerenciar o vestibular unificado no Rio de Janeiro.</p><p>26. Uma análise das distorções pedagógicas e do viés ideológico desta estranha,</p><p>mas por muitos festejada, parceria, é feita na dissertação de mestrado de Denise</p><p>Maria Antunes Cordeiro Terra: Por detrás dos tapumes: desvelando o trabalho e a alfabe-</p><p>tização no canteiro de obras. Rio de Janeiro: Universidade Federal Flumínense, 1995.</p><p>178</p><p>GAUDÊNCIO FRIGOTTO</p><p>Com o processo de redemocratização da sociedade, as univer-</p><p>sidades públicas passaram a chamar a si a função que lhes</p><p>compete: definir, o mais democraticamente possível, o acesso</p><p>ao ensino superior. Partindo de urna importante ideia debati-</p><p>da nos meios pedagógicos de se fazer urna avaliação continua-</p><p>da, a Cesgranrio montou um projeto eivado de generalidades</p><p>e "chavões", que denominou de Sapiens. Há três anos, tenta</p><p>convencer as universidades públicas e o MEC a adotá-Io. Já</p><p>conseguiu urna autorização do MEC para implantar o projeto,</p><p>experimentalmente, no Estado do Rio de Janeiro. No momen-</p><p>to vem se oferecendo ao MEC e se articulando para vender-lhe</p><p>seus serviços de avaliação e, mais especificamente, o projeto</p><p>Sapiens."</p><p>. Na mesma perspectiva de intermediar recursos, a Cesgran-</p><p>no lançou, em 1994,o Projeto de Capacitação de Recursos Humanos</p><p>e Fortalecimento Institucional das Entidades Integrantes do Progra-</p><p>ma de Atenção a Menores em Circunstâncias Difíceis. O que impor-</p><p>ta aqui não é o complicado título do projeto. Poderia ter outro</p><p>nome qualquer. O que importa são os recursos que vai inter-</p><p>mediar. A primeira parcela de US$ 8 milhões foi liberada pelo</p><p>BID ao programa, através da prefeitura do Rio de Janeiro (ver</p><p>Jornal do Brasil, p. 13, 3/11/1993). Por que as universidades</p><p>públicas (UFRJ, UFF e UERJ), cuja presença de seus reitores foi</p><p>anunciada para o lançamento do projeto e que na realidade vão</p><p>executar parte, pelo menos, da capacitação, não podem receber</p><p>diretamente da prefeitura os recursos?</p><p>Para caracterizar de forma inequívoca o rumo na contra-</p><p>mão que toma a política educacional, pela força do atraso de</p><p>representantes das elites, contrariando, corno dissemos, até</p><p>mesmo seus interesses, agora no plano da organização do pro-</p><p>27. Para uma análise crítica da proposta Sapiens e dos vínculos que a mesma</p><p>busca ter com o poder público, ver: "Sapíens - sabedoria ou novas armadilhas</p><p>para o acesso ao ensino superior?" (Frigotto e Ciavatta Franco, 1992).</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 179</p><p>)</p><p>cesso pedagógico, assinalamos o que denominamos de síndro-</p><p>me Chiarelli.</p><p>O senador Chiarelli, corno pagamento do apoio de cam-</p><p>panha, recebeu do governo Collor de Mello o Ministério da</p><p>Educação. Em seus primeiros pronunciamentos declarou que</p><p>faria urna revolução na educação e tornaria corno inspiração o que</p><p>ocorrera em Cuba neste campo. Além dos CIACs, postulava</p><p>urna total descentralização, não apenas administrativa, mas</p><p>também curricular.</p><p>A expressão mágica - adaptar-se à realidade - foi tornada</p><p>ao pé da letra. O ministro confundia os sujeitos que conhecem</p><p>- alunos e o seu saber social - que são (ou deveriam ser)</p><p>sempre o ponto de partida necessário do processo de construção</p><p>do conhecimento, com o sujeito do conhecimento e sua neces-</p><p>sária busca de universalidade, tarefa inequívoca de um projeto</p><p>pedagógico da escola.</p><p>Pela lógica linear do "adaptar-se à realidade", a escola</p><p>tende a tornar-se urna espécie de bruaca onde tudo cabe e da</p><p>qual tudo se cobra: resolver o problema da pobreza, da fome,</p><p>do trânsito, da violência etc. Neste período, propôs-se o au-</p><p>mento substantivo de disciplinas na escola primária para</p><p>atender às diferenças regionais. Exemplar, para entenderem-se</p><p>os desdobramentos desta perspectiva, é o depoimento de um</p><p>subsecretário Estadual de Educação que se deparou com um</p><p>processo cuja solicitação era de se criar, na escola fundamental,</p><p>as disciplinas de suinocultura e avicultura. A justificativa era de</p><p>que se tratava de urna região onde se criava muito suíno e</p><p>muitos frangos."</p><p>Todas estas medidas do Poder Executivo constituíam-se</p><p>em mutilações do projeto de LDBencalhado no Senado. E o que</p><p>temiam as organizações científicas e sindicais ligadas à educa-</p><p>28. Para uma análise das perspectivas da educação do governo Collor, ver</p><p>Frigotto, G., Contexto & Educação, Ijuí, n. 24, 1991.</p><p>180 GAUDtNClO FRIGOTTO</p><p>ção, que desde o processo constituinte estruturaram-se num</p><p>fórum permanente, está ocorrendo. O projeto cai agora na "vala"</p><p>comum da revisão constitucional. As forças conservadoras, sob</p><p>o argumento de que a Constituição de 1988 foi fortemente</p><p>marcada pelas teses do centralismo e do estatismo de inspiração</p><p>socialista e agora o socialismo foi liquidado, querem" depurar"</p><p>o texto constitucional das referidas influências.</p><p>Nada mais claro, nesta perspectiva, do que a "pregação"</p><p>feita por Emane Galvêas - ex-ministro do governo militar _</p><p>ao examinar as perspectivas da educação na economia brasilei-</p><p>ra na década de 1990. Tomando como seu mentor (intelectual</p><p>e ideológico) um dos mais competentes compiladores de ideias</p><p>reacionárias - Arnaldo Niskier -, ela é paradigmática e, entre</p><p>outras coisas, sentencia:</p><p>Os defensores da educação transformadora atribuem à educação</p><p>um caráter essencialmente político. Não mais a educação indi-</p><p>vidualizada, mas a educação coletiva, com politização dos</p><p>conteúdos, o debate das questões sociais.Não a união das clas-</p><p>ses, mas a luta de classes para que se chegue à escola única.</p><p>Enquanto se discute essa fraseologia, na prática a educação se</p><p>deteriora e suas perspectivas como instrumento essencial da</p><p>nossa esperada redenção econômica, tornam-se cada vez mais</p><p>sombrias. (Galvêas, 1993, p. 138)</p><p>Galvêas, após um longo retrospecto que discute a educação</p><p>desde Rui Barbosa, influência do positivismo e do marxismo,</p><p>conclui:</p><p>A maioria dos teóricos da educação no Brasil é de formação</p><p>marxista. Por isso mesmo, a crítica que se faz à política educa-</p><p>cionalé que ela é influenciada pelo empresariado capitalista, que</p><p>só pensa na educação do indivíduo para melhorar a produtivi-</p><p>dade de suas empresas e aumentar seus lucros. Um besteiral</p><p>inominável. (...) e por isso, deve mudar. Mudar revolucionaria-</p><p>mente, como se isso fosse possível ou viável. (...) Elesprocuram</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 181</p><p>usar a educaçãoe a escolapara dar aos trabalhadores instrumen-</p><p>tos para a luta pela transformação social.Com a queda do muro</p><p>de Berlime o fracasso do modelo comunista soviético, essa ra-</p><p>dicalizaçãodeve desaparecer no Brasil.Mas ainda vai levar ano.</p><p>(Ibidem,p. 140)</p><p>Numa conjuntura diversa e adversa às forças comprome-</p><p>tidas com a democracia substantiva, as forças conservadoras se</p><p>articulam para, como mostra Singer Uomal do Brasil, p. 11,</p><p>12/10/1993), implementar a ideia de Estado mínimo e as teses</p><p>neoliberais.</p><p>Os homens de negócio estão articulados e prontos para fazer</p><p>valer seus interesses. A FIESP, no âmbito geral, mediante um</p><p>documento que expressa suas demandas, monitora os deputa-</p><p>dos e senadores conservadores. Os organismos ligados à CNI</p><p>(IEL, SENAI, SENAC) encaminharam, igualmente, um docu-</p><p>mento específico ao campo da formação técnico-profissional.</p><p>Por esta proposta radicalizam-se o dualismo, a fragmentação e</p><p>o controle privado nesta área.</p><p>O que queremos realçar do exposto</p><p>nesta seção é que a</p><p>defesa da educação básica para uma formação abstrata e poli-</p><p>valente pelos homens de negócio - condição para uma estratégia</p><p>de qualidade total, flexibilização e trabalho integrado em equi-</p><p>pe - é uma demanda efetiva imposta pela nova base tecnoló-</p><p>gico-material do processo de produção. Esta perspectiva sina-</p><p>liza o horizonte e os limites de classe, os dilemas e conflitos em</p><p>face da educação e formação humana que, historicamente, a</p><p>burguesia enfrenta. Este horizonte e limites, no caso brasileiro,</p><p>vêm reforçados por uma sobredeterminação do atraso e do</p><p>caráter oligárquico, parasitário e perversamente excludente das</p><p>elites econômicas e políticas. Por outra parte, a natureza da</p><p>materialidade histórica das relações capital-trabalho em face</p><p>da nova base científico-técnica, situa o embate contra-hegemô-</p><p>nico no campo da educação e formação humana, na perspecti-</p><p>va democrática e socialista, num patamar com uma nova</p><p>182 GAUDÊNCIO FRIGOnO EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL</p><p>qualidade. O conhecimento e sua democratização é uma de-</p><p>manda inequívoca dos grupos sociais que constituem a classe</p><p>trabalhadora.</p><p>Neste último tópico, primeiramente mostraremos que o</p><p>resgate dos conceitos de escola unitária, formação omnilateral</p><p>elou politécnica, tecnológica-industrial produzidas no interior</p><p>da concepção de homem e do processo de "emancipação hu-</p><p>mana" em Marx e Engels e posteriormente em Cramsci," que</p><p>surge na década de 1980 no pensamento educacional brasileiro,</p><p>sustenta-se na mesma materialidade histórico-social das rela-</p><p>ções sociais de produção e relações políticas de onde emergem</p><p>os conceitos de polivalência, policognição, multi-habilitação,</p><p>formação abstrata, tão caros aos homens de negócio, e, ao mesmo</p><p>tempo, demarcam uma perspectiva ético-política de formação</p><p>humana numa direção que lhes é antagônica, e que interessa</p><p>às classes trabalhadoras. Velho e novo, arcaico e moderno, no</p><p>plano histórico, coexistem contraditoriamente.</p><p>O segundo aspecto, no plano político, busca assinalar que,</p><p>no mesmo período em que frações da burguesia brasileira, como</p><p>indicamos anteriormente, atentas às transformações mundiais</p><p>e preocupadas com seu destino, redefinem seus organismos de</p><p>classe e criam novos, no âmbito das classes trabalhadoras emer-</p><p>gem um partido de massa (e de classe), um sindicalismo de</p><p>3. A formação humana unitária e politécnica: o horizonte dos</p><p>processos educativos que se articulam aos interesses da classe</p><p>trabalhadora</p><p>A análise até aqui exposta nos indica que a luta contra-he-</p><p>gemônica tem, concomitantemente, várias tarefas de caráter</p><p>teórico e político-prático. No plano teórico, o embate se define</p><p>na crítica aos postulados neoliberais e neoconservadores que,</p><p>no campo da educação, revisitam as perspectivas da teoria do</p><p>capital humano e, portanto, do economicismo, dos anos 1970,</p><p>agora com novos conceitos. A educação e o conhecimento são</p><p>reduzidos a meros fatores de produção alheios às relações de</p><p>poder,"</p><p>Ainda no plano teórico impõe-se a tarefa de superar posições</p><p>que se presumem críticas radicais e de esquerda, mas que por</p><p>sofrerem de uma espécie de "infantilismo teórico-político" aca-</p><p>bam reforçando práticas conservadoras. Neste plano, as posturas</p><p>escatológicas, irracionalistas, neoanárquicas ou mesmo a pura e</p><p>simples perspectiva da resistência não nos levam 10nge.30</p><p>quis tas revelam um limite de apreensão teórica que tem como consequência pos-</p><p>turas e ações político-práticas problemáticas. O trabalho de Nunes (1990),na área</p><p>da educação, ressalvadas as legítimas boas intenções, exemplifica estas perspecti-</p><p>vas. Para uma análise das tendências da resistência no plano político mais amplo,</p><p>ver Herbert J. de Souza - Como se faz análise de conjuntura - e, no plano educacio-</p><p>nal, ver o texto "Revendo os vínculos entre trabalho e educação: elementos materiais</p><p>da formação humana", de Miguel Arroyo, 1991.</p><p>31.Parece-nos crucial alargar a concepção de escola, como é posta por Nosella</p><p>ao historicizar o pensamento gramsciano:" A noção de 'escola' (...) refere-se a todo</p><p>o tipo de organização cultural para a formação de intelectuais; essas organizações</p><p>são criadas e sustentadas historicamente pelas diferentes práticas ou forças produ-</p><p>tivas da sociedade" (Nosella, 1992, p. 108). De outra parte, também nos parece</p><p>fundamental o alargamento que, num outro texto, o mesmo autor dá à concepção</p><p>de formação politécnica ao circunscrevê-Ia no âmbito da tecnologia e do industria-</p><p>lismo (Nosella, 1993,p. 157-86).</p><p>29. A análise atenta do que se está postulando, em face da reconstrução eco-</p><p>nômica e da reconversão tecnológica a ela articulada, nos mostra que a questão da</p><p>qualidade total, da flexibilidade e da competência baliza-se, uma vez mais, sobre</p><p>o velho debate de "atributos" cognitivos (formação geral, capacidade abstrata,</p><p>policognição) e atitudinais (identificação com a empresa, capacidade de relaciona-</p><p>mento grupal etc.), cujo objetivo fundamental é o aumento da produtividade e de</p><p>sua apropriação privada. Ver,a este respeito, os textos mencionados de Coraggio</p><p>(1992),Finkel (1990).</p><p>30. A elevada aceitação e fixação, por parte de grande número de jovens mi-</p><p>litantes de esquerda, à "teoria da resistência" ou o apego a perspectivas neoanar-</p><p>183</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Edited by Foxit Reader</p><p>Copyright(C) by Foxit Software Company,2005-2008</p><p>For Evaluation Only.</p><p>184 GAUDÊNCIO FRIGOnO</p><p>"novo tipo", movimentos sociais urbanos e movimentos sociais</p><p>no campo que estão redefinindo as relações entre Estado e so-</p><p>ciedade em bases diversas da tradição oligárquica, fisiológica</p><p>e paternalista. Nesta redefinição aparece claramente o embate</p><p>pelo controle democrático do fundo público e por uma nova</p><p>função social da educação. Outra característica destas lutas é</p><p>que não se reduzem ao momento econômico-corporativo, mas</p><p>contêm elementos ético-políticos.</p><p>Tomando-se os embates em torno das questões, sobretudo</p><p>econômicas e sociais no processo constituinte e, para o campo</p><p>específico da educação, os debates em torno da definição da</p><p>LDB, o confronto destas forças sociais parece-nos nítido. Por</p><p>estes embates concretos as perspectivas apologéticas do fim das</p><p>classes sociais mediante a revolução científica e o surgimento da</p><p>sociedade do conhecimento não encontram sustentação históri-</p><p>co-empírica. Ao contrário, reiterando o que discutimos espe-</p><p>cialmente no Capítulo II, na óptica de análise desenvolvida por</p><p>F. de Oliveira: as classes sociais</p><p>quanto mais parecem desaparecer do campo da visibilidade do</p><p>confronto privado, tanto mais são requeridas como atores de</p><p>regulação pública. Isto não é um paradoxo, mas contradição das</p><p>classes sociais hodiernas, que é, também, a mesma do fundo</p><p>público. (Oliveira, 1993, p. 140)</p><p>3. 7 Escola unitária epolitécnica: a formação na óptica da</p><p>emancipação humana</p><p>Se a luta hegemônica se desenvolve sob uma mesma ma-</p><p>terialidade histórica, complexa, conflitante e antagônica, as</p><p>alternativas em jogo no campo dos processos educativos se</p><p>diferenciam tanto pelo processo quanto pelo conteúdo humano</p><p>e técnico-científico. A educação ou mais amplamente a formação</p><p>humana ou mesmo os processos de qualificação específicos para</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 185</p><p>fazer face às tarefas econômicas, numa perspectiva socialista</p><p>democrática, têm como horizonte permanente dimensões éti-</p><p>co-políticas inequívocas: "os socialistas estão aqui para lembrar</p><p>ao mundo que em primeiro lugar devem vir as pessoas e não</p><p>a produção" (Hobsbawm, 1992b, p. 268).</p><p>Dois conjuntos de categorias - filosófica, pedagógica e</p><p>politicamente articulados - formaram, na década de 1980, o</p><p>eixo conceptual em torno do qual se buscou organizar os pro-</p><p>cessos educativos no conjunto da sociedade brasileira: a con-</p><p>cepção de escola unitária e de educação ou formação humana</p><p>omnilateral, politécnica ou tecnológica. É importante perceber</p><p>como estas categorias efetivamente sinalizam um conteúdo</p><p>histórico em devenir e não são meras elucubrações de visioná-</p><p>rios." Caberia aqui, talvez, lembrar o que Marx sinaliza em face</p><p>das tarefas históricas.</p><p>É por isso que a humanidade só levanta os problemas que é</p><p>capaz de resolver e assim, numa observação atenta, descobrir-se-á</p><p>que o próprio problema só surgiu quando as condições materiais</p><p>para o resolver já existem, ou estavam, pelo menos, em vias de</p><p>aparecer. (Marx, 1983, p. 25)</p><p>Os elementos analisados anteriormente sobre a natureza</p><p>da nova base técnica mostram-nos que esta, mesmo sob as re-</p><p>lações sociais de exclusão vigentes, detêm a virtualidade de</p><p>efetiva melhoria da qualidade de vida para todos os seres hu-</p><p>32. Já mencionamos, anteriormente, o trabalho de José dos Santos Rodrigues</p><p>(1993), que analisou com extrema perspicácia a base histórica, no Brasil, do proces-</p><p>so de construção da concepção de formação politécnica. Todavia, o modismo ou</p><p>por vezes o oportunismo, aliados à pobreza de cultura política, têm reduzido estas</p><p>categorias a disputa em itens da legislação ou palavras-pontes, jargões de plata-</p><p>forma de palanque de "pregadores" iluministas. Este infantilismo de e~querda</p><p>necessitamos combater. O que estamos discutindo aqui é outra coisa. E tentar</p><p>mostrar como, no tecido das relações sociais, estes conceitos explicitam elementos</p><p>concretos e possibilidades de avanço político-prático.</p><p>186 GAUDÊNCIO FRIGOTTO</p><p>manos. Esta nova realidade técnico-produtiva, como vimos,</p><p>não só demanda para aquele conjunto de trabalhadores exigidos</p><p>no processo produtivo bases de conhecimento científico (uni-</p><p>tárias), cuja universalidade lhes permita resolver problemas e</p><p>situações diversas, como também visa a um trabalhador capaz</p><p>de consumir bens culturais mais amplos. Os princípios cientí-</p><p>ficos da nova base técnica são unitários e universais. Sob este</p><p>ponto de vista a distinção entre setor primário, secundário e</p><p>terciário da economia não faz muito sentido.</p><p>Mesmo em realidades como a brasileira, marcadamente</p><p>defasada na produção de conhecimentos básicos e cuja veloci-</p><p>dade e intensidade da reconversão tecnológica são bem meno-</p><p>res que nos centros hegemõnicos do capitalismo, até mesmo</p><p>pelo caráter transnacional assumido pela produção capitalista,</p><p>estão dadas condições virtuais claras.</p><p>O que é necessário desbloquear são os mecanismos de</p><p>exclusão que deixam à margem das condições mínimas de vida,</p><p>em nosso caso, mais da metade da população, e, ao mesmo</p><p>tempo, congelam ou retardam o próprio progresso técnico. Ou</p><p>seja, o desbloqueio das condições objetivas e subjetivas para o</p><p>desenvolvimento da omnilateralidade humana, particularmente</p><p>para as classes trabalhadoras, entendida como:</p><p>o chegar histórico do homem a uma totalidade de capacidades</p><p>e, ao mesmo tempo, a uma totalidade de capacidades de consu-</p><p>mo e gozo, em que se deve considerar sobretudo o usufruir dos</p><p>bens espirituais (plano cultural e intelectual), além dos materiais.</p><p>(Manacorda, 1991a)</p><p>A possibilidade de dilatar a capacidade de consumo não</p><p>se deve, fundamentalmente, à escassez de produção mas, so-</p><p>bretudo, aos mecanismos sociais que impedem a socialização</p><p>desta produção.</p><p>A tomada de consciência, da forma mais ampla possível,</p><p>desta realidade histórica de tal sorte que a mesma se constitua</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 187</p><p>num elemento de ação política, é um fato crucial. Neste proces-</p><p>so, sem dúvida, desempenha um papel fundamental o trabalho</p><p>educativo que se dá, na perspectiva gramsciana, nos diferentes</p><p>aparelhos de hegemonia. No caso brasileiro, como destacamos</p><p>no Capítulo I, desenvolvemos nos anos 1940 uma rede de ra-</p><p>diodifusão ampla e, a partir dos anos 1970, um dos sistemas de</p><p>televisão mais sofisticados e monopolizados e, inversamente,</p><p>foi-se desqualificando a escola pública, particularmente seus</p><p>profissionais."</p><p>O resgate ou a construção da escola pública unitária, qui-</p><p>çá com quase um século de atraso, é um dos problemas básicos</p><p>a serem enfrentados pela sociedade brasileira, para que a de-</p><p>mocracia tenha condições objetivas de se efetivar. Aqui, a</p><p>questão básica permanece na sua anatomia geral, aquela que</p><p>há mais de 60 anos colocava Gramsci em relação à ruptura da</p><p>velha escola italiana:</p><p>A luta contra a velha escola era justa, mas a reforma não era uma</p><p>coisa simples como parecia, não se tratava de esquemas progra-</p><p>máticos, mas de homens, e não imediatamente dos homens que</p><p>são professores, mas de todo o complexo social do qual os ho-</p><p>mens são expressão. (Gramsci, 1978a)34</p><p>Ora, isto significa, como sublinha claramente Nosella ao</p><p>analisar a escola no Brasil dos anos 1980 e os desafios dos anos</p><p>1990, que a construção da escola unitária pressupõe como mate-</p><p>rialidade objetiva e subjetiva o desenvolvimento de um "pro-</p><p>33. Para uma visão sintética do processo de proletarização do magistério, ver</p><p>Florestan Fernandes (1991).</p><p>34. A concepção de escola unitária desenvolvida por Gramsci tem sido, no</p><p>Brasil, trabalhada e apropriada de forma dominantemente a-histórica. A análise</p><p>que, ao mesmo tempo, evidencia este viés e resgata esta categoria básica numa</p><p>perspectiva fecunda é exposta por Paolo Nosella nos textos: A escola de Gramsci</p><p>(1992)e A modernização da prod ução e da escola no Brasil- o estigma da relação</p><p>escravocrata (1993).</p><p>188 GAUDI:NClO FRIGOnO</p><p>jeto de política industrial, moderno, 'original'. Somente nessa</p><p>perspectiva pode ser encaminhada a questão educacional e o</p><p>tema da 'escola unitária'" (Nosella, 1993, p. 179).</p><p>Esta forma de apreender a relação da escola com a materia-</p><p>lida de social na qual ela se produz nos permite perceber que a</p><p>forma e o conteúdo que assume no seu desenvolvimento não é</p><p>algo arbitrário. Neste sentido, na escola, os processos educativos</p><p>não podem ser inventados e, portanto, não dependem de ideias</p><p>mirabolantes, megalômanas de gênios que dispõem de planos</p><p>ou de fórmulas mágicas. Depende de uma construção molecular,</p><p>orgânica, pari passu com a construção da própria sociedade no</p><p>conjunto das práticas sociais. Como nos indica Gramsci:</p><p>Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individual-</p><p>mente descobertas "originais", significa também, e sobretudo,</p><p>difundir criticamente verdades já descobertas, "socializá-Ias"</p><p>por assim dizer; transformá-Ias, portanto, em base de ações vitais,</p><p>em elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral. O</p><p>fato de que uma multidão de homens seja conduzida a pensar</p><p>coerentemente e de maneira unitária a realidade presente é um</p><p>fato "filosófico", bem mais importante e "original" do que a</p><p>descoberta por parte de um "gênio filosófico", de uma verdade</p><p>que permaneça como patrimônio de pequenos grupos de inte-</p><p>lectuais. (Gramsci, 1978a, p. 13)</p><p>No contexto dos embates que se travam hoje na sociedade</p><p>brasileira na busca de romper com todas as formas de exclusão</p><p>social e, nos interstícios das possibilidades concretas de cons-</p><p>truir-se um industrialismo de novo tipo e processos educativos</p><p>não imediatistas que concorram para a formação omnilateral</p><p>e, portanto, para os processos de emancipação humana, a bus-</p><p>ca do sentido "radical" de escola unitária, no plano do conheci-</p><p>mento e no plano político-organizativo, é fundamental.</p><p>Os processos de "reconversão tecnológica", como vimos,</p><p>colocam aos setores capitalistas que queiram ser competitivos</p><p>a necessidade de um conhecimento no processo de trabalho</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 189</p><p>que não se reduza a fórmulas, técnicas, mas à capacidade de</p><p>analisar, interpretar, resolver situações novas. Não se trata, pois,</p><p>de um conhecimento restrito, um adestramento para uma ta-</p><p>refa ou função. Neste processo ampliam-se, também, as deman-</p><p>das culturais do trabalhador. Estas demandas, todavia, tendem</p><p>a ser aprisionadas no limite quantitativo e qualitativo das ne-</p><p>cessidades do capital. O desafio está, sob a base contraditória</p><p>do capital, em dilatar as possibilidades de uma formação tec-</p><p>nológica "unitária" para todos.</p><p>Do ponto de vista epistemológico, ou seja, dos processos</p><p>de apreensão e construção do conhecimento na realidade his-</p><p>tórica, o conceito de escola unitária nos indica que o esforço é no</p><p>sentido de identificar os eixos básicos de cada área de conheci-</p><p>mento que em sua unidade detenham a virtualidade do diver-</p><p>so. O princípio</p><p>da ciência é, neste sentido, por excelência uni-</p><p>tário, isto é, síntese do diverso e do múltiplo.</p><p>No plano prático do processo de construção do conheci-</p><p>mento, a concepção de escola unitária, em nossa realidade, im-</p><p>plica, ao mesmo tempo, vários desdobramentos. O primeiro</p><p>deles é o de distinguir-se entre o processo teórico-prático me-</p><p>diante o qual o homem, enquanto um ser social, constrói o co-</p><p>nhecimento da realidade, da natureza, do conhecimento em si.</p><p>Independentemente ou não da escola, os seres humanos</p><p>acumulam conhecimento. A realidade na sua dimensão social,</p><p>cultural, estética, valor ativa etc., historicamente situada, é o</p><p>espaço onde os sujeitos humanos produzem seu conhecimen-</p><p>to. Trata-se de uma realidade "singular e particular". É a par-</p><p>tir desta realidade concreta que se pode organicamente definir</p><p>o "sujeito do conhecimento" e os métodos, as formas de seu</p><p>desenvolvimento. Este, para ser democrático, deve tender à</p><p>universalidade.</p><p>Há, pois, um duplo equívoco a superar no plano da cons-</p><p>trução de uma escola unitária (democrática). Primeiramente é</p><p>preciso ter claro que, ao definir-se o conhecimento a ser traba-</p><p>/</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Edited by Foxit Reader</p><p>Copyright(C) by Foxit Software Company,2005-2008</p><p>For Evaluation Only.</p><p>190 GAUD~NClO FRIGOTTO</p><p>lhado (conteúdos, processos, métodos, técnicas etc.), para ser</p><p>orgânico, deve ter como ponto de partida a realidade dada dos</p><p>sujeitos sociais concretos.</p><p>A consciência da criança não é algo "individual" (e muito menos</p><p>individualizado), é o reflexo da fração da sociedade civil da qual</p><p>participa, das relações tais como elas se concentram na família,</p><p>na vizinhança, na aldeia etc. (Gramsci, 1978a, p. 131)35</p><p>Esta realidade é, a um tempo, biológica, social, econômica,</p><p>política, cultural, valorativa etc. Não podemos, pois, reduzir</p><p>este ponto de partida às dimensões cognitivas, mesmo quando</p><p>o problema a ser enfrentado seja de ordem cognitiva e, muito</p><p>menos, a uma perspectiva psicologista.</p><p>Esse equívoco, ainda que fortemente presente, talvez não</p><p>seja hoje, no campo educacional, o mais ardiloso. Num contex-</p><p>to, de um lado, do exacerbamento do individualismo alimen-</p><p>tado pela ideologia neoliberal (fetichismo do mercado) e, de</p><p>outro, pela mistificação do particular, do individual, do subje-</p><p>tivo "narcísico desejante" (crise da razão instalada pelo pós-mo-</p><p>dernismo), como nos mostra Chaui (1993), o risco mais presen-</p><p>te é afirmarem-se as condições particulares ponto de partida</p><p>num inorgânico ponto de chegada. A síndrome Chiarelli, a que</p><p>nos referimos, comum ente é reforçada pelo esquerdismo ou</p><p>por muitos profissionais que aderem acriticamente a pedagogias</p><p>que seguem o ideário do laissez faire ou ao populismo pedagó-</p><p>gico." Uma forma sutil e antidemocrática de relações educativas</p><p>35. A compreensão de homem "como uma série de relações ativas, um pro-</p><p>cesso" e a natureza humana de cada ser, "o conjunto de relações sociais" construí-</p><p>das no bairro, na aldeia, cidade e, em suma, de todas as "sociedades das quais o</p><p>indivíduo pode participar", nos permite precisar que não se trata da realidade de</p><p>cada indivíduo singular, mas do conjunto de relações sociais dentro das quais cada</p><p>indivíduo produz sua realidade humana (Gramsci, 1978a, p. 38-44).</p><p>36.O esvaziamento das licenciaturas e da Faculdade de Educação, de um lado,</p><p>produzido pela reforma universitária do regime militar baseada na fragmentação</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 191</p><p>é, sem dúvida, a reificação do senso comum, do folclórico, da</p><p>realidade dada dos desenraizados e excluídos.</p><p>A realidade socialmente dada necessita ser elaborada, de-</p><p>senvolvida no horizonte de maior universalidade. Democrática</p><p>é a escola que é capaz de construir, a partir do dialeto (linguís-</p><p>tico, gnoseológico, valorativo, estético, cultural, em suma) uma</p><p>ordem mais avançada e, portanto, mais universal."</p><p>Esta forma de conceber a relação da escola com a realida-</p><p>de social, ao contrário de dilatar o currículo escolar na lógica</p><p>da particularidade de cada problema que aparece criando novas</p><p>matérias sem base disciplinar orgânica, e portanto, uma forma</p><p>arbitrária, coloca o desafio de se identificar os "núcleos unitá-</p><p>rios" historicamente necessários dos campos de conhecimento</p><p>que tratam da societas rerum e societas hominum e que, uma vez</p><p>construídos e apropriados concretamente, permitem ao aluno,</p><p>ele mesmo, analisar e interpretar as infindáveis questões e</p><p>problemas que a realidade apresenta." A lógica de se buscar</p><p>criar para cada novo problema uma nova disciplina ou deter-se</p><p>na particularidade de cada situação, de cada dialeto, é instaurar</p><p>um processo de dispersão e de indisciplina intelectual.</p><p>e no tecnicismo e, de outro, pela desvalorização do professor, constituem-se em</p><p>limites objetivos na construção da escola unitária.</p><p>37. O caráter democrático da escola não consiste na visão de que todas as</p><p>crianças e jovens devam ter o mesmo atendimento, já que as condições historica-</p><p>mente dadas são de uma brutal desigualdade. Democrática é a sociedade e a esco-</p><p>la que instauram um processo de relações cujo horizonte histórico seja a equaliza-</p><p>ção no plano do conjunto de condições necessárias à emancipação humana. E,como</p><p>nos mostra Gramsci, "se se quiser criar uma nova camada de intelectuais chegan-</p><p>do às mais altas especializações, própria de um grupo social que tradicionalmente</p><p>não desenvolveu as aptidões adequadas, será preciso superar dificuldades inau-</p><p>ditas" (Gramsci, 1978a,p. 139).</p><p>38. É comum hoje atribuir-se o pouco efeito das campanhas de proteção à</p><p>saúde (sarampo, desidratação, Aids etc.) às deficiências técnicas destas campanhas.</p><p>Isso pode ocorrer. Todavia, numa população semianalfabeta ou instruída por</p><p>processos de caráter metafísico ou fragmentário, o problema crucial é a incapaci-</p><p>dade desta população de decodificar o significado das mensagens.</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Edited by Foxit Reader</p><p>Copyright(C) by Foxit Software Company,2005-2008</p><p>For Evaluation Only.</p><p>192 GAUDtNCIO FRIGOnO</p><p>A perspectiva da escola unitária, na prática da identificação</p><p>e organização dos conhecimentos (necessários e não arbitrários),</p><p>tem inúmeras outras implicações. Dentre estas, destaca-se a</p><p>superação das polaridades: conhecimento geral e específico,</p><p>técnico e político, humanista e técnico, teórico e prático. Trata-se</p><p>de dimensões que, no plano real, se desenvolvem dentro de</p><p>uma mesma totalidade concreta." Tanto a identificação do</p><p>núcleo necessário de conteúdos, quanto os processos, os méto-</p><p>dos, as técnicas não podem ser determinados nem pela; unila-</p><p>teralidade da teoria (teorismo), nem pela unilateralidade da</p><p>técnica e da prática (tecnicismo, ativismo), mas na unidade</p><p>dialética de ambas, ou seja, na e pela práxis."</p><p>A organização e identificação de núcleos necessários de</p><p>conhecimento a serem desenvolvidos têm como exigência um</p><p>trabalho de natureza interdisciplinar. Os recortes da realidade</p><p>delimitados, por serem unidade do diverso, engendram na sua</p><p>especificidade as "qualidades" ou a materialidade da totalida-</p><p>de. A interdisciplinaridade é, pois, uma característica da reali-</p><p>dade. Nas condições históricas objetivas da sociedade capita-</p><p>lista, por ser a realidade humana cindida, fragmentada e</p><p>alienada, o trabalho interdisciplinar padece de limites materiais</p><p>objetivos e limites políticos, ideológicos e valorativos."</p><p>39. Karel Kosik, por certo, é um dos autores que melhor nos ajudam a enten-</p><p>der esta dimensão da dialética do real. Ver Kosik, 1986.</p><p>40. Esta é uma questão crucial. Ela se coloca diametralmente oposta às pers-</p><p>pectivas messiânicas que de tempos em tempos elegem determinados métodos</p><p>como salvacionistas. No momento, o construtivismo é uma espécie de "totem"</p><p>eleito para extirpar as mazelas do analfabetismo e do fracasso escolar. Na pers-</p><p>pectiva em que nos situamos neste debate, vendido como bezerro de ouro, na</p><p>forma como é mistificado, não passa de uma simulacro, um bezerro de barro.</p><p>41. A forma mais frequente de como os textos pedagógicos tratam da questão</p><p>interdisciplinar inscreve-se numa perspectiva vulgar.</p><p>Aparece como uma espécie</p><p>de sopa metodológica, como técnica de relacionar conteúdos ou processos educa-</p><p>cionais. Para uma apreensão da questão do trabalho interdisciplinar como "neces-</p><p>sidade e como problema" no plano epistemológico, ver Frigotto (1991 e 1993).</p><p>EDUCAÇÃO EA CRISE DO CAPITALISMO REAL 193</p><p>O caráter unitário diz respeito, também, à ruptura com toda</p><p>a espécie de dualismo na organização do sistema educacional.</p><p>"Qualidade total", pedagogia da qualidade etc., na perspectiva</p><p>da emancipação humana, pressupõem a ruptura do velho in-</p><p>dustrialismo e da modernidade fundados na exacerbação da</p><p>exclusão social, portanto, nada "original", e a emergência de um</p><p>industrialismo de novo tipo. Sob o industrialismo marcado pela</p><p>exclusão, o campo educativo fica bloqueado quer pelas perspec-</p><p>tivas elitistas, quer pelo parâmetro imediatista; utilitarista,</p><p>"interesseiro" e excludente do mercado.</p><p>Tomando-se a formação qualificação (mesmo na ótica</p><p>restrita da produção material), na perspectiva do desenvolvi-</p><p>mento humano nas suas múltiplas dimensões como exigências</p><p>das diferentes necessidades do ser humano, ver-se-a que o es-</p><p>paço mais adequado e prévio para ulterior desenvolvimento é</p><p>efetivamente a democratização da escola básica unitária tecno-</p><p>lógica e/ ou politécnica de primeiro e segundo graus. A pers-</p><p>pectiva unitária e politécnica demarca a necessidade de rom-</p><p>per-se, como já assinalamos, com as dicotomizações de</p><p>formação geral e específica, humanista e técnica, teórica e prá-</p><p>tica etc."</p><p>Assim percebida, a formação humana nos explicita que o</p><p>efetivo acesso à escola básica unitária, tecnológica ou politécnica,</p><p>constitui-se numa exigência para a qualificação da força de tra-</p><p>balho para o processo social em todas as suas dimensões, ao</p><p>mesmo tempo pré-requisito do horizonte teórico e político dos</p><p>processos de formação técnica e profissional mais específicos.v</p><p>42. Para uma ampla análise destas questões no debate da educação brasileira</p><p>na última década, ver Nereide Saviani: Saber escolar, currículo e didática: problemas</p><p>da unidade conteúdo/método no ensino. Tese de doutorado, rue-sr, 1993.</p><p>43. Nosella sinaliza-nos que se há um crescente consenso entre aqueles que</p><p>analisam a relação trabalho-educação sobre a importância dos elementos subjetivos</p><p>e objetivos da tecnologia na formação humana, tal consenso ainda se expressa com</p><p>timidez: "A tecnologia não apenas apresenta as marcas da subjetividade humana,</p><p>Tyrone</p><p>Squiggly</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Edited by Foxit Reader</p><p>Copyright(C) by Foxit Software Company,2005-2008</p><p>For Evaluation Only.</p><p>194 GAUDÊNClO FRIGOnO</p><p>3.2A dilatação da esferapública: da resistência à alternativa política</p><p>ao neoconservadorismo na educação</p><p>A discussão até aqui empreendida na sua perspectiva</p><p>teórica e política nos indica que, tanto no plano econômico-so-</p><p>cial, quanto educacional, o avanço democrático no Brasil en-</p><p>gendra, ao mesmo tempo, a necessidade de superação do plano</p><p>da resistência e a possibilidade de construção de uma alternati-</p><p>va ao projeto neoliberal.</p><p>A direção do embate, na forma poética expressa por Mao</p><p>Tsé-tung (1979), implica a capacidade de se entrar na jaula dos</p><p>tigres para apanhar-lhes as crias. Ou, como nos ensina Gramsci,</p><p>esta luta contra-hegemônica demanda aguçar a inteligência</p><p>para analisar melhor a realidade, ter vontade política e, sobre-</p><p>tudo, organização. Trata-se, pois, de um embate que se dá no</p><p>terreno teórico e político-prático, ou seja, no plano da práxis.</p><p>Na realidade brasileira, não obstante a gravidade da crise</p><p>do Estado e da sociedade em seu conjunto, (crise econômico-</p><p>-social, política e ético-valorativa) diferente dos embates pelas</p><p>reformas de base do final da década de 1950 e início da década</p><p>de 1960, existem hoje forças políticas de "novo tipo". Isto po-</p><p>de-se evidenciar, pelo menos, em três níveis.</p><p>Partidos ideológicos não são novidade em nossa história.</p><p>O inventário de seu papel e seus equívocos, em boa parte, está</p><p>.feito." A novidade reside na emergência de um partido ideoló-</p><p>gico de massa - Partido dos Trabalhadores (PT) - vinculado</p><p>individual e coletiva; ela própria nada mais é que a filha de um homem historica-</p><p>mente determinada. A tecnologia é a cara do homem" (Nosella, 1993, p. 181).</p><p>Nesta mesma perspectiva, Bottomore afirma: "Seria possível dizer que o marxismo</p><p>é a teoria e prática socialistas de sociedades especificamente tecnológicas. Ou seja,</p><p>se o trabalho humano que transforma a natureza e tem em vista objetivos coletivos</p><p>humanos é de importância fundamental para a concepção marxista de práxis, a</p><p>tecnologia é o produto" (Bottomore, 1988).</p><p>44. Ver,a este respeito, L. Konder, A derrota da dia/ética (1988).</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 195</p><p>organicamente aos interesses das classes trabalhadoras. Seus</p><p>problemas internos, e até seus equívocos que diferentes análise</p><p>explicitam, não lhes elide sua importância na construção de</p><p>uma efetiva alternativa democrática.</p><p>O sindicalismo também não é novidade. Seu inventário</p><p>histórico foi realizado de forma bastante exaustiva. A novidade</p><p>está na emergência de um sindicalismo de "novo tipo"." O</p><p>debate sobre as câmaras setoriais nos ajuda a entender os sinais</p><p>desta novidade. Francisco de Oliveira, neste debate, qualifica</p><p>a natureza do novo sindicalismo, bem como afirma a positivi-</p><p>dade da dimensão político-corporativa, qualificando-a no</p><p>plano histórico concreto."</p><p>Mas não se trata mais do corporativismo intransparente e buro-</p><p>crático de herança fascista que reina no país desde Vargas, onde</p><p>ninguém representa ninguém. Trata-se é de corporativismo as-</p><p>sentado em entidades representativas reais e num Estado costu-</p><p>rado na transparência da competição entre as partes. Que fique</p><p>claro: são transparentes as regras de luta política (pois é disto</p><p>que se trata), seus conteúdos e o poder de barganha de cada</p><p>parte. Por outras palavras, o acordo das montadoras inaugura</p><p>as câmaras setoriais como mecanismo capaz de politizar em</p><p>sentido forte as relações entre as classes sociais e grupos de in-</p><p>teresse, pois publiciza a luta econômica. (Francisco de Oliveira,</p><p>Folha de S.Paulo, 1993)</p><p>Por fim, mas não com menor importância, tomam uma</p><p>nova dimensão os movimentos sociais urbanos e do campo.</p><p>Aqui também, vários trabalhos expõem as características, na-</p><p>45. Para uma visão da natureza, dificuldades e impasses do "novo" sindica-</p><p>lismo, ver Zanetti (1993).</p><p>46. Antonio Gramsci, em Maquiavel, política e o Estado moderno, ao analisar o</p><p>plano de correlação de força numa determinada conjuntura, mostra-nos que a luta</p><p>econômico-corporativa é uma primeira dimensão da consciência de classe (Gramsci,</p><p>1978b).Ver também Bobbio e Pasquino, 1992.</p><p>196 GAUDÊNCIO FRIGOTTO</p><p>tureza e dificuldades destes movimentos: Sader (1988), Olivei-</p><p>ra (1987 e 1988a), Jacobi (1986, 1987), Kowarick (1987), Martins</p><p>(1987), Singer e Brant (1980) e Cohn (1982, 1991), entre outros.</p><p>Na área especificamente educacional vários trabalhos indi-</p><p>cam-nos o papel destes novos atores sociais: Spósito (1984 e</p><p>1993), Manfredi (1986) e Campos (1989, 1992).</p><p>Estas diferentes formas de organização e de ação política</p><p>de imediato sinalizam numa direção oposta do ideário dos</p><p>apologetas da sociedade do conhecimento e das teses do fim</p><p>da sociedade do trabalho, que eliminam a priori as classes e</p><p>conflitos sociais. Também mostram o caráter imobilista, e neste</p><p>sentido reacionário, das perspectivas irracionalistas, ao estilo</p><p>de Kurz, que oferecem como substitutivo das classes e grupos</p><p>sociais enquanto sujeitos históricos coletivos que lutam pela</p><p>dilatação da esfera pública e da democracia representativa, a</p><p>possibilidade da união dos homens e mulheres de bem, movi-</p><p>dos pela razão sensível para lutar contra a burocracia e aparatos</p><p>militares e policiais.</p><p>No plano do embate concreto há desafios que não podem</p><p>ser subestimados e que, no caso brasileiro, tomam proporções</p><p>maiores, de um lado pelo caráter opaco das ações das elites eco-</p><p>nômicas e políticas, historicamente excludentes e violentas e, de</p><p>outro, a exígua cultura política de grande parte da esquerda.</p><p>A tradição</p><p>escravocrata, oligárquica, paternalista e clien-</p><p>telista da elite econômico-política e, em grande parte, da elite</p><p>intelectual do Brasil, faz com que a alternativa da direita de</p><p>países como Inglaterra e Estados Unidos, de atacar os gastos</p><p>sociais públicos e propor no lugar do Welfare State, o Estado</p><p>caritativo e assistencialista - com a possibilidade pior de se</p><p>mesclar assistencialismo e repressão, como nos mostra Olivei-</p><p>ra (1988b, p. 26) - se apresente aqui com mais virulência." O</p><p>47. Adam Schaff, no trabalho que faz para-o Clube de Roma (Sociedade Infor-</p><p>mática, 1990, anteriormente mencionado), alerta para o fato de que se não for</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 197</p><p>monopólio global (!) da mídia encarrega-se de maximizar o</p><p>arrastão dos jovens infelizes de que nos fala Pasolini, produtos</p><p>da exclusão social e apinhados nos subúrbios dos grandes</p><p>centros urbanos ou utilizar o massacre de crianças da Cande-</p><p>lária (Rio de Janeiro, 1993) para incentivar os processos de in-</p><p>tervenção autoritária e ignorar o arrastão dos golpes do mer-</p><p>cado financeiro, do assalto ao património público mediante a</p><p>venda de empresas estatais de forma fraudulenta, e de quadri-</p><p>lhas instaladas no Executivo, Legislativo e Judiciário que trans-</p><p>formam o fundo, público em um condomínio privado.</p><p>Pelo lado das forças da esquerda, a falta de um aprofunda-</p><p>mento teórico e, consequentemente, de compreensão histórica</p><p>da complexa relação entre estrutura e conjuntura, leva grande</p><p>parte dessas forças a substituir a análise dialética capaz de</p><p>apreender os conflitos e contradições e as armadilhas e possibi-</p><p>lidades da travessia, por posturas moralistas, escatológicas e</p><p>dogmáticas. Por este terreno desenvolve-se as teses do quanto</p><p>pior melhor ou as estratégias voluntaristas e arrogantes."</p><p>Um dos equívocos mais frequentes e sérios pelas suas</p><p>consequências políticas é a postura que amplos setores da es-</p><p>adotada a estratégia de socializar o produto do trabalho social, a alternativa é a</p><p>exclusão da maioria e a manutenção do privilégio de poucos pela violência. O caso</p><p>argentino de ajuste neoliberal, retratado por Atílio A. Boron (1991),traz cada dia</p><p>mais clareza de que este modelo que é para poucos, pressupõe a exclusão, a vio-</p><p>lência e repressão da maioria como estratégias de manutenção da "ordem".</p><p>48. Em recente ciclo de debates Hugo Zemelman, sociólogo chileno que, por</p><p>força do exílio, após o golpe e o assassinato de Allende, foi para o México onde</p><p>trabalha até hoje, lembra que sem o inventário crítico do passado recente dos inte-</p><p>lectuais da esquerda sobre suas estratégias políticas, os erros podem voltar a se</p><p>repetir. Lembra, de outra parte, que muitos intelectuais latino-americanos que se</p><p>alinhavam às forças de esquerda, negam-se a este inventário e preferem formar o</p><p>grupo dos "neoliberais de esquerda", que rapidamente são cooptados pelos orga-</p><p>nismos que representam o capital internacional como consultores do "ajuste", nas</p><p>diferentes áreas (Hugo Zemelman, palestra UFF,22/9/1993). Ver,do mesmo au tor,</p><p>La democracia latinoamericana: un orden justa y libre, México, 1994.</p><p>198 GAuoENCIO FRIGOTTO</p><p>querda têm ante o Estado e a relação sociedade e Estado. Celso</p><p>Furtado debita esta confusão, em grande parte, ao golpe militar</p><p>de 1964: "Os militares tomaram espaço demais para o Estado</p><p>em tarefas que não eram deles. Por outro lado a luta contra a</p><p>ditadura colocou a sociedade contra o Estado, governo e Esta-</p><p>do se confundiram" Uornal do Brasil, p. 13,3/10/1993).</p><p>Esta confusão, no plano do debate e da análise, se explici-</p><p>ta pelo erro de fixar-se na perspectiva metafísica do dever ser e</p><p>na polarização Estado ou não Estado. Isto funciona como um</p><p>bloqueio para que a questão, politicamente correta - qual Es-</p><p>tado? - seja formulada e debatida. No plano prático, isto se</p><p>traduz na defesa de políticas localistas que reforçam formas</p><p>abertas ou disfarçadas de privatismo em campos que o merca-</p><p>do não pode democraticamente regular.</p><p>A direção teórica e política que assumimos neste trabalho,</p><p>na perspectiva das análises, especialmente, de E. Hobsbawm e</p><p>de Francisco de Oliveira, nos leva a perceber com eles que a</p><p>construção de formas sociais efetivamente democráticas (e,por-</p><p>tanto, socialistas) têm como exigência que os sujeitos sociais</p><p>coletivos (classes, grupos e movimentos sociais) tenham capaci-</p><p>dade efetiva de ampliar a esfera pública e de ter" acesso e ma-</p><p>nejo do fundo público". Isto significa dar transparência à ação</p><p>política e tomar efetivamente público aquilo que historicamente</p><p>foi manejado pelo estreito interesse privado do capital.</p><p>A primeira ideia fundamental a fixar em decorrência des-</p><p>sa perspectiva é a de que o "mercado", mesmo onde existe uma</p><p>materialidade de instituições que lhe dão densidade concreta,</p><p>é incapaz de democraticamente atender direitos como os da</p><p>educação, saúde, habitação e emprego. Direitos não são mer-</p><p>cantilizáveis. "Em cada uma destas áreas não há nenhuma</p><p>possibilidade que o mercado possa prover, nem sequer o míni-</p><p>mo requisito de acesso aos bens imprescindíveis em questão"</p><p>(Anderson, 1995, p. 199). O desmonte do Estado nestas áreas</p><p>significa desmonte de direitos. Os efeitos do abandono do Es-</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 199</p><p>tado no campo da saúde e educação básica nos oferecem um</p><p>quadro perverso. Trata-se de uma violência, incomensuravel-</p><p>mente maior que a dos arrastões. Há, pois, que se ampliar o</p><p>papel do Estado nestas áreas.</p><p>As políticas em curso de delegar a empresas privadas,</p><p>bancos etc., a tarefa de salvar a escola básica e as propostas de</p><p>escolas cooperativas a cargo dos bairros, centros habitacionais</p><p>ou de empresas (fundações) prestadoras de serviços educacio-</p><p>nais que trafegam recursos públicos são subterfúgios e, portan-</p><p>to, estratégias antidemocráticas. Bancos, emissoras de rádio e</p><p>tevê e empresas devem pagar os impostos que lhes cabem. Ao</p><p>Estado, cabe gerir democraticamente os recursos. O volume</p><p>fantástico de recursos públicos repassados a empresas como a</p><p>TV Globo, acrescidos das isenções, em nome de programas</p><p>educativos que são passados em horários pouco comerciáveis,</p><p>são uma prática perversa de dilapidar o fundo público sem</p><p>avaliação e controle pela sociedade organizada.</p><p>Mas aumentar pura e simplesmente o tamanho do Estado</p><p>na educação e saúde significa pouco se não se alterarem os</p><p>processos de gestão do fundo público. Neste particular a ideia</p><p>central é a que expomos no Capítulo III, formulada por Fran-</p><p>cisco de Oliveira e P. Singer, entre outros, de que o Estado</p><p>(sociedade política) deve ser permeado pela ação da sociedade</p><p>civil organizada. Os processos de gestão necessitam ser demo-</p><p>cráticos, como indica Francisco de Oliveira, no método, no</p><p>conteúdo e na forma.</p><p>As teses básicas, em termos de educação, postas no pro-</p><p>cesso constituinte e no processo de formulação da LDB, sobre</p><p>gestão democrática, afirmam esta direção. As ideias que orien-</p><p>tam as mudanças dos critérios de composição e de função dos</p><p>Conselhos de Educação (nacional, estadual e municipal) são as</p><p>que tiveram maior resistência do aparato burocrático e das</p><p>forças reacionárias e privatistas.</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Edited by Foxit Reader</p><p>Copyright(C) by Foxit Software Company,2005-2008</p><p>For Evaluation Only.</p><p>200 GAUDÊNClO FRIGOnO</p><p>Uma segunda estratégia, que tem sido utilizada para es-</p><p>maecer o caráter público da educação, deriva dos processos de</p><p>descentralização e municipalização do ensino. Na forma que</p><p>se tem processado a delegação de responsabilidade aos Estados</p><p>e municípios e, por vezes, articulada à iniciativa privada, como</p><p>é o caso da expansão do ensino técnico agrícola e industrial, a</p><p>descentralização e municipalização constituem-se em formas</p><p>autoritárias e antidemocráticas de gestão educacional. Não se</p><p>trata aqui de defender o centralismo burocrático e tampouco</p><p>de se cair na oposição falsa entre o federal, estadual e municipal.</p><p>A questão é de outra natureza. Trata-se de articular estas esferas</p><p>dentro de um projeto unitário e orgânico de educação."</p><p>Um terceiro aspecto, mais dissimulado de privatização e</p><p>de estreitamento</p><p>do caráter público da educação, localiza-se no</p><p>cerco empreendido pelos homens de negócio - por meio de seus</p><p>organismos de classe e setores do aparelho burocrático do MEC</p><p>e do Ministério do Trabalho - sobre o ensino técnico e a for-</p><p>mação profissional. Este cerco se prolonga por dentro destas</p><p>instituições por uma tradição autocrática de gestão que se ar-</p><p>rasta desde a era Vargas até hoje.</p><p>Tradicionalmente o sistema de ensino técnico industrial e</p><p>agrícola tem se pautado pelos critérios delimitados do mercado</p><p>e, não raro, estas escolas e centros que são mais bem dotados</p><p>de recursos públicos neste nível de ensino, transformam seus</p><p>espaços numa continuidade das empresas privadas que, de</p><p>diferentes formas, delas se beneficiam.</p><p>No processo de definição da LDB, o lobby do ensino técni-</p><p>co propõe uma radicalização do dualismo, mediante a formação</p><p>49. Esta articulação implica a luta contra todas as formas de propostas educa-</p><p>tivas inorgânicas fundadas na megalomania, no imediatismo eleitoreiro, no experimenta-</p><p>lismo e voluntarismo que, por não tomarem a escola e os processos educativos como</p><p>expressões orgânicas da sociedade, criam-nos idealista e imaginariamente e lhes</p><p>atribuem papéis salvacionistas. A tarefa a implementar não passa pela pirotecnia,</p><p>mas pelo caminho do bom senso, da construtividade e da intervenção orgânica.</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 201</p><p>de um subsistema de ensino "tecnológico" que vai da escola</p><p>básica à pós-graduação. A base da argumentação passa pelo</p><p>ideá rio da teoria do capital humano, atualizada pelas "teses"</p><p>da sociedade do conhecimento e da "qualidade total".</p><p>A direção da luta democrática não está em desmantelar o</p><p>ensino técnico, mas em transformá-lo na perspectiva da edu-</p><p>cação tecnológica ou politécnica (de novo tipo), e dentro do</p><p>sistema unitário de ensino. Não há razões de ordem econômica</p><p>e menos ainda políticas e éticas para manter-se o dualismo</p><p>atual ou, o que é pior, ampliá-lo.</p><p>Finalmente, dentro do embate de ampliação da esfera</p><p>pública e o controle democrático na gestão da formação huma-</p><p>na, há uma longa travessia no âmbito do ensino técnico profis-</p><p>sional. Trata-se de um campo muito articulado a interesses</p><p>imediatos da classe trabalhadora e em torno do qual mantêm-se</p><p>grandes expectativas, muitas vezes falsas.</p><p>No campo da formação profissional, como assinalamos</p><p>anteriormente, as forças preocupadas com a efetiva emancipação</p><p>humana dos trabalhadores, comprometidas com as mudanças</p><p>estruturais da sociedade brasileira, por entenderem a natureza</p><p>e características da produção e das relações sociais e políticas</p><p>deste final de século, devem defender como a mais adequada</p><p>para a qualificação humana, e, em consequência, para a forma-</p><p>ção profissional, a universalização da escola unitária que envol-</p><p>ve o ensino básico e méclio (atual segundo grau) como um di-</p><p>reito de toda criança e todo jovem e um dever do Estado.</p><p>Esta é uma luta na qual está implicada a própria viabili-</p><p>dade de uma efetiva democracia. Uma tarefa política urgente</p><p>é para que os recursos do fundo público que são desviados, em</p><p>forma de múltiplos incentivos a empresas lucrativas ou direta-</p><p>mente sob a forma de concessões e convênios (bancos, emisso-</p><p>ras de televisão, empresas mercantilizadoras de serviços como</p><p>Cesgranrio ou uma multiplicidade de ONGs etc.), sejam con-</p><p>centrados para o financiamento da escola básica unitária.</p><p>202 GAUDtNCIO FRIGOnO EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 203</p><p>Concomitante a esta luta, há uma gama de demandas reais</p><p>e de instituições que se ocupam da formação técnicoprofissional</p><p>e necessitam ser submetidas ao mais amplo controle democráti-</p><p>co. De forma geral, historicamente, o controle da natureza desta</p><p>formação tem ficado nas mãos unilateralmente do capital, através</p><p>de instituições próprias ou instituições que o representam. É da</p><p>legislação de cunho fascista da era Vargas que se montou no</p><p>Brasil um sistema unilateralmente privado de formação profis-</p><p>sional. Trata-se de uma situação única na América Latina.</p><p>A luta imediata da sociedade organizada, dos partidos e</p><p>dos sindicatos progressistas e dos movimentos sociais é para</p><p>uma transparência sobre o volume de recursos investidos, in-</p><p>cluídas todas as fontes em instituições como SENAI, SENAC</p><p>etc. Luta que implica a participação do Estado (e um Estado</p><p>efetivamente democrático) e dos trabalhadores, além dos em-</p><p>presários na gestão dos recursos e na condução política, filosó-</p><p>fica e pedagógica da formação profissional. Em síntese, é</p><p>tempo de democratizar estas instituições. Muitos profissionais</p><p>que nelas atuam encampam esta perspectiva.</p><p>Outro espaço onde a formação profissional se efetiva é no</p><p>interior das próprias empresas. Aqui também há incentivos que</p><p>devem ser democraticamente controlados. Por isso, é déver do</p><p>Estado e pauta de luta democrática dos trabalhadores exercer</p><p>um controle também neste espaço. As empresas podem, esper-</p><p>tamente, contabilizar, como gastos em formação profissional,</p><p>inúmeras atividades que efetivamente não o são.</p><p>Os trabalhadores, através de suas organizações políticas e</p><p>sindicais, também devem lutar pela orientação político-técnica</p><p>da formação. O controle da natureza da formação profissional</p><p>dada no chão da empresa, a exemplo do que ocorre hoje na Itália,</p><p>deve ser pauta de negociação." A sociedade e os trabalhadores,</p><p>através de suas organizações políticas e sindicais, devem ter</p><p>informações claras, por exemplo, sobre o tipo de formação que</p><p>se efetiva em instituições educativas da Fundação Bradesco,</p><p>Banco do Brasil, ou em programas educativos da Rede Globo.</p><p>Quem define a filosofia destes programas? Qual o custo? De</p><p>onde são tirados estes recursos? Quem presta conta a quem?</p><p>Quem é atendido e quantos?</p><p>No plano das lutas dos sindicatos, organizações e partidos</p><p>progressistas deve estar em pauta, também, a reivindicação</p><p>da criação de centros públicos de formação profissional, além</p><p>de buscar-se descobrir espaços ociosos que podem ser poten-</p><p>cializados para esta finalidade. A tradição política conserva-</p><p>dora brasileira tem um vínculo ainda não suficientemente</p><p>esclarecido com as grandes empreiteiras da construção civil."</p><p>Há inúmeros /I elefantes brancos" cuja preocupação acaba com</p><p>a inauguração. Um exemplo claro chega ao conhecimento da</p><p>sociedade brasileira após o massacre de quase uma dezena de</p><p>menores em um único ato brutal no Rio de Janeiro - massa-</p><p>cre conhecido como chacina da Candelária. Construiu-se, em</p><p>Quintino (RJ), um moderno centro de formação concluído há</p><p>cinco anos que pode atender até cinco mil jovens e nunca foi</p><p>utilizado. De quem é a responsabilidade? Não há crime nesta</p><p>displicência?</p><p>tipo de formação específica que se faz no chão da fábrica. Trata-se de disputar o</p><p>"espaço" que sempre foi domínio do capital e dar-lhes maior transparência. Corno</p><p>sublinhava G. Giovaninni, um dos dirigentes da CGU, num colóquio de que par-</p><p>ticipei em Bologna (1991),o esforço situa-se no sentido de transformar a compe-</p><p>tência técnico-profissional, em elemento de negociação política. Não se trata de</p><p>obscurecer o conflito, como busca a estratégia de gestão japonesa. Trata-se de tra-</p><p>balhar transparentemente o conflito ..</p><p>51. O conhecido esquema Paulo César Farias (caso PC), no início dos anos</p><p>1990,e, em seguida, o escândalo da Comissão de Orçamento do Congresso Nacio-</p><p>nal, revelado pelo ex-assessor José Carlos Alves dos Santos, começam a explicitar</p><p>o tamanho do pântano e a natureza do lodo na relação empreiteiras e políticos</p><p>(ministros, senadores, governadores, prefeitos).</p><p>50.O último contrato coletivo orientado pela central italiana CGU (1993)inclui</p><p>na pauta de negociação a participação efetiva dos trabalhadores na definição do</p><p>207</p><p>Conclusão</p><p>o pressuposto implícito que orientou a análise deste texto</p><p>no plano teórico é de que o desafio para se qualificar a nature-</p><p>za e especificidade histórica da crise do capitalismo e das ex-</p><p>periências do socialismo (real) implica a capacidade de se</p><p>distinguir e, ao mesmo tempo, trabalhar unitariamente as de-</p><p>terminações estruturais e o movimento conjuntural, bem como</p><p>as mediações necessárias e orgânicas, e as mediações secundá-</p><p>rias. O problema está, pois, na capacidade do pensamento, pela</p><p>pesquisa e análise, de abstrair o movimento da realidade his-</p><p>tórico-social, apreendendo as forças e determinações que o</p><p>produz.</p><p>A reiteração de aspectos teóricos que julgamos fundamen-</p><p>tais do trabalho tem uma intencionalidade para além da for-</p><p>malidade do trabalho acadêmico. Faz sentido na medida em</p><p>que nela estão implicadas questões de ordem política e ética.</p><p>Assim como a teoria quando consegue expor, no plano do co-</p><p>nhecimento, a "raiz" das determinações dos fatos históricos, se</p><p>constitui em força material e elemento crucial de consciência</p><p>crítica e de transformação, as visões apologéticas, irracionalis-</p><p>tas e reducionistas da realidade produzem alienação e reificação</p><p>do status quo. É, então, na relação entre a atividade teórica e</p><p>político-prática que se explicita e qualifica a natureza da práxis</p><p>humana.</p><p>208 GAUDÊNCIO FRIGOTTO EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 209</p><p>Partindo deste horizonte teórico e político o esforço que</p><p>empreendemos nesta análise centra-se, sobretudo, na relação</p><p>entre trabalho e educação num contexto de crise profunda do</p><p>capitalismo, no contexto dos anos 1970-90. Tal escolha resulta</p><p>do fato de que especialmente nas últimas décadas, como mos-</p><p>tramos no Capítulo I, a reflexão no campo educacional brasi-</p><p>leiro deteve-se, sob diferentes concepções, no debate desta re-</p><p>lação. Inicialmente na crítica ao economicísmo, explicitado na</p><p>educação pela teoria do capital humano, que estabelece um redu-</p><p>cionismo da concepção de trabalho, homem e sociedade e que</p><p>balizou as políticas educacionais tecnicistas do regime militar.</p><p>Desta crítica emerge a compreensão de que o trabalho enquan-</p><p>to atividade vital, valor de uso, forma do homem produzir-se</p><p>historicamente, transcende a determinação da forma alienada</p><p>de trabalho sob o capitalismo e é a vida da espécie. É vida criando</p><p>vida. E é como condição de criação do humano nas suas dimen-</p><p>sões do mundo da necessidade e da liberdade que o trabalho é</p><p>princípio educativo. Mesmo sob a forma capitalista, neste sen-</p><p>tido, o trabalho não é pura negatividade.</p><p>É neste movimento que, em face da crise do capitalismo,</p><p>esta concepção de trabalho e sua relação com os processos</p><p>educativos se defronta, de um lado, com um rejuvenescimento</p><p>da teoria do capital humano, mediante as perspectivas da socieda-</p><p>de do conhecimento, e pedagogia da qualidade total, veiculadas</p><p>pelos homens de negócio e instituições transnacionais que os re-</p><p>presentam e, de outro, pelas perspectivas da crise da sociedade</p><p>do trabalho.</p><p>Um primeiro ponto a realçar como síntese, por conter si-</p><p>nalizações teóricas e políticas importantes para aqueles que</p><p>ética e politicamente estão comprometidos com uma alternati-</p><p>va ao neoliberalismo e à forma capitalista de produção da vida</p><p>humana, é que as duas perspectivas anteriores, mesmo partin-</p><p>do de tradições teóricas e ideológicas diversas e conflitantes,</p><p>ao eliminarem os sujeitos sociais coletivos, grupos e classes</p><p>sociais fundamentais, acabam por definir ou reforçar a ideia da</p><p>existência de uma única possibilidade de produção da vida</p><p>humana: as relações sociais capitalistas.</p><p>A tese do fim da história resulta de uma concepção que</p><p>naturaliza as relações capitalistas onde, portanto, as crises do</p><p>capitalismo são apenas disfunçõee momentâneas e conjunturais.</p><p>O colapso do socialismo real é tomado como prova definitiva</p><p>de que a humanidade encerrou seu devenir no modo de pro-</p><p>dução social capitalista. A tese da sociedade pós-industrial e</p><p>pós-moderna, expressões de um novo paradigma científico e</p><p>tecnológico - sociedade do conhecimento -, representaria a su-</p><p>peração das desigualdades pelas formas de regulação social do</p><p>mercado capitalista. É neste sentido que a "nova" sociedade do</p><p>conhecimento - por ser este um bem disponível, supostamen-</p><p>te atingível por todos - tem a capacidade de eliminar as dife-</p><p>renças e desigualdades. O proletariado se transforma em cog-</p><p>nitariado. Os conflitos, as relações de poder e de força ficam</p><p>zerados malgrado a exacerbação da concentração e centraliza-</p><p>ção de capital e conhecimento e dos mecanismos de exclusão.</p><p>Pela perspectiva da crise da "sociedade do trabalho" ou</p><p>do "fim do trabalho", embora os autores pertençam a uma</p><p>tradição crítica ao capitalismo, os conflitos e antagonismos de</p><p>classe também são eliminados sem que a relação capitalista</p><p>esteja superada.</p><p>Pela perspectiva de Schaff esta superação se efetiva pelas</p><p>virtudes da revolução tecnológica. A nova base científico-técnica</p><p>permitiria à humanidade prescindir do trabalho relativo ao</p><p>mundo da necessidade e liberada para a busca do sentido da</p><p>vida transitando do homo studiosus para o homo universalis e para</p><p>um novo estilo de vida mediante a superação do homo laborans</p><p>pelo homo ludens.</p><p>Independentemente da relevância das reflexões mais am-</p><p>plas de Schaff, neste particular transforma a revolução tecno-</p><p>lógica na revolução tout court. Estabelece uma separação arbi-</p><p>210 GAUD~NClO FRIGOnO</p><p>trária entre mundo da necessidade e mundo da liberdade e,</p><p>como consequência, define as necessidades humanas, que são</p><p>históricas, como quantidades finitas.</p><p>Na perspectiva de Offe, não desconhecendo suas contri-</p><p>buições significativas, inclusive para entender a natureza da</p><p>crise do Estado de Bem-Estar, ao deslocar sua análise do plano</p><p>da materialidade das relações sociais de produção, no pressu-</p><p>posto da crise da sociedade do trabalho, para a concepção de</p><p>interação social, relação intercomunicativa e mundo da linguagem do</p><p>projeto teórico de Habermas, também elimina os sujeitos sociais</p><p>clássicos fundantes da relação capitalista e com eles a perspecti-</p><p>va do conflito, das relações de poder e de força.</p><p>A perspectiva que aponta é de cunho individualista, de-</p><p>marcada pela categoria modo de vida, onde a preocupação pelo</p><p>trabalho é marginal e substituída por temas como a família, o</p><p>sexo e o meio ambiente.</p><p>A ênfase da tese da perda da centralidade do trabalho como</p><p>categoria de compreensão da vida social explica-se, ao nosso</p><p>ver, em consequência da inflexão teórica que Offe opera em</p><p>direção à perspectiva estruturalista como nos aponta P.Ander-</p><p>son, e como resultado do abandono da perspectiva ontológica</p><p>do trabalho. Esta inflexão firma-se, então, na apreensão do</p><p>trabalho como um fator entre outros.</p><p>Por esta via, as análises empíricas de Offe sobre o trabalho</p><p>sustentam-se sobre uma perspectiva estática de divisão social</p><p>do trabalho que, como analisa Francisco de Oliveira, acaba</p><p>naturalizando distinções entre mercadorias e serviços, trabalho</p><p>produtivo e improdutivo. Nesta rota perde-se, também, a com-</p><p>preensão da divisão internacional do trabalho e o peso recai</p><p>sobre uma ótica eurocêntrica.</p><p>Mas mesmo na perspectiva eurocêntrica e tomando o</p><p>trabalho na sua forma "mercadoria" ou serviço, as conclusões</p><p>a que Offe chegou ao final da década de 1970, mediante as quais</p><p>argumenta que o trabalho já não faz parte das preocupações</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 211</p><p>vitais do trabalhador, parecem não encontrar hoje sustentação</p><p>empírica.</p><p>Face ao desemprego de 22,25% do PEA na Espanha e ín-</p><p>dices crescentes em toda a Europa, a tese do Partido Socialista</p><p>Espanhol- repartir o trabalho, que se converteu num bem especial-</p><p>mente escasso - vem sendo adotada como diretriz política da</p><p>maior parte dos governos. O governo alemão está propondo, à</p><p>semelhança da Espanha, um plano de redução dos dias de</p><p>trabalho e da jornada de trabalho com uma proporcional redu-</p><p>ção dos salários que seria compensada, em parte, por uma</p><p>ajuda do Estado (Jornal do Brasil, p. 14,6/11/1993).</p><p>Dos autores com os quais debatemos a crise da sociedade do</p><p>trabalho, Kurz é, sem dúvida, o que positivamente explicita mais</p><p>claramente a natureza estrutural da crise do capitalismo e,</p><p>negativamente, o viés mecanicista e lógico-estruturalista de</p><p>análise da mesma. A dedução lógica ocupa o lugar da análise</p><p>histórica em diversas das suas conclusões. Os sujeitos sociais,</p><p>grupos e classes são substituídos pela razão sensível.</p><p>análises está, sobretudo, no puro e simples oculta-</p><p>m nto das relações de poder e exclusão social, no primeiro caso,</p><p>ou mediante a supressão das classes e grupos sociais no emba-</p><p>I ontra-hegemônico, no segundo. Neste último caso, também,</p><p>O trabalho, de categoria histórico-ontológica, fica reduzido à</p><p>sua forma fenomênica ou às determinações das relações sociais</p><p>.apitalistas.</p><p>--- --- -------- -</p><p>26 GAUDÊNClO FRIGOnO</p><p>Vale ressaltar que esta análise é síntese de um processo de</p><p>reflexão desta última década e base para prosseguir a pesquisa</p><p>nesta área com ênfase nas mediações histórico-empíricas. Vários</p><p>interlocutores estão presentes nesta trajetória e de diferentes</p><p>formas. Trata-se, portanto, de uma apreensão individual de um</p><p>amplo esforço coletivo. Neste esforço ressalto os fecundos de-</p><p>bates e intercâmbios no GT Trabalho-Educação da Associação</p><p>Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd),</p><p>especialmente com Miguel G. Arroyo, Ramón Pena Castro,</p><p>Paolo Nosella, Maria Aparecida Ciavatta Franco, Lucília Ma-</p><p>chado, Acácia Kuenzer, Nilton B. Ficher, Iracy Picanço, Eunice</p><p>Schilling Trein, Celso Ferretti e, nos últimos anos, Pablo Genti-</p><p>li que prefacia este trabalho. Destaco, também, os debates com</p><p>os mestrandos dos programas de pós-graduação da Universi-</p><p>dade Federal Fluminense durante os cursos que ministrei e os</p><p>doutorandos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,</p><p>da Universidade Federal de Minas Gerais e Universidade Fe-</p><p>deral do Rio de Janeiro, pelo intercâmbio em frequentes e in-</p><p>tensos seminários ou debates. Registro um especial agradeci-</p><p>mento a Floriano Paulo Corrêa Sobrinho, que digitou a versão</p><p>final do texto, e a Vera Maria de Almeida Corrêa pela compe-</p><p>tente leitura crítica dos originais. Nunca é demais lembrar, to-</p><p>davia, que os posicionamentos e limites das análises aqui</p><p>apresentadas devem ser debitados ao autor.</p><p>Cabe, finalmente, registrar que parte da pesquisa efetiva-</p><p>da para a elaboração deste trabalho resultou, em sua primeira</p><p>versão, na tese para professor titular na disciplina de Economia</p><p>Política da Educação na Universidade Federal Fluminense e</p><p>contou com o apoio do CNPq.</p><p>Gaudêncio Frigotto</p><p>Rio de Janeiro, maio de 1995.</p><p>CORTEZ</p><p>EDITORA 27</p><p>I</p><p>A educação como campo social</p><p>de disputa hegemônica</p><p>A educação, quando apreendida no plano das determina-</p><p>\'0 's e relações sociais e, portanto, ela mesma constituída e</p><p>1'( lI1 tituinte destas relações, apresenta-se historicamente como</p><p>11m ampo da disputa hegemônica. Esta disputa dá-se na pers-</p><p>I ( tiva de articular as concepções, a organização dos processos</p><p>t' do conteúdos educativos na escola e, mais amplamente, nas</p><p>,Ii f rentes esferas da vida social, aos interesses de classe.</p><p>Neste trabalho, elegemos como foco principal de preo-</p><p>"li ação retomar algumas questões no âmbito das relações</p><p>I'IH,. sociedade, processo produtivo, processo de trabalho e</p><p>t' lucação ou qualificação humana que têm sido tratadas por</p><p>111 rentes campos do conhecimento: Economia, Economia da</p><p>I'; 1ucação, Sociologia, Sociologia do Trabalho, Psicologia Social</p><p>t' " própria Filosofia etc. Embora nossa ênfase seja no âmbito</p><p>tltl Economia da Educação, é impossível eliminar a necessária</p><p>1'(,1 ção que mantém com os demais campos disciplinares. Ou</p><p>I 'j ,não há razões de ordem epistemológica para fixar frontei-</p><p>I' rs rígidas, já que todos estes campos, mesmo reconhecendo</p><p>28 GAUD~NCIO FRIGOnO</p><p>que sua especificidade não pode ser negada, têm como objeto</p><p>de análise e compreensão o homem em suas relações e práticas</p><p>sociais.</p><p>No seu âmbito mais amplo, são questões que buscam</p><p>apreender a função social dos diversos processos educativos na</p><p>produção e reprodução das relações sociais. No plano mais es-</p><p>pecífico, tratam das relações entre a estrutura econômico-social,</p><p>o processo de produção, as mudanças tecnológicas, o processo</p><p>e divisão do trabalho, produção e reprodução da força de tra-</p><p>balho e os processos educativos ou de formação humana.</p><p>Além da reprodução, numa escala ampliada, das múltiplas ha-</p><p>bilidades sem as quais a atividade produtiva não poderia ser</p><p>realizada, o complexo sistema educacional da sociedade é tam-</p><p>bém responsável pela produção e reprodução da estrutura de</p><p>valores dentro da qual os indivíduos definem seus próprios</p><p>objetivos e fins específicos. As relações sociais de produção ca-</p><p>pitalistas não se perpetuam automaticamente. (Mészáros, 1981,</p><p>p.260)</p><p>Na perspectiva das classes dominantes, historicamente,</p><p>a educação dos diferentes grupos sociais de trabalhadores deve</p><p>dar-se a fim de habilitá-los técnica, social e ideologicamente</p><p>para o trabalho. Trata-se de subordinar a função social da</p><p>educação de forma controlada para responder às demandas</p><p>do capital.</p><p>Na perspectiva dos grupos sociais que constituem, espe-</p><p>cialmente, a classe trabalhadora,</p><p>a educação é, antes de mais nada, desenvolvimento de poten-</p><p>cialidades e a apropriação de "saber social" (conjunto de conhe-</p><p>cimentos e habilidades, atitudes e valores que são produzidos</p><p>pelas classes, em uma situação histórica dada de relações para</p><p>dar conta de seus interesses e necessidades). Trata-se de buscar,</p><p>na educação, conhecimentos e habilidades que permitam uma</p><p>melhor compreensão da realidade e envolva a capacidade de</p><p>I111I1A~" E A CRISEDO CAPITALISMO REAL 29</p><p>azer valer os próprios interesses econômicos, políticos e cultu-</p><p>1", is. (Gryzybowski, 1986, p. 41-2)</p><p>imediato, este embate aparece repleto de sutilezas, cujo</p><p>I 1'( I \o de tomar-se o movimento da realidade na sua imedia-</p><p>111 .Iode fenomênica ou no plano político-jurídico e ideológico,</p><p>I 11I1l( I S ndo a própria realidade concreta. Por este ardil, acaba-se</p><p>t nnfundindo os processos históricos que mudam, às vezes</p><p>Iuufundamente, a estrutura social, os processos produtivos, a</p><p>,I I '50 e o conteúdo do trabalho, os processos educativos e as</p><p>IIII 111 a de reprodução da força de trabalho, como necessidades</p><p>til' I" funcionalização das relações sociais dominantes com as</p><p>II Illlif rmações fundamentais que mudam e alteram a nature-</p><p>I li -stas relações.</p><p>Por diferen:tes caminhos de caráter determinista e meca-</p><p>I\I,!:.,I" este risco assume um caráter mais crucial na medida</p><p>1'111 qu se tomam as mudanças tecnológicas e "das formas da</p><p>I H'i.,bilidade capitalista" - reais e profundas -, como a su-</p><p>IU"\l - O tout court destas relações sociais capitalistas. 1</p><p>Neste sentido, ao contrário do que postula o ideário liberal</p><p>,111, si o, o longo processo de passagem do feudalismo para o</p><p>I 'ma capitalista não representou a superação de uma socie-</p><p>,IIHI ' marcada pela opressão, servilismo e desigualdade de</p><p>III1 S \ por uma sociedade livre e igualitária. A superação do</p><p>1'1 vilismo e da escravidão não foram pressupostos para a abo-</p><p>I '.to da sociedade classista, mas condição necessária para que</p><p>II nova sociedade capitalista pudesse, sob uma igualdade jurí-</p><p>,I i " formal e, portanto, legal (certamente não legítima), instau-</p><p>I I" t S bases das relações econômicas, políticas e ideológicas de</p><p>I. orno veremos ao longo deste trabalho e como analisam diferentes autores,</p><p>Williams (1984) e R. P. Castro (1992 e 1994) entre outros, este determinismo</p><p>11111 I~l em tomar-se a tecnologia como uma variável, um fator independente e</p><p>I1I11 1101110 aos interesses de classe e às relações de poder e, portanto, como algo</p><p>1'1II'IIS ·oeia!.</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Edited by Foxit Reader</p><p>Copyright(C) by Foxit Software Company,2005-2008</p><p>For Evaluation Only.</p><p>30 GAUDÊNCIO FRIGOnO</p><p>uma nova sociedade de classes. O mercado, sob as relações das</p><p>classes fundamentais capital! trabalho, de um lado, constitui-se</p><p>no locus fetichizado, por excelência, onde todos os agentes eco-</p><p>nômicos e sociais supostamente se igualam e podem tomar suas</p><p>decisões livres, e o contrato, de outro, na mistificação legal da</p><p>garantia do cumprimento das escolhas "igualitárias e livres".</p><p>A perspectiva crítica mais atual e radical da falsidade</p><p>deste pressuposto e a explicitação da natureza classista, exclu-</p><p>dente e alienadora da sociedade capitalista, na sua gênese e na</p><p>sua "anatomia" geral, é, ainda, sem dúvida, a obra</p><p>Como re-</p><p>sultado de uma postura irracionalista e pessimista, a alternati-</p><p>va futura para a humanidade é apocalíptica.</p><p>O horizonte da travessia, eliminados os sujeitos históricos</p><p>ou secundarizados, fica adscrito ao que Williams e Hobsbawm</p><p>sinalizam como de utopias religiosas e escatológicas - alter-</p><p>nativas "comunitárias, mas contraditoriamente de cunho indi-</p><p>vid ualista",</p><p>A educação, de prática social constituída e constituinte da</p><p>sociedade e, portanto, atividade humana inscrita na luta hege-</p><p>mônica, fica circunscrita ao papel de mudanças de valores para</p><p>a sacietas laudens em Schaff; instrumento de interação social na</p><p>relação intercomunicativa ou processo de requalificação e adap-</p><p>tabilidade face à mudança da natureza do trabalho sob uma</p><p>nova base tecnológica e pelo deslocamento do âmbito primário</p><p>e secundário para o campo dos serviços, em Offe; instrumento</p><p>para desenvolver a "razão sensível", em Kurz.</p><p>212 GAUDÊNCIO FRIGOnO</p><p>o que queremos demarcar é que a ordem de questões le-</p><p>vantadas pelas análises sobre crise do capitalismo e do socia-</p><p>lismo real e sobre fim da sociedade do trabalho, tanto no plano</p><p>das alternativas da crise do capitalismo neste final de século,</p><p>quanto nas questões específicas da educação, mesmo sendo</p><p>diversas, se relaciona com e reforça a tese do "fim da história"</p><p>e o surgimento da sociedade pós-industrial - a sociedade do</p><p>conhecimento.</p><p>Mas a história, talvez à semelhança dos deuses, prega suas</p><p>peças. Na lenda sobre quem ganharia o amor de Helena, a</p><p>mulher mais bela do mundo, a história não acabou em Menelau,</p><p>o eleito como resultado da esperteza de seu pai Tíndaro. Os</p><p>deuses se encarregaram, movidos por disputas, ódios e vingan-</p><p>ças, de devolver a Páris, menino abandonado por Príamo e</p><p>Hércula, reis da poderosa e rica Troia, sua verdadeira origem.</p><p>E, pelos caminhos que só os deuses descobrem, Páris arrebata</p><p>o amor de Helena.</p><p>Aqui, o enredo é de outra natureza. Os deuses descansam</p><p>e divertem-se! Os sujeitos são os homens e a tarefa da história (...)</p><p>é estabelecer a verdade deste mundo.</p><p>Nesta tarefa, as contribuições analíticas de E. Hobsbawm,</p><p>P.Anderson, Francisco de Oliveira e Carlos Nelson Coutinho,</p><p>entre outras, em direção antagônica aos profetas do fim da</p><p>história e do ideário dos homens de negócio e numa visão também</p><p>diversa dos adeptos da crise da sociedade do trabalho e da</p><p>eliminação das classes sociais, nos permitem perceber a crise,</p><p>as classes sociais, o Estado, a educação, em suma, o conjunto</p><p>das relações e práticas sociais no plano das contradições e da</p><p>luta hegemônica.</p><p>A crise dos anos 1970-90não é nova e nem fortuita, porque</p><p>é de caráter estrutural, ou seja, inerente, orgânica à forma capi-</p><p>talista de relações sociais. Mas a crise é profundamente nova</p><p>em sua materialidade atual. A tese de Francisco de Oliveira, do</p><p>surgimento do antivalor como resultado da sociabilidade capi-</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 213</p><p>talista, sintetiza a novidade desta materialidade, agora em</p><p>crise. O capitalismo na sua sociabilidade vai tecendo o seu</p><p>outro. E o outro lhe é imposição necessária e inferno. Contra-</p><p>dição em processo.</p><p>O Estado de Bem-Estar, agora em crise, explicita esta con-</p><p>tradição enquanto forma de viabilização de um prolongado</p><p>padrão de acumulação capitalista e de regulação social, mas</p><p>também como afirmação e conquista de direitos sociais, garan-</p><p>tias ao trabalhador. Ao trazer ao plano da esfera pública, em</p><p>grande parte, os processos de reprodução da força de trabalho</p><p>e da negociação e afirmação de direitos sociais, o Estado de</p><p>Bem-Estar instaura um processo de desmercantilização da força</p><p>de trabalho. Sua reprodução fica menos unilateralmente deter-</p><p>minada pelos critérios imediatos do capital.</p><p>As classes e os grupos sociais também padecem desta</p><p>contradição, todavia não desaparecem, pois seu fundamento</p><p>material e histórico permanece estruturalmente, ainda que</p><p>diverso no plano histórico empírico. A crise do Estado-nação,</p><p>enquanto forma de regulação econômico-social, resultante da</p><p>transnacionalização da economia que internacionaliza o capital</p><p>~ a classe dominante também coloca a questão da classe traba-</p><p>lhadora no plano transnacional.</p><p>A crise expressa um "empate" de alternativas em disputa.</p><p>Mais do que nunca os sujeitos sociais fundamentais têm um</p><p>papel crucial. As alternativas estão em curso. O retrocesso neo-</p><p>liberal ou neoconservador, que se sustenta pela exacerbação da</p><p>exclusão e da violência, está clara e avassaladoramente em</p><p>marcha. Seus limites e contradições, mesmo no plano da bur-</p><p>guesia internacional, todavia, se apresentam cada vez mais</p><p>contundentes.</p><p>A alternativa de uma sociedade socialista democrática,</p><p>cujo embate nas condições objetivas presentes tem na radicali-</p><p>zação da ampliação da esfera pública um elemento crucial, na</p><p>conjuntura da crise e do colapso do socialismo real, enfrenta</p><p>214 GAUDÊNClO FRIGOnO</p><p>desafios de várias ordens. A falta de utopia da esquerda neste</p><p>contexto sinaliza a precariedade de sua cultura política. Esta</p><p>precariedade se expressa na incapacidade de inventário histó-</p><p>rico-crítico. Por aí surgem as saídas fatalistas, messiânicas e</p><p>voluntaristas ou vincadas por atitudes de individualismo nar-</p><p>císico, apologia da diferença e do provisório pós-modernista.</p><p>Aumentam, também, os intelectuais que, na década de 1960,</p><p>estavam engajados numa luta revolucionária e hoje se transfor-</p><p>maram em governantes, ministros e assessores friamente téc-</p><p>nicos e subservientes aos desígnios do capital financeiro inter-</p><p>nacional.</p><p>Este encaminhamento de compreensão da crise que não</p><p>zera a história nem os sujeitos sociais, por deixar no plano da</p><p>disputa hegemônica o horizonte do socialismo, tem implicações</p><p>pontuais para as alternativas no campo dos processos educa ti-</p><p>vos que discutimos, especialmente em relação ao Brasil, no</p><p>último capítulo. Fixemo-nos em alguns.</p><p>O conteúdo das demandas dos homens de negócio no cam-</p><p>po educativo, estrutural, e ideologicamente, não mudou de</p><p>natureza, mas o conteúdo da demanda mudou profundamen-</p><p>te e com ele as contradições assumem nova qualidade. O reju-</p><p>venescimento da teoria do capital humano é expressão desta</p><p>mudança de conteúdo histórico. No plano teórico-ideológico a</p><p>óptica economicista e sociologista daquela teoria é alargada</p><p>pela tese da sociedade do conhecimento.</p><p>As categorias de qualidade totaZ,formação abstrata, formação</p><p>polivaZente derivadas daquela tese e elaboradas por sociólogos,</p><p>economistas, psicólogos, engenheiros, pedagogos e filósofos</p><p>sinalizam demandas de um "novo trabalhador" com uma nova</p><p>qualificação, com capacidade de elevada abstração, flexível e</p><p>participativo. Esta demanda explicita, por sua vez, a natureza</p><p>da tendência do processo de produção sob a nova base tecno-</p><p>lógica e no plano da competitividade dentro da reorganização</p><p>econômica e do novo padrão de valorização.</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 215</p><p>O que muda qualitativamente, como tendência para aque-</p><p>les que o processo produtivo necessita, é a passagem de um</p><p>trabalhador adestrado para um trabalhador com capacidade</p><p>de abstração mais elevada e polivalente. Mas muda sob a lógi-</p><p>ca da exclusão. O limite, o horizonte definidor é o processo</p><p>produtivo demarcado pela naturalização da exclusão. No pla-</p><p>no ideológico, a sutileza da tese da sociedade do conhecimento</p><p>esconde, ao mesmo tempo, a desigualdade entre grupos e clas-</p><p>ses sociais, o monopólio crescente do conhecimento e, portanto,</p><p>a profunda apropriação desigual do mesmo.</p><p>Mas esta mudança expressa também um nível mais eleva-</p><p>do de contradição e, portanto, de possibilidade de dilatar os</p><p>interesses de uma alternativa que se articule aos interesses da</p><p>classe trabalhadora.</p><p>As propostas neoliberais como alternativa no campo edu-</p><p>cativo expõe os limites do horizonte da burguesia e, em casos</p><p>como o brasileiro, sobredeterminados por uma burguesia atra-</p><p>sada, elitista e despótica. Isto, como vimos, se materializa de</p><p>forma exemplar no embate em torno da educação no processo</p><p>constituinte (1988) e, mais especificamente, no processo em</p><p>curso há mais de cinco anos da LDB (1989-1995).O</p><p>de Marx e</p><p>Engels, particularmente O capital (não importa o descaso dos</p><p>adeptos do mundo "pós-histórico"). Nesta crítica explicita-se</p><p>tanto o caráter de positividade da revolução burguesa nas re-</p><p>lações de produção e políticas, na ruptura das visões metafísi-</p><p>cas teocêntricas de conhecimento, e um amplo desenvolvimen-</p><p>to da ciência moderna, quanto o caráter de negatividade pela</p><p>cristalização de uma nova relação classista e, portanto, de ex-</p><p>ploração e alienação.'</p><p>As análises de E. Hobsbawm e de Francisco de Oliveira</p><p>(que retomaremos adiante) nos ajudam, ao mesmo tempo, a</p><p>perceber o equívoco das teses do quanto pior melhor, na pers-</p><p>pectiva de superação da forma capitalista de relações sociais,</p><p>como entender que tal superação somente pode ser construída</p><p>mediante a ação política, nas vísceras mesmo da contradição</p><p>capitalista, mediante o fortalecimento e ampliação democrática</p><p>da esfera pública. Nesta perspectiva não se abrem espaços nem</p><p>para o voluntarismo, nem para o otimismo ingênuo ou deter-</p><p>minismo da revolução tecnológica. Este determinismo tem estado</p><p>2. Não cabe aqui retomar esta análise não só pela razão de que a obra de Marx</p><p>e Engels nunca esteve, talvez, a preços tão baixos - síndrome da queda do muro</p><p>de Berlim e do colapso do socialismo real - mas, também, porque é abundante a</p><p>literatura no campo econômico, sociológico, político e educacional que faz este</p><p>resgate.</p><p>11111fll, "01 A CRISE DO CAPITALISMO REAL 31</p><p>1II blls das teses do fim das classes, do surgimento da socie-</p><p>111111,' harmônica e igualitária do conhecimento e do mundo</p><p>ll'l hlstórico. Por este "borramento" lógico das classes sociais</p><p>IIllh 1-' perdendo aquilo que K. Kosik define como sendo</p><p>() ritério objetivo para a distinção entre mutações estruturais</p><p>- que mudam o caráter da ordem social- e mutações deriva-</p><p>dA " secundárias, que modificam a ordem social, sem porém</p><p>mudar essencialmente seu caráter. (Kosik, 1986, p. 105)</p><p>N plano da concepção da realidade histórica não estamos,</p><p>11111' I Iiante de um embate novo, mas apenas de questões e pro-</p><p>Id"1111 que assumem um conteúdo histórico específico dentro</p><p>d" novas formas da sociabilidade capitalista. Na verdade, são</p><p>'IIH' 1- s que engendram um velho debate travado, não apenas</p><p>1111 J1 bito da economia clássica liberal (Adam Smith e Stuart</p><p>~I 11) 'clássica marxista (Marx e Engels), mas, mais amplamen-</p><p>II I II{) onjunto do pensamento que embasa o ideário da socie-</p><p>dnd \ apitalista e das perspectivas que lhe são antagônicas.</p><p>I or esta razão, podemos perceber que a explicitação do</p><p>11111 'i ocial da educação, ou especificamente da relação entre</p><p>'t I 1'0 sso de produção e os processos educativos ou de forma-</p><p>I dO humana, vem marcada por concepções conflitantes e, so-</p><p>Illi'llldo, antagônicas. Desde os Manuscritos filosóficos de 1844 e</p><p>H I longo de sua obra, ao referir-se aos fundadores da economia</p><p>I 1I 'si a liberal ou aos apologetas das relações sociais da socie-</p><p>dll I' capitalista nascente, Marx insiste em mostrar que suas</p><p>11'1 1" entações explicitam como se produz dentro da relação</p><p>1111 italista, mas não como se produz esta própria relação:</p><p>A economia política parte do facto da propriedade privada. Não</p><p>o explica. Concebe o processo material da propriedade privada,</p><p>como ele ocorre na realidade, em fórmulas gerais e abstractas,</p><p>que em seguida lhes servem de leis, não compreendem tais leis,</p><p>isto é, não demonstram como elas derivam da essência da pro-</p><p>priedade privada. (Marx, 1964, p. 157-8)</p><p>32 GAUD~NClO FRIGOnO</p><p>Ao elidir as determinações que produzem as relações so-</p><p>ciais capitalistas, estas passam a ser concebidas como naturais</p><p>e, portanto, independentes da ação dos homens. A tese do</p><p>mundo pós-histórico (Fukuyama, 1992, p. 101) constitui-se hoje</p><p>na explicitação mais anacrônica, vulgar, perversa e cínica da</p><p>saída neoconservadora da naturalização do mercado como o</p><p>"deus" regulador do conjunto das relações e necessidades</p><p>humano-sociais.</p><p>Neste texto introdutório, cujo objetivo é o de, ao situar a</p><p>natureza histórica desse embate, apreender a problematicidade</p><p>que o mesmo engendra nas formas atuais da sociabilidade</p><p>capitalista, vamos situar: os dilemas da burguesia nascente</p><p>sobre a questão educativa; a estratégia reiterativa da segmen-</p><p>tação e do dualismo como forma de subordinar os processos</p><p>educativos aos interesses da reprodução das relações sociais</p><p>capitalistas; e o caráter perverso desta subordinação na reali-</p><p>dade brasileira. Em seguida, vamos sinalizar o contexto em que</p><p>a educação é alçada ao status de capital humano, elemento espe-</p><p>cífico da teoria conservadora do desenvolvimento, e os cami- .</p><p>nhos que assumiu a crítica a esta perspectiva no campo educa-</p><p>cional, no Brasil. Por fim, vamos expor a natureza das questões</p><p>apresentadas como desafio teórico e político-prático na relação</p><p>trabalho-educação, e a "nova" função social dos sistemas edu-</p><p>cativos diante das novas formas assumidas pelas relações sociais</p><p>de produção num contexto de crise do modelo de desenvolvi-</p><p>mento que sustentou o processo de acumulação capitalista nos</p><p>últimos cinquenta anos.</p><p>1. A segmentação e fragmentação como estratégias da</p><p>subordinação dos processos educativos ao capital</p><p>Na sua formulação mais geral, a análise das relações entre</p><p>o processo de produção e as práticas educativas, desde a pers-</p><p>111111AÇ Ao E A CRISE DO CAPITALISMO REAL</p><p>33</p><p>1" 'l'I iva clássica liberal ou neoliberal, é explicitada pela con-</p><p>'l'pÇ~O de que a sociedade é constituída por fatores onde, em</p><p>d,'ll'nninado período, um destes fatores é o fundamental e</p><p>,I,'I .rminante, como por exemplo, a economia, e em outros será</p><p>I Iiolítica, a religião (ver Kosik, 1986, p. 99-108). Por esta pers-</p><p>1I 'I'Liva,o trabalho, a tecnologia, a educação são concebidos</p><p>, '11\) fatores. A educação e a formação humana terão como</p><p>Illl'ito definido r as necessidades, as demandas do processo de</p><p>li \I mulação de capital sob as diferentes formas históricas de</p><p>'H'i. bilidade que assumir. Ou seja, reguladas e subordinadas</p><p>I li ,11 sfera privada, e à sua reprodução.</p><p>Numa perspectiva histórica de análise, Marx e Engels, e a</p><p>" IIola marxista, de um modo geral, concebem a realidade social</p><p>'H110 uma estrutura, uma totalidade de relações onde, em sua</p><p>unidade diversa, o conjunto de relações sociais e econômicas,</p><p>I or erem imperativas na produção da vida material dos seres</p><p>humanos, constituem-se na base a partir da qual se estrutura e</p><p>I' ondiciona a vida social no seu conjunto. Como, em diferen-</p><p>11', momentos, estes autores insistem, o caráter fundamental</p><p>,I 18 relações sociais de produção não confere às mesmas a de-</p><p>I nição única e isolada das demais determinações. As relações</p><p>"I'onômicas são, antes de tudo, relações sociais e, enquanto tais,</p><p>"111endram todas as demais. O ser humano que atua na repro-</p><p>II \I ão de sua vida material o faz enquanto uma totalidade</p><p>I' i ofísica, cultural, política, ideológica etc.</p><p>O trabalho, nesta perspectiva, não se reduz a "fator", mas</p><p>", por excelência, a forma mediante a qual o homem produz</p><p>I, condições de existência, a história, o mundo propriamen-</p><p>li' humano, ou seja, o próprio ser humano. Trata-se de uma</p><p>l' lt goria ontológica e econômica fundamental. A educação</p><p>t.imbém não é reduzida a fator, mas é concebida como uma</p><p>I r tica social, uma atividade humana e histórica que se define</p><p>110conjunto das relações sociais, no embate dos grupos ou</p><p>'1 ses sociais, sendo ela mesma forma específica de relação</p><p>34 GAUDtNClO FRIGOnO</p><p>social. O sujeito dos processos educativos aqui é o homem e</p><p>suas múltiplas e históricas necessidades (materiais, biológicas,</p><p>psíquicas, afetivas, estéticas, lúdicas). A luta é justamente para</p><p>que a qualificação humana não seja subordinada às leis do</p><p>mercado e à sua adaptabilidade e funcionalidade, seja sob a</p><p>forma de adestramento e treinamento estreito da imagem do</p><p>mono domestificável dos esquemas tayloristas, seja na forma da</p><p>polivalência e formação abstrata, formação geral ou policogni-</p><p>ção reclamadas pelos modernos homens de negócio (Veblen, 1918)</p><p>e os organismos que os representam.</p><p>A qualificação humana diz</p><p>respeito ao desenvolvimento</p><p>de condições físicas, mentais, afetivas, estéticas e lúdicas do ser</p><p>humano (condições omnilaterais) capazes de ampliar a capaci-</p><p>dade de trabalho na produção dos valores de uso em geral como</p><p>condição de satisfação das múltiplas necessidades do ser hu-</p><p>mano no seu devenir histórico. Está, pois, no plano dos direitos</p><p>que não podem ser mercantilizados e, quando isso ocorre,</p><p>agride-se elementarmente a própria condição humana.</p><p>Por ser o trabalho o pressuposto fundante do devenir</p><p>humano, ele é o princípio educativo e, portanto, é fundamental</p><p>que todo o ser humano, desde a mais tenra idade, socialize este</p><p>pressuposto. É desta compreensão do trabalho como-criador</p><p>da realidade humana (não enquanto visão moralizante, peda-</p><p>gogista) que Marx e Engels postulam a união do trabalho ma-</p><p>nual, industrial, produtivo, com O trabalho intelectual. Nem</p><p>Marx nem Engels definem a forma e o conteúdo que esta cate-</p><p>goria antediluviana (como eles próprios lembram) vai assumir</p><p>historicamente. Na base da análise do seu tempo histórico e na</p><p>perspectiva do avanço tecnológico e, portanto, da potenciação</p><p>das forças produtivas, apontam a hipótese da superação do</p><p>trabalho manual acabrunhador e a possibilidade da redução</p><p>do trabalho sob o mundo da necessidade e a dilatação do mun-</p><p>do da liberdade. Esta possibilidade, na sua forma mais plena,</p><p>implica a supressão da relação capitalista que, dominantemen-</p><p>11111 A Ao E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 35</p><p>li', transforma o trabalho de criador da vida humana em alie-</p><p>u.idc r da vida do trabalhador.</p><p>Ao tratar da função social e da crise da educação, no in-</p><p>II.dor da crise do capitalismo contemporâneo e de suas insti-</p><p>Illiçõ s. Mészáros, de forma clara, situa a questão central</p><p>111\' 1 iante a qual podemos analisar o confronto das perspectivas</p><p>illlma:</p><p>e essas instituições - inclusive as educacionais - foram feitas</p><p>para os homens, ou se os homens devem continuar a servir às</p><p>relações sociais de produção alienadas - é esse o verdadeiro</p><p>tema do debate. (Mészáros, 1981, P: 272)</p><p>O caráter subordinado das práticas educativas aos interes-</p><p>\'H I capital historicamente toma formas e conteúdos diversos,</p><p>1111 .apitalismo nascente, no capitalismo monopolista e no ca-</p><p>Illt.liismo transnacional ou na economia globalizada. Em boa</p><p>111\' lida, a literatura nos revela as formas específicas desta su-</p><p>hordinação e não é objetivo deste trabalho expô-Ias. Cabe,</p><p>Itil 'nas, registrar que o caráter explícito desta subordinação é</p><p>111' LI ma clara diferenciação da educação ou formação humana</p><p>1'11 rn as classes dirigentes e a classe trabalhadora.</p><p>Esta subordinação nem sempre é de fácil dissimulação ao</p><p>IIIII!; do desenvolvimento do sistema capitalista. Assim, por</p><p>II r 'r ntes maneiras, o caráter contraditório das relações sociais</p><p>l'rll italistas pode ser explicitado no âmbito das relações entre</p><p>I o iedade e os processos educativos, ou destes com o proces-</p><p>I1 produtivo. Isto nos indica, de um lado, que o capital é pri-</p><p>(lI ciro de sua contradição, de seus limites de concepção</p><p>(1I',)gmentária) da realidade, portanto não é onisciente e, de</p><p>IliIIro, que é confrontado por interesses da classe trabalhadora</p><p>'lu' lhe são antagônicos.</p><p>No plano histórico mais distante, o inventário das posições</p><p>tllll r os fundadores do liberalismo clássico e entre os iluminis-</p><p>111 inaliza como a questão da educação na perspectiva da</p><p>36 GAUDÊNClO FRIGOnO</p><p>subordinação das relações capitalistas é, ao mesmo tempo,</p><p>necessária e problemática. Há, de um lado, a necessidade de</p><p>que a reprodução da força de trabalho seja moldada, forjada,</p><p>fabrica da para a disciplina e subordinação das novas relações</p><p>de produção mas, ao mesmo tempo, há a necessidade de esta-</p><p>belecer uma distinção clara com as formas servis e escravocra-</p><p>tas do ancien régime.</p><p>Antes mesmo da consolidação dos sistemas de ensino, em</p><p>1757, Voltaire recomendava ao rei da Prússia que a canalha não</p><p>era digna de ser esclarecida:</p><p>A canalha (as massas) é indigna de ser esclarecida (...) é essencial</p><p>que haja cozinheiros ignorantes (...) e o que é de lei é que o povo</p><p>seja guiado e não seja instruído. (apud Arroyo, 1987, p. 75)</p><p>Em contrapartida, na mesma época, Diderot fazia a reco-</p><p>mendação à imperatriz da Prússia, defendendo a instrução para</p><p>todos. Rousseau, embora com uma perspectiva de condenação</p><p>à ciência e ao progresso técnico, por confundir, como mostrará</p><p>mais tarde Marx, a forma histórica capitalista de produção e</p><p>utilização da ciência e das máquinas, com o próprio progresso</p><p>técnico, coloca-se numa perspectiva oposta à de Voltaire e rom-</p><p>pe com os ideais da Ilustração (Nosella, 1977, p. 34-5). As refe-</p><p>rências de Smith de uma instrução em doses homeopáticas e, um</p><p>século mais tarde J. Mill (1848), de uma educação nacional das</p><p>crianças das classes trabalhadoras para o cultivo do bom senso</p><p>e que tudo o mais é "sobretudo decorativo", caminham na</p><p>mesma direção.</p><p>Na medida, todavia, em que o sistema capitalista se soli-</p><p>difica e os sistemas educacionais se estruturam, assume nitidez</p><p>a defesa da universalização dualista, segmentada: escola disci-</p><p>plinadora e adestradora para os filhos dos trabalhadores e es-</p><p>cola formativa para os filhos das classes dirigentes.</p><p>Desttut de Tracy, no final do século XVIII e alvorecer do</p><p>século XIX, no contexto das concepções naturalistas e organi-</p><p>II UCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 37</p><p>í'Í 'tas, e no bojo da estruturação originária do conceito de</p><p>deologia como sendo a ciência das ideias, expõe como natural a</p><p>existência de uma escola e de uma formação dualista. Defende</p><p>In mbém como natural, a subordinação do ensino e qualificação</p><p>\18s classes trabalhadoras às necessidades imediatas da produ-</p><p>~'iio, enquanto os filhos das classes dirigentes deveriam ser</p><p>I r parados para governar:</p><p>Os homens de classe operária têm desde cedo necessidade do</p><p>trabalho de seus filhos. Essas crianças precisam adquirir desde</p><p>cedo o conhecimento e sobretudo o hábito e a tradição do traba-</p><p>lho penoso a que se destinam. Não podem, portanto, perder</p><p>tempo nas escolas. (...) Os filhos da classe erudita, ao contrário,</p><p>podem dedicar-se a estudar durante muito tempo; têm muitas</p><p>coisas para aprender para alcançar o que se espera deles no fu-</p><p>turo. (...) Esses são fatos que não dependem de qualquer vonta-</p><p>de humana; decorrem necessariamente da própria natureza dos</p><p>homens e da sociedade: ninguém está em condições de mudá-Ias.</p><p>Portanto trata-se de dados invariáveis dos quais devemos partir.</p><p>(Desttut, 1908)</p><p>Desttut conclui que todo Estado bem administrado deve</p><p>providenciar dois tipos de sistema de instrução totalmente</p><p>I1istintos.'</p><p>Marx e Engels, embora não tenham efetivado uma análise</p><p>I'Kpecífica da questão educacional, em diferentes momentos</p><p>I riticam a perspectiva unilateral da subordinação da escola ao</p><p>capital sob as relações capitalistas e os mecanismos de burla às</p><p>I n rcas conquistas dos trabalhadores contempladas nas cláusu-</p><p>1.1Ssobre educação nas leis fabris. Em suas obras, em diferentes</p><p>m mentos, delineiam-se as bases filosóficas de uma concepção</p><p>ornnilateral de educação e de qualificação humana, inscrita no</p><p>3. Para uma análise do dilema que enfrenta a burguesia na organização dos</p><p>lltllcrnaseducacionais, ver Arroyo (1987).</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Edited by Foxit Reader</p><p>Copyright(C) by Foxit Software Company,2005-2008</p><p>For Evaluation Only.</p><p>38 GAUD~NClO FRIGOnO</p><p>horizonte da instauração de novas relações sociais dentro de</p><p>urna nova sociedade.'</p><p>Nos séculos XIX e XX, particularmente nos países euro-</p><p>peus, ocorrem reformas educacionais, mudanças de perspecti-</p><p>vas pedagógicas, massificação e elevação dos níveis de escola-</p><p>rização. Entre as três mudanças mais significativas deste final</p><p>de século, apontadas por Hobsbawm (1992b), urna é a da cres-</p><p>cente intelectualização e, portanto, de elevação dos patamares</p><p>educacionais em todo o mundo. De forma cada vez mais dissi-</p><p>mulada, todavia, o desenvolvimento dos sistemas de ensino</p><p>solidificaram urna estrutura dualista e segmentada que perdu-</p><p>ra até o presente, ainda</p><p>que de forma diferenciada, em contex-</p><p>tos específicos nas diferentes formações sociais capitalistas."</p><p>Paradoxalmente, é da França já no ocaso do século XX -</p><p>contrastando com o ideário da Revolução Burguesa que há mais</p><p>de dois séculos proclamava a defesa da escola pública, gratui-</p><p>ta, universal e laica -, que nos chegam as análises sociológicas</p><p>mais agudas que demonstram o caráter dominantemente re-</p><p>produtor, dualista e classista da educação, com Bourdieau e</p><p>Passeron (1975), Baudelot e Establet (1971) e Establet (1987).</p><p>A análise da educação no Brasil- desde o Império e a sua</p><p>"boa sociedade" às démarches da República Velha e até os dias</p><p>atuais da República - nos traça um quadro de extrema perver-</p><p>sidade. Somente em 1930 se efetiva um esforço para a criação</p><p>de um sistema nacional de educação, mas chegamos em 1993</p><p>colocando no texto da nova LDB, barganhada e aprovada na</p><p>4. A perspectiva de Marx e Engels sobre a questão educacional pode ser</p><p>apreendida em Marx e Engels, Textos sobre educação e ensino (1983);M. Manacorda,</p><p>Marx e a pedagogia moderna (1991b);e Nogueira, Educação, saber, produção em Marx e</p><p>Engels (1990).</p><p>5. Vários textos da história da educação nos explicitam as mudanças das</p><p>perspectivas pedagógicas e organizacionais dos sistemas educacionais a partir do</p><p>século XVII - Luzuriaga (1971), M. Manacorda (1989), Suchodolsky (1984)e Sa-</p><p>viani (1988).</p><p>II UCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 39</p><p>âmara dos Deputados, com a obrigatoriedade real apenas até</p><p>o quinto ano de escolaridade. Aproximadamente sete milhões</p><p>li crianças estão fora da escola, mais de vinte milhões de anal-</p><p>Ic betos absolutos e 80% da população com uma alfabetização</p><p>precária. As razões desta perversidade são de várias ordens.</p><p>1\pontamos aqui apenas o horizonte por onde entendemos as</p><p>li terminações mais estruturais.</p><p>Num primeiro plano situam-se o fato de sermos uma so-</p><p>iedade que definiu sua independência pelas mãos do coloni-</p><p>zador. Herdamos, pois, urna matriz cultural bastante peculiar,</p><p>onde o colonizado se identifica com o colonizador. Apagam-se</p><p>l raízes ou são renegadas. Perfilamos urna relação de submis-</p><p>H~o. No passado mais remoto, essa submissão se dava em rela-</p><p>'50 aos conquistadores e colonizadores. Hoje, continuamos a</p><p>H 'r colonizados mediante a integração subordinada ao grande</p><p>.apital. Não só somos a sociedade que mais retardou a liberta-</p><p>ção dos escravos, corno pertencemos àquelas que os analistas</p><p>Hituam corno de Terceiro Mundo.</p><p>A Revolução de 1930, embora explicite mudanças e re-</p><p>formas significativas no plano do Estado, da economia e da</p><p>I olítica, não constituiu efetivamente urna ruptura com as</p><p>v lhas oligarquias. A elite industrial que se forjou nos anos</p><p>1920e após 1930 é frágil e dependente das oligarquias agrárias.</p><p>ligarquias que, corno apontam as análises de Bosi (1992),</p><p>Villas (1991), Weffort (1992) entre outros, têm a capacidade de</p><p>manter a desarticulação entre o político e o social (democracia</p><p>política e profunda exclusão social) e de defender a moderni-</p><p>lade e, ao mesmo tempo, de manejar, sem remorsos, a chiba-</p><p>ta senhorial.</p><p>Mantém-se, até hoje, urna cultura que escamoteia os con-</p><p>flitos, as crises, embora a sociedade viva em crises e em confli-</p><p>tos. Sob o paternalismo e clientelismo, dilui-se o conflito capi-</p><p>tal-trabalho, minimiza-se a desigualdade social e a profunda</p><p>discriminação racial. Faz-se a apologia da conciliação e da har-</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Edited by Foxit Reader</p><p>Copyright(C) by Foxit Software Company,2005-2008</p><p>For Evaluation Only.</p><p>40 GAUD~NClO FRIGOTTO</p><p>monia "balofa". O próprio sistema intelectual dominante de-</p><p>senvolve-se com uma postura marcante de desenraizamento.</p><p>No plano econômico, esta matriz explícita-se, como nos</p><p>indica Francisco de Oliveira, no uso dilapidador do fundo</p><p>público. O Estado é estrutura do como uma espécie de deus</p><p>[anus que tem uma dupla face: uma privada e a outra pública,</p><p>que atua em função desta. Historicamente, tem se constituído</p><p>no grande fiador de uma burguesia oligárquica, protegendo</p><p>latifúndios improdutivos, terra como mercado de reserva,</p><p>subsídios sem retorno e especulação financeira. Os incentivos</p><p>fiscais constituem-se na ampliação de subsídios do fundo pú-</p><p>blico ao enriquecimento fácil e rápido de restritos grupos. Uma</p><p>burguesia que sabe ser competente quando apoiada no fundo</p><p>público. Nesta relação misturam-se jogo de influências, forma-</p><p>ção de quadrilhas de corrupção no âmago do aparelho do Es-</p><p>tado, nepotismo e usura.</p><p>No plano político, como analisa Debrum no ensaio A conci-</p><p>liação e outras estratégias (1983), desde a independência até hoje</p><p>se alternam as estratégias da conciliação conservadora, do auto-</p><p>ritarismo e do apelo, no plano do discurso, ao ideário liberal.</p><p>Há, contudo, sinais de rompimentos com esta tradição. As</p><p>marúfestações e démarches que culminaram com o julgamento</p><p>e afastamento de Collor, explicitam um tecido de sociedade que</p><p>tem novas forças e atores sociais em jogo, sinalizando uma nova</p><p>direção. Estes novos atores sociais (novo sindicalismo, movi-</p><p>mentos sociais urbanos, movimentos do campo, movimentos</p><p>das minorias), como veremos adiante, redefinem a relação Es-</p><p>tado-sociedade sob novas bases.</p><p>No plano educacional, mostra-nos A. Candido, que até</p><p>mesmo as propostas de reformas localizadas e de caráter mais</p><p>liberal na década de 1920, como as de Lourenço Filho no Ceará</p><p>em 1924, a de Francisco Campos em Minas Gerais em 1927 e a</p><p>de Fernando de Azevedo, no então Distrito Federal em 1928,</p><p>tiveram ferrenha resistência, especialmente da Igreja. O que</p><p>FDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 41</p><p>t conteceu em 1930 com as propostas da Aliança Liberal no</p><p>plano educacional, insiste Candido, foi reprodução dos meca-</p><p>nismos dos privilégios. Não se tratava, portanto, de uma revo-</p><p>Iução educacional, mas de uma reforma ampla, e, no que con-</p><p>me ao grosso da população, a situação pouco se alterou.</p><p>Nós sabemos que (ao contrário do que pensavam aqueles liberais)</p><p>as reformas na educação não geram mudanças essenciais na</p><p>sociedade porque não modificam a sua estrutura e o saber con-</p><p>tinua mais ou menos como privilégio. (Candido, 1984, p. 28)</p><p>Para Candido, o único país que realizou uma revolução</p><p>I o campo educacional na América Latina foi Cuba, porque fez</p><p>lima verdadeira revolução social."</p><p>Na década de 1950 e início da década de 1960, esboçou-se,</p><p>na sociedade brasileira, em todos os âmbitos, um movimento</p><p>liue apontava para reformas de base e para a implantação de uma</p><p>sociedade menos submissa ao grande capital transnacional, às</p><p>oligarquias e, portanto, mais democrática. Este movimento</p><p>-nvolveu grupos importantes da sociedade: movimentos de</p><p>ultura popular, de erradicação do analfabetismo, de educação</p><p>I opular, cinema novo, teatro popular, movimento estudantil e,</p><p>no plano político-econômico, um projeto que procurava romper</p><p>m a relação de submissão unilateral ao capital transnacional.</p><p>n se processo foi abruptamente interrompido pelo golpe cioil-mi-</p><p>liiar de 1964.7</p><p>6. Uma visão geral da história da educação no Brasil nos é dada por Romanelli</p><p>(1990).No plano da incorporação das teorias e concepções educacionais e do ajus-</p><p>le da educação ao golpe militar, ver Saviani (1988a e 1988b).</p><p>7. A leitura mais apressada deste movimento o reduz a uma espécie de quar-</p><p>telada quando, na verdade, tratou-se de um movimento cuja raiz mais profunda</p><p>Hl' plotava na matriz de um projeto conservador das elites que, para defender seus</p><p>privilégios, o latifúndio e a exclusão social recorrem, de tempos em tempos, à tu-</p><p>u-la dos quartéis. Os organismos intelectuais coletivos deste movimento tinham</p><p>NeLI laboratório no IPES, CONCLAP e IBAD.</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Edited by Foxit Reader</p><p>Copyright(C) by Foxit Software Company,2005-2008</p><p>For Evaluation Only.</p><p>42</p><p>GAUD~NClO FRIGOnO</p><p>o que é aparentemente estranho, mas, posto na matriz</p><p>cultural das elites dirigentes brasileiras já referidas, compreen-</p><p>sível pela sua extrema funcionalidade, é que sem conseguir a</p><p>universalização da escola básica, já a partir do final dos anos</p><p>1930, sob a tutela e subsídio do Estado foi</p><p>montado um eficien-</p><p>te e amplo sistema de comunicação de massa, de início com a</p><p>radiodifusão e, mais tarde, sob as sombras do regime militar,</p><p>as redes de televisão. O monopólio (global) da mídia, em par-</p><p>ticular da televisão, constituiu, como o entende Pasolini (1990),</p><p>um verdadeiro poder fascista.</p><p>Os dados de expansão do sistema educacional e de entra-</p><p>da e permanência na escola e do acesso à televisão nos indicam</p><p>uma progressão aritmética no caso da escola e geométrica no</p><p>caso da TV.Para se ter uma ideia, em relação ao primeiro grau,</p><p>em 1960 o país tinha 86,7 mil estabelecimentos e em 1988, 28</p><p>anos depois, passou para 190,4 mil. No mesmo ano 0,9% dos</p><p>domicílios dos grandes centros urbanos tinham aparelho de TV</p><p>e vinte anos depois, em 1980, esse número progrediu para mais</p><p>de 6 vezes, 55,9 e, em 1989,para 72,6, oito vezes mais. O mesmo</p><p>IBGE mostra que nestes mesmos domicílios, em 1989, 56,1%</p><p>tinham filtro de água em casa, 56,1% geladeira, e 72,6% dis-</p><p>punham de aparelho de TV (IBGE, PNAD, 1989).8</p><p>Ao contrário do que ocorreu na Europa, onde o sistema</p><p>de comunicação de massa se desenvolveu em uma sociedade</p><p>amplamente escolarizada, no Brasil universalizou-se rapida-</p><p>mente, onde a maior parte da população é analfabeta ou se-</p><p>mianalfabeta. Por certo a luta pelo controle democrático da</p><p>mídia é hoje um desafio tão importante quanto a erradicação</p><p>8. Vários trabalhos analisam os meios de comunicação social e seu significado</p><p>político e cultural, como Sodré (1990, 1991), Miceli (1972). Para a análise do signi-</p><p>ficado social, político e cultural da relação entre o sistema educacional inconcluso</p><p>e precário e a universalização do acesso à mídia no Brasil após os anos 1950, ver</p><p>Mazione, M. c., Educação e meios de comunicação de masca: escola, indústria cultural</p><p>e hegemonia burguesa no Brasil.</p><p>IllUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL 43</p><p>Ilt analfabetismo para aqueles que lutam por uma efetiva de-</p><p>mocracia no Brasil.</p><p>Veremos, adiante, como os novos sujeitos sociais vão se</p><p>constituindo no tecido da sociedade brasileira, influenciando a</p><p>r ilação entre Estado e sociedade, materializando, no campo</p><p>, Iucacional, um embate de natureza muito diversa dos emba-</p><p>dos anos 1930 e mesmo dos anos 1950 neste âmbito.</p><p>2. A educação alçada a capital humano - uma esfera específica</p><p>das teorias de desenvolvimento</p><p>Como assinalamos anteriormente, embora a relação entre</p><p>o processo econômico-social e a educação já esti~esse presente</p><p>na escola clássica liberal (Adam Smith, Stuart Mill), a constru-</p><p><,'50 de um corpus teórico dentro de um campo disciplinar-</p><p>I~onomia da Educação - que define a educação como fator de</p><p>I rodução, se explicita somente no contexto das teorias do .de-</p><p>s nvolvimento, mais especificamente na teoria da moderniza-</p><p>(,50, após a Segunda Guerra Mundial.</p><p>A teoria do capital humano é uma esfera particular da teoria do</p><p>desenvolvimento, marcada pelo contexto em que foi produzida,</p><p>uma das expressões ideológicas dominantes desse período. A</p><p>teoria do desenvolvimento, geral e abrangente, pelas suas carac-</p><p>terísticas e pela problemática abordada, é muito mais uma teori.a</p><p>da modernização do que uma teoria explicativa do desenvolvi-</p><p>mento capitalista, isto é, das bases materiais e das condições</p><p>sociais em que assenta o processo de produção e reprodução das</p><p>formações sociais capitalistas. (Grzybowski et alii, 1986, p. 12)</p><p>A construção sistemática desta "teoria" deu-se no grupo</p><p>de estudos do desenvolvimento coordenados por Theodoro</p><p>chultznos Estados Unidos, na década de 1950.O enigma para</p><p>a equipe de Schultz era descobrir o "germe", a "bactéria", o</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Edited by Foxit Reader</p><p>Copyright(C) by Foxit Software Company,2005-2008</p><p>For Evaluation Only.</p><p>44 GAUDÊNClO FRIGOnO</p><p>fator que pudesse explicar, para além dos usuais fatores A (ní-</p><p>vel de tecnologia), K (insumos de capital) e L (insumos de mão</p><p>de obra), dentro da fórmula geral neoclássica de Cobb Douglas,</p><p>as variações do desenvolvimento e subdesenvolvimento entre</p><p>os países. Schultz notabiliza-se com a "descoberta" do fator H,</p><p>a partir da qual elabora um livro sintetizando a "teoria" do</p><p>capital humano, que lhe valeu o prêmio Nobel de Economia</p><p>em 1968 (Schultz, 1973). No Brasil, esta teoria é rapidamente</p><p>alçada ao plano das teorias do desenvolvimento e da equaliza-</p><p>ção social no contexto do milagre econômico.</p><p>A idéia-chave é de que a um acréscimo marginal de ins-</p><p>trução, treinamento e educação, corresponde um acréscimo</p><p>marginal de capacidade de produção. Ou seja, a ideia de capi-</p><p>tal humano é urna "quantidade" ou um grau de educação e de</p><p>qualificação, tornado corno índicativo de um determinado vo-</p><p>lume de conhecimentos, habilidades e atitudes adquiridas, que</p><p>funcionam corno potencializadoras da capacidade de trabalho</p><p>e de produção. Desta suposição deriva-se que o investimento</p><p>em capital humano é um dos mais rentáveis, tanto no plano</p><p>geral do desenvolvimento das nações, quanto no plano da</p><p>mobilidade individual.</p><p>A disseminação da "teoria" do capital humano, corno</p><p>panaceia da solução das desigualdades entre países desenvol-</p><p>vidos e subdesenvolvidos e entre os indivíduos, foi rápida nos</p><p>países latino-americanos e de Terceiro Mundo, mediante os</p><p>organismos internacionais (BID, BIRD, OIT, UNESCO, PMI,</p><p>USAID, UNICEP) e regionais (CEPAL, CINTERFOR), que re-</p><p>presentam dominantemente a visão e os interesses do capita-</p><p>lismo integrado ao grande capital.</p><p>É na crença nesta mágica solução, ao largo das relações de</p><p>poder na sociedade, que um dos mais ilustres representantes</p><p>da escola econômica neoclássica no Brasil, Mário H. Simonsen,</p><p>no final da década de 1960 e início de 1970, pregava ao mundo</p><p>que o Brasil tinha encontrado seu caminho para o desenvolvi-</p><p>EDUCAÇÃO E A CRISEDO CAPITALISMO REAL 45</p><p>mento e eliminação das desigualdades, não pelo incentivo ao</p><p>conflito de classes, mas pela equalização do acesso à escola e</p><p>pelo alto investimento em educação (Simonsen, 1969). O Mobral,</p><p>de triste memória, foi a grande obra, em matéria de educação,</p><p>que Simonsen criou e deixou corno legado.</p><p>Dois aspectos básicos ocupam a literatura que aborda a</p><p>educação corno capital humano, desde o início, internamente</p><p>conflitantes. O primeiro é a tentativa do ponto de vista macro</p><p>e microeconômico de se mensurar o impacto da educação sobre</p><p>o desenvolvimento. O pomo de discórdia aqui é de ordem</p><p>metodológica e não de concepção. No plano da literatura inter-</p><p>nacional destacamos, na perspectiva macro, os estudos de</p><p>Harbinson e Myers (1964) e no plano nacional, os de Langoni</p><p>(1974) e Simonsen (1969), que tentaram mensurar o impacto da</p><p>educação de forma agregada no desenvolvimento ou desenvol-</p><p>ver métodos de projeções e de previsão de necessidades de mão</p><p>de obra e nível de instrução, corno manpower approach. No pla-</p><p>no micro, a ênfase é na análise de custo, taxa de retorno, cus-</p><p>to-benefício, análises de oferta e demanda etc. Blaug (1972) e</p><p>Becker (1964) são dois dos principais representantes interna-</p><p>cionais e C. Castro (1971,1976), no Brasil.</p><p>O segundo aspecto básico, o mais importante para o que</p><p>nos interessa na discussão que faremos adiante, centra-se no</p><p>debate sobre o pressuposto básico e mais amplo da "teoria",</p><p>que é da educação ser produtora de capacidade de trabalho. A</p><p>questão básica é, pois, corno e que tipo de educação é gerador</p><p>de diferentes capacidades de trabalho e, por extensão, da pro-</p><p>dutividade e da renda.</p><p>Aqui, urna vez mais, sem romper com a matriz conceptual</p><p>(da metafísica da cultura, diria Kosik, 1986), o embate é sobre</p><p>o que de fato produz a capacidade de potenciar trabalho e o</p><p>que a escola efetivamente desenvolve: conhecimento e habili-</p><p>dades técnicas específicas ou determinados valores e atitudes</p><p>funcionais ao mundo da produção. Os estudos dos economistas</p><p>Tyrone</p><p>Highlight</p><p>Edited by Foxit Reader</p><p>Copyright(C) by Foxit Software Company,2005-2008</p><p>For Evaluation Only.</p><p>46 GAUDÊNClO FRIGOTTO</p><p>(neoclássicos) tendem a valorizar o primeiro aspecto, enquan-</p><p>to os sociólogos (funcionalistas), o segundo. Parsons (1961) e</p><p>Dreben (1968) são dois representantes da sociologia funciona-</p>